Pela Liberdade de Contar a Própria História: As Contribuições da Abordagem Pós-Colonialista para o Estudo das Relações Internacionais

June 15, 2017 | Autor: Lucas Barbosa | Categoria: International Relations Theory, Postcolonial Studies, Subaltern Studies
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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA  TEORIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS II  PROF. HENRIQUE ZEFERINO DE MENEZES        Pela Liberdade de Contar a Própria História: As Contribuições da Abordagem  Pós­Colonialista para o Estudo das Relações Internacionais  For the right of the individual to tell his own story: The contributions of the postcolonial  approach to the study of International Relations        Caio Ponce de Leon Ribeiro Freire  Lucas Barbosa da Silva      Resumo:  ​ O  presente  artigo  visa  elucidar  algumas  questões  pontuais  sobre  a  teoria  pós­colonialista,  analisando  desde  sua  formação  enquanto  teoria,  até  as  suas   implicações  no  campo  de  estudos  das  Relações  Internacionais.  Expõem­se  aqui  diversos  pontos  de  vistas  de  diversos  autores  de todo o globo que ora convergem, ora divergem quanto a teoria e ajudam a  esboçar bem o caminho teórico que trilha o pós­colonialismo.     Palavras­Chave: ​ Pós­Colonialismo; Quarto Debate; Orientalismo; Estudos Subalternos.    Abstract:  ​ This  article  aims   to  elucidate  some  punctual  questions  about  the  postcolonialist  theory,  since  its  formation  as  a  theory,  till  its  implications  in  the  field  of  International  Relations  studies.  It  is  exposed  here  diverse  standpoints  of  diverse  authors  from  all  over  the  world  who  sometimes  converge  and  sometimes  diverge  of  the  theory  and  help  to  sketch  the  theoric path treaded by the postcolonialism.     Keywords: ​ Postcolonialism; Fourth debate; Orientalism; Subaltern studies.                  João Pessoa  2015 

1. Introdução: Pode­se fugir dos padrões argumentativos nos estudos teóricos?    Este  artigo,  com  já  exposto  em  seu  resumo,  visa  a  elucidação  de  certos  pontos  da  teoria  pós­colonialista.  Não  somente  no  campo  de  estudos  das  Relações  Internacionais,  porque,  como  se  há  de   ver  no  desenvolver  do  trabalho,  é  impossível,  ou  ao  menos,  muito  desaconselhável,  prender  o  pós­colonialismo  em  apenas  uma  área  de  conhecimento,  já  que  ela  se  encaixa  nos  mais  diversos  domínios  científicos,  desde  a  sociologia,  à  filosofia,  aos  estudos  das  terminologias,  antropologia  e  até  o  mundo  das  Relações  Internacionais.  Procura­se,  de   certa  maneira,  elencar  os  pontos  que  mostram  a  teoria  pós­colonialista  enquanto  um  caminho  teórico  que  tenta  “desmarginalizar”  certos  assuntos,  como  os  povos  e  culturas  dos  países  dominados  pelas  grandes  potências  europeias  do  século  XVI.  Sem,  contudo,  encobertar  totalmente  todas  as  análises  pós­colonialistas  que sejam feitas, tendo  em  mente  que  se  pode  usá­las,  também,  para  perpetuar  o  ​ status  quo  eurocêntrico,  em  certos  casos.          2.  Surgimento e debates internos do pós­colonialismo    Antes de entrar nas discussões internas da corrente pós­colonialista faz­se necessária a  prévia  apresentação  da  corrente.  Como  surgiu  e  como  desenvolveu­se,  não  somente  a  teoria  em  si,  como  também  as  diversas  vertentes  que  surgiram  a  partir  dela.  