Pelos caminhos de Portugal

June 16, 2017 | Autor: Manuel de Sousa | Categoria: Cultural Heritage, Cultural Tourism, Tourism, Portugal, Amarante, Bragança, Vila Real, Bragança, Vila Real
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Pelos caminhos de Portugal MANUEL DE SOUSA “Vá pra fora cá dentro” – incentivam-nos os anúncios patrocinados pelo Ministério do Comércio e Turismo, mostrando “Portugal de braços abertos”. Na verdade, nada há de mais deprimente do que passar os fins-de-semana metidos em casa ou na constante repetição da ritual “volta dos tristes”. A sugestão que vos trago é a de uma fuga de dois dias até Bragança.

A ideia de que Trás-os-Montes é uma região de acessibilidade difícil e demorada persiste ainda no subconsciente de muitos de nós. Na verdade, as grandes obras públicas dos últimos anos vieram tornar esta noção obsoleta. O Itinerário Principal n.º 4 (IP4) é uma dessas novas vias, ligando o Porto a Bragança, num total de cerca de duzentos e vinte quilómetros, ou seja, duas horas e meia de viagem para quem não gosta de muitas pressas. A saída do Porto é feita para Norte, em direcção a Braga, pela A3, parte integrante do IP1. Poucos quilómetros à frente, em Ermesinde, apresenta-se a saída para Vila Real.

Entra-se na A4 e passa-se um pequeno túnel, o único de todo o percurso. Até Amarante segue-se em auto-estrada, concessionada à Brisa e, por isso, sujeita a portagem. Terra natal do pintor cubista Amadeo de Souza Cardoso, Amarante tem São Gonçalo por padroeiro. Vale a pena interromper a viagem e visitar esta bonita cidade, disposta em escadaria sobre o Rio Tâmega, com o seu casario ostentando belas varandas de madeira e parapeitos de ferro forjado. Na velha ponte sobre o Tâmega, uma placa de mármore relembra os portugueses que conseguiram aqui deter as tropas napoleónicas, em 1809. Na igreja, de raiz quinhentista, encontra-se o túmulo de São Gonçalo, morto em 1259.

Para lá do Marão… Retomada a viagem, as placas azuis da A4 dão lugar às verdes, próprias dos IPs. O IP4 atira-se à conquista da Serra do Marão. A estrada é larga e espaçosa, mas a sua acentuada inclinação torna-a perigosa para os mais incautos, especialmente para os veículos pesados. Quase no ponto mais alto deste percurso, surge-nos à direita a Pousada de São Gonçalo, construída pelo Estado em

1940. Pare para tomar um café. É deslumbrante o panorama que se nos apresenta do terraço da pousada. Um pouco mais acima uma placa informanos: “distrito de Vila Real”. É o Alto do Espinho, a 1019 m de altitude, o ponto mais alto de todo o IP4 e fronteira entre o Douro Litoral e Trás-os-Montes e Alto Douro. Transposta esta portela, a estrada inicia a curva descendente. Opera-se uma impressionante mutação panorâmica. Em poucos lugares como aqui é tão nítida a mudança de região. O isolamento de Trás-os-Montes e o esquecimento a que estas populações foram votadas pelo poder central leva-as a afirmar com orgulho: “Para cá do Marão, mandam os que cá estão!”

Capital transmontana Aproximamo-nos a passos largos de Vila Real. A capital de Trás-os-Montes vive actualmente um certo furor de progresso, despoletado pela criação da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD) na década passada. A invasão de milhares de estudantes, vindos de várias regiões, veio acordar a cidade da longa letargia em que vivia, só afectada por breves instantes, todos os anos, pelas célebres corridas de automóveis. Agrupada num planalto, no sopé do Marão, entre vinhas e pomares, Vila Real é uma pequena e formosa cidade de 14 mil habitantes (sensivelmente a mesma população da freguesia da Foz do Douro, no Porto), embelezada por numerosas casas patrícias dos séculos XVI e XVII. As principais atracções da cidade estão dispostas em redor da Avenida de Carvalho Araújo. Dirija-se ao número 94, o posto de turismo, e peça um folheto da cidade. Após uma longa intervenção, que se arrastou por todo o ano, o centro histórico e comercial reabriu em Novembro com nova cara: pavimento em granito, nova iluminação, decoração e rede de

