PENSAMENTO CONSTITUCIONAL BRASILEIRO NO FEDERALISMO DA CONSTITUIÇÃO DE 1891 – Cap. 11 do Livro Temas de Pensamento Constitucional Brasileiro Vol. II (2011)

July 19, 2017 | Autor: Nilsiton Aragão | Categoria: Federalismo, Constituição Federal de 1891
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PENSAMENTO CONSTITUCIONAL BRASILEIRO NO FEDERALISMO DA CONSTITUiÇÃO DE 1891 Nilsiton Rodrigues de Andrade Aragão sUMÁRIO: INTRODUÇÃO;

11.1 O FEDERALISMO; 11.2 DEBATES

DOUTRINÁRIOS SOBRE O FEDERALISMO NA CONSTITUIÇÃO DE 1891; 11.3 ALGUNS ASPECTOS DA CONSTITUIÇÃO DE 1891 SOBRE O REGIME FEDERAL; 11.4 CONSEQUÊNCIAS DO FEDERALISMO DA CONSTITUIÇÃO DE 1891; CONCLUSÃO; REFERÊNCIAS.

INTRODUÇÃO O presente trabalho trata do federalismo instituído pela Constituição dos Estados Unidos do Brazil de 1891. Neste estudo procurar-se-á um pensamento

constitucional

originalmente

identificar

brasileiro no processo consti-

tuinte da primeira Constituição republicana, mais precisamente na construção do federalismo brasileiro. Neste desiderato, serão inicialmente doutrinárias

e históricas que precederam

apontando posicionamentos

analisadas algumas concepções

a atual concepção de federalismo,

acadêmicos e políticos sobre o tema, na busca de - 219-

TEMAS DE PENSAMENTO

CONSTITUCIONAL

BRASILEIRO

revelar se o modelo adotado foi uma cópia do federalismo americano ou se houve criação nacional. Para tanto, serão confrontados os grandes pensadores brasileiros que se debruçaram sobre o tema, no intuito de ressaltar os argumentos favoráveis e contrários à autenticidade do modelo federativo da Constituição de 1891. Para uma melhor compreensão

do tema, serão, também, analisados os principais

artigos do texto constitucional sobre a matéria e as consequências políticas que advieram deste modelo.

11.1 O FEDERALISMO Para não fugir à regra, inicia-se este trabalho com a análise etimológica do termo "federação': Possui ele origem no latim, ligado ao vocábulo foedus, transmitindo

a noção de pacto, contrato, tratado ou convenção para consecu-

ção de um bem comum. De modo resumido, a federação traduz uma união de Estados em torno de um governo central para possibilitar a consecução de objetivos que não podem ser alcançados com a mesma eficácia separadamente. Como ensina Dalmo de Abreu Dallari (1986,

P.

51):

Basicamente a federação pretende a unidade na diversidade, procurando unir entidades heterogêneas em torno de um conjunto de regras comuns, dando-lhe certa homogeneidade. Mas, ao mesmo tempo, pretende que essa unidade preserve a diferenciação entre os elementos componentes da federação, respeitando a identidade cultural e política de cada um.

Normalmente aponta-se para as Cidades-Estado da Grécia antiga a primeira noção de federalismo. Embora os traços gerais desta formulação estatal sejam daí provenientes, a formação grega não cor responde ao conceito de federalismo mais aceito na atualidade. A união entre as Cidades-Estado equivale ao que hoje se denomina de confederação, já que se verifica a manutenção da soberania dos membros. Assim, de modo mais técnico, o federalismo surgiu propulsionado pelo movimento iluminista, que, ao lado de outros instrumentos,

buscava garantir

a limitação e legitimação do poder. Os Estados Unidos da América, através da organização estatal adotada pela Constituição de 1787, é o paradigma do que