Como  comenta   Grovogui  (2013)  “eu  uso  o  termo  pós­colonialismo  para  introduzir  uma  multiplicidade  de  perspectivas,  tradições  e  abordagens  a  questões  de  identidade,  cultura  e  poder”  (GROVOGUI,  2013,  p.  248,  tradução  nossa),  pode­se  observar  que  a  teoria  pós­colonialista  compreende  uma  ampla  gama  de  visões  e  tem  diversos  pontos  de  surgimento. A diversidade  que  vem  dos  diferentes  estudos  que  são  associados  ao  pós­colonialismo  chegou  a  causar  certas  confusões  no  âmbito  acadêmico,  devido  a  essa  grande  variedade  de  divergências  e  convergências (GROVOGUI, 2013).  Porém,  o  nome  “pós­colonialismo”,  por  mais sugestivo que seja, acaba por gerar uma  outra  dúvida: que período é abordado? Esse questionamento é levantado  por Peter Childs  e R.  J.  Patrick  Williams  (1997)  no  capítulo  ​ When  is   the  post­colonial?  em  seu  livro  ​ An  Introduction  to  Post­Colonial  Theory​ .  Os  autores  expõe  que  sim, o nome  pode dar uma ideia  de  que  o  tema  abordado  é  o  período  após  o  tido  “colonialismo”,  porém,  qual  colonialismo?  Diversos  foram  as  colônias  e  impérios  que  se  esfacelaram  em  períodos  diferentes:  o  francês  ou  o  britânico,  em  meados  do século XX, o espanhol ou português no começo do século XIX  ou  mesmo  a  grande  derrocada  britânica  com  a  independência  dos  EUA,  no  final  do  século  XVIII. Sucintamente os autores afirmam: “então a resposta de alguém à pergunta “quando é o  pós­colonial?”  é  “agora””  (CHILDS  &  WILLIAMS,  1997,  p.  2,  tradução  nossa),  justamente  o  que  condiz  ao  que  é  mais  aceito  pelos  estudiosos  do  pós­colonialismo,  o  período  que  compreende  o  desenvolvimento  do  conjunto  inteiro  dos impérios coloniais europeus, desde o  século XVI até a atualidade, com enfoque especial no século XIX.  Os  autores frisam, em sua conclusão, que veem a corrente como  um período histórico,  mais  precisamente  como  uma  fase  do  imperialismo,  e  que  seria  melhor  entendido  como  a 

“globalização  do  capitalismo”,  sem  contudo  limitá­la apenas a esses termos, afirmando que o  pós­colonialismo  tem  uma  dimensão  global,  de  certa  maneira,  assim  como  o  fez  Grovogui  (CHILDS & WILLIAMS, 1997).   Fechada  a  reflexão  introdutória  sobre  “de  quando  se  fala”,  pode­se  então  passar  às  questões mais internas da corrente, como o que a compõe. Lazare Rukundwa e Andries Aarde  (2007)  apontam  algumas  justificativas  para  a  formação  da  teoria  pós­colonialista:  a  humanitária  ­  com  o ímpeto de traçar a origem do pós­colonialismo pela  história,  mas a partir  de  um  ponto  de  vista  que  o Ocidente teve dos eventos de anti­escravismo e anti­colonialismo  ­,  econômica  ­  o  motivo  das  objeções  econômicas  que  surgiram  visavam  apenas  a  salvaguardar  os  próprios  interesses  econômicos  das  nações  industrializadas  ­,   política   ­  o  lucro  que  advinha  das  colônias  era  apenas  ilusório  já  que  os  custos  para  protegê­las  eram  muito  grandes  devido  aos  conflitos  internacionais  que  geralmente  ocorriam  devido  a  elas  mesmo  ­  e  religiosa  ­  mesmo  sendo  acusada  de  conivência,  a  Igreja  fez  muitos  sacrifícios  pelas  campanhas  contra  o  escravismo  e  colonialismo.  O  pós­colonialismo  teria  se  desenvolvido,  logo,  a  partir   de  uma  filosofia  anti­colonial  que  é  ​ per  si  híbrida,  juntando  o  passado ao presente e dando origem a uma nova visão das identidades sócio­políticas.  