Pensamento Crítico na Universidade Católica do Porto – Um Projeto em Construção

July 17, 2017 | Autor: A. Pereira de And... | Categoria: Critical Thinking, Pedagogy, Pedagogia, Pensamento Crítico
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CIDTFF, Universidade de Aveiro, 2014

FICHA TÉCNICA Organizadores Rui Marques Vieira (Coord.), Celina Tenreiro-Vieira, Idália Sá-Chaves, Celeste Machado Comissão Científica Amélia Marchão – Instituto Politécnico de Portalegre, Portugal; Ana Isabel Moniz – Universidade da Madeira, Portugal; António Moreira – Universidade de Aveiro, Portugal; Blanca Puig – Universidade de Santiago de Compostela, Espanha; Cecília Galvão – Universidade de Lisboa, Portugal Celina Tenreiro-Vieira – Universidade de Aveiro, Portugal; Flávia Vieira – Universidade de Minho, Portugal Gabriela Portugal – Universidade de Aveiro, Portugal; Gerson Mol – Universidade de Brasília, Brasil Idália Sá-Chaves – Universidade de Aveiro, Portugal; Isabel Alarcão – Universidade de Aveiro, Portugal Isabel P. Martins – Universidade de Aveiro, Portugal; Luís Pedro – Universidade de Aveiro, Portugal Nilza Costa – Universidade de Aveiro, Portugal; Oscar Brenifier – Institut de Pratiques Philosophique de Argenteuil, França; Pedro Reis – Universidade de Lisboa, Portugal; Rui Marques Vieira – Universidade de Aveiro, Portugal; Silvia Coicaud – Universidade Nacional da Patagónia, Argentina Equipa Editorial Alexandra Ribeiro, Maria João Pinheiro, Sílvia Gomes UA Editora Universidade de Aveiro Serviços de Biblioteca, Informação Documental e Museologia Impressão Formas Digitais Tiragem 200 exemplares Depósito legal 378590/14 ISBN 978-972-789-424-6 Catalogação recomendada Pensamento crítico na educação: perspetivas atuais no panorama internacional / orgs. Rui Marques Vieira...[et al.]. - Aveiro: UA Editora, 2014. - 423 p. : il. ISBN 978-972-789-424-6 (brochado) Pensamento crítico – Educação // Objetivos educativos // Estratégias da aprendizagem CDU 371.3

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CIDTFF - Centro de Investigação “Didática e Tecnologia na Formação de Formadores” Universidade de Aveiro, 2014

ÍNDICE INTRODUÇÃO Rui Marques Vieira, Celina Tenreiro-Vieira, Idália Sá-Chaves, Celeste Machado........................................11 1.COMMENT PENSER À TRAVERS L’AUTRE : L’ART DU QUESTIONNEMENT Oscar Brenifier......................................................................................................................................17 2.PENSAMENTO CRÍTICO É FILOSOFIA Gabriela Castro......................................................................................................................................25 3.PERSPETIVAS FUTURAS DE INVESTIGAÇÃO E FORMAÇÃO SOBRE PENSAMENTO CRÍTICO: POTENCIAIS CONVERGÊNCIAS COM AS LITERACIAS CIENTÍFICA E MATEMÁTICA Celina Tenreiro-Vieira.............................................................................................................................29 4.INVESTIGAÇÃO SOBRE O PENSAMENTO CRÍTICO NA EDUCAÇÃO: CONTRIBUTOS PARA A DIDÁTICA DAS CIÊNCIAS Rui Marques Vieira, Celina Tenreiro-Vieira..............................................................................................41 5.PENSAMENTO CRÍTICO NA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PORTO – UM PROJETO EM CONSTRUÇÃO Helena Gil da Costa, Ana Andrade, Aida Fernandes, Conceição Soares, Henrique Manuel Pereira, João Costa Amado, José António Couto, Maria Guilhermina Castro, Margarida Silva Vítor Teixeira..................57 6.O QUE SIGNIFICA SER ETICAMENTE CRÍTICO? ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE A FILOSOFIA PARA CRIANÇAS Magda Costa Carvalho...........................................................................................................................71 7.FILOSOFIA PARA CRIANÇAS, CRIATIVIDADE E MEIA DÚZIA DE CHAPÉUS ÀS CORES – UM CASO DE APLICAÇÃO DA TÉCNICA DE EDWARD DE BONO EM OFICINAS DE FILOSOFIA PARA CRIANÇAS Joana Rita Sousa...................................................................................................................................83 8.NO JARDIM DE INFÂNCIA E NA ESCOLA DO 1.º CICLO DO ENSINO BÁSICO: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS QUE CONTRIBUEM PARA CONSTRUIR O PENSAMENTO CRÍTICO Amélia de Jesus G. Marchão, Gabriela Portugal......................................................................................93 9.PROMOÇÃO DO PENSAMENTO CRÍTICO NA EDUCAÇÃO E FORMAÇÃO DE ADULTOS Sandra Ferrão Lopes, Rui Marques Vieira, António Moreira...................................................................105 10.PENSAMENTO CRÍTICO: ALGUMAS DE SUAS CARACTERÍSTICAS, VALOR E OUTROS PROBLEMAS Rodrigo Canal......................................................................................................................................119 11.E-PORTFOLIO – CONTRIBUTOS PARA O PENSAMENTO CRÍTICO Susana Margarida Oliveira Gonçalves, Lourdes Montero Mesa, Estela Pinto Ribeiro Lamas..................139

12.UM CAMINHO PARA A VALORIZAÇÃO DA PROMOÇÃO DO PENSAMENTO CRÍTICO NO 1º CICLO DO ENSINO BÁSICO Ana Cristina Torres, Rui Marques Vieira................................................................................................157 13.O ENSINO NA ÁREA DE CIÊNCIAS DA NATUREZA NO PROEJA: UMA FORMAÇÃO CRÍTICA OU ALIENANTE? Karine dos Santos Coelho, Rejane Maria Ghisolfi da Silva.....................................................................179 14.QUESTIONAR E ARGUMENTAR ONLINE: POSSIBILIDADES DE PENSAMENTO CRÍTICO COM A UTILIZAÇÃO DO ARGUQUEST®? Francislê Neri de Souza, Ana Valente Rodrigues...................................................................................195 15.É POSSÍVEL ESTIMULAR O PENSAMENTO CRÍTICO ATRAVÉS DE PERGUNTAS DE UM LIVRO DIDÁTICO DE QUÍMICA? Gerson de Souza Mól, Francislê Neri de Souza.....................................................................................217 16.ARGUMENTAÇÃO E PENSAMENTO CRÍTICO SOBRE DETERMINISMO BIOLÓGICO A RESPEITO DAS “RAÇAS” HUMANAS Blanca Puig, María Pilar Jiménez Aleixandre........................................................................................237 17.APRENDIZAGEM BASEADA EM RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS E LITERACIA CIENTÍFICA Patrícia Margarida Nunes João, Catarina Maria Rua Pinto da Silva Afonso, Maria Arminda Pedrosa......251 18.TRABALHO EXPERIMENTAL – UM RECURSO PROMOTOR DO PENSAMENTO CRÍTICO: INTERVENÇÃO NO 1.º CEB Alcina Figueiroa...................................................................................................................................265 19.PROMOÇÃO DO PENSAMENTO CRÍTICO NO CONTEXTO DO 1º CICLO DO ENSINO BÁSICO Graça Maria Brito Moura, Daniela Gonçalves........................................................................................291 20.O PENSAMENTO CRÍTICO NO SUJEITO LINGUÍSTICO Catarina Mangas, Paula Cristina Ferreira..............................................................................................303 21.O ENTENDIMENTO DA AULA DE PORTUGUÊS COMO ESPAÇO DE PROMOÇÃO DE UMA LITERACIA CRÍTICA. UMA LEITURA CRÍTICA DE “ARROZ DO CÉU”, DE JOSÉ RODRIGUES MIGUÉIS Ângela Campos...................................................................................................................................315 22.ENSINO DA HISTÓRIA E PENSAMENTO CRÍTICO CURRÍCULO, METAS CURRICULARES, MANUAIS E PRÁTICA PEDAGÓGICA NA DISCIPLINA DE HISTÓRIA DO 7.º ANO DO 3.º CICLO DO ENSINO BÁSICO: UM ESTUDO E UMA EXPERIÊNCIA Helena Romão Henriques....................................................................................................................329 23.REVISÃO ENTRE PARES E PENSAMENTO CRÍTICO: PERCURSO PARA UMA METODOLOGIA TRANSVERSAL Caroline Dominguez, Rita Payan-Carreira, Maria da Felicidade Morais, Maria Manuel Nascimento Ana Maia, Daniela Pedrosa, Gonçalo Cruz............................................................................................357

24.PROPOSTA DE UM QUADRO TEÓRICO CRÍTICO PARA A REFERENCIALIZAÇÃO DA AVALIAÇÃO DE PROFESSORES AS PERSPETIVAS INSTITUINTES, O REFERENCIAL POLÍTICO E A NARRATIVA DO DISSENTIMENTO Henrique Manuel Pereira Ramalho.......................................................................................................379 25.PROMOÇÃO DO PENSAMENTO CRÍTICO ATRAVÉS DE ROLE PLAY E CONTOS INFANTIS. O PROCESSO GATO DAS BOTAS Viorica Alich, Sónia Pereira, Joana Magalhães......................................................................................401

INTRODUÇÃO Este livro inclui 25 capítulos que se constituem como um dos produtos resultantes do I Seminário Internacional ‘Pensamento Crítico na Educação: Investigação, Formação e Perspetivas Futuras’, que se realizou nos dias 1 e 2 de julho de 2013, no Departamento de Educação da Universidade de Aveiro, em Portugal. Este pretendeu abranger os vários ciclos de Ensino (do Pré-escolar ao Ensino Superior) e diferentes áreas disciplinares e destinou-se essencialmente a professores/ educadores, formadores e investigadores interessados em iniciar ou aprofundar a reflexão e/ ou investigação sobre o Pensamento Crítico na Educação. Neste contexto, esta publicação sobre o Pensamento Crítico procura contribuir para a sua melhoria por processos formativos e investigativos fundamentados. A Comissão Científica deste Seminário, a qual foi responsável pela aprovação dos textos deste livro contou com 18 especialistas de 5 países (Portugal – 14, Brasil – 1, Espanha -1, França – 1 e Argentina – 1). Houve a submissão espontânea de cerca de 40 propostas, das quais 16 foram aceites para comunicações orais, 12 posters e 3 para o simpósio. Realizou-se ainda, por convite, a conferência plenária, uma oficina e uma mesa redonda (informação disponível em: http://redepensamentocritico.web.ua.pt/). Os textos que aqui se incluem resultam de todo este processo de revisão e procuram respeitar as línguas em que os mesmos foram apresentados, resultando assim um livro com textos em Português, na sua maioria, em Francês e em Castelhano. Assim, o primeiro capítulo, em Francês, apresenta uma reflexão da experiência de Oscar Brenifier sobre como pensar através e com os outros. Da sua prática filosófica destaca o papel do questionamento neste processo. Nesta linha surge o segundo capítulo da autoria de Gabriela Castro, o qual resulta da sua formação filosófica e do trabalho formativo e investigativo na Universidade dos Açores que tem vindo a realizar com o programa “Filosofia para Crianças”. Deste capítulo destaca-se que o Pensamento Crítico deve ser potenciado no contexto de uma comunidade de investigação onde se poderá partilhar uma posição dialógica com “argumentos claros, credíveis e logicamente válidos capazes de suportarem a respetiva afirmação. Este é um dos princípios para a formação de consciências críticas, reflexionantes e  criativas num contexto de razoabilidade etária”. Na senda de convergência do pensamento Crítico com outros constructos, no caso com a literacia científica e com a literacia matemática, Celina Tenreiro-Vieira procura, no terceiro capítulo deste livro, estabelecer referenciais e definições operacionais substantivas para fundamentar e orientar a formação de professores, o desenvolvimento de recursos e a construção de práticas promotoras do pensamento crítico. Neste quadro avança com um referencial que tem vindo a ser desenvolvido e que evidencia pontos de convergência entre estes três constructos para a promoção da literacia crítica de todos os que pretendem efetivamente cumprir as atuais finalidades e orientações educativas internacionais.



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Nesta mesma ótica e na continuidade da investigação que Rui Marques Vieira e Celina TenreiroVieira têm realizado ao longo dos últimos anos na Universidade de Aveiro sobre o Pensamento Critico, no capítulo seguinte descrevem as principais áreas de estudo, evidenciando contributos para a Didática das Ciências. Estas áreas são a formação de professores, as estratégias de ensino e de aprendizagem e o desenvolvimento de recursos didáticos e atividades de aprendizagem, particularmente para o Ensino Básico. No quinto capítulo surge o relato de Helena Gil da Costa e equipa sobre o projeto que estão a implementar na Universidade Católica do Porto. Este tem como “meta primordial a promoção de uma reflexão contínua, ampla, aprofundada e transversal, por forma a instituir como marca da comunidade académica o compromisso com o Pensamento Crítico”. Questionando-se sobre o que significa ser eticamente crítico, Magda Carvalho avança, no capítulo seis, também com mais algumas reflexões sobre Filosofia para Crianças. Como escreve esta investigadora “O nosso contributo na presente reflexão prende-se com a vertente ética do programa Filosofia para Crianças, entendida nas suas expressões individual e coletiva, isto é, enquanto ressoa na conduta pessoal de cada membro da comunidade, bem como no plano social do seu compromisso com o grupo”. Tendo ainda como referencia Filosofia para Crianças, Joana Sousa descreve a sua experiência formativa com a “técnica dos seis chapéus” de Edward de Bono. Neste sétimo capítulo destaca-se a formação desenvolvida com alunos da arte marcial Taekwondo. No capítulo seguinte (oito), Amélia Marchão e Gabriela Portugal procuram desocultar as práticas pedagógicas que permitem a construção do pensamento crítico de crianças do Jardim de infância e do 1º Ciclo do Ensino Básico. Do estudo que realizaram acentuam alguns dos principais princípios epistemológicos, como os que se prendem com as conceções sobre gestão do currículos da Educação Básica e sobre a aprendizagem e em particular do pensamento crítico. Em compêndio frisam que são necessários “andaimes” para que, de uma forma concertada e coerente, as crianças possam desenvolver o seu pensamento e deste modo se poder responder às exigências educativas e sociais atuais. Numa perspetiva de educação ao longo da vida, Sandra Lopes, Rui Vieira e António Moreira, no capítulo nove, sintetizam uma investigação focada na promoção do Pensamento Crítico na Educação e Formação de Adultos [EFA]. Tendo como Referencial as Competências-Chave de nível secundário e a taxonomia de Ennis foi desenvolvida uma oficina de formação de professores de cursos EFA, a qual permitiu a (re)construção de atividades; estas, ao passarem a ser intencionalmente ser orientadas para a promoção do pensamento crítico, tendo como recursos diversas ferramentas da Web 2.0, relevaram-se promotoras deste tipo de pensamento nos adultos a quem foram implementadas.

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O capítulo dez apresenta uma revisão teórica de algumas das características, valor e problemas que Rodrigo Canal encontra nas abordagens atuais do pensamento crítico. Com esta revisão procura contribuir para a discussão de dificuldades relativas ao modo como o pensamento crítico tem sido preconizado, em particular, pelo movimento da lógica informal. A partir de um estudo de caso realizado no contexto da formação de professores, Susana Gonçalves, Lourdes Mesa e Estela Lamas afirmam “que o pensamento reflexivo, a metacognição, a (auto) regulação e a (auto) avaliação constituem um dos pilares do pensamento crítico”. Neste quadro, avançam no capítulo onze com uma proposta da elaboração de e-portfolio reflexivo como estratégia de apoio à construção do pensamento crítico. Concluem que o processo da construção do e-portfolio constitui um contributo para o pensamento reflexivo. Os sete capítulos seguintes incidem no domínio de uma Educação em Ciências promotora do pensamento crítico. No estudo de Ana Torres e Rui Vieira descreve-se o percurso de promoção do pensamento crítico de alunos do 1º Ciclo do Ensino Básico. Neste capítulo doze são de frisar as atividades, incluindo de articulação entre a educação formal e não-formal, e os recursos que foram usados para explicitamente se apelar ao pensamento crítico. No domínio das práticas de professores de ciências, que contribuem para a formação do pensamento crítico, neste caso do Brasil, Karine Coelho e Rejane Silva expõem um estudo no contexto da Educação Profissional de Jovens e Adultos. Concluem, neste capítulo treze, que “as ações propostas pelos professores para desenvolver o pensamento crítico ainda são tímidas, sendo necessários maiores investimentos em estratégias de ensino-aprendizagem que possam favorecer esse desenvolvimento”. Já no que se refere às capacidades de argumentação na Educação em Ciências, Francislê Souza e Ana Rodrigues descrevem a utilização do recurso digital ArguQuest com estudantes a frequentar mestrado e particularmente a unidade curricular de Didática das Ciências. Pese embora alguns constrangimentos técnicos na realização dos mapas ArguQuest, este recurso evidencia potencialidades na sistematização do desenvolvimento do pensamento crítico com base no questionamento e na argumentação. Com destaque para a estimulação do pensamento crítico com o questionamento, Gerson Mol e Francislê Souza analisam, neste capítulo quinze, a sistematização de perguntas com o objetivo de promover o diálogo nas salas de aula de um manual escolar de Química do Brasil. “Os resultados indicam que as perguntas do livro têm um forte carácter CTS, com alguma potencialidade para ser usado no contexto de estratégias para o desenvolvimento do pensamento crítico, mas com um nível cognitivo médio-baixo”. De Espanha, Blanca Puig e Pilar Jimenéz sustentam que a argumentação sobre questões sócio-científicas, como as relativas ao determinismo biológico a respeito das “raças” humanas,



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promove o pensamento crítico. Os resultados do seu estudo mostram que os estudantes têm dificuldades, nomeadamente nas dimensões éticas da tarefa e no uso de critérios para avaliar as provas. No caso específico da Aprendizagem Baseada em Resolução de Problemas para a promoção da literacia científica, Patrícia João, Catarina Afonso e Maria Arminda Pedrosa caracterizam sumariamente a utilização desta estratégia e materiais didáticos destinados à sua implementação em Ciências Físico-Químicas do 7º ano. Pese embora o desenvolvimento de competências de identificação e resolução de problemas, estas investigadoras concluem que escasseiam materiais didáticos necessários à sua implementação e existem alguns constrangimentos ao nível do tempo que ocupam, sendo por isso necessário proporcionar programas de formação especificamente orientados para esta estratégia de ensino. No capítulo dezoito, Alcina Figueiroa foca-se nas potencialidades de outra estratégia - o trabalho experimental na promoção do pensamento crítico no 1º Ciclo do Ensino Básico. No estudo que envolveu 14 futuros professores do referido nível de ensino, pretendeu averiguar se este grupo conseguia mobilizar, para o contexto de estágio, as competências necessárias ao ensino das ciências de base experimental. Os resultados obtidos revelaram que os estudantes adquiriram e desenvolveram competências como as relativas ao controlo de variáveis e de previsão. Igualmente no 1º Ciclo do Ensino Básico, Graça Moura e Daniela Gonçalves descrevem uma aula de Português (desenvolvimento da expressão oral e da expressão escrita) onde a principal finalidade foi promover o pensamento crítico e criativo. As conclusões que apresentam apontam para a promoção de capacidades como os alunos serem capazes de apresentar razões (e não opiniões) para as suas interpretações e ficarem familiarizados com os «defeitos» de que estão normalmente impregnadas as suas perguntas. Por sua vez no vigésimo capítulo, Catarina Mangas e Paula Ferreira investigam se os documentos curriculares orientadores do ensino do português fomentam práticas pedagógicas que promovam de modo explícito, intencional e sistemático capacidades de pensamento crítico. Concluem que, em Portugal, os normativos que regulamentam a disciplina de Português no Ensino Básico têm em conta os princípios inerentes à promoção de cidadãos reflexivos e críticos. Terminam salientando que: “Embora estas conclusões nos levem a acreditar que os professores procurarão proporcionar experiências aos alunos do Ensino Básico que fomentem o seu pensamento crítico, apetrechando-os de ferramentas que lhes permitam desenvolver um raciocínio lógico e construir argumentos e posicionamentos válidos, sabemos também, por outro lado, que as grandes mudanças na educação não se produzem apenas através de documentos orientadores e legais”. Igualmente no que se refere à disciplina de Português, Ângela Campos discute o conceito de leitura crítica, no quadro dos princípios da literacia crítica. Os resultados do estudo sobre as potencialidades oferecidas pelo texto narrativo “Arroz do Céu” apontam para a necessidade Página 14 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional INTRODUÇÃO

de adoção de práticas de literacia crítica no contexto da aula de Língua Portuguesa, de forma a permitir a todos a promoção do seu “posicionamento crítico perante os textos e perante o mundo”. Pese embora o ensino da História disponha de ferramentas para promover o pensamento crítico, Helena Henriques questiona-se sobre as razões do défice neste tipo de pensamento. Além dos programas e manuais escolares desta disciplina não terem o pensamento crítico de modo explícito e predominante “O défice de consciência crítica é, provavelmente, a causa do problema inicial que colocámos, ou seja, da dificuldade na transposição das aprendizagens racionais e científicas, da escola para outras áreas da vida e para raciocinar sobre elas porque nunca se observou nem respeita o próprio raciocínio”. Já no Ensino Superior, Caroline Dominguez e colegas descrevem um estudo que estão a implementar sobre um sistema de revisão entre pares on-line orientado para o desenvolvimento do pensamento crítico dos seus estudantes. Com diferentes instrumentos como um questionário e o Teste de Pensamento Crítico de Cornell (Nível X) antes e depois das atividades, estas docentes adquiriram “uma noção mais clara das condicionantes e das potencialidades desta metodologia com vista ao desenvolvimento do pensamento crítico desses estudantes”. Neste penúltimo capítulo, Henrique Ramalho avança com uma proposta de um quadro teórico crítico para a referencialização da avaliação de professores. Entre outras conclusões, este autor refere que “a metodologia da referencialização como uma construção coletiva, instituínte e multilateral que tem subjacente a elaboração de uma matriz de referência (referencial), sustentando a ideia de que a modelização da avaliação e a própria conceção do desempenho docente (enquanto objeto avaliado) são entendidas como um processo partilhado por atores alocados em níveis hierárquicos, com quadros de interesses e perceções muito variados”. Por fim, no capítulo vigésimo quinto, Viorica Alich, Sónia Pereira e Joana Magalhães descrevem o estudo realizado com a estratégia de role play com contos infantis. Esta revelou-se como estratégia de intervenção comportamental, de construção do autoconceito dos alunos e da melhoria das suas capacidades de análise, argumentação e de avaliar e julgar. Volvidos mais de 30 anos de investigação e formação sobre o Pensamento Crítico, em diferentes países como Portugal, Espanha, França e Brasil, e conquanto alguns avanços e boas práticas, verifica-se que na educação esta ainda não é uma meta explícita, sistemática e intencional. Isto pese embora os documentos curriculares já possuírem a referência ao pensamento crítico e a várias das suas capacidades. Prolifera a diversidade de quadros concetuais e a pluralidade de abordagens e construtos, como criatividade, lógica, pensamento reflexivo e literacia científica e matemática. Mas também existe falta de clareza concetual e de fundamentação de algumas das opções educacionais tomadas.



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Daí que várias das ideias apresentadas nos vários capítulos não espelhem o posicionamento dos editores desta obra. Por fim, este livro não seria possível sem o apoio do Centro de Investigação Didática e Tecnologia na Formação de Formadores [CIDTFF]. Deste destaca-se o apoio incondicional da sua Coordenadora – Professora Doutora Nilza Costa e do apoio do secretariado do mesmo, em especial da Doutora Sílvia Gomes. Rui Marques Vieira, Celina Tenreiro-Vieira, Idália Sá-Chaves e Celeste Machado Centro de Investigação Didática e Tecnologia na Formação de Formadores da Universidade de Aveiro abril de 2014.

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1.COMMENT PENSER À TRAVERS L’AUTRE : L’ART DU QUESTIONNEMENT Oscar Brenifier | [email protected]

Institut de Pratiques Philosophiques de Argenteuil, França

Si l’on devait résumer le rôle du professeur de philosophie par une fonction unique, nous dirions que c’est d’initier l’élève à l’art du questionnement, acte fondateur et genèse historique du philosopher. La philosophie est un processus de réflexion, un traitement de la pensée, avant d’être une culture, qui n’en est que le produit, la matière ou le moyen. (Bien que l’on puisse tout aussi allègrement affirmer le contraire, en inversant la fin et le moyen). Comme pour tout art, ce processus résulte d’une attitude, il se fonde sur elle. Or une attitude ne peut s’enseigner, ce qui nous mènerait à affirmer que l’on ne peut pas enseigner la philosophie. En même temps, cette attitude peut se découvrir, on peut en prendre conscience, on peut la nourrir ; ainsi on affirmera de la même manière que la démarche philosophique peut s’enseigner. Le terme “  attitude  ” dérive de la même origine latine que “ aptitude ”, de agere qui signifie “ agir ” : la disposition et la capacité sont intimement reliées l’une à l’autre, ainsi qu’à l’agir, dont elles sont toutes deux des conditions. La fibre philosophique doit donc être supposée présente chez l’élève, pour prétendre enseigner la philosophie, de même que le sentiment esthétique pour enseigner la peinture ou la musique. Ici, la tabula rasa aristotélicienne s’avère réductrice, qui présuppose de remplir un vide avec des connaissances, ce que prône la conception de la philosophie comme transmission, largement répandue dans l’institution. Seule opère l’étincelle divine socratique qui se niche au cœur de chaque être humain, qu’il s’agit d’aviver ou de raviver. Mais on peut aussi partir du principe que la philosophie est avant tout une somme de connaissances, si on assume cette vision encyclopédique et ses conséquences. De même, demandons-nous si la philosophie est une pratique codifiée, datée historiquement, connotée géographiquement, ou bien si elle appartient par nature à l’esprit humain, dans toute sa généralité. Le problème se repose de la même manière. En même temps, pouvons-nous honnêtement, sans sourciller, prétendre à être sans père ni mère, croire procéder de la génération spontanée ? Petits êtres naïfs qui ne connaîtraient que le chant des oiseaux et les fraises des bois. Pourquoi renier ce que nos ancêtres nous ont légué ou imposés ? N’ont-ils pas tenté de nous apprendre à questionner ? À moins que pour cette raison précise, ils ne méritent d’être relégués aux oubliettes. I - Nature et culture Nous voilà donc obligés d’avouer les présupposés à partir desquels nous fonctionnons, lorsque nous résumons la philosophie à l’art du questionnement. La philosophie est pour nous inhérente à l’homme, mais les uns et les autres auront, selon les circonstances, développé plus ou moins cette faculté naturelle. Des outils auront été produits au cours de l’histoire, que nous avons Página 17 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

hérités, mais pas plus que les progrès techniques ne font de l’homme un artiste, les concepts philosophiques établis ne font de l’homme un philosophe. Ainsi, l’art du questionnement, qui fait siens les legs de l’histoire, un art qui n’aurait aucune raison d’ignorer les travaux des prédécesseurs, favorise l’émergence du philosopher. Car si nous avons dénoncé la tentation encyclopédique et livresque de la philosophie, il nous faut aussi mettre en garde contre l’autre forme de tabula rasa  : celle qui prétend faire l’économie de l’histoire pour favoriser, dit-elle, l’émergence d’une pensée authentique et personnelle. Entre ces deux écueils, il nous paraît nécessaire de tracer un chemin, afin de guider nos propres pas, afin d’encourager chaque maître à ne négliger ni les capacités de l’élève, ni l’héritage des anciens. Car s’il nous a paru par moments nécessaire de condamner le bachotage philosophique et les grands discours abstraits et pontifiants, il nous paraît tout aussi urgent de condamner le discours du philosopher sans philosophie, qui tend à glorifier la pensée singulière ou collective, sous le prétexte qu’elle est de chair et d’os, réelle et bien vivante, et ne doit rien à personne. Proposons le paradoxe suivant : l’art philosophique, ou art du questionnement, est l’art de ne rien savoir, ou l’art de vouloir savoir. Une question qui énonce un discours n’est pas une question. Plus le discours énonce, moins il questionne. Combien d’enseignants prétendent poser une question à leurs élèves, par des questions tellement travaillées, tellement chargées, tellement lourdes, qu’ils assomment l’élève, qui ne peut que répondre oui, du bout des lèvres, par politesse, ou parce qu’il est impressionné par l’érudition ainsi déployée, ou encore parce qu’il n’a rien compris à la soi-disant question. Le premier critère d’une bonne question est de ne rien vouloir démontrer ou enseigner directement : il lui faut être consciente de sa propre ignorance, y croire, l’afficher, chercher par tous les moyens à échapper au savoir dont elle émane. Flèche qui se doit d’élaguer au maximum son empennage pour réellement percuter. Plus elle s’affine, plus sa portée est grande, plus elle pénètre sa cible. Pour pratiquer cet art, tout interlocuteur est bon : l’esprit souffle où il veut, quand il veut, comme il veut, le tout est d’écouter et de savoir entendre. C’est pour cette dernière raison que notre artiste ne peut être un ignorant, mais seulement pratiquer l’art de l’ignorance. Il sait se dédoubler, se mettre en abyme, s’abstraire de lui-même, ce que ne sait pas faire son élève, qui d’ailleurs croit savoir même s’il ne sait rien, même lorsqu’il ne sait pas. Il croit savoir ce qu’il sait, alors que le pédagogue philosophe sait que lui-même ignore ce qu’il sait. Déjà parce qu’il ne connaît jamais suffisamment ce qu’il sait, dont il ignore toujours l’ensemble des implications et conséquences, parce qu’il n’en perçoit pas toutes les contradictions. D’autre part, parce qu’il sait que ce qu’il sait est faux, parce que partial, partiel et tronqué. Cette opacité ne l’inquiète guère, car il sait que la parole absolue, totalement transparente à elle-même, n’existe pas, ou ne saurait être articulée. Mais en même temps, cela l’oblige à écouter, à accorder un véritable statut à cette multiplicité indéfinie que constitue l’humanité, à toujours tout espérer de chacun.

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Pourtant, si notre philosophe ne connaît rien, il doit savoir reconnaître, et en ce redoublement de la connaissance sur elle-même se niche toute la différence. On ne peut questionner si on ne reconnaît rien. Les questions seront gauches, maladroites, dépourvues de vigueur, décentrées, générales, voire hors propos, elles ne sauront réellement entendre ce qui leur est répondu. Pour savoir reconnaître, il faut être armé, les yeux et les oreilles aguerris. Celui qui n’a jamais ouvert les yeux, celui qui n’a pas appris, n’est pas aux aguets, ne peut être aux aguets. Car c’est en apprenant que l’on apprend à apprendre. Pour être aux aguets dans les bois, il faut connaître les différents bruissements dans le feuillage, les divers chants d’oiseaux, les variétés de champignons comestibles ou non. Sinon, nous ne verrons rien, nous n’entendrons rien, que des bruits, des couleurs, des formes, de manière indistincte. II – Questions types Notre enseignant de philosophie a donc une double fonction : enseigner simultanément le savoir et l’ignorance, ou le savoir et le non-savoir, pour ceux que ce terme d’ignorance inquiète. Mais si certains enseignants se concentrent sur le savoir, d’autres se spécialisent dans le non-savoir. Tous deux pensent enseigner, et tous deux enseignent sans doute, mais enseignent-ils à philosopher ? Et philosophent-ils ? Dans l’absolu, peu importe, et continuons notre chemin. Voyons en quoi consiste le questionnement, et voyons en cela quel est le rôle du maître de philosophie. Prenons donc quelques questions types, récurrentes à travers l’histoire de la philosophie. Récurrentes sans doute parce qu’elles sont de la plus grande urgence, de la plus grande banalité et de la plus grande efficacité. Mais faut-il encore y être sensible. 1) De quoi est-il question ? Comme nous l’avons déjà énoncé, la condition première de l’action est l’attitude, cousine de l’aptitude. Il s’agit donc, comme pour un sport, comme pour un chant, de se mettre dans une bonne position, dans une bonne disposition, à la fois pour permettre de philosopher mais aussi pour travailler ce qui en est le fondement. Et en cette première étape, indispensable, certains élèves manifesteront de lourds handicaps, que l’on ne saurait ignorer, ou passer outre comme si de rien n’était. Pour philosopher, il est nécessaire de poser la pensée. Si cette attitude doit être provoquée par le maître, c’est qu’elle n’est pas naturelle. En effet, en général règne dans l’esprit de l’homme, enfant ou adulte, un certain brouhaha, dont la manifestation extérieure et verbale n’est que le pâle reflet. Pour poser la pensée, il s’agit en premier de demander un silence, ou de l’exiger, selon le degré de “ violence ” que cela implique envers le naturel du groupe. Ensuite demande est faite de contempler une idée, de réfléchir sur une question, de méditer sur un texte, de réfléchir sans exprimer quoi que ce soit. “ De quoi est-il question ? ” Enfin, en un troisième temps d’exprimer une idée à soi, par oral ou par écrit. En sachant que si c’est oralement, il s’agit de demander la parole et d’attendre son tour. Et dès que quelqu’un parle, il n’y a aucune Página 19 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

raison que quelqu’un d’autre garde son bras levé. Un quatrième temps, qui est un retour en arrière, peut être une demande de vérification, de la part d’un auteur ou des auditeurs, quant à la pertinence des propos tenus. Sont-ils clairs ? Correspondent-ils à la consigne ? Répondentils à la question ? Il ne s’agit pas ici d’entrer dans des problèmes d’accord ou de désaccord, mais uniquement d’examiner si sur le plan formel les propos sont adéquats, afin de vérifier si la pensée était au rendez-vous. Exemples de questions posées : “ La réponse répond-elle à la question posée ou à une autre question ? ” ; “ À ton avis, ta réponse est-elle claire pour tes auditeurs ? ” ; “ Ce qui a été exprimé satisfait-il les consignes indiquées ? ” ; “ As-tu répondu à la question ou donné un exemple ? ”. Les problèmes posés ici sont ceux du rapport de sens, de la cohérence, de la nature et de la clarté des propos tenus. Ils demandent d’identifier ce qui se passe, d’en vérifier la nature et la teneur. Ce retour sur sa propre pensée, l’analyse que l’on en fait, constitue l’entrée première dans le philosopher. 2) Pourquoi ? La question première, la mère des questions, est le “ pourquoi ?”. Demander “ Pourquoi ? ”, c’est poser le problème de la finalité d’une idée, de sa légitimité, de son origine, de ses preuves, de sa rationalité, etc. On peut donc l’utiliser à toutes les sauces, sans besoin de spécification, et les élèves ont bien compris cela, qui l’utilisent comme un système : “ Pourquoi tu dis ça ? ”. Question très indifférenciée, elle demande tout, et de ce fait ne demande rien. Mais elle est utile car elle initie les élèves, en particulier les plus jeunes, à cette dimension de l’au-delà ou de l’en deçà des propos tenus. Rien ne vient de rien. Le pourquoi implique la genèse, la causalité, le motif, la motivation, et travailler cette dimension nous habitue à justifier automatiquement nos propos, à les argumenter, afin d’en saisir la teneur plus profonde. Elle nous fait prendre conscience de notre pensée et de notre être, pour lesquels toute idée particulière n’est jamais que le pâle reflet, mais aussi une aspérité à partir de laquelle nous pouvons pratiquer l’escalade de l’esprit et de l’être. 3) Particulier ou général ? La tendance première, de l’enfant comme souvent de l’adulte, est de s’exprimer par un exemple, par une narration, par le concret : “ C’est comme quand ”, “ Par exemple… ”, “ Des fois, il y en a qui… ”. Platon décrit ce processus naturel de l’esprit, qui tend à partir d’un cas, pour passer à plusieurs cas, puis enfin accéder à l’idée générale. Demander à l’enfant quelle est l’idée sousjacente à son exemple, lui demander si le cas est généralisable, c’est lui demander d’articuler le processus de généralisation de son intuition, en le formalisant, c’est lui demander de passer au stade de l’abstraction. Une idée n’est pas un exemple, bien qu’ils se contiennent et se soutiennent l’un l’autre. De la même manière, certaines généralités toutes faites représentent aussi un courtPágina 20 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

circuit de la pensée, un concept sans intuition nous dirait Kant. Pas d’intuition sans concept, pas de concept sans intuition, nous enjoint-il. 4) Même ou autre ? Penser philosophiquement, c’est penser le lien. Tout est lié dans la pensée humaine, tout est distinct. Dialectique du même et de l’autre à laquelle nous invite Platon. Tout ce qui est autre est même, tout ce qui est même est autre : pas de rapport possible sans communauté et distinction. Mais tout repose ensuite dans l’articulation ou l’explicitation de ce rapport, dans la proportionnalité de communauté et de différence, cadré par un contexte. Rien ne saurait faire l’économie de ce jugement, toujours questionnable et révisable. Car pour qu’une réflexion réelle ait lieu, il s’agit de ne pas ressasser indéfiniment, à moins de ressasser consciemment. Pas question non plus de répéter, sans être conscient de répéter. Quel est le rapport entre une idée et celle qui la précède ? Pour construire, pour dialoguer, les idées se doivent d’être conscientes les unes des autres, de se prendre en charge les unes les autres. Le contenu est-il en gros identique ? Quelle est la nature de la différence, celle de la contradiction ? Que dit ce que je vais dire ou ce que je viens de dire, à ce qui a déjà été dit ? Sur quels concepts reposent les enjeux ou les similarités. Voilà les questions qui doivent accompagner toute nouvelle formulation d’idée. Questions qui ne peuvent être traitée que par rapport à un contexte spécifique. Avec deux écueils possibles. Soit des distinctions sont toujours possibles, le piège de la nuance à l’infini. Soit tout est relié, uni, à commencer par la contraire avec son contraire, par une sorte de pulsion fusionnelle. 5) Essentiel ou accidentel ? Puissante distinction proposée par Aristote. Penser, c’est passer au crible ce qui nous vient à l’esprit, de préférence déjà avant de le dire. Sans cela, on s’exprime, certes, on dit ce qui nous passe par la tête, mais l’on ne pense pas, ou alors dans un sens très vaste et flou. Il s’agit avant tout de discriminer ce qui nous vient à l’esprit, selon le degré de prééminence, d’importance, d’efficacité, de beauté, de vérité, etc. Demander si une idée est essentielle ou accidentelle, c’est inviter à poser une axiologie, ou à l’expliciter, car toute pensée opère à partir d’une hiérarchie et une classification de priorités, aussi inconsciente ou indicible soit-elle. L’essentiel, c’est aussi l’invariant, ce qui fait qu’une entité, chose, idée ou être, détient telle ou telle qualité, non pas de manière accessoire, mais fondamentale, qui relève de l’essence. Une chose est-elle ce qu’elle est sans ce prédicat, ou devient-elle autre chose ? Les fruits poussent dans les arbres, mais un fruit peut-il ne pas pousser dans un arbre ? Telle qualité ou prédicat accordé à une entité est-il vraiment indispensable ? Est-il valable aussi pour une entité radicalement différente ? Autant de questions qui portent à réfléchir sur la nature des choses, des idées et des êtres, sur leurs définitions, leurs différences et leurs valeurs respectives.

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5) Universel ou singulier ? Une fois posée la généralité, on peut s’interroger sur son degré d’universalité. Pour cela, il s’agit de penser l’exception, une exception qui a droit de cité car elle peut à la fois infirmer et confirmer la règle. Elle l’infirme car elle lui ôte son degré d’absolu, elle la confirme car elle en détermine les limites. Ce traitement caractérise la démarche scientifique, d’après Popper, selon lequel la faillibilité d’une proposition installe la scientificité et protège du schéma religieux, qui se fonde sur d’incontestables propositions. Tout ce qui relève de la raison est discutable : la parole absolue relève de l’acte de foi. Connaître les limites de la généralité revient à en saisir la réalité profonde, et surtout à ne pas craindre l’objection, à la désirer. Alors, pour toute idée proposée, demandonsnous d’emblée où est la faille, en posant comme postulat de départ qu’elle existe nécessairement et doit être identifiée. De plus, l’émergence de toute singularité nous permettra d’accéder à un autre degré d’universalité, à de nouvelles hypothèses. III - Pratique du philosopher Au début, le maître monopolise quelque peu la fonction de questionnement, afin de montrer l’exemple, pour donner le la, pour inspirer la rigueur, mais promptement, il invite les élèves à entreprendre cette tâche. Peu à peu les élèves s’initient, certains rapidement, d’autres plus lentement. Le maître a pour rôle d’être l’étranger, à l’instar de celui mis en scène par Platon dans ses dialogues tardifs, qui a pour unique patronyme l’Étranger. L’étranger est celui qui ne prend rien pour acquis, celui qui n’accepte aucune habitude, celui qui ne connaît pas le pacte et ne le reconnaît pas. L’élève s’habitue ainsi à devenir étranger à lui-même, étranger au groupe, à ne pas rechercher la fusion protectrice, une reconnaissance ou un accord quelconque. Il n’est pas là pour rassurer, ni les autres ni soi-même, il laisse cela au psychologue ou aux parents. Il est là pour inquiéter, pour provoquer cette inquiétude qui est inhérente à la pensée, substance vive de la pensée, comme le dit Leibniz. Or pour induire le philosopher, il s’agit de philosopher. L’enseignant ne peut prétendre sur ce plan à une quelconque extra territorialité, exempte d’exigence et de réflexion. Il doit donc philosopher, et devenir lui aussi l’étranger. S’il ne s’habitue pas à aimer, désirer et produire ce qui ne lui appartient pas, comme pourrait-il engendrer le philosopher dans sa classe ? Aussi comprendraiton difficilement qu’il ne cherche pas un minimum ce qu’ont pu dire nos célèbres trépassés. Certes leurs discours ne sont pas toujours faciles à lire ou à comprendre, et ils ne sont pas tous passionnants. D’autant plus que l’on peut tous avoir des sujets de prédilection. Mais si cette ignorance devient une posture, en quête de justification, qui prétendrait à un philosopher spontané, prête à s’émerveiller devant la parole infantile ou adolescente comme succédané de la pensée, alors l’imposture n’est pas loin. Sapere aude ! s’écrie-t-il comme Kant à ses élèves, sans mettre en pratique cet impératif. Ose savoir  ! dit-il, mais ses actes le trahiront. Quelle Página 22 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

énergie véhicule-t-il, s’il se contente de laisser s’égrener des paroles sans suite ou vaguement associatives ? De temps à autre, certes, quelque coup de génie, par quelque mystérieux hasard, mais aucune maîtrise n’émerge, la conscience n’est guère sollicitée. S’il ne s’installe aucune rigueur dans le traitement de la pensée, il oppose nécessairement la pensée des élèves à la connaissance inculquée en classe, en mathématiques par exemple, où il s’agit de rendre compte du résultat par un processus. Il aura donc créé un agréable lieu d’échange, utile peut-être, mais sans permettre à chacun d’accéder à l’universalité de son propos. Car seule la démarche est validante, de ce qui sans cela reste une opinion. Or une démarche ne peut relever du hasard. La démarche démystifie, elle libère car l’esprit délibère en toute connaissance de cause. Et pour délibérer, si l’esprit humain ne sera jamais réductible à des processus définis, tout comme en mathématiques, il est des processus qu’il vaut mieux connaître. Pourquoi ne pas profiter du passé ? S’il est amusant de tenter de recréer une mathématique, il est au moins aussi amusant de le faire en s’appuyant sur ce qui a déjà été fait. Alors on peut réfléchir indéfiniment sur les procédures à mettre en place, sur leurs subtilités et leurs complexités, sur les multiples règles de la discussion, sur les dimensions psychologiques et affectives de l’affaire, mais le philosopher reste avant tout un art du questionnement, qui comme tout art se sert de techniques et de connaissances qui conditionnent l’émergence de la créativité et du génie. Attitude et aptitudes certes sont les conditions de l’agir. Mais pourquoi faire fi de ce qui est, de ce qui est donné ? Si l’on aime les problèmes, plus rien ne nous étranger. C’est alors que l’on devient l’étranger, car l’habitude n’aime pas les problèmes, elle apprécie avant tout les certitudes et les évidences. Mais aimer les problèmes, pour leur apport de vérité, pour leur beauté, pour leur mise en abyme de l’être, pour leur dimension aporétique, c’est donc aimer la difficulté, l’étrangeté, la question. En cela, il s’agit d’une éducation des émotions, afin de permettre à l’esprit de ne plus se complaire dans l’immédiateté, d’interroger le sujet à partir de ce qui émerge du monde, et non à partir de rien, de règles arbitraires et figées, ou de quelque grille de lecture académique. Qui es-tu ? nous demande Socrate. Existes-tu ? nous demande Nagarjuna. Sais-tu ce que tu dis ? nous demande Pascal. D’où tires-tu cette évidence ? nous demande Descartes. Comment peux-tu le savoir  ? nous demande Kant. Peux-tu penser le contraire  ? nous demande Hegel. Quelles conditions matérielles te font parler ainsi ? nous demande Marx. Qui parle lorsque tu parles ? nous demande Nietzsche. Quel désir t’anime ? nous demande Freud. Qui veux-tu être ? nous demande Sartre. Pourquoi ne pas se laisser interpeller ? Et qui prétendons-nous interpeller lorsque nous ne voulons pas entendre leurs questions ? À moins que nous préférions discuter uniquement entre nous.

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2.PENSAMENTO CRÍTICO É FILOSOFIA Gabriela Castro | [email protected] Universidade dos Açores

Gostaria de começar levantando algumas questões comuns a todo o ser humano: O que sou eu? O que é a alma? Será que ela é imortal? O que nos leva a agir? Porque temos a consciência de que agimos bem ou mal? Será que somos fantoches pré-determinados? Será o livre arbítrio é uma realidade? E a liberdade e a responsabilidade? O que será o nada? O que é o presente? Será que difere da eternidade? Será que o mundo pressupõe um Criador? E, se pressupõe, será que podemos compreender por que o criou? Como podemos ter a certeza de que o que conhecemos é realmente como achamos que é? O que é o conhecimento e que quantidade de conhecimento temos? O que é o belo, o bem ou a verdade? Como conhecemos os números? Porque razão a opinião da maioria vale mais do que a minha? Estas serão algumas das questões que, a meu ver, nos intrigam e nos espantam e que poderão integrar o grande cenário do pensamento crítico. Mas, o que é o pensamento crítico? Se retomarmos o âmago nocional do criticismo, facilmente se entende que o termo crítico implica o questionamento ou a interrogação exaustiva sobre algo, até que se encontre o fundamento ou o alicerce capaz de suportar o argumento, aqui entendido, em linguagem aristotélica, como a expressão verbal do raciocínio. Kant, ao instaurar o Criticismo, filosofia que assenta na dinâmica crítica da razão, mais não faz do que levar, metaforicamente, aquela faculdade do espírito ao tribunal da própria razão, para averiguar da sua elevada e inviolável capacidade para conhecer tudo. Para o efeito, submete-a a diversos argumentos, utiliza diferentes hipóteses cognitivas, altera a colocação dos termos do binómio do conhecimento e conclui, após cerca de quinhentas páginas da Crítica da Razão Pura que a razão, afinal, não é omnisciente. Tem limites, sendo o estudado na “Estética Transcendental”, primeira parte daquela obra, o mais relevante, a sensibilidade. A razão só conhece o que a intuição sensível lhe apresenta de um modo amorfo. Para chegar a esta conclusão, Kant utilizou instrumentos argumentativos disponibilizados pela lógica formal cuja origem se encontra já em Sócrates e no seu método argumentativo fundamentado, em Aristóteles que sistematiza os princípios da lógica e do pensamento correcto para se alcançar a verdade e em vários filósofos posteriores. Nos nossos dias, a dinâmica do pensamento crítico, Critical Thinking, na esteira de John Dewey, encontrou eco em Fisher e Scriven ou em Parker e Moore. Com estes pensadores, o Critical Thinking achou campo fértil na educação tendo dado origem a uma viragem educativa nas Ciências da Educação. Os pedagogos afirmam utilizar agora o pensar reflexivo como uma “nova metodologia para ensinar a pensar” capaz de ser testada pelo Watson-Glaser Critical Thinking Página 25 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

Appraisal, por exemplo. Neste novo cenário educativo privilegia-se o percurso intelectivo, a descoberta das razões e das implicações num processo activo de aprendizagem, oposto ao da instrução tradicional, cujo fim era o de passar conteúdos e exigir que os mesmos fossem integrados nos conhecimentos do aluno, processo passivo de aprendizagem. Porque sou de uma terra onde o solo treme debaixo dos nossos pés, 24h por dia, onde a eminencia constante de vulcões entrarem em erupção é uma certeza diariamente adiada, apesar dos estudiosos cientistas que observam a crosta da terra e os fundos dos mares, também 24h por dia, nos afirmarem que o evento natural será uma realidade, a decisão de conscientemente permanecermos exercita o nosso pensamento crítico na procura das razões e dos fundamentos para ficarmos nesse lugar lindo e paradisíaco que nos viu nascer. Há que encontrar as razões e as implicações para os nossos procedimentos. Por isso, para mim, falar de pensamento crítico é um autêntico desafio que me leva a ter uma reflexão crítica sobre o “novo” método de pensamento crítico. Porque o pensamento crítico deverá possuir clareza, credibilidade, precisão, relevância, significado e sentido ele é entendido como uma ferramenta que nos salvaguarda do erro e da opinião, que valida o que está certo e o que está errado, o que é verdadeiro e o que é falso, o que é quantificável e por isso enformado de certeza do que é improvisado e por isso imprevisível e passível de engano. Possuir o pensamento treinado criticamente é possuir uma competência extra na racionalidade capaz de validar o credível do incrível. Ora, aqui a minha primeira questão: até que ponto é que nos devemos fixar apenas na forma do pensamento correcto, propriedade de uma lógica formal ou informal, aqui, neste momento, e neste contexto, é indiferente, porque o que pretendo é chamar a atenção para o facto de todas essas opções, que o pensamento crítico nos pode ajudar a tomar, se darem no interior de uma comunidade que possui valores, princípios, tradições, crenças que, de algum modo, enformam o meu, o teu, o dele, o nosso, ponto de vista. Sete ilhas, das nove que compõem o arquipélago dos Açores, irão desaparecer. Este é um facto científico devidamente documentado tendo por base os movimentos das placas tectónicas existentes no fundo do mar sobre as quais as ilhas se apoiam. No entanto, os açorianos continuam a viver lá. A pergunta é porquê? O que os suporta na quotidianidade da sua incerta existência? Arrisco afirmar que, uma certeza ingénua, talvez, de que os céus os protegerão da catástrofe inevitável. Dirão os críticos do pensamento: não é suficiente, essa é uma justificação não racional mas da esfera da crença. Pergunto: e depois, porque não? Para lá da ciência o homem projecta sempre a dimensão do transcendente, ignorar isto é desconhecer a natureza humana. Outro exemplo limite: o planeta Terra desaparecerá, será sugado pelo astro que lhe dá vida, o Sol. Cientificamente sabemos isso, conhecemos as causas e as explicações científicas. No entanto, cá continuamos a fazer a nossa vida, a ter filhos, a estudar, a guerrear uns países contra outros, Página 26 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

a afirmar as nossas convicções, a sermos capazes de dar a nossa vida pelas mesmas, a defender o planeta com questões de ética ambiental, a apelar para a escassez de recursos naturais, etc. E, no entanto, tudo isto irá terminar um dia. Por isso, a minha questão ao pensamento crítico, apesar de achar que ele é necessário mas não o aceitar gratuitamente, é a de saber: o que acontece com a dimensão do sentido presente num juízo lógico? Acho que corremos um pouco o risco de, como com o estruturalismo, esquecermos a dimensão do sentido em favor da forma. Este é, em meu entender, um grave erro. Mais, como se quantifica a criatividade, a imaginação, a emoção, o sentimento, enfim, toda essa outra dimensão humana que tanto nos caracteriza como Homens e que me parece relegada para um segundo plano. Recorramos a um exemplo recente: a visita de Obama à Africa do Sul. Vamos analisá-la criticamente nos EUA, no Chile, em Portugal, na África do Sul, numa das tribos nómadas do deserto do Saara ou na dos Zulus. Não teremos, necessariamente, as mesmas conclusões. A informação recolhida será certamente importante e a verdadeira para cada um destes grupos e subgrupos que sobre o tema reflitam. No entanto, não será a mesma. Não se corre o risco de se cair num relativismo? Dir-me-ão não, porque o pensamento crítico não trabalha com opiniões inconsistentes. Mas a verdade é que a análise de qualquer problema, tema, questão ou simples acontecimento requer, exige mesmo, ser feita do interior do nosso corpo vivido e esse não é apenas e só formal é também cultural. Defendem os novos seguidores do pensamento crítico ser esse um modo de pensar com qualidade, um modelo para pensar bem. Ora, logo aqui estamos a utilizar pressupostos valorativos e esses são culturais. Se recorrermos apenas ao aspecto formal, afirmar: a minha mãe usa saias, o padre usa saias, logo o padre é a minha mãe, é aparentemente um silogismo que sabemos errado, com erro ao nível das regras do silogismo clássico. Porém, numa sociedade que aceite o casamento entre homossexuais e a possibilidade de adopção pelos mesmos de uma criança, se ela afirmar: a minha mãe é um homem, está certo. Aqui a questão já não está nas saias da mãe, mas no papel socio-familiar exercido. Tendo como palco a nossa História, afirmamos ter sido a Filosofia o chão próprio para o desenvolvimento de um pensamento crítico que se quer claro, argumentativo e fundamentante. Essa foi a atitude de Sócrates, de Platão, de Aristóteles, de Tomás de Aquino, de Descartes e de tantos, tantos outros pensadores que o que fizeram foi exactamente utilizar o pensamento crítico de modo a pensarem os grandes problemas filosóficos no seu tempo, dando, por vezes, lugar a novas teorias. Isto é Filosofia. Há quem afirme que o pensamento crítico é a nossa esperança para o futuro. Afirmação questionante e redutora no contexto da Filosofia. Claro que o pensamento crítico oferece-nos os instrumentos necessários para reflectirmos sistemática, rigorosa e claramente de modo a Página 27 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

determinarmos se o que ouvimos, ou o que olhamos, ou o que pensamos é ou não realmente sustentável. No entanto, existe toda uma outra dimensão humana riquíssima que terá de estar presente no pensamento crítico. E essa pertence, também, à Filosofia. Na área da Filosofia para Crianças, projecto que na Universidade dos Açores se encontra em franco desenvolvimento, numa comunidade de investigação filosófica, prevista e criada por Lipman nos anos 70 do século passado, a crítica está presente constantemente como metodologia adequada a uma reflexão que se quer autónoma, sustentada, livre e responsável. Nenhum membro da comunidade de investigação poderá partilhar a sua posição dialógica com os demais sem que a sua intervenção venha seguida da exigência de explicitação das bases, dos alicerces ou das razões que sustentam a posição defendida. É necessário apresentar argumentos claros, credíveis e logicamente válidos capazes de suportarem a respetiva afirmação. Este é um dos princípios para a formação de consciências críticas, reflexionantes e  criativas num contexto de razoabilidade etária. Assim, é o próprio pensar que exige a sua fundamentação crítica porque se abre à necessidade da procura dos seus fundamentos. Afirmar: “Eu acho que… porque …” ou “eu discordo de… porque…”  não é fácil. É difícil, dá que pensar, qualquer que seja a faixa etária. Mas, isso é Filosofia. Por isso a denominação de Filosofia para Crianças. Em Filosofia, não basta decorar que "o homem é um ser situado"; ou que “ o homem é um animal político” ou que “eu sou eu e a minha circunstância”. É preciso começar por esclarecer o que quer dizer realmente o que se afirma e mais, o que quis dizer quem o disse no contexto histórico em que o fez. A primeira expressão é de Erich Fromm, psicanalista e filósofo alemão do Séc. XX, a segunda de Aristóteles, filósofo grego do Séc. III aC e a terceira de Ortega y Gasset, filósofo espanhol do Séc. XIX-XX. Depois, é preciso apresentar argumentos rigorosos, metódicos e claros que apoiem tais afirmações e saber comunicar numa dimensão dialógica, o conteúdo dessas afirmações. É necessário esclarecer o que quer dizer a expressão na sua origem, sob pena de se perder o sentido da mesma e a sua real (com)preensão. Do interior do universo filosófico podemos afirmar que não é pelo facto de alguns aprendizes de filósofos não utilizarem o pensamento crítico que o mesmo deixou de ser parte integrante da Filosofia. Esse sempre foi o seu método, sempre foi a sua base e o seu modo de ser teórico, prático ou poético. Para se filosofar, para se ensinar a filosofar, há que ensinar a pensar e pensar implica a necessidade da existência de uma dimensão crítica, criativa, reflexiva e valorativa. Pelo exposto terminamos com a afirmação convicta que o pensamento crítico é, naturalmente, Filosofia.