- 220-

NILSITON RODRIGUES DE ANDRADE

hoje se entende por federalismo. lônias norte-americanas

1

ARAGÃO

Embora na origem a união entre as treze co-

lembrasse a organização das Cidades-Estado

gregas,

onde cada uma possuía soberania própria, o modelo foi aperfeiçoado com a abdicação da soberania de cada colônia pela formação de uma única nação soberana. A grande evolução deste sistema foi a possibilidade de uma divisão interna com membros autônomos e manifestação de cada um dos poderes, mas que para a comunidade internacional não é percebida, pois configura uma única soberania. Com esta forma de organização, o Estado permanece forte perante o plano internacional e contido na esfera interna. Pelo menos dois aspectos essências estão presentes nos federalismos surgidos no final do século XVII e início do século XVIII. O primeiro deles diz respeito à necessidade de limitação e legitimação do poder estatal desenvolvidos dentro das perspectivas iluministas que dominaram os debates políticos e jurídicos da época. O segundo está ligado ao respeito e proteção que ele garante às peculiaridades de cada região. Dallari (1986, P. 15-24), ao se debruçar sobre o tema, elenca uma lista mais detalhada de características de um Estado Federal, quais sejam: a Constituição como base jurídica; o nascimento de um novo Estado; a proibição de secessão; a soberania da União e autonomia dos Estados-membros;

competências próprias e exclusivas; a autonomia financeira

da União e dos Estados; a desconcentração

do poder político; e o nascimento

de uma nova cidadania. De maneira geral, os institutos político-jurídicos

não possuem uma for-

ma preestabelecida aplicável a todos os Estados. Cada forma de organização e cada direito, por mais fundamentais que sejam, necessitam de uma releitura de acordo com as características específicas da sociedade à qual será aplicada. A forma federativa de estado não foge a esta regra. A formulação do federalismo brasileiro observou os elementos essenciais presentes em outros modelos, mas possui peculiaridades

em razão das especificidades históricas e culturais do

país. Para uma melhor compreensão do modelo federativo adotado na Constituição de 1891, é importante observar os principais acontecimentos da história do Brasil relacionados à formação federativa do Estado.

I É o que observa BARACHO (1986, p. li): "A idéia federal é apontada nas sociedades políticas mais antigas, apesar de o Estado federal, como conceito ou forma de organização, no entender de muitos, só ter surgido com a Constituição Americana de 1787:'

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TEMAS DE PENSAMENTO CONSTITUCIONAL

BRASILEIRO

Diante da vastidão do território brasileiro e das diferenças climáticas e geográficas, os portugueses foram forçados a dividir o território da nova terra para viabilizar a colonização. Assim surgiram as conhecidas 14 Capitanias Hereditárias. No fim do século XVIII, esta formulação foi extinta para dar origem às Capitanias-Gerais

e Capitanias Subalternas. Estas duas primeiras formas de

divisão do território nacional tinham por objetivo garantir o controle da colônia, ou seja, efetivava-se a centralização política através de uma descentralização administrativa.

Assim, tanto no período Colonial como no Império, foi

instituída uma força administrativa

para as localidades que paradoxalmente

conviviam com o governo central.' Com a independência do Brasil, em razão do regionalismo que era observado naquele momento, foi necessário que o governo imperial cedesse em alguns aspectos para resguardar a unidade nacional. Mesmo com os acordos realizados entre o Imperador e os chefes políticos locais, este momento de transição foi bastante conturbado, verificando-se diversas revoltas, dentre as quais muitas com intuitos separatistas, como foi o caso da Guerra dos Farrapos no sul do Brasil. Esta realidade acabou fundamentando

argumentos centralizadores e justificando

a atuação forte do governo central para evitar a desintegração nacional. Os ideais contidos nestes movimentos separatistas não sumiram com sua repressão; ficaram apenas adormecidos por imposição do controle central do Império, pronto para acordar e se impor num momento de instabilidade institucional, como pode ser observado nos debates que ocorreram por ocasião do Ato Adicional de 1834 e com a instituição do federalismo na Constituição de 1891.