Desse  modo,  a  teoria  pós­colonialista  não  dá  ênfase  às  antigas  culturas  nativas,  nem  tampouco  traz  uma  cultura  totalmente  nova,  mas  dá  um resultado misto entre elas:  “a cultura  pós­colonial  é  um  fenômeno  “inevitavelmente  híbrido””  (ASHCROFT  et  al,  1989,  ​ apud  RUKUNDWA  &  AARDE,  2007,  p.  1187,  tradução  nossa)  ­  o  que  justifica a ampla gama de  áreas  acadêmicas  as  quais  a  teoria  abarca  e  que  já  foram  citados  mais  acima.  Em  síntese,  os  autores  expõe  que   a  teoria  pós­colonialista  surgiu  a  partir  das  experiências  coloniais  vividas  pelos  povos  que  lutaram  pela  sua  liberação  ao  redor  do  mundo,  particularmente  na  África,  Ásia  e  América   Latina  ­  corroborando  o  que  afirma  Grovogui  quando  escreve:  “o  pós­colonialismo  tem  muitos  pontos  de  origem  na  África,  Austrália,  Ásia,  América  Latina”  (GROVOGUI, 2013, p. 248, tradução nossa).  Como  já  apontado,  os  teóricos  pós­colonialistas  têm  divergências  entre  si  também  pelo  fato  já  dado  da  ampla  gama  de  áreas  acadêmicas  que  abrange.  Ainda  dentro  desse  ambiente  antagônico,  há  quem  confronte  a  ideia  do  mundo  encontrar­se  numa  era  “pós­colonial”,  como  Graham  Huggan  (1996),  professor  de  Commonwealth  e  literaturas  pós­coloniais  da  Universidade  de  Harvard,  afirma  em  ​ The  Neocolonialism  of  Postcolonialism:  A  Cautionary  Note​ :  “Vivemos  numa  era  neocolonial,  não  pós­colonial”  (HUGGAN,  1996,  p.  19).  O  autor  aponta  várias  vezes  em  seu  artigo  como  os  estudos  sobre  pós­colonialismo  poderiam  estar  simplesmente  perpetuando  a  visão  eurocêntrica,  que  já  domina  o  campo,  dos  estudos  acadêmicos.  Seja  por  meio  de  apenas  divulgações  em  línguas  europeias,  marginalizando  as  demais  línguas das colônias, ou mesmo por meio da exploração  financeira de culturas alheias, usando suas histórias e populações:    “Poderiam  os  estudos  pós­coloniais  serem  descritos,  então, como  inadvertidamente  neocoloniais  ou  implicitamente  exóticos  em  suas  conclusões  sobre  culturas  estrangeiras?   Sim,  até  certo   ponto,  se  eles  são  usados  como  turismo  intelectual  ou  tentam  capitalizar­se  na  “alteridade”  de  povos  e   culturas  marginalizados.   (...)  Os  estudos  pós­coloniais,  mesmo  que  sejam  mais  refinados  teoricamente  que  seus 

predecessores  (...)  está  fadado  a  sofrer  as  consequências  de   suas  ambições  intelectuais,  que  surgem   largamente  de  seus  emergente,  porém  ainda  periférico,  status  dentro  do  framework  institucional  da  acadêmia  ocidental  (euro­americana).”  (HUGGAN, 1996, p. 21, tradução nossa)   

Há  de  se  lembrar  aqui  que  Grovogui  (2013)  já  escrevia  que,  nos  meios  metropolitanos,  os  racionalistas,  humanistas  e  outros  cosmopolitanos,  tiveram  acesso  a  um  vasto  acervo  de   conhecimento  global  e,  ainda,  contaram   com  todos  os  instrumentos  científicos  disponíveis  à  época,  para  estudá­los  a fundo da maneira que  bem entendessem, ao  mesmo  tempo  que,  para  quaisquer  nativos,  esse  conhecimento,  quando  podia  ser  alcançado,  era absurdamente menos rico em relação àquele que se tinha acesso na metrópole.  