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3.PERSPETIVAS FUTURAS DE INVESTIGAÇÃO E FORMAÇÃO SOBRE PENSAMENTO CRÍTICO: POTENCIAIS CONVERGÊNCIAS COM AS LITERACIAS CIENTÍFICA E MATEMÁTICA Celina Tenreiro-Vieira | [email protected]

Universidade de Aveiro, Departamento de Educação, CIDTFF

Resumo Na atualidade, em particular nas sociedades democráticas profundamente marcadas pela ciência, pela tecnologia e pela matemática, o pensamento crítico e as literacias científica e matemática afiguram-se como componentes cruciais na formação de crianças e jovens, enquanto cidadãos capazes de pensar e agir esclarecida e racionalmente nos diferentes contextos de vida, de forma a viabilizar a construção de modos de vida mais produtivos e mais justos. Dentro desta perspetiva, diferentes currículos identificam o pensamento crítico, a literacia científica e a literacia matemática como metas a almejar, porquanto são essenciais para a autonomia, para a melhoria da qualidade de vida de todos e para fomentar e alimentar uma cultura de responsabilidade social e desenvolvimento sustentável. A este propósito, sublinhe-se que estudos comparativos entre currículos de países de alunos com elevado desempenho em avaliações internacionais, de que são exemplo, o Trends in International Mathematics ans Dscience Study [TIMSS] e o Programme for International Student Assessment [PISA], evidenciam que, em muitos deles, a meta primeira da educação em ciências é preparar os alunos para continuarem os seus estudos e assegurar que todos sejam adultos cientificamente literados, capazes de agir de forma crítica, informada e responsável (Department for Education, 2011). Assim, importa estabelecer referenciais e definições operacionais substantivas, porquanto tal se afigure central para fundamentar e orientar a formação de professores, o desenvolvimento de recursos e a construção de práticas promotoras do pensamento crítico, da literacia científica e da literacia matemática dos alunos. Neste enquadramento, a presente comunicação centra-se em estudo desenvolvidos pela autora e colaboradores (Tenreiro-Vieira e Vieira, 2010, 2013) com a finalidade de estabelecer referenciais, focados nas convergências entre PC/LC/LM, para produtivamente orientar a formação de professores e a educação em ciências e em matemática no ensino básico. Palavras-Chave: pensamento crítico, literacia científica, literacia matemática, formação de Professores, educação em ciências e em matemática.

Abstract Nowadays, particularly in democratic societies deeply marked by science and technology and mathematics, critical thinking, scientific literacy and mathematical literacy appear to be as crucial components in children and young people education as citizens able to think and act, clarified and rationally, in different personal, professional and social contexts, in order to contribute to the construction of ways of life more productive and fairer. Within this perspective, various curricula and programs advocate the promotion of critical

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thinking, scientific literacy and mathematical literacy to improve the quality of life for all and to foster and nurture autonomy and a culture of social responsibility and sustainable development. In this regard, it should be noted that comparative studies of curricula from different countries with high performance on international assessments, such as the Trends in International Mathematics and Science Study and the Program for International Student Assessment, show that in many curricula analyzed, the first goal of science education is to prepare students to continue their studies and ensure that all adults are scientifically literate, able to act in a critically, informed and responsible manner (Department for Education, 2011). It is, therefore, important to establish benchmarks and operational substantive definitions to support and guide teachers education, resource development and teaching practices that promote students’ critical thinking, scientific literacy and mathematical literacy. In the perspective, this paper focuses on studies developed by the author and collaborators (Tenreiro-Vieira and Vieira, 2010, 2013) in order to establish a theoretical framework focused on points of convergence between critical thinking, scientific literacy and mathematical literacy, that could be used to productively guide teachers education and science and mathematics education in the basic education. Keywords: critical thinking, scientific literacy, mathematical literacy, teachers education, science and mathematics education.

PENSAMENTO CRÍTICO: CONSTRUÇÃO DE UM REFERENCIAL EVIDENCIANDO CONEXÕES COM A LITERACIA CIENTÍFICA E A LITERACIA MATEMÁTICA A ciência permeia todos os aspetos da vida moderna, sendo os cidadãos constantemente confrontados com situações que envolvem processos, formas de pensar, conceitos e ideias científicas e matemáticas. Por isso, uma formação em ciências e em matemática é essencial para lidar com aspetos quantitativos, espaciais e probabilísticos da vida; para compreender e participar em questões de política pública; para resolver problemas profissionais; bem como para tomar decisões diárias informadas, como a seleção entre os tratamentos médicos alternativos ou determinar a possibilidade de comprar um forno com eficiência energética (National, Research Council [NRC], 2012). Nesta conjuntura, têm sido defendidas uma educação em ciências e em matemática visando a literacia em estreita conexão com a promoção do pensamento crítico, de modo a ajudar cada um a agir criticamente e a intervir socialmente nas tomadas de decisão e na resolução de problemas de âmbito local, regional, nacional e até mesmo mundial. Uma educação em ciências e em matemática orientada para a meta da literacia crítica, ao enfatizar a construção de conhecimento de ciência e de matemática relevante em diferentes contextos e situações, em conjugação com maneiras científicas de pensar, designadamente o pensar de forma crítica, proporciona aos cidadãos as ferramentas necessárias para se envolverem criticamente com a ciência e com a matemática na sua vida, reforçando uma cultura mais humanista e baseada em pensamento Página 30 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

racional (Harlen, 2010; International Council for Science [ISCU], 2011; Osborne e Dillon, 2008; Osborne, 2011; Rocard et al., 2007). A este nível, o NRC (2012), no documento A Framework for K-12 Science Education: Practices, Crosscutting Concepts, and Core Ideas, sustenta que, até ao final do 12 º ano, os alunos devem ter conhecimento suficiente de ciência e de engenharia para se envolverem em discussões públicas sobre questões relacionadas com a ciência; serem consumidores críticos de informação científica relacionada com a sua vida quotidiana e para serem capazes de continuar a aprender sobre ciência ao longo da sua vida. Neste enquadramento, importa conferir clareza e inteligibilidade a este campo, procurando situar e compreender os conceitos de literacia científica (LC), literacia matemática (LM) e pensamento crítico (PC), evidenciando conexões entre eles. Fazê-lo afigura-se fundamental para o desenvolvimento de um referencial que possa ser usado para potenciar oportunidades de promoção do PC, da LC e da LM nos diferentes contextos de formação e educação. Pensamento Crítico O trabalho realizado por diferentes autores procurando circunscrever a natureza particular do pensamento crítico tem resultado numa multitude de perspetivas e conceptualizações. Neste âmbito, a concetualização e definição operacional de pensamento crítico de Ennis (1987) afigura-se como uma das mais amplamente reconhecidas e usadas. Segundo o autor, o PC é uma forma de pensamento racional, reflexivo, focado no decidir em que acreditar ou o que fazer. Assim definido o PC envolve tanto disposições, que dizem respeito aos aspetos mais afetivos, como capacidades, que se reportam a aspetos mais cognitivos. O conjunto de disposições de pensamento crítico traduz o que o autor designa por espírito crítico, isto é, uma tendência, compromisso ou inclinação para agir de forma crítica. São exemplo de disposições de PC: procurar estar bem informado, utilizar e mencionar fontes credíveis, procurar razões, procurar alternativas, ter abertura de espírito e procurar tanta precisão quanta o assunto o permitir. Na sua definição operacional, o autor identifica capacidades, organizadas por áreas, que concorrem para decidir racionalmente o que fazer ou aquilo em que acreditar. Tais capacidades incluem: analisar argumentos; avaliar a credibilidade de uma fonte; fazer e avaliar observações; fazer e avaliar inferências (dedutivas, indutivas e de juízo de valor); decidir uma ação; e interatuar com os outros. Para garantir o uso eficaz de tais capacidades, impõe-se o uso de normas enquanto critérios de qualidade do pensamento. A título ilustrativo, no âmbito da capacidade “fazer e avaliar inferências indutivas – inferir conclusões e hipóteses explicativas” são apontados os critérios: explicar a evidência; ser consistente com os factos conhecidos; eliminar conclusões alternativas; e ser plausível. Na perspetiva de Halpern (1996), o pensamento crítico é intencional, racional e dirigido para uma meta, podendo essa meta ser a resolução de um problema ou uma tomada de decisão. Assim, o Página 31 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

pensador crítico está disposto a usar e usa eficazmente operações cognitivas ou capacidades de pensamento que aumentam a probabilidade de se alcançar resultados esperados. Quando pensa criticamente, o pensador crítico avalia os resultados do processo de pensamento, isto é, quanto boa é uma decisão ou quanto bem foi um problema resolvido. De acordo com Hatcher e Spencer (2000), o PC é pensamento que procura atingir, como meta, um juízo, após terem sido honestamente avaliadas alternativas, respeitando os argumentos e a evidência disponíveis. Esta definição enfatiza a avaliação de alternativas ou pontos de vista antes de se tomar uma decisão ou de se fazer um juízo. Tal avaliação implica o uso de normas, como, por exemplo, a imparcialidade e a objetividade, bem como disposições de pensamento crítico como estar disposto a alterar uma posição à luz de novos argumentos ou evidência. Portanto, na perspetiva dos autores, inerente à definição de PC estão não só capacidades e disposições, mas também o uso de normas para a avaliação, pois que os juízos que se configuram como produtos do PC são baseados em argumentos e evidência disponíveis. Paul e Elder (2008) definem pensamento crítico como um modo de pensar, sobre qualquer assunto, conteúdo ou problema, autodisciplinado e autoguiado, no qual o pensador crítico procura, deliberadamente, melhorar a qualidade do seu pensamento. Neste quadro, os autores sublinham que o pensamento crítico é um processo de ativa e habilmente analisar, sintetizar e avaliar informação obtida por observação ou gerada por reflexão, raciocínio ou comunicação, como um guia para uma crença ou uma ação. Nesse sentido, o pensador crítico, sistemática e intencionalmente: toma consciência dos elementos do pensamento; impõe critérios intelectuais ao pensamento e avalia a eficácia do processo de pensamento tendo em conta o propósito e os critérios intelectuais. De acordo com a perspetiva dos autores, o PC é baseado em critérios intelectuais, que transcendem as barreiras das áreas disciplinares, de que são exemplo: a clareza, a precisão, a consistência, boas razões e evidência válida. Envolve a análise de elementos do pensamento tais como: problema ou questão sob consideração; assunções, conclusões, implicações e consequências, objeções a partir de pontos de vista alternativos e de diferentes quadros de referência. Subjacentes ao pensamento crítico estão também virtudes ou traços intelectuais que incluem a integridade intelectual, a humildade intelectual, a empatia intelectual, a autonomia intelectual, a coragem intelectual, a perseverança intelectual e a confiança nas razões. Literacia Científica Não obstante o amplo reconhecimento da literacia científica como meta primeira da educação em ciências, nem sempre o termo é usado com clareza quanto ao significado que lhe é atribuído. O NRC (1996) define literacia científica como “Conhecimento e compreensão de conceitos científicos e capacidades de pensamento requeridos para decisões pessoais, para a participação Página 32 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

em atividades cívicas e culturais e para a produtividade económica” (p. 22). Para tal, é necessário que cada indivíduo seja capaz de (1) questionar, pesquisar e responder a questões do quotidiano suscitadas pela própria curiosidade; (2) interpretar textos de divulgação científica e envolver-se na discussão pública da validade das conclusões neles apresentadas e das metodologias usadas; (3) identificar questões de natureza científica subjacentes a decisões de âmbito local e nacional; (4) assumir e expressar posições fundamentadas em conhecimentos científico-tecnológicos; (5) avaliar informação científica com base na credibilidade das fontes e na validade dos métodos usados para a gerar; e (5) argumentar com base em evidências científicas. Com base numa revisão de literatura sobre literacia científica, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico [OCDE], no contexto do PISA, estabeleceu e tem refinado a sua própria definição de literacia científica. Neste quadro, a literacia científica envolve a mobilização de conhecimento (de ciência e sobre ciência) e de capacidades, em qualquer contexto, com o propósito de compreender e participar nas tomadas de decisão sobre o mundo natural e as mudanças nele operadas pela atividade humana (OCDE, 2006, 2009). Assim definido, o termo literacia científica ressalta a importância atribuída à aplicação do conhecimento científico no contexto de situações de vida, comparativamente com a simples reprodução de conhecimento de ciência. O uso funcional do conhecimento exige a aplicação de capacidades de pensamento e processos característicos da ciência e da investigação científica e é regulado pela apreciação, interesse e ação individual relativamente a questões relacionadas com a ciência. Neste enquadramento e de um modo mais específico, ser cientificamente literado implica mobilizar capacidades, atitudes e conhecimento, de ciência e sobre ciência, para: (i) identificar questões científicas; (ii) construir novo conhecimento; (iii) explicar fenómenos científicos e tirar conclusões, baseadas em evidência, sobre assuntos relacionados com a ciência; (iv) compreender aspetos característicos da ciência como forma de conhecimento e de investigação humana; (v) ter consciência acerca da forma pela qual ciência e tecnologia moldam os ambientes material, intelectual e cultural; (vi) apreciar a ciência e envolver-se em questões relacionadas com a ciência, assim como com ideias científicas, enquanto cidadão reflexivo (OCDE, 2009, 2012). Literacia matemática Na perspetiva de autores como Irwin e Britt (2005), Fullan e Earl (2002) e Zevenbergen (2004), a literacia matemática pode ser descrita como a confiança do indivíduo na matemática e no uso eficaz de conhecimento matemático em articulação com a capacidade de raciocinar e resolver problemas numa variedade de situações e contextos matemática e tecnologicamente orientados, bem como de comunicar sobre e através da matemática e de estabelecer conexões dentro e fora da matemática, o que é essencial para compreender, apreciar e utilizar a matemática. Nesta linha, Yore, Pimm e Tuan (2007) salientam que a literacia matemática é mais do que

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a compreensão das grandes ideias da matemática; envolve também capacidades para usar o pensamento matemático, construir entendimento e resolver problemas. No quadro de referência do PISA ser matematicamente literado implica saber e ser capaz de compreender e de se ocupar da matemática, de ter opiniões bem fundamentadas sobre o papel que a matemática desempenha na sociedade e sobre a sua utilidade nas diferentes esferas da vida (pessoal, profissional e social), para se viver como cidadão construtivo, interessado e reflexivo. A literacia surge, assim, associada à capacidade de os alunos aplicarem conhecimentos, raciocinarem e comunicarem com eficiência, à medida que colocam, resolvem e interpretam problemas numa variedade de contextos e de situações (OCDE, 2006, 2009). O termo literacia matemática, conforme definido no quadro do PISA, enfatiza fortemente a necessidade de desenvolver a capacidade dos alunos de usarem a matemática em contexto. Para tal uso ser possível e viável são necessárias capacidades e conhecimentos matemáticos fundamentais, os quais incluem, mas não podem ser reduzidos a conhecimento da terminologia matemática, factos e procedimentos; envolve o uso criativo de tais elementos em resposta às exigências impostas por situações externas, racionar e comunicar, bem como formular, identificar e resolver problemas em diferentes contextos e situações (OCDE, 2012). Potenciais Convergências entre o Pensamento Crítico e as Literacias Científica e Matemática Tem vindo a afirmar-se como proeminente a visão de que um pensador crítico, cientificamente e matematicamente literado, é alguém capaz de funcionar eficazmente na sociedade como um todo (Holbrook e Rannikmae, 2009). Nesse sentido, são reconhecidos como componentes cruciais da literacia científica, da literacia matemática e do pensamento critico, dimensões interrelacionadas que incluem: (i) conhecimento de ciência / matemática, com destaque para ideias abrangentes e conceitos com ampla aplicação em diferentes áreas, e conhecimento sobre ciência / matemática enquanto empreendimento humano socialmente contextualizado; (ii) processos e práticas científicas, em conjugação com capacidades de pensamento, que incluem delinear investigações, interpretar evidência, tirar e comunicar conclusões com base em evidência; e (iii) atitudes, valores ou disposições, incluindo a abertura de espírito e o respeito pela evidência científica. A adequada e integrada mobilização de tais elementos afigura-se essencial para a eficaz resolução de problemas e para a tomada de decisões relacionadas com a aplicação tecnológica de ideias científicas e questões socio científicas com que a sociedade se confronta. Com efeito, entre diferentes conceptualizações de literacia científica e literacia matemática e pensamento crítico existe ampla convergência e sobreposição. Como sublinhado por Yore, Pimm e Tuan (2007), a convergência entre literacia matemática e científica está patente no discurso e nas práticas relevantes de cada uma destas áreas do saber. Por exemplo, um indivíduo científica Página 34 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

e matematicamente literado tira conclusões construtivas com base em evidência compilada e aplica-as na sua vida de forma crítica, o que espelha a mobilização de capacidades de pensamento crítico. Assim, na esteira do defendido por Marin e Halpern (2011), situações que mostram uma convergência entre ciência, matemática e pensamento crítico afiguram-se como catalisadores poderosos da necessidade de promover a literacia crítica de todos alunos. Neste enquadramento, o referencial desenvolvido (Tenreiro-Vieira e Vieira, 2010, 2013), e a seguir apresentado, evidencia pontos de convergência, nas diferentes dimensões, entre o pensamento crítico, a literacia científica e a literacia matemática. Decorrente disso, pode ser usado para produtiva e fundamentadamente orientar a formação de professores, a produção de materiais didáticos e o desenvolvimento de práticas de ensino da matemática e das ciências mais consonantes com metas orientadas para a promoção da literacia crítica. Importa pois, desenvolver projetos de formação e estudos de investigação que permitam recolher evidências sobre o uso funcional e sobre a eficácia do referencial em causa.

O referencial apresentado pode viabilizar a operacionalização de situações de aprendizagem, para os alunos vivenciarem a participação e a ação, capazes de despoletar a necessidade de (re) construir e desenvolver, de forma integrada, conhecimentos, capacidades, disposições e normas que se possam constituir em saberes em uso na ação responsável em contextos e situações com relevância pessoal, profissional e/ou social. Com efeito e como indiciam estudos em curso, Página 35 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

o referencial pode ser usado para orientar a formulação de solicitações a fazer aos alunos, com foco em conexões PC/LC/LM, no âmbito de atividades de aprendizagem como o desempenho de papéis e a discussão a propósito questões socio científicas ou a análise de artigos e a escrita de ensaios argumentativos sobre assuntos que envolvem a ciência e socialmente relevantes. O exemplo a seguir incluído procura ilustrar o uso do referencial apresentado no desenvolvimento de atividades de aprendizagem, implementadas na sala de aula, as quais, de acordo com os dados recolhidos e analisados, tiveram um impacto significativo nos níveis de pensamento crítico e de literacia científica e matemática dos alunos envolvidos no estudo. O exemplo reporta a uma atividade de aprendizagem do tipo desempenho de papéis ou caso simulado sobre a questão “O presidente da Câmara deve, ou não, defender a instalação da cimenteira em Vale Maior?”. A operacionalização da atividade, e consequente implementação na aula de ciências, envolveu várias etapas, com focos específicos, conforme resumido no quadro seguinte. Etapa Foco Apresentação do • Apresentação do caso com base na leitura de uma notícia ficcionada Caso • Apropriação do cado com base num questionamento sobre conteúdo da notícia. Atribuição de papéis • Explicitação da estratégia “Jogo de Papéis” / Caso simulado” • Tomada de decisão sobre o papel a desempenhar por cada aluno/ grupo • Leitura e clarificação das linhas orientadoras gerais para o desempenho de cada papel. • Pesquisa e organização de informação pelos alunos/grupos (conforme orientações constante no Guião do Aluno/Grupo) Preparação do papel a desempenhar • Produção de Texto - Argumentação e contra-argumentação (conforme orientações constante no Guião do Aluno/Grupo)

Desempenho de papéis

• Produção de Texto - Intervenção no debate (conforme orientações constante no Guião do Aluno/Grupo) • Discurso de abertura da sessão debate • Debate • Resumo do debate • Comunicação da decisão

Síntese e Avaliação

• Discurso de encerramento do debate • Resposta a um questionário de avaliação do Caso Simulado / Desempenho de Papéis

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A operacionalização de cada etapa foi feita de forma a potenciar a mobilização de conhecimentos, capacidades, normas e disposições de PC/LC/LM, conforme referencial acima apresentado. A título exemplificativo, no âmbito da apropriação do conteúdo da notícia, usada como contexto de partida para o desempenho de papéis, o questionamento realizado incluiu questões como: (i) Qual a questão principal focada na notícia? (ii) Qual a posição dos atores sociais, referidos na notícia, sobre a questão focada na mesma? Que razões são apresentadas?; São essas razões aceitáveis? Porquê?; Poder-se-iam apresentar outras razões? Quais?; (iii) A questão abordada na notícia é importante para a sociedade? Porquê? E para ti? Porquê? O que sabes sobre o assunto? O que consideras importante saber mais?. No contexto da preparação e do desempenho do papel atribuído foram criadas oportunidades para os alunos (re)construírem conhecimento relacionado com a questão em foco e para mobilizarem capacidades, em particular capacidades ligadas à argumentação e à comunicação, aplicando normas tendentes a garantir a racionalidade das posições assumidas. Por essa via, fomenta-se a capacidade de tomar decisões sobre questões que podem afetar a vida a um nível pessoal, social e/ou global, bem como a capacidade de comunicar eficazmente, a qual é fundamental para os cidadãos almejarem ter voz ativa nos debates públicos sobre assuntos com uma componente científica. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Department for Education (2011). Review of the National Curriculum in England. What can we learn from English, mathematics and science curricula of high-performing jurisdictions. http://www.education.gov.uk/ Ennis, R. H. (1987). A taxonomy of critical thinking dispositions and abilities. In J. B. Baron & R. J. Sternberg (Eds.), Teaching thinking skills: Theory and practice (pp. 9-26). New York: W. H. Freeman and Company. Fullan, M., & Earl, L. (2002). United Kingdom national literacy and numeracy strategies. Journal of Edu-

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4.INVESTIGAÇÃO SOBRE O PENSAMENTO CRÍTICO NA EDUCAÇÃO: CONTRIBUTOS PARA A DIDÁTICA DAS CIÊNCIAS Rui Marques Vieira | [email protected] Celina Tenreiro-Vieira | [email protected]

Universidade de Aveiro, Departamento de Educação, CIDTFF

Resumo Tendo como base a investigação que os autores desta comunicação têm realizado ao longo dos últimos anos sobre o Pensamento Critico, procura-se descrever as principais áreas de estudo, evidenciando contributos para a Didática das Ciências na formação de Professores, particularmente do Ensino Básico. Tais áreas de investigação abarcam: a formação de professores e as estratégias de ensino e de aprendizagem e o desenvolvimento de recursos didáticos e atividades de aprendizagem orientadas para a promoção de capacidades de pensamento crítico. Na primeira No âmbito da primeira têm sido desenvolvidos programas de formação de professores, inicial e continuada, os quais têm evidenciado o seu potencial na melhoria, por um lado das capacidades de pensamento crítico dos próprios professores e, por outro, das suas práticas didático-pedagógicas. No que se refere às estratégias, têm sido desenvolvidos estudos, centrados na operacionalização, implementação e avaliação de estratégias para promover o pensamento crítico; estes permitiram compilar evidencia sobre as suas potencialidades, afigurando-se como facilitadoras do pensamento crítico, entre outras, os estruturadores gráficos, o debate e o questionamento com uma orientação explícita às capacidades daquele tipo de pensamento. No que reporta ao desenvolvimento de recursos didáticos e atividades de aprendizagem destacam-se as atividades e recursos, incluindo informáticos / digitais, para o ensino e a aprendizagem das Ciências do Ensino Básico, numa perspetiva de infusão (promoção de forma articulada do pensamento crítico e de conhecimentos científicos), as quais se mostraram eficazes na promoção do pensamento crítico; com efeito resultados de estudos realizados, no âmbito dos quais tais atividades e recursos foram implementados em contexto de sala de aula, apontam ganhos estatisticamente significativos no nível de pensamento crítico dos sujeitos envolvidos. No âmbito de qualquer uma das áreas acima mencionadas, os estudos desenvolvido pautaram-se pelo estabelecer e usar referenciais teóricos sobre o pensamento crítico de forma a garantir o seu apelo de forma fundamentada e intencional. Para tal, usaram-se diferentes quadros concetuais destacando-se a definição operacional de Ennis plasmada na sua taxonomia de disposições e capacidades. Esta tem sido também uma das base para o desenvolvimento de abordagens diferenciadas, como a de questionamento

FA2IA, bem como para a construção de referenciais que evidenciam áreas de convergência com outros construtos como o de literacia científica e matemática, com vista a um desiderato comum - uma formação de cidadãos capazes de agir racionalmente e intervir socialmente nas tomadas de decisão e na resolução de problemas. Desta investigação resultaram contributos, entre outros, para a Didática das Ciências na formação de

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Professores, particularmente do Ensino Básico. Com efeito, neste campo, têm sido integrados princípios e vertentes de formação emergentes dos programas testados e validados e que se mostram eficazes bem como recursos, atividades e estratégias que os resultados de estudos desenvolvidos suportam como promotores do pensamento critico. Um outro contributo a destacar releva a integração dos resultados e produtos da investigação desenvolvida na dinamização, envolvendo professores, de comunidades online de prática e de aprendizagem. Palavras-chave: Pensamento Crítico; Didática das Ciências; Ensino Básico.

Abstract Based on the research that the authors of this oral presentation have carried out over the past few years on Critical Thinking it is aimed to describe its main areas of study, highlighting its contributions to Science Education in teachers education, particularly from basic education. Such research areas include:, teachers education ; the teaching and learning strategies oriented to promote critical thinking skills and the development of educational resources and learning activities intended to promote critical thinking. On the first one, teachers education, there have been developed teachers’ education programs, initial and ongoing, which have shown their potential in improving teachers’ critical thinking abilities on the one hand, and their didactic and pedagogical practices on the other hand. With regard to the strategies, studies have been developed, focusing on the operationalization, implementation and evaluation of strategies to promote critical thinking and these allowed to compile evidence about their potential to promote critical thinking appearing as facilitators, for strategies like structuring charts, discussion and questioning with explicit guidance to critical thinking. Concerning to learning activities and educational resources, including computer/digital ones, for Science teaching and learning on basic education are highlighted, in a infusing perspective (promoting critical thinking and scientific knowledge in an articulated way). These learning activities have proved to be effective in the promotion of critical thinking. Indeed, the results of research carried out, within which these activities and resources have been implemented in the context of classroom, point out statistically significant gains on the level of critical thinking of the individuals involved. Within any of the areas mentioned above, in the context oh the studies developed there was a concern to establish and use theoretical frameworks about critical thinking to ensure its appeal in a grounded and intentional way. For this purpose, different conceptual frameworks were used, highlighting the operational definition of Ennis molded in its taxonomy of critical thinking dispositions and abilities. This has also been a basis for the development of differentiated approaches, such as the FA2IA questioning, as well as for the development of frameworks that pointing out connections with other constructs such as scientific and mathematical literacy, towards a common desideratum - educate citizens capable of acting rationally and getting socially involved in responsible decision making and problem solving. From this research resulted contributions, among others, for Science Education in teachers education, particularly from basic education. Indeed, in this field, have been integrated aspects and education

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principles emerging from tested and validated programs that are effective, as well as resources, activities and strategies that the results of developed studies support as promoters of critical thinking. Another contribution to highlight emphasizes the integration of research results and products developed in the organization, involving teachers, of online communities of practice and learning. Keywords: Critical thinking; Science Education; Basic Education.

INTRODUÇÃO O Pensamento Crítico (PC) tem sido um ideal da Educação desde a antiguidade clássica. Talvez a primeira aproximação, de que se tem conhecimento, tenha sido realizada por Sócrates através do seu questionamento. Outras se seguiram com destaque, no início do século XX, para Dewey. Todavia, foi só desde há cerca de 25 a 30 anos que, conforme sublinhado por vários investigadores, como Brown (1998), Tenreiro-Vieira e Vieira (2001) e Vieira, Tenreiro-Vieira e Martins (2011), passou a existir um verdadeiro movimento do PC na educação. De facto, entre outras evidências, desde os anos 80 do século XX que vários sistemas de ensino incluem o desenvolvimento do PC como uma finalidade educativa e / ou mesmo um objetivo a atingir no contexto de uma disciplina específica ou de várias disciplinas de diferentes níveis de ensino. Verifica-se também que as sessões de formação, particularmente para professores de vários níveis de ensino, têm vindo a aumentar, algumas das quais focadas no facilitar o PC na escola, em geral, e na sala de aula, em particular. Este movimento do PC, assenta, genericamente e segundo autores como Hare (1999), em três linhas de justificação: a ética, a intelectual e a pragmática (Vieira, Tenreiro-Vieira e Martins, 2011). A linha de argumentação ética sustenta que as metas educacionais devem incluir o pensamento crítico, de forma a potenciar a formação de cidadãos livres, racionais e autónomos, capazes de pensar por si próprios, não ficando dependentes de que outros o façam por si. A justificação intelectual afirma que promover o pensamento crítico dos alunos ajudá-los-á a afastarem-se da mera aceitação de afirmações feitas por outros só porque estes afirmam serem aceitáveis; ajudá-los-á também a afastarem-se da rejeição acrítica de posições defendidas por outros mesmo quando apoiadas em evidência ou razões válidas e não arbitrárias. Cada indivíduo ao ser capaz de pensar criticamente sobre afirmações e cursos de ação, apoiando-se em fontes credíveis, evidência válida e razões racionais, pode ter um controlo mais eficaz e saudável sobre as diferentes esferas da sua vida. A linha pragmática coloca a ênfase no facto de o pensamento crítico ser essencial para cada um enfrentar, com êxito, as complexidades da vida no presente e no futuro. Numa sociedade democrática, tecnológica e cientificamente orientada, onde cada movimento do homem pode Página 43 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

ser influenciado pelos produtos da ciência e da tecnologia, há uma genuína necessidade de os indivíduos usarem o seu potencial de pensamento crítico. O uso de capacidades de pensamento crítico permite aos indivíduos tomarem posição sobre as questões científicas, raciocinando logicamente sobre o tópico em causa de modo a detectar incongruências na argumentação ou no sentido de suspender a tomada de decisão no caso de haver evidência insuficiente para traçar e sustentar uma conclusão. Além disso, qualquer sistema democrático depende da capacidade dos indivíduos atuarem e intervirem, usando o seu potencial de pensamento crítico. O cidadão de uma democracia deve ser capaz de sustentar debates abertos sobre questões cívicas, de ponderar argumentos, de considerar alternativas e cursos de ação e de recolher e avaliar evidências que os sustentem. As razões para o interesse pelo PC na Educação são diversas e ancoradas em contributos de diferentes áreas do conhecimento. Das sistematizadas em vários documentos publicados e decorrentes da revisão de literatura, como a de Vieira e Tenreiro-Vieira (2009a), destacam-se as que se prendem com o facto do PC:

• Ser considerado o ideal central da educação e a base social para se adquirirem os mesmos direitos e as liberdades cívicas, no âmbito dos países liberais democráticos. De um modo operativo as capacidades de PC podem ser úteis para as pessoas enquanto alunos, quando os ajuda, por exemplo, a construir um argumento ou a participar em debates na turma, preparando-os para lidar com uma multitude de desafios que terão que enfrentar nas suas vidas, carreiras, deveres e responsabilidades pessoais. As capacidades de PC são consideradas a chave de uma aprendizagem com sucesso (Barak, Ben-Chaim e Zoller, 2007).

• Ajudar na participação esclarecida nas instituições democráticas, onde os cidadãos são confrontados com a necessidade de tomar decisões racionais, a trabalharem colaborativamente e a terem de lidar com pessoas irracionais, desorganizadas, confusas e desarticuladas.

• Contribuir para pensar criticamente sobre as suas crenças, apontando razões racionais e não arbitrárias, que as justifiquem e as sustentem, não se deixando manipular e precavendo-se contra os burlões e exploradores.

• Apoiar a gestão dos afazeres privados; potenciar o saber beneficiar da cultura e o aprender ao longo da vida; procurando dar significado à sua própria vida.

• Assegurar o desenvolvimento socioeconómico global, tendo em conta as carências humanas e a necessidade de proteger o ambiente, assegurando a integridade ecológica dos ecossistemas dos quais o ser humano depende para a sua sobrevivência.

• Ajudar cada cidadão a compreender o trabalho e a atuação daqueles que exercem uma Página 44 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

profissão científica e / ou técnica, bem como a compreender as novas descobertas que constantemente envolvem conhecimento científico e tecnológico (Gunn, Grigg e Pomahac, 2007). Também devido a estas razões o PC constituiu-se como uma finalidade educativa e passou, especialmente desde os anos 80 do século XX, a estar contemplado, implícita ou explicitamente, nos currículos de vários países. Por exemplo, em vários documentos curriculares dos Estados Unidos da América, como o National Science Education Standards (National Research Council, 1996;), identificam-se referências ao PC. O mesmo ocorre em Portugal; vários documentos curriculares contemplam a promoção do PC em diferentes momentos da escolaridade básica e secundária, como por exemplo nos programas e metas de aprendizagem de Ciências do Ensino Básico. Muitas das recomendações emanadas de documentos basilares de movimentos de reforma da educação, como os de Educação em ciências, sobressai uma ênfase na compreensão funcional de grandes ideias da ciência; na promoção de atitudes e valores acerca da ciência do ponto de vista filosófico, ético e cultural e no desenvolvimento de capacidades de pensamento, designadamente de PC (Vieira e Tenreiro-Vieira, 2009b). Estes últimos reforçam que continua a ser, hoje, amplamente aceite, por educadores e investigadores, que numa sociedade democrática plural, profundamente marcada pelos avanços científicos e tecnológicos, é fundamental uma educação em ciências promotora do PC, desde os primeiros anos de escolaridade. Para tal tem sido basilar e crucial a questão dos quadros de referência sobre o pensamento crítico. Neste âmbito, têm disso divulgados e discutidos diferentes referenciais, muitos dos quais ancorados em perspetivas emergentes da Psicologia ou da Filosofia. Dos revistos por TenreiroVieira e Vieira (2001) destacam-se referenciais como os de Lipman, Paul, Gubbins e Ennis. Estes, pese embora algumas semelhanças, veem de maneira diferente o PC e a forma de o promover (Piette, 1996). De entre estes o que tem sido adotado, em vários estudos, nomeadamente em Portugal, tem sido o proposto por Ennis (1985, 1987, 1996), por quatro principais razões: (i) ser exaustivo, claro e compreensivo; (ii) contemplar capacidades de PC reconhecidas como inerentes à atividade científica, (iii) se encontrar operacionalizado numa taxonomia que lista as disposições e as capacidades que, segundo o autor, estão abarcadas no PC enquanto atividade prática reflexiva, cuja meta é decidir em que acreditar ou o que fazer; e (iv) discriminar as capacidades dentro de cada categoria envolvida no PC, o que facilita a sua compreensão e dimensionalidade. Na referida taxonomia, as capacidades envolvidas no PC encontram-se agrupadas em cinco categorias principais: (1) Clarificação Elementar, (2) Suporte Básico, (3) Inferência, (4) Clarificação Elaborada e (5) Estratégias e Tácticas. Assim, por exemplo, a área da clarificação elementar envolve três compósitos de capacidades : Focar uma questão, analisar argumentos Página 45 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

e fazer e responder a questões de clarificação e desafio. A titulo ilustrativo, o compósito de capacidades referente ao analisar envolve capacidades consideradas necessárias para tal, tais como: a) Identificar conclusões; e c) Procurar semelhanças e diferenças. Por sua vez, as catorze disposições envolvidas no pensamento crítico, de acordo com Ennis, vão desde o: 1. Procurar um enunciado claro da questão ou tese; 2. Procurar razões; até 14. Ser sensível aos sentimentos, níveis de conhecimento e grau de elaboração dos outros. Para uma apropriação e compreensão mais global e profunda desta taxonomia, a última versão, conhecida em Português, pode ser consultada em Vieira e Tenreiro-Vieira (2005). Estes autores com base na concetualização de pensamento crítico de Ennis e integrando elementos de outras conceptualizações, bem como produtos e resultados de estudos por si realizados , têm desenvolvido e estabelecido referenciais base para uma ação sustentada e fundamentado em direção à promoção do pensamento crítico. Dentro deste quadro de referência, o esquema a seguir apresentado (Vieira, Tenreiro-Vieira e Martins, 2010) tem-se configurado como um referencial para, por exemplo, operacionalizar diferentes estratégias de ensino, como no questionamento e na formulação de questões a integrar nos recursos didáticos e discursos educativos de modo a garantir o apelo sustentado do PC.

Esquema 1 – Elementos constituintes do Pensamento Crítico (retirado de Vieira, Tenreiro-Vieira e Martins, 2010)

Este referencial releva elementos ou dimensões base do PC que se configuram como ferramentas intelectuais a mobilizar pelo pensador crítico, concretamente, capacidades e disposições, bem como conhecimentos e normas. A este respeito, sublinhe-se que o PC é considerado centralmente um conceito normativo, uma vez que é um bom pensamento (Bailin, 2002). É a qualidade do pensamento, continua esta investigadora, que distingue o PC do pensamento não crítico; sendo

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a mesma determinada por critérios / normas relevantes. São estes que governam a qualidade do pensamento e do juízo de valor numa determinada área que constituem a característica definidora do PC. Alguns desses critérios, e que também se aplicam nas ciências, são: precisão / exatidão dos dados, a credibilidade das fontes e a validade das inferências. O referencial apresentado evidencia não só quatro elementos base envolvidos no PC, mas também a importância e necessidade de mobilização intrincada de tais elementos de modo a pensar e agir de forma crítica no âmbito de diversos contextos e situações do quotidiano, desde o acompanhar o sentido de uma notícia, ler e compreender um artigo de divulgação científica, escrever e comunicar com os outros acerca de questões que envolvem a ciência; passando pela tomada de decisão e resolução de problemas pessoais sobre, por exemplo, dieta e alimentação; até à participação na tomada de decisão sobre questões públicas como, por exemplo, saúde pública e proteção ambiental (Vieira, Tenreiro-Vieira e Martins, 2010). Neste enquadramento, segundo este últimos autores, uma educação orientada para a formação de pensadores críticos exige e requer que diferentes elementos sejam articulados e conjugados em torno de tal meta. Assim, além dos currículos, é necessário que outros componentes do sistema educativo como os programas disciplinares, a formação de professores e os recursos educativos, designadamente os manuais escolares, sejam explicitamente orientadas para o desenvolvimento dos alunos como pensadores críticos. Por esta via, o PC poder-se-á constituir como eixo organizador das práticas didático-pedagógicas que se devem caracterizar por ambientes onde existe um esforço explícito e deliberado em torno da promoção do PC dos alunos. Dado que os seres humanos em geral e os alunos, em particular, não desenvolvem as suas capacidades de PC natural e espontaneamente, este deve pois ser promovido com intencionalidade e de forma sistemática e continuada. O quadro anterior tem sido fundamental, como se descreve em seguida, na formação de professores, na orientação de estratégias de ensino e de aprendizagem e no desenvolvimento de recursos e atividades de aprendizagem orientadas para o PC. ÁREAS DE INVESTIGAÇÃO As áreas de investigação que têm sido desenvolvidas e que a seguir se sintetizam, em três seções são: o desenvolvimento de recursos educativos e de atividades de aprendizagem, a formação de professores e as estratégias de ensino e de aprendizagem orientadas para a promoção de capacidades de pensamento crítico. 1.1. Desenvolvimento de Recursos Educativos e Atividades de Aprendizagem No desenvolvimento de recursos educativos e de atividades de aprendizagem de forma a garantir Página 47 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

que todas as situações e questões que os integram são promotoras do PC, tem sido adotada a metodologia proposta e testada por Tenreiro-Vieira (1994, 1999) e por Vieira (2003), a qual se tem mostrado eficaz. Tal significa, em termos genéricos, que as questões ou solicitações que fazem parte integrante de tais recursos e atividades emanam do enunciado das capacidades de pensamento listadas pelo autor na sua definição operacional de PC (Vieira e Tenreiro-Vieira, 2009b). A metodologia suprarreferida esteve na base do desenvolvimento de diversos recursos e atividades no âmbito de vários estudos de investigação. Por exemplo, Tenreiro-Vieira e Vieira (2006) levaram a cabo um projeto de formação pela investigação, envolvendo investigadores e professores de ciências do ensino básico, no âmbito do qual foram desenvolvidas e validadas, em contextos reais de sala de aula, recursos educativos contendo essencialmente atividades de laboratório orientadas para a promoção do PC. Este projeto, configurou-se como um processo formativo conjunto e partilhado entre e com professores, de modo a interligar formação / investigação / inovação. Neste quadro, os recursos desenvolvidos afiguram-se como sendo um recurso de qualidade do trabalho laboratorial na educação em ciências no ensino básico promotor de conhecimentos científicos e de capacidades de PC. “Por esta via, poder-se-á não só aumentar a quantidade, mas sobretudo a qualidade do trabalho laboratorial na educação em ciências no ensino básico, e, assim, minimizar o fosso existente entre as atuais propostas para o ensino das ciências e as propostas apresentadas em materiais como os manuais escolares” (Tenreiro-Vieira e Vieira, 2006, p. 461). Efetivamente, também os estudos, como o de Alves e Vieira (2006), confirmam esta realidade, evidenciando que os manuais escolares do 1º Ciclo do Ensino Básico [CEB] Português, na área de Estudo do Meio não contemplam a promoção explícita a capacidades de PC, nomeadamente através das questões que requerem o uso de capacidades de PC. De forma a articular várias ambientes de educação, Moreira e Vieira (2008) produziram, implementaram e avaliaram um conjunto de materiais didáticos para alunos do 3º Ciclo do Ensino Básico (CEB) com orientações Ciência-Tecnologia-Sociedade e PC (CTS/ PC), inseridos na temática da Deriva continental, com aplicação num espaço de Educação nãoformal – Visionarium (em S. Maria da Feira). Os resultam apontam para o desenvolvimento de competências ligadas ao PC como apontar razões e hipóteses explicativas. Do mesmo modo, Costa e Vieira (2008), na articulação entre um contexto de educação não-formal em Ciência - o “Jardim da Ciência” (da Universidade de Aveiro), desenvolveram recursos didáticos a apelar a capacidades de PC de alunos do 1.º CEB. Os resultados do estudo quasi-experimental realizado apontam para a relevância dos recursos desenvolvidos, os quais se revelaram promotores das capacidades de PC dos alunos da amostra experimental. Tenreiro-Vieira e Vieira (2009; 2013) com base no referencial desenvolvido acerca da literacia científica (LC), da literacia matemática (LM) e do PC, têm também desenvolvido estudos orientados para o desenvolvimento de recursos e atividade, enformado por uma orientação CTS, Página 48 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

articulando contextos de educação e potenciando conexões das ciências com a matemática, Neste enquadramento, os recursos produzidos enfatizam “grandes ideias” e não a factos isolados, bem como conexões entre ideias da mesma área, entre ideias científicas e ideias matemáticas e entre estas e o mundo real. Nestes salienta-se ainda a contextualização histórica e social do conhecimento científico e matemático, procurando romper com uma visão destas áreas do saber como atividades desligadas de valores éticos e morais e de interesses e influências sociais e políticas (Tenreiro-Vieira e Vieira, 2013). As conclusões dos estudos aqui sistematizados e de outros no mesmo sentido, têm sido consistentes em evidenciar a melhoria do PC dos alunos, uma vez que lhes tem permitido escrever e comunicar acerca de questões que envolvem a ciência e/ou a matemática, a tomada de decisão e a resolução de problemas pessoais e mesmo sociais. 1.2. Formação de Professores Como elemento-chave no processo para, por exemplo, se poder usar adequada e eficientemente os recursos educativos desenvolvidos, como os referidos anteriormente, a formação de professores tem sido um dos alvos crescentes da investigação em Educação. Na senda de outras áreas, nas ciências têm sido realizados estudos no contexto da formação inicial e continuada de professores procurando compreender o seu desenvolvimento profissional, pessoal e social. Na verdade, algumas investigações, como a Tenreiro-Vieira (1999), apontam no sentido que, antes de uma formação especificamente focada no ensino do PC, os professores não revelam indicadores de que exigem aos alunos o uso de capacidades de PC. Em Portugal, e com ênfase na promoção explícita e intencional do PC, quer dos professores, quer depois dos seus alunos, os estudos de Tenreiro-Vieira (1999), Vieira (2003), Magalhães e TenreiroVieira (2006) e Vieira e Tenreiro-Vieira (2012) permitiram evidenciar vertentes de formação a incluir num programa de formação com foco no PC: (i) a (re)construção de conhecimento sobre o PC; (ii) a apropriação de referenciais teóricos que se configurem como uma ajuda para construir recursos educativos, estratégias de ensino e/ou atividades de aprendizagem incitativas do PC e a promoção destas capacidades dos próprios professores. Tais vertentes têm sido, mais recentemente, também rentabilizadas com as Tecnologias de Informação e Comunicação em especial da denominada web 2.0, como as comunidades online, como se descreve no estudo de Vieira e Tenreiro-Vieira (2012). Os resultados obtidos neste estudo apontam que é possível promover o potencial de PC dos futuros professores no contexto da sua formação em Didática das Ciências mediante o uso de estratégias adequadas, concretamente do questionamento intencionalmente orientado para o PC. A este nível, tal como apontam estudos anteriores, como o de Vieira e Tenreiro-Vieira e (2003), as abordagens seguidas – FRISCO e a FA2IA – revelaram-se de grande utilidade na formulação das questões nas várias atividades que Página 49 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

foram sendo desenvolvidas. Nestes programas de formação de professores têm sido seguidos vários princípios e orientações conceptuais. Resumidamente destacam-se a(o) os seis seguintes: (i) integração teoria-prática; (ii) ligação entre a formação de professores e o desenvolvimento organizacional da escola; (iii) melhoria do conhecimento pedagógico / didático de conteúdo; (iv) articulação entre, por um lado, a formação inicial e a continuada no quadro de processos de mudança e, por outro, entre a formação recebida pelo professor e o tipo de educação que posteriormente lhe será pedido que desenvolva; (v) exigência do programa de formação atender e responder às necessidades, características pessoais, cognitivas, contextuais e relacionais de cada professor ou grupo de professores; e (vi) existência de oportunidades para o professor em formação questionar as suas próprias conceções e práticas. No que se refere à organização e estrutura de programas de formação, prolifera uma variedade de formas. Com efeito, são referidos programas cuja duração é de um a dois anos, bem como programas cuja duração é de dois dias (são um bom exemplo, os desenvolvidos e implementados pelo Center and Foundation for Critical Thinking). Dos que têm sido implementados em Portugal resulta que os de 50 horas e ao longo de um ano letivo se têm revelado potencialmente eficazes. Não parece ser adequada uma formação com seminários curtos, sessões práticas ocasionais e pontuais, mas inseridas no âmbito de um programa de formação profissional numa base regular (Vieira, 2003). Com efeito, não se pode esperar que os docentes promovam as suas capacidades de PC e passem, posteriormente, a desenvolver práticas promotoras do PC dos alunos, depois de poucas sessões de formação, assim como não se pode esperar que ensinem matemática ou história após breves sessões de trabalho (Wright, 1992). 1.3. Estratégias de Ensino e de Aprendizagem Sobre as estratégias de ensino e de aprendizagem a literatura consultada e a investigação que tem vindo a ser realizada aponta para um conjunto de estratégias como “mais” promotoras do PC. É o caso, principalmente do questionamento, dos debates, dos estruturadores gráficos e da Aprendizagem Baseada em Problemas quando explicitamente orientados para o PC. No que se refere ao questionamento têm vindo a ser realizados estudos envolvendo alunos do ensino básico e professores de matemática e ciências da natureza do mesmo nível de ensino, seguindo metodologias de natureza quantitativa e qualitativa. Na operacionalização da estratégia de questionamento, no âmbito de tais estudos, para garantir uma orientação para o PC, mediante a formulação de questões focadas no apelo a capacidades de PC, tem sido usada a abordagem FRISCO (ver por exemplo Vieira e Tenreiro-Vieira, 2003), a qual se baseia na conceptualização de PC de Ennis já anteriormente descrita. Os resultados obtidos, quer no que se refere ao questionamento oral, quer escrito, apontam no sentido que esta estratégia de ensino, Página 50 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