11.2 DEBATES DOUTRINÁRIOS SOBRE O FEDERALISMO NA CONSTITUiÇÃO DE 1891 A Constituição brasileira de 1824 adveio de um golpe de Estado pelo qual D. Pedro II dissolveu a Assembleia Constituinte e outorgou-a, reprimindo a tentativa de instituição de dispositivos que limitassem o poder central. Diante da centralização política assumida no império, não caberia uma forma federativa de estado, sendo o Brasil dividido em províncias que sequer gozavam de plena autonomia administrativa. 2 Uma observação interessante é que, diferente dos outros estados. o relacionamento do ente central é com os Municípios e não com os Estados, sendo talvez esta característica que tenha ensejado a colocação dos municípios como entes federativos por ocasião da Constituição de 1988.

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NILSITON RODRIGUES DE ANDRADE ARAGÃO

Com dez anos de vigência desta Constituição,

a sociedade brasileira,

contagiada pelos ideais liberais, começa a discutir um tema que já vinha sendo pauta de debates políticos desde a constituinte de 1822: o federalismo. A descentralização política e administrativa era sem dúvida a maior aspiração política do povo, por ocasião do Ato Adicional de 1834, como resposta às limitações de um governo centralizado. É o que pode ser observado nas lições de Alfredo Varela (1902, p. 41):

o federalismo é, desde 1831, a mais ardente e mais generalizada aspiração do Brasil.Nos trabalhos de reforma constitucional posteriores à revolução do anno citado, chegou a adoptal-o a Camara temporária e, se não é a resistência da Camara vitalícia, de há muito vigorava no paiz. Tão accentuadas eram as tendências reformadoras no sentido da ampla autonomia provincial, que monarchistas sinceros da ordem de Saraiva e Nabuci, preconisavam os modelos federativos, como sendo condição de salvamento para o Império, nos últimos annos delle. No momento que antecedeu ao Ato Adicional eram contundentes

as

incursões contra a centralização do Estado. Como exemplo pode-se citar Tavares Bastos que, no intuito de defender os interesses locais, pregava o federalismo substantivo com a transferência do poder às províncias, pois o formato centralizado r não atendia à complexidade heterogênea da população brasileira. Veja-se um trecho que demonstra a agressividade de suas críticas ao governo central (1997, p. 33): Negam ao paiz aptidão para governar-se por si, e o condenam por isso à tutela do governo. É pretender que adquiramos as qualidades e virtudes cívicas, que certamente nos faltam, sob a acção estragadora de um regime de educação política que justamente gera e perpetua os vícios oppostos. Da mesma sorte, os defensores da escravidão, que avilta e desmoralisa suas victimas, apregoam-na como o meio efficazde educar raças inferiores: e o termo deste Barbara tirocínio é sempre procrastinado pela supposta insufficiencia do período de aprovação, ainda que tres vezes secular. Contudo, em virtude da severa resistência dos conservadores,

o Ato

Adicional, de 12 de agosto de 1834, não consagrou as mais ousadas alterações pretendidas pelo movimento reformista. Nos seis anos que seguiram a edição do ato e com a Lei de interpretação,

de 12 de maio de 1840, ficou mais claro

que o processo de descentralização

do país era um sonho distante. Esta Lei,

diante da atuação incisiva dos conservadores,

que se propunha a interpretar

o Ato Adicional da Constituição de 1824, retrocedeu nas já tímidas alterações conquistadas. - 223-

TEMAS DE PENSAMENTO

É

O

CONSTITUCIONAL

BRASILEIRO

que se observa das críticas levantadas por Paulino José Soares de

Sousa, o Visconde de Uruguai, que apresentou considerações sobre a distinção de centralização política e centralização administrativa

a partir da análise dos

sistemas adotados na França e na Itália, apontando o sistema anglo-americano do self-government, com a deslocação de operações de governo para políticos locais como modelo que deveria inspirar, mas ressaltava ser necessária a criação de uma cultura brasileira neste sentido, não podendo ser simplesmente imposta. Assim criticava o Visconde de Uruguai (1997, p. 133) as mudanças realizadas pelo Ato Adicional de 1934:

o ato adicional tal qual tem sido executado, sem o auxílio de outras instituições, que aliás não lhe repugnam, descentralizando as Províncias da Corte, centraliza nelas o poder nas mãos das Assembléias Provinciais e na dos Presidentes unicamente. O poder municipal foi reduzido e sujeito a uma rigorosa tutela das mesmas Assembléias e dos Presidentes. A ação administrativa