É  fato  que  a  teoria  pós­colonial  foca  nos  estudos  de  identidades  e  culturas  dos povos  colonizados,  como  bem   aponta  o  próprio  Grovogui  (2013)  que  discorre  sobre  essa  ideia,  principalmente  ligada  aos  estudos  no  mundo anglófono, e que introduz a obra ​ Orientalism de  Edward  Said  (1987)  ­  expondo  vários  casos  de  relações  Europa­África  (ou  Ocidente­África,  se  incluirem­se  aqui  os  EUA),  em  especial  os  fatos  que  acarretaram  na  derrocada  do  líder  líbio  Muammar  al­Gaddafi.  A  partir  do  que  escrevem  Harry  Oldmeadow  e  Huston  Smith  (2004)  pode­se  aqui  dissertar  brevemente  os  objetivos  de  Said  em  sua  obra.  O  autor,  primeiramente,  interessou­se  na  percepção  e  subjugação  do  mundo  islâmico  do  Oriente  Médio  por  parte  do  “ocidente”,  sua  tese  ultrapassou  apenas  essa  análise  e  passou,  posteriormente,  a  englobar  toda  a  influência  europeia  sobre  o  continente  asiático  como  um  todo.  Escreve,  logo,  que  os  intelectuais  ocidentais  teriam  criado  um  “oriente”  que  seria  sua  fábrica  de   “ficções  ideológicas”  para  fazer  a  contraposição  com  sua realidade europeia e não  só  legitimá­la,  como  também  pô­la  num  patamar  mais  avançado  tanto  político  como   socialmente:  “O  orientalismo  é  um  “conhecimento  colonizado”  que  gera  uma  série de dicotomias   esteriotipadas  entre  um  “ocidente”  racional,  democrático,  humanístico,  criativo,  dinâmico,  progressivo  e  “masculino” e  um  “oriente”  irracional,  despótico,  opressor,  atrasado,  passivo,  estagnado  e  “feminino”.   Em  termos  psicológicos,  essa  representação  ideologicamente  carregada  do  oriente  pode ser vista como o reprimido  “outro” do ocidente.” (OLDMEADOW & SMITH, 2004, p. 8, tradução nossa) 

  Vê­se,  pois,  que  essa  ascensão  do  debate  orientalista  no  campo  de  estudos  do  pós­colonialismo  pôs  em  questão  o  universalismo  eurocêntrico  que  pairava,  e que paira até a  atualidade,  não  só  os  estudos,  mas  também  quase que a integridade dos discursos que tomam  o  pós­colonialismo  como  lente  teórica.  Pode­se  sugerir,  de  certa  forma,  que  o  uso  do  orientalismo,  como força balanceadora da visão eurocêntrica, seria uma solução para o uso da  teoria  pós­colonialista  de maneira “depreciativa” ­ apenas usando as culturas alheias para alto  promover­se e capitalizar­se ­, como foi apontado por Huggan,  já citado. O orientalismo teria,  logo, um importante papel de “equilibrador” da balança teórica pós­colonialista.  Não  somente  o  orientalismo  enquadra  o  eurocentrismo,  íntrinseco  às  análises  pós­colonialistas,  como  também  o  fazem  outras  correntes  teóricas  como  o  marxismo,  por  exemplo.  São,  entretanto,  teorias  que  surgem  num  universo  à  parte  daquele  pós­colonialista, 

diferentemente  do  orientalismo  que  surge  no  seio  da  corrente.  Analisar­se­ão,  a seguir, essas  demais correntes que criticam o pós­colonialismo a partir de uma perspectiva exterior.      3.  Contribuições para o estudo das Relações Internacionais    O  estudo  da  política  internacional  sempre  esteve  estritamente  ligado  à  realidade  política internacional.  As RI surgem como disciplina logo depois da Primeira Guerra Mundial  com  o  claro  objetivo  de  evitar  que  outra  guerra  com  semelhantes  proporções  tornasse  a  acontecer.  