designadamente com base em tal abordagem e outras, como a FA2IA (Vieira e Tenreiro-Vieira, 2005), é promotora do PC. Já quanto ao debate, Ramos e Tenreiro-Vieira (2005) realizaram um estudo com o propósito de averiguar se esta estratégia, quando intencionalmente orientada para o PC, promovia o nível e os aspetos de PC de alunos do 1º CEB. Com um modelo de investigação de natureza quantitativa, seguindo um desenho quasi-experimental, o grupo de controlo foi submetido a uma intervenção caracterizada pelo uso da estratégia de questionamento com base em questões habitualmente formuladas pelo professor, as quais se centravam no conteúdo; já os planos referentes à intervenção a que foi o grupo experimental, assentavam no desenvolvimento da estratégia de questionamento com base em questões focadas no apelo a capacidades de PC. Os resultados obtidos sugerem que a estratégia de debate, quanto explicitamente orientada nesse sentido, é promotora do PC. De facto, os resultados de estudos realizados (Ramos e TenreiroVieira, 2005; Vieira e Tenreiro-Vieira, 2005) apontam no sentido que o debate, em particular sobre questões sócio-científicas controversas, quando orientado para o PC, fomenta a mobilização de capacidades relacionadas com o interatuar com os outros, designadamente o apresentar e defender um ponto de vista fundamentadamente. Uma outra estratégia que se tem mostrado incitativa do PC é o uso de estruturadores gráficos, que incluem os mapas de conceitos, as redes e os diagramas. Com efeito, a investigação, como a relatada em Vieira (2003) e Vieira e Tenreiro-Vieira (2005), aponta que tais estruturadores gráficos, operacionalizados de modo a requerer o uso de capacidades de PC, revelaram-se estratégias promotoras de capacidades de PC, como as relativas à argumentação, particularmente a identificação das razões e das conclusões e o estabelecer semelhanças e diferenças. Todavia, nesta estratégia e dada a diversidade de estruturadores gráficos existentes, como se encontram descritas pelos últimos autores citados, importa continuar a investigação de modo a, nomeadamente, estabelecer modos de orientar explicita e intencionalmente os mesmos para a promoção do PC. A ABP orientada para o desenvolvimento de capacidades de PC no contexto da Educação em Ciências no 1º e 2º CEB (Fartura e Tenreiro-Vieira, 2007; Fulgêncio, 2012) foi operacionalizada em quatro momentos base: (i) Apresentação da situação-problema e formulação da questãoproblema; (ii) Elaboração de um plano de trabalho; (iii) Execução do plano de trabalho e construção de um produto final; e (iv) Autoavaliação. Em cada um destes momentos foram criadas múltiplas oportunidades de apelo a capacidades de PC mediante, por exemplo, a formulação, de questões com base no supracitado quadro teórico de Ennis. Os resultados obtidos são consistentes e sustentam que esta estratégia com tal formato apela à mobilização do PC. Em síntese, decorrente de estudos realizados, estratégias como o debate e o questionamento quando explicita e fundamentadamente operacionalizadas para apelar a capacidades de PC Página 51 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

configuram-se como estratégias promotoras do PC. Juntamente com esta orientação também se evidencia ser crucial a diversificação de estratégias de ensino e de aprendizagem para o desenvolvimento de diferentes capacidades, disposições, normas e critérios do PC. CONTRIBUTOS DA INVESTIGAÇÃO PARA A DIDÁTICA DAS CIÊNCIAS O PC, enquanto finalidade educativa no contexto de sociedades democráticas, assume importância capital para cada cidadão lidar eficazmente com a complexidade do mundo, particularmente em momentos de dificuldades e “crises” como a que se vive atualmente em alguns países ocidentais. A investigação que tem vindo a ser realizada nas últimas décadas evidencia que o PC pode contribuir para a melhoria da qualidade de vida de cada um e de todos no seu contexto social e cultural. Nesta perspetiva, a investigação resumida anteriormente tem procurado fornecer exemplos e propostas de recursos educativos, programas de formação de professores e estratégias de ensino e de aprendizagem focados na promoção do PC. Os referenciais usados, com base no quadro concetual de PC proposto por Ennis têm-se revelado eficazes no desenvolvimento de recursos educativos, atividades de aprendizagem e estratégias de ensino incitativos do PC. Tendo em conta que elementos do processo de ensino e aprendizagem, como os recursos educativos focados explicitamente no PC, são ainda escassos e muito dos que existem são de difícil acesso e/ou não estão adaptados à realidade dos alunos portugueses (Vieira, 2003; Vieira, Tenreiro-Vieira e Martins, 2011), os que têm sido desenvolvidos podem e devem ser usados na formação de professores em Didática das Ciências. Do mesmo modo, na formação de professores, quer inicial, quer continuada e pós-graduada, os princípios e vertentes de formação emergentes dos programas testados e validados têm-se mostrado eficazes e são um contributo para se continuar a investigação sustentada neste domínio. O uso das ferramentas TIC, particularmente da web 2.0 para potenciar comunidades virtuais de prática e de aprendizagem, no contexto da Didática das Ciências, promotoras do PC têm também vindo a contribuir para a formação de professores do ensino básico. Estas têm sido um apoio para ajudar a ultrapassar a dificuldade em mobilizar o PC, em articulação com um trabalho colaborativo com os próprios pares e formadores e investigadores. Para tal e numa perspetiva de coerência entre a formação que se preconiza na Didática das Ciências e a que se espera que os futuros professores desenvolvam com os seus alunos importa implementar estratégias de ensino e de aprendizagem, como o debate e o questionamento com orientação para o PC. Nesse sentido, importa atender a abordagens como as referidas FRISCO e FA2IA, articuladas com o quadro de referência adotado, por forma a garantir a promoção do PC. Só com uma orientação explícita e intencional para o PC é que as estratégias de ensino e de aprendizagem podem concorrer para a formação de cidadão capazes de usar eficazmente o seu Página 52 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

potencial de PC nas diferentes situações e contextos de vida. Na verdade, uma atuação no sentido desejado – o bem da humanidade, isto é, da cultura da paz, da tolerância e do desenvolvimento das pessoas e dos povos que permita melhor qualidade de vida para todos e um ambiente sustentável para as gerações atuais e futuras – requer, em simultâneo, a mobilização intrincada de diversas ferramentas intelectuais entre as quais se encontram as capacidades de pensamento e as disposições/atitudes de pensamento crítico, para que se possam constituir em saberes em ação ou em uso no âmbito de diversos contextos e situações do quotidiano (Tenreiro-Vieira e Vieira, 2013, p. 181). REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Department for Education (2011). Review of the National Curriculum in England. What can we learn from English, mathematics and science curricula of high-performing jurisdictions. http://www.education.gov.uk/ Ennis, R. H. (1987). A taxonomy of critical thinking dispositions and abilities. In J. B. Baron & R. J. Sternberg (Eds.), Teaching thinking skills: Theory and practice (pp. 9-26). New York: W. H. Freeman and Company. Fullan, M., & Earl, L. (2002). United Kingdom national literacy and numeracy strategies. Journal of Educational Change, 3, 1-5. Halpern, D. (1996). Thought and knowledge: An introduction to critical thinking. (3ª ed.). Mahwah, NJ: Lawrence Erlbaum Associates. Harlen, W. (2010) (Ed.). Principles and big ideas of science education. Hatfield: Association for Science Education. Hatcher, D., & Spencer, A. (2000). Reasoning and writing: From critical thinking to composition. Boston: American Press. Holbrook, J., & Rannikmae, M. (2009). The meaning of scientific literacy. International Journal of Environmental & Science Education, 4 (3), 275-288. International Council for Science [ICSU] (2011). Report of the ICSU ad-hoc review panel on science. Paris: International Council for Science. www.icsu.org Irwin, K., & Britt, M. (2005). The algebraic nature of students’ numerical manipulation in the New Zealand numeracy project. Educational Studies in Mathematics, 58, 169-188. Marin, L. M., & Halpern, D. F. (2011). Pedagogy for developing critical thinking in adolescents: Explicit instruction produces greatest gains. Thinking Skills and Creativity, 6, 1-13.

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5.PENSAMENTO CRÍTICO NA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PORTO – UM PROJETO EM CONSTRUÇÃO Helena Gil da Costa | [email protected] Ana Andrade | [email protected] Aida Fernandes | [email protected] Conceição Soares | [email protected] Henrique Manuel Pereira | [email protected] João Costa Amado | [email protected] José António Couto | [email protected] Maria Guilhermina Castro | [email protected] Margarida Silva | [email protected] Vítor Teixeira | [email protected] Universidade Católica Portuguesa

Resumo Em 2011, emergiu, no Centro Regional do Porto da Universidade Católica Portuguesa, um plano pedagógico pioneiro e inovador. Tem como meta primordial a promoção de uma reflexão contínua, ampla, aprofundada e transversal, por forma a instituir como marca da comunidade académica o compromisso com o Pensamento Crítico. Este plano tem como alicerces maiores o entendimento do Ser Humano como entidade complexa e pluridimensional e o da Educação como um processo continuado de formação integral e integrada. Neste sentido as coordenadas são: dignidade da pessoa e desenvolvimento humano; liberdade de pensamento, sentimento e expressão crítico-criativa; cultura da cidadania e de participação; solidariedade e respeito pela alteridade; trabalho colaborativo de intercâmbio de saberes e culturas; transformação do conhecimento em consciência e compromisso social. Esta comunicação tem por objetivo apresentar o processo de implementação do referido projeto que, com base num modelo multi e interdisciplinar, se desenvolve em dois grandes eixos:

1. Ensino – por um lado, formação de docentes e colaboradores da Católica Porto; por outro,

seminários para todos os alunos de licenciatura das suas unidades académicas, no intuito de: (i) munir os aprendentes de instrumentos que lhes permitam refletir de um modo mais estruturado, abrangente, profundo e crítico; (ii) melhorar a aprendizagem reflexiva e pessoal, num ambiente de aprendizagem em que todos assumam um papel ativo; (iii) estimular a consciência da necessidade de cidadãos atuantes numa sociedade em mudança em busca de alternativas.

2. Investigação – com uma vertente inter e transdisciplinar, traduz-se num trabalho de equipa

capaz de contribuir para a criação de um espaço de reflexão permanente e para a diversidade de perspetivas e formas de ser e estar no mundo. Palavras-Chave: pensamento crítico, pensamento criativo, ensino/educação, investigação. Página 57 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

Abstract In 2011, a pioneer and innovator pedagogical plan emerged in Catholic University - Porto Regional Centre. It has, as prime aim, the promotion of a continuous, wide, deep and transversal reflection, in order to establish, as a mark of the academic community, the compromise with Critical Thinking. This plan has, as biggest foundations, the understanding of the Human Being as a complex and multidimensional entity, and of Education as a continuous process of integrative and integrated formation. In this sense, the coordinates are: the dignity of the person and human development; freedom of thinking, feeling and critical-creative expression; culture of citizenship and participation; solidarity and respect towards otherness; cooperative work aiming the interchange of knowledge(s) and cultures; transformation of cognizance into social awareness and compromise. This communication aspires to present the process of implementation of the above mentioned project which, based on a multi and cross-functional model, grows up placed upon two main foundations:

1. Teaching – on the one hand, training of Porto Catholic University’s teachers and collaborators;

on the other hand, classes for all students of all the degrees, intending: (i) to give the students the tools that allow them to reason in a more structured, inclusive, deep and critical way; (ii) to develop a reflective and personal learning, in an environment where all the characters take on a lead role; (iii) to stimulate the awareness of the need of having active citizens, in a changing society which claims for alternatives.

2. Research – with a cross-functional aspect, it regards the work of a team able to contribute to

the creation of an area of permanent reflection and to the diversity of perspectives and ways of being in the world Keywords: critical thinking, creative thinking, teaching/education, research.

INTRODUÇÃO Na contemporaneidade, uma miríade de definições procura delimitar o vasto campo designado por Pensamento Crítico. Na história do pensamento, inúmeros antecedentes concetuais, mais ou menos claros, foram sendo expressos desde a Antiguidade grega à Escola de Frankfurt. Se atentarmos nas linhas orientadoras que lhes subjazem, seremos capazes de distinguir duas posições basais no que concerne à abordagem do Pensamento Crítico: (i) uma perspetiva ligada à filosofia, cuja pedra de toque se prende com a lógica, a argumentação e a retórica e (ii) uma outra, decorrente da psicologia cognitiva, que se debruça primordialmente sobre as competências e capacidades do pensamento. Na Católica Porto, desde 2009, quer a Escola de Direito, quer a Faculdade de Economia e Gestão, têm no seu plano curricular unidades ligadas ao Pensamento Crítico enquanto desenvolvimento do raciocínio lógico e, por inerência, à capacidade de argumentar. Engloba isto a interpretação,

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avaliação e produção de argumentos, sem descurar a concetualização. Porque todo o argumento é expresso por meio de conceitos que o compõem, a sua correta compreensão e utilização é fundamental para a solidez da estruturação argumentativa. Por outras palavras, um Pensamento Crítico assim entendido pretende desenvolver competências de raciocínio elaborado e de argumentação, através do conhecimento e do treino do uso das regras da lógica, capacitando para uma distinção de raciocínios válidos de “raciocínios falaciosos” e/ou menos bem fundamentados. Esta linha de pensamento permite avaliar argumentos de fontes diversas, capacitando o estudante para discutir em moldes multidisciplinares no seio de uma sociedade plural. Mais recentemente, a partir de 2011, a Católica Porto começou a abordar o Pensamento Crítico também no âmbito da psicologia cognitiva, privilegiando o ensino do pensamento (teaching of thinking) ou de capacidades do pensamento (teaching of thinking skills) (Ennis, 1996). Assim, foi determinante centrar o programa em dois tipos básicos de atitudes: (i) o interesse pela reflexão introspetiva e avaliativa e pela investigação intelectual; (ii) a disposição para o diálogo. Criticar não pode ser entendido apenas como sinónimo de negação ou contestação. Implica a justificação ou a contraposição da aceção a respeito de alguma coisa, o que, por sua vez, requer reflexão/ investigação sobre o que se encontra em apreço. Se julgamos importante ressaltar esta atitude, é porque procuramos contornar o hábito comum de se emitir opinião sem verdadeiro conhecimento do tema em questão. Por sua vez, a atitude dialógica é não só fundadora das relações quotidianas, como está presente desde o início da história do pensamento. Embora todos nos demos a conversar, as regras que conduzem ao diálogo frutífero nem sempre são seguidas: é muito comum rejeitar-se/aceitar-se uma opinião pela simples razão de esta ser sustentada por este/isso ou aquele/ aquilo, e não pelo criterioso apreço do que é defendido ou contradito; é comum a desvalorização dos argumentos de opiniões com as quais não concordamos e, sobretudo, é quase compulsiva no ser humano a volição de ser ouvido, antes de ouvir. Procuramos contrariar esta tendência pela elaboração de um pensamento crítico: dialógico, contextualizado, responsável e racional, aberto a critérios de profundidade e abrangência, clareza e precisão, relevância e suficiência. Com Robert Ennis esta abordagem do Pensamento Crítico como uma atividade reflexiva (no sentido etimológico de pensamento sobre o pensamento, modo primeiro de melhor compreender o si-mesmo e o mundo), é caraterizada por uma ação sensata que requer tanto a dimensão cognitiva como a emocional. Por conseguinte, é para nós um desafio crucial garantir nos estudantes (para além das capacidades ensináveis de cariz cognitivo – análise de documentos e dos argumentos que lhes subjazem, avaliação da credibilidade das fontes de informação, identificação de questões determinantes a que urge responder, entre mais), as disposições que propiciam o exercício de um pensamento crítico sério, de caráter afetivo-emocional (Nosich, 2011; Pinto, 2011). Trata-se, enfim, de focar o problema em apreço, a vontade de o considerar na sua amplitude e plenitude, a consciência da informação possuída, a recusa de pré-conceitos e a capacidade de aceitar pontos de vista alternativos. Página 59 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

Enquanto equipa educativa que privilegia uma conceção de educação segundo a qual “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção” (Freire, 2000a:69), temos no horizonte o desenvolvimento integral da pessoa, em todas as suas potencialidades. Nesta medida, e porque nós próprios lidamos com o desafio da multidisciplinaridade, sublinhamos a afirmação de Paulo Freire (2000b): “ninguém ignora tudo. Ninguém sabe tudo. Todos nós sabemos alguma coisa. Todos nós ignoramos alguma coisa. Por isso aprendemos sempre”. 1. PENSAMENTO CRÍTICO NA CATÓLICA PORTO – UM PROJETO TRANSVERSAL O conceito e a metodologia de pensamento crítico desenvolvidos pela Foundation for Critical Thinking têm tido um papel importante na implementação e desenvolvimento do projeto “Pensamento Crítico na Católica Porto”. Para darmos uma ideia aproximada do método e do percurso que iniciámos, faremos aqui um pequeno exercício de aplicação da roda dos elementos proposta por Richard Paul e Gerald Nosich (Figura 1). Baseados nessa sistematização (mas sem assumir os conceitos como parte independente), percorreremos os fundamentos e a história que temos vindo a construir, para, com isso, procurarmos fazer, também aqui, pensamento crítico sobre Projetos de Pensamento Crítico. Será uma forma de deixarmos sinal do desafio de coerência em que não podemos deixar de nos colocar – sob pena de pormos em causa a validade e a eficácia dos próprios projetos. Figura 1 – Elementos do Pensamento Crítico

1.1. Contexto em que o projeto nasce e ponto de vista a partir do qual se desenvolve Na nossa época, a educação deveria ocupar-se não só em transmitir conhecimentos, mas também em refinar a consciência para que o homem seja capaz de escutar em Página 60 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

cada situação a exigência que contém. Numa época em que os dez mandamentos parecem perder a sua vigência para tanta gente, o homem deve estar preparado para perceber os 10.000 mandamentos que estão encerrados nas 10.000 situações com que enfrenta a vida. Então não só esta vida apareceria cheia de sentido, mas ele mesmo estaria imunizado contra o conformismo e o totalitarismo - ambos consequência do vazio existencial - pois uma consciência alerta torna-o capaz de «resistir» de maneira que não se entregue facilmente ao conformismo nem se desobrigue tão pouco do totalitarismo (Frankl, 1994:31). Entendemos que a sociedade do séc. XXI, embalando-se na rápida mudança socioeconómica, geopolítica, identitária e cultural, nos desafia a uma interação consciente, lúcida e criativa. As soluções de ontem, e até as de hoje, têm procurado responder, com cada vez maior dificuldade, às questões complexas que enfrentamos. Experimentamos hoje, porém, oportunidades únicas de desenvolvimento técnico e científico e de encontro entre todos os seres humanos. Enquanto entidade instituidora do projeto, a Católica Porto sente-se, também por isto, mobilizada pela urgência de, na subjacente dignidade do ser humano, velar e incrementar o seu desenvolvimento integral e profundo. Tendo como alicerce o conceito de Educação como processo continuado de autonomia e do sentido da responsabilidade, de solidariedade e do respeito pela alteridade e de intercâmbio de saberes e de culturas, entende ser seu dever contribuir para a formação de cidadãos que pensam de forma profunda e consciente nos planos tanto pessoal e científico, como nos da afetividade e aprendizagem, da participação cívica e dos desafios da solidariedade. 1.2. Objetivos que nos movem e questão a que aqui queremos responder Os dados e experiências que sustentam as decisões tomadas e os contornos do projeto, de que mais adiante daremos notícia, têm origens distintas. Em termos bibliográficos fomos progressivamente buscando sustentação em material de diferentes proveniências e de que, de alguma maneira, vamos aqui aludindo. Assim alicerçados, a promoção do “Pensamento Crítico na Católica Porto” (valendo-se da arquitetura de instrumentos que, por sua natureza, sejam autorreflexivos e multiedificáveis), assume como propósito do projeto: estimular o pensamento crítico como uma abordagem transversal a todos os campos do saber e do fazer; estimular a investigação e um ambiente de ensino-aprendizagem interativo e envolvente; reforçar a reflexão e a introspeção em ordem a gerir a quantidade de informação a que temos acesso, com vista a melhor interpretar e tirar conclusões de forma crítica. A questão a que, neste texto, procuramos dar resposta é “como se está a operacionalizar o projeto de Pensamento Crítico na Católica Porto?”, junto (i) de docentes e colaboradores, (ii) Página 61 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

dos alunos de todas as Unidades Académicas (Escola das Artes – EA, Escola de Direito – ED, Escola Superior de Biotecnologia – ESB, Faculdade de Economia e Gestão – FEG, Faculdade de Educação e Psicologia – FEP, Instituto de Ciências da Saúde – ICS), (iii) da Comunidade Externa. 1.3. Assunções que assumidamente fazemos Conscientes de que o conhecimento não é espelho do mundo exterior, mas construção a partir de estímulos captados e codificados pelos sentidos (Morin, 2002), temos vindo a desenvolver um esforço continuado, não só de declarar publicamente, mas também, e antes disso, de chamar à consciência o que assumimos como garantido. Neste momento são estas algumas das nossas principais assunções: − o pensamento crítico também se treina; − as instituições de ensino podem ser estimuladoras ou inibidoras do pensamento crítico; − os alunos não chegam ao ensino superior a pensar criticamente e este nem sempre fomenta este tipo de pensamento; − a tarefa da universidade não se deve limitar a promover o ensino-aprendizagem de conhecimentos científicos e técnicos, mas deve também estimular o desenvolvimento de competências comportamentais e a corresponsabilização da educação de pessoas; − muitos docentes do ensino superior não dominam metodologias e ferramentas que permitam pensar e ensinar a pensar criticamente de modo mais eficaz; − um professor, independentemente da sua área de formação/ensino, desde que em formação específica permanente, pode vir a orientar sessões de pensamento crítico; − é importante que os seminários de pensamento critico funcionem de forma integrativa e transversal. 1.4. Informação sobre o Projeto Católica Porto – o que tem sido feito, implicações e consequências O percurso que, até ao momento, fizemos pode enunciar-se em três fases: 1. Fase Preparatória (Março a Julho 2011) a) Conceção e desenvolvimento do processo de implementação do curriculum de Pensamento Crítico na Católica Porto. b) Preparação dos primeiros materiais de referência a partir de autores da Foundation for Critical Thinking, nomeadamente Richard Paul e Gerald Nosich. 2. Fase Experimental (2011/2012) Página 62 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

a) Formação de Formadores, com um grupo-piloto constituído por uma formadora externa e nove formandos-docentes de todas as Unidades Académicas. b) Seminários de Pensamento Crítico, com dois docentes para seis turmas-piloto (do Curso de Som e Imagem da EA e dos Cursos de Microbiologia e Bioengenharia da ESB). 3. Fase de Implementação (2012/2013) a) Seminários de Pensamento Crítico com oito docentes para 33 turmas do 1º ano do 1º ciclo, num total de 210 sessões, com alunos “misturados” da EA, ED, ESB, FEG, FEP e ICS. b) Preparação de materiais diversificados de referência e apoio aos Seminários de Pensamento Crítico. c) Formação de Formadores (Formação Geral e Formação para a Docência). Estiveram envolvidos uma formadora externa e 39 formandos – docentes de todas as Unidades Académicas e outros colaboradores da Católica Porto. d) Avaliação continuada do projeto por três sistemas diferentes – (i) avaliação feita pela equipa docente; (ii) avaliação autónoma; (iii) avaliação feita pelo Sistema Interno de Garantia de Qualidade (SIGIQ) da Católica Porto. Dos resultados da avaliação da fase de implementação já disponíveis, destacamos aqui alguns dos referenciados pelos alunos e pelos docentes. São exemplos das categorias de respostas mais significativas dadas pelos alunos: 1. Aspetos positivos dos Seminários de Pensamento Crítico a) Abertura – “ajuda a ter uma visão mais tolerante”; “o olhar que tinha acerca da realidade alterou-se completamente. A minha consciência era «apenas a minha consciência», vivia em torno do senso comum”. b) Capacidade de argumentação – “boa forma de melhorarmos a nossa capacidade de argumentação”. c) Expressão e comunicação – “aprendi a ouvir e a ser escutada”; “permitiu-me ultrapassar a minha dificuldade em falar em público”. d) Resolução de problemas e tomada de decisão – “ajuda a não tomarmos uma decisão precipitada”.

e) Auto-conhecimento – “ajudou-me a crescer como ser pensante”.

f) Aprendizagem de um método – “fornece ferramentas que facilitam a comunicação, integração e o pensamento crítico”.

g) Relação entre os alunos – “o facto de cada turma ter alunos de diferentes cursos faz-

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-nos comunicar/trabalhar com pessoas com diferentes opiniões e hábitos de trabalho”. h) Dinâmica das aulas – “abordagem de temas de que não costumamos falar de forma mais livre e pessoal, sem julgamentos e/ou restrições”. i) Utilidade e aplicabilidade noutras unidades curriculares e noutros contextos – “ajudou à minha formação, apliquei vários destes ensinamentos à minha vida”; “ajudou a ter melhores resultados noutras cadeiras”. 2. Aspetos negativos dos Seminários de Pensamento Crítico a) Organização geral da unidade curricular – espaçamento das sessões, aumento da carga horária, peso do sistema de avaliação. b) Tira tempo de estudo para outras unidades curriculares – “perde-se tempo útil de estudo”; “sensação de que estou a perder tempo. Gostava de focar o meu tempo no essencial à minha formação”. c) Objetivos e matéria pouco claros – “como foi algo novo, a dificuldade em entender o fundamento da disciplina”; “não estar suficientemente claro o conteúdo de trabalho de cada sessão”. d) Sem aplicação prática ou resultados importantes – “não consigo relacionar esta disciplina com o resto da licenciatura”; “não vejo muita utilidade na cadeira”. e) Aulas pouco estimulantes – “devia haver mais momentos de aplicação prática”; “parece que os temas andam todos à volta do mesmo”. f) Resultados alcançados – “não mudou em nada a forma como eu penso criticamente”; “os objetivos diferem dos resultados alcançados”. São exemplos significativos das respostas dos docentes. 1. Aspetos positivos a) A criação de uma verdadeira equipa multidisciplinar, integrando docentes de formação e unidades académicas distintas. b) Uma abordagem colaborativa, não diretiva, não autoritária, responsabilizadora e apoiante que, num equilíbrio dinâmico entre a atenção na pessoa e a atenção na tarefa (Selby, 2003), estimula o envolvimento da equipa no processo de criação e de implementação de uma nova área no espaço académico. c) A disponibilidade para (num ambiente estimulante de rigor, seriedade e compromisso, aliados à alegria, calor humano, informalidade e espontaneidade), experimentarem e ativarem em si mesmos o processo de mudança que procuram incentivar nos outros.

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2. Aspetos negativos a) Alguma fragilidade (imaturidade) de um programa de trabalho, com alunos e docentes, recentemente implementado que tem de ser sujeito a uma revisão crítica daquilo que são os seus conteúdos, fundamentação e dinâmica.

b) Docentes em fase embrionária de formação para a docência de pensamento crítico.

c) Efeitos ainda não suficientemente resolvidos da implementação do projeto nos Serviços Académicos, na estrutura das Unidades Académicas, nos planos curriculares e, inclusive, num ritmo de trabalho muito pesado para os próprios docentes. Colocamos no apartado seguinte algumas das reflexões que têm vindo a ser feitas sobre estes resultados. 2. CONCLUSÕES/DECISÕES A QUE CHEGÁMOS O percurso cria-se fazendo e as conclusões constituem agora um novo ponto de partida. Trata-se de um projeto em espiral, sempre em construção, em que as maiores dificuldades (os aspetos negativos e as limitações) de hoje são os desafios e as oportunidades a encarar amanhã. Tomámos, por isso a decisão de, no(s) próximo(s) anos letivo(s), centrarmos a nossa atenção nas seguintes áreas de ação: 1. Área do Ensino a) Continuação de Seminários de Pensamento Crítico para alunos do 1º ano do 1º ciclo de todos os cursos e extensão aos alunos do 2º ano. Com 13 docentes a trabalhar já em equipa, está em preparação a abertura de cerca de 60 turmas (400 sessões/ano) com cursos “misturados”. b) Desenvolvimento de um modelo de Formação de Docentes que, não descurando a participação de especialistas reconhecidos como formadores externos, estimule a criação de uma comunidade de aprendentes em que, enquanto tal, todos aprendem/mudam uns com os outros. São nossas preocupações centrais: − Promover a reflexão interna transversal. − Fomentar junto de estudantes e docentes a compreensão da importância do uso de instrumentos e meios que abram o caminho para uma análise e problematização sólidas. − Promover uma maior articulação entre os seminários de pensamento crítico e as unidades curriculares dos diversos cursos. − Criar condições que estimulem um conhecimento mais vivido, que abranja a pessoa em todos os níveis do ser – físico, mental, emocional, energético, cultural, político e espiritual Página 65 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

– e que, por isso, proporcione o sentido do mundo (Rogers, 1983; Sérgio & Toro, 2004). − Compreender, cada vez mais visceralmente, que “é fundamental que, na prática da formação docente, o aprendiz de educador assuma que o indispensável pensar certo não é presente dos deuses nem se acha nos guias de professores que iluminados intelectuais escrevem desde o centro do poder, mas, pelo contrário, o pensar certo que supera o ingénuo tem que ser produzido pelo próprio aprendiz em comunhão com o professor formador” (Freire, 2000: 43). − Entender que o apresentado no ponto anterior não se restringe à formação de docentes, mas à educação de pessoas em qualquer área do saber. 2. Área da Investigação – Grupo de Investigação de Pensamento Crítico-Criativo (PCC) a) Definição de linhas e projetos de investigação que privilegiem a abertura ao pensamento crítico-criativo. b) Cooperação com outras linhas e centros de investigação com quem se estabeleçam parcerias e redes de trabalho. Assim, e no seio de um grupo de docentes-investigadores que quer levar mais longe o ensino e a investigação sobre o pensamento crítico-criativo, interessa-nos: − Desenvolver a compreensão do pensamento crítico como avaliação (sensata, profunda e consequente) das possibilidades propostas pelo pensamento criativo no intuito de resolver um problema e/ou explicar um fenómeno (Treffinger, 2000). − Apoiar e desenvolver investigação de vertente inter e transdisciplinar. − Criar uma linha de investigação sobre formação de docentes (investigação-ação). − Investimento na produção bibliográfica, eventualmente em rede com outros parceiros. − Gerar ideias ou hipóteses que passem pelo crivo da crítica reflexiva que as aceita, ajusta ou modifica (o que requer novo processo criativo), promovendo vivências, mais do que assimilações passivas e aprendizagens não conscientes. 3. REFLEXÃO FINAL – O PARA QUÊ DE UM PROJETO DE PENSAMENTO CRÍTICO Retomamos duas das ideias atrás apresentadas. A primeira, de Viktor Frankl, sobre a importância de sermos capazes de “escutar em cada situação a exigência que contém” (Frankl, 1994:31). A segunda, que entendemos como consequência da primeira, a da necessidade de, também aqui, assumirmos o desafio de pensarmos criticamente sobre projetos de pensamento crítico e, com isso, sermos capazes de criar alternativas. Todos sabemos que não é (só) o domínio da técnica que faz um artista, mas também a forma Página 66 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

como ele consegue incorporar, tornar seu, transformar e transformar-se com o uso apurado dessa técnica. Porém, do nosso ponto de vista, não é difícil que, no desenvolvimento de um programa académico de pensamento crítico, fiquemos presos (enredados) na aprendizagem de uma determinada metodologia e de um conjunto de instrumentos mais ou menos especializados, mas sem que, de facto, isso dê origem a processos de mudança. Por isso, muito mais do que “peritos” (isto é, fechados) em análise de textos, imagens, situações e problemas tantas vezes alheios, temos de ter a coragem de correr o risco de nos deixarmos abrir e tomar por aquilo que dizemos e ensinamos. Não há aqui espaço (nem sabedoria suficiente) para levarmos muito longe esta reflexão. Mas vamos tentar, mesmo que com ideias e perguntas meio soltas, terminar esta comunicação colocando o que, neste momento, sentimos ser a urgência das coisas. Partimos de um exemplo muito simples: o que dizem os professor quando querem ajudar um aluno a entender o que está para lá das primeiras impressões (tantas vezes impostas por outros interesses), a não dar respostas demasiado rápidas e a não tirar conclusões sem fundamento? De uma forma ou outra, todos dizem “tem calma, pensa bem, não te precipites!”. Ou seja: “pára, dá-te tempo, faz silêncio!”. Mas, pelo nosso lado, estamos a trabalhar a um ritmo cada vez mais intenso. Convencem-nos e convencemo-nos de que, se trabalharmos mais e mais, resolvemos os problemas – das nossas vidas, das instituições, do mundo. Não temos calma para nada. Estamos num círculo vicioso que nunca se quebra. Vive-se na artificialidade, na busca da “qualidade” que, muitas vezes, leva a tarefas tolas, sem sentido. E isto está em todos os lados, independentemente do País, independentemente dos setores, independentemente das universidades (Trigo, 2005). Porquê tanto trabalho? Por que nos comprometemos com tanta coisa ao mesmo tempo? A universidade parte da vida e a vida parte da universidade. Universidade para o mundo? Que mundo? Não corremos, por isso, também o risco de ficarmos no Pensamento Crítico pelo Pensamento Crítico? Pensamento Crítico porque está na moda? O que podemos, por isso, fazer do ponto de vista pessoal? Onde nos situamos? O pensamento crítico é uma defesa contra um mundo com demasiada informação e demasiadas pessoas a tentar convencer-nos e a tentar fazer-nos esquecer de pensar em nós mesmos. Pensamento Crítico é estar dentro da universidade para pensar em tudo isto, incluindo a universidade – para questionar o próprio sistema, para propor alternativas, não só para fora, mas para nós mesmos também. E isto tem relação com a formação, com a pesquisa, com os docentes, com o projeto. E isto é pensar em rede na complexidade do mundo real – tomar consciência e fazer contributo dentro da universidade, com as pessoas, não contra as pessoas. Precisamos, por isso, de ir à raiz, de descobrir o eixo do nosso trabalho e de, nesse eixo, formular

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a nossa pergunta fundamental, aquela que está na origem do nosso projeto – COMO DESPERTAR AS CONSCIÊNCIAS DE TODOS NÓS? Não temos a resposta completa. Mas sabemos que, como com os nossos alunos, a resposta só surge se nos dermos tempo para parar, ter calma, fazer silêncio – um silêncio dinâmico, não vazio, que mais do que ouvir permita escutar; mais do que ver, permita observar; mais do que tocar, permita sentir; mais do que reagir, permita agir, mais do que reproduzir permita pensar, isto é, criar. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Ennis, R. H (1996). Critical Thinking Dispositions: their nature and assessability. Informal Logic, 18 (2,3), 165-182. Frankl, V. E. (1994). La Voluntad de Sentido. Barcelona: Editorial Herder. Freire, P. (2000a). Pedagogia da Autonomia – saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra. Freire, P. (2000b). A Importância do Ato de Ler. São Paulo: Gomes Editora. Morin, E. (2002). Os Sete Saberes para a Educação do Futuro. Lisboa: Instituto Piaget. Nosich, G. (2011). Aprender a Pensar Criticamente. Porto: Universidade Católica. Paul, R. & Elder, L. (2003). La Mini-guía para el Pensamiento Crítico – conceptos y herramientas. Foundation for Critical Thinking. http://www.criticalthinking.org/resources/PDF/SPConceptsandTools.pdf Paul, R., & Elder, L. (2005). Estándares de Competencia para el Pensamiento Crítico. Foundation for Critical Thinking. http://www.criticalthinking.org/resources/PDF/SP-Comp_Standards. pdf Pinto, I.R. (2011). Atividades Promotoras do Pensamento Crítico – sua eficácia em alunos de ciências da natureza do 5º ano de escolaridade. Lisboa: Instituto Politécnico de Lisboa. Dissertação de Mestrado em Didática das Ciências. Rogers, C. (1983). Um Jeito de Ser. São Paulo: Grupo de Editores de Livros Universitários. Selby, E. C., D. J. Treffinger, et al. (2003). VIEW : An Assessment of Problem Solving Style - pratical applications. Sarasota: Center for Creative Learning, Inc. Sérgio, M., & Toro, S. (2004). Aspectos Epistemológicos de la Motricidad Humana. Santiago de Chile: Pontificia Universidad Católica de Chile.

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Treffinger, D. (comp). (2000). Creativity, Creative thinking, and Critical Thinking: in search of definitions. Idea Capsules Series. Sarasota: Center for Creative Learning. Trigo Aza, E. (2005). Ciência Encarnada. Consentido, 1, 39-53.

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6.O QUE SIGNIFICA SER ETICAMENTE CRÍTICO? ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE A FILOSOFIA PARA CRIANÇAS Magda Costa Carvalho | [email protected]

Universidade dos Açores, Centro de Filosofia da Universidade de Lisboa

Resumo O objetivo desta comunicação centra-se na problematização de alguns aspetos relacionados com a dimensão ética do projeto de Filosofia para Crianças iniciado por Matthew Lipman e Ann Sharp nas décadas de 70 e 80 do século XX. Lipman começou por preocupar-se em promover um programa que preparasse as crianças para lidarem com discursos ambíguos, como sejam a publicidade e a propaganda, centrando os seus esforços iniciais na razoabilidade (reasonableness), isto é, numa proposta educativa que promovesse seres humanos mais “razoáveis” ou capazes de raciocinar bem. A comunidade de investigação filosófica (community of philosophical inquiry) designa um grupo de pessoas envolvidas num processo de pensamento filosófico enquanto conjunto de processos deliberativos e colaborativos em que os participantes transformam as suas opiniões em juízos fundamentados e as suas discussões em diálogos, articulando-se de forma autocorretiva. Os trabalhos de M. Lipman e A. Sharp encontraram ecos no critical thinking movement a que autores como os psicólogos R. Ennis e R. Paul concederam grande visibilidade na segunda metade do século XX. Aliás, a incidência no pensamento crítico formal materializa-se com a publicação de Harry Stottlemeier’s discovery, a primeira história do currículo de Lipman e Sharp para trabalhar filosoficamente com as crianças, texto especificamente orientado para a aquisição de competências lógicas básicas, privilegiando a perspetiva da aquisição e desenvolvimento de capacidades analíticas e cognitivas. Todavia, os trabalhos de Lipman e Sharp não se resumem a uma abordagem formal do pensamento lógico e destacam-se de outras propostas pedagógicas de estrito enriquecimento cognitivo pelas suas dimensões ética, estética, política e, até, existencial. Podendo ser concebido como um programa de largo espectro, às competências críticas juntam-se outras valências do designado pensamento de multidimensional, nomeadamente os pensamentos criativo, valorativo ou de cuidado (caring). Acresce que a prática filosófica com as crianças extrapola os limites da sala de aula: tal como uma pedra atirada ao rio, as comunidades de investigação filosófica assemelham-se a círculos concêntricos que, quando em funcionamento, irradiam para esferas mais largas e integradoras, o que lhes confere uma importante dimensão ética, social, política e, até, civilizacional. O nosso contributo na presente reflexão prende-se com a vertente ética do programa de Filosofia para Crianças, entendida nas suas expressões individual e coletiva, isto é, enquanto ressoa na conduta pessoal de cada membro da comunidade, bem como no plano social do seu compromisso com o grupo.

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Procuraremos pensar algumas linhas de articulação entre as dimensões ética e cognitiva do programa de Filosofia para Crianças, lançando a questão: o que significa ser eticamente crítico? Palavras-Chave: Filosofia para Crianças; M. Lipman; ética; pensamento multidimensional; pensamento crítico; razoabilidade

INTRODUÇÃO A nossa reflexão aborda o projeto de Filosofia para Crianças iniciado nos Estados Unidos da América por Matthew Lipman e Ann Sharp. Procuraremos refletir acerca das linhas de articulação entre as dimensões cognitiva e ética deste projeto, escolhendo como fio condutor a interrogação o que significa ser eticamente crítico? Pretendemos, assim, sistematizar algumas das ideias de Lipman e Sharp em torno do pensamento crítico, sobretudo nas suas implicações éticas. 1. Pensamento crítico: um conceito filosófico, multidimensional e aplicado No final da década de 60, Matthew Lipman estava interessado em promover um programa filosófico que preparasse as crianças para lidarem com a ambiguidade, protegendo-as da manipulação de discursos como a publicidade e a propaganda (Lipman; Moriyón, 2001, p. 186). Professor de Lógica na Universidade de Columbia, Lipman preocupava-se com a pouca preparação dos alunos em termos da estruturação clara do raciocínio e considerava que a solução teria de passar pela promoção de um pensamento logicamente estruturado ainda durante a infância. Neste contexto, e na senda do pragmatismo de Charles Pierce e John Dewey, Lipman desenvolve nos anos seguintes o conceito de “comunidade de investigação filosófica” (community of philosophical inquiry) para traduzir a metodologia que deveria orientar o seu projeto de Filosofia para Crianças. A comunidade de investigação filosófica consiste num grupo de pessoas (crianças e adultos incluídos) que praticam o pensamento filosófico enquanto conjunto de processos deliberativos e colaborativos, em que as opiniões são transformadas em juízos fundamentados e as discussões em diálogos estruturados em torno de temáticas que suscitam o interesse dos seus membros, construindo um pensamento articulado de forma autocorretiva. A conversão da sala de aula numa comunidade de investigação significa que os seus participantes se escutem, construam as suas ideias com base nas ideias dos outros, se desafiem a fundamentar com razões válidas as afirmações feitas, se apoiem na exploração das diversas implicações dessas mesmas afirmações e procurem identificar os pressupostos subjacentes às posições que, em conjunto, constroem (Lipman, 2003, p. 20). A investigação e o diálogo que esta comunidade vai sedimentando constitui-se, assim, com argumentos, contra-argumentos, definições, exemplos, contraexemplos, inferências, analogias, Página 72 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

e outras tantas ferramentas lógicas e, deste modo, Lipman considera que, sendo filosófica, esta prática (inquiry) adota a Lógica como metodologia própria. A incidência nas competências analíticas de pensamento materializa-se no projeto de Filosofia para Crianças desde logo com a publicação, em 1974, de Harry Stottlemeier’s discovery, a primeira história (novel) escrita por Lipman para trabalhar filosoficamente com as crianças. A descoberta de Aristóteles Maia, como foi traduzido em Portugal1, orienta-se especificamente para a aquisição de competências lógicas básicas e parte de uma história em que um grupo de crianças descobrem a conversão lógica aristotélica. Era, sem dúvida, um objetivo arrojado este de assumir que o procedimento de inverter proposições e testar os seus valores de verdade, e consequentemente a validade dos argumentos em que se inserem, seria acessível a crianças de 10 e 11 anos. Como sabemos, a conversão constitui um dos fundamentos da lógica aristotélica, pelo que a pretensão de a inserir nos currículos do ensino básico não passou despercebida. Os trabalhos de Lipman encontraram ecos no critical thinking movement a que autores como Robert Ennis e Richard Paul concederam grande visibilidade a partir dos anos 70 do século XX e que do plano filosófico se estendera ao campo da educação e da pedagogia (Daniel; Auriac, 2011, p. 420). Contudo, a proposta de Matthew Lipman e de Ann Sharp – que se junta à Filosofia para Crianças no início dos anos 70 e que, desde então, se torna sua coautora – distancia-se das perspetivas do critical thinking movement em três aspetos essenciais: apresenta-nos uma abordagem de matriz filosófica (e não estritamente pedagógica ou psicológica) do pensamento crítico; entende o pensamento crítico como parte integrante de um tripé conceptual, perspetivando-o de forma multidimensional; considera que o pensamento crítico não é uma técnica de raciocínio a desenvolver, antes um exercício aplicado, com fortes repercussões éticas. Para Lipman e Sharp, trata-se, portanto, de uma noção filosófica, multidimensional e prática. Detenhamo-nos mais um pouco em cada um destes aspetos. 1.1. Um conceito filosófico Em primeiro lugar, encontramo-nos perante uma abordagem filosófica do pensamento crítico, que podemos justificar em termos procedimentais, metafísicos e epistemológicos. Em termos procedimentais, o programa de Filosofia para Crianças assume-se como um projeto para traduzir a história da filosofia ocidental em linguagem que possa ser operacionalizada pelas crianças e cujos conceitos sejam entendidos como utensílios para que a procura de sentido que caracteriza qualquer ser humano se opere de forma articulada e fundamentada. Neste contexto, e como afirmámos, as competências lógicas de pensamento são entendidas como o pilar metodológico sobre o qual repousa o funcionamento da comunidade de investigação filosófica. 1

Tradução de Maria Luísa Abreu, publicada pela Sociedade Portuguesa de Filosofia em 1994. Página 73 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

Em termos metafísicos, os autores assumem uma abordagem da atividade filosófica enquanto deliberação crítica, importada diretamente do pragmatismo de (1929). De acordo com o pragmatismo, a filosofia é práxis ou atividade prática que consiste na procura e discussão de critérios fundamentadores (neste caso, verificados pelo grupo e não individualmente). Por isso, o que a Filosofia para Crianças procura no pensamento crítico, em termos cognitivos, já se encontra por natureza na Filosofia, entendida enquanto prática autoreflexiva desenvolvida de modo deliberado e sistematizado. Por último, em termos epistemológicos, a Filosofia para Crianças procura o designado equilíbrio reflexivo (Lipman, 2003, p. 211) a partir de pressupostos construtivistas e falibilistas e de um modelo intersubjetivo de conhecimento. A posição construtivista considera que o conhecimento não se processa de acordo com uma heurística, em que ao sujeito compete simplesmente a descoberta de um fundamento absoluto para o conhecimento, antes decorre de uma construção ativa (e inaudita) em que cada membro da comunidade é responsável pela produção do(s) sentido(s) convocado(s) pela questão em análise. Já o falibilismo epistemológico entende que o conhecimento não tem uma natureza definitiva, antes provisória, consistindo num processo sempre em revisão em que, de acordo com os contextos e o estado de desenvolvimento da investigação, determinadas ideias são validadas pelo grupo, até à construção de um melhor argumento (o que implica que o diálogo vive de teses que podem ser racionalmente verificadas, e não de ideias imutáveis). Por sua vez, o modelo intersubjetivo entende o conhecimento de acordo com uma dinâmica comunitária de interdependência, em que a coletividade é a protagonista na procura pela coordenação de visões coerentes a partir da divergência de posições (Daniel, 2007). As competências críticas do pensamento assumem-se, assim, como fundamentais neste processo contínuo e conjunto de construção do conhecimento. Em resumo, o programa de Filosofia para Crianças perspetiva o pensamento crítico como necessariamente integrado numa matriz filosófica, requerendo competências lógicas fundamentais e partindo de pressupostos metafísicos e epistemológicos estruturantes. 1.2. Um conceito multidimensional Lipman propõe uma leitura integrada, e não unidimensional, do pensamento crítico. Apesar de as competências lógicas de raciocínio se encontrarem no coração do programa de Filosofia para Crianças, nunca foram entendidas como o único veio estruturante dos programas concebidos para as crianças. A proposta destaca-se pela natureza integrada com que apresenta o pensamento crítico, entendido como um dos eixos estruturantes do que Lipman designa como pensamento multidimensional (critical, creative, caring). Deste modo, não pode ser considerado como a única dimensão relevante para promover um bom pensamento, mas configura-se como um dos critérios ou modalidades que constitui a “trindade” do pensamento (Lipman, 2003, p. 201). Página 74 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

O pensamento crítico completa-se, necessariamente, com competências da ordem do criativo e do valorativo ou de cuidado (caring). E, de acordo com Lipman e Sharp, o pensamento bom ou excelente é aquele que promove uma relação igualitária e intra-referencial, e não hierárquica, entre essas três dimensões. Ciente da projeção que o pensamento crítico ganhava nos meios educativos americanos, Lipman alerta para vários equívocos, que considerava necessário esclarecer: o pensamento crítico não pode ser reduzido a um conjunto de competências lógicas porque alia ao cognitivo as dimensões afetiva e valorativa (2003, p. 63); não se pode atribuir ao pensamento crítico a responsabilidade de melhorar a formação educativa dos alunos porque pensar bem não depende exclusivamente de competências lógicas (p. 6); nem as três modalidades do pensamento multidimensional podem ser entendidas de modo estanque enquanto tipos distintos e desligados de atividade mental, já que se implicam e interligam de forma complexa no modo como pensamos. Assim, no âmbito da Filosofia para Crianças, o pensamento crítico não pode ser tematizado de modo isolado, sob pena de se desvirtuar o que Lipman entende com a própria noção de “pensamento”, isto é, o processamento consciente da experiência prática (2003, p. 74). Vejamos porquê. 1.3. Um conceito aplicado Na Filosofia para Crianças, não basta dominar processos lógicos para que se promova o desenvolvimento do pensamento crítico, já que este não é um mero resultado ou produto técnico, antes um tipo de pensamento processualmente exercitado pela praxis da comunidade de investigação, isto é, o trabalho exploratório em torno de determinados problemas e conceitos filosóficos e a construção de argumentos articulados e fundamentados. Assim, o pensamento crítico é prático porque é aplicado (Lipman, 2003, p. 58) e, enquanto aplicado, é forma lógica com conteúdo filosófico. Em Thinking in Education, Lipman tinha como objetivo procurar explicar os insucessos que encontrava no movimento de promoção do pensamento crítico na segunda metade da década de 90, após o esmorecer do entusiasmo com que inundara os meios educativos nos anos 80. E o autor demonstra como uma abordagem simplista e unidimensional do pensamento, centrada na sua vertente formal, não podia satisfazer a missão educativa das escolas, nem respeitar o ser humano na sua integralidade. O pensamento enquanto processamento consciente da experiência prática, como Lipman o define, aplica-se necessariamente a problemas reais e concretos que preocupam os membros da comunidade de investigação. É neste contexto que Lipman descreve o pensamento crítico como uma forma hábil ou competente (skillful) de reflexão, que contribui para que as crianças lidem de forma segura e criteriosa com o sentido das suas experiências (dentro e fora dos limites da sala de aula), sobretudo com aquilo Página 75 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

que, nessas experiências, as intriga e confunde. Assim, o pensamento crítico constitui um critério fundamental que permite construir juízos válidos porque: 1) se baseia em critérios para avaliar as afirmações feitas pelo grupo; 2) é autocorretivo, de modo a promover uma procura ativa e atuante pelos erros de cada membro; 3) é sensível ao contexto, mostrando como diferentes situações exigem aplicações distintas das regras e dos princípios válidos (Lipman, 1988). Mas a natureza prática do pensamento crítico é mais do que a sua dimensão aplicada, apontando ainda para uma práxis ética. Para Lipman, o pensamento produzido de modo crítico engloba, mas estende-se para além da construção cuidada de um juízo logicamente são: nas palavras do autor, trata-se de uma forma de facilitar good judgments (2003, p. 211). Neste ponto, consideramos fundamental determo-nos no vocábulo inglês “judgment” que, para além do sentido discursivo de produção de um juízo lógico, significa igualmente a formação de uma opinião própria, temperada com posicionamento crítico e bom senso ético. O good judgment é uma determinação ou decisão que se pode traduzir num ato discursivo (mental e ou de fala) ou numa ação propriamente dita. Esta “boa decisão” implica, então, uma deliberação cognitiva prévia, temperada pelo juízo crítico e pelo pensamento criativo, e uma consequente materialização da mesma em termos axiológicos ou valorativos (o caring thinking). Neste contexto, o pensamento crítico é, então, um pensamento prático ou aplicado uma vez que só se concretiza plenamente quando o juízo cognitivamente produzido se torna guia para uma efetiva ação transformadora, isto é, quando ocorre uma mudança real no comportamento dos indivíduos. Sendo mais um processo do que um resultado, na verdade Lipman não prescinde dos produtos desta modalidade de pensamento que, no seu entender, se cifram quando algo é pensado, dito ou feito de acordo com uma interpretação ou produção crítica de sentido e, em consequência, com uma tradução ou preservação desse sentido numa práxis transformadora. Quando a comunidade de investigação consegue uma interpretação e uma tradução críticas do pensamento em ação, promove uma atitude responsável, isto é, o espírito crítico que se exerce em pensamento, discurso e ação processa-se num quadro de compromisso e envolvimento da comunidade de investigação com os procedimentos, bem como com a matéria filosófica do diálogo deliberativamente produzido. A coresponsabilização pelo conhecimento produzido traduz-se na internalização dos procedimentos daí decorrentes e na sua transposição para a esfera da ação. É este o pleno significado da natureza filosófica, integrada e prática da conceção do pensamento crítico tal como a encontramos na Filosofia para Crianças de Lipman e Sharp. .2. Do domínio cognitivo ao plano ético Feita esta incursão pelos pressupostos e pela matriz filosófica do conceito de pensamento crítico