fortificada somente no centro, inteiramente dis-

cricionária, sem conselho, e sem auxiliares próprios e naturais nos diferentes pontos de extensas Províncias, mal pode fazer chegar aí a sua ação eficaz. São elas corpos cuja circulação não chega às suas extremidades. Não é portanto de admirar que as coisas tenham continuado pouco mais ou menos no mesmo estado, quanto à administração das Províncias, e que muitas permaneçam intanguidas em uma espécie de marasmo administrativo. Como pode ser verificado, as discussões sobre o federalismo já podiam ser observadas com muito vigor no início do século XVIII, mas somente com a Proclamação da República e com a promulgação da Constituição de 1891 foi possível se falar efetivamente em federalismo no direito brasileiro. Esta Carta Política possuía clara influência do modelo federativo adotado nos Estados Unidos da América, o que gerou grandes debates doutrinários. Para alguns autores, a Constituição

brasileira pecou gravemente por

instituir um regime copiado acriticamente de outro país, desconsiderando

es-

pecificidades históricas e ideológicas do Brasil." É o que pode ser observado nas palavras de Pontes de Miranda (1970, p. 318):

3 Paulo Bonavides e Paes de Andrade expressam de forma clara esta discussão (2006, p. 260): "Muito já se discutiu acerca de nossa segunda Constituição com o intuito de determinar se ela é ou não uma cópia da Carta norte-americana. Rui Barbosa seguidas vezes se viu acusado de trazer para o Brasil um modelo que não compadecia com nossa realidade social, política e jurídica"

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NILSITON RODRIGUES DE ANDRADE ARAGÃO

A insuficiência dos juristas e dos políticos, que influíram ou fizeram a Constituição brasileira de 1891, trouxe ao Império unitário a nova estrutura, sem atenderem aos verdadeiros princípios informativos do federalismo americano e, o que é mais grave, sem se olhar para o país a que se destinavam os novos textos. [...] Referimo-nos às consequências que deviam ser tiradas da diferença histórica entre o Brasil e os Estados Unidos da América: vinha-se da unidade imperial, sucessora da unidade pré-imperial que pairou e sobrepujou ao particularismo administrativo das Capitanias, e às tentativas portuguesas, sucessivas, de desmembração. No mesmo

sentido

são as críticas de Alfredo

Varela (1902, p. 26):

Os constituintes de 1891 seguiram em tudo o mesmo irracional procedimento de seus antecessores imperiais. Para elles a nacionalidade brasileira continuava a ser cousa análoga a esse barro de que se servem os estatuarios, muito susceptível de receber a fórmula que a imafinativa lhes suggerisse: tomaram do modelo norte-americano, imitaram-lhe os contornos, e eis ahi como surgiu de ponto em branco a Constituição de 24 de Fevereiro. Não somente não se pensou em estudar se poderia servir-nos, como ninguém quiz verificar se promettia aquella precisa estabilidade, condição por excelencia de todo governo. Dahi a instavel situação da República, que espíritos superficíaes attribuem só aos defeitos de seus administradores e ás discordias civis. Somente

a título ilustrativo,

cita-se, ainda, Alberto Torres (1982, p. 251):

Os homens que organizaram a federação americana deixaram registradas nos documentos do tempo provas inconcussas de um seguro conhecimento da natureza, da índole e dos destinos de sua Pátria [...] Nós não tivemos o nosso Washington, o nosso Cavour, o nosso Bismarck. Fizemos a Independência, e vamos fazendo a nossa vida, com vestes emprestadas, costumes políticos alheios e textos de livros que decoramos. A nossa falta de senso e de preparo político é fácil de demonstrar por meios de simples aplicação, para qualquer pessoa: estudar os trabalhos dos homens públicos, de outros tempos e de hoje; e deste estudo resultará logo, que nenhum deles se ocupou dos problemas da nossa nacionalidade, da nossa sociedade, da nossa gente e da nossa terra [...].

É necessário

advertir

que embora

como base a Constituição cópia da adotada

naquele

unitário

e a confederação

servada

nos Estados

forma

de estado

autônomos, governo

dos Estados

a forma

de 1891 tenha tomado federada

país, e sim uma forma intermediária de Estados.