Manuel de Sousa. Pelos caminhos de Portugal

infra-estruturas. Para ver: a Sé, de gótico final; a Casa de Diogo Cão, assim chamada porque segundo a tradição foi aqui que nasceu o descobridor do Rio Zaire; e a Câmara Municipal. Mas o que não deve, de facto, perder é o Solar de Mateus, já fora da cidade, a Leste. Esta realização da primeira metade do século XVIII é um dos exemplares mais bem-sucedidos da arquitectura barroca em Portugal, da autoria de Nicolau Nasoni, o responsável pela Torre dos Clérigos e pelo Palácio do Freixo, ambos no Porto. Retome o IP4 em direcção a Murça. Graças à construção de grandes viadutos, pelo novo traçado poupam-se mais de dez quilómetros, só neste percurso, em relação à velha EN 15. Falar de Murça é falar da sua “porca”, monumento totémico de granito colocado no largo ajardinado da vila, sobre um pedestal. Vinte e cinco quilómetros mais à frente aparece-nos a única cidade entre Vila Real e Bragança – Mirandela –, dominando o Tua, tradicionalmente atravessado pela velha ponte quinhentista de arcos robustos. Se tiver tempo, dê um salto ao santuário de Nossa Senhora do Amparo, de onde se desfruta maravilhosa panorâmica. Retomando o IP, avistamos a Serra de Bornes à nossa direita e, um pouco mais à frente, a saída para Macedo de Cavaleiros, terra de gente simples e hospitaleira na melhor tradição transmontana. É aqui que ao IP4 se vem juntar o IP2, apenas parcialmente construído e que, um dia, será o grande eixo do interior do país, ligando Vila Real de Santo António, no extremo Sul, a Bragança, no extremo Norte.

Terra Fria Nos confins da austera Trás-os-Montes, batida pelo vento agreste vindo de terras de Espanha, Bragança ocupa um alto da Serra da Nogueira. O rigor do clima bragançano,

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JOSÉ ANTONIO GIL MARTÍNEZ, CC-BY-2.0

com enormes amplitudes térmicas, deu origem ao dito “Nove meses de Inverno e três de Inferno”.

A cidadela medieval ergue-se ao abrigo das suas muralhas. Da Pousada de São Bartolomeu consegue-se a melhor vista sobre a cidade velha. O castelo, edificado em 1187, inclui uma alta torre de menagem quadrada de trinta e três metros de altura. Suba ao terraço da torre para um panorama da cidadela. O pelourinho, de estilo gótico, assenta numa figura idêntica à “porca de Murça”. No lado Sul do terreiro do castelo ergue-se a Igreja de Santa Maria, templo de obscura origem românica. Contígua à igreja fica a famosa Domus Municipalis, singularíssimo edifício pentagonal, com a dupla função de cisterna subterrânea da cidadela e tradicional lugar de reunião dos “homens-bons” da vila, nos velhos tempos medievos. Embora a discussão entre os especialistas ainda persista, parece certo datar-se da primeira metade do século XIII, sendo o mais antigo edifício dos paços do concelho existente em Portugal.

Fora da cidadela, em frente à Sé quinhentista, ergue-se o Solar dos Calainhos. Descendo a velha Rua da Corredoura (agora chamada Abílio Beça), encontra-se a Casa dos Vargas, com uma interessante fiada de varandas com grades de ferro, e a Casa do Arco, também ela um velho solar seiscentista com fachada dupla para duas ruas, ligadas por um curioso arco transversal coberto. Palmilhando um pouco mais a rua, encontramos o Museu do Abade de Baçal, fundado em 1915, que se estende pelo jardim do antigo Paço Episcopal. O seu acervo é composto por notáveis colecções de arqueologia, arte sacra, epigrafia, numismática, pintura e etnografia. Volte ao Largo da Sé pela Rua Direita (hoje denominada dos Combatentes). Logo à saída de Bragança para Norte, fica o Parque Natural de Montesinho, criado em 1979, que se estende por setenta e cinco mil hectares. Nove mil pessoas distribuem-se por setenta e duas aldeias. Visite pelo menos uma delas: Moimenta, a Noroeste; ou Montesinho, a Norte; ou Guadramil ou Rio de Onor, a Nordeste. As duas últimas são as mais interessantes, não só pelas tradições comunitárias que ainda conservam, com também pela variante do mirandês que os mais anciãos persistem em falar. Volte para casa pelo mesmo caminho. Vai ver que ao voltar ao trabalho no dia seguinte se sentirá cheio de energia e bem tonificado com um fim-de-semana diferente.

Sousa, M. (1995). Pelos caminhos de Portugal. Texomania. Maia: Texas Instruments - Samsung Electrónica (Portugal), Lda. Ano VII, n.º 22, pp. 22-24. Manuel de Sousa. Pelos caminhos de Portugal

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