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de acordo com a Filosofia para Crianças, e tendo-se compreendido a importante articulação entre o pensamento e a ação aí desenvolvida, a questão impõe-se agora com maior acuidade: o que significa ser eticamente crítico? Já vimos como o pensamento crítico, tal como Lipman e Sharp o concebem, é mais do que um instrumento de retórica competitiva (Daniel, 2007) para o melhoramento do desempenho dos alunos, procurando o desenvolvimento global da pessoa. Nesse contexto, a noção de boa decisão (good judgment) estende a sua semântica à práxis ética. Lipman oferece-nos dois critérios para a classificação de uma decisão como boa: em termos formais, deve respeitar os procedimentos lógicos da investigação filosófica da comunidade; em termos materiais ou substantivos, uma decisão é boa se, a médio e longo prazo, assume um papel modelador de experiências futuras: “They are judgments we can live with, the kind that enrich the lives we have yet to live.” (Lipman, 2003, p. 23). É a este segundo critério que o autor concede maior peso, o que evidencia que uma valorização estritamente pedagógica da Filosofia para Crianças, enquanto utensílio ou metodologia para aprendizagens escolares, negligencia o seu papel na formação dos alunos enquanto pessoas e cidadãos. As boas decisões promovidas pela Filosofia para Crianças entendem-se enquanto expressões caracterizadoras da identidade do indivíduo, isto é, da sua personalidade ou caráter ético (Lipman, 2003, p. 202). De facto, na Filosofia para Crianças, a comunidade de investigação filosófica não é um modelo pedagógico confinado à sala de aula, sendo entendida enquanto experiência de ética prática e, sobretudo, enquanto forma de vida (Splitter; Sharp, 1995, p. 176). Significa que não pode ser entendida como um mero laboratório ou ensaio da vida real, antes como um exercício integrado no quotidiano dos seus participantes, não enquanto alunos, mas enquanto seres humanos. Importa, por isso, recuperando a questão orientadora da nossa reflexão, centrarmo-nos no enriquecimento ético proporcionado pelo exercício crítico, criativo e valorativo do pensamento e da ação, tal como proposto na Filosofia para Crianças. Neste âmbito, é necessário articular o significado da “boa decisão” com um outro conceito estruturante a que Lipman e Sharp se reportam com frequência: a noção de reasonableness. 2.1. Pensamento crítico e razoabilidade A operacionalização da dimensão crítica do projeto de Filosofia para Crianças decorre da confluência entre a boa decisão (good judgment) e a ideia de reasonableness. Todavia, tratando-se de um conceito de uma riqueza semântica extrema, que alberga diversos níveis de sentido (do cognitivo ao ético), é importante explorar o seu significado. Lipman e Sharp referem-se ao reasonable por contraponto com o rational (Lipman, 2003, p. Página 77 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

21), na linha da tradição ética anglosaxónica que, para se referir à conduta humana, considera necessário substituir um modelo de raciocínio científico dedutivo, baseado no rigor e na precisão de regras formuladas e aplicadas de forma rígida e inflexível, pelo modelo de razoabilidade (Sibley, 1953). O razoável ou, de acordo com as traduções espanholas, o sensato (Garcia-Moryión, 1998), configura-se como uma das ideias reguladoras (Lipman, 2008, p. 117) da comunidade de investigação filosófica, sendo também designada na Filosofia para Crianças como a sua pedra angular (Splitter; Sharp, 1995, p. 6). É que as narrativas que Lipman e Sharp conceberam para trabalhar com as crianças visavam suprir uma lacuna que os autores encontravam na literatura infantil: oferecer às crianças o modelo do que entendiam ser a reasonable child2. Assim, nas histórias que compõem os vários programas curriculares de Filosofia para Crianças, encontramos personagens infantis – e os autores asseguram-se que em nenhum dos 11 livros o leitor se encontre a sós com personagens adultas – cuja principal característica reside no modo como lidam com questões e problemas do seu quotidiano. Modelando o modo de investigação filosófica que se pretende que as crianças adquiram após a exploração filosófica do texto, as histórias de Lipman e Sharp apresentam-nos personagens que questionam, procuram sentidos, desconstroem conceitos, recriam-nos mediante uma atitude exploratória e autocorretiva, descobrem suposições escondidas nos seus discursos, fundamentam pressupostos considerados válidos, ou seja, descobrem em conjunto que a melhor forma de lidar com qualquer questão que as perturbe será mediante um modo crítico de pensar e de agir. E uma vez que estas histórias pretendem ser apenas estímulos para o pensar e guias para o agir, isto é, alvos de escutas ativas, Lipman e Sharp procuram modelar nos seus leitores crianças razoáveis que produzam decisões razoáveis. A razoabilidade aqui terá de ser entendida no pleno sentido que o vocábulo transporta na língua portuguesa: razoável é o sensato, no sentido do que é adequado ou justo (de justiça, mas também de justeza ou adequação); é o que se apresenta como apropriado ou conveniente, evidenciando uma criatividade na sua adequação ao contexto (criativo); é o que foi formalmente ponderado ou analisado, estando fundamentado criticamente (crítico); e, finalmente, é o que se torna aceitável pelo outro e pela comunidade, numa dinâmica de preocupação e valorização da alteridade (caring). A razoabilidade não é, portanto, a pura racionalidade, mas a racionalidade temperada pela boa decisão (good judgment) (Lipman, 2003, p. 11). A criança razoável que as histórias de Lipman e Sharp visam modelar é, então, aquela que, fazendo parte de um grupo, estende os procedimentos cognitivos da comunidade de investigação ao seu próprio carácter, já que crítico não é apenas um pensamento orientado por regras e critérios da lógica formal, mas também uma conduta que promova o outro enquanto elemento fundamental para a prática autocorretiva dos procedimentos. Respeitar o outro é, aqui, mais do 2

http://www.youtube.com/watch?v=LakVtFnjtZA (acedido a 6 de julho de 2013)

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que permitir que ele exponha as suas ideias e tolerá-las, no sentido fraco de tolerância (Marcuse, 1965), significando antes tomar em consideração essas perspetivas ao ponto de permitir que elas sejam decisivas na construção de futuras decisões. Neste sentido, uma criança tornar-se-á razoável mediante um exercício de investigação filosófica contínuo, autocorretivo e não linear. É o que podemos encontrar na história lipmaniana da Pimpa (Pixie, no original). Pimpa é uma criança com aproximadamente 8 anos que vai contando auto-reflexivamente ao leitor o processo de transformação ética pelo qual vão passando as relações que mantém consigo própria, com os acontecimentos que não consegue dominar e, sobretudo, com os outros (Glaser, 1996). De uma perspetiva egoísta e egocentrada sobre a realidade, Pimpa vai tomando consciência do valor irredutível dos outros enquanto pessoas e do impacto que essa descoberta deve ter sobre a sua própria conduta: se são pessoas, os outros são sujeitos de experiência por direito próprio, tal como eu, e as minhas decisões devem integrar e contar com o valor absoluto que eles detêm. Pimpa aprende, então, a lidar com os contextos que a envolvem na procura pelo sentido do apropriado para cada situação e torna-se progressivamente mais crítica a atribuir prioridades e a determinar o que deve contar nas suas tomadas de decisão. A razoabilidade que a Filosofia para Crianças pretende atingir envolve uma consciência do eu como um todo multidimensional e integrado socialmente. A razoabilidade assume, então, a racionalidade formal crítica, mas estende-se para além dela, enquanto ideal ético: a razão temperada pela boa decisão. Desta exposição, concluímos que tornarmo-nos membros de comunidades de investigação filosóficas mais razoáveis é, sobretudo, tornarmo-nos eticamente críticos, sendo esta a melhor tradução que encontramos para o sentido íntimo da noção de reasonableness presente na Filosofia para Crianças. É que, nas palavras de Lipman, o alvo do pensamento crítico deve ser precisamente a razoabilidade (Lipman, 2003, p. 238). O pensamento crítico situa-se, assim, na rota de uma práxis que se compromete com os procedimentos da investigação filosófica, isto é, a falibilidade, o exercício autocorretivo, a sensibilidade aos contextos e a equidade que respeita os direitos do outro como se fossem seus. Com esta caracterização do pensamento crítico, Lipman transporta-nos de novo para a necessidade de reforçar o caráter multidimensional do pensamento. Mais: chama a atenção para a natureza multidimensional do próprio pensamento crítico, que não sobrevive fora de uma coresponsabilização valorativa e cuidada pelo outro, pela comunidade e, sobretudo, pelos produtos da investigação filosófica do grupo, enquanto modeladores de experiências futuras. Na Filosofia para Crianças não se concebem indivíduos razoáveis que promovam decisões razoáveis (reasonable judgments) fora de uma comunidade de investigação estruturada de modo razoável. Daí que uma atitude cognitiva e eticamente crítica não se possa coadunar com exercícios puramente formais de retórica, em que os participantes treinem uma capacidade de Página 79 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

argumentação desligada de compromissos éticos reais. Para além disso, para que seja eficaz, esta prática dificilmente poderá ser desenvolvida em sessões esporádicas e pontuais do diálogo e da investigação porque exige um amadurecimento continuado de um mesmo grupo de pessoas (as crianças, bem como o professor enquanto facilitador) no exercício filosófico. E, por último, a capacidade de pensar por si mesma que a criança adquire na comunidade de investigação filosófica torna-se incompleta se for entendida em termos individuais, já que é pela pertença ao grupo que a autorregulação e o polimento das ideias e das decisões têm lugar. Ser eticamente crítico ou razoável é, então, deixar-se temperar pelo outro naquilo que a comunidade considerar necessário e válido, num percurso que não é linearmente construído, antes se pauta por avanços e retrocessos. A razoabilidade é o critério final do diálogo e da ação críticos, criativos e valorativos, a ideia reguladora para a qual deve apelar um pensamento filosófico verdadeiramente comprometido. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Daniel, M. F. (2007) Epistemologial and Educational Presuppositions of P4C: from Critical Dialogue to Dialogical Critical Thinking. Gifted Education International, 22 (2-3), 135- 147. Daniel, M. F, & Auriac, E. (2011). Philosophy, Critical thinking and Philosophy for Children. Educational Philosophy and Theory, 43 (5), 415-435. Dewey, J. (1929). Experience and Nature. New York: W. W. Norton & Company. Garcia-Moryión, F. (1998) (Coord). Crescimiento moral y filosofía para niños. Madrid: Desclée de Brouwer. Glaser, J. (1996). Is Pixie reasonable? Social and ethical themes in Pixie. Reed, Lipman, M. (2008). A life teaching thinking. Montclair: Institute for the Advancement of Philosophy for Children. Lipman, M. (1988). Critical Thinking – what can it be?. Educational Leadership, 46 (1), 38-43. Lipman, M. (2003). Thinking in Education. Cambridge: Cambridge University Press. Lipman, M., & F. García Moriyón (2001). Matthew Lipman: una biografía intelectual. Revista Haser. Revista Internacional de Filosofia Aplicada, 2, 177-200. Sibley, W. H. (1953). The rational and the reasonable. Philosophical Review, 62 (4), 554-560. Splitter, L., & Sharp, A. (1995). Teaching for better thinking. The classroom community of inquiry. Melbourne: Acer.

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Marcuse, H., (1965). Repressive tolerance. A critique of pure tolerance. Boston: Beacon Press Edition, 95-137. Reed, R., & Ann M. Sharp (Eds). Studies in Philosophy for Children. Pixie. Madrid: Ediciones de la Torre.

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7.FILOSOFIA PARA CRIANÇAS, CRIATIVIDADE E MEIA DÚZIA DE CHAPÉUS ÀS CORES – UM CASO DE APLICAÇÃO DA TÉCNICA DE EDWARD DE BONO EM OFICINAS DE FILOSOFIA PARA CRIANÇAS Joana Rita Sousa | [email protected]

Universidade Católica Portuguesa de Lisboa, CEFi – Centro de Estudos de Filosofia

Resumo Edward de Bono concebeu a técnica seis chapéus do pensamento para que pudesse ser utilizada no âmbito educacional. A dada altura da nossa investigação e prática no âmbito da filosofia para crianças, aquela técnica surgiu-nos como o «jogo» ideal para servir de base ao «treino dos músculos» dos pensamentos crítico e criativo, durante as nossas oficinas de filosofia para crianças. Nesta área, promove-se a prática de competências ao nível do pensamento crítico, criativo e ético. A proposta de Edward de Bono tem-se revelado uma ferramenta bastante útil. Nesta comunicação pretendemos dar conta de alguns exemplos de aplicação da técnica dos seis chapéus no seio das oficinas de filosofia para crianças que temos vindo a desenvolver desde 2008, um pouco por todo o país. Gostaríamos de destacar um dos nossos projectos de continuidade: PhiloTKD. Palavras-Chave: Pensamento Crítico, Pensamento Criativo, Pensamento Lateral, Filosofia para Crianças, Seis chapéus do pensamento

Abstract Edward de Bono conceived the Six Thinking Hats technique so that it could be used for educational purposes. At a given time of our research and practice such technique appeared to be the ideal “game” to be used as a starting point for training both creative and critical thought during our philosophy for children workshops. In this area, we promote the practice of skills at the levels of ethic, creative and critical thinking. Therefore,

Edward

de

Bono’s

technique

has

been

an

extremely

useful

tool.

In this paper we intend to show a few examples of the practical use of the Six Thinking Hats technique we have been using within philosophy for children workshops throughout the country, since 2008. We would like to emphasize one of our continuity projects: PhiloTKD. Keywords: Critical Thinking, Creative Thinking, Lateral Thinking, Philosophy for Children, Six thinking hats

INTRODUÇÃO Edward de Bono é um mestre que defende a simplicidade; (também) por isso as suas técnicas ganham o nome de coisas que fazem parte do nosso dia-a-dia: as seis medalhas do valor, os seis sapatos da acção e os seis chapéus do pensamentos (entre outros). Aquele que é considerado Página 83 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

o pai do pensamento lateral, actualmente com 80 anos de idade, deu a conhecer ao mundo – académico e empresarial – um conjunto de ferramentas que procuram ultrapassar aquela que é a principal dificuldade do pensar: a confusão. «Tentamos fazer demasiadas coisas de uma só vez.», alerta o autor (Bono, Ensine os seus filhos a pensar, 2003) . E que atire a primeira pedra quem nunca experimentou esta sensação na primeira pessoa. O psicólogo da Universidade de Oxford, que se tornou uma referência no pensamento criativo, desenvolveu a técnica dos chapéus de pensamento com o intuito de permitir a exploração de diferentes perspectivas para uma dada situação. Usando um determinado chapéu, o interlocutor «joga» num sistema de papéis. Os chapéus são orientadores do pensamento e, fazendo uso da técnica, cada um de nós se predispõe a olhar num determinado sentido, de acordo com o chapéu que utiliza. Em 2008 criámos o projecto que na altura recebeu o nome de Filosofia para Crianças, Criatividade e Meia Dúzia de Chapéus às Cores e que actualmente vê o nome reduzido a filocriatiVIDAde | filosofia e criatividade. Ainda que o nome tenha sido encurtado, os objectivos não conheceram qualquer tipo de redução; pelo contrário, cada vez mais a nossa investigação e prática confirma a intuição primeira que nos levou a combinar metodologias de filosofia para crianças e técnicas como as de Edward de Bono nas nossas propostas de trabalho com as crianças e jovens – e até mesmo com adultos. Neste artigo propomo-nos a dar a conhecer a técnica dos seis chapéus do pensamento, através de exemplos práticos que temos oportunidade de desenvolver junto de alunos de Taekwondo. Começaremos por falar da técnica, ilustrando as suas mais valias com casos práticos e sublinhando aproximações com a filosofia para crianças; desta forma, justificamos as nossas opções metodológicas nesta área da formação. 1.1. Os seis chapéus do pensamento | six thinking hats® A técnica é simples – nunca é demais repetir o apreço de Bono pela simplicidade: «Simplicity is even more important as a permanent habit of mind – as a style of thinking. (…) Simplicity before understanding is simplistic; simplicity after understanding is simple.» (Bono, Simplicity, 1998) Existem seis chapéus, cada um com a sua cor e significado. E porquê os seis chapéus para uma técnica e exercícios relacionados com o pensamento? Porque o pensar se associa à cabeça e é a cabeça que usa o chapéu. Cada chapéu representa uma linha de pensamento: desta forma, “obriga-nos” a fazer uma coisa de cada vez, evitando a confusão. O pensador torna-se num maestro capaz de reger a sua orquestra, de forma simples e prática. (Bono, Os Seis Chapéus do Pensamento, 2005) Relativamente à técnica e aos chapéus: o que significa cada um deles? (Bono, Os Seis Chapéus

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do Pensamento, 2005) - Chapéu Azul - tem como principal característica o facto de permitir o pensamento sobre o pensamento. Define os objectivos do que se quer alcançar e estrutura o curso do processo de pensamento. - Chapéu Branco - apresenta um papel neutro, não sendo utilizado para gerar ideias, mas sim para relatar e enquadrar ideias que estão a ser sugeridas e usadas. Procura a informação. Baseia-se em dados e factos objectivos. - Chapéu Vermelho - baseia-se nos sentimentos e das emoções das pessoas. Permite que cada um expresse aquilo que sente, aquilo com o qual se emociona ou aquilo em que consiste a sua intuição do momento, sem que tenha de se justificar por isso. - Chapéu Amarelo - é o chapéu que permite ao pensador encontrar deliberadamente os benefícios e as vantagens de uma dada situação, adquirindo uma visão positiva da realidade, bem como um pensamento construtivo sobre as coisas. - Chapéu Preto - relaciona-se com a noção da cautela e da sobrevivência individual (ou de uma empresa, por exemplo). Procura analisar todos os possíveis erros, riscos inerentes, obstáculos, conclusões, percebendo a lógica associada e a sua validade. - Chapéu Verde - este chapéu encontra-se associado à criatividade, à inovação, a novas ideias. Permite procurar e desenvolver alternativas e possibilidades não exploradas. 1.2. PhiloTKD: filosofia e Taekwondo O projecto PhiloTKD surge em 2008, através do convite dos instrutores de Taekwondo Alexandre Lopes e Sara Prisal que assumem, actualmente, a direcção da Escola Taekwondo Rodafits. Em 2008, eram os responsáveis pela Escola de Taekwondo do Casal Novo. A ideia inicial consistia em proporcionar aos alunos da arte marcial coreana uma oficina de filosofia e criatividade. A iniciativa colheu sucesso por parte dos alunos e acabou por assumir uma presença regular no plano de treinos da Escola. As oficinas de filosofia passaram a ser integradas no plano das aulas de Taekwondo. Em pouco tempo, a Filosofia tornou-se numa actividade que faz parte dos treinos destes alunos; a nossa estratégia consistiu em «conquistar» estes alunos para o «treino do pensar», apresentando exercícios práticos simples e com uma dose de diversão de forma a desmistificar o sentido da palavra Filosofia. Curiosamente, em 2010, os pais acabaram por sugerir que eles próprios fizessem parte das actividades, solicitando aos instrutores e formadora que se organizassem uma oficina em que pudessem participar activamente no diálogo, nos exercícios, de forma a compreender melhor o que era, por um lado, a filosofia para as crianças e a sua aplicação prática, e por outro, como seria

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possível treinar a criatividade com os seus próprios filhos. Durante a última época desportiva, todas as oficinas realizadas com os alunos PhiloTKD são abertas aos pais (ou irmão mais velho, avós, tios) e o feedback que recebemos é extremamente positivo. 1.2.1. Seis chapéus, um código Os seis chapéus acabaram por funcionar como um código que nos permitiu – formadora e alunos - identificar em que posição se encontra a pessoa com quem estamos a interagir. Uma das características do Taekwondo é que a própria arte marcial funciona, também, com um código específico: o estado de evolução dos alunos no seio da arte marcial é indicada por cintos com cores diferentes. A técnica dos seis chapéus foi-lhes apresentada da seguinte forma: - perguntámos aos alunos o que é que cada uma das cores dos seis chapéus lhes comunicava, procurando palavras que se aproximassem, de alguma forma, ao significado da linha de pensamento por detrás da cor; - escolhemos palavras chave para ilustrar cada um dos chapéus e registámos essas palavras em seis folhas com cores diferentes; estas palavras chave acompanharam, desde então, toda e qualquer oficina de filosofia e criatividade – cf. imagem 1. - uma vez que o espaço do ginásio permite trabalhar sem limites de espaço, construímos este trabalho no chão, de forma a ser visualmente integrado por cada um dos alunos. Imagem 1 - oficina de filosofia e criatividade (Abril de 2009) - fotografia de Marco A. Pires

A técnica dos seis chapéus do pensamento permite que eu use o mesmo chapéu do outro e assim torne mais fácil e acessível o processo comunicativo. Com as crianças torna-se divertida a utilização da técnica (e dos próprios chapéus) e facilmente interiorizam as cores e os significados. O facto de lhes serem disponibilizados chapéus coloridos que podem efectivamente usar, torna a técnica ainda mais acessível e efectivamente palpável. Visualmente, permite um acompanhamento mais empático entre os interlocutores.

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1.2.2. Aplicação dos seis chapéus do pensamento: exercícios Nas nossas sessões de filosofia para crianças (integrem estas ou não, de forma evidente, a técnica dos seis chapéus do pensamento) temos por hábito recorrer ao uso de imagens para servirem de base ao trabalho do pensamento. É comum utilizar fotografias, normalmente cedidas por amigos que se dedicam aos mais variados estilos de fotografia. Uma vez apreendida a técnica dos seis chapéus do pensamento há que saber usar o chapéu verde, da criatividade, para surpreender os alunos com os exercícios propostos – cf. imagem 2. Imagem 2 - exercício com os seis chapéus do pensamento (Maio de 2010) - fotografia de João Paca

Passamos a descrever alguns exercícios que implicam a aplicação da técnica: 1) perante um conjunto de fotografias previamente seleccionado pelo formador, os alunos são convidados a identificar a linha de pensamento mais forte, na imagem. Por exemplo, uma fotografia da formadora, de uma das oficinas de filosofia foi caracterizada pelo chapéu azul, porque a “a Joana é que organiza as aulas e nos diz as tarefas a cumprir; ela usa quase sempre o chapéu azul, na aula”. Neste exercício pretende-se que todo o grupo reflicta sobre os seis chapéus do pensamento e que encontre, pelo menos uma imagem para cor – daí a importância da escolha prévia das fotografias. 2) o grupo é dividido em seis grupos, ficando cada um deles com uma cor do chapéu através da qual deverá olhar a imagem e descrever a mesma. Por exemplo, o grupo do chapéu preto deverá procurar aspectos negativos; o grupo do chapéu verde terá que assinalar se a fotografia é ou não criativa – e, ainda que a criatividade, na perspectiva de Bono, seja um convite ao absurdo, o grupo é convidado a justificar a sua opinião. 3) poder-se-á escolher um par de chapéus para a reflexão: por exemplo, os chapéus amarelo e preto. Em vésperas de competição, os alunos do Taekwondo foram convidados a reflectir sobre os aspectos positivos e os aspectos negativos da sua prestação como atletas, de forma a prepararse para um determinado torneio. Desta forma, tomaram consciência dos seus pontos fortes e Página 87 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

dos seus pontos fracos, reflectindo sobre a melhor forma de lidar com estes. Os seus objectivos eram, por um lado, evitar o excesso de confiança e, por outro, considerar formas alternativas para superar os pontos fracos. Perante a questão das alternativas, surgiu, inevitavelmente, um momento de chapéu verde – um momento de pensamento criativo. Para nós, e tendo em conta a nossa formação e prática na área da filosofia para crianças que nos permitiu o contacto com as metodologias de Matthew Lippman e Óscar Brenifier (entre outros), é fundamental que a palavra porquê faça parte dos vários momentos do diálogo. A filosofia para crianças surge pelas mãos de Matthew Lipman e o objectivo desta metodologia é promover as competências do pensamento crítico, criativo e cuidativo. Serve, sobretudo, para promover a pergunta, para desvendar a magia do porquê, de querer saber porque é que as coisas são assim. (Lippman, 2000) (Brenifier, 2002) 1.2.3. Os princípios filosóficos do Taekwondo A arte marcial praticada pelos alunos, Taekwondo, apresenta cinco princípios pelos quais aqueles deverão nortear a sua acção dentro e fora dos momentos de treino. «O praticante deve procurar observar os princípios do Taekwondo e a sua correcta utilização na sua vida do dia a dia». (Sousa, Pereira, Lopes, & Machado, 2003). Os princípios são os seguintes: cortesia, integridade, perseverança, auto-domínio e espírito indomável. O conhecimento destes princípios faz parte da iniciação da criança ou adulto na arte marcial, mas nem sempre o seu sentido é facilmente apreendido. Para os iniciantes estas palavras surgem como conceitos complexos e que precisam ser desmontados para que se perceba a sua implicação na prática da arte marcial, e a consequente importante para o dia a dia. Até os próprios instrutores admitem a dificuldade em traduzir de forma simples o que a perseverança significa, no âmbito do Taekwondo. Numa das oficinas de filosofia e criatividade, que teve lugar em Dezembro de 2009, colocou-se na “mesa de trabalho” os princípios filosóficos do Taekwondo. “Alguém sabe quais são?” – e essa pergunta teve uma resposta fácil e até rápida. Quando passámos a perguntas como “mas o que é a perseverança?” – aí surgiram dúvidas. Naturalmente, pedimos que os alunos explicassem através de exemplos do treino ou do dia a dia. Esses exemplos foram justificados, de forma a permitir uma ideia cada vez mais clara e distinta, à boa maneira cartesiana, do conceito em discussão. Recorremos à explicação relacionada com a arte marcial: «O praticante deve, a todo o momento, ser capaz de dizer “vou conseguir mais”, superando as suas limitações e dificuldades. Nunca deve desistir perante os obstáculos, encarando cada dificuldade como uma nova oportunidade de dar o melhor que existe em si. Apenas deste modo conseguirá evoluir.» (Sousa, Pereira, Lopes, & Machado, 2003)

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Dialogámos em grupo até chegarmos a uma ideia sobre cada um dos princípios: perseverança, integridade, espírito indomável, auto domínio e a cortesia. Facilmente nos apercebemos, em grupo, que estas palavras não apresentam um sentido evidente ou imediato para todos ainda que possamos repeti-las ou ouvi-las pela boca dos instrutores, no âmbito do treino. O objectivo desta oficina foi o de transformar o significado destes princípios em exemplos concretos do dia-a-dia (dentro e fora do espaço de treino). Aproveitando o espaço imenso do ginásio, construímos, no chão, um mapa desses mesmos princípios e dos exemplos apresentados pelos alunos – cf. imagem 1. Imagem 3 - o resultado final do trabalho de reflexão sobre os princípios filosóficos do Taekwondo

O grupo, com vinte alunos, foi dividido em grupos de cinco, para que cada um pudesse pegar num dos princípios e recorrendo aos exemplos que haviam sido apresentados, ilustrar esse princípio através de um desenho – um momento chapéu verde, por excelência, em que as crianças puderam dar asas à imaginação e aos lápis de cor e canetas de feltro para colorir uma ideia. No final da actividade, cada grupo foi convidado a realizar outro exercício: o de explicar o sentido do princípio filosófico através da sua ilustração, justificando a sua escolha. Terminada a aula, os pais que iam chegando, foram também convidados a observar o trabalho exposto no chão e a ouvir as explicações dos seus filhos. Considerações finais Durante a última época desportiva (2012/2013), desenvolvemos trabalho com um grupo cujas idades se encontram entre os 5 e os 15 anos. Por norma, as oficinas têm uma duração aproximada de hora e meia – por vezes menos, apenas uma hora. Página 89 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

O grupo não apresenta um número fixo de alunos: durante a época desportiva há novas inscrições de alunos e há outros que abandonam – estes últimos casos são algo raros. Ainda assim, existe uma espécie de núcleo que já acompanha as oficinas desde o seu início, 2008, que se torna num apoio precioso para explicar a quem ouve falar na técnica pela primeira vez do que falamos ao invocar os seis chapéus do pensamento. Recordamos uma das aulas em que o grupo se revelou praticamente 100% autónomo no desempenho das tarefas: uma vez apresentado o exercício, o tempo de duração e o objectivo (um momento tipicamente chapéu azul, conduzido pela formadora); o grupo organizou-se em pequenos grupos, redefiniu as tarefas e acabou por ser o responsável, até, na gestão do tempo. No final levámos a cabo um diálogo sobre a sua própria actuação, de forma a fazer com que tomassem consciência de que tinham assumido, quase naturalmente, uma postura de auto-gestão e de controlo sobre cada um dos passos do exercício. Este trabalho de continuidade, PhiloTKD, tem-nos permitido colocar em prática as metodologoas da filosofia para crianças, bem como as técnicas de criatividade, nomeadamente os seis chapéus do pensamento, que foram o alvo de apresentação no presente artigo. O nosso projecto de filosofia para crianças, denominado filocriatiVIDAde | filosofia e criatividade nasceu, em parte, devido à possibilidade de trabalho com os alunos dos instrutores Sara Prisal e Alexandre Lopes. O projecto apresenta um carácter sobretudo itinerante e o PhiloTKD é um dos casos em que podemos experienciar a continuidade e avaliar os efeitos da mesma na evolução do pensamento dos alunos. Para a formadora a continuidade traduz-se, igualmente, no desafio constante de surpreender (chapéu vermelho) os alunos com novas propostas de trabalho (chapéus azul e verde) que lhes permitam colocar em prática o que têm vindo a aprender (chapéu branco), aprofundando as suas competências, reforçando aspectos positivos (chapéu amarelo) e superando os negativos (chapéu preto). Consideramos que a Filosofia para Crianças consiste numa prática de competências do pensar. Costumamos usar precisamente a imagem do ginásio: durante as oficinas de filosofia e criatividade temos oportunidade de treinar os músculos do pensamento, questionando, reflectindo em grupo e assumindo posições. O motivo desse «treino» pode ser um texto, uma imagem ou fotografia (como explicámos neste artigo), um exercício de pensamento crítico ou criativo; os recursos podem ser diversos, pois o importante é o processo de pensamento que ocorre em grupo. Mais do que angariar resultados no final das oficinas (um desenho e uma frase, por ex.) o que nos interessa enquanto investigadores e praticantes destas metodologias é observar o modo como as crianças descobrem que «trabalhar com a mente é divertido». Dado que o pensar é algo que nos é intrínseco, defendemos que estes «trabalhos do pensar» permitem uma agilidade e destreza na aprendizagem de qualquer outra disciplina; pois em todas elas utilizamos a capacidade de pensar. A questão é que nem sempre tomamos consciência disso, de que estamos a reflectir criticamente sobre algo ou até mesmo a criar uma alternativa

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perante uma resolução de problemas, por exemplo. Conceptualizar, problematizar, criar, ouvir o outro, ter a capacidade de esperar pela sua vez, tomar decisão, mudar de ideia – a filosofia para crianças pode proporcionar isso mesmo. E, voltamos a sublinhar, estas competências não são únicas e exclusivas da Filosofia; são transversais aos vários domínios do ser humano. O projecto filocriatiVIDAde | Filosofia e Criatividade procura colocar em prática o educar para e com alternativas: por um lado, estimulamos o pensamento crítico como alternativa criativa ao pensar automatizado do dia a dia, por outro lado, o pensamento criativo como alternativa crítica a esse mesmo pensar automatizado, onde a palavra porquê não cabe ou parece não fazer sentido. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Bono, E. d. (1998). Simplicity. Londres: Penguin Books. Bono, E. d. (2003). Ensine os seus filhos a pensar. Cascais: Pergaminho. Bono, E. d. (2005). Os Seis Chapéus do Pensamento. Cascais: Pergaminho. Brenifier, Ó. (2002). Enseigner par le debát. CRDP de Bretagne. Lippman, M. (2000). A filosofia vai à escola. São Paulo: Nova Alexandria. Sousa, J., Pereira, H., Lopes, H., & Machado, J. (2003). Formando Praticantes de Taekwondo. Seixal.

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8.NO JARDIM DE INFÂNCIA E NA ESCOLA DO 1.º CICLO DO ENSINO BÁSICO: PRÁTICAS PEDAGÓGICAS QUE CONTRIBUEM PARA CONSTRUIR O PENSAMENTO CRÍTICO Amélia de Jesus G. Marchão | [email protected]

Núcleo de Estudos para a Intervenção Social, Educação e Saúde, Coordenação Interdisciplinar para a Investigação e Inovação, Instituto Politécnico de Portalegre

Gabriela Portugal | [email protected] Universidade de Aveiro, Departamento de Educação, CIDTFF

Resumo Nesta comunicação apresenta-se um estudo desenvolvido em três salas de jardim de infância e em três salas do 1.º ciclo do ensino básico que teve como objetivo desocultar as práticas pedagógicas das educadoras de infância e das professoras do 1.º ciclo, visando explorar o quadro pedagógico e de intervenção destas profissionais na gestão do currículo e nas experiências de aprendizagem a desenvolver pelas crianças. Procurou-se identificar as principais estratégias, atitudes, oportunidades e estilos do adulto que promovem a utilização do pensamento cada vez mais elaborado pelas crianças e que lhes permitem a construção do seu pensamento crítico. Palavras-chave: Educação Pré-escolar; 1.º Ciclo do Ensino Básico; gestão do currículo; pensamento crítico; oportunidades para construir o pensamento crítico; estilo das educadoras de infância e das professoras do 1.º Ciclo; práticas pedagógicas.

Summary This communication presents a study carried out in three kindergarten rooms and three classrooms of the1st cycle of the Basic Education, which aimed to uncover the pedagogical practices of the kindergarten educators and teachers of the 1st cycle. With that uncovering we aim to explore the pedagogical and of intervention frame of the professionals in the curriculum management and in the learning experiences to be developed by the children, highlighting the main strategies, attitudes, opportunities and adult styles which promote the use of thought, increasingly elaborate by the children and that allow in them the built of their critical thinking. Keywords: Pre-school education; first cycle of the Basic Education; curriculum management; critical thinking; opportunities to build the critical thinking; style of the kindergarten educators and of the first cycle teachers; pedagogical practices.

INTRODUÇÃO Apresenta-se um estudo desenvolvido em três salas de jardim de infância e em três salas do 1.º ciclo do ensino básico em que tivemos como objetivo desocultar as práticas pedagógicas

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das educadoras de infância e das professoras do 1.º ciclo, pela identificação e discussão dos processos de construção e gestão curricular e dos estilos das educadoras e das professoras na promoção de oportunidades para a construção do pensamento crítico das crianças que frequentam a educação pré-escolar e o 1.º ciclo do Ensino Básico. As salas estudadas, situadas nas proximidades da cidade de Portalegre, incluíam crianças entre os três e os cinco anos, no caso dos jardins de infância, e crianças de diferentes anos de escolaridade, no caso do 1.º ciclo. O número de crianças das salas do jardim de infância variava entre 11, 12 e 17; nas salas do 1.º ciclo, o número de crianças variava entre 15 e 17 (duas salas). Na condução do trabalho de investigação desenvolvido, apoiámo-nos nas conceções de currículo à data vigentes em Portugal (orientações curriculares para a educação pré-escolar e currículo nacional do ensino básico), nas conceções de desenvolvimento curricular (com ênfase nos modelos de ensino adequados à educação pré-escolar e ao 1.º ciclo do ensino básico) e nas principais conceções sobre a aprendizagem, particularmente as que preconizam a construção do pensamento crítico. Também nos serviram de conduta os perfis profissionais das(os) educadoras(es) de infância e das(os) professoras(es) do ensino básico. CONTORNOS METODOLÓGICOS E PRINCIPAIS ALICERCES CIENTÍFICOS DO ESTUDO Desde o início da conceção do estudo que elegemos uma matriz de discussão e de reflexão fundamentalmente qualitativa, associada à utilização meta-reflexiva da Escala de Observação do Estilo de Interação do Adulto na Educação de Infância (ASOS – ECE – Forma B, Laevers, 1994), eleita como uma das formas de triangulação de dados. A matriz edificada, enquadrada em procedimentos de ordem qualitativa, interpretativa-reflexiva, e caracterizada pelo rigor e abrangência, permitiu a correspondência entre os dados registados e aquilo que efetivamente se passou nos contextos em estudo (Bogdan & Binkley, 1994). Nesse sentido e âmago etnográfico, a descrição narrativa e a interpretação produzidas sobre os dados gerados e observados tentaram ser fiéis às interações, aos comportamentos e às atitudes utilizadas pelas educadoras e professoras no processo de gestão do currículo e na criação de oportunidades para a construção do pensamento crítico das crianças dos seis contextos estudados. Alicerçadas nas palavras de Walsh, Tobin, & Graue, M. (2002, p. 1055), recorremos à observação dos contextos educativos identificados, pois “a observação oferece um testemunho fluente da vida num determinado contexto” e, fazendo apologia da isenção, trabalhou-se sobre as imagens registadas pela câmara de filmar, tendo como referência o quadro teórico construído e tentando observar as imagens captadas sob um máximo de aspetos possíveis, nunca as separando do contexto espacial e temporal em que ocorreram, pois, como dizem De Ketele & Roegiers (1999) e Estrela (2008), todos os comportamentos expressam as funções do indivíduo inserido no seu meio e ao tempo da recolha dos dados, podendo perder o seu verdadeiro significado se forem Página 94 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

isolados desse contexto espacial e temporal. No registo em vídeo, seguiu-se o princípio da acumulação e não o da seletividade (Estrela, op. cit.), desenvolvendo posteriormente, e de forma rigorosa, a organização da informação recolhida e correspondente a 90 horas de imagens. Da observação sobre as imagens do vídeo resultaram a transcrição e as sequentes narrativas. Após a primeira transcrição (registo em protocolo dos dados em bruto), incrementou-se um processo exaustivo de questionamento sobre como proceder à sua análise de forma a dar-lhe sentido narrativo e interpretativo, acautelando a identidade e a originalidade dos dados. Percebeu-se, com adminículo em diferentes autores, que a análise se deveria centrar no desenrolar da ação; na sucessão dos estados que acompanharam a ação; nos efeitos da ação e nas características ulteriores que seguiram a ação (De Ketele & Roegiers, 1999). Não foi fácil esta construção e a mesma resultou após longas horas de registo, de leitura e de reflexão sobre os protocolos dos dados em bruto e de constantes vaivéns interativos entre o processo descritivo e narrativo e o processo interpretativo e reflexivo. Os dados gerados em forma de narrativa, a que se sucederam os processos de reflexão e de meta-reflexão, exploraram características gerais dos contextos e do estilo das educadoras e das professoras na gestão curricular diária bem como as oportunidades de aprendizagem criadas para as crianças/alunos, em sentido ecuménico, e para a construção e agilização do seu pensamento crítico, em particular. Em fase sequente, e sobre os dados originais registados em vídeo, foi utilizada a Escala de Observação do Estilo de Interação do Adulto (ou Escala do Empenhamento do Adulto na forma ASOS – ECE – Forma B, Laevers, 1994). Este instrumento, que visa avaliar a implicação do estilo do adulto na aprendizagem da criança, além de servir como elemento de triangulação, confirmou, como é referido em outras investigações, que a forma como o educadora e a professora desenvolvem a sua missão influem no modo como as crianças aprendem, designadamente que o comportamento e as interações estabelecidas com as crianças pesam nas suas aprendizagens, facilitando-as, condicionando-as ou inibindo-as. Na base da construção do modelo do descritivo e da narrativa, da sua sequente interpretação, reflexão, meta-reflexão e triangulação com os resultados da escala já referida, acentuámos alguns princípios epistemológicos que, ao estudo, atribuíram sentido teórico-praxeológico, e dos quais destacamos: A - As conceções que hoje se entendem como as mais apropriadas no âmbito da gestão do currículo na Educação Básica No caso português, na Educação Pré-escolar, o currículo assume uma intenção predominantemente educativa, enquanto no 1.º Ciclo a função de ensinar e de aprender é, tradicionalmente, aceite como mais importante. Isto quer dizer que na tradição portuguesa as aprendizagens formais,

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num sentido escolar, se iniciam com a entrada na escolaridade obrigatória, ou seja, no 1.º Ciclo do Ensino Básico, embora na Educação Pré-escolar a criança se aproxime de forma intencional ao conhecimento e às competências no âmbito do seu desenvolvimento global e de integração/ socialização com o mundo que a rodeia. São, por isso, os modelos de organização e gestão curricular globais, transversais e integrados que melhor servem a educação/formação das crianças, na medida em que tais características não significam a exclusão ou ocultação das especificidades dos saberes a aprender pelas crianças, mas sim uma aprendizagem com sentido e articulação das diferentes áreas do saber. Contudo, a perspetiva de um currículo em que, na sua gestão, se valorizam as áreas ‘ditas’ académicas, em detrimento das restantes áreas que o compõem, limita o conceito de desenvolvimento e de formação global, contrariando afirmações epistemológicas, que apelam à interdisciplinaridade; sociológicas, que apelam à não fragmentação da cultura e à construção de uma identidade global, e psicopedagógicas, que, numa linha socioconstrutivista, reforçam a necessidade da integração curricular como resposta à estrutura cognitiva do aluno e à forma como ele aprende. B - Os objetivos para a Educação Pré-escolar e para o 1.º Ciclo do Ensino Básico Na linha de Delors (1996), de Cachapuz (2004) e de Vasconcelos (2009), destacam-se seis competências básicas ou transversais que devem ser referência dos currículos: aprender a aprender (procura de informação, seleção, processamento, organização e transformação em conhecimento); comunicar (utilizar diferentes suportes de representação, simulação e comunicação); cidadania ativa (intervenção pessoal e social responsável numa sociedade moderna); pensamento crítico (procurar alternativas e razões que justifiquem tomadas de decisão); resolver situações problemáticas e gerir conflitos (mobilizar conhecimento, capacidades, atitudes e estratégias para encontrar soluções); resiliência (enfrentar e superar adversidades, adaptar-se e enfrentar as mudanças). C - O perfil geral e os perfis específicos de desempenho dos educadores de infância e dos professores do 1.º Ciclo Alarcão e Roldão (2009) afirmam que o saber específico da função docente assenta em três eixos fundamentais: o eixo dos saberes; o eixo da relação interpessoal e o eixo dos valores democráticos, não depreciando a sua função social, a de ensinar, e a sua intervenção crítica e reflexiva. Neste sentido, o educador/professor é “alguém a quem a sociedade confia a tarefa de criar contextos de desenvolvimento humano que envolvam o educando na multiplicidade e interatividade das suas dimensões: cognitiva, afetiva, psicomotora, linguística, relacional, comunicacional, ética” (Alarcão & Roldão, 2009, p.16) e, por isso, os educadores/professores precisam, no âmbito desse conhecimento, de construir competências que são basilares na definição e operacionalização dos processos de ensino-aprendizagem integrais e globais e fazem-no através das suas conceções pedagógicas e da sua formação científica, das suas convicções pessoais, das condições de Página 96 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

trabalho existentes na escola, dos condicionalismos legais, da sua experiência profissional e da reflexão sobre a mesma. D - Os modelos de ensino e os modelos pedagógicos em Educação Pré-escolar e no Ensino Básico A heterogeneidade de alunos que hoje caracteriza a escola e os objetivos curriculares que se pretendem alcançar, nomeadamente nas primeiras etapas da Educação Básica, requerem diferentes e diversificadas formas de ensinar ou de mediar o processo de confronto dos alunos não só com o conhecimento mas também com saberes de diferentes índoles – pessoais, sociais e culturais. Assim, a ação do educador/professor deve caracterizar-se por uma procura incessante de estratégias de diferenciação do ensino, bem como de reflexão sobre a adequação do processo que medeia e sobre as aprendizagens que os alunos vão construindo. Perspetivando a criança no centro dos processos de ensino e de aprendizagem, mas não desvalorizando a intervenção sistémica do educador/professor, os modelos de ensino, entendidos como formas de conceptualizar e organizar a prática pedagógica, devem ser utilizados para criar oportunidades de aprender de forma ativa, crítica e em crescente autonomia. Selecionar um ou outro modelo, ou decidir utilizá-los de forma múltipla e relacionada, depende também dos objetivos que se pretendem alcançar e das competências que se quer que as crianças construam (Joyce & Weil, 1980; Joyce, Calhoun & Hopkins, 1997; Arends, 1997, 2008; Oliveira-Formosinho, 2007, entre outros). A escolha do educador/professor pode recair sobre vários modelos, optando pelo modelo de ensino expositivo se o seu objetivo é ajudar os alunos a adquirir e processar conhecimentos do tipo declarativo (Joyce & Weil, 1980; Joyce, Calhoun & Hopkins, 1997; Arends, 1997, 2008); contudo, se o seu objetivo for o de estimular o desenvolvimento conceptual e ajudar a criança a construir o seu pensamento crítico, então ele pode usar o modelo de ensino de conceitos (Joyce, Calhoun & Hopkins, 1997; Jants, 1997; Gelman, 2009; Freitas & Araújo, 2005). Também ao seu dispor, contribuindo para esses objetivos, mas também para ajudar as crianças a resolver problemas, a melhorar as suas competências sociais e aprender a aprender, a escolha pode recair sobre os modelos cooperativos (Arends 1997, 2008, Dewey, 2002; Varela de Freitas & Varela de Freitas, 2002; Johnson & Johnson, 2006) e de resolução de problemas (Joyce & Weil, 1980; Arends 1997, 2008; Katz & Chard, 1997; Delisle, 2000; Kilpatrick, 2007). E - As conceções sobre a aprendizagem, em particular do pensamento crítico, hodiernamente aceites como facilitadoras da “agência da criança” (Oliveira-Formosinho, Kishimoto & Pinazza, 2007) e do “ofício do aluno” (Perrenoud, 1995) Hodiernamente, a utilização do pensamento crítico é apontada como uma das finalidades educativas de maior implicação presente e futura, afirmando-se o presente à medida que a criança é estimulada na sua construção e utilização, sendo maior o significado das competências e aprendizagens que vai construindo, seja em contexto educativo/ensino, seja em contexto além. Página 97 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

No futuro, a sua capacidade de intervenção e responsividade às alterações e/ou evoluções conjunturais e sociais será mais oportuna e eficaz, se ela for um pensador crítico. Nesse sentido, num horizonte (socio)construtivista, relevam-se, particularmente, os contributos apresentados por Tenreiro-Vieira & Vieira (2000) nas suas propostas concretas para a promoção do pensamento crítico na sala de aula baseados, mormente, nas discussões de Ennis (1996), que apresenta, na forma de taxonomia, uma lista de capacidades e de disposições, bem como estratégias de construção de pensamento crítico. PRÁTICAS PEDAGÓGICAS QUE CONTRIBUEM PARA A CONSTRUÇÃO DO PENSAMENTO CRÍTICO: RESULTADOS EMERGENTES NO PROCESSO REFLEXIVO E META-REFLEXIVO A aprendizagem, nos contextos formais de educação/ensino, é um processo fundamental para os sujeitos, que lhes deve permitir a construção de conhecimentos, a compreensão da realidade e a construção do pensamento independente, crítico e criativo. Assim, entende-se a aprendizagem como um processo vivido em múltiplas interações, de natureza social e cultural, cabendo aos contextos educativos e escolares organizar e gerir oportunidades facilitadoras da construção dos diferentes conhecimentos – pessoais, sociais, académicos e culturais. Os processos de aprendizagem assim concebidos, indubitavelmente associados aos processos e modos de ensinar, requerem um educador/professor responsivo e empenhado nas múltiplas interações e oportunidades a que a criança tem direito. Neste sentido, a construção e desenvolvimento do pensamento crítico são, em si, processos que influem na forma como o sujeito, no caso a criança, constrói e organiza o conhecimento. Precocemente, as crianças precisam de ser apoiadas e estimuladas a usarem e agilizarem as estruturas do pensamento, aprendendo a estruturá-las e a complexificá-las, ou seja, a tornarem o seu pensamento inteligente, num ambiente pedagógico de natureza socioconstrutivista. O pensamento crítico, hodiernamente considerado indispensável, pode ser promovido em interações dialógicas na sala de atividades/aula e sustentar-se em estratégias variadas mas que, de forma flexível, instituam momentos e oportunidades para a sua agilização e construção em crescente complexificação. Nas primeiras idades, e considerando a organização curricular e as finalidades educativas respetivas, bem com os pressupostos de natureza psicopedagógica, as educadoras e as professoras consideraram oportunidades e estratégias de forma infundida. A globalidade e a transversalidade curriculares, conjugadas com os pressupostos psicopedagógicos, determinaram que as profissionais de educação, de um modo geral, considerassem a individualidade de cada criança e, simultaneamente, a sua integração social, decidindo sobre as melhores estratégias a utilizar na especificidade de cada contexto. Nos contextos observados, e nas respetivas práticas pedagógicas, identificaram-se algumas Página 98 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

estratégias possíveis de promover o pensamento crítico das crianças pequenas; algumas mais ligadas à atuação da educadora/professora, incluindo a prática do questionamento, e outras de natureza mais atuante, nomeadamente as que dizem respeito à organização do trabalho na sala de atividades/aula e que ditam o modo de trabalho das crianças – individualmente, a pares, em grupos, em experiências diversas, na resolução de problemas, etc. Em ambientes (socio)construtivistas, identificámos relações entre o adulto e a criança e entre as crianças extraordinariamente valorizadas e facilitadoras da ação ativa das crianças, considerando várias dimensões: avaliação, reflexão, compreensão, análise, síntese, apreciação, conhecimento, atenção, realização/capacidade. Ainda no âmbito dessas mesmas relações, foi possível identificar o ‘ofício do aluno’ que utiliza o pensamento crítico e que lhe é permitido analisar, decidir o que é verdadeiro, controlar o conhecimento já construído, e adquirir novo conhecimento. Como dizem Epstein & Kernberg (2006), o pensamento crítico é a defesa contra um mundo com demasiada informação e em que muita gente nos tenta convencer e é, no dizer de Ennis (1996), utilizado num contexto de resolução de problemas ou de interações entre as pessoas e que também implica avaliação. Neste âmbito, as práticas pedagógicas observadas exploraram, de modo geral e num quadro eclético, modelos de ensino de conceitos, de resolução de problemas, de ensino cooperativo e de ensino expositivo, mas conjugando várias estratégias – colocar questões, estabelecer conexões, ser imaginativo, proporcionar experiências, usar o pensamento reflexivo e a avaliação, ser inovador, correr riscos e ser auto determinado. Também, e na senda de Ritchhart, Palmer, Church & Tishman (2006), Salmon (2008), Browne & Keeley, (2007), se identificaram algumas rotinas de pensamento que incorporaram a linguagem do pensamento e da cultura circundante e se expressaram nas seguintes atitudes ou competências: gerar ideias, afirmar evidências e hipóteses, observar comparações e conexões, construir a razão usando sínteses, resumos ou conclusões, construir evidências baseadas na interpretação e na exploração, fazer juízos e avaliações, identificar partes, componentes e dimensões, colocar questões, identificar e explorar múltiplas perspetivas, refletir e consolidar a aprendizagem. As rotinas do pensamento seguidas fomentaram a construção do conhecimento através da curiosidade, das necessidades, dos interesses e das experiências das crianças. Na criação do ambiente, utilização e agilização crítica do pensamento, as educadoras e as professoras observadas consideraram a necessidade de organizar ambientes educativos e pedagógicos que, entre outros, apelaram: • à curiosidade natural das crianças, com regras coerentes que facilitaram a sua autonomia na utilização de espaços e materiais, bem como a sua organização em grupos, como forma de experienciar o prazer de estar, descobrir, partilhar e cooperar com o outro;

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• à necessidade de as crianças se afirmarem e se desenvolverem, na sua individualidade, nos seus gostos e nas suas afinidades pessoais (de forma mais acentuada na educação pré-escolar); • à necessidade de instituir oportunidades para as crianças construírem o seu próprio currículo, o currículo da sala/grupo, valorizando os seus saberes como ponto de partida para ampliar as suas experiências e aprendizagens; • e à necessidade de valorizar as experiências, também no seu sentido lúdico, de jogo e de brincadeira, como forma particular e específica de crescer e de aprender (de forma mais acentuada na educação pré-escolar). Ao longo dos diferentes momentos do dia, as oportunidades para exercer e estimular a curiosidade e o pensamento crítico da criança aconteceram por meio de estratégias de infusão, utilizadas transversalmente às áreas curriculares estabelecidas nas Orientações Curriculares para a Educação Pré-escolar e ao currículo para o Ensino Básico. Ajudar e apoiar a estruturação do pensamento e agilizá-lo numa perspetiva de utilização crítica é sempre possível, desde que a criança seja estimulada na construção da sua autonomia e do encorajamento para dar ideias, assumir responsabilidades e resolver conflitos, bem como nas oportunidades que lhe são dadas para explicitar opiniões sobre o trabalho realizado e nas oportunidades para experimentar, dialogar, criar e brincar. A infusão de estratégias de pensamento crítico é argumentada de forma positiva pois, como afirmam Tenreiro-Vieira & Vieira (2000), contribui para o desenvolvimento das capacidades e também para a melhor compreensão dos conhecimentos científicos, dado que usar essas capacidades obriga a um domínio dos assuntos; tem, igualmente, maior impacto no desempenho dos alunos no âmbito das várias áreas do currículo. Nas meta-reflexões, em que se procurou discutir as estratégias utilizadas à luz do estilo da educadora, por via da triangulação entre as práticas observadas e a aplicação da Escala de Observação do Estilo de Interação do Adulto na Educação de Infância (ASOS – ECE – Forma B, Laevers, 1994), as educadoras que maior pontuação obtiveram nas subescalas sensibilidade, estimulação e autonomia são as que mais contribuem para que a criança utilize o seu pensamento e o vá agilizando de forma mais complexa na tomada de decisões e nas escolhas que faz, o que se relaciona com a autonomia concedida pela educadora, bem como com o empenhamento demonstrado por esta na organização e gestão da prática pedagógica. Assim, é no nível 4, estilo sobretudo facilitador mas onde também se verificam algumas qualidades não facilitadoras, e no nível 5, estilo totalmente facilitador, que encontramos uma maior promoção da autonomia e uma maior sensibilidade e estimulação da criança, logo, mais e melhores oportunidades para que a criança disfrute da “sua agência”. É nestes casos que a emergência da criança é fortemente apoiada e incrementada, recriando a heterogenia do grupo, em ambiente fortemente socializador Página 100 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

e impregnado de atitudes e comportamentos de cidadania (Marchão, 2012). A “voz das crianças ocupa grande parte do tempo na sala e adquire, em diversas situações, um estatuto principal” (Marchão, op. cit., p. 250). As professoras que também obtiveram maiores pontuações na escala citada, no caso (4,2), com um estilo sobretudo facilitador mas onde também se verificam algumas qualidades não facilitadoras, usaram, sobretudo, o encorajamento para que as crianças expressassem ideias, para desenvolverem tarefas autonomamente, para assumirem responsabilidade e regras instituídas na turma, para resolverem os problemas e apreciarem as suas realizações e as dos companheiros, para formularem hipóteses, para pesquisarem autonomamente e para articularem aprendizagens, num cenário de interações sociais em que predomina o questionamento e em que os alunos constroem diversas competências com alguém mais experiente ou capaz “na resolução conjunta de um problema na zona de desenvolvimento próximo” (Rodrigo, 1994, citado por Trindade, 2002, p. 41). EM COMPÊNDIO Partindo do princípio que institui que todo o ser humano é um ser pensante e que a utilização superior do pensamento é complexa ou que, como lhe chama Dewey (2007), é um método de experiência inteligente, importa que os educadores/professores considerem, na sua prática, estratégias de utilização e agilização do pensamento, intervindo e colocando ‘andaimes’ para que, de uma forma concertada e coerente, as crianças possam ir elaborando um pensamento mais complexo e responsivo às exigências educativas/escolares e sociais, em geral. Do que deste estudo ressalta no trabalho educativo e pedagógico desenvolvido com crianças mais novas pretendendo estimulá-las para a utilização do pensamento como atribuidor de significados e para um pensamento cada vez com um sentido e um âmago mais crítico, importa que os contextos grupais de educação/ensino cuidem a organização e gestão do currículo, cabendo às(aos) educadoras(es) e às(aos) professoras(es) adotarem estilos de interação facilitadores da aprendizagem da criança e que evidenciem o uso de estratégias de utilização e construção do pensamento crítico, tendencialmente infundidas, baseadas nas interações, na organização/ gestão do grupo e nas atividades que se propõem às crianças, dando-lhes voz e confiando nas suas competências, deixando-as ser ativas e autónomas na construção do conhecimento e da sua cidadania plena. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Alarcão, I., & Roldão, M. C. (2009). Supervisão. Um contexto de desenvolvimento profissional dos professores. Mangualde: Edições Pedago. Arends, R. (2008). Aprender a Ensinar. Aravaca: McGraw-Hill Interamericana de España, S.A.U. Página 101 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

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9.PROMOÇÃO DO PENSAMENTO CRÍTICO NA EDUCAÇÃO E FORMAÇÃO DE ADULTOS Sandra Ferrão Lopes | [email protected] Escola Secundária de Seia

Rui Marques Vieira | [email protected] António Moreira | [email protected]

Universidade de Aveiro, Departamento de Educação, CIDTFF

Resumo Em Portugal, são escassos os estudos na área da educação e formação de adultos sob o novo enquadramento conceptual plasmado no Referencial de Competências-Chave, nível secundário. Sendo um documento que adota como diretriz a aprendizagem ao longo da vida centrado em aprendizagens de natureza formal, informal e não-formal, o pensamento crítico emerge como uma capacidade intrínseca ao desenvolvimento de competências consideradas necessárias à formação do cidadão atual. Considerando-se ser necessário estabelecer respostas sustentadas sobre formas de operacionalizar o Referencial de Competências-Chave para cursos de educação e formação de adultos, nível secundário (EFA-NS), realizou-se um estudo com a finalidade de averiguar os impactes da utilização de atividades intencionalmente (re)construídas por um grupo de professores (em formação) no nível de pensamento crítico dos seus alunos EFA-NS. Para tal, usou-se como quadro teórico de referência a taxonomia de Ennis sendo a implementação das atividades em contexto sala de aula, preferencialmente feita através da utilização das ferramentas da web 2.0. A metodologia utilizada seguiu um plano quase experimental do tipo grupo de controlo/grupo experimental, pré/pós teste. Os resultados obtidos fornecem evidência que apoiam a conclusão de que as atividades (re) construídas pelos professores, nas quais se adotou a infusão do pensamento crítico em articulação com a utilização de ferramentas da Web 2.0, são promotoras do pensamento crítico dos alunos. Palavras-Chave: Pensamento Crítico, Ferramentas da Web 2.0, Educação e Formação de Adultos.