Unidos

A realidade

da América,

segue o caminho

cada um abdicando

central,

a Constituição Unidos,

oposto.

era inversa

Ao passo que lá uniram-se

de centros - 225-

entre o Estado

de modo que via de instituição

de uma parcela

no Brasil partiu-se

brasileira

não é uma

da soberania administrativos

à obdesta

Estados

em prol de um sem nenhuma

TEMAS DE PENSAMENTO

CONSTITUCIONAL

BRASILEIRO

autonomia para a instituição de estados federados com a dissipação do poder central. Portanto, fica claro que neste ponto houve uma inovação na ordem constitucional brasileira já que, embora levando em consideração experiências de outros estados, foi construída uma estrutura que respeitava as especificidades nacionais. Observou Amaro Cavalcanti que o federalismo brasileiro não é, e nem pode ser, uma cópia absoluta do modelo norte-americano,

pois seu surgimento

é fruto da atuação de um poder central pré-existente, ao contrário dos Estados Unidos da América, que se deu pela união de Estados autônomos para a formação do poder central. Assim dispõe o citado autor (1983, p. 119): "já deste ponto começa a diferença da República brasileira, posta em confronto com as outras nações federativas mais importantes e ora igualmente existente na Europa e na América". É o que também ressalta João Barbalho Uchoa Cavalcanti (1992, p. 12): A formulação dos "Estados" no Brasil operou-se por modo diverso do que se deu na República Norte Americana, cujo systema de governo imitamos. [...] Entre nós, diverso foi o caso. Os Estados não precederam à federação, não existiam, fizeram-se com ella e para ela. Supprimio-se a autoridade imperial e fragmentou-se a jurisdicção soberana, uma parcela para cada uma das antigas grandes circunmscripções administrativas, as provinciaes, eregidas agora em entidades politicas, em Estados, nas condições que a Constituição estabelece.

Outros autores justificavam a necessidade do federalismo para garantir a integridade nacional através do respeito às especificidades regionais, o que efetivamente ocorreu na Constituição de 1891, afastando a crítica de cópia não adaptada do modelo norte-americano.

É o que observa, por exemplo, Pinto

Ferreira (1991, p. 266): As causas sociais da origem do federalismo brasileiro são assim visíveis. É a própria imensidão territorial obrigando a uma descentralização de governo, a fim de manter a pluralidade das condições regionais, o regionalismo de cada zona, tudo integrado na unidade nacional do federalismo. É a consagração da pluralidade geográfica regional englobada na unidade nacional. Sem ela o País se desagregaria, e daí a causa do vínculo federativo.

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NILSITON RODRIGUES DE ANDRADE ARAGÃO

11.3 ALGUNS ASPECTOS DA CONSTITUiÇÃO DE 1891 SOBRE O REGIME FEDERAL Através do decreto n° 1, de 15 de novembro de 1889, foi proclamada provisoriamente a República Federativa, regida por um governo provisório que tinha como chefe Deodoro da Fonseca, até que fosse eleito o Congresso Constituinte do Brasil. Por meio do decreto 510, de 22 de junho de 1890, foi convocada para o dia 15 de novembro do ano seguinte a Assembleia Constituinte responsável pela elaboração da Constituição de 1891. Esta constituinte não estava livre para decidir o que bem lhe aprouvesse, já que estavam previamente delimitados como aspectos gerais da nova estrutura estatal o regime republicano e a forma federativa, expressões das repostas primordiais encontradas pelo "povo" para solução dos inconvenientes

de um

poder centralizador. É o que se observa no juramento dos membros do Congresso Nacional com Poderes Constituintes, composto de 205 Deputados e 63 Senadores, dentre os quais saíram os 21 que compunham