A  nova  realidade  internacional,  marcada  pelas  significativas  mudanças  ocorridas  ao  longo  do  século  XX,  a  saber,  a  nova  divisão  do  trabalho,  a  transnacionalização  da  produção  e  do  consumo,  a   fragmentação  e  disseminação  das  culturas  e  o  consequente  multiculturalismo,  a  diluição  das  fronteiras,  entre  outras  coisas,  chamam  a   atenção  para  a  necessidade  de   abordagens  que  transcendam  as  teorias  tradicionais,  voltadas  à  resolução  de  problemas  pontuais.  Neste  contexto,  ganham  espaço  na  disciplina  as  teorias  críticas,  que  no  geral  se  propõem  a  investigar  a  partir da análise histórica as causas estruturais dos problemas  da  sociedade  internacional,  refletindo  soluções  que  vão de encontro às suas raízes, em vez de  buscar panaceias infalíveis para seus aspectos superficiais.  Em  1966,  Martin  Wight  escreve  seu  artigo  com  título  provocativo  ​ Why  is  there  no  international  theory.  ​ O  autor  é  bastante  pessimista  em  relação  às  RI  enquanto  campo  investigativo,  pois  carece,  segundo  ele,  de  um  aporte  filosófico  clássico  para  conferir­lhe  independência  acadêmica,  levando  seus  pesquisadores  a  tomarem  como  base  teóricos  gerais  da  ciência  política  e  sociologia,  entre  outras  áreas.  Faltaria  também  um  sistema  conceitual  capaz  de   fornecer  uma  explicação  unificada  do  fenômeno internacional.   ​ Num contexto bem  mais  recente,  quando   a  ainda  jovem  ciência  da  guerra/paz  já  goza  de  um  status  mais firme e  já  é  capaz  de  participar  de  um  diálogo  mais  efetivo  com  outras  áreas  do  conhecimento  humano,  Cynthia  Weber  escreve,  parafraseando  Wight   seu  ​ Why  is  there  no  queer  international  theory​ ,  em  que  atenta  para  o  fato  de  que  o  espaço  longamente  almejado  pelo  feminismo  nas  RI,  que  ainda   não  foi  plenamente  conquistado,  está  ainda  bastante  fechado  a  perspectivas  como  os  estudos  queer,  que  buscam  analisar  as  relações  sociais  em  termos  de  orientação  sexual   e  identidade  de  gênero  e  os  processos  de   normatização  comportamental  relacionados  a  essa  temática.  Argumenta­se  que  não  há  uma  teoria  “gay”  das  relações  internacionais  por  falta  de  interesse  dos  acadêmicos  em  pesquisar  tais  questões.  Weber  responde  que  apesar  da  quantidade  expressiva  de  submissões  de  artigos  na  área  para  paineis  da  ISA  e  das  importantes  publicações  dos  últimos  20  anos  analisando  especificamente  esse  assunto. A dificuldade em encontrar espaço na disciplina se dá porque…     “O  código  disciplinador  das  RI  classifica vários tipos  de teorias como falhas. Este código ­  que  aspira,  mas  não  chega  a  ser a  própria  disciplina  em  si  ­  [...]  claro,  muda  à medida em  que  se  alteram  as  forças  sociais,  culturais,  econômicas e políticas.  Em qualquer  particular  momento  histórico  da   disciplina,  os   acadêmicos  adquirem  naturalmente  um  tipo  de  conhecimento  de trabalho do código disciplinador das RI, que contem uma série de padrões  que  regulam,  controlam  e  normalizam  a  “conduta  da  conduta”   (FOUCAULT,  1994)   no  procedimento  acadêmico.  Embora hajam variações nacionais e institucionais na  medida em  que  esses  padrões  são  aceitos,  é  exigido  da  maioria  dos  acadêmicos  das  relações  internacionais  que  justifiquem seu  trabalho  com  base  em  tais  padrões,  em algum ponto de  suas carreiras.” (WEBER, 2015, tradução nossa) 

   

