PELO FIM DO TERMO \"LIBERDADE PROVISÓRIA\" - ANÁLISE DA RESOLUÇÃO Nº 796/2015 DO TJMG

July 10, 2017 | Autor: Juliano Zappia | Categoria: Crime, Direito Penal, Processo Penal
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PELO FIM DO TERMO "LIBERDADE PROVISÓRIA" - ANÁLISE DA RESOLUÇÃO Nº 796/2015 DO TJMG Juliano VIEIRA ZAPPIA1

Foi disponibilizada no dia 24 de junho de 2015, no Diário do Judiciário Eletrônico (DJe), do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) a Resolução n.º 796/2015, que regulamenta o procedimento denominado Audiência de Custódia no âmbito do Estado de Minas Gerais. Esta Resolução do TJMG visa orientar os magistrados e servidores de primeira instância sobre como proceder à Audiência de Custódia, nos casos em que a pessoa é presa em flagrante e deverá ser apresentada ao Juiz competente em 24 horas para que este decida sobre os requisitos legais para a decretação da prisão preventiva. Há muito que se dizer sobre a citada Resolução do TJMG. Em primeiro lugar, reconhecer que se trata de um passo importante para a efetivação de um direito fundamental há muito consagrado nos instrumentos internacionais2, mas sepultado pela prática judiciária. No entanto, seria de todo imprescindível apontar (novamente) que para realizar a Audiência de Custódia não é preciso esperar a edição de uma Resolução do TJMG, já que os tratados internacionais sobre Direitos Humanos têm natureza supralegal (v. decisão do Supremo no Recurso Extraordinário n.º 466.343-SP) com aplicação imediata e eficácia plena. Também, seria nosso dever alertar à comunidade jurídica sobre o fato de que a Resolução é instrumento útil para que o Tribunal de Justiça possa negar pedidos de Habeas Corpus, impetrados (com razão) em função da não realização da Audiência de Custódia, classificando esta falta como um constrangimento ilegal passível de correção pela via do remédio constitucional. Muito embora a dita Resolução reconheça em seus considerandos que a Audiência de Custódia é um direito reconhecido em normas internacionais de Direitos Humanos, nomeadamente na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (e em seu 1

Mestre em Direito Público em Portugal pela Universidade Nova de Lisboa; Advogado; Professor de Direito e Processo Penal da Faculdade de Direito da UNIFEOB; [email protected]; http://lattes.cnpq.br/3887973704490724 Trabalho escrito em julho de 2015. 2 Convenção Americana sobre Direitos Humanos, art. 7º, n. 5: “Toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais e tem o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo”. 1

texto notamos uma sincera preocupação com a atual conjuntura do sistema carcerário) temos ainda um longo caminho a percorrer até alcançarmos um processo penal mais próximo do aceitável em um Estado Democrático de Direito. Exemplo disso é a insistência na utilização do termo liberdade provisória, como vemos no art. 5º, §2º e seu inciso I da Resolução n.º 796/2015 do TJMG:

§2º. Após a entrevista do autuado, o juiz, de ofício ou a requerimento das partes, decidirá, fundamentadamente: I - sobre o relaxamento da prisão em flagrante, sua conversão em prisão preventiva, a revogação desta, mediante a concessão de liberdade provisória (...) (g. n.)

Acreditamos que não há um só advogado criminalista que nunca tenha assinado uma peça com essa denominação perversa: uma petição de liberdade provisória. Aprendemos nos bancos das Faculdades que contra prisão em flagrante existem duas peças desafiadoras: o relaxamento e a liberdade provisória. E isto porque, naquela lógica, anterior à Lei n.º 12.403/11, a prisão em flagrante poderia alongar-se no tempo, durante todo o desenrolar do processo, autorizada por um despacho judicial que dificilmente superava uma linha: "Presentes os requisitos legais, ratifico o flagrante". Portanto, fazia parte do nosso dia a dia forense encontrar diversos casos de prisão provisória/cautelar, sendo a preventiva uma prisão decretada e fundamentada pela autoridade judicial; e a prisão em flagrante como uma detenção administrativa ratificada pelo Judiciário. Nas hipóteses de flagrante, somente após a apresentação do pedido de liberdade provisória é que veríamos uma decisão fundamentada, concedendo ou negando o pedido do réu preso. Com o advento da reforma do Código de Processo Penal, isto não mais prospera. Agora, prisão em flagrante é precária, nasce morta. Seu caminho natural é inexorável: ou acaba em liberdade; ou em prisão preventiva. Sendo o caso de prisão preventiva, o Juiz fundamentará sua decisão e obedecerá os limites da norma processual. Assim, contra esta decisão será cabível uma outra petição do advogado: a Revogação da Prisão Preventiva. Não há mais espaço para a falida liberdade provisória. A começar pela terminologia. A Liberdade nunca é provisória. A Liberdade é definitiva. O que é provisório é o encarceramento. A prisão, esta sim, é provisória. Somente a prisão tem prazo determinado, com começo, meio e fim. Ao contrário, a Liberdade independe de pronunciamento judicial, a Liberdade existe per se, só 2

admitindo descontinuidade quando intervém o Direito Penal. A regra é a liberdade. A prisão só ocorre nos casos e condições previstas na lei penal, respeitadas todas as garantias constitucionais. Ainda com maior ênfase no caso brasileiro, onde não há prisão perpétua. Logo, é fato futuro e certo a volta do indivíduo ao status libertatis. A Liberdade pode estar sujeita, no máximo, a determinadas condições (v. citado art. 7º, n. 5, CADH), mas nunca com caráter de provisoriedade. Apesar de fazer tantas referências à ONU, à Corte Interamericana de Direitos Humanos, à ratificação pelo Brasil do Pacto de São José da Costa Rica, à orientação do Conselho Nacional de Justiça, a redação da Resolução 796/2015 do TJMG se rende à velha ideia de que Liberdade é obrigação, é temporária, provisória, o que, ao fim e ao cabo é uma das raízes do problema da vergonhosa situação do excesso de prisões preventivas no Brasil, onde cerca de 41% da população carcerária, ou seja, 222.1903 pessoas presas aguardam julgamento, valendo sempre lembrar que são pessoas presumidamente inocentes por força constitucional.

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BRASIL. MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. DEPARTAMENTO PENITENCIÁRIO NACIONAL. Levantamento Nacional de informações penitenciárias INFOPEN - JUNHO DE 2014. Disponível em: acesso em: 02/07/2015. 3

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