a comissão consti-

tuinte. Assim juraram os constituintes: Prometo guardar a Constituição Federal

que for adotada, desempenhar fiel e legalmente o cargo que me foi confiado pela Nação e sustentar a união, a integridade e a independência da República. João Barbalho Uchoa Cavalcanti, nos seus comentários à Constituição de 1891, ao analisar o preâmbulo, mostra que existe uma limitação dos poderes conferidos a esse Congresso Constituinte nos seguintes termos (1992, p. 03): Seos poderes constam, em geral, do acto de sua convocação e interpretam-se em vista d'elle e dos fins para que ellas se reúnem. Esta noção implica a solução da importante questão dos limites dos poderes das assembléas constituintes. A natureza dellas, sua razão de ser, sua missão, a origem de seu poder e autoridade fundamentam solução contrária à extensão illimitada de tais poderes. E, neste sentido, bem alto entre nós faliam importantes precedentes históricos.

Como a República já havia sido garantida com a expulsão do imperador Dom Pedro II do Brasil, dois dias após a sua proclamação, restava assegurar a forma federativa de Estado. Diante desta tarefa, a Constituição de 1891 prevê um extenso rol de artigos sobre o assunto. Além de um título específico para tratar da União e outro para os Estados, os primeiros artigos do texto constitucional tratam quase que exclusivamente da organização federal.

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Para uma melhor compreensão dos moldes federativos adotados na primeira Constituição republicana do Brasil, serão analisados a seguir os dispositivos centrais. O artigo primeiro desta Carta Política dispõe de forma direta que a forma de governo adotada pelo Brasil é a república federativa.' Nesta formulação observase a existência de duas órbitas de governo no mesmo território, o governo nacional e o governo estadual, destacando-se a inexistência de subordinação hierárquica entre as leis federais e as leis estaduais ou entre os governos destes entes. Este mesmo artigo prevê a proibição de secessão com o seguinte: "por união perpétua e indissolúvel". Este trecho foi alvo de severas críticas, sob o argumento de ser disposição inútil e presunçosa, sendo uma frase sem efeito, uma vez que não seria possível estabelecer compromissos de natureza absoluta impróprios de formulações políticas. João Barbalho Uchoa Cavalcanti entende de modo contrário, defendendo o trecho sob os seguintes argumentos (1992, p. 11):

o facto

dessa eliminação poderia talvez fornecer mesmo argumento e pretexto para fomentar velIeidades separatistas. E assim o registro, no art. 1°, deste grandioso compromisso da perpetuidade e indissolubilidade de uma união destinada a dar-nos um regime livre e democrático, não ficou sendo mau cabido, nem inútil, mas antes traz sua vantagem.

O artigo segundo" estabeleceu que cada uma das antigas províncias formaria um Estado, o que significou a atribuição de poderes de autorregulamentação, mas sem nunca perder de vista o fato de serem estes Estados membros da União Federal, como bem determina o art. 63 da Constituição, onde consta que

Cada Estado reger-se-á pela Constituição e pelas leis que adotar respeitados os princípios constitucionais da União. Uma das consequências diretas disto é que, para a União, seus membros são estados, mas em relação a domínios exteriores, somente é levado em consideração o Governo Federal. A Constituição

destaca ainda a necessidade da colocação da sede do

Governo Federal em um território neutro como forma de garantir tratamento igualitário aos estados membros, pois atribuir o status de capital a algum destes

4 CF/1891, Art. 1°· A Nação brasileira adota como forma de Governo, sob o regime representativo, a República Federativa, proclamada a 15 de novembro de 1889, e constitui- se, por união perpétua e indissolúvel das suas antigas Províncias, em Estados Unidos do Brasil. 5 CF/1891, Art, 2° . Cada uma das antigas Províncias formará um Estado e o antigo Município Neutro constituirá o Distrito Federal, continuando a ser a Capital da União, enquanto não se der execução ao disposto no artigo seguinte.

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poderia ensejar preferências em relação aos outros. O artigo seguinte" dispõe que a capital ficará no planalto central do país, tanto por uma questão de segurança, afastando-o do litoral, como por uma questão de administração, ficando equidistante de todos os estados da federação.' O artigo quarto" estabelece que a formulação dos estados não é estática, permitindo a incorporação, subdivisão ou desmembramento

dos Estados.