Se  usando  do  mesmo  argumento  Barry  Buzan  e  Amitav  Acharya se perguntam “​ Why  is  there  no  non­Western  theory?”.  ​ Os  estudos  pós­coloniais  são   estudos   de  fronteiras:  entre  disciplinas;  entre  grupos  nacionais  e  étnicos;  entre  os incluídos e os excluídos (NOGUEIRA,  MESSARI).  As  Relações  Internacional,  embora  sejam  um  campo  bastante  vasto  e  multidisciplinar,  ainda  é  falho  de  agregar  em  suas  análises  os  saberes  chamados  de  subalternos,  subjulgados.  A  seguir, faz­se um breve diálogo entre o pós­colonialismo e outras  correntes das RI.  O  Realismo  Clássico  trabalha  sobre  a  premissa  do  estado  de  natureza  hobbesiano  aplicado  à  realidade  internacional.  O  Estado  protagonista  das  relações  no  sistema  internacional,   que  é  anárquico,  deve  buscar  acima  de  qualquer  coisa,  por  sobrevivência.  O  foco  do  realismo  está  na   soberania,  poder  militar  e  interesse  nacional.  Com  base  em  autores  clássicos  como  Hobbes,  Tucídides  e   Maquiavel,  afirma  que  a  política  internacional  está  alicerçada  sobre  a  natureza  do  homem,  fator  permanente  da  condição  humana.  Para   o   neorrealismo,  os  estados  buscam  poder  por  causa  da  estrutura  internacional  anárquica,  não  apenas  pela  natureza  humana  sedenta  de  poder.   Ambos  os  tipos  de  realismo  giram  em  torno  do  conceito  de  anarquia,  e  da  procura  egoísta  pela  maximização  dos  próprios  privilégios.  O  poder  no  realismo  aparece  como  um  conceito  desagregado   (militar,  econômico,  político),  instrumental  e  um  fim  em  si mesmo. Além disso, o realismo ignora as maneiras pelas quais o  poder  é  produzido  e   o   papel  da  ideologia,  cultura,  entre  outras  coisas,  no  processo  de  constituição do poder e das práticas nas relações internacionais.   A  crítica  do  pós­colonialismo  à  Escola  Inglesa  é  à  lógica  do  funcionamento  dos  Estados  nacionais.  Para  obter   os  resultados  esperados,  na  comunidade  internacional,   é  necessário  possuir  um  status  político  que  o  torne  apto  ao diálogo. Nesta comunidade nascida  da  Paz  de  Westfália,  a  condição  de  Estado  não  advém  somente  da  vontade  do  que  a  aspira,  mas  da disposição da comunidade de aceitá­lo como tal. Assim, uma formação social que não  dispõe  das  condições  para ser considerado um Estado (território, nação e poder de fogo capaz  de  intimidar  alguns  a  rejeitá­la)  terá  negada sua existência política e a possibilidade de lograr  por  visibilidade  no  cenário  internacional.  A crítica ao Liberalismo  é à pretensa aplicabilidade  universal  de  seus  princípios  centrais,  como  o  mercado  e  o  individualismo,  e  ainda  outros  termos  como  cidadania,  democracia  e  justiça,  construídos  a  partir   de  uma  perspectiva  europeia.  O  livro  de  Duncan  Ivison,  Postcolonial  Liberalism  se  propõe  a  responder  a  esses  questionamentos.  Para  o  marxismo,  o  poder  é  um  fator  característico  da  economia  capitalista,  e  é  ao  mesmo  a  causa  e  uma   consequência  das  relações  entre  ricos  e  pobres,  centro  e  metrópole,  desenvolvido  e  subdesenvolvido.  Embora  a  perspectiva  marxista  esteja  claramente  ligada  a  qualquer  abordagem  crítica,  que  se  proponha  a  questionar  as relações de poder focalizando o  indivíduo,  percebe­se  na  obra  de  Karl  Marx  uma  forte  influência  da  maneira  de  pensar  denunciada  pela   abordagem  pós­colonialista.  Marx,  convicto  crítico   do   regime  colonial  inglês,  afirmou  que  mesmo  destruindo  a  Ásia,  só  graças  ao  poderio  inglês  aquela  região  poderia  almejar  uma  verdadeira  revolução  social  no  futuro,   pois  cria  ser  o  imperalismo  uma  condição  necessária  para  o  desenvolvimento  capitalista  que  por  sua  vez  conduziria  cedo  ou  tarde à revolução.     “Ora,  por  mais  revoltante  que  deva  ser  para  o  sentimento  humano,  testemunhar  essas  miríades  de  organizações  laboriosas,  patriarcais  e  inofensivas   sendo  desorganizadas  e  dissolvidas  nas  suas  unidades,  arremessadas  num  mar  de  sofrimentos,  e  seus  membros  individuais  perdendo  ao  mesmo  tempo  a  sua  antiga  forma  de  civilização   e   seu  meio  hereditário  de  subsistência,  não  devemos esquecer  que  essas  comunidades  de  vila  idílica,  por  mais  inofensivas  que  possam  parecer,  sempre  foram  o  fundamento  sólido  do  despotismo oriental,  que  elas reprimiram a  mente humana dentro da menor esfera possível, 

tornando­a  o  instrumento  submisso  da  superstição,   escravizando­a  a  regras  tradicionais,  privando­a de  todas  as  energias  grandiosas  e  históricas.  A  Inglaterra,  é  verdade,  ao causar  uma revolução social  no Hindustão, foi impulsionada apenas pelos interesses mais vis, e foi  estúpida  na  sua  maneira de impô­los. Mas essa não é a questão. A questão é: a humanidade  pode  cumprir  o  seu   destino  sem  uma  revolução  fundamental no  estado  social  da Ásia?".  (Karl Marx, British Rule in India, 1853)   

O marxismo e o pós­colonialismo, ambos pensam  a ideologia de maneira negativa. Na  perspectiva  marxista,  ideologias  como  o  capitalismo,  o  patriotismo,  religião,  entre  outras  coisas,  levam  os  homens  a  tomarem  decisões  políticas  e  econômicas  que  são  na  maioria  das  vezes  repressivas.  O  pós­colonialismo  reflete  sobre  como  países  ocidentais,  controlados  por  suas  ideologias  em  relação  a  certos  povos,  raças,  línguas,  etc, reprimem  outras nações. Essas  ideologias  são  o  racismo,  orientalismo,  eurocentrismo,  etc.  A  principal  divergência  está  no  fato  de  que  o  marxismo  está  mais  preocupado  com  os  produtos  econômicos  e  políticos  da  ideologia,  e  o  pós­colonialismo  com  os  aspectos  culturais  e  psicológicos  da  colonialidade.  Apesar  das  grandes  possibilidades  de  associar  essas  duas  perspectivas  Marx,  que  recorre  quase  absolutamente  à  literatura  ocidental  e  considera  seu  sistema  dogmático  como  universalmente  aplicável,  tal como fazem os defensores das abordagens tradicionais, o faz ser  apontado por muitos como eurocêntrico.   A  teoria  crítica  está  ancorada  no  marxismo,  especialmente  na  ideia  de  que  é  preciso  “não  apenas  compreender  o  mundo,  mas  transformá­lo”.  É  universalista, como outras teorias  progressistas,  mas  procura  compreender  individualmente  cada  situação.   Ao  contrário  do  marxismo  tradicional  e   do   liberalismo,  por  exemplo,  não  oferece  visões  concretas  de  um  futuro  ideal,  mas  posiciona­se  contra  o  exclusivismo  e  a  favor  da  emancipação.  O  Construtivismo,  que  emergiu  nos  últimos  25  anos  como  crítica  ao  debate  neo­neo e sua falta   de  ênfase  nas  normas  e  ideias  que  movimentam  a  politica  internacional.  Segundo  essa  perspectiva,  as  características  de  um  estado,  bem  como  seus  objetivos   por  normas,  regras  e  ideias.  Tem  em  comum  com  o  pós­colonialismo  a  crítica  à  anarquia  e  busca  dos  próprios  interesses, do realismo, e o individualismo e materialismo da perspectiva liberal.   Nos  Estudos  de Segurança, a abordagem pós­colonial vem trazer uma discussão sobre  “experiências  de  vários,  como  migração,  escravidão,  supressão,  resistência,  diferença,  raça,  gênero  e  o  lugar   de um entre os outros” (Power, 2013). Além disso, é um lugar comum o fato  de  que  o  termo  segurança  é  frequentemente  usado  para  justificar  medidas  que  almejam,  não  necessariamente  a  proteção  da  população,  mas  muitas  vezes  a  limitação  das  liberdades  individuais.  O  discurso  do  medo  se  baseia  na  ideia  do  “Outro”,  expressa  por  Said  em  seu  Orientalismo.  E  o  outro  é  o  islâmico,  radical,  que  desconhece  os  princípios  morais  do  Ocidente  liberal.  A  abordagem  pós­colonialista  permite  então uma análise mais profunda das  reais fontes de ameaça, livre de preconceitos e juízos de valor.    4. Considerações Finais    Em  suma,  o  pós­colonialismo  traz  às   Relações  Internacionais  a  possibilidade  de  buscar  soluções para os problemas do cenário internacional através de uma análise que não se  limita  a  anarquia,   o   interesse  nacional,  ou  qualquer  outra  verdade  fixa.  Raríssimos  conflitos  entre  nações,   ou   mesmo  intranacionais  não  envolvem  em,  alguma  instância,  as   questões  tratadas  pelo  pós­colonialismo.   Nestas  primeiras  duas  décadas  do  século,  o  choque  entre  a  civilização  ocidental  e  oriental  (islâmica,  especialmente)  e  o consequente discurso enviesado  contruído  em  torno  da  ameaça  do  “Outro”, fazem esta abordagem claramente necessária para  o estudo das Relações Internacionais. 

Referências Bibliográficas    ACHARYA,  Amitav;  SMITH,  Steve.  ​ Non­Western  International  Relations  Theory:  Perspectives on and Beyond Asia    ACHARYA, Amitav; BUZAN, Barry. ​ Why is there no non­Western international theory?  In:  ACHARYA,  Amitav;  BUZAN,  Barry.  Non­Western  International  Relations  Theory,  Routledgle, 2010    CHILDS,  Peter;  WILLIAMS,  R.  J. Patrick. Introduction: Points of departure. In: ______. ​ An   Introduction  to  Post­Colonial  Theory.  ​ Londres:  Prentice  Hall,   1997.   p.   1­25.  Disponível  em:  . Acesso em: 05 dez. 2015.    GROVOGUI,  Siba  N..  Postcolonialism.  In:  DUNNE,  Tim;  KURKI,  Milja;  SMITH,  Steve.  International  Relations  Theories:  ​ Discipline  and  Diversity.  Oxford:  Oxford  University  Press, 2013. p. 247­265.    HOLLIS,  Martin;  SMITH,  Steve.  ​ Explaining  and  Understanding  International  Relations  (Oxford: Oxford University Press, 1991), Introduction.    NOGUEIRA, J. P; MESSARI, N. ​ Teoria das Relações Internacionais, ​ Elsevier, 2005    OLDMEADOW,  Harry;  SMITH,  Huston.  The  Debate  about  “Orientalism”.  In:  ______.  Journeys  East:  ​ 20th  Century  Western  Encounters  with   Eastern  Religious  Traditions.  Bloomington:  World  Wisdom,  2004.  p.  3­19.  Disponível  em:  . Acesso em: 05 dez. 2015.    RUKUNDWA,  Lazare  S;  VAN  AARDE,  Andries  G.  The  formation  of  postcolonial  theory.  Hts​ ,  Pretoria,  v.  3,  n.  63,  p.1171­1194,  2007.  Disponível  em:  .  Acesso  em:  05  dez.  2015.    SAID, Edwad. ​ Orientalismo. ​ Companhia de Bolso, 2007    WEBER,  Cynthia.  ​ Why  is  there  no  queer international theory?​ . Forthcoming in European  Journal of International Relations, março de 2015.         

       

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