Abstract In Portugal, there are very few studies in the area of adult education under the new conceptual framework synthesized in the Referential Key Skills, at secondary school level. It being a document that adopts as policy lifelong learning centered on formal, informal and non-formal learning, critical thinking emerges as an intrinsic capacity to develop competencies considered necessary for the education of citizens today. Considering the need to establish sustained responses on ways to operate the Referential Key Skills for undergraduate adult education at secondary level, we carried out a study in order to investigate the impacts of using activities intentionally (re) constructed by a group of teachers (in training) at the level of critical thinking of their students. To this end, the Ennis taxonomy was used as a theoretical framework and the activities implementation in the classroom context were made preferably ​​through the use of web 2.0 tools. Página 105 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

The methodology followed a quasi-experimental plan type control group/experimental group, pre/post test. The results provide evidence to support the conclusion that the activities (re) constructed by teachers, in which they adopted the infusing of critical thinking in conjunction with the use of Web 2.0 tools, promote the students' critical thinking. Keywords: Critical thinking, Web 2.0 tools, adult education.

INTRODUÇÃO Aprender ao longo da vida (lifelong learning) e em diferentes contextos da vida (life wide) têm sido uma referência incontornável para a visão holística da aprendizagem e dos sucessivos enquadramentos das políticas e práticas educativas dos sistemas (in)formais de educação. A revisão de sucessivos estudos plasmados no Digital Competences for Lifelong Learning apontam para as inevitáveis “necessidades de competência digital para fins de trabalho, lazer e aprendizagem na sociedade da informação europeia” (Ala-Mutka, Punie & Redecker, 2008, p. 1). Assim, no plano Comunitário e no seguimento do programa de trabalho Educação e Formação para 2010, o quadro estratégico para a cooperação europeia no domínio da Educação e Formação 2020 pretende dar resposta aos desafios que ainda se verificam para criar uma Europa do conhecimento e tornar a ALV uma realidade para todos. Entre os objetivos traçados, nos quais se observa competências sociais e cívicas, competências digitais e competências básicas em ciências e tecnologias, o pensamento crítico emerge como uma capacidade necessária a todo o cidadão que se queira sentir ativo, criativo e incluído (Ala-Mutka, 2009; Tenreiro-Vieira & Vieira, 2013). A compreensão deste quadro a par da recente chegada do Referencial de Competências-Chave nível secundário, às escolas, conduziu-nos na preocupação de trabalhar a infusão do pensamento crítico em articulação com a utilização de ferramentas da Web 2.0 na educação e formação de adultos. Assim, num primeiro momento, procedemos ao desenvolvimento de uma Oficina de Formação para professores que trabalhavam com alunos de cursos EFA-NS, para a produção de atividades que envolvam a promoção do pensamento crítico em articulação com a utilização de ferramentas da Web 2.0 e, num segundo momento, avaliar se as atividades implementadas influenciaram ou não o nível de pensamento crítico dos alunos EFA-NS, resultados que procuramos apresentar no presente artigo. ENQUADRAMENTO CONCEPTUAL As competências em tecnologia da informação e comunicação e o pensamento crítico são duas das linhas orientadoras da Aprendizagem ao Longo da Vida (ALV) que no quadro da Educação e Formação de Adultos em Portugal ganhou uma renovada e significativa expressividade plasmada Página 106 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

no Referencial de Competências-Chave de Educação e Formação de Adultos, nível secundário. Este Referencial, integra de forma articulada, transversal e multidimensional três grandes áreas: Cidadania e Profissionalidade (CP), Sociedade, Tecnologia e Ciência (STC) e, Cultura, Língua e Comunicação (CLC). É na análise das competências esperadas para cada área que encontrámos razões para sustentar que a infusão do pensamento crítico em articulação com a utilização de ferramentas da Web 2.0 nas propostas de trabalho destinadas aos alunos EFA-NS ajudariam a alcançar de forma mais consistente e eficaz as esperadas competências. Como por exemplo: (i) reconhecer, na sua vida corrente, a multiplicidade e interligação de elementos sociais, tecnológicos e científicos; (ii) procurar informação técnico-científica, interpretando-a e aplicando-a na resolução de problemas ou na otimização de soluções, (iii) intervir ativamente em instituições e mecanismos deliberativos, calibrando argumentação própria com o acolhimento de pontos de vista divergentes, (iv) operar na vida quotidiana com tecnologias correntes, dominando os seus princípios técnicos bem como impactos nas configurações sociais e ambientais e (v) ter consciência de si e do mundo assumindo distanciamento e capacidades de questionamento, entre muitas outras competências apresentadas no Referencial EFA-NS (Gomes, 2006). Neste contexto, quer a utilização crítica, criativa e segura das ferramentas da Web 2.0, quer o uso de capacidades de pensamento crítico tornam-se cada vez mais importantes para o adulto avaliar, tomar decisões e fazer juízos relativamente à informação a obter, em que acreditar e a usar (Ennis, 1996). 1.1. Pensamento Crítico O conceito de pensamento crítico, de acordo com a revisão de Vieira (2003), está fortemente ligado a duas correntes: de tradição filosófica ou de tradição da psicologia cognitiva. Os autores que se associam na tradição filosófica focam o pensamento crítico e o ensino do raciocínio em cursos, levando os alunos ao treino de aspetos lógicos do raciocínio, de questionamento e de argumentação. Por outro lado, os autores que se associam na tradição da psicologia cognitiva acentuam o ensino do pensamento ou ensino de capacidades de pensamento crítico através de “programas centrados explicitamente na promoção e práticas destas capacidades de pensamento” (Piette, 1996 apud Vieira, 2003, p. 32). Consequentemente, na literatura aparecem várias definições de pensamento crítico que remetem para diferentes propostas de taxonomias e listagens (Beyer, Paul, Lipman, Gubbins ou Ennis) que podem ser consultadas em português em Tenreiro-Vieira & Vieira (2001). As “diferentes definições de pensamento crítico” resultam em realizações curriculares distintas. Explicitamente, o ensino do pensamento crítico pode ser feito segundo [duas] diferentes abordagens”: perspetiva de curso separado ou perspetiva de infusão nas diferentes disciplinas do currículo escolar (Tenreiro-Vieira & Vieira, 2001, p. 31), considerada por uns como incompatíveis

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(McPeck, 1990) e por outros como complementares (Norris & Ennis, 1989). A primeira pressupõe a existência de um curso ou área específica no currículo para o desenvolvimento do pensamento crítico, enquanto a segunda “preconiza que o ensino do pensamento crítico deva ser inserido no contexto de cada uma das disciplinas do currículo de forma que as capacidades de pensamento crítico sejam infundidas ou entrosadas nos conteúdos” (Tenreiro-Vieira & Vieira, 2001, p. 31). Uma das razões apontadas a favor da perspetiva de infusão é necessariamente não existir ‘mais uma’ disciplina para desenvolver as capacidades de pensamento crítico dos alunos; outras duas razões prendem-se com a contextualização em que é feito o próprio desenvolvimento do pensamento crítico e o consequente impacte na compreensão dos conhecimentos da disciplina em que se infunde o pensamento crítico. O quadro teórico a utilizar neste estudo assenta na conceptualização de pensamento crítico proposto por Ennis (1987; 1996), cuja versão portuguesa mais recente pode ser encontrada em Vieira & Tenreiro-Vieira (2005). Ennis considera que todo o comportamento humano depende daquilo em que se acredita e se decide fazer, ou seja, o pensamento crítico é fundamental na tomada de decisões constantes da vida quotidiana de cada pessoa. Naturalmente, para tomar qualquer decisão é necessário considerar um conjunto de procedimentos que para o autor estão consubstanciados em cinco termos-chave – prática, reflexiva, sensata, crença e ação – que incrementam a seguinte definição: “o pensamento crítico é uma forma de pensamento racional, reflexivo, focado no decidir aquilo em que acreditar ou fazer” (Ennis & Millman, 1985, p. 46, apud em Vieira et al., 2011, p. 47, tradução nossa). Assim definido, o pensamento crítico é “uma atividade prática reflexiva, cuja meta é uma crença ou uma ação sensata” (Vieira, 2003, p. 34). A estrutura da taxonomia de Ennis subdivide-se em duas partes. Na primeira parte, são apresentadas 14 disposições para o Pensamento Crítico, como por exemplo: procurar um enunciado claro da questão ou tese; procurar razões; tentar estar bem informado; utilizar e mencionar fontes credíveis e tomar em consideração a situação na sua globalidade, entre outras. Na segunda parte, são explicitadas as capacidades de pensamento crítico, agrupadas em cinco áreas: clarificação elementar, suporte básico, inferência, clarificação elaborada e estratégias e táticas. Para cada área é definido um grupo ou mais de capacidades. Por exemplo na área da clarificação elementar, indicam-se três grupos: focar uma questão, analisar argumentos e fazer e responder a questões de clarificação e desafio. Por exemplo algumas questões sugeridas, nos referidos grupos, para a área da clarificação elementar: identificar ou formular critérios para avaliar possíveis respostas; identificar conclusões; identificar as razões enunciadas; identificar as razões não enunciadas; o que quer dizer com "..."?; o que seria um exemplo?; diria mais alguma coisa sobre isto?.

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1.2. Ferramentas da Web 2.0 As mudanças tecnológicas, nomeadamente das TIC despoletaram novos ambientes de partilha, de construção do conhecimento e desenvolvimento de competências. O tempo e o espaço de aprendizagem tradicionalmente alocados à escola passaram a estar, também, acoplados à empresa, à instituição, à residência, ao espaço social, interconectados no ciberespaço, pleno de oportunidades, mas também, absoluto de incertezas e riscos (cf. Punie & Cabrera, 2006; Carneiro et al., 2007). É pois, para este âmago de relações sociais e profissionais cada vez mais influenciadas pelas redes de comunicação síncrona e assíncrona, que a escola deve criar ambientes próximos daqueles que os seus alunos poderão precisar num futuro próximo (Jouneau-Sion & Sanchez, 2012). Em particular, os alunos de cursos EFA-NS, aqueles que não só regressam à escola para ver reconhecido os saberes e competências adquiridas ao longo da vida por certificação escolar, mas também aqueles que desejam construir um percurso formativo no “acesso generalizado (…) à progressão educativa, tecnológica, cultural e profissional” (Gomes, 2006, p. 18) esperam que a escola lhes proporcione ambientes de aprendizagem e crie condições que os habilitem a pensar, a conhecer, a ser, a fazer e a estar com os outros. Nesta linha, a autora sublinha: A generalidade da população deve, pois, tanto na sua vida profissional como na sua vida pessoal e familiar, adaptar-se em saber lidar com novos contextos e desafios nos quais a ciência e a tecnologia são componentes essenciais, fontes de oportunidades ilimitadas mas também de crescentes riscos de exclusão, sobretudo para quem não possui competências nestes domínios (…) identificar, compreender e intervir em situações onde as TIC sejam importantes no apoio à gestão do quotidiano, a facilidade de transmissão e difusão de informação socialmente controlada, reconhecendo que a relevância das TIC tem consequências na globalização das relações. (Gomes, 2006, p. 49-59) Do exposto decorre que a operacionalização do Referencial de Competências-Chave, nível secundário demanda a incorporação das TIC, em geral, até às mais recentes ferramentas da Web 2.0, em particular, na abordagem e desenvolvimento de cada uma das Áreas de CompetênciasChave – CP, STC e CLC. Logicamente que todo este trabalho revê-se nas práticas de educação e formação dos professores, muitas vezes distante do que se espera ou deseja que contemplem nas suas aulas. Neste sentido e tomando como base de análise diferentes referenciais internacionais (UNESCO, 2008; ICTRN, 2001; ISTE, 2000) adotamos o quadro de Competências TIC para Professores elaborado por uma equipa portuguesa coordenada por Costa (2008). A figura 1 sistematiza o quadro de competências TIC para professores que “por ação direta ou indireta (…) e numa perspetiva de isomorfismo, é suposto que os alunos venham a adquirir e desenvolver as mesmas competências no seio da própria escola” (Costa, 2008, p. 12).

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Figura1. Competências TIC para Professores (adaptado de Costa 2008) Detém conhecimento atualizado sobre recursos tecnológicos e seu potencial de utilização educativo. Acompanha o desenvolvimento tecnológico no que implica a responsabilidade profissional do professor. Executa operações com Hardware e sistemas operativos (usar e instalar programas, resolver problemas comuns com o computador e periféricos, criar e gerir documentos e pastas, observar regras de segurança no respeito pela legalidade e princípios éticos, …) Acede, organiza e sistematiza a informação em formato digital (pesquisa, seleciona e avalia a informação em função de objetivos concretos…) Executa operações com programas ou sistemas de informação online e/ou off-line (aceder à Internet, pesquisar em bases de dados ou diretórios, aceder a obras de referência, …) Comunica com os outros, individualmente ou em grupo, de forma síncrona e/ou assíncrona através de ferramentas digitais específicas. Elabora documentos em formato digital com diferentes finalidades e para diferentes públicos, em contextos diversificados. Conhece e utiliza ferramentas digitais como suporte de processos de avaliação e/ou de investigação. Utiliza o potencial dos recursos digitais na promoção do seu próprio desenvolvimento profissional numa perspetiva de aprendizagem ao longo da vida (diagnostica necessidades, identifica objetivos) Compreende vantagens e constrangimentos do uso das TIC no processo educativo e o seu potencial transformador do modo como se aprende

Reconhecendo que os desafios do futuro são enormes e “os ambientes de aprendizagem são necessariamente abertos e flexíveis, interactivos, combinando diferentes modos e estilos de aprendizagem dependendo do objeto de estudo, do aluno, do professor, do contexto, respeitando o nível de desenvolvimento cognitivo de cada um” (Grenhow, 2007) considerámos que a linha de orientação das atividades propostas aos alunos EFA-NS seria a infusão do pensamento crítico com a integração de ferramentas da Web 2.0. METODOLOGIA Para averiguar se as atividades (re)construídas pelos professores promoviam, ou não, o pensamento crítico dos alunos EFA-NS, desenvolveu-se um estudo de natureza exploratória de planeamento quasi experimental do tipo grupo de controlo/grupo experimental, pré teste/pós teste, de acordo com o modelo da figura 1. (RA) O1 X O2 (RA) O3 O4 Figura 1. Plano Quasi Experimental Pré/Pós Teste com Grupo de Controlo

A seleção dos grupos para o tratamento (X) é não aleatória (RA), sendo O1 e O2 os resultados do grupo experimental no pré e pós teste, respetivamente. Enquanto O3 e O4 referem-se ao pré e pós teste do grupo de controlo, respetivamente. A variável independente ou tratamento

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(X) referem-se às atividades produzidas pelos professores na Oficina de Formação e a variável dependente o nível de pensamento crítico dos alunos EFA-NS. 1.1. Sujeitos Os sujeitos do estudo são alunos dos cursos EFA-NS de duas escolas secundárias da região centro de Portugal, sediadas em distritos vizinhos, que denominámos por escola A e escola B. O quadro seguinte apresenta o número de sujeitos da amostra e sua distribuição por escola e grupo de pertença. Quadro 1. Número de Sujeitos por Escola e por Grupo a que Pertencem

Escola A Escola B

Grupo Controlo

Grupo Experimental

----26

27 -----

A amostra é constituída por 26 alunos no grupo de controlo, sendo 11 do sexo masculino e 15 do sexo feminino, e 27 alunos no grupo experimental, sendo 17 do sexo masculino e 10 do sexo feminino. A idade média dos sujeitos do grupo de controlo é de 33,69 (DP = 10,95), enquanto a idade média dos sujeitos do grupo experimental é de 34,56 (DP = 10,48). Em relação ao tipo de amostragem, o grupo de controlo esteve dependente do interesse e disponibilidade manifestados para realizar o Teste de Pensamento Crítico – Cornell (nível X), e o grupo experimental era particularmente constituído por alunos dos professores que frequentaram a Oficina de Formação. Pelo que a amostragem considerada no grupo de controlo foi acidental e no grupo experimental por conveniência. 1.2. Tratamento O tratamento consistiu na implementação das atividades (re)construídas pelos professores (em formação) aos seus alunos. As atividades produzidas na Oficina de Formação reportamse a propostas de trabalho centradas nos temas das unidades de competência de cada área lecionadas pelos vários professores. Para a conceção de tais atividades, os professores puderam contar com formação na área das ferramentas da Web 2.0 a par da utilização da taxonomia de Ennis para a construção de questões orientadoras para o desenvolvimento do pensamento crítico. Concretamente, na Oficina de Formação os professores foram sensibilizados para a necessidade e importância das ferramentas colaborativas na educação e formação de adultos, para em

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seguida, eles próprios, desenvolverem alguns trabalhos com as ferramentas da Web 2.0. Deste modo, para a referida sensibilização e consequente apropriação e implementação em sala de aula, os professores fizeram vários trabalhos colaborativos usando as mais diversas ferramentas – Google Docs, Google Presentation, Dipity, Prezi, Mindmeister, Skipy e plataforma Grouply, entre outras. Em relação ao pensamento crítico, nomeadamente à metodologia adotada para apoiar os professores na construção de questões promotoras do pensamento crítico, seguiu-se a metodologia de Tenreiro-Vieira (1999) que consiste em: 1ª fase – a taxonomia de Ennis é usada como referencial teórico para identificar as capacidades de pensamento crítico expressos nos materiais curriculares e/ou atividades que os professores normalmente utilizam; 2ª fase - a taxonomia de Ennis é usada como referencial teórico para identificar outras capacidades de pensamento crítico que possam ser exigidas nos mesmos materiais curriculares e/ou atividades que os professores normalmente utilizam; 3ª fase – a taxonomia de Ennis é usada como modelo ou padrão por forma a rubricar outros itens que apelem às capacidades de pensamento crítico nos referidos materiais curriculares e/ ou atividades. Deste modo, os alunos que integravam o grupo experimental trabalharam em cada uma das áreas de CP, STC e CLC várias atividades que para além de exigirem a utilização de ferramentas da Web 2.0, também contemplavam guiões de questões orientadas para o desenvolvimento do pensamento crítico. 1.3. Recolha de dados Tendo em conta o propósito da investigação – avaliar os impactes das atividades produzidos pelos professores, em formação, no nível de pensamento crítico dos alunos – e de acordo com a definição operacional de pensamento crítico adotada como quadro de referência (Ennis, 1987), foi escolhido como instrumento de recolha de dados o Teste de Pensamento Crítico de Cornell (Nível X) de Ennis e Millman (1985). Para além do referido, esta opção teve por base, também, outros critérios importantes relacionados com a validade e fiabilidade do instrumento. Tais como: (i) este teste encontra-se traduzido e validade para a língua portuguesa (Oliveira, 1992); (ii) aplica-se ao nível escolar dos sujeitos e, (iii) trata-se de um teste do tipo geral que determina o nível de capacidades de pensamento crítico, como era pretendido neste estudo. O teste está organizado em quatro partes, sendo constituído, no total, por 76 itens de escolha múltipla. Na primeira parte, 25 itens exigem que se ajuíze se um determinado facto sustenta ou não uma hipótese. Na segunda parte, outros 25 itens apelam para o ajuizar da credibilidade Página 112 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

das observações relatadas tendo em conta a origem e as condições em que são obtidas. Na terceira parte, 15 itens medem a capacidade de dedução através da avaliação de determinadas hipóteses serem ou não consequência de afirmações dadas. Na quarta parte, os restantes 11 itens dizem respeito ao reconhecimento de assunções, particularmente identificando o que se toma como certo num argumento e o que serve de base à construção de raciocínios. O teste foi aplicado em dois momentos distintos: antes e após a implementação das atividades (re)construídas pelos professores (em formação). A primeira aplicação (pré-testagem) ocorreu no mês de novembro do ano 2010 e a segunda aplicação (pós-testagem) no mês de junho de 2011. No que respeita à cotação do teste seguiram-se os procedimentos adotados no trabalho de Tenreiro-Vieira (1999). Para a organização da informação, os resultados dos itens foram sumarizados em folha Excel e a cotação do teste resultou da diferença entre o número de respostas corretas e metade das respostas incorretas. 1.4. Tratamento dos dados No que se refere ao tratamento dos dados, começou-se por calcular medidas de localização e de dispersão, com recurso às ferramentas da folha de excel. A fim de verificar se havia, ou não diferenças estatisticamente significativas entre os grupos, quer no pré teste, quer no pós teste, realizou-se uma análise estatística, no programa SPSS [Statistical Package for the Social Sciences (versão 19)], segundo técnicas paramétricas, concretamente o t-teste. A aplicação da referida técnica paramétrica exige a verificação de duas condições: (i) a variável dependente – nível de pensamento crítico dos alunos – deve seguir uma distribuição normal e, (ii) as variâncias populacionais devem ser homogéneas quando se comparam as duas ou mais populações (Maroco, 2003). Para averiguar as condições referidas em (i) e (ii) aplicou-se o Teste de KolmogorovSmornov (Teste KS) e o Teste de Levene, respetivamente. O t-teste foi aplicado em duas situações, tendo sido estabelecido como nível de significância 0,05. A primeira situação considerou-se amostras emparelhas, comparando-se as médias dos valores do pré teste com as médias dos valores do pós teste do grupo de controlo (O4-O3) e do grupo experimental (O2-O1). A segunda situação considerou-se amostras independentes, comparando-se as médias dos valores do pré teste para o grupo de controlo e o grupo experimental (O1/O3) com as médias dos valores do pós teste para o grupo de controlo e do grupo experimental (O2/ O4). RESULTADOS Na sequência da aplicação do Teste de Pensamento Crítico de Cornell (Nível X), no pré teste, a todos os sujeitos da amostra, obteve-se para o grupo de controlo um valor médio de 18,96 (DP =

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9,06), sendo os valores mínimo e máximo, respetivamente, 3 e 37; já para o grupo experimental, obteve-se um valor médio de 20,74 (DP = 7,55), sendo os valores mínimo e máximo 10 e 34,50, respetivamente. Quadro 2. Resultados obtidos no pré e pós-teste para os grupos de controlo e experimental

Grupo

Pré-Teste

Pós-Teste

Controlo

Experimental

Controlo

Experimental

M

18,96

20,74

16,79

21,93

DP

9,06

7,55

8,12

8,48

Mín

3

10

3

10

Máx

37

34,5

31

44,5

No pós-teste, o grupo de controlo apresentou uma média de 16,79 (DP = 8,12), sendo 3 e 31 os valores mínimo e máximo obtidos, respetivamente; para o grupo experimental, obteve-se um valor médio de 21,93 (DP = 8,48), sendo os valores mínimo e máximo, 10 e 44,50, respetivamente. Verificadas as condições para a aplicação de testes paramétricos (normalidade da variável independente e homogeneidade dos grupos de controlo e experimental), a análise dos ganhos e das diferenças obtidas do pré-teste para o pós-teste dentro de cada grupo (de controlo e experimental) fez-se segundo o t-teste para amostras emparelhadas e o t-teste para amostras independentes. Por forma a tornar mais clara a interpretação dos resultados, apresentamos na figura seguinte a representação dos intervalos a 95% de confiança para o nível de pensamento crítico no pré e pós teste no grupo de controlo e no grupo experimental. Os pontos centrais representam as médias obtidas para cada grupo.

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Figura 2. Representação dos intervalos de confiança no pré e pós teste em cada grupo

Para o caso de amostras emparelhadas, podemos dizer que a média no pré-teste não é estatisticamente significativa da média no pós-teste, já que para o grupo de controlo p-value = 0,128 > 0,05 (t-teste, amostras emparelhadas, t=1,573, g.l.=25) e para o grupo experimental p-value = 0,339 > 0,05 ( t-teste, amostras emparelhadas, t=0,339, g.l.=26). Uma vez que a média do nível de pensamento crítico no grupo experimental foi sempre maior que a do grupo de controlo, quer no pré-teste, quer nos pós-teste, fez-se em seguida uma análise para amostras independentes. Relativamente ao pré-teste, e depois de averiguada a igualdade de variâncias: p-value = 0,331> 0,05 (teste de Levene, F = 0,963), podemos dizer que a diferença de médias entre grupos não é estatisticamente significativa, já que p-value = 0,440 > 0,05 (t-teste, amostras independentes, t = 0,778, g.l. =51). Em relação ao pós-teste e depois de averiguada a igualdade de variâncias: p-value = 0,786 > 0,05 (teste de Levene, F = 0,075), os resultados mostram que existe uma significância estatística, uma vez que p-value = 0,029 < 0,05 (t-teste, amostras independentes,). Na sequência da realização do t-teste para amostras emparelhadas e para amostras independentes, os resultados indicam que após a intervenção o grupo de controlo e o grupo Página 115 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

experimental, ao nível de significância 0,05, diferem de forma estatisticamente significativa em relação ao nível de pensamento crítico (t = 2,251, g.l. =51, p-value = 0,029). CONCLUSÕES Num tempo de mudança, marcado pelas dificuldades em operacionalizar o Referencial de Competências-Chave, nível secundário, segundo as linhas orientadoras da ALV, o pensamento crítico em articulação com as TIC afiguram-se importantes para os saberes em ação na educação e formação de adultos. De facto, os princípios conceptuais do Referencial EFA-NS organizam-se segundo uma lógica de mobilização dos saberes da vida diária pessoal e profissional para as principais exigências das sociedades contemporâneas, onde cada cidadão é chamado a intervir de forma crítica numa sociedade do conhecimento, marcada pelo desenvolvimento das redes. Nesta linha, o estudo revela-se importante na educação e formação de adultos, porquanto consubstanciou através de uma oficina de formação de professores a (re)construção de atividades intencionalmente orientadas para a promoção do pensamento crítico dos alunos, envolvendo também a utilização de ferramentas da Web 2.0. Ao adotarmos esta estratégia, a mobilização de ferramentas intelectuais em diferentes contextos parece ter ficado mais próximo daquilo que se deseja e espera da e para a educação e formação de adultos. Assim, de acordo com os resultados das análises estatísticas realizadas podemos afirmar que o ganho registado para o grupo experimental foi estatisticamente significativo quando comparado com o do grupo de controlo. Registaram-se evidências para aceitar a hipótese de investigação, onde se afirma que as atividades (re)construídas pelos professores na Oficina de Formação influenciaram o nível de pensamento crítico dos alunos de cursos EFA-NS. Em todo o caso, são resultados de um estudo exploratório e por isso devem ser entendidos no contexto da própria investigação cujas reservas de extrapolação dos resultados se colocam, essencialmente, no tipo de amostragem. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Ala-Mutka, K., Punie, Y., & Redecker, C. (2008). Digital Competence for Lifelong Learning. Institute for Prospective Technological Studies (IPTS), European Commission, Joint Research Centre. Technical Note: JRC 48708 http://ipts.jrc.ec.europa.eu/publications/pub. cfm?id=1820. Ala-Mutka, K. (2009). Review of Learning in ICT enabled Communities. Institute for Prospective Technological Studies (IPTS). Luxembourg: Office for Official Publications of the European Communities.

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Carneiro, R., Toscano, J. C., & Diaz, T. (2007) (Coords.). Los desafíos de las TIC para el cambio educativo. Madrid/São Paulo: OEI-Fundación Santillana. Costa, F. (Coord.) (2008). Competências TIC. Estudo de Implementação (Vol.I). Lisboa: GEPE/ME http://aprendercom.org/Arquivo/Competencias%20TIC_1.pdf Ennis, R. H. (1987). A taxonomy of critical thinking dispositions and abilities. In J. B. Baron & R. J. Sternberg (Eds.), Teaching thinking skills: Theory and practice (pp. 9-26). New York: W. H. Freeman and Company. Ennis, R. H. (1996). Critical thinking. Upper Saddle River, NJ: Prentice Hall. Ennis, R. H., Millman, J. (1985). Cornell Critical Thinking Test, Level X. Pacific Grove, CA: Midwest Publications. Greenhow, C. (2007). What Teacher Education Needs to Know about Web 2.0: Preparing New Teachers in the 21st Century. In R. Carlsen et al. (Eds.), Proceedings of Society for Information Technology & Teacher Education International Conference 2007 (pp. 1989-1992). Chesapeake, VA: AACE. Gomes, M. C. (2006) (Coord.). Referencial de Competências-Chave para a Educação e Formação de Adultos - Nível Secundário. Lisboa: DGFV. Jouneau-Sion, C., & Sanchez, E. (2012). Preparing schools to accommodate the challenge of Web 2.0 technologies. Education and Information Technologies (18) 2, 265-270. Maroco, J. (2003). Análise estatística com utilização do SPSS. Lisboa: Edições Sílabo. Norris, S. P., Ennis, R. H. (1989). Evaluating critical thinking. Pacific Grove, CA: Midwest Publications. Oliveira, M. (1992). A criatividade, o pensamento crítico e o aproveitamento escolar em alunos de Ciências (tese de doutoramento). Lisboa: Universidade de Lisboa. Piette, J. (1996). Éducation aux médias et fonction critique. Paris: L’Harmattan. Punie, Y., Cabrera, M. (2006). The Future of ICT and Learning in the Knowledge Society. Report on a Joint DG JRC-DG EAC Workshop, Seville, October 2006. Institute For Prospective Technological Studies. EU: Joint Research Center. Tenreiro-Vieira, C. (1999). A influência de programas de formação focados no pensamento crítico nas práticas de professores de ciências no pensamento crítico dos alunos (tese de doutoramento). Lisboa: Universidade de Lisboa. Tenreiro-Vieira, C. (2001). O pensamento crítico no currículo enunciado de disciplinas de Ciência. Revista de Psicologia, Educação e Cultura (5) 1, 103-117.

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Vieira, R. M. (2003). Formação continuada de Professores do 1º e 2ºciclos do Ensino Básico para uma Educação em Ciência com orientação CTS/PC (tese de doutoramento). Aveiro: Universidade de Aveiro. Vieira, R., & Tenreiro-Vieira, C. (2005). Estratégias de ensino/ aprendizagem: O questionamento promotor do pensamento crítico. Lisboa: Editorial do Instituto Piaget. Vieira, R. M., & Tenreiro-Vieira, C. (2013). Literacia e pensamento crítico: um referencial para a educação em ciências e em matemática. Revista Brasileira de Educação (18) 58, 163242. Vieira, R., Tenreiro-Vieira, C., & Martins, I. P. (2011). Critical Thinking: Conceptual clarification and its importance in science education. Science Education International (22) 1, 43-54. http:// www.icaseonline.net/sei/march2011/p4.pdf

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10.PENSAMENTO CRÍTICO: ALGUMAS DE SUAS CARACTERÍSTICAS, VALOR E OUTROS PROBLEMAS1 Rodrigo Canal | [email protected]

Universidade Federal do Oeste do Pará – UFOPA, Centro de Formação Interdisciplinar – Brasil

Resumo O presente artigo objetiva apresentar: a) uma investigação teórica acerca da natureza e de alguns dos componentes do pensamento crítico e b) uma defesa da abordagem da qual nos orientamos em a); bem como c) expor uma discussão sobre alguns pontos polêmicos levantados por alguns críticos acerca das abordagens atuais em pensamento crítico. Assim, pretende-se oferecer esclarecimentos sobre as seguintes questões: qual é a natureza do pensamento crítico? quais são os (alguns dos) componentes que nos permite entender sua estrutura? Qual justificativa pode-se apresentar a favor do estudo do pensamento crítico? qual a finalidade do ensino do pensamento crítico? Quais abordagens ao pensamento crítico existem atualmente? Que tipos de dificuldades as abordagens baseadas na lógica, em especial, enfrentam? Que tipos de dificuldades as abordagens ao pensamento crítico, em geral, enfrentam? Enfim, considerando o fato de que não há um tratamento homogêneo na discussão contemporânea sobre a natureza, estrutura e função do pensamento crítico, buscamos contribuir com o esclarecimento das características, do valor e com a discussão de algumas dificuldades relativas a ideia de pensamento crítico que tem sido preconizada, em particular, pelo movimento da lógica informal e do pensamento crítico. Palavras-chave: pensamento crítico, lógica informal, raciocínio informal, persuasão, literatura filosóficocientifica inglesa.

Abstract This article presents a) a theoretical investigation of the nature and some components of critical thinking; b) a defense of the approach from which we guide ourselves in (a); c) an exposition of a discussion on controversial points raised by some criticism about the current approaches to critical thinking. Thus, we intend to provide a clarification on the following questions: What is the nature of critical thinking? What are (some of) components that allow us to understand its structure? What justification can be presented in favor of the study of critical thinking? What is the purpose of teaching the critical thinking? What approaches to critical thinking currently exist? What kinds of difficulties approaches based on Logic face? What kind of difficulties approaches to critical thinking in general face? Anyway, if we considering the fact that O presente texto é fruto de trabalho que iria ser apresentado no I Seminário Internacional Pensamento Crítico na Educação, ocorrido na Universidade de Aveiro, Portugal, entre 1 a 2 Julho de 2013. O texto original sofreu bastantes alterações, e aqui gostaria de agradecer imensamente à comissão científica deste Seminário pela análise, avaliação e sugestões cuidadosas e críticas. Há que se destacar também que o presente trabalho é fruto de avanços na investigação de um projeto de pesquisa que coordeno e venho executando, desde 2011, cadastrado na PROPPIT da Universidade Federal do Oeste do Pará, cujo o título é Pensamento crítico: um estudo das formas de pensar/escreve/argumentar em Filosofia. 1

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there is no homogeneous treatment in contemporary discussion about the nature, structure and function of critical thinking, then we aim to contribute to the clarification of the characterization of their values and some difficulties concerning the idea of critical ​​ thinking that has been advocated peculiarly by movement of informal logic and critical thinking. Keywords: critical thinking, informal logic, informal reasoning, persuasion, philosophical and scientific English literature.

INTRODUÇÃO As propostas dos quais nos baseamos e procuramos defender neste trabalho são descritas como abordagens ao pensamento crítico baseadas na Lógica2, o que quer dizer que são orientadas por, e fundamentadas em, princípios e normas lógicas. Tais princípios e normas lógicas são elementares e podem ser vistos como princípios e normas básicas que nos orientam em sermos pessoas críticas no quesito da argumentação, do raciocínio lógico e da persuasão de nós mesmos e de outras pessoas. As abordagens supracitadas fornecem métodos em pensamento crítico para se adquirir competências em saber como argumentar, raciocinar e persuadir, de forma bem elementar, lógica e racionalmente. Tais competências possuem uma aplicação que poderia ser aproveitada em muitos aspectos da vida cotidiana, profissional e em alguns ramos do conhecimento. Para começar nossa exposição, de modo a evidenciar algumas das possibilidades para se pensar a natureza do pensamento crítico a partir do ponto de vista de enfoques baseados na lógica, faremos agora algumas caracterizações da natureza deste pensamento. 2. O QUE É O PENSAMENTO CRÍTICO? ALGUMAS CARACTERÍSTICAS BÁSICAS Muitos livros sobre a natureza do pensamento crítico enfatizam o papel que desempenha a análise, a avaliação e o questionamento de si próprio como meio de promoção do mesmo: tanto é assim que estudar para se tornar um pensador crítico requer que uma pessoa desenvolva sua capacidade de refletir mais sobre si mesma, procurando apoiar a sua própria visão com bons argumentos e também a tentar ver os diversos lados de uma questão. 2.1. O pensamento analítico, avaliativo e questionador como pensamento crítico Uma forma de caracterizar o pensamento crítico é tentar mostrar que este é como um tipo de No estudo dessa literatura, é possível distinguir abordagens diferentes ao pensamento crítico, como destacou Jennifer Moon em Critical Thinking: an exploration of the theorie and pratice. Algumas delas são: a) a abordagem baseada na lógica; b) a que focaliza em componentes do processo e em competências e habilidades; c) a abordagem pedagógica; d) a abordagem que promove o pensamento crítico enquanto um modo de viver/ser; e) a abordagem do desenvolvimento; f) a abordagem que promove uma visão geral ao pensamento crítico. 2

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disposição obstinada e criativa que um indivíduo tem para analisar e avaliar possíveis objeções às suas próprias crenças e uma disposição de questionar autoridades (BEDAU; BARNET, 2011). Deve-se levar em conta que a natureza conceitual do pensamento crítico não se caracteriza apenas em questionar os pressupostos das outras pessoas. Embora possamos ter provas precisas e elaboradas contra uma visão, atacar um adversário e defender uma tese de forma mecânica e inconsciente não é pensar de forma crítica. Pensar criticamente é um exercício de análise e avaliação contínua de: • [...] ouvir as outras pessoas; • e ouvir a nós mesmos [...] (BEDAU; BARNET, 2011, tradução e itálico nosso). Pensar criticamente requer que realizemos uma discussão com nós mesmos questionando nossas próprias opiniões, inspecionando todos os lados possíveis de uma questão, ou tema, antes de se chegar a uma conclusão, ou um resultado final. Para citar o tipo de questionamentos, alguns destes seriam:  [...] o que pode ser dito a favor dessa proposição? e  o que pode ser dito contra essa proposição? [...] (BEDAU; BARNET, 2011, tradução e adaptação nossa).  As afirmações e suposições contidas em meus pontos de vista são consistentes?  Quais assunções/suposições sustentam meus pontos de vista?  Eu próprio estou aberto a novas ideias e conclusões alternativas?  Posso pensar sobre esta questão a partir de outra perspectiva? (ALLEN, 2004). 2.2. O pensamento crítico como raciocínio lógico argumentativo Outra característica do pensamento crítico é que este se trata de uma “(...) habilidade de avaliar corretamente argumentos apresentados por outros e compor bons argumentos por si próprio (...)” (RAINBOLT; DWYER 2012). Saber como argumentar e contra argumentar, e não apenas saber definir os termos, é o que envolve aprender e dominar a arte de pensar criticamente. O processo de se tornar um pensador crítico é um exercício em raciocinar e oferecer razões para o que acreditamos e fazemos. Como toda arte, requer prática e engajamento pois a mera repetição mecânica de algumas de suas técnicas não pode contribuir efetivamente para o desenvolvimento desta habilidade (RAINBOLT; DWYER, 2012). Cabe agora descrevermos alguns dos componentes que estão envolvidos no processo de pensar criticamente tal como foi por nós descrito, o qual chama-se de argumento. Para isto teremos de falar brevemente da composição e partes constituintes.

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Qualquer argumento possui como uma de suas partes duas coisas: 1) a primeira é denominada de “a razão oferecida para se acreditar em algo”, e a 2) segunda é a “crença das quais essas razões são destinadas a apoiar”. À primeira chamamos de premissas, e à segunda chamamos de conclusão (RAINBOLT; DWYER, 2012). Um argumento é por isso uma tentativa de fornecer razões (premissas) para que se possa pensar que alguma crença é verdadeira (a conclusão) (RAINBOLT; DWYER, 2012). Tanto as premissas quanto as conclusões, partes constituintes dos argumentos, são declarações. Uma declaração é uma frase que exprime uma afirmação e esta, por sua vez, possui valor de verdade, podendo somente ser verdadeira ou falsa. Uma frase que não é nem verdadeira nem falsa não pode ser uma declaração e não pode ser utilizada para construir um argumento bem formado. Logo, se um argumento inclui frases que não são declarações, então não é um argumento bem formado (RAINBOLT; DWYER, 2012). No processo de pensar criticamente sobre um dado tema/problema temos de procurar identificar, reconstruir e avaliar um argumento, exposto por alguém para defender algo, e para cumprir isso no mínimo de forma adequada é necessário que a pessoa em questão siga um roteiro. Apresentamos agora um percurso de modo a ilustrar uma forma possível de se encontrar e padronizar argumentos de forma crítica, segundo a análise lógica que é oferecida por Rainbolt e Dwyer (2012): 1. Procure por uma tentativa de convencer. 2. Encontre a conclusão. 3. Encontre as premissas ou razões iniciais que foram utilizadas para apoiar algo. 4. Faça uma revisão para ter certeza de que se identificou corretamente a conclusão e as premissas: indicadores imperfeitos de palavras, ordem das sentenças, premissas e/ ou conclusões em formas não declarativas e premissas e/ou conclusões não declaradas. 5. Faça uma revisão para ter certeza de que você não identificou incorretamente algo que fosse uma premissa ou uma conclusão e que não são na verdade parte de um argumento: como as perguntas, instruções, descrições e explicações (RAINBOLT; DWYER, 2012, tradução e adaptação nossa). Como já dissemos, as abordagens lógico argumentativas em pensamento crítico são vistos pelos próprios proponentes do movimento como de nível elementar, os primeiros passos no caminho da análise, reconhecimento, reconstrução e avaliação de argumentos. Uma abordagem adequada para esse nível elementar tem de apresentar um método de fácil apreensão e que permite, ainda, a padronização e o isolamento crítico de argumentos ou a concentrar a análise na forma do argumento. A finalidade de tal método é ajudar o estudante a revelar para si mesmo que todo e qualquer argumento deve de ter uma estrutura formal adequada (RAINBOLT; DWYER, 2012). Página 122 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

Um procedimento dessa natureza foi desenvolvido por Rainbolt e Dwyer (2012), o qual denominaram de método semi formal para padronização de argumentos. Os autores estavam conscientes, em Critical Thinking: the art of argument (2012), de que seria inadequado fornecer um método baseado na lógica simbólica formal - de pura complexidade e abstração e em uma linguagem artificial, que costuma intimidar as pessoas que iniciam os estudos. O método semi formal que apresentam foi elaborado com duas características essenciais: um apelo à linguagem natural e com um mínimo de rigor lógico, fornecendo técnicas para identificar e isolar as formas lógicas gerais dos argumentos (RAINBOLT; DWYER, 2012). No método os autores adotam uma notação simbólica simples de fácil memorização, usando uma combinação de letras como variáveis ​​(como S1 para uma declaração e S2 para a outra declaração), e palavras comuns (tais como portanto, logo, etc.). Citamos agora o método com a notação adotada:  (1) Se S1, então S2.  (2) S1.  (3) Portanto, S2 (RAINBOLT; DWYER, 2012, tradução, adaptação e itálico nosso). Enfim, o método foca na manutenção do uso de palavras comuns para as partes principais dos argumentos, isso permite que se perceba a forma lógica de um argumento mais facilmente. O método orienta o uso das variáveis S1 e S2 para lembrar aos alunos que afirmar o antecedente expressa uma relação lógica entre as declarações na exposição de ideias, bem como ilustra o conceito de forma lógica mantendo uma ligação visível com a linguagem cotidiana (RAINBOLT; DWYER, 2012). É um ponto que auxilia os alunos a pensarem criticamente treinando-os a saber identificar, isolar e explicitar a forma/estrutura profunda (lógica) dos argumentos que ocorrem em linguagem natural. 2.3. O Smart critical thinking: o uso efetivo do raciocínio/pensamento crítico Caracterizamos o pensamento crítico até aqui como um tipo de habilidade cognitiva e volitiva de formar crenças, e tomar decisões, somente com base em bons argumentos. Isto é, pensar de forma crítica é um processo de averiguação de argumentos que utilizamos e enfrentamos, para então determinar se são bons para sustentar um ponto de vista e tomar decisões. Para além dessa possibilidade de focalizar nos aspectos lógicos que exibem o fenômeno do pensamento crítico (aqueles aspectos essenciais e relevantes para a argumentação racional e lógica), o movimento do pensamento crítico e da lógica informal têm procurado desenvolver uma abordagem cuja orientação extrapola essa dimensão, mostrando como a chamada análise e o raciocínio lógico possuem uma função social em todas as suas manifestações. Nesta outra possibilidade para se pensar a natureza do pensamento crítico são apresentadas métodos/ técnicas para o aprendizado deste que realizam a junção entre o saber como algo que se Página 123 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

conhece e o conhecimento como uma função de comunicação, como meio de afiar habilidades de pensamento (ALLEN, 2004). Nesta parte deste trabalho, desejamos apenas expor a caracterização feita por Allen (2004) sobre a natureza conceitual do pensamento crítico dentro do contexto de sua abordagem a este, ou, como ele próprio denomina, a natureza conceitual do smart thinking. Vemos neste estudo por isso uma possibilidade a mais para se pensar a natureza do pensamento crítico (bem como uma possibilidade a mais para se ensinar a dominar este). A proposta de Allen em Smart Thinking (2004) é a de afiar habilidades de pensamento, e neste caso a capacidade de pensamento em questão é o raciocínio: um raciocínio afiado (smart thinking) nada mais é do que estar explicitamente consciente dos processos analíticos envolvidos no raciocinar, sendo que os processos analíticos de que o indivíduo tem de estar consciente é acerca da sua própria capacidade de fazer conexões e de notar as relações entre vários elementos e eventos do mundo real. Para este autor, o que realizamos com nosso raciocínio é o que conseguimos fazer com o nosso pensamento e o que, por sua vez, caracteriza a própria natureza do pensar: o raciocínio é descrito enquanto um processo de pensar e comunicar feito com base em, ou através de, razões que nos permite defender certos pontos de vista ou conclusões, bem como um processo de pensamento em que se compreende e explora relações entre muitos eventos, objetos e ideias em nosso mundo (ALLEN, 2004). A proposta é denominada por Allen ele próprio como o estudo da estrutura analítica das ideias em geral os quais são, essencialmente, a expressão mais clara e geral do raciocínio (ALLEN, 2004). Segundo o autor, nós normalmente nos deparamos com tais estruturas já incorporadas (de antemão) nas palavras que lemos e ouvimos, ou naquilo que todos nós já conhecemos e usamos os quais chamamos de linguagem natural (ALLEN, 2004). Ocorre que nenhum desses itens - os eventos, objetos e ideias de nosso mundo - são significativos por si mesmos isoladamente: um item só pode ser entendido em relação a outros itens. Pois bem, é o raciocínio que nos habilita a ir além de um mundo de inúmeros eventos, objetos e ideias que supostamente podem estar separados uns dos outros. A partir do momento que exercemos e exercitamos o raciocínio dessa forma, reconhecemos (nos tornamos conscientes de) que todos esses itens separados estão interligados, e o que nós sabemos sobre qualquer objeto em particular depende do nosso conhecimento de outros objetos (ALLEN, 2004). O raciocínio representa, por isso, um dos grandes avanços que os seres humanos têm feito na história evolutiva de sua capacidade de compreender e em dar sentido ao mundo (ALLEN, 2004). De forma a citar uma parte da análise conceitual das funções centrais que o raciocínio desempenha e a sua natureza, Allen o caracteriza como um

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(...) tecido complexo de habilidades que ajudam alguém a chegar a um ponto, explicar uma ideia complicada, fornecer razões para seus pontos de vista, avaliar as razões dadas por outros, decidir quais informações pode aceitar ou rejeitar, perceber os prós e os contras e assim por diante (...) (ALLEN, 2004). Para sabermos como aplicar de forma correta e plena o raciocínio (ou pensamento crítico), temos de saber como procurar por, e saber confiar em, no que se pode denominar de estruturas de conexões entre os eventos separados no mundo. Além disso, também temos de saber como fazer um esforço ativo e consciente para criarmos essas mesmas estruturas, pois, do contrário, tais conexões não podem ser notadas tão facilmente (ALLEN, 2004). Mas o que são essas estruturas de conexões entre os eventos separados no mundo que temos de estar conscientes na aplicação do pensamento crítico (raciocínio ou smart thinking)? São uma série de padrões de conexões entre coisas ou os eventos do mundo, a qual podemos chegar na aplicação do nosso raciocínio. E que série de padrões de conexões entre coisas eventos são esses? De modo a ilustrar esse ponto, descrevemos um dos exemplos fornecidos pelo autor. Vamos supor que uma pessoa segura uma maçã em uma das mãos e uma laranja em outra. Pode parecer que estes dois objetos são completamente diferentes entre si e que cada um parece ser compreensível apenas em seus próprios termos, uma maçã é uma maçã e uma laranja é uma laranja. No entanto, nosso raciocínio consegue ser mais avançado do que isso, consegue ir mais além do que a mera aparência de falta de conexão entre esses dois objetos. Isto é, somos capazes de compreender e comunicar o que pensamos sobre esses dois objetos quando começamos a notar mais padrões de conexões entre eles, tais como, cita Allen: • maçãs não são laranjas. • maçãs e laranjas são semelhantes em alguns aspectos: ambos são frutas, por exemplo. • esta maçã será, grosso modo, a mesma em relação a todas as outras maçãs que consumimos. • Se como essa laranja e gosto do sabor, então posso supor que, geralmente, gostamos do sabor de laranjas. • Alguém deve de comer uma, ou mesmo as duas, frutas porque está com fome (ALLEN, 2004, tradução e adaptação nossa). Allen procura fornecer em sua análise conceitual os padrões ou as estruturas que devem ser compreendidas e apreendidas em nossa aplicação do raciocínio, e tais estruturas conceituais são as seguintes, e exibiriam uma relação entre: • semelhança e diferença Página 125 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

• consistência e inconsistência • necessidade e suficiência (ALLEN, 2004, tradução e adaptação nossa). Além disso, temos de focar nossa atenção a uma série de padrões que podem ajudar-nos a notar como uma coisa está ligada à outra, que são, a saber, dois tipos principais de relações, as seguintes: • como as coisas se relacionam entre si, em um dado momento (ALLEN, 2004, tradução, adaptação nossa). • como as coisas se relacionam entre si, ao longo do tempo (ALLEN, 2004, tradução, adaptação nossa). Se ignoramos essas conexões na aplicação do raciocínio, então, a cada vez que fazemos e que pensamos, é como se estivéssemos experenciando novas coisas sobre o que fazemos e pensamos. Ora, se não somos capazes de confiar na experiência passada ou nas experiências com outras coisas, por exemplo, não seríamos capazes de fazer qualquer previsão sobre as experiências futuras que poderíamos ter (ALLEN, 2004). O que não é o caso. 2.4. Algumas habilidades que caracterizam um pensador crítico Até o presente momento, procuramos oferecer algumas caracterizações gerais, o qual podemos levar em conta, sobre a natureza conceitual do pensamento crítico, todas baseadas no quadro teórico das abordagens baseadas na lógica. Para que possamos completar nosso estudo, temos de entender também alguns outros aspectos centrais do pensamento crítico, que são as habilidades específicas em que se desempenha este pensamento. E estas são aprendidas e apreendidas de acordo com o estudo de métodos/ técnicas bem qualificadas, que temos de cumprir, para ser um pensador crítico: são habilidades em manipular processos lógicos específicos (MILLMAN, 1988), estratégias gerais e neutras de habilidades de análise, avaliação e construção lógicas de argumentos e habilidades que ajudam a desenvolver habilidades básicas de raciocínio (EINSTEIN, 1990), o qual os especialistas querem que os iniciantes adquiram e aperfeiçoem. As habilidades de um pensador crítico são por isso intelectuais (investigativas, analíticas e questionadoras, de especular ideias, conceitos, argumentos, etc.), são habilidades em que se treina o ler, escrever e pensar, e são todas técnicas mentais. Fornecemos uma lista de algumas dessas habilidades, extraídas do manual de Bedau e Barnet (2011), a seguir:  Avaliar hipóteses, evidências e inferências;  Apresentar ideias de forma eficaz - por exemplo, através da organização por escrito, de forma adequada, para o público (BEDAU; BARNET, 2011, tradução e adaptação nossa). Página 126 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

 Resumir com precisão um argumento lido;  Localizar teses (afirmações) de um argumento;  Explicitar suposições: declaradas e não declaradas;  Analisar e avaliar a força da evidência e da solidez do raciocínio oferecido em apoio a uma tese;  Analisar e avaliar as discrepâncias entre várias leituras sobre um mesmo tema (BEDAU; BARNET, 2011, tradução e adaptação nossa).  Imaginar que há uma audiência e que se deve escrever de forma eficaz (por exemplo, usando uma formalidade apropriada e fornecendo quantidade razoável de pormenor);  Apresentar informações de forma ordenada e coerente;  Estar ciente de seus próprios pressupostos/tendências;  Saber localizar fontes e saber incorporá-las em sua própria escrita, e não citar somente e extensivamente as fontes;  Registrar devidamente todos os empréstimos feitos por fontes externas - não apenas em citações e paráfrases, mas também quando se tomar ideias emprestadas de outras pessoas;  Fazer todas essas coisas no curso de desenvolvimento de seu próprio argumento (BEDAU ; BARNET, 2011, tradução nossa). Como vimos antes, o pensar é descrito enquanto um aspecto de um processo integrado de encontrar, analisar e comunicar informações, e o livro de Allen ensina a pensar de forma crítica mostrando como relacionar o conhecimento/informação com os processos de comunicação de nossas ideias, seja escrita ou oralmente. O curso de pensamento crítico que ele apresenta pode ajudar-nos a entender como promover o pensamento crítico através do trabalho sobre habilidades e técnicas subjacentes os quais nos permitem pensar melhor (ALLEN, 2004). Algumas dessas habilidades são investigativas, e Allen destaca as seguintes: • saber onde e como procurar a informação que se precisa; • compreender como essa informação está em relação ao seu próprio trabalho; • decidir qual informação é relevante para o seu tópico e qual não é; • identificar quando se precisa de mais informação para dar sentido a um problema (ALLEN, 2004, tradução e adaptação nossa). Outras são habilidades de comunicação de ideias, tais como:

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• estar ciente do público e das expectativas do que se está fazendo; • saber dos requisitos sobre como se comunicar de uma certa forma em uma determinada situação; • saber quais são suas próprias suposições/assunções e preconceitos • saber do papel da sociedade na formação desses preconceitos, os quais precisam ser considerados e explorados através de sua comunicação (ALLEN, 2004, tradução e adaptação nossa). 2.5. Hábitos mentais que caracterizam um pensador crítico Além das habilidades, a adoção de certos hábitos mentais também são necessários para se tornar um pensador crítico: um componente que auxilia-nos a estarmos ativa e conscientemente envolvido no processo de pensar criticamente (CREWS-ANDERSON, 2007). O estudo do pensamento crítico tanto oferece do que apenas uma melhora na capacidade de cada um de nós de identificar, analisar e avaliar argumentos, quanto ajuda no desenvolvimento de uma visão de mundo bem ponderada e consistente, na composição de argumentos racionalmente convincentes, e na melhoria da manipulação de informações (CREWS-ANDERSON, 2007). O que se pretende aqui é fornecer uma breve descrição de somente3 alguns dos auxílios pedagógicos exclusivos e necessários, para aquisição/adoção de alguns hábitos mentais básicos/ essenciais para ser um bom pensador crítico. 2.5.1. A autorreflexão O aprendizado da capacidade de reconhecer e avaliar argumentos pode ser compreendido como parte do exercício de uma capacidade humana mais geral que chamamos de autorreflexão, caracterizada sobretudo como a atitude de refletir sobre o que nós próprios pensamos sobre o (o conteúdo e a forma de nosso próprio entendimento do) mundo e acerca de nós mesmos. Isso quer dizer que bons pensadores críticos conhecem e procuram conhecer cada vez mais seus próprios pensamentos, pois tem a capacidade e o costume de perguntar a si mesmos coisas como “o que é que eu estou pensando a respeito disso?” (RAINBOLT; DWYER, 2012, tradução nossa) na tentativa de avaliar seus próprios argumentos. O estudo e adoção desse hábito tem uma finalidade, que é a de treinar os iniciantes a se Em Critical Thinking: The Art of Argument George Rainbolt e Sandra Dwyer (2012) apresentam vinte e dois tipos de hábitos mentais essenciais que caracterizam um pensador crítico. Citaremos e apresentaremos apenas sete desses hábitos essenciais, pois a nossa finalidade não é a mesma que a dos manuais desenvolvidos pelo movimento do pensamento crítico. Pretendemos apenas dar conhecimento da existência desse tipo de estudo como amostragem para se entender o que é necessário e as possibilidades que há na literatura para sobre a discussão de como se tornar um pensador crítico. 3

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tornarem mais conscientes, o máximo possível, da origem de seus próprios pensamentos e de suas tendências para pensar: estando cientes dessas tendências, estariam em condições de combater suas próprias propensões na escolha de uma melhor maneira para pensar sobre certas questões. 2.5.2. A curiosidade A curiosidade é outro hábito essencial a um pensador crítico. Tal hábito faz com que a pessoa em questão, na busca por crenças verdadeiras, e por bons argumentos para decidir no que acreditar, tenha a atitude de querer genuinamente saber sobre as coisas, e as razões pelas quais de as coisas serem assim e não de outra forma, ao invés de receber passivamente as crenças que se acaba por aceitar de forma mecânica e automática (RAINBOLT; DWYER, 2012). 2.5.3. A coragem Intelectual Outro hábito básico importante para pensadores críticos é que estes não devem temer questionar suas próprias crenças e as crenças dos outros: a coragem intelectual requer que se considere que sempre poderá haver disputas e debates sobre coisas às quais a ciência e a religião, talvez mesmo a família e os amigos, considerem que sejam questões fechadas: por exemplo, questões sobre a evolução e a origem do universo, ou a existência de Deus, etc. A coragem intelectual que um pensador crítico deve desempenhar é assumir os riscos de querer disputar e debater essas questões, mesmo sem a garantia de sucesso ou o fracasso; deve-se buscar a verdade, mesmo quando a verdade possa se tornar desconfortável para si mesmo e outras pessoas (RAINBOLT; DWYER, 2012). 2.5.4. Reconhecendo sua própria ignorância Reconhecer sua própria ignorância significa procurar ter a consciência de que não é possível para uma única pessoa possuir conhecimento de tudo, nem mesmo de uma área especial do conhecimento. A admissão da própria ignorância não deve se tornar um problema para a pessoa em questão, pois é a melhor coisa a se fazer quando se ignora um assunto: do contrário apenas aumenta a própria ignorância quando não se trabalha genuinamente para reduzi-la. A admissão da própria ignorância não é atestar fracasso de si mesmo, pois que fica evidente para si mesmo e outros que se tem uma apreciação correta (e consciente) da sua própria ignorância: o que, com a prática constante e consciente desse hábito, deixa de ser um problema tão desconfortável e se entende melhor “o porquê” devemos reconhecer nossa própria ignorância (RAINBOLT; DWYER, 2012). 2.5.5. O hábito de tratar visões opostas com imparcialidade Outro elemento importante que deve se tornar um hábito de um pensador crítico é o que podemos

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chamar de procurar abordar e entender os pontos de vistas opostos com a devida atenção e imparcialidade: se resume em se tratar todos os pontos de vistas, inclusive os que são opostos, de forma honesta e imparcial, pois “(...) se você ignorar uma visão sem dar-lhe a consideração que esta merece, você nunca saberá se a mesma é verdadeira (...)” (RAINBOLT; DWYER, 2012, tradução nossa). 2.5.6. O hábito de evitar chegar a conclusões precipitadas Extrair/inferir conclusões precipitadas é uma coisa comum em nossa sociedade. É ainda mais fácil de se adotar esse hábito quando tais conclusões ou crenças podem estar de acordo com a nossa própria opinião e são críticas negativamente a um outro ponto de vista. O hábito em questão pode ser entendido como evitar chegar a conclusões de forma precipitada, e somente avançar, cuidadosa e meticulosamente, das premissas ou razões até a conclusão. Para isso o neófito deve ter como hábito ter consciência de sua ignorância e somente chegar a conclusões por meio de argumentos que são fruto de uma investigação adequada em que se ponderou tudo o que se poderia ter ponderado ou que se poderia saber sobre a questão (RAINBOLT; DWYER, 2012). 2.5.7. O hábito de combater o autoengano e a racionalização Outro componente importante que deve fazer parte do conjunto de hábitos mentais de um pensador crítico, relacionados a todos os outros e principalmente com a autorreflexão, e que também entende-se como algo que se deve procurar evitar, é o autoengano. O autoengano pode ser caracterizado, e mesmo ser fruto de, uma observação empírica equivocada que alguém faz sobre si mesmo. Um pensador crítico tem que se esforçar a não fazer declarações empíricas incorretas sobre si mesmo (RAINBOLT; DWYER, 2012). Outra coisa que se deve evitar que se torne um hábito é a racionalização. Esta pode ser vista como um processo cuja forma é comum ao do autoengano. Racionalizar é, por um lado, criar ficções para si mesmo e se distanciar da realidade e, por outro lado, isso ocorre porque a pessoa em questão, numa dada situação de sua vida, não consultou corretamente a si mesma e nem mesmo sondou a opinião de outros. Deste modo, o processo de racionalização condiciona o sujeito a apresentar para si mesmo maus argumentos para se acreditar em algo e tomar decisões com base nessas crenças: a pessoa em questão apresenta um mau argumento que para si mesma pode parecer plausível mas que na verdade termina por enganar a si mesma em pensar que se tem boas razões para tal (RAINBOLT; DWYER, 2012).

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3. CONSIDERAÇÕES FINAIS 3.1. Razões a importância do estudo do pensamento crítico com o enfoque na lógica Por que alguém deveria estudar pensamento crítico e querer se tornar um pensador crítico? Qual a vantagem/importância desse tipo de habilidade para a vida de uma pessoa? No que se segue, apresentaremos algumas razões a favor da seguinte afirmação: é essencial e importante, para se tornar um adulto maduro e com capacidade para uma vida plena civil participativa numa democracia, estudar obras produzidas pelo movimento do pensamento crítico. As razões que apresentaremos a favor desta afirmação também podem ambientar o leitor no esclarecimento da importância/valor dos estudos em pensamento crítico. 3.1.1. A argumentação, a racionalidade das crenças e a persuasão racional A primeira razão a favor da crença da necessidade/importância do estudo do pensamento crítico é a ênfase que é dada à argumentação, na busca em promover um bom grau de racionalidade na discussão de questões em geral. Em pensamento crítico se procura compreender como se faz a identificação, a análise, a avaliação e a reconstrução dos principais tipos de raciocínio (dedutivos, não dedutivos, analógicos, estatísticos, causais, de autoridade, etc.): num estilo informal e dialógico (os exemplos fornecidos como ilustração são exemplos da vida real dos próprios alunos, sobre situações em sala de aula, com amigos, ou em casa, etc.), tornando os conceitos e métodos do pensamento crítico relevantes para alunos e professores e para o seu dia-a-dia, ferramentas que facilitam a compreensão de tais métodos que não sacrificam a precisão ou rigor (RAINBOLT; DWYER, 2012). Tais métodos permitem um desenvolvimento elementar e aumentam o nível de capacidade para o pensamento crítico de uma pessoa, na questão de persuadir, argumentar e raciocinar (HATCHER, 1999). Todos nós raciocinamos, argumentamos e persuadirmos a nós mesmos e outras pessoas diariamente. No entanto, tal ocorre com quase total desconhecimento dos princípios elementares que nos permitem fazê-lo melhor. Sem o conhecimento e domínio desses instrumentos, torna-se mais difícil conseguirmos ter uma vida plenamente realizada (MURCHO, 2012). Atrelado ao estudo da argumentação supracitado, outra vantagem e razão para se estudar pensamento crítico é a oportunidade para que uma pessoa não apenas aprenda a constatar se as crenças defendidas por seus amigos e familiares, mesmo os cientistas e filósofos e políticos, etc., são ou não sustentadas por argumentos racionais, mas também a oportunidade que terá de esclarecer para si mesma suas próprias crenças e as razões pelas quais possui para acreditar nelas. Ou seja, a pessoa em questão esclarecerá mais para si mesma, e por si mesma (claro com auxílio do orientador e dos textos) as coisas nas quais ela própria acredita, esclarecimento esse que permite a uma pessoa estar ciente e decidir no que acredita, das razões disso, e se as razões são boas (BAGGINI; FOSL, 2008). Página 131 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

Ainda ligado ao estudo da argumentação, outro motivo para se estudar pensamento crítico pode ser dito com a seguinte afirmação: é melhor ter crenças verdadeiras do que ter crenças falsas. Ora, por que é melhor? Vários motivos a favor desta afirmação podem ser explicitados, entre eles, destacamos os seguintes. Primeiro porque as crenças verdadeiras nos permitem fazer melhores escolhas, as escolhas que realmente uma pessoa pode querer fazer, pois tomar decisões com base em crenças falsas é não entender bem as próprias escolhas e, logo, pode-se escolher algo que não faça a si mesmo feliz - além do que faz a pessoa em questão perder tempo e dinheiro (RAINBOLT; DWYER, 2012). Segundo porque ter crenças verdadeiras é uma forma de entrar em contato com o mundo como de fato, e não hipoteticamente, o mundo é: se um dos objetivos da vida de uma pessoa é compreender aspectos do mundo real, nada melhor do que ter crenças verdadeiras. Do contrário, uma pessoa que tem muitas crenças falsas sobre o mundo em que vive perde o contato com a realidade (RAINBOLT; DWYER, 2012). Outra vantagem é que através do estudo do pensamento crítico o aluno adquirirá conhecimento dos diversos tipos de falácias que existem em nosso discurso, dos métodos inválidos (mas que aparentam ser válidos) de convencer a si mesmo e outras pessoas. A vantagem está em que esse conhecimento acerca das falácias conferi a cada um nós capacidade defensiva e ofensiva em debates, discussões, argumentações, fundamentações, etc. (PIRIE, 2008). É defensiva no sentido de que permite a uma pessoa se defender do uso das falácias por parte de outras pessoas, ou pelo menos que sua própria destreza nessa habilidade permitirá não ser convencida facilmente (e invalidamente) em suas relações sociais. É ofensiva no sentido de que permite a uma pessoa empreender a tarefa de fazer que suas argumentações o favoreçam e que seus argumentos sejam persuasivos, sólidos, posto que estudou métodos de pensamento crítico válidos e não válidos (e/ou que se deve evitar) para a construção de argumentos racionais e persuasivos. Assim, estudar para se tornar um pensador crítico é estudar as bases fundamentais e elementares da argumentação correta e do pensamento límpido e dos métodos que falham nesses aspectos lógicos da argumentação (PIRIE, 2008). 3.1.2. A argumentação como ato social Outra vantagem do estudo do pensamento crítico é que, como destaca Mattew Allen em Smart Thinking (2004), através deste se aprende também que o raciocínio, a argumentação e a persuasão não podem ser entendidos como se fossem puramente de natureza lógico formal, nem como se fosse somente de natureza abstrata. Vimos, neste trabalho, que sempre é também um ato social, já que as pessoas sempre usam o raciocínio para fins particulares, sejam eles econômicos, políticos, acadêmicos, familiares etc. A abordagem de Mattew Allen, em Smart Thinking (2004), procura enfatizar que a idade, a classe, Página 132 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

o gênero, a raça e mesmo a etnia influenciam toda a estrutura geral dos quais depende nosso raciocínio. Ora, se o raciocínio é influenciado por estes aspectos sociais, então corre-se o risco de não se pensar de forma eficaz ao ignoramos esses aspectos, porque as conexões e relações entre ideias, eventos, propostas que fazemos com nosso raciocínio só se tornam significativas no contexto de como, quando, onde e por que eles são comunicados uns aos outros (ALLEN, 2004). Enfim, temos de ter habilidade para entender o contexto social os quais estamos inseridos, as expectativas e os requerimentos exigidos para a comunicação do conhecimento, como aponta Allen, e uma forma de se fazer isso é o estudo de habilidades de pensamento crítico (do smart thinking) tais como as que são fornecidas em Smart Thinking, para revelar a lógica interna à, penetrar na complexidade da, sociedade (ALLEN, 2004). 3.1.3. O aprendizado do questionamento profundo e frequente Devido ao fato de que, no sistema educacional vigente, sermos formados de tal forma que sempre acreditamos e pressupomos que existe alguém que possa ter a resposta para tudo o que temos de fazer e pensar, outra vantagem deste estudo é a oportunidade que uma pessoa terá para aprender e aperfeiçoar-se neste quesito: como lembra Allen (2004), uma das habilidades do pensamento crítico é a de sermos questionadores de forma profunda e frequente, para fazer as perguntas certas, construindo conhecimento complexo sobre o mundo. Desta forma, estudar pensamento crítico é um caminho o qual pode nos orienta a desenvolvermos conhecimento complexo sobre o mundo, ao questionarmos profunda e frequentemente nossas concepções e as de outros. Pois para pensadores críticos não são apenas as respostas que devem importar e nem são estas a chave para o conhecimento complexo: a crença e a vontade de tomar as coisas como garantidas (ou certas ou definidas) tem por base estar satisfeito com respostas óbvias. Algumas avaliações do movimento do pensamento crítico O movimento do pensamento crítico não tem passado imune às avaliações de suas várias e distintas abordagens. O que se pretende aqui é descrever algumas dessas avaliações bem como apontar as sugestões construtivas que a avaliação crítica que Mattew Allen (2004) fez especialmente sobre a abordagem baseada na lógica, e a que Jennifer Moon (2005, 2008) direcionou ao movimento do pensamento crítico como um todo. 3.2.1. Avaliação sobre a abordagem ao pensamento crítico baseada na lógica Para começar, Mattew Allen tem contrariado, como vimos antes, parte do movimento do pensamento crítico o qual a abordagem se limita a ser eminentemente lógico-argumentativa, cujo interesse seja que o aluno compreenda, pratique e domine algumas regras da lógica: um estudo e ensino de um tipo de análise lógica e do raciocínio lógico argumentativo. Allen se recusa Página 133 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

a trabalhar somente sob esse tipo de orientação, pois segundo o próprio, (...) esta orientação complica ainda mais o processo de ensino e aprendizagem aplicadas às habilidades de pensamento crítico, uma vez que tende a remover o uso do raciocínio lógico e da análise de sua função social, mesmo no mais básico dos contextos sociais (...) (ALLEN, 2004, tradução nossa). A postura expressa nessa passagem pode ser entendida também como uma crítica aos limites e às potencialidades dessas abordagens porque não estão abertas à discussão de seus fundamentos (ALLEN, 2004). Allen reconhece que não há benefício algum para o movimento quando algumas abordagens do pensamento crítico se fecham num conjunto restrito de concepções de ensino/ aprendizagem puramente baseados em regras e princípios da lógica (ALLEN, 2004). Allen tem sugerido por isso que uma abordagem satisfatória que não pratique o divórcio epistemológico entre raciocínio/análise lógica e o contexto social o qual estão inseridos tem de saber combinar os pontos fortes da lógica (formal e informal) com o insight, que para ele próprio é novo, de que o raciocínio e a análise são sempre atos comunicativos e possuem função social (ALLEN, 2004). Allen ele próprio reconhece que a discussão destes fundamentos requer que se discuta também questões filosóficas profundas e importantes sobre as quais é impossível ignorar e não ter pressupostos teóricos sobre as mesmas: questões a natureza da verdade, da objetividade, do conhecimento e dos métodos a se chegar a estes últimos. Allen relata ter tido um benefício em ter permitido, em sua própria formação como pensador crítico, a discussão e a disputa entre a abordagem da lógica com abordagens pós-modernistas/relativistas. Nesse relato, diz que tal tensão permite criar (...) uma interação construtiva entre a facilidade com que se pode começar a melhorar seu pensamento e da complexidade do pensar sobre o smart thinking. Com base em minhas experiências com muitas centenas de estudantes, me sinto confiante em afirmar que é inadequado divorciar o pensamento analítico de seu contexto comunicativo. Fora dos limites estreitos de algumas disciplinas acadêmicas, a comunicação ocorre em grande escala, com muita pouca análise crítica para apoiá-la. É justamente na junção entre o “saber como algo que se conhece” e “conhecimento como uma função de comunicação” que a maioria de nós precisa de ajuda para afiar nossas habilidades de pensamento (ALLEN, 2004, tradução nossa). Pode-se perceber que Allen ambiciona vincular o estudo do pensamento crítico a questões de comunicação (escrita e oral) em contexto que são apropriados às mesmas. Fazendo isso seu trabalho vai além de definir o pensamento crítico como um processo lógico e abstrato. Como já dissemos, para este autor o pensamento crítico deve de ser entendido como um raciocínio cujo

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o funcionamento efetivo deve de ser feito sempre considerando todo um conjunto de ambientes de comunicação, de conhecimento e de informação, o qual vivemos hoje. 3.2.2. A avaliação às abordagens ao pensamento crítico Na exposição de Critical Thinking: an exploration of the theorie and pratice (2008) e A new perspective on the elusive activity of critical thinking: a theoretical and practical approach (2005), sobre o uso e a prática pedagógica do pensamento crítico que o movimento tem feito, Jeniffer Moon começa por relatar que “há uma ampla gama de pontos de vista diferentes sobre o que essa coisa é - o pensamento crítico” (MOON, 2008) e que isso revelou que “há entendimentos pouco claros” (MOON, 2008) sobre o assunto. Nossos comentários se concentrarão no mapeamento, diagnóstico e as consequências deste para o estudo e promoção do pensamento crítico que a autora extrai de seu envolvimento com o projeto denominado de desenvolvimento epistemológico. Bem, primeiro devemos esclarecer o projeto denominado de desenvolvimento epistemológico (epistemological development). Este programa estuda o desenvolvimento de crenças epistemológicas (development in epistemological beliefs). Isto é, descreve a maneira como ocorre o desenvolvimento epistemológico referente à forma como os estudantes concebem ser, em sua visão, a natureza do conhecimento: tal estudo procura compreender e classificar os níveis/fases da evolução das crenças epistemológicas dos alunos, desde a fase mais tenra até a fase adulta/madura. Moon (2005, 2008) avalia que o movimento do pensamento crítico como um todo tem negligenciado o problema dos níveis de progressão/desenvolvimento da capacidade/habilidade dos alunos de pensar criticamente, bem como negligenciado os níveis e fases distintas da atuação pedagógica que pode se realizar na promoção do pensamento crítico. Os proponentes em seus manuais de pensamento crítico aplicam as mesmas ideias tanto aos estudantes do ensino superior quanto de outros níveis escolares desconsiderando, e pressupondo que não existe, qualquer fase do desenvolvimento\progresso dos mesmos (MOON, 2005, 2008). Para Moon (2005, 2008) há uma sequência de desenvolvimento na concepção da natureza do conhecimento concebida por estudantes e que isso afeta, e está relacionado com, particularmente a capacidade para o pensamento crítico dos mesmos. Tal fato tem por consequência que deve-se levar em conta quais são os níveis e fases do desenvolvimento das crenças epistemológicas dos estudantes em cursos de pensamento crítico. O aspecto afetado é o que a autora denomina de profundidade do (ou a qualidade do) pensamento crítico dos alunos. O que Moon (2005, 2008) quer defender é que o crescente desenvolvimento do pensamento crítico dos alunos está relacionado com o, e se deve ao, na verdade, desenvolvimento das crenças epistemológicas dos mesmos, isto é, que um maior desenvolvimento epistemológico

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do aluno se dá sempre em um continuum de crescente sofisticação de sua concepção da natureza do conhecimento. Moon (2005, 2008) tenta mostrar que, quanto mais profundo o, ou quanto melhor a qualidade do, pensamento crítico de um aluno mais desenvolvido este tipo de pensamento se torna nos mesmos. Disso segue-se que quanto mais evoluída a concepção de conhecimento do aluno mais sofisticada se torna sua capacidade para pensar criticamente. Baseando-se nesse resultado, Moon (2005, 2008) tem sugerido ao movimento do pensamento crítico o estudo e a integração dos resultados da abordagem do desenvolvimento epistemológico em crenças epistemológicas para uma concepção e ensino mais abrangente, profundo e real da natureza do pensamento crítico. Segundo a autora, o movimento deva levar em conta a construção de uma abordagem que enfatize dois elementos:  A influência da concepção da natureza do conhecimento dos estudantes em sua própria capacidade de pensar criticamente;  E que a consequência que pode ter esse primeiro elemento na própria capacidade de pensamento crítico de um estudante deve ser visto como um processo de desenvolvimento (MOON, 2005, 2008, tradução e adaptação nossa). O estudo e promoção do pensamento crítico precisa se tornar também numa questão de desenvolver concepções de conhecimento dos alunos e não somente numa questão de dar atenção para o processo cognitivo dos mesmos: procurar fazer com que os alunos mudem de concepções absolutas de conhecimento para concepções contextuais de conhecimento. Baseando-se nessa abordagem do desenvolvimento epistemológico, Moon procura mostrar que, para que se possa ter uma capacidade plenamente desenvolvida para pensar criticamente, essa mesma capacidade tem que possuir como componente que o indivíduo em questão deva conceber a natureza do conhecimento “como sempre em construção” ou conceba este como uma “construção contextualizada” (MOON, 2005, 2008). O argumento que Moon propõe é o seguinte. Não é logicamente possível para uma educação ter como resultado um pensador absolutamente engajado na maneira própria do pensamento crítico sem que sua própria capacidade de pensar criticamente tenha crescido em relação ao seu desenvolvimento epistemológico, isto é, sem que as crenças epistemológicas dos alunos tenham evoluído para o estágio do entendimento do conhecimento como construção contextualizada (MOON, 2005, 2008). O que tem como consequência é que não se pode esperar que os iniciantes no curso de pensamento crítico já entendam e se apropriem de todos os conceitos e métodos, ignorando as fases de seu desenvolvimento epistemológico, embora, de uma maneira ou de outra, as atividades previstas de formação do pensamento crítico possam ajudá-los a fazerem algumas mudanças em sua própria capacidade para pensar criticamente. O curso e a atividade que são

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utilizadas pelo instrutor/orientador devem mudar conforme avançam os alunos, e as atividades de formação que suportam os métodos de pensamento crítico devem diferir conforme o andamento do desenvolvimento da concepção de conhecimento do aluno (seu desenvolvimento epistemológico). Tal acompanhamento da progressão tem de ser cuidadoso e deve ser auxiliada por um método baseado em questionário, como um meio de obter uma imagem de como os alunos vão concebendo, em sua própria visão, a natureza do conhecimento (suas crenças epistemológicas) conforme sua trajetória (MOON, 2005, 2008). REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Allen, M., (2004). Smart thinking: smart thinking: skills for critical understanding and writing. Melbourne: Oxford Univesity Press. Baggini, J., & Fosl, P. S. (2008). As ferramentas dos filósofos: um compendio sobre conceitos e métodos filosóficos. São Paulo: Loyola. Bedau, H., & Barnet, S. (2011). Critical Thinking, Reading, and Writing: a brief guide to argument. Bedford/St. Martin’s: New York/Boston. Crews-Anderson, T. A. (2007). Critical Thinking and Informal Logic. Penrith: Tirril/HumanitiesEbooks. http://www.humanities-ebooks.co.uk/book/Informal_Logic_and_Critical_ Thinking.html Hatcher, D. (1999). Why Formal Logic is Essential for Critical Thinking. Informal Logic. 19 (1), 7789. http://ojs.uwindsor.ca/ojs/leddy/index.php/informal_logic/article/view/2317/1760 Millman, B A. (1988). Critical Thinking Attitudes: A Framework for the Issues. Informal Logic, 10 (1), 45-50. http://ojs.uwindsor.ca/ojs/leddy/index.php/informal_logic/article/ view/2637/2078/. Moon, J. (2005). A new perspective on the elusive activity of critical thinking: a theoretical and practical approach. ESCalate, 1-44. http://escalate.ac.uk/2041 Moon, J. (2008). Critical thinking: an exploration of theory and pratice. New York: Routledge. Murcho, D. (2012). Prefacio à edição portuguesa. http://criticanarede.com/pensaraz.html Pirie, M. (2008). Como vencer todas as argumentações: usando e abusando da lógica. São Paulo: Loyola. Rainbolt, G. W., Dwyer, S. L. (2012). Critical Thinking: The Art of Argument. Boston: Wadsworth. Weinstein, M. (1990). Towards a Research Agenda for Informal Logic and Critical Thinking. Informal Logic. 12, (3), 121-143. http://ojs.uwindsor.ca/ojs/leddy/index.php/informal_ logic/article/view/2609/2050. Página 137 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

11.E-PORTFOLIO – CONTRIBUTOS PARA O PENSAMENTO CRÍTICO Susana Margarida Oliveira Gonçalves | [email protected] Lourdes Montero Mesa | [email protected] Estela Pinto Ribeiro Lamas | [email protected] Universidade de Santiago de Compostela

Resumo Neste artigo visamos analisar os contributos da elaboração do e-portfolio reflexivo no que concerne à construção do pensamento crítico. Reconhecemos a coerência da estratégia do e-portfolio com o paradigma reflexivo na formação de professores que, ao valorizar a reflexividade do profissional, os prepara para a imprevisibilidade e a singularidade do contexto educativo. Neste sentido, a criação do e-portfolio faz-se em cinco fases sempre pelo recurso às quatro dimensões do saber pois elas são fundamentais ao desenvolvimento de competências, entendidas como um “saber em uso”, utilizado de forma adequada, tendo em conta o contexto. O estudante, com a ajuda do professor, guarda as evidências (collection) e avalia-as; mostra aquelas que revelam as competências construídas (selection); faz comentários reflexivos, reconhecendo os objetivos atingidos, identificando as dificuldades e apontando para as competências a desenvolver (reflection). Em diálogo com o estudante, o professor disponibiliza feedback e feedforward, delineando estratégias e objetivos que suportam o processo de aprendizagem (projection / direction). Por último, o estudante é convidado a partilhar o seu e-portfolio com o professor e com os seus pares (presentation). Deste modo, o e-portfolio sustenta-se no paradigma construtivista, que favorece a reflexão (retro) e (pro) spetiva, a (auto), (hetero) e (co) avaliação, a (auto) regulação e a metacognição, implicando o estudante numa Aprendizagem ao Longo da Vida. O e-portfolio assume-se, assim, como uma atividade prática reflexiva, que potencia o julgamento do estudante sobre si, mas também sobre os outros, num construtivismo social onde está presente a intersubjetividade. Sustentadas em vários autores, afirmamos que o pensamento reflexivo, a metacognição, a (auto) regulação e a (auto) avaliação constituem um dos pilares do pensamento crítico e, por conseguinte, avançamos com a proposta da elaboração do e-portfolio reflexivo, no contexto da formação de professores, como estratégia de apoio à construção do pensamento crítico. Apresentamos a problemática, as finalidades e as conclusões de um estudo realizado no contexto da formação de professores que visa analisar a pertinência da estratégia do e-portfolio, no que concerne ao favorecimento da reflexão. A opção metodológica deste estudo é o paradigma qualitativo, mais concretamente um estudo de caso, sustentado em fontes documentais, tendo por objeto de estudo quinze e-portfolios. Socorre-se de três entrevistas a dois estudantes – professores em formação – e à professora, docente responsável pela Unidade Curricular “Portfolio Pessoal”.

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Tendo em conta a problemática referida, estruturamos o artigo em sete partes; na primeira, “Introdução”, fazemos um enquadramento do objeto de investigação do presente estudo; na segunda, “Formação reflexiva de professores”, apontamos para os atuais desafios na formação de professores, face ao reconhecimento da complexidade da realidade; na terceira, “E-Portfolio – Da formação reflexiva ao pensamento crítico”, exploramos as potencialidades do e-portfolio no que concerne à formação reflexiva de professores e os seus contributos a nível da construção de um pensamento crítico; na quarta, “Metodologia do estudo”, expomos as perguntas, os objetivos e a metodologia por nós selecionada; na quinta, “Resultados”, examinamos os dados recolhidos; na sexta, “Conclusões do estudo”, apresentamos as conclusões dos resultados; por último, apresentamos uma síntese reflexiva da temática abordada. Palavras-Chave: Pensamento Crítico; Reflexão; Avaliação; E-Portfolio; Formação de professores.

Abstract This article aims to analyse reflexive e-portfolios contribution concerning the development of critical thinking. We recognize the coherence of e-portfolio strategy with the reflexive paradigm in teacher education, which in enhancing the reflexivity of the professional, prepares them for the unpredictability and singularity of the classroom. In this sense, the creation of e-portfolio is carried out in five phases by the use of four dimensions because they are essential for the development of the competencies, understood as “knowledge in use”, used in an appropriate way, according to the context. The student, with the help of the teacher, collects the evidence and assesses it (collection); shows which reveal the competencies developed (selection); makes reflexive remarks, recognizes the objectives achieved, identifies the difficulties and points out the competencies to be developed (reflection). While discussing with the student, the teacher provides feedback and feedforward, delineating strategies and objectives that support the learning process (projection / direction). Lastly, the student is invited to share their e-portfolio with the teacher and their classmate (presentation). Therefore, the e-portfolio is sustained on the constructivist paradigm, which promotes the (retro) and (pro) spective reflection, the (self), (hetero) and (co) assessment, the (auto) regulation and metacognition, implicating the student in Lifelong Learning. The e-portfolio is thus assumed, as a practical reflective activity, which promotes self judgment, but also about the others, in a social constructivism, where intersubjectivity exists. Supported by several authors, it is declared that reflexive thinking, the metacognition, the (self) regulation and the (sef) assessment is a cornerstone of critical thinking and, consequently, the creation of a reflexive e-portfolio is put forward, in teacher education, as a strategy to support the construction of critical thinking. We present the issue, the purposes and the conclusions of the study done in the context of the teacher education, that aims to analyse the pertinence of e-portfolio strategy, with regard to facilitating the reflection. The methodological option of this study is the qualitative paradigm, more precisely case study, supported by documentary sources, with the object of the studying of fifteen e-portfolios. We resort to Página 140 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

three interviews with two students – future teachers – and the teacher responsible for teaching the Course “Personal Portfolio”. Taking into consideration the issue referred to above, this article is structured in seven parts; the first, “Introdução”, a framework of the investigation object of this study is made; the second, “Formação reflexiva de professores”, we point to the present challenges in the teacher education, on the face of the recognition of the complexity of reality; the third, “E-Portfolio – Da formação reflexiva ao pensamento crítico”, we explore the e-portfolio potential regarding the reflexive teacher education and their contribution in terms of critical thinking development; the fourth, “Metodologia do estudo”, we point out the questions, the aims and the methodology that we select; the fifth, “Resultados”, we examine the collected dates; the sixth, “Conclusões do estudo”, we present the conclusions of the results; finally, we present reflexive synthesis about the issue tackled. Keywords: Critical thinking; Reflection; Assessment; E-Portfolio; Teacher education.

INTRODUÇÃO O presente estudo analisa a pertinência da estratégia do e-portfolio no contexto da formação de professores. A nossa opção metodológica é o paradigma qualitativo, mais concretamente um estudo de caso sustentado na análise de fontes documentais, tendo por objeto de estudo quinze e-portfolios. Socorre-se de três entrevistas a dois estudantes – professores em formação – e à professora responsável pela Unidade Curricular (UC) “Portfolio Pessoal”, no âmbito da qual os quinze e-portfolios são construídos nos anos letivos 2010 / 2011 e 2011 / 2012. Este estudo foca-se no “caso” e-portfolio com marcos temporais e espaciais bem definidos (instituição particular do Ensino Superior). O “Portfolio Pessoal” é uma das UC que integra o plano de estudos do Mestrado em Ensino de Educação Musical do Ensino Básico, a qual visa que os estudantes perspetivem o seu desempenho profissional; se situem no momento atual, recuperando do passado conhecimentos e experiências, para a construção de bases sólidas a um desempenho profissional futuro; potenciem, pedagógica e didaticamente, os contextos em que se situam, no mundo da educação, especificamente no âmbito do Ensino da Educação Musical, pela e na interação com outros contextos nos quais se integra e atua (Guião – Critérios de avaliação). Estas competências são reveladas pelos estudantes através da apresentação de evidências solicitadas pela professora no Guião – Critérios de avaliação. Estas evidências compreendem •

comentário das pesquisas realizadas;



reflexão pessoal sobre a noção construída do que é o portfolio;



contributos do portfolio para o desenvolvimento pessoal e profissional;

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recuperação de experiências passadas;



construção do portfolio, partindo do esboço apresentado;



(re) construção discursiva dos novos conhecimentos no confronto com as recuperações realizadas;



contributo para a construção do glossário da UC;



realização de reflexões;



portfolio pessoal;



amostragem em sessão presencial do portfolio pessoal, focalizando uma das dinâmicas que orienta a realização do portfolio (10 a 15 minutos).

FORMAÇÃO REFLEXIVA DE PROFESSORES O desenvolvimento profissional realiza-se através de um pensamento reflexivo. O questionamento sistemático favorece a ação consciente e justificada, que abre vias ao recurso a estratégias adequadas ao processo de aprendizagem, quebrando os atos intuitivos e mecanizados, que provêm muitas vezes de tradições profissionais. Desde a proposta de Dewey (1964) até aos nossos dias, diversos são os modelos de reflexão propostos por vários autores. Destacamos Schön (1995, 2000) que apresenta a triplicação da reflexão: (i) a reflexão antes da ação (fase pré-ativa); (ii) a reflexão na ação (fase interativa); (iii) a reflexão após a ação (fase pós-ativa). Esta última serve de base ao trabalho de Korthagen e Vasalos (2005), que a perspetivam numa dimensão prática ao nível da formação de professores, apontando para o desenvolvimento profissional, procurando ajudar a compreender o porquê das discrepâncias entre a situação ideal, construída pelo profissional, e a situação real, que diz respeito ao desempenho profissional em situação de contexto de sala de aula. Os autores designam a sua proposta por modelo ALACT, que é constituído por cinco fases, que correspondem a cada letra, remetendo para a reflexão (retro) e (pro) spetiva. Assim •

a primeira fase – Action [A] – diz respeito ao momento do desempenho profissional que desencadeia uma experiência suscitadora da necessidade de reflexão por parte do profissional, conduzindo-o a prosseguir;



na segunda fase – Looking back on the action [L] –, questiona-se sobre o seu desempenho, tentando perceber o que terá sucedido durante a ação que impediu a concretização da situação idealizada (reflexão retrospetiva);



na terceira fase – Awareness essential aspects [A] –, decorrente dessa tomada de consciência, o professor, uma vez identificados os aspetos que criaram os

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constrangimentos questiona a ação (reflexão retrospetiva); •

na quarta fase – Creating alternative methods of action [C] –, o professor procede, então, numa nova tentativa de alcançar o que se propôs, a uma reflexão prospetiva, delineando estratégias para remediar a situação e passar à



fase cinco – Trial [T]. Estamos perante o próximo ciclo de reflexão, criando-se uma espiral do desenvolvimento profissional (Korthagen & Vasalos, 2005).

A reflexão incide, ainda, sobre vários níveis (Korthagen, 2004; Korthagen & Vasalos, 2005): mission (motivações e significado da profissão); identity (filosofia de profissão); beliefs (crenças); competencies (competências); behaviour (competências colocadas em prática); environment (factos ou fatores externos ao sujeito). De acordo com os mesmos autores (Korthagen, 2004; Korthagen & Vasalos, 2005), os níveis mission e identity são os menos considerados enquanto objeto de reflexão por parte dos professores (Korthagen, 2004; Korthagen & Vasalos, 2005) e são os que mais estão ligados à dimensão (inter) pessoal. Daí atribuirmos importância à proposta deste modelo, que alerta para o facto de que a profissionalidade não é só constituída, pela dimensão intelectual e pragmática, mas também pela dimensão (inter) pessoal. A presença destas dimensões no desenvolvimento do profissional é advogada por vários autores (Comenius, 2001; Delors, 2003; Korthagen, 2004; Korthagen & Vasalos, 2005; Nias, 2001; Nóvoa, 2009; Van Manen, 1995), que reconhecem a dimensão profissional e pessoal e a presença de conteúdos cognitivos e emocionais. Revemo-nos nas palavras de Nóvoa (2009, p. 208) quando afirma que “o professor é a pessoa [e que] a pessoa é o professor [e que por isso] é impossível separar as dimensões pessoais e profissionais”. Estamos convictas de que “no ensino, as dimensões profissionais se cruzam sempre, inevitavelmente, com as dimensões pessoais” (Nóvoa, 2009, p. 205). Ainda mais imperiosa se torna esta questão, quando o futuro professor contribui para o desenvolvimento da personalidade dos seus alunos e, por isso, esta formação convém que incida sobretudo nos quatro pilares da educação – saber, saber-fazer, saber-ser e saber estar (Delors, 2003). A reflexão do professor sobre aspetos da sua personalidade, mas também sobre as suas competências técnicas, presente no Onion Model (Korthagen, 2004; Korthagen & Vasalos, 2005), fomenta a capacidade deste gerir o seu desempenho profissional e de aprender a conhecer-se, estando, por conseguinte, preparado para a autorregulação. O ciclo autorregulatório aponta exatamente para o conhecimento do indivíduo de si como um todo e envolve aspetos pessoais (racionais e emocionais), comportamentais e contextuais, ocorrendo em três fases (Zimmerman, 1998, 2000): •

a fase prévia, que diz respeito aos processos de influência e ao sistema de crenças que Página 143 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

precedem o esforço para aprender, marcando o ritmo e o nível dessa aprendizagem; •

o controlo volitivo, que se refere aos processos que acontecem durante o esforço de aprendizagem e que podem afetar a concentração e o rendimento;



a autorreflexão, que alude aos processos que se verificam depois do esforço inicial de aprendizagem e que influenciam as reações a essa experiência. Esta última fase influencia a fase prévia e o esforço de aprendizagem subsequente, completando, deste modo, o designado ciclo autorregulatório.

A autorregulação dá lugar à metacognição, que consiste no ato do sujeito pensar sobre os seus próprios pensamentos, e à qual atribuímos duas características: a autoapreciação que decorre dos pensamentos da pessoa sobre o seu conhecimento, habilidades, estados afetivos, motivações e as suas características como aprendiz; a autoadministração que resulta do pensar do indivíduo sobre o modo como age (“pensar sobre o pensar em acção“) e como se organiza para resolver os problemas (Boas, 2006, p. 41). Desta maneira, pela reflexão, que possibilita a autorregulação e a metacognição, estão criadas as condições para um desenvolvimento profissional em espiral e, por conseguinte, para a Aprendizagem ao Longo da Vida. O modelo ALACT, aqui explorado, tem do nosso ponto de vista algo de inovador relativamente aos seus antecessores pois torna consciente o caráter da personalidade e da profissionalidade como algo inseparável e que influencia o desempenho profissional. E-PORTFOLIO – DA FORMAÇÃO REFLEXIVA AO PENSAMENTO CRÍTICO O portfolio é inicialmente utilizado por profissionais de várias áreas como arquitetos, fotógrafos e pintores com o objetivo de nele armazenarem os seus melhores trabalhos, apresentando mais frequentemente o produto final e raramente o processo do trabalho desenvolvido (Barrett, 2003; Cano, 2005; Shulman, 1999). A importação do portfolio para o mundo da educação tem origem nos Estados Unidos da América pelo papel interventivo de Bird em 1997, contra o modelo de avaliação por objetivos que vigorava e cujos instrumentos são um exame escrito e a observação de aulas. Neste contexto, propõe-se a importação do portfolio para o mundo da educação como alternativa. No contexto educativo, o portfolio assume dois propósitos (Bárbera & Martín, 2009; Barrett, 2003, 2005, 2006, 2011; Cano, 2005; Sá-Chaves, 2005): •

o primeiro centra-se nos propósitos do estudante – a aprendizagem – e denomina-se de (e)portfolio as assessment for learning (Barrett, 2005, 2006);



o segundo foca-se nos propósitos das instituições do Ensino Superior e, neste caso,

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designa-se por (e)portfolio as assessment of learning (Barrett, 2005, 2006). Enquanto o e-portfolio as assessment for learning sustenta-se numa avaliação para a aprendizagem – avaliação formativa –, o (e)portfolio as assessment of learning apoia-se numa avaliação da aprendizagem – avaliação sumativa. A expansão do uso do portfolio com cariz reflexivo no mundo da educação e a sua aceitação está relacionado com o facto de esta estratégia ser coerente com o paradigma crítico-reflexivo e ecológico na formação de professores capazes de responderem à imprevisibilidade no contexto educativo (Sá-Chaves, 2005). Na sequência das ideias defendidas por esta autora, entendemos sublinhar a ideia de que o “importante não é o portfolio em si, mas o que o estudante [aprende] ao criá-lo [constituindo-se, por isso, como] um meio para atingir um fim e não um fim em si mesmo” (Shores & Grace, cit. em Marinheiro, 2005, p. 164). Pela recolha de evidências, pela sua seleção, pela reflexão sobre as mesmas, pretende-se que o estudante – professor em formação –, reflita sobre o seu ser profissional e pessoal, criando as condições à construção da sua identidade profissional (Nóvoa, 2005; Sá-Chaves, 2005). Estamos, aqui, a remeter para a importância das narrações para a (auto) reflexão e (auto) consciência de si, na construção da identidade do professor porque, como já referimos, a “pessoa é o professor [e o] professor é a pessoa” (Nóvoa, 2009, p. 208) e, por isso, a interação entre o pessoal e o profissional tem de ser tomada em conta no contexto da formação de professores. O modelo de criação do e-portfolio reflexivo propõe cinco fases na sua elaboração (Barberà & Martín, 2009; Barrett, 2006, 2009, 2011; Stefani, Mason, & Pegler, 2007): •

collection of materials. Com a ajuda do professor, os estudantes guardam evidências das competências que desenvolvem;



selection of materials. As evidências são avaliadas e identificadas aquelas que revelam as competências desenvolvidas e que, posteriormente, são reveladas ao professor;



reflection. O processo de aprendizagem é avaliado pelo estudante através de comentários reflexivos, reconhecendo os objetivos atingidos (standards), identificando as dificuldades e apontando para as competências a desenvolver;



projection / direction. Em diálogo com os estudantes, o professor dá feedback e feedforward, delineando estratégias e objetivos que suportam o desenvolvimento do processo de aprendizagem;



presentation. Os estudantes são convidados a partilhar o seu e-portfolio com o professor e os seus pares.

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Neste contexto, o processo de realização do e-portfolio possibilita e favorece (Barberà & Martín, 2009; Barrett, 2001, 2005; Calderón & Buentello, 2006; Doig, Illsley, McLuckie, & Parsons, 2006; Stefani, Mason, & Pegler, 2007):

• a reflexão (retro) e (pro) spetiva potenciada pelo processo de criação nas cinco fases da elaboração do e-portfolio e pelo feedback formativo ou sumativo e pelo feedforward; • a avaliação que resulta num juízo de valor partilhado entre o estudante e os outros, o que remete para as três dimensões da avaliação: a heteroavaliação que se faz no diálogo entre o professor e o estudante; a coavaliação proveniente do diálogo entre pares, que potencia a partilha de ideias, de forma construtiva e que permite a aprendizagem com os outros; a autoavaliação que se realiza no olhar crítico por parte do próprio estudante do seu processo de aprendizagem; • a autorregulação que consiste na capacidade do estudante regular o seu próprio processo de aprendizagem e de proceder a alterações face aos obstáculos à aprendizagem e que é favorecida pelo feedback e feedforward do professor; • a metacognição, isto é, a capacidade do estudante perceber como aprende, como pensa, assim potenciando o seu desenvolvimento; em suma, consiste numa tomada de consciência de si próprio. Neste sentido, e partindo da conceção de pensamento crítico de vários autores (Ennis, 1985, 1996; Vieira & Tenreiro-Vieira, 2003; Vieira, Tenreiro-Vieira, & Martins, 2011), consideramos que o e-portfolio, por favorecer a reflexão, a (auto), (co) e (hetero) avaliação, a (auto) regulação e a metacognição, constitui uma estratégia para a construção e desenvolvimento de um pensamento crítico que encaramos como un pensamiento reflexivo, consciente de sí mismo, que no sólo piensa en lo que hace y lo que hacen otros, sino, igualmente, en los supuestos de los que parte y las consecuencias que se siguen de ellos. Pero no se limita a ello sino que busca opciones y alternativas. Además, es evaluativo o juzga por medio de criterios, valores y reglas. Sin embargo, es consciente de sus proprios límites, sobre todo, de la relatividad de los criterios, valores y reglas que emplea. En ese sentido, el pensamiento crítico es siempre autocrítico, con todas las posibles paradojas que supone ello (Harada, 2007, p. 13). Em suma, o pensamento reflexivo, a metacognição, a (auto) regulação e a avaliação – (auto), (co) e (hetero) avaliação – constituem um dos pilares do pensamento crítico e, por conseguinte, avançamos com a proposta da elaboração do e-portfolio reflexivo, no contexto da formação de professores, como estratégia de apoio à construção do pensamento crítico.

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METODOLOGIA DO ESTUDO O presente estudo analisa a pertinência do uso do e-portfolio no contexto da formação de professores e inscreve-se num paradigma qualitativo, mais concretamente um estudo de caso, cujas técnicas de recolha de dados utilizadas são a análise de documentos, o estudo de quinze e-portfolios e a entrevista. O trabalho de investigação foca-se no “caso” e-portfolio com marcos temporais e espaciais bem definidos. A pergunta de partida deste estudo é: De que modo a construção do e-portfolio constitui uma estratégia favorecedora do equilíbrio entre uma aprendizagem centrada no estudante – professor em formação – e a certificação das suas competências? Os objetivos gerais deste estudo são: (i) examinar de que modo a elaboração do e-portfolio favorece a reflexão (ii) verificar a forma como a construção do e-portfolio potencia o aproveitamento da competência digital; (iii) indagar de que modo a estruturação do e-portfolio possibilita o equilíbrio entre a avaliação formativa e a avaliação sumativa; (iv) analisar de que modo a criação do e-portfolio favorece as comunidades de aprendizagem. Tendo em conta os propósitos do estudo percorremos quatro etapas. Na primeira, analisamos o decreto-lei que enquadra o Mestrado em Ensino de Educação Musical do Ensino Básico, que é o contexto no qual os quinze e-portfolios são construídos no âmbito da UC “Portfolio Pessoal”, como já tivemos oportunidade de referir. Na segunda, examinamos o Guião – Critérios de avaliação cedido pela professora aos estudantes no sentido de os apoiar na elaboração do e-portfolio. Este documento permite-nos recolher dados sobre o modo como se processa a construção do e-portfolio, nomeadamente: •

o número de horas das sessões presenciais (22 horas), das sessões a distância (18 horas) e o tempo de trabalho autónomo (50 horas) dedicado a cada Unidade Didática (UD);



os objetivos da UC;



as competências a serem desenvolvidas e as evidências a serem reveladas;



os recursos a serem utilizados.

Por último, estudamos os quinze e-portfolios já referidos e realizamos entrevistas a dois estudantes e à professora. As entrevistas aplicadas constituem uma combinação entre a entrevista aberta e a semiestruturada. Esta combinação permite, por um lado, a recolha de dados de forma organizada, facilitando deste modo a sua análise e a formulação de conclusões; por outro lado, a exploração de temáticas que consideramos pertinentes aquando da entrevista, sem nunca perder, contudo, a sequência pré-determinada. Por ser semiestruturada, é elaborado um guião com as questões e a sequência com que é aplicada (Fontana & Frey, 1994; Freixo, 2010; Patton, 1987; Ruquoy, 2005). Página 147 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

RESULTADOS DO ESTUDO Com vista à clareza da discussão dos resultados criamos os seguintes códigos: “Ent.” – “entrevista”; “EP” – “e-portfolio”; “E” – “estudante”; Profa. – “professora” responsável pela UC “Portfolio Pessoal”. Os algarismos 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14 e 15 identificam os quinze estudantes que criam os e-portfolios. No que diz respeito ao modo como o e-portfolio é construído, os estudantes recorrem a vários formatos. Dos quinze e-portfolios, todos eles apresentam texto; treze exibem vídeos e fotografias e onze publicam mapas conceptuais. As evidências de reflexão encontradas nos e-portfolios remetem para três dimensões: reflexão retrospetiva, na ação e prospetiva. Os estudantes refletem retrospetivamente sobre as competências desenvolvidas; na ação sobre as dificuldades que sentem durante o processo de aprendizagem; prospetivamente sobre as expectativas relativamente ao processo de ensino e aprendizagem: resolvi algumas lacunas na minha Pedagogia. Ou seja, em cerca de 20 anos de serviço a leccionar e com um curso especializado num instrumento (EP2). Confesso que agora já me sinto um pouco mais à vontade quanto à realização dos trabalhos na página do moodle . . . considero que esta disciplina me irá orientar em diversas perspetivas . . . Considero esta disciplina muito pertinente para dar continuidade ao meu percurso como discente, e como docente para pôr em prática conhecimentos mais aprofundados e relacioná-los (EP9). A comparação entre a avaliação com caráter seletivo através de exames ou testes e a estratégia do e-portfolio é realizada por dois estudantes (Ent.E1; Ent.E2) e a professora (Ent.Profa.): O ver a mutação e não ficarem as evidências negativas porque elas se vão transformando, também, penso que é um fator muito positivo. O e-portfolio. O negativo desaparece. O ponto de partida que se chama a atenção, exatamente, vai modificando-se. Vai modificandose, desaparece. Eu não a tenho como evidência. Portanto, as evidências são o resultado desta caminhada toda e, com certeza, o que está muito negativo, automaticamente, é expulso . . . Se eu faço um exame eu fico com cinco (Ent.Profa.). mas, estes trabalhos académicos davam mais que fazer que uma frequência. A frequência chegou aquele dia acabou ali . . . Agora, num trabalho académico não. Nós pensamos que estava pronto para entregar e o professor diz: Façam uma leitura disto . . . E requer mais pesquisa, mais . . . Prontos, é diferente. Eu acho que tive mais facilidades em fazer a licenciatura que eram três anos do que propriamente o mestrado. Na licenciatura era só frequências. Estudava para as frequências uns dias antes e as coisas corriam-me bem. Ali já senti mais dificuldades (Ent.E2). Página 148 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

A criação do e-portfolio é acompanhada de “diferentes formas . . . tanto pela sala de aula . . . bem como pelo e-mail. . . através do “feedback sempre construtivo” (Ent.E1.) e feedforward, que lhes permite ir melhorando a elaboração do e-portfolio, o que por conseguinte leva a constantes mutações do mesmo. Este feedback é disponibilizado, não só pela professora, como por pessoas externas ao contexto sala de aula. Um dos estudantes recebe feedback de um dos seus alunos: Sinto me muito orgulhoso pelo stor mustrar ao mundo as minhas capacidades,e de mustrar ao mundo que eu e os outros deficientes somos capazes de fazer tudo como a gente normal, o stor mostrou o que que passa que nao teem o direito de nos encustar a uma parede e dizerem aí é que estais bem (EP6). A mutação do e-portfolio é, também, favorecida pela leitura que os estudantes fazem daquilo que lá colocam: “Quando pensamos que acabamos, logo vamos reler outra vez e achamos que ainda podemos melhorar mais aqui ou acolá, ou que nos faltou qualquer coisa. Acho que é um processo inacabado” (Ent.E2). Segundo um dos estudantes “o e-portfolio significa . . . principalmente, uma reflexão daquilo que já passamos e aquilo que podemos vir a ser, desenvolvendo, corrigindo ou, até mesmo, aprendendo com o passado que tivemos” (Ent.E2), de tal forma que se faz “interagir conhecimento de agora com conhecimentos antigos, de os projetar no futuro” (Ent.Profa.). Os estudantes concebem o e-portfolio como um processo inacabado e uma ferramenta para a reflexão e organização dos seus trabalhos: Vejo como um trabalho reflexivo sobre tudo o que eu for elaborando (EP3). Para mim o portfólio é . . . uma visão . . . sobre o processo de aprendizagem . . . é o espaço para reflectir sobre a sua viagem . . . Esta ferramenta possibilita a cada indivíduo escolher e procurar novas formas de saber de uma forma autónoma (EP1). é um processo inacabado e em constante construção (EP5). No que concerne aos propósitos do e-portfolio, eles indicam os seguintes: a avaliação do processo de aprendizagem por parte da professora; a reflexão e a organização do seu processo de aprendizagem. Portefólio Digital, é um local de multimédia onde podemos colocar, mostrar e organizar todo o tipo de trabalhos, permitindo desta forma ao avaliador, uma avaliação mais activa e com uma visão de todo o processo ensino-aprendizagem do aluno ao longo de um período (EP7). O portefólio tem como objectivos: estimular o pensamento reflexivo, incentivar a reflexão na e sobre a acção e permitir fazer conexões entre teoria e prática (EP8). Talvez por esse motivo, E2 (Ent.) refere que “eu construí aquilo à minha medida [e que] se formos Página 149 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

comparar os portfolios, não estão todos iguais”. Os estudantes constatam a sua autoconstrução porque para além das evidências que são propostas pela professora, eles têm liberdade para estruturar e colocar outras: Não só pelas evidências que nos eram postas em causa, digamos, dentro da Unidade Curricular para a realizarmos, mas através da própria pesquisa pessoal fazer, fazer outras reflexões que nos permitiram essa autoconstrução . . . Havia algumas, certas evidências que nos eram propostas. Não é? Pelo próprio professor da unidade curricular, mas como eu falei há bocado, também, havia a própria autoconstrução. A nossa autoconstrução (Ent.E1). Esta autoconstrução, como refere E1 (Ent.) leva-o a “refletir, também, sobre o quê e como quererei avançar”. Por isso, estamos face a uma autoconstrução do estudante do seu próprio passado evidenciado no e-portfolio através da apresentação das evidências, que o levam a refletir (retro) e (pro) spetivamente: aprender confrontando-me com aquilo que vou escrevendo e com o meu questionamento . . . Cada um de nós acaba por ter uma forma diferente de aprender. E, é neste confronto que a pessoa descobre a sua forma de aprender. A metacognição acaba por estar sempre, também, presente (Ent.Profa.). A autonomia está implícita, está implícita na autoconstrução . . . No fundo vamos, também, caminhando também para a metacognição . . . Porquê? . . . vamos aprender a forma de que forma aprendemos (Ent.E1). A autoconstrução faz-se porque o e-portfolio constitui o “manual” do estudante; é ele que o constrói; é “o responsável por estruturar os seus próprios saberes”; é ele que coloca no e-portfolio “os seus conhecimentos” e “esses conhecimentos estão ali sempre disponíveis” (Ent.Profa.). Esta constante (re) construção do e-portfolio é favorecida na opinião dos estudantes (Ent.E1; Ent. E2) e da professora pelo seu caráter digital que promove, não só a agilização na (re) construção do e-portfolio como dá lugar ao diálogo entre vários “eus” e, também, ao diálogo com o próprio “eu” porque “ao escrever aquilo tem uma dimensão muito maior e apercebemo-nos de pormenores, [que] se calhar . . . se nós não escrevermos [e permite] recordar o meu passado e perspetivar o futuro” (Ent.E2). Esta perceção dos pormenores relativamente ao passado deve-se ao facto da “escrita, a uma certa distância, sobre aquilo que vai acontecendo, [levar à] reflexão [e de permitir] uma revisitação num outro momento, confrontando com outras aprendizagens” (Ent.Profa.). A potencialidade da estratégia do e-portfolio para uma aprendizagem centrada no estudante é revelada por E2 (Ent.) quando afirma que “Eu construi aquilo à minha medida”. Esta potencialidade do e-portfolio de permanente (re) construção é sustentada por E2 (Ent.) quando afirma “Se Página 150 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

queremos alterar um artigo, vamos ali e alteramos e metemos outra vez”. A professora (Ent.) afirma, também, que “esses conhecimentos estão ali sempre disponíveis. Eu posso ir sempre trabalhá-los. Posso ir sempre modifica-los”. A facilidade na “mutabilidade do e-portfolio” (Ent.Profa.) é realizada mediante a comparação com o portfolio: penso que é mais difícil fazê-lo em papel . . . a grande vantagem é a agilização do processo (Ent.E1). se for em papel, digamos, teremos que andar a desfolhar . . . papel enganaste ou assim e é uma folha que vai para o lixo . . . permite o feedback com todo o mundo . . . se queremos alterar um artigo, vamos ali e alteramos e metemos outra vez (Ent.E2). No e-portfolio nós podemos sempre ir renovando, ir mudando, ir aumentando. É muito mais difícil no papel fazer essas mudanças. Podemos, portanto, o tal aperfeiçoar. O aperfeiçoamento (Ent.Profa.). CONCLUSÕES DO ESTUDO Em jeito de conclusão, apresentamos a análise que fazemos do e-portfolio no contexto da formação de professores. Esta análise realiza-se mediante a resposta às questões que colocamos inicialmente e que guiam o presente trabalho de investigação. Assim, como resposta à primeira questão – De que forma a construção do e-portfolio favorece a reflexão dos professores em formação? – concluímos que a construção do e-portfolio conduz os estudantes à reflexão (retro) e (pro) spetiva sobre si. A reflexão faz-se ao nível da dimensão pessoal (saber-ser e saber-estar) e profissional (saber e saber-fazer). É de salientar que a dimensão pessoal está subjacente à dimensão profissional e académica. Não obstante, julgamos importante estabelecer esta diferenciação porque em determinados casos, a dimensão pessoal prevalece como facto marcante. Remetemos, assim, para uma educação holística, que se sustenta nos quatro saberes: saber, saber-fazer, saber-ser e saber-estar (Delors, 2003). Segundo os estudantes (Ent.E2; Ent.E1) e a professora (Ent.Profa.) a criação do e-portfolio, pelo recurso à escrita potencia a reflexão (Behrens, 2008; Cano, 2005). A estratégia da escrita aliada ao facto do e-portfolio ser público, exige-lhes cuidado com a redação e a apresentação (Bárbera & Martín, 2009). Porque está on-line – público – potencia a reflexão sobre o que e como escrevem, selecionam, organizam e partilham. A reflexão é, também, favorecida pela criação do e-portfolio pois os estudantes quando estruturam os conteúdos, organizam e articulam os conhecimentos (Flanigan & Amirian, 2006), o que é possível pela reflexão. Assim, a construção do e-portfolio sustenta-se numa aprendizagem

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centrada no estudante uma vez que é ele próprio que constrói o seu conhecimento. Relativamente à segunda pergunta – De que forma a estruturação do e-portfolio potencia o aproveitamento da competência digital dos professores em formação? – consideramos que a estruturação do e-portfolio potencia o aproveitamento da competência digital dos estudantes, na medida em que ao construírem o e-portfolio, eles procuram, analisam, selecionam, organizam e tornam público as evidências de aprendizagem e outros dados que por sua iniciativa partilham. Apontamos aqui para o aproveitamento da competência digital porque eles fazem uso da competência informática (utilização dos computadores, programas informáticos e de internet) e da competência da informação (saber procurar, analisar, selecionar, organizar e tornar público os dados recolhidos) (Comisión Mixta Crue-Tic y Rebiun, 2009). Os estudantes reconhecem o digital como uma potencialidade inerente ao e-portfolio. Este caráter digital possibilita o hipertexto que leva à articulação entre os conteúdos; permite o recurso à multilinguagem que facilita a comunicação e a (re) estruturação; agiliza a consulta dos conteúdos quando comparado com o portfolio. A multilinguagem evidencia-se nos quinze e-portfolios através da utilização do formato texto (quinze e-portfolios), vídeo (treze e-portfolios), imagem (treze e-portfolios) e esquemas (onze e-portfolios). Quanto à terceira questão – De que forma a elaboração do e-portfolio possibilita o equilíbrio entre a avaliação formativa e a avaliação sumativa no contexto da formação de professores? – concluímos que o equilíbrio entre a avaliação formativa e a avaliação sumativa é potenciado e reconhecido pela professora e pelos estudantes; faz-se pela construção de um clima de confiança entre as partes envolvidas no processo de ensino e aprendizagem. Assim, criam-se condições à revelação das dificuldades e dos obstáculos por parte dos estudantes à professora (Perrenoud, 1999). Esta relação de confiança, segundo os estudantes, é potenciada pelo facto do e-portfolio remeter para uma reflexão sobre a dimensão, não só profissional e académica, mas também do ponto de vista pessoal. Esta partilha do seu ser pessoal possibilita, segundo os estudantes, darem-se a conhecer à professora e, assim, construir uma relação mais próxima. Os estudantes revelam que o e-portfolio lhes permite demonstrar as competências por si desenvolvidas (Doig, Illsley, McLuckie, & Parsons, 2006) e que o digital facilita este evidenciar do processo de aprendizagem (Bartlett, 2006). No que diz respeito à quarta e última questão – De que forma a criação do e-portfolio favorece as comunidades de aprendizagem no contexto da formação de professores? – constatamos que a criação do e-portfolio leva à construção das comunidades de aprendizagem (Calderón & Buentello, 2006) pois o e-portfolio é apontado pelos estudantes como potenciador à construção das comunidades de aprendizagem, uma vez que a partir dele, se estabelecem contactos no contexto académico (pares e professores de outras UC) e fora dele. Página 152 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

Sintetizando, entendemos que o e-portfolio é assumido pelos estudantes como estratégia potenciadora de um equilíbrio entre a aprendizagem centrada no estudante e a avaliação sumativa. Por um lado, os estudantes revelam que se cria uma relação de confiança entre eles e a professora, tendo o caráter de reflexão sobre a dimensão pessoal contribuído para tal porque é a forma como se dão a conhecer à professora. Deste modo, revelam as dificuldades que encontram ao longo do processo de aprendizagem. Por outro lado, os estudantes sentem que através desta estratégia evidenciam as competências por si desenvolvidas, facto este facilitado pelo caráter digital do e-portfolio. SÍNTESE REFLEXIVA Em conclusão, a estratégia do e-portfolio reflexivo sustentada numa avaliação formativa promotora da (auto) avaliação, da (auto) regulação e da metacognição cria condições para uma formação de professores reflexivos. A reflexão, por levar à autoconsciência, constitui-se como fator determinante na construção da identidade profissional, que se realiza ao nível do racional e do emocional. Neste contexto, o e-portfolio surge com toda a pertinência pois tem a virtualidade de criar condições ao desenvolvimento do indivíduo na sua dimensão intelectual, pragmática, pessoal e interpessoal. Estamos face à educação holística, sustentada nos quatro pilares da educação: saber, saber-fazer, saber-ser e saber-estar. O estudo que aqui apresentamos permite-nos constatar que os estudantes e a professora reconhecem o e-portfolio como estratégia favorecedora da reflexão, num construtivismo social onde está presente a intersubjetividade. Por ser capaz de criar condições para a sua reflexão, consideramos que a criação do e-portfolio constitui um contributo para o pensamento reflexivo; não o e-portfolio em si, mas o processo da sua construção. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Bárbera, E., & Martín, E. (2009). Portfolio eletrónico: Aprender a evaluar el aprendizaje. Barcelona: Editorial Universitat Oberta de Catalunya. Barrett, H. (2001). Electronic Portfolios – A chapter in educational technology. http:// electronicportfolios.com/portfolios/encycentry.pdf Barrett, H. (2003). Presentation at first international conference on the e-portfolio. http:// electronicportfolios.com/portfolios/eifel.pdf Barrett, H. (2005). White paper: Researching electronic portfolio and learner engagement. http:// electronicportfolios.com/reflect/whitepaper.pdf Barrett, H. (2006). Using electronic portfolios for formative / classroom-based assessment. http://

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12.UM CAMINHO PARA A VALORIZAÇÃO DA PROMOÇÃO DO PENSAMENTO CRÍTICO NO 1º CICLO DO ENSINO BÁSICO Ana Cristina Torres | [email protected]

Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto – Centro de Investigação e Intervenção Educativas

Rui M. Vieira | [email protected]

Universidade de Aveiro, Departamento de educação, CIDTFF

Resumo O contexto escolar português reveste-se de um ensino de ciências focado em conceitos e processos científicos, em detrimento da promoção de atitudes, valores e capacidades de pensamento, incluindo o pensamento crítico. Este cenário é ainda mais preocupante no 1.º Ciclo do Ensino Básico [1.ºCEB], onde a componente das Ciências é obliterada pelas crescentes exigências ao nível de áreas disciplinares legalmente consideradas basilares (Português e Matemática), e pela insuficiência de recursos didáticos adequados bem como de formação de professores. De facto, não nos encontramos num cenário completamente novo pois, tal como historicamente tem sido evidente na implementação de outras inovações educativas que intentam a superação de um ensino das ciências de cariz mais convencional, é difícil conceber professores do 1.ºCEB a implementar atividades de promoção de pensamento crítico nos seus alunos, quando os mesmos desconhecem o seu potencial, nunca o vivenciaram em contexto de sala de aula e não têm acesso a abordagens, estratégias e recursos adequados para o fazer. Alguma investigação em contexto de sala de aula tem sido desenvolvida no sentido de colmatar estas lacunas. Apresenta-se um estudo que envolveu o desenvolvimento de um conjunto de atividades de orientação Ciência-Tecnologia-Sociedade [CTS] para o ensino das ciências no 1.ºCEB e o acompanhamento da sua implementação por um conjunto de professores do 3º e 4º ano de escolaridades, no âmbito de um programa de formação, no sentido de promover práticas de ensino CTS no 1.ºCEB. As linhas didáticas da orientação CTS valorizam o desenvolvimento de conhecimentos, capacidades (por ex., pensamento crítico) e atitudes (por ex., cooperação, curiosidade) e sua mobilização em processos de tomada de decisão fundamentada e de ação responsável. Por tal, julgou-se ser indispensável incluir atividades explicitamente promotoras de capacidades de pensamento crítico nos alunos do 1.ºCEB. Descreve-se e analisa-se um conjunto de atividades implementadas numa turma de 4º ano de escolaridade, onde os alunos foram levados a analisar criticamente notícias de jornal sobre uma questão sócio científica de relevância - a construção de uma barragem hidroelétrica no rio Tua (Mirandela) - e a debater pontos de vista na sala de aula. A implementação deste conjunto de atividades teve resultados relevantes no professor que as implementou pois passou de uma tendência para um ensino marcado por características das perspetivas transmissiva e de descoberta, para uma valorização explícita da promoção de capacidades de pensamento crítico no 1.ºCEB. Efetivamente, de todo o seu envolvimento no projeto, o aspeto que o professor mais destacou como tendo maior relevância foi a intenção de passar a incluir nas suas práticas pedagógico-didáticas

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atividades que promovam a mobilização, por parte dos alunos, de capacidades de pensamento através da «análise de pontos de vistas diferentes, análise de prós e contras e de tomadas de decisão». Assim se aponta o desenvolvimento de atividades de ensino-aprendizagem de orientação CTS como um possível caminho para a valorização intencional da promoção do pensamento crítico no 1.ºCEB. Palavras-Chave: Recursos didáticos; 1.ºCEB; Ensino CTS; Pensamento Crítico; Visões e práticas dos professores;

Abstract The Portuguese school context is still characterized by science teaching focused on scientific concepts and processes, with a scarce presence of the promotion of attitudes, values ​​and thinking skills, including critical thinking. This set is of particular concern in the teaching and learning processes of the 1st Cycle of Basic Education (Primary school), where sciences’ subjects are obliterated by growing demands in subjects that are legally considered cornerstones (Portuguese language and Mathematics), and also by insufficient appropriate teaching materials as well as teachers’ education. In fact, this set is no novelty. As historically evident in the implementation of other innovations in Education that seek an escape from more conventional ways of teaching Sciences, it is difficult to conceive the idea of primary teachers implementing activities to promote critical thinking skills in their pupils, when they don’t know about its potential, never experienced those kinds of activities in a classroom and can’t access to appropriate models, strategies and materials to do it. Some classroom research has been developed to overcome these shortcomings. This paper presents a process of developing a set of activities with a Science-Technology-Society [STS] orientation to teach sciences in primary school and the monitoring of its implementation by a group of 3rd and 4th grade teachers, in a teachers’ education program aimed at promoting STS teaching practices in primary school. STS teaching values the development of knowledge, skills (e.g., scientific questioning, critical thinking) and attitudes (e.g, accuracy, cooperation, curiosity) and its use in processes of reasoned decision making and responsible action. So, it was thought to be imperative the inclusion of activities to explicitly promote critical thinking skills in primary school pupils. It will be described and discussed a set of teaching activities that was implemented with a 4th grade class where pupils were led to critically analyze news about a relevant socioscientific issue - the construction of a dam and a hydroelectric power station in the Tua river (Mirandela, Portugal) – and to debate points of view in the classroom. The implementation of this set of activities had remarkable results in the primary school teacher that implemented them. He moved from a trend to teaching strategies based on a transmissive and discovery perspetive to an explicit enhancement of the promotion of critical thinking skills in primary school pupils. In fact, of all his involvement in the project, the feature that the teacher pointed out as being the most relevant was his intention of including in his teaching practices strategies that promote the pupils’ use of thinking skills, through «the analysis of different points of view, analysis of pros and cons and decision making». Thus it’s pointed out the development of teaching and learning activities with a STS orientation as a possible path to intentionally value the promotion of critical thinking in primary school.

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Keywords: Teaching resources; 1st Cycle of Basic Education (Primary school); STS Teaching; Critical Thinking; Teachers’ visions and practices

INTRODUÇÃO Vem de longe um clamar por um ensino das ciências mais contextualizado em questões sociais, impulsionador do interesse dos alunos pela Ciência e valorizador do desenvolvimento de atitudes, capacidades e valores, para além de conceitos e processos científicos. É neste contexto que o movimento da literacia científica, como conjunto de finalidades da educação em ciências, conflui com o movimento do ensino Ciência-Tecnologia-Sociedade [CTS], como conjunto de recomendações para se alcançar essas finalidades. O movimento CTS constitui uma inovação que dá prioridade a conteúdos atitudinais e axiológicos implicados na compreensão das interrelações Ciência, Tecnologia e Sociedade, tendo em vista um desempenho pleno de uma cidadania crítica, responsável e informada (Acevedo-Romero & Acevedo-Díaz, 2003). Para tal, um dos seus propósitos constitui o desenvolvimento de capacidades de pensamento crítico, essenciais à pesquisa, seleção e organização de informação para a resolução de problemas, tomada de decisão e expressão de opiniões fundamentadas (Aikenhead, 1994; AcevedoRomero & Acevedo-Díaz, 2003; Vieira, 2003; Vieira, Tenreiro-Vieira & Martins, 2011; MartínDíaz, Gutiérrez-Julián & Gómez-Crespo, 2013). Pelo que um ensino CTS tem sido defendido, quer como forma de promover a literacia científica, quer como contexto para se promover o desenvolvimento de pensamento crítico, sendo mesmo designado por ensino CTS/PC (Vieira, 2003). Neste quadro, torna-se necessário desenvolver recursos didáticos inovadores balizados nas orientações referidas e implementá-los em contextos de formação e desenvolvimento profissional de professores. A produção de atividades de ensino CTS explicitamente orientadas para o desenvolvimento do pensamento crítico dos alunos, é uma forma de estimular os professores de 1.º Ciclo do Ensino Básico [1.ºCEB] a valorizarem este desenvolvimento para replicarem um questionamento promotor de pensamento crítico em estratégias futuras. Nesse sentido, dinamizou-se um projeto de desenvolvimento de um recurso didático de orientação CTS para o 1.ºCEB e o acompanhamento da sua implementação por professores no âmbito de um programa de formação, com a finalidade de promover práticas de orientação CTS nos professores participantes (Torres, 2012). Apresenta-se aqui um conjunto de atividades, integradas no recurso didático desenvolvido, explicitamente orientadas para a promoção de capacidades de pensamento crítico, e uma descrição da sua implementação por parte de um professor de 4º ano, bem como alguns efeitos deste processo no professor em termos da valorização da promoção do pensamento crítico no 1.ºCEB.

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ENSINO CTS E PENSAMENTO CRÍTICO NO 1.ºCEB – O PONTO DE PARTIDA A multiplicidade e complexidade de perspetivas implicadas nos movimentos de literacia científica, incluindo o CTS, tem encontrado obstáculos na tradução para as práticas docentes (Martín-Díaz, Gutiérrez-Julián & Gómez-Crespo, 2013). O contexto escolar português não é exceção, com um ensino focado em conceitos e processos científicos, com uma presença residual da promoção de atitudes, valores e capacidades de pensamento, incluindo-se neste rol o pensamento crítico (Vieira, 2003; Caamaño & Martins, 2005). Este cenário é especialmente preocupante no 1.ºCEB, onde a componente das Ciências é obliterada por crescentes exigências em áreas disciplinares legalmente consideradas basilares (Português e Matemática), e dificultada pela insuficiência de recursos didáticos adequados, bem como de formação inicial e contínua de professores estimuladora da tradução das recomendações destes movimentos para as práticas docentes (Vieira, Tenreiro-Vieira & Martins, 2011; Martín-Díaz, Gutiérrez-Julián & Gómez-Crespo, 2013). De facto, não nos encontramos num cenário completamente novo pois, tal como tem sido historicamente evidente na implementação de outras inovações educativas, os professores apresentam resistências de ordem diversa à mudança das suas práticas, particularmente quando as mesmas implicam um ensino menos focado nos conteúdos. Os professores tendem a reproduzir modelos que observaram durante a sua experiência como alunos, os quais se distanciam frequentemente de modelos de professores inovadores (Martín-Díaz, Gutiérrez-Julián & Gómez-Crespo, 2013). Assim se torna difícil conceber professores do 1.ºCEB a implementar um ensino CTS e promotor de pensamento crítico nos seus alunos, quando os mesmos desconhecem o seu potencial, nunca o vivenciaram em contexto de sala de aula e não têm acesso a modelos, estratégias e recursos adequados para o fazer. Neste quadro, alguns projetos têm envolvido o desenvolvimento de recursos didáticos fundamentados na educação CTS e com a orientação explícita de estimular a mobilização de capacidades de pensamento dos alunos (por exemplo, Martins, Rodrigues, Nascimento & Vieira, 2006) e, em concreto de pensamento crítico (por exemplo, Tenreiro-Vieira & Vieira, 2005). Tais projetos têm tido resultados animadores, quer na promoção de práticas de ensino CTS e estimuladoras de pensamento crítico em professores de 1ºCEB (por exemplo, Vieira, 2003), quer na mobilização de capacidades de pensamento crítico por parte dos alunos (por exemplo, Costa, 2007). Contudo, estes resultados esbarram na ausência de transferência para os manuais escolares, os quais constituem, simultaneamente, os principais recursos e referenciais de trabalho de professores do 1.ºCEB (Santos, 2001; Figueiroa, 2007). Uma vez que os manuais escolares, de um modo geral, não promovem explicitamente o pensamento crítico nem desenvolvem consistentemente uma Educação CTS (Alves, 2005), a introdução de um ensino CTS/PC nas práticas de professores de 1.ºCEB tem sido lenta e necessita de ser estimulada pela continuidade da aposta no desenvolvimento de recursos didáticos inovadores com estas orientações.

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DESENVOLVIMENTO DE RECURSOS DIDÁTICOS PARA ENSINO CTS/PC – UMA PROPOSTA PARA A SUA VALORIZAÇÃO No sentido de promover práticas de orientação CTS no 1.ºCEB, procedeu-se à conceção, produção, implementação e avaliação de um courseware didático balizado nesta orientação, que aborda questões de eficiência no consumo de recursos energéticos (Torres, 2012). O courseware didático inclui software educativo, orientações para os professores e registos de atividades para os alunos, todos articulados entre si e especificamente orientados para promover aprendizagens nos alunos (Romiszowski, 1992). De todas as atividades incluídas neste courseware aprofundase o conjunto de atividades intitulado “Energia em movimento… no Jardim da Ciência” referente a uma visita de estudo ao “Jardim da Ciência”, um espaço de educação não formal em ciências na Universidade de Aveiro (Departamento de Educação), destinado a crianças dos 4 aos 12 anos de idade e resultante de um projeto em desenvolvimento no Centro de Investigação Didática e Tecnologia na Formação de Formadores. Neste conjunto de atividades, os vários momentos da visita de estudo focam-se no conjunto de módulos interativos de Circuitos da Água do “Jardim da Ciência” os quais incluem, um parafuso de Arquimedes, uma comporta e um conjunto de pás giratórias associadas a um dínamo e a uma lâmpada, consoante apresentados na Figura 1. Esta escolha destinou-se a potenciar a análise crítica da importância, funcionamento e evolução de tecnologias na utilização humana da água com diversos fins, particularmente energéticos. Figura 1 - Circuitos da Água do “Jardim da Ciência” (obtido de: http://www.ua.pt/jardimdaciencia).

1.1. Referenciais do desenvolvimento das atividades de ensino CTS/PC O conjunto de atividades referido foi desenvolvido com base em recomendações didáticas do ensino CTS/PC e da articulação entre escola e educação não formal em ciências.

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1.1.1. Ensino CTS/PC Para a efetivação de uma orientação CTS no Ensino Básico, o recurso a uma abordagem curricular por questões problemáticas parece ser aquela que «aos olhos dos não especialistas mais aproxima a Ciência, a Tecnologia e a Sociedade» (Cachapuz, Praia & Jorge, 2002, p. 175) e, por tal, ser mais relevante e apelativa para os alunos, particularmente dos primeiros anos de escolaridade (Martins, 2002). Permite partir dos contextos pessoal e social dos alunos e de problemas com os quais os mesmos se identificam física e afetivamente com maior facilidade. Assim, a escolha dos problemas e/ou contextos sóciotecnológicos de partida reveste-se de particular importância e baliza os conteúdos a abordar. Os contextos de partida devem ser significativos para os alunos e gerar, de forma lógica, a necessidade de aprender um determinado conteúdo, ou por ser útil para responder a uma questão científica, ou por uma justificação explícita da sua necessidade pelo professor (Aikenhead, 1994). Devem constituir problemáticas entusiasmantes para os alunos envolvendo fenómenos naturais e tecnologias que fazem parte do seu quotidiano (Hickman, Patrick & Bybee, 1987). Para serem passíveis de promover pensamento crítico, devem constituir situações práticas aplicáveis à vida atual e futura dos alunos, e relacionarem-se com as posições/opiniões dos alunos e das pessoas que os rodeiam (ten Dam & Volman, 2004), criando oportunidades de argumentação. Neste quadro, Membiela (2001) sintetizou um conjunto de problemáticas, que podem delinear temas CTS, entre as quais constam, por exemplo, o crescimento populacional, a qualidade do ar, a conservação dos recursos naturais, e a escassez e consumo de energia. No que concerne estratégias para um ensino CTS, têm vindo a aplicar-se dois princípios básicos: promover uma variedade de estratégias e envolver o aluno de forma ativa na sua própria aprendizagem (Aikenhead, 1994; Membiela, 2001). Assentes nestes princípios, têm sido sugeridas várias estratégias para o ensino CTS que também são promotoras de pensamento crítico, tais como participação em discussões e debates, realização de simulações e jogos de papéis, resolução de problemas abertos onde se trabalham as tomadas de posição, escrita de artigos de posição e análise de notícias de jornais sobre controvérsias sócio-científicas (Membiela, 2001; ten Dam & Volman, 2004; Vieira, Tenreiro-Vieira & Martins, 2011). Esta última estratégia ganha relevância para incentivar os alunos a lerem criticamente notícias sobre Ciência, algo que muito possivelmente tornarão a fazer ao longo das suas vidas, e ligar a Ciência nas notícias com a Ciência escolar. Efetivamente, na análise de notícias, os alunos revelam dificuldades designadamente em identificar as finalidades dos autores e em procurar, identificar e avaliar evidências e argumentos nesses textos (Oliveras, Márquez, & Sanmartí, 2011), capacidades essenciais ao desenvolvimento de literacia científica que se torna essencial promover em contexto escolar. As estratégias referidas requisitam recursos educativos consonantes com perspetivas contemporâneas sobre a aprendizagem. Particularmente, deve-se ter em conta as ideias prévias

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dos alunos e apresentar as aprendizagens de Ciência contextualizadas em situações-problema, para se tornarem necessidades dos alunos na formulação de respostas a tais situações (Tenreiro-Vieira & Vieira, 2005). É nesta lógica que devem também fomentar o desenvolvimento e mobilização de conhecimentos e capacidades de pensamento e de atitudes em tomadas de decisão fundamentada e de ação responsável, nas quais o pensamento crítico assume um papel fulcral. O pensamento crítico, como pensamento reflexivo focado em decidir no que se acreditar ou fazer, implica a posse de capacidades (aspetos cognitivos) e disposições (aspetos afetivos) específicas (Ennis, 1993, 2011). Apesar de as disposições serem essenciais para o exercício do pensamento crítico – por exemplo, ter uma mente aberta e considerar outras perspetivas -, a investigação tem focado principalmente as capacidades de pensamento (ten Dam & Volman, 2012). Mas o referencial de disposições e capacidades de Ennis (2011 e traduzido em Vieira & TenreiroVieira, 2005) tem vindo a revelar-se útil na produção de atividades de ensino e aprendizagem, particularmente promotoras de capacidades. Com base neste referencial, tem sido sugerida a solicitação aos alunos de tarefas como a produção de conhecimento relevante pelo uso de fontes credíveis, a tomada e justificação de posições informadas, a construção de argumentos válidos com base em evidências, a análise de argumentos e a formulação de respostas a questões de clarificação e desafio (Vieira, Tenreiro-Vieira & Martins, 2011). Já da parte dos professores, é esperado que coloquem questões de identificação e clarificação da problemática/questão principal, de procura de razões e, ainda questões que estimulem processos de inferência. Mas é também importante uma postura de encorajamento dos alunos a expressarem as suas ideias, e partilharem reflexivamente sucessos e falhanços; o dar tempo para os alunos pensarem antes de responderem e oportunidades para experimentarem de sua própria iniciativa; o estimular discussões e a reflexão na ação com questões provocadoras do pensamento. 1.1.2 Articulação da escola com educação não formal em ciências No ensino CTS tem-se recomendado um recurso crescente a espaços de educação não formal em Ciências. Vários museus e centros de Ciência em Portugal têm vindo a seguir uma tendência internacional de privilegiar a explicitação de conceitos e/ou ideias contextualizadas da Ciência sobre os fenómenos em detrimento da simples exposição de objetos e instrumentos. Assim, a articulação de visitas a estes espaços, na educação escolar, pode contribuir para tornar a Ciência mais contextualizada, para promover aprendizagens ao longo da vida e para suscitar aprendizagens mais motivadoras e significativas (Guisasola & Morentin, 2007). Mas só parecem ser efetivamente promovidas aprendizagens nos alunos, quando estes têm oportunidade de integrar, na ciência escolar, as experiências vividas nos centros de Ciência, através de atividades didaticamente adequadas antes, durante e depois da visita (Jarvis & Pell, 2005; Kisiel, 2006; Guisasola & Morentin, 2007). Daí se tem vindo a reforçar a importância de uma planificação adequada Página 163 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

destas visitas com sugestões específicas para as ações dos professores durante cada um dos momentos principais da visita - Antes, Durante e Depois da visita – potenciando uma integração efetiva das visitas no currículo de ciências (Orion, 1993). Na fase “Antes da Visita”, os alunos devem ser incentivados a explicitarem as suas ideias prévias sobre os fenómenos implicados nas exposições a visitar, a familiarizarem-se com termos básicos sobre os mesmos (Guisasola & Morentin, 2007) e a formularem questões sobre aquilo que vão visitar (Allard, 1999). Os alunos devem ser envolvidos na preparação da visita, clarificando objetivos, explicando o programa da visita e a organização do espaço a visitar, explicitando normas de segurança e delineando recursos a levar (Jarvis & Pell, 2005; Kisiel, 2006). Para integrar estas atividades em contextos CTS, torna-se pertinente desafiar os alunos com problemas sócio científicos relevantes cuja resolução possa passar pela manipulação dos módulos do espaço não formal e que abordem interações CTS (Pedretti, 2004; Guisasola & Morentin, 2007). Na fase “Durante a Visita”, deve ser permitida aos alunos uma exploração livre inicial do espaço para familiarização e brincadeira com o mesmo, especialmente quando os alunos são mais novos (Jarvis & Pell, 2005). O professor deve ser promotor de tarefas de observação, recolha de dados, avaliação de hipóteses previamente formuladas e interpretação de evidências sobre os fenómenos envolvidos na manipulação dos módulos que podem ser suportadas por registos muito simples e curtos (Jarvis & Pell, 2005). Os alunos devem ser incentivados a ler os painéis identificativos (Kisiel, 2006) no sentido de fomentar a compreensão das formas de desfrutar da exposição, reforçar competências linguísticas e articular conteúdos curriculares. Na fase “Depois da Visita”, as atividades devem facilitar a articulação entre as tarefas que os alunos realizaram na visita e os conteúdos abordados na aula. Para tal, o professor deve estimular a comparação entre ideias prévias à visita e observações feitas durante a visita, a comunicação de resultados e conclusões retiradas e mesmo a formulação de novas questões. 1.2. Atividades de ensino CTS/PC O conjunto de atividades de ensino CTS/PC deste courseware que se detalha intitula-se “Energia em movimento… no Jardim da Ciência”, e inclui tarefas no software educativo, tarefas num conjunto de registos para os alunos e orientações para os professores. As atividades para os alunos e as orientações para os professores são apresentadas na Tabela 1 com explicitação da sua relação com os referenciais apresentados na secção anterior.

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Tabela 1 – Componentes do “Energia em Movimento… no Jardim da Ciência” e sua relação com os referenciais teóricos.

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PRÁTICAS DE ENSINO CTS/PC – UM CAMINHO DA SUA VALORIZAÇÃO Num estudo que se debruçou sobre as práticas de ensino CTS de professores de 1ºCEB (Torres, 2012), 2 professores do 1ºCEB promoveram a visita dos seus alunos ao “Jardim da Ciência” utilizando as propostas de atividades descritas. Estes professores estavam também a participar num programa de formação focado na educação CTS com recurso ao courseware didático. Apresenta-se os resultados para um dos professores do 1.ºCEB sujeito do estudo. 2.1. Metodologia para o estudo das práticas de ensino CTS/PC Desenvolveu-se um estudo de caso para responder à questão «Quais os contributos da implementação das atividades do courseware para a dinamização de práticas de orientação CTS?». Numa fase inicial, recolheram-se as perspetivas dos professores sobre as suas práticas através de uma entrevista. Numa fase intermédia, observaram-se as práticas dos professores durante a implementação das atividades do courseware. Numa fase final, recolheram-se as perspetivas dos professores sobre as atividades do courseware e sobre o programa de formação, através de um questionário e pela análise de relatórios produzidos pelos professores. A análise das práticas de ensino CTS/PC teve como referencial o “Instrumento de caracterização de práticas pedagógico-didáticas de orientação CTS” desenvolvido por Vieira (2003), o qual está dividido nas categorias e dimensões de análise representadas na Figura 2. Figura 2 - Categorias e dimensões de análise do “Instrumento de caracterização das práticas pedagógico-didáticas de orientação CTS” (adaptado de Vieira, 2003).

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Nas entrevistas da fase inicial, questionou-se os professores sobre as suas perspetivas sobre aspetos implicados nas dimensões de análise expressas na Figura 2. Na observação das suas práticas e posterior análise, foi efetuada uma agregação de episódios que evidenciassem a presença de indicadores enquadrados nas dimensões de análise da Figura 2. Todos os dados recolhidos foram sujeitos a uma análise de conteúdo. 2.2. O caso do professor Bruno Apresenta-se, em seguida, alguns resultados para o caso do professor Bruno, organizados pelas fases do processo: antes, durante e após a implementação das atividades descritas. 2.2.1. Antes da implementação das atividades O professor adiante designado por Bruno, era um professor do 1ºCEB com formação específica para o ensino de Educação Física no 2ºCEB, e sem qualquer tipo de formação prévia focada na Educação em Ciências em geral, ou Educação CTS em particular. As perspetivas deste professor sobre as suas práticas evidenciavam um ensino centrado na aquisição de conhecimentos no qual o trabalho experimental assumia uma natureza empiro-indutivista, tendência aliás ainda frequente entre os professores de Ciências (Cachapuz, Praia & Jorge, 2002), designadamente do 1ºCEB (Vieira, 2003). Efetivamente, as descrições deste professor acerca das suas práticas não evidenciaram indicadores da presença de uma orientação CTS, nem a preocupação pela promoção de pensamento crítico nos alunos. Pelo contrário, aspetos como o trabalho experimental foi apresentado como forma de “dar” aos alunos «conhecimentos, ahm, mais práticos e significativos», como tendo um caráter ilustrativo e/ou verificatório, por vezes repetidor «[d]aquelas experiências mais simples, que eles experimentam sempre em casa, e sabem já o resultado à partida», e no qual se deve recorrer a protocolos experimentais como os que «aparece[m] nos livros». Quanto às restantes estratégias, o professor declarou preferência por uma «aula convencional», como a nomeou, incluindo nesta exposições orais, ainda que acompanhadas de «vídeos e alguns jogos interativos (…) power-point (…) [e] pesquisas que [traz] para eles». Quanto a recursos destacou «o quadro, o giz, as fichas de trabalho, os manuais escolares». Não foi feita qualquer menção à realização de atividades de questionamento promotor de pensamento crítico nos alunos, nem de outros recursos que denotassem inclinação para estratégias de ensino CTS/PC. 2.2.2. Durante a implementação das atividades Olhando para as práticas do professor Bruno durante a implementação do conjunto de atividades “Energia em movimento… no Jardim da Ciência”, verificaram-se evidências da presença de indicadores de uma orientação CTS, com maior incidência nas dimensões relativas a elementos de concretização do processo de ensino e aprendizagem (estratégias, atividades, recursos e Página 173 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

ambiente de ensino e aprendizagem). Por exemplo, manifestou a promoção de um ambiente de reflexão e questionamento, no qual os alunos foram encorajados, particularmente, a verbalizar os seus pensamentos e a aplicar conceitos na resolução de problemas reais. Relativamente ao processo de ensino e aprendizagem, o professor Bruno revelou uma evolução para uma intenção mais marcada em promover a aprendizagem de conceitos e processos do âmbito da Ciência e Tecnologia centrando na resolução de situações-problema do quotidiano. O professor adicionou, à proposta de atividades disponibilizada, uma situação-problema nova de cariz sócio científico, e levou explicitamente os alunos a identificar e discutir um problema para o apropriarem como seu. Antes da visita ao “Jardim da Ciência”, levou para a aula um pequeno filme animado com uma situação-problema relacionada com a instalação de um parafuso de Arquimedes num sistema de rega de um campo de cultivo. Assim evidenciou criar, intencionalmente, uma situação-problema do quotidiano para os alunos explorarem conceitos relacionados com a abordagem que iam fazer, posteriormente, do parafuso de Arquimedes, e promoveu alguma reflexão sobre processos da Tecnologia em relação com a Sociedade, do qual se destaca o estímulo aos alunos para pensarem através de questões como «“Qual é o problema das personagens?”, “O que é que eles querem tentar resolver?”», e o apoio a uma configuração do problema. No momento de implementação de atividades depois da visita ao “Jardim da Ciência”, foi possível distinguir uma evolução para um uso mais explícito de um questionamento orientado para o apelo a capacidades de pensamento crítico, num contexto de tomada de posição sobre uma questão controversa. Em concreto, o professor Bruno estimulou os alunos a utilizar capacidades no âmbito do suporte básico (Ennis, 2011), tais como as envolvidas na avaliação da credibilidade de uma fonte pelos critérios de ser perito ou conhecedor e de conflito de interesses, designadamente, quando efetua questões como «será conhecedora ou perita daquilo que está a falar? (…) Será que ele conhece o assunto de que está a falar, mesmo cientificamente, ou acham que não? Acham que só está a zelar pelos seus interesses?. (…)» e mesmo na identificação e análise de argumentos, com as questões «Quem é a única pessoa destes dois textos que nós lemos que é a favor? (…) Mas tu achas que os argumentos que ele usa, que ele fala, são mentiras?». Ao argumentar com os alunos, o professor Bruno estimulava-os a ter abertura de espírito e considerar outros pontos de vista além do seu próprio. 2.2.3 Após a implementação das atividades Por fim, destaca-se as perspetivas deste professor sobre as atividades do courseware e sobre o programa de formação. Salienta-se que entre as referências a mudanças a efetuar nas suas práticas, o professor Bruno incluiu o incremento da implementação de trabalhos práticos mais consonantes com a perspetiva CTS e de atividades que promovam a mobilização, por parte dos alunos, de capacidades de pensamento crítico, por exemplo, através da «análise de pontos de vistas diferentes, análise de prós e contras e de tomadas de decisão». Salientou também a Página 174 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

importância de todo o processo para a sua reflexão sobre as inter-relações CTS e inclusão desta reflexão nas planificações de atividades de ensino e aprendizagem. Nas palavras do mesmo «Tomei consciência da necessidade da criação de um percurso contextualizado para que as aprendizagens sejam mais significativas. Revelou-se também muito importante a criação de situações que promovam debates significativos que culminem em tomadas de decisão. (…)». CONCLUSÕES O ensino CTS, bem como outras abordagens contextualizadas ao ensino, e a promoção de pensamento crítico, têm vindo a ser amplamente defendidas e desenvolvidas na literatura educacional, com resultados favoráveis nas aprendizagens dos alunos. Mas a sua transposição de recomendações didáticas para efetivos paradigmas de ensino necessita de mudanças alargadas nas práticas dos professores equacionando os vários fatores que as condicionam. A iniciativa apresentada apostou no desenvolvimento de recursos didáticos e de formação contínua de professores. Neste âmbito, relata resultados relevantes num professor que, ao implementar um conjunto de atividades de ensino CTS, orientadas para a promoção de pensamento crítico, passou de uma preferência por um ensino marcado por características das perspetivas transmissiva e de descoberta, para uma valorização explícita da promoção de capacidades de pensamento crítico no 1.ºCEB. Efetivamente, de todo o seu envolvimento no programa de formação e na implementação das atividades do courseware, o aspeto que o professor mais destacou como tendo maior relevância foi a intenção de passar a incluir nas suas práticas atividades que promovam a mobilização, por parte dos alunos, de capacidades de pensamento crítico. Claro que daqui não se julga ser possível concluir acerca de uma efetiva mudança de práticas por parte deste professor. Mas é possível sustentar a necessidade de continuar a apostar no desenvolvimento de propostas de atividades e recursos de ensino-aprendizagem de orientação CTS para o 1ºCEB, não só pelos seus contributos para a concretização das finalidades de literacia científica inerentes à educação em ciências, mas também para incrementar uma valorização intencional da promoção do pensamento crítico no 1.ºCEB. A propósito, salienta-se que seria importante desenvolveremse iniciativas de promoção de uma oferta mais integrada de propostas de recursos educativos já existentes como a que aqui se apresenta, que cubram as várias temáticas curriculares do 1ºCEB, bem como de outros ciclos de ensino, as quais possam constituir verdadeiras alternativas de qualidade a manuais escolares que ainda não contemplam a promoção do pensamento crítico.

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13.O ENSINO NA ÁREA DE CIÊNCIAS DA NATUREZA NO PROEJA: UMA FORMAÇÃO CRÍTICA OU ALIENANTE? Karine dos Santos Coelho | [email protected] Rejane Maria Ghisolfi da Silva Universidade Federal de Santa Catarina, Brasil

Resumo O presente estudo tem como propósito analisar os dizeres de um grupo de professores da área de Ciências da Natureza (Química, Física e Biologia) sobre as práticas pedagógicas no Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na modalidade de Educação de Jovens e Adultos, focalizando em que medida essas práticas contribuem (ou não) para a formação do pensamento crítico dos alunos. Parte-se da premissa de que o ensino na área de Ciências pode assumir como característica marcante a possibilidade de articular o conhecimento científico e o desenvolvimento do pensamento crítico. Trata-se de pesquisa de natureza qualitativa dentro de uma perspectiva analítico-descritiva. Os sujeitos foram seis professores do referido curso e a coleta de dados desenvolveu-se por meio de entrevistas semiestruturadas. Empregou-se a análise textual discursiva, cujos resultados obtidos revelam que os professores não são meros executores de diferentes discursos que circulam no contexto escolar, pois movimentam e constroem conhecimentos que são emergentes da dúvida, da reflexão sobre o que fazem e da atualização constante. Também é notável em seus depoimentos algumas das disposições para favorecer o desenvolvimento do pensamento crítico, entre elas, estar aberto, ter boa relação com os alunos, propor atividades de questionamento, reflexão, utilizar metodologias que permitam a construção do conhecimento. Na prática, a preocupação dos docentes não é vencer conteúdos ou simplesmente transmiti-los aos jovens e adultos. Todavia, o que parece ser prioridade na definição e implementação das práticas docentes é a construção de conhecimentos científicos de forma ativa; a proposição de conhecimentos úteis sem assentar-se em uma compreensão utilitarista; a exploração de temas com significado social, que permita melhorar a qualidade de interação dos alunos com o meio real. Nesse sentido, as dimensões assumidas no ensino de Ciências podem favorecer a formação de indivíduos cientificamente mais críticos. Todavia, reconhece-se que as ações propostas pelos professores para desenvolver o pensamento crítico ainda são tímidas, sendo necessários maiores investimentos em estratégias de ensino-aprendizagem que possam favorecer esse desenvolvimento. Palavras-Chave: Pensamento crítico, Ensino de Ciências.

Abstract This study aims to analyze the words of a group of teachers in the area of Natural ​​ Sciences (Chemistry, Physics and Biology) pedagogical practices in the National Programme for the Integration of Vocational Education in Basic Education in the category of Education and Youth adults, focusing on the extent to which these practices contribute (or not) for the formation of students’ critical thinking. It starts with Página 179 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

the premise that teaching in the area of science can take marked characteristic the possibility of linking scientific knowledge and critical thinking. This is qualitative research within an analytical-descriptive. The subjects were six teachers of that course and the data collection was developed through semi-structured interviews. We applied the discursive textual analysis, whose results show that teachers are not mere executors of different discourses that circulate in the school because they move and build knowledge that is emerging of doubt, reflection on what they do and the constant updating. It is also notable in their testimonies of some provisions to encourage the development of critical thinking, between them, be open, have good relationship with students, propose activities of questioning, reflection, using methodologies that allow the construction of knowledge. In practice, the concern of teachers is not winning content or simply pass them on to young people and adults. However, what seems to be a priority in the definition and implementation of teaching practices is the construction of scientific knowledge in an active way, the proposition no useful knowledge based on a utilitarian understanding; exploration of themes with social meaning, which would improve the quality of students’ interaction with the real environment. Accordingly, the dimensions assumed in science teaching can promote the formation of individuals most scientifically critical. However, it is recognized that the actions proposed by teachers to develop critical thinking are still timid, requiring greater investment in teaching and learning strategies that may favor this development. Keywords: Critical thinking, Science Teaching.

INTRODUÇÃO Nas discussões sobre educação e trabalho persistem diferentes visões de formação: uma que defende a formação integral e outra que mantém a separação entre a escola que ensina a pensar e a que ensina a fazer. Nesse contexto, as discussões foram acentuadas com a criação do Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na modalidade de Educação de Jovens e Adultos – PROEJA. O PROEJA, de acordo com o Documento Base (Brasil, 2007), tem como proposta a integração da educação profissional à educação básica, buscando a superação da dualidade entre trabalho manual e intelectual, assumindo-o em sua perspectiva criadora não alienante (Ciavatta, 2005). Trata-se, portanto, de “assumir uma política de educação e qualificação profissional não para adaptar o trabalhador e prepará-lo de forma passiva e subordinada ao processo de acumulação da economia capitalista, mas voltada para a perspectiva da vivência de um processo crítico, emancipador e fertilizador de outro mundo possível” (Brasil, 2007, p. 34). Esse programa ambiciona a construção de um projeto de sociedade na qual todo indivíduo tenha a garantia do acesso e permanência na escola, partindo da concepção de formação integral e assumindo o trabalho como princípio educativo. Logo, preocupa-se em possibilitar ao discente a compreensão da realidade social, econômica, política, cultural e do mundo do trabalho, para sua inserção e atuação de forma ética, competente, técnica e politicamente consciente (Brasil, 2007). Página 180 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

O PROEJA representa a integração da educação profissional com a educação básica aos jovens e adultos, considerando que muitos deles integram uma realidade opressora (Freire, 1987). Eles são sujeitos que foram oprimidos muitas vezes por pertencerem aos grupos que se diferenciam pela etnia, cor, gênero, deficiência física e auditiva, entre outros. Além disso, são típicos representantes das exclusões que a sociedade brasileira promove: negros, quilombolas, mulheres, indígenas, camponeses, ribeirinhos, pescadores, jovens, idosos, subempregados, desempregados e trabalhadores informais que constituem os desfavorecidos no campo econômico, social e cultural (Moura, 2006). Paiva (2006) destaca que na educação de jovens e adultos os programas e projetos vêm atualmente revelando formas de compreender e apreender os sentidos e as necessidades dos mais variados públicos, buscando fazer cumprir, além da perspectiva do aprender por toda a vida, o direito à educação sistematicamente negada a tantos brasileiros. Desse modo, a proposta didático-pedagógica do PROEJA constitui-se em um desafio no sentido de buscar romper com os tradicionais ordenamentos e rituais presentes nas práticas escolares orientadas para jovens e adultos. Na complexidade e especificidade dessa modalidade formativa, nova e com múltiplas dimensões, situa-se o ensino na área de Ciências da Natureza (Química, Física e Biologia) que necessita ser ressignificado pedagogicamente no sentido de “não se restringir à compensação da educação básica não adquirida no passado, mas visa responder às múltiplas necessidades formativas que os indivíduos têm no presente e terão no futuro” (Di Pierro, Joia & Ribeiro, 2001, p. 70). A este propósito salienta-se que o ensino de Ciências não tem como intenção levar “uma mensagem ‘salvadora’, em forma de conteúdo a ser depositado” (Freire, 1987, p. 86), mas articular os conhecimentos científicos com as situações de vivência de forma crítica, a fim de contribuir para formar indivíduos com poder de decisão, com superior compreensão das realidades vividas, com melhor qualidade de vida e que saibam buscar alternativas para enfrentar os problemas cotidianos. Assim sendo, perspectiva-se a formação de um trabalhador crítico e capaz de atuar na transformação do seu meio. Para isso, o docente precisa ser crítico, ou seja, ter capacidade de pensamento crítico. “Só assim o professor poderá preocupar-se com o ensino do pensamento crítico, mais do que somente fornecer o conteúdo a ser ensinado” (Vieira & Tenreiro-Vieira, 2005, p. 92). Deste modo, afigurou-se fundamental ter em consideração analisar os dizeres de um grupo de professores da área de Ciências da Natureza (Química, Física e Biologia) sobre as práticas pedagógicas no Programa Nacional de Integração da Educação Profissional com a Educação Básica na modalidade de Educação de Jovens e Adultos, focalizando em que medida essas

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práticas contribuem (ou não) para a formação do pensamento crítico dos alunos. Parte-se da premissa de que o ensino de Ciências no PROEJA pode assumir como característica marcante a possibilidade de articular o conhecimento científico e o desenvolvimento do pensamento crítico, pois promover a capacidade crítica e criativa de pensamento é claramente uma tarefa para os professores em todas as áreas (Booi, 2011). Ademais, a esta intenção de estudo preside a convicção de que para promover o desenvolvimento do pensamento crítico é preciso romper com as práticas do tipo “bancária” (Freire, 1987), na qual se pressupõe um professor que é dono do saber e alunos “depósitos” que recebem os conhecimentos sem questionar, de forma passiva. Esse modelo de ensino que privilegia a transmissão e recepção é criticado por Duron, Limbach & Waugh (2006) por não favorecer o desenvolvimento do pensamento crítico. Por outro lado, temos alguns pesquisadores na educação que defendem, com base em seus estudos, que não é preciso ensinar a pensar criticamente, pois esse é um processo natural (Sternberg & Williams, 2002). Na esteira do debate, Duron, et al. (2006) argumentam que o pensamento é um processo natural, mas quando abandonado a si mesmo muitas vezes pode ser tendencioso e distorcido, parcial e desinformado. Logo, segundo os autores, o pensamento crítico deve ser cultivado. Sendo assim, os professores podem favorecer a constituição de um pensamento crítico empregando estratégias e critérios (Black, 2005) e usando uma linguagem do pensar (Tishman, Perkins & Jay, 1999). Ennis (2011) cita algumas disposições que podem favorecer o pensamento crítico: ter cuidado para que as decisões sejam justificadas e apoiadas em hipóteses, alternativas, explicações, planos, fontes; estar aberto; considerar outros pontos de vista; endossar uma posição quando esta se justifica pela informação disponível; entender e apresentar uma posição honesta, clara; conhecer e ouvir as razões dos outros; ser claro sobre o significado pretendido do que é dito, escrito; manter o foco; buscar e oferecer razões; ser reflexivamente consciente; preocuparse com o outro (auxiliar, mas não constitutivamente, embora o pensamento crítico possa ser perigoso sem ele); evitar intimidar as pessoas. Desse modo, a maneira pela qual a informação é dirigida e encaminhada aos estudantes poderá favorecer ou não a capacidade dos discentes para pensar criticamente. É importante, portanto, considerar a influência das ações docentes no desenvolvimento do pensamento crítico, pois esse se constituirá se tiver um terreno fértil, ou seja, estratégias específicas e recursos intencionais (Tenreiro-Vieira & Vieira, 2000; Vieira, 2003; Vieira & TenreiroVieira, 2005; Magalhães & Tenreiro-Vieira, 2006).

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1.1. Metodologia A abordagem de investigação adotada é do tipo qualitativa. Segundo Bogdan & Biklen (1994), esse tipo de investigação assume muitas formas e é conduzido em múltiplos contextos. O trabalho empírico desta investigação contou com a colaboração de seis professores de Ciências do PROEJA do Instituto Federal de Santa Catarina/IFSC – Campus Florianópolis e Campus Jaraguá do Sul. O grupo de sujeitos que constitui a “amostra” encontra-se identificado, tal como o quadro a seguir o representa. Quadro 1 – Identificação dos sujeitos constituintes da amostra

Professor

Formação Acadêmica

Disciplina que ministra

Experiência Profissional na docência

Curso em que atua

M

– Licenciatura em Física – Mestrado em Educação e Trabalho

Física

20 anos

Técnico em Cozinha e Enfermagem

R

– Licenciatura em Física

9 anos

Técnico em Enfermagem e Eletrônica

Física

G

– Licenciatura em Química

Química

35 anos

Técnico em Enfermagem, Cozinha e outros

E

– Licenciatura em Biologia e Ciências – Especialização em Ciências – Mestrado em Educação

Biologia

20 anos

Técnico em Vestuário e outros

D

– Engenharia de alimentos – Bacharelado e Licenciatura em Química

13 anos

Técnico em vestuário e outros

B

– Licenciatura em Biologia em 2003 – Mestrado e Doutorado em Microbiologia

3 anos

Técnico em vestuário e outros

Química

Biologia

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Na definição dos sujeitos de pesquisa foram adotados três critérios: ser professor da área de Ciências da Natureza, ministrar aulas no PROEJA, curso técnico, de Santa Catarina e ter disponibilidade. O IFSC é uma instituição de ensino público em Santa Catarina vinculado ao Ministério da Educação. Atualmente está distribuído em vários campi no Estado de Santa Catarina, com sede administrativa e Reitoria em Florianópolis. O IFSC oferece cursos em diferentes âmbitos e modalidades: Técnicos Integrados, Concomitantes ou Subsequentes; Superiores de Tecnologia, Licenciatura e Bacharelado; de Qualificação e Aperfeiçoamento – Formação Inicial Continuada (FIC); Educação a Distância – EAD – curso a distância com encontros nos Polos de apoio presencial; de Pós-Graduação de Especialização (Lato Sensu) e Mestrado Profissional (Stricto Sensu); PROEJA – curso Técnico na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos para pessoas com idade igual ou superior a 18 anos e com Ensino Fundamental completo; e PROEJA FIC – curso Profissionalizante articulado ao Ensino Fundamental na Modalidade de Jovens e Adultos, realizado por intermédio de parcerias com prefeituras e outras instituições. O instrumento de coleta de dados utilizado foi uma entrevista semiestruturada, na qual foram solicitadas informações referentes à formação, ao percurso profissional e a ações (o que fazem e como fazem). Para este trabalho o foco de análise foram os depoimentos sobre as ações docentes, que foram gravados em áudio e, posteriormente, transcritos. O percurso de estudo deste trabalho tomou como referência a análise textual discursiva (Moraes & Galiazzi, 2006). Desse modo, os textos derivados das entrevistas foram analisados seguindo três etapas. Na primeira ocorreu a fragmentação dos textos em unidades de significado que, posteriormente, na segunda etapa – a de categorização – foram agrupados conforme semelhanças semânticas; na terceira etapa – a de comunicação – foram produzidos textos descritivos e interpretativos em cada categoria, que, neste trabalho, foram: orientações programáticas – definição dos conteúdos conceituais; projetos de ensino – flexibilidade dos planejamentos; linguagem do pensar e os diferentes aspectos do ensinar e afetividade. 1.2. Resultados Orientações programáticas: definição dos conteúdos conceituais Os professores entrevistados, indistintamente do componente disciplinar a que pertencem, manifestaram que não participaram da elaboração das ementas. Afirmaram, todavia, que o escrito no papel pode diferir do que vai ser feito na sala com os alunos. “A ementa em si, não fui eu que estabeleci. Foi uma proposta que veio até... de certa forma... é... sei lá se posso dizer “ctrl c”, “ctrl v”, porque é de outra proposta do próprio Página 184 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

instituto de outro lugar, que eu sei que o coordenador se inspirou. Mas o que está escrito lá não depende do que o professor vai fazer em sala. O papel aceita tudo. É uma coisa que não me preocupa muito” (E). “A gente tem a ementa, conteúdos, e... o que vai mudar é a maneira que a gente vai abordá-los” (B). O relato dos professores evidencia que os conteúdos definidos previamente nas ementas não são limitativos nas suas ações, pois os mesmos têm autonomia para explorá-los da maneira que achar melhor. Por outro lado, reconheceram que as ementas devem ser cumpridas. Desse modo, para melhor atender às necessidades concretas dos alunos, eles realizam adaptações. Nesse sentido, Sacristán (2000) ressalta que, na prática, a seleção de conteúdos precisa ser realizada considerando as possibilidades de aprendizagem dos alunos, suas formas de aprender e seus interesses na aprendizagem. “Mesmo porque, a gente vem com os conteúdos com aquelas intenções. Pode chegar ali... Então, tu não podes pegar lá o currículo e sentar em cima daquele currículo e começar a destrinchá-lo. Tu tens que ver logo o futuro ali, o que os alunos vão necessitar” (G). “Muitas vezes aquilo que a gente acha importante não é exatamente aquilo que está na ementa. E a gente tem que seguir a ementa. Porque se você não seguir a ementa, tem vários problemas, vai responder por isso. Então, eu faço algumas adaptações para atender às necessidades dos alunos” (D). Na encruzilhada das decisões sobre o que ensinar, os professores entrevistados parecem optar pelo caminho do meio, entre a ementa e aquilo que avaliam como importante de ser abordado com os alunos. Projetos de ensino: flexibilidade dos planejamentos Segundo os professores, o planejamento é examinado toda vez que percebem que o mesmo não atende às expectativas reais dos alunos. Nesse sentido, o planejamento não se limita a copiar a planificação do ano anterior. Desse modo, não é “um simples registro, um jogo de palavras desligado da prática efetiva do professor” (Vasconcellos, 2000, p. 159). “Olha, o planejamento é muito... muito revisitado a cada momento... porque, na verdade, quando me deparei, por exemplo, com as dificuldades dos alunos com a linguagem matemática, tive que replanejar tudo... Tanto que a apostila que foi passada para ti, boa parte dos textos diz respeito ao corpo humano – no caso do curso de Enfermagem e na Cozinha; agora a gente está procurando ver outras coisas que não tivessem um formalismo matemático, mas que tivessem uma discussão conceitual, mais crítica” (M). “Então, para cobrir um pouco o déficit dessa defasagem deles, a gente esteve pensando e Página 185 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

pensou dessa forma,... vamos por aqui, vamos ver onde está a dificuldade desse aluno... vamos conversar, vamos discutir isso com ele, vamos rever com ele. (...) No curso de Enfermagem, na primeira fase você recebe um aluno defasado... na quarta fase tu vês que esse aluno evoluiu muito... aí eu já posso aprofundar um pouquinho mais na quarta fase” (G). Os professores parecem estar atentos às aprendizagens dos alunos, o que possibilita adequar as ações formativas de modo a avançar na construção de um pensamento teórico-conceitual capaz de dialogar com as situações complexas do mundo real. Assim, o planejamento dos professores sofre modificações constantes pelo comprometimento dos mesmos com as aprendizagens. Essa atitude flexível e aberta sugere que eles não temem sair da zona de conforto. Logo, não há uma rigidez naquilo que projetam para ensinar. As mudanças no rumo do planejamento dependem também, segundo os professores, da avaliação dos alunos. “E é claro que eles fazem também a autoavaliação. A gente discute, em sala, se a minha dinâmica podia ser diferente, o que eles acham que está dando certo. Eu faço uma autoavaliação da metodologia, da disciplina em sala com os alunos. Tem sido essa prática... Eu acho isso muito importante” (E). Linguagem do pensar e os diferentes aspectos do ensinar Uma das tarefas mais difíceis é ensinar. A complexidade que envolve esse processo, segundo Zabala (1998, p. 10), exige dos docentes aptidões de diagnosticar o contexto de trabalho, tomar decisões e reconduzir suas ações sempre que necessário. Para além dessas aptidões, há de se ter comprometimento com as condutas de trabalho e se considerar que ensinar se constitui em arte-ciência, na qual “o convívio, o respeito à condição dos outros (e também à própria) e o reconhecimento dos limites nessa recíproca exposição” (Menezes, 2009, p. 1) são elementos fundamentais. Ademais, é preciso que os conteúdos de ensino se apresentem de forma significativa aos alunos. Os professores revelaram preocupações com o ato de ensinar, com a articulação de conteúdos de ensino e as questões que possam interessar aos alunos. Tal preocupação se faz no intuito de atingir o maior número possível de alunos ou envolver pelo menos uma parcela do grupo de discentes nas atividades de ensino. Alguns deles afirmaram que não basta “jogar” os conteúdos, é preciso que os mesmos tenham sentido na vida dos educandos. “Mas essas questões relacionadas à qualidade de vida, que envolve saúde, envolve entender o seu corpo. Eu acho fundamental. Na verdade, tudo está relacionado, ah... é, a questão de citologia, os tecidos em si, dependendo de como você trabalha isso você relaciona ao que interessa para eles. Porque senão eles não vão estudar simplesmente

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porque você joga um monte de conteúdos para eles. Não vai funcionar! Então, se fazer entender ali é muito importante. Eu tenho consciência também de que a gente não atinge a todos. Mas, buscar a maioria nesse conjunto ali, quando você percebe que algum está fora ali, ou alguma coisa, e conversar que é um problema externo, tentar resgatar, trazer ele junto também. Ver o que falta, o que está acontecendo” (E). “Eu não estou preocupado. Eu não sei se dá para gravar isso. Mas eu não estou preocupado com aquilo que eles vão entender em Química (o professor se refere à aprendizagem meramente conceitual). Muitas vezes isso não vai fazer diferença para a vida deles. Eu estou preocupado que eles aprendam a aprender, aprendam a estudar, aprendam a ler, aprendam a observar, aprendam a pensar [...]” (D). “Porque na área de Biologia, a gente é assim... você tem que ser veterinário, tem que ser médico, tem que ser enfermeiro, tem que ser zoólogo, tem que ser botânico. Então, muitas vezes, estou falando da célula e eles relacionam com alguma doença que ocorreu na família. Aproveito todo esse interesse dele para aquela questão. Ou são questões ambientais (...)” (E). Os depoimentos dos professores sugerem que ensinar não significa repassar conceitos, mantendo “uma espécie de cegueira conceitual” (Gauthier, et al., 1998, p. 20). É, porém, articular a vida da escola com a escola da vida. Partindo desse pressuposto, a prioridade, segundo os professores, não é realizar a abordagem dos conteúdos específicos da sua disciplina de modo asséptico, mas procurar situá-los no mundo real e principalmente no interesse dos alunos. Para os professores os alunos não são “tábula rasa”, por isso se empenham em articular os conhecimentos prévios destes com as aprendizagens escolares. Nesse sentido, buscam, então, identificar o que sabem os alunos. “A gente tem aquele eixo lá com a ementa. Então, na primeira semana em todas as salas, mesmo na Licenciatura, tenho por hábito fazer um diagnóstico. Ou seja, discutir temas em relação à proposta, que tenham a ver com aquele semestre. Para saber realmente que entendimento básico eles tem, até ali. Aí sempre tem aqueles que têm um conhecimento mais apurado outros menos...” (E). “E... sempre procurei fugir daquele fisiquês que a gente chama na academia. Procuro trazer os conhecimentos que eles têm e coloco em confronto com outras situações, problematizo... [...]. Inicialmente procuro abordar as concepções que os alunos trazem sobre determinado conceito que vai ser estudado na aula. Depois disso eu procuro encontrar alguma situação para enquadrar o conceito seja por questionamento, seja pela leitura de um texto, ou seja, pela realização de uma atividade experimental... encaminho alguns questionamentos que permitam a ele ver se aquele conceito está correto, se é

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suficiente para explicar aquele fenômeno e, a partir daí, problematizo e vamos, então, conceitualizar e sistematizar esse conceito novo que nós estudamos” (R). Percebe-se, também, nas falas dos professores, a preocupação em problematizar, questionar e não encaminhar os conceitos prontos. O diálogo parece permear os processos de ensino-aprendizagem no sentido de criar espaço para conhecer as ideias dos alunos, “que podem, inclusive, não ser completamente conhecidas dos próprios estudantes que as empregam” (Bizzo, 2009, p. 32), o que permite ressignificá-las, bem como reorientar as práticas docentes. Ninguém aprende sem ver um sentido naquilo que está aprendendo. Partindo desse pressuposto, e remetendo à proposta do PROEJA que se destina a uma integração da educação básica com a educação profissional, a aprendizagem só fará sentido na vida dos jovens e adultos se compreender os conhecimentos relativos a atividade profissional. Nessa perspectiva, os professores entrevistados procuram aproximar o ensino de Ciências com a área profissional escolhida pelos educandos. “Sempre me apoio no curso que eles estão fazendo. No caso, Enfermagem. Toda a Química voltada para a Enfermagem” (G). “[...] Ligações. Ligações eu ensinei tudo para eles. Foi feito os modelos no quadro, mas foi uma prática que eu fiz com bolinhas de isopor. Entende? E como eles são da área têxtil, eu peguei, por exemplo, a poliamida, e vamos fazendo as ligações e vamos montar a poliamida aqui. E foi três carteiras de bolinhas e eles fazendo e eu questionando...” (D). “Como por exemplo, quando a gente fala ali de células. Aí fala de fibras têxteis, como é que é essa estrutura celular? Está falando ali da membrana, celulose, como que são essas fibras, onde se encontram, que resistência ou como isso está relacionado com os tecidos. Tecidos de algodão. Quais os diferentes tecidos?” (E). “Olha têm aulas, que... você inicia – vou dar um exemplo, para cozinha, que a gente está começando agora, eles estão tendo Física esse semestre pela primeira vez. Então, eu peguei um texto da Rachel de Queiroz, que conta um pouco das experiências... é uma... prosa, tipo uma prosa, da escritora que fala sobre a vida na fazenda, e peguei particularmente o engenho, onde ela tem uma descrição sobre o engenho de farinha. Então eles fizeram uma leitura sobre o engenho de farinha, e a partir das peças do engenho de farinha eu comecei a discutir. O que eu queria discutir na Física era sobre alavancas. Diferentemente, por exemplo, da apostila lá da Enfermagem, que eu também faço uma discussão de alavancas, mas aí... alavancas do corpo humano, que no corpo humano você tem praticamente várias alavancas. Todos os nossos movimentos são movimentos de alavancas. (...) Então foram dois enfoques diferentes, que no caso da Enfermagem adota-se o corpo humano como eixo temático e no caso do PROEJA farinha

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(na verdade, o professor quis se referir à cozinha), eu tenho o engenho de farinha, que daí está ligado um pouco pela pauta sobre alimentação e costumes” (M). Assim, o ensino não ocorre isolado das situações vivenciadas pelos jovens ou adultos do PROEJA, mas voltado aos seus interesses cotidianos e profissionais, o que pode tornar as aprendizagens dos alunos mais significativas. A dimensão da atualização faz parte do processo de aprimoramento do trabalho dos professores, pois a prática docente não pode acontecer enclausurada de um movimento de procura, de inquietação, de busca pela completude. “As Ciências em si, elas são dinâmicas. O que eu estou falando hoje, de repente tem coisas novas sobre o assunto. Surgem novos resultados... Então, o que antes tinha uma dimensão, um conhecimento, em função dessa descoberta, passa toda uma discussão, e se levanta outras possibilidades. De repente, pode ter outra condição de vida, que não são esses cinco elementos básicos aí que são necessários para uma célula. Ou, a questão do DNA, mesmo... provavelmente nós vamos estar vendo agora no próximo semestre... É... as coisas evoluem! Os conhecimentos evoluem... e a gente tem que estar preparado” (E). O professor que se assume como inacabado se insere em um constante movimento de busca de conhecimentos a favor da sua autonomia e dos alunos. Os professores, entretanto, só conseguirão se mover nessa busca ao se perceberem seres inconclusos, e que, inconclusos, se percebam inacabados. “O professor não pode achar que sabe tudo! Essas dimensões, parte específica, parte pedagógica, didática. A gente tem que estar sempre renovando. Porque uma coisa às vezes funciona bem com uma turma, com um grupo, mas não funciona bem com os outros. Então, como fazer para poder atingir aqueles que ficaram?” (E). Essa atitude aberta às aprendizagens sugere que os professores não são somente aqueles que aplicam conhecimentos produzidos por outros, mas são protagonistas, ou seja, atores no sentido forte do termo, isto é, são sujeitos que assumem sua prática a partir dos significados que eles mesmos lhes atribuem; são indivíduos que possuem conhecimentos e um saber-fazer provenientes de suas próprias atividades, a partir das quais as estruturam e as orientam (Tardif, 2001). Os professores manifestaram que têm a sua disposição uma diversidade de recursos didáticos, empregando-os em diversas atividades. “Então, normalmente, eu utilizo o ‘data show’ nas aulas. Uso também, vídeos, imagens. A Biologia usa muitas imagens. Não é só nome. Então fica mais fácil de explorar os conteúdos com os alunos. Realizamos visitas... tem um parque aqui na cidade que pode Página 189 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

ser explorado com os alunos” (B). “[...] Mas, eu tenho optado mais em trabalhar com artigos de divulgação científica, que é o que orientou aquela apostila ali (o professor está mencionando a apostila no qual ele trabalha, e que mostrou ao entrevistador antes da entrevista). São artigos de divulgação e a partir desses artigos de divulgação algumas coisas que é possível desenvolver em laboratório” (M). “Utilizo muitos vídeos... realizo práticas no laboratório; são várias formas de explorar os conhecimentos; desafio os alunos, diversifico as metodologias de ensino. (...) A gente sempre busca para eles algumas práticas diferenciadas e aliamos com as novas tecnologias (G). Os IFSCs contam com uma estrutura material muito boa para apoio aos professores, se comparados a outras instituições de ensino. Assim, segundo os depoimentos, os materiais didáticos são auxílio nas práticas docentes no sentido de proporcionar melhores aprendizagens. Por fim, é notável nos depoimentos o empenho para uma educação de mudança. “Um educar que vai mudar muitas vezes a profissão, mas é um educar que vai mudar um cidadão. Então, esse é o grande... o grande ponto da questão” (D). Afetividade A afetividade é um elemento que dá maior proximidade e cumplicidade entre professor e aluno, até como uma questão motivacional para ambos. Esses aspectos afetivos são identificados nas falas dos professores do PROEJA. [...] Porque eles se sentem bem, não como uma coisa distante. Hah! Estudar é uma coisa distante, não vou conseguir. O professor está lá longe. Então tem que sentir uma relação de amizade, mas sem paternalismo. Não é o professor bonzinho. Tem que cumprir a tua obrigação ali em relação também ao fazer [...] (E) A afetividade se configura por um querer bem ao educando. Todavia, segundo um dos professores entrevistados, não significa ser paternalista. A afetividade paternalista aceita a distância. Agora, a afetividade no ensino não suporta a distância, por que a relação entre professor e aluno não se sustenta. “Se pode ser tio ou tia geograficamente ou afetivamente distante dos sobrinhos, mas não se pode ser autenticamente professora, mesmo num trabalho a longa distância, ‘longe’ dos alunos” (Freire, 1997, p. 9). Freire (1997) chama a atenção para o fato de que não é possível ser professor mantendo uma distância afetiva. E, nesse sentido, cada vez mais os resultados de pesquisas acenam que a relação educativa é fundamental para “criar um clima propício à construção de conhecimentos” (Ribeiro, 2010, p.2). Página 190 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

Eu procurei sempre estar muito próximo deles... que...eles me visem como um colega com conhecimentos a mais...até pela idade deles estar em torno da minha.[...] (R) Ao mencionar “que... eles me visem como um colega” o professor se refere a uma relação de amizade, um sentimento de respeito principalmente por ensinar a jovens e adultos com idade próxima da sua. Essa relação afetiva com os alunos que os professores do PROEJA demonstram ter “é importante para que se estabeleça uma melhor relação educativa entre professores e alunos, favorável, consequentemente, à aprendizagem dos conteúdos escolares” (Ribeiro & Jutras, 2006, p. 5). Assim, segundo Elder (1997) não se pode subestimar o papel da dimensão afetiva, pois quando se considera que o pensamento crítico permite formar convicções sólidas e julgamentos é possível se ter uma base para uma vida emocional racional e razoável. Então é preciso ter não só a capacidade cognitiva, mas sentir a importância de o fazer bem. Além disso, segundo a autora, é evidente que para aprender a resolver problemas de forma eficaz, deve-se ter o desejo de o fazer. É preciso estar comprometido com ele. Assim, a dimensão afetiva, composta de sentimentos e vontade, é uma condição e um componente necessário do raciocínio de alta qualidade e resolução de problemas. Em síntese, nenhuma formação verdadeira “pode fazer-se alheada, de um lado, do exercício da criticidade que implica a promoção da curiosidade ingênua à curiosidade epistemológica, e do outro, sem o reconhecimento do valor das emoções, da sensibilidade, da afetividade, da intuição e da adivinhação” (Freire, 2002, p.20). 1.3. Considerações finais Este estudo teve como propósito analisar os dizeres de um grupo de professores da área de Ciências da Natureza (Química, Física e Biologia) sobre as práticas pedagógicas no PROEJA, focalizando em que medida essas práticas contribuem (ou não) para a formação do pensamento crítico dos alunos. Os resultados obtidos revelam que os professores não são meros executores dos diferentes discursos que circulam no contexto escolar, pois movimentam e constroem conhecimentos que são emergentes da dúvida, da reflexão sobre o que fazem e da atualização constante. Também é notável em seus depoimentos algumas das disposições para favorecer o desenvolvimento do pensamento crítico, entre elas, estar aberto, ter boa relação com os alunos, propor atividades de questionamento, reflexão, utilizar metodologias que permitam a construção do conhecimento. Na prática, a preocupação dos docentes não é vencer conteúdos ou simplesmente transmiti-los aos jovens e adultos. Todavia, o que parece ser prioridade na definição e implementação das Página 191 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

práticas docentes é a construção de conhecimentos científicos de forma ativa; a proposição de conhecimentos úteis sem assentar-se em uma compreensão utilitarista; a exploração de temas com significado social, que permita melhorar a qualidade de interação dos alunos com o meio real. Destarte, as dimensões assumidas no ensino de Ciências podem favorecer a formação de indivíduos cientificamente mais críticos. Todavia, reconhece-se que as ações propostas pelos professores para desenvolver o pensamento crítico ainda são tímidas. Nesse sentido, os estudos analisados, também, apontam que as práticas dos professores não são orientadas para a promoção do pensamento crítico (Tenreiro-Vieira, 1999, 2004; Vieira, 2003), e que são necessários maiores investimentos em estratégias que permitam ao professor construir atividades de aprendizagem e/ou materiais curriculares promotores desse modo de pensar. Assim, salienta-se como principal recomendação a formação profissional (formação inicial e contínua de professores) para aplicar e desenvolver estratégias de ensino que permitam desenvolver o pensamento crítico. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Bizzo, N. (2009). Mais ciência no ensino fundamental: metodologia de ensino em foco. São Paulo: Editora do Brasil. Black, S. (2005). Teaching students to think critically. The education digest, 70(6), 42-47. Bogdan, R. C., & Biklen, S. K. (1994). Investigação qualitativa em educação. Porto: Porto Editora. Booi, L. (2011). Critical thinking: barriers and opportunities. http://www.teachers.ab.ca/ Publications/ATA%20Magazine/Volume 91/Number3/Pages/Criticalthinking.aspx Brasil. Ministério da Educação (2007). Programa de Integração da Educação Profissional Técnica de Nível Médio Integrada ao Ensino Médio na Modalidade de Educação de Jovens e Adultos – PROEJA. Documento Base. http://portal.mec.gov.br/setec. Ciavatta, M. (2005). A formação integrada: a escola e o trabalho como lugares de memória e de identidade. In G. Frigotto, M. Ciavatta & M. Ramos (Orgs.), Ensino médio integrado: concepções e contradições (pp. 83-105). São Paulo: Cortez. Di Pierro, M. C., Joia, O., & Ribeiro, V. M. (2001). Visões da educação de jovens e adultos no Brasil. Caderno Cedes, 55, 58-77. Duron, R., Limbach, B., & Waugh, W. (2006). Critical thinking framework for any discipline. International Journal of Teaching and Learning in Higher Education, 17(2), 160-166. Elder, L. (1997). Critical thinking: The key to emotional intelligence. Journal of Developmental Education, 21(1), 40-42.

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14.QUESTIONAR E ARGUMENTAR ONLINE: POSSIBILIDADES DE PENSAMENTO CRÍTICO COM A UTILIZAÇÃO DO ARGUQUEST®? Francislê Neri de Souza | [email protected] Ana Valente Rodrigues | [email protected] Universidade de Aveiro, Departamento de Educação, CIDTFF

Resumo O pensamento crítico não se resume a questionar e argumentar, mas não é possível promovê-lo de forma plena sem o desenvolvimento destas duas capacidades. Compreendemos também que formular perguntas e argumentos fundamentados é um dos desafios mais importantes no processo de ensino e de aprendizagem. Assim, não é possível conceber o desenvolvimento do pensamento crítico em contexto educativo sem que haja o estímulo ao questionamento e à argumentação. No entanto, quando os investigadores ao longo das últimas décadas, em diferentes contextos e níveis de escolaridade observam o padrão de questionamento e argumentação em sala de aula percebem que: i) é dominado pelo discurso do professor; ii) as muitas perguntas e poucos argumentos dos professores são em média de baixo nível cognitivo; iii) não existe tempo nem ambiente propício ao questionamento, pensamento e argumentação dos alunos; iv) as poucas perguntas dos alunos também são de baixo nível cognitivo. Como é possível então pensarmos no desenvolvimento destas dimensões num contexto de ensino centrado no professor e de quase exclusiva memorização de conteúdos e sua reprodução? Por isso, diversos educadores e investigadores têm criado instrumentos e estratégias inovadores que estimule o questionamento e argumentação de qualidade na interação entre professores e alunos. Apesar destas estratégias e instrumentos terem alcançado algum sucesso na modificação do padrão de interação em sala de aula, era necessário um recurso que permitisse o desenvolvimento, de forma sistemática, das capacidades de questionamento e argumentação em contexto online com possibilidade de integração com estratégias em contextos presenciais. Para responder a esta necessidade surge o ArguQuest que é um recurso digital desenvolvido na Universidade de Aveiro a partir de duas teses de doutoramento. Uma das teses centrava-se no estudo da argumentação e a outra no estudo do questionamento, daí a composição do nome desta plataforma online - ArguQuest. Esta ferramenta segue uma lógica cloud education em ambiente distribuído e baseia-se num modelo de interação que pretende incentivar e apoiar o questionamento e a argumentação sobre uma situação-problema de um tema escolhido, promovendo propostas de pontos de vista individuais e justificações dialógicas bem como a clarificação de posições, com o objetivo de fomentar reflexões de alto nível para a promoção do pensamento crítico. Estando o ArguQuest pronto desde janeiro de 2013, depois de vários testes operacionais, utilizamos a ferramenta em contexto real na unidade curricular “Didática das Ciências Integradas”, com alunos futuros professores do ensino básico. Este trabalho além de analisar as primeiras percepções dos alunos quanto à viabilidade de utilização e de aprendizagem com o ArguQuest, pretende identificar as capacidades de pensamento crítico que este recurso digital permite mobilizar, bem como averiguar a mudanças dos padrões de questionamento e Página 195 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

argumentação ao longo do processo de discussão de uma situação-problema via ArguQuest. Seguimos uma metodologia de natureza qualitativa de índole exploratória de um caso de aplicação deste recurso em contexto bLearning. Além das perguntas e argumentos formulados individualmente e em grupo durante o processo de interação online via ArguQuest, também analisamos o produto final, que são os “mapas ArguQuest”, e a apresentação e discussão destes mapas em contexto presencial. Os resultados indicam alguns constrangimentos técnicos que acabaram por atrasar a realização dos mapas ArguQuest, mas também indicam potencialidades na sistematização do desenvolvimento do pensamento crítico com base no questionamento e na argumentação. Palavras-Chave: Pensamento Crítico, questionamento, argumentação, TIC, Arguquest®.

Abstract Critical thinking is not limited to question and argue, but cannot promote it completely without the development of these two competences. We also understand that asking questions and reasoned arguments is one of the most important challenges in the process of teaching and learning. Thus, it is not possible to conceive the development of critical thinking in an educational context without any stimulating questioning and arguing. However, when the researchers over the past decades, in different contexts and levels of schooling observe the questioning and argumentation pattern in the classroom realize that: i) it is dominated by the teacher's discourse, ii) the many questions and few arguments of the teachers are on average lower cognitive level, iii) there is no time nor environment for students' thought, questioning and arguing; iv) the few students’ questions are also low cognitive level. How then can we think of the development of these dimensions in the teaching context centered on teacher and almost exclusively memorization of content and its reproduction? Therefore, many educators and researchers have created innovative tools and strategies that encourage questioning and argument of quality on interaction between teachers and students. These strategies and tools have achieved some success in modifying the pattern of interaction in the classroom, but still there wasn’t a resource that works in a systematic way the competence of questioning and argumentation in online context and with the possibility to be integrated with strategies in face-to-face contexts. To answer this need arises ArguQuest which is a digital resource developed at the University of Aveiro from two doctoral theses. One thesis was based on the study of argumentation and the other study of questioning, hence the composition of the name of this online platform - ArguQuest. This tool follows a cloud education logic in a distributed environment and is based on an interaction model that aims to encourage and support the questioning and arguing about a problem-situation of a theme, promoting proposals for individual viewpoints and dialogical justifications and clarification positions, in order to encourage reflection high level to promote critical thinking. Once the ArguQuest ready since January 2013 after several operational tests, we use the tool in a real context for the course, “Integrated Science Education”, with students-future-teacher. This paper also analyzes the first students' perceptions regarding the feasibility of using and learning with ArguQuest, aims to identify the critical thinking competences that this digital resource allows mobilization, as well to examine Página 196 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

the changing patterns of questioning and reasoning over the discussion of a problem-situation through ArguQuest. We follow a methodology of nature qualitative exploratory of a case of application of this resource in the context bLearning. In addition to the questions and arguments formulated individually and in groups during the process of online interaction via ArguQuest also analyze the final product, which are the "ArguQuest maps", and the presentation and discussion of these maps in classroom context. The results indicate some technical constraints that delay the realization of ArguQuest maps, but also indicate potential in systematizing the development of critical thinking based on questioning and argumentation. Keywords: Critical thinking, Questioning, Arguing, ICT, ArguQuest®.

INTRODUÇÃO O ato de ensinar e de aprender sempre foi e sempre será complexo. A sua complexidade vai para além dos contextos e ferramentas que são usados para o concretizar, porque educar implica relações e interações humanas. No entanto, os contextos, as ferramentas e sua conjugação estratégica podem propiciar diferentes resultados educacionais de acordo com os objetivos que se desejam alcançar. Já se tornou comum dizer que: as tecnologias da informação e comunicação (TIC) tem um grande potencial de mudança positiva nas relações da educação formal; que na era da informação facilmente e rapidamente disponível já não existe espaço para um ensino exclusivamente transmissivo e de memorização descontextualizada; que os alunos necessitam desenvolver capacidades de questionamento, de resolução de problemas e de comunicação, entre outras Contudo as TIC trouxeram outros desafios, como lidar, por exemplo, com a grande quantidade de informação que temos disponível? Isto tem fortes implicações no desenvolvimento da literacia da informação. Estas tecnologias trouxeram também desafios para as relações educacionais que por décadas permaneceram aparentemente estáveis. Por isso, não é incomum os alunos procurarem na internet mais e melhor informação do que aquela apresentada pelo professor numa aula. Apesar destas e de outras mudanças de contextos e ferramentas existem os grandes desafios que permanecem tal como “Montes Everets”1 , a instigar os educadores. O desenvolvimento do Pensamento Crítico (PC) dos professores e alunos é um destes alvos que permanece a desafiar-nos. Neste artigo concentrar-nos-emos sobre duas “componentes” fundamentais do PC: questionamento e argumentação. Assim, o intuito do nosso trabalho foi identificar as percepções dos utilizadores do ArguQuest®, enquanto plataforma de estimulação do questionamento e da argumentação, com base na Toda analogia é redutora. Mesmo este famoso monte que desafia os alpinistas cresce e move-se (http://veja. abril.com.br/081299/p_074.html), portanto analogamente compreendemos que os desafios educacionais não são monolíticos e estáticos. 1

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discussão de uma situação-problema, bem como, averiguar que capacidades de PC este processo permitia promover e se existia alguma evolução nos padrões de questionamento e argumentação dos participantes no processo. PENSAMENTO CRÍTICO, QUESTIONAMNETO E ARGUMENTAÇÃO O termo Pensamento Crítico (PC) é muitas vezes mal interpretado e confundido com um comentário maldoso, derrotista e inconsequente. Para isso, certamente, contribui a conotação negativa que a palavra “crítico” tem, erroneamente, no uso quotidiano. Neste sentido importa atentar em definições de PC que surgem na literatura. Para tal, e apenas para ilustrar a diversidade de definições, elaborámos o quadro da figura 1, que resultou de uma sistematização de definições de PC traduzidas do trabalho de Walker (2003) e de outras apresentadas por Paul e Elder (Paul, 1995; Paul & Elder, 2001). Definição de PC Processo de julgamento intencional e autorregulado.

Fonte (American Philosophical Association, 1990)

Propensão e habilidade para se envolver numa atividade com ceticismo reflexivo.

(McPeck, 1990)

Composição de habilidades e atitudes que envolvem a capacidade de reconhecer a existência de problemas e para apoiar a credibilidade dos problemas.

(Watson & Glaser, 1994)

Pensamento intencional em que indivíduos de forma sistemática e rotineira impõe critérios e padrões intelectuais sobre o seu pensamento.

(Paul, 1995)

Modo de pensamento – sobre qualquer assunto, conteúdo ou problema – em que o pensador melhora a qualidade do seu pensamento pela habilidade de assumir as rédeas da estrutura inerente ao pensamento e impondo padrões intelectuais sobre eles.

(Paul & Elder, 2001)

Arte de analisar e avaliar pensamentos tendo em vista melhorá-los.

(Paul & Elder, 2007)

Figura 1 – Definições de Pensamento Crítico (PC)

Porém, no presente estudo, optámos pela definição de Ennis (1985) traduzida por Tenreiro-Vieira & Vieira (2013) “O pensamento crítico é uma forma de pensamento racional, reflexivo, focado no decidir em que acreditar ou o que fazer” (p. 176). Os referidos autores destacam 5 termos-chave que estão intricadamente ligados a esta definição de PC: i) prática, ii) reflexiva, iii) sensata, iv) crença e v) ação. Neste sentido Ennis (1985) declara: “Deciding what to believe or do is a higher-order thinking enterprise, and most practical higher-order thinking activity is focused on deciding what to believe or do” (p. 47). Na linha desta definição, percebe-se que o pensamento crítico não se resume ao questionamento e à argumentação, mas que não é possível promovê-lo de forma plena sem o desenvolvimento destas duas capacidades. Assim, não é possível conceber o desenvolvimento do pensamento crítico em contexto educativo sem que haja o estímulo à análise e formulação de perguntas e argumentos, sendo este estímulo um dos desafios mais importantes no processo de ensino e de aprendizagem. Página 198 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

A capacidade argumentativa é essencial para a apropriação do conhecimento pelo aluno que, ao argumentar, seleciona, organiza e estrutura melhor o seu pensamento, ou seja, aprende a partir do exercício argumentativo a aprofunda o tópico em estudo (Wen & Duh, 2007). O questionamento é uma capacidade fortemente ligada à curiosidade e à vontade de aprender mais e melhor, mas para isso o aluno necessita identificar o que sabe e o que não sabe, estando diante muitas vezes de incidentes críticos não-estruturados e num contexto de confiança para poder expressar as suas perguntas (Pedrosa de Jesus, Neri de Souza, Teixeira-Dias, & Watts, 2001). Diversos autores focam a importância do questionamento e da argumentação na aprendizagem ativa dos alunos no contexto do desenvolvimento do pensamento crítico (Loureiro, Neri de Souza, & Moreira, 2010; Paul & Elder, 2001; Walker, 2003). No entanto, quando os investigadores ao longo das últimas décadas (Dillon, 1983; Neri de Souza, 2006; Rowe, 1986; Stevens, 1912; Teixeira-Dias, Pedrosa de Jesus, Neri de Souza, & Watts, 2005), em diferentes contextos e níveis de escolaridade, observam o padrão de questionamento e argumentação em sala de aula percebem que:

i) existe um predomínio do discurso do professor;

ii) as muitas perguntas e poucos argumentos dos professores são em média de baixo nível cognitivo; iii) não existe tempo nem ambiente propício ao questionamento, argumentação e pensamento dos alunos;

iv) as poucas perguntas dos alunos também são de baixo nível cognitivo.

Mais recentemente Almeida e Neri de Souza (2010) bem como Loureiro e Neri de Souza (2013) reforçam o quadro deste padrão de interação em sala de aula explicitando que: i) os professores formulam a maioria das perguntas em sala de aula (em média, 2 perguntas por minuto, ou seja, 40 perguntas por hora); ii) as perguntas dos professores são de baixo nível cognitivo e sem intencionalidade pedagógica; iii) a falta de intencionalidade pedagógica traduz-se em perguntas de caráter exclusivamente académico sem contextualização com a vida real, ou caráter CTS (Ciência, Tecnologia e Sociedade); iv) os professores não esperam pelas respostas dos alunos (menos de 1 segundo de espera - wait time);

v) os alunos formulam poucas perguntas (em média, 2 ou 3 perguntas por semana);vi)

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as perguntas dos alunos são de baixo nível cognitivo, não científicas ou descontextualizadas (não ligadas aos assuntos da aula); vii) não existe estímulo para que os alunos formulem perguntas, mas sim para que deem respostas. Considerando este quadro de falta de condições e estímulo ao pensamento crítico através do questionamos e da argumentação, surge a questão: Como é possível então pensarmos no desenvolvimento do PC num contexto de ensino centrado no professor e de quase exclusiva memorização de conteúdos e sua reprodução? Para responder a esta questão a comunidade de educadores e investigadores tem ao longo das últimas décadas criado e aplicado estratégias de estímulo ao desenvolvimento destas capacidades em diversos contextos educativos. ESTRATÉGIAS DE PROMOÇÃO DE QUESTIONAMENTO E ARGUMENTAÇÃO EM CONTEXTO EDUCATIVO As capacidades de questionamento e argumentação podem ser estimuladas e desenvolvidas se articuladas com ferramentas e estratégias em contextos de ensino e de aprendizagem ativas. Nas palavras de Walker (2003) “When lecturing, the instructor organizes and presents essential information without student input. This practice eliminates the opportunity for students to decide for themselves what information is important to know” (p. 264). Portanto, para promovermos o desenvolvimento destas capacidades nos nossos alunos, com vista ao incremento do seu PC, devemos fomentar um ensino centrado no aluno e não no professor. Rocha, Neri de Souza e Bettencourt (2011) criaram um jogo de cartas com “perguntas genéricas”, com base nos estudos de King (1994a, 1994b), para estimular o questionamento em sala de aula de ciências. Este instrumento, associado com uma estratégia que colocava o aluno no centro do processo, proporcionou: i) uma iniciação ao ato de perguntar e a ii) compreensão dos diferentes tipos e níveis cognitivos das perguntas. Neri de Souza (2006) desenvolveu uma investigação no sentido de criar instrumentos e estratégias para estimular as perguntas dos alunos de Química do 1º ano do ensino universitário. Alguns dos instrumentos criados com a intenção de facilitar a formulação de perguntas por parte dos alunos foram:

i) Caixas de Questões – Caixa acrílica com folhas sempre presente nas aulas.

ii) Plataforma Online - para facilitar o envio de perguntas ao professor e aos colegas fora das aulas. iii) Caderno de laboratório dos alunos – com apelos gráficos para a formulação de perguntas em cada fase do registo.

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Além destas ferramentas foram criadas estratégias que as integrava no processo de ensino e de aprendizagem: i) mini-projetos com base em questões-problema; ii) conferências temáticas para integração CTS; iii) pausas na aulas para possibilitar a formulação de perguntas orais e escritas; e iv) práticas laboratoriais com base na resolução de problemas. Um dos resultados da suprareferida investigação revelou que a utilização da plataforma online de comunicação foi um factor positivo no estímulo ao questionamento e foi o meio para o envio de mais de 50% das perguntas dirigidas ao professor. Neste contexto as TIC exerceram o papel de mediadoras na interação entre os alunos e o professor, diminuindo algumas das barreiras sociais (ex. receio de serem ridicularizados pelos colegas) que limitavam a formulação e exposição de perguntas pelos alunos em sala de aula. Kanselaar et al. (2003) estudaram as atividades dos alunos envolvidos na argumentação entre pares com vista à resolução de problemas abertos. Na lógica destes autores, a escrita de textos argumentativos, a construção de hipóteses com base em “sentenças abertas” e a argumentação com base na pesquisa, sobretudo sob a forma de perguntas de verificação, podem ser bastante eficazes no processo argumentativo, por contraste com as formas diretas (desafios, contraargumentação). Quando pensamos num contexto semi-presencial de ensino, ou seja, parte presencial e parte online (bLearning), as possibilidade de questionamento e argumentação ampliam-se e complexificamse seja do ponto de vista do ensino, seja do ponto de vista da investigação. Neri de Souza e Moreira (2008) investigaram se havia alguma diferença nos padrões de questionamento nos ambientes presenciais e online após o uso de ferramentas e estratégias para estimular o desenvolvimento da capacidade do questionamento em alunos universitários. Constataram que o ambiente online é mais propício ao questionamento dos alunos do que o ambiente presencial, sendo maior o número de perguntas dos alunos do que a dos professores e havendo uma evolução na qualidade do questionamento ao longo da interação com os colegas e professores. Na próxima secção apresentaremos o ArguQuest que é uma ferramenta digital online que pode ser usada para trabalhar, com os alunos, as capacidades de argumentação e de questionamento. PLATAFORMA ARGUQUEST® Embora existam outras plataformas para o desenvolvimento da capacidade de argumentação (Gürkan, Iandoli, Klein, & Zollo, 2010; Loureiro & Neri de Souza, 2013; Van Gelder, 2002), não existe nenhuma que trabalhe de forma explícita a capacidade de questionamento, menos ainda uma ferramenta em ambiente distribuído que envolva as capacidades de questionamento e de argumentação de forma articula e intencional como se propõe no ArguQuest® (Loureiro & Neri de Souza, 2009; Loureiro, Neri de Souza, & Moreira, 2010; Neri de Souza, Loureiro, & Moreira 2010).

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A plataforma ArguQuest organiza-se em torno de quatro dimensões que correspondem ao nível de refinamento da interação proposto por Neri de Souza, Watts e Moreira (2008): i) tempestades de ideias individuais; ii) treino cooperativo; iii) discussão colaborativa e, finalmente, iv) o produto reflexivo final. Na Figura 2 apresentamos as fases das atividade e interações do ArguQuest que têm por base estas dimensões.

Figura 2 - Fases da Plataforma ArguQuest

Numa primeