\"Pela literatura, o Brasil\". Prefácio do livro \"Pelo sertão, o Brasil\". Org. Marcos Paulo Pereira e Marcelo Lachat. Editora da Unifap, 2016.

May 31, 2017 | Autor: Cesar Melo | Categoria: Literatura brasileira, Pensamento Social Brasileiro, Sociologia da Cultura
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Pelo Sertão, o Brasil Organizadores

Marcos Paulo T. Pereira Marcelo Lachat

Marcos Paulo T. Pereira Marcelo Lachat (Organizadores)

Pelo Sertão, o Brasil

Editora da Universidade Federal do Amapá

Pelo sertão, o Brasil

Prefácio Pela literatura, o Brasil Alfredo César Melo

Os artigos que o leitor encontrará a seguir são, na sua maior parte, frutos de trabalhos de aproveitamento para uma disciplina chamada “Literatura e Sociedade”, ministrada no programa de pós-graduação em teoria e história literária da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) no segundo semestre de 2015. A proposta da disciplina era discutir as interseções entre romance e pensamento social no Brasil. Partimos de um pressuposto crítico, com fortes ressonâncias na tradição dos estudos literários brasileiros, que identificava no romance uma forma de interpretação do Brasil que nada ficaria a dever àquelas produzidas pelos famosos hermeneutas da nação – gente como Euclides da Cunha, Gilberto Freyre, Sérgio Buarque de Holanda, Paulo Prado, Darcy Ribeiro, Oliveira Vianna e Caio Prado Jr. Deve-se ressaltar que os artigos deste livro não se fiam numa ingênua ideia da literatura enquanto reflexo da realidade. Não há, nos textos a seguir, qualquer concepção de uma realidade brasileira prévia e acabada à espera de algumas narrativas para ser descoberta. Os romances e ensaios analisados tecem e cristalizam representações sobre o Brasil que têm repercussões até os dias de hoje. Em certa medida, podemos dizer que são obras que ajudaram a 9

Pelo sertão, o Brasil inventar a imagem que temos hoje do Brasil, ao invés de simplesmente revelar o Brasil como um ente fixo e preexistente às narrativas sobre o país. Mobilizando discursos sociológicos, antropológicos e políticos, essas produções culturais criaram angulações novas para examinar problemas antigos e suscitaram questões inesperadas. O leitor encontrará nos artigos uma moldura dialógica de análise, que estuda as obras literárias num contexto discursivo o mais amplo possível. Não é por acaso que o título do livro é Pelo sertão, o Brasil. O sertão é um topos do pensamento social e da literatura brasileira. Imaginado como o heartland da nação, não se pode pensar a parte (sertão) sem nos referirmos aos grandes impasses ideológicos do todo (Brasil). O tema do sertão está no longo levantamento feito por Camila Teixeira Lima sobre as inúmeras representações criadas em torno da região. Aparece como contraponto rústico ao projeto civilizatório de Formação da literatura brasileira de Antonio Candido, como mostra tão bem Eduardo Mejía Toro. Também emerge no exame que Marcos Paulo Torres Pereira faz do fratricídio figurado no grande clássico da literatura brasileira, Os sertões de Euclides da Cunha. Inspirada em Ficções fundacionais de Doris Sommer, Bruna Tella Guerra investiga como se dá a relação entre eros e polis, amor e nação, naquele que é considerado um dos maiores romances brasileiros do século 20, Grande Sertão: Veredas, e que tem na relação tensa e ambígua entre Riobaldo e Diadorim um dos seus pilares. Assemelhada aos discursos sobre o sertão, também encontramos no livro uma análise, realizada por Ana Cecília Araki, sobre a interpretação da cultura caipira proposta pelo dublê de sociólogo e crítico literário Antonio Candido, na sua tese de doutoramento, publicada depois como Parceiros do Rio Bonito. Em seu estudo sobre Árido 10

Pelo sertão, o Brasil Movie, filme de Lírio Ferreira, Mariana Paiva nos mostra uma visão pós-moderna (e pós-utópica) do sertão. Por fim, Jorge Henrique da Silva Romero empreende uma erudita investigação, resultado de sua pesquisa de doutorado, a respeito da geografia fantástica associada à região. Graciliano Ramos foi o autor mais estudado em Pelo sertão, o Brasil. Num estudo repleto de argúcia e sensibilidade, Heurisgleide Sousa Teixeira estuda as imensas dificuldades enfrentadas por Fabiano, personagem de Vidas secas, para formular a sua questão existencial (quem sou?), e compara tais obstáculos àqueles vivenciados pela população mais pobre do interior do Brasil. Para realizar tal cotejamento, Heurisgleide faz uso da pesquisa realizada pelos sociólogos Walquíria Leão Rêgo e Alessandro Pinzani, publicada como Vozes do Bolsa Família (2013). Luciana Araújo Marques, por sua vez, escreve um esclarecedor ensaio sobre o tema da violência na obra e no pensamento de Graciliano Ramos. Luciana consegue extrair dos textos de Graciliano sobre o cangaço um sumo reflexivo acerca da violência que se destaca pelo caráter antecipatório em relação ao debate sobre política e violência, que no Brasil tem seu marco no manifesto fanoniano “Eztetyka da fome” de Glauber Rocha no início da década de 1960. Por fim, podemos ler nos estudos sobre Graciliano Ramos o artigo de Amanda Miotto, que partindo de Vidas secas realiza estudo sobre o gênero romance social – tão característico do Brasil dos anos de 1930. Graciliano Ramos também aparece em finos exercícios de literatura comparada de Pelo sertão, o Brasil. Ana Paula de Souza compara Vidas secas ao romance do escritor espanhol Miguel Delibes chamado Las ratas (1962). As semelhanças estruturais entre os dois romances identificadas por Ana Paula são dignas de nota e constituem um achado para todos interessados em em pensar transnacionalmente as narrativas 11

Pelo sertão, o Brasil realistas. Melissa Franchi compara as representações de infância em Vidas secas e Sobrados e mucambos, mostrando como a dimensão opressora do sistema patriarcal em relação às crianças se configura no romance de Graciliano e no ensaio de Gilberto. Também realizando estudo comparativo, Lua Gill da Cruz analisa os diferentes regimes de representação do outro em A hora da estrela de Clarice Lispector e Vidas secas. Last but not least, os leitores encontrarão outros textos que perfazem a conexão entre literatura e sociedade a partir de outras temáticas e autores. Janaína Tatim realiza uma fecunda e inovadora comparação entre Machado de Assis e Oliveira Vianna, mostrando como os dois escritores, cada um se utilizando de gêneros literários diferentes, performam um arco que vai da mistificação da figura do senhor rural à crítica acerba ao sistema patriarcal. Franklin Morais aborda um romance de Jorge de Lima pouco discutido pela crítica – Calunga. A partir das fraturas formais do romance, Franklin monta um quadro de aporias que conformam as encruzilhadas ideológicas dos anos de 1930 no Brasil. Pelo sertão, o Brasil é uma coleção de artigos de jovens críticos literários que demonstra o quanto ganhamos na compreensão que temos das obras literárias quando somos capazes de retirá-las de confinamentos disciplinares e passamos a pensar a literatura em conjunto com outros discursos e outras disciplinas. Pela literatura conhecemos o Brasil. Não um Brasil refletido nas letras, mas um Brasil inventado, um Brasil desejado, um Brasil problematizado, um Brasil que deveria ser mas não é, um Brasil que é mas não deveria ser, enfim, um Brasil reimaginado pela literatura.

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