No artigo seguinte? ficou estabelecido que, diante da autonomia estatal, as despesas com sua administração

devem ser realizadas sem influência da

União. Exatamente por esta razão, a própria Constituição Federal prevê entre os art. 9° e 12 a possibilidade de instituição de impostos pelos Estados. Contudo, em circunstância excepcionais em que se mostrem insuficientes a atuação local, é necessário o auxílio da União como previsto no dispositivo. Como exemplo destes socorros prestados pela União, pode-se citar o apoio ao Distrito Federal e a São Paulo, em razão da peste, e ao Ceará, em razão da seca. O governo e a administração dos estados são exercidos de maneira livre, mas é necessário ressaltar que devem eles atender às exigências decorrentes da forma federada, ressaltando que não são estados soberanos, mas parte de um todo, motivo pelo qual existem situações constitucionalmente

previstas de inter-

venção do Governo Federal, como dispõe o art. 6°10. Assim, a União não pode se imiscuir em assuntos locais, sendo expressa esta proibição. Todavia, em certos casos expressamente previstos, esta possibilidade existe. João Barbalho Uchoa Cavalcanti ressalta a importância deste instituto para uma federação (1992, p. 21): A intervenção é a sacção do princípio federativo; sem EUa a União seria um nome vão. E as garantias e vantagens que a federação deve proporcionar aos Estados e ao povo, se reduziriam a simples miragem.

6 CFII891, Art. 3° - Fica pertencendo à União, no planalto central da República, uma zona de 14.400 quilômetros quadrados, que será oportunamente demarcada para nela estabelecer-se a futura Capital federal. 7 Não se trata de inovação brasileira. Proposta semelhante criação do distrito de Columbia e da capital Washington.

foi efetivada nos Estados Unidos da América com a

8 CFII891, Art. 4° - Os Estados podem incorporar-se entre si, subdividir-se ou desmembrar-se, para se anexar a outros, ou formar novos Estados. mediante aquiescência das respectivas Assembléias Legislativas, em duas sessões anuais sucessivas, e aprovação do Congresso Nacional. 9 CF/1891, Art. 5° - Incumbe a cada Estado prover, a expensas próprias, as necessidades de seu Governo e administração; a União, porém, prestará socorros ao Estado que, em caso de calamidade pública, os solicitar.

Ia CF/1891, Art 6° - O Governo federal não poderá intervir em negócios peculiares aos Estados, salvo: 1°) para repelir invasão estrangeira, ou de um Estado em outro; 2°) para manter a forma republicana federativa; 3°) para restabelecer a ordem e a tranquilidade nos Estados, à requisição dos respectivos Governos; 4°) para assegurar a execução das leis e sentenças federais. - 229-

TEMAS DE PENSAMENTO CONSTITUCIONAL

BRASILEIRO

E' Ella, com efeito, que assegura o laço federaL Nos Estados compostos não pode deixar de existir.

11.4 CONSEQUÊNCIAS DO FEDERALISMO DA CONSTITUiÇÃO DE 1891 É importante, para finalizar este estudo, ressaltar as consequências da sistemática adotada pela Constituição de 189l. Ao instituir uma formulação organizacional moderna concretizadora

de elementos do pensamento liberal,

com a instituição de um federalismo, permitiu a instauração de uma instabilidade institucional que teve como desfecho a Revolução de 30 e, por conseguinte, a promulgação da Constituição de 1934. O novo sistema Constitucional

não se mostrou suficientemente

forte

para assegurar a atuação eficaz do governo central. Com a instabilidade política envolvendo Deodoro da Fonseca e seu vice, Floriano Peixoto, e Prudente de Morais, que teve como remate a renúncia de Deodoro da Fonseca à Presidência, em 23 de novembro de 1891, possibilitou-se a enfraquecimento

do Poder

central e o fortalecimento dos poderes regionais e locais até então reprimidos pela imposição centralizadora do Império. Neste mesmo sentido, assevera José Afonso da Silva (2000, P. 82):

o

sistema constitucional implantado enfraquecera o poder central e reacendera os poderes regionais e locais, adormecidos sob o guante do mecanismo unitário e centralizador do Império. O Governo federal não seria capaz de suster-se, se não se escorasse nos poderes estaduais. [...] Fundado neste esquema doutrinário, imprime interpretação própria ao presidencialismo. Despreza os partidos, e constrói a "política dos Governadores'; que dominou a Primeira República e foi causa de sua queda.

Em verdade, os dispositivos constitucionais que instituíram o federalismo no Brasil não consideraram todas as especificidades políticas da época e as peculiaridades normais de uma transição deste nível. Com o estabelecimento de uma descentralização

política do Estado, realizada de forma brusca como

foi, permitiu-se a hipertrofia dos poderes regionais e locais que acabaram por suprimir o governo central. Não existiam elementos suficientes na Constituição para conter este crescimento exagerado dos Estados, fato que era totalmente previsível diante das características históricas do país. Esta força política concentrada nos Estados e municípios é fruto tanto da descentralização administrativa imposta por Portugal durante a colonização - 230-

NILSITON RODRIGUES DE ANDRADE

ARAGÃO

como do coronelismo que vigorou no primeiro reinado. Portanto, esta característica da formação política nacional brasileira deveria ter sido necessariamente considerada pelos constituintes, formulando dispositivos que reprimissem seu crescimento desproporcional

e permitissem

a manutenção

do Poder central.

Assim, observam Paulo Bonavides e Paes de Andrade (2006, p. 263): A Carta na verdade, serviu perfeitamente tanto aos setores militares - (que não se importavam muito com ela) - como fortaleceu interesses regionais, que a instrumentalizaram para impor a lei do mais forte ao aparelho do Estado. Os princípios liberais não foram trazidos à vida política cotidiana dos cidadãos, não se criaram mecanismos de participação que pudessem garantir os princípios consagrados na Carta Magna. Não há mérito algum em constatar tal desvirtuamento, transformá-Io em "fato" ou "realidade" e dizer que devemos adaptar nossas leis a ela. Há ideais que não se podem curvar permanentemente diante da "realidade'; porquanto, ao revés, nos arriscamos a nunca a alcançá-Io pois aqueles que estabelecem o que é "fato" ou "realidade" representam interesses sociais e políticos bem determinados.

Estas considerações forçam a reflexão sobre as críticas acerca do federalismo instituído no Brasil pela Constituição de 1981. Cabe inquirir, diante das consequências negativas desta Carta Política, se não era realmente o caso de se instituir um federalismo gradativo, como havia advertido o Visconde de Uruguai quase cinquenta anos antes da promulgação da Constituição de 189l. Assim advertia o citado publicista (1997, p. 133): Demais o self government não é um talismã de que possa usar quem queira. O self government é o hábito, a educação, o costume. Esta na tradição, na raça, e quando faltam essas condições, não pode ser estabelecido pelas leis, porque como, há três séculos dizia Sá de Miranda "Não valem leis sem costume. Vale o costume sem lei'"

CONCLUSÃO Diante do que foi exposto, pode-se dizer, a título de conclusão, que efetivamente houve manifestações autênticas de doutrinadores

nacionais so-

bre o federalismo, sendo esta uma realidade que não pode ser contestada. Tais inovações podem ser observadas tanto na adaptação dos sistemas existentes à realidade nacional, dando-lhe nova roupagem, quanto na criação de institutos não observados em outros países. Portanto, o Brasil muito contribuiu com

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TEMAS DE PENSAMENTO CONSTITUCIONAL

BRASILEIRO

a doutrina federalista mundial, sendo incontáveis os juristas nacionais que se destacaram nesta seara. Contudo, tais avanços doutrinários

não foram consagrados a contento

no texto da Constituição de 1891, pois as inovações se limitaram à compatibilização do modelo americano à situação de inexistência de Estados autônomos, e sim de um poder central preexistente. O fato de os constituintes não terem considerado formulações doutrinárias que se direcionavam a resolver problemas ligados à concepção política e histórica do Brasil acarretou o insucesso da primeira organização federal que, mesmo com a tentativa de reversão do quadro, por meio da Emenda Constitucional de 1926, acabou por dar ensejo à revolução de 1930 e à proclamação da Constituição de 1934 em sua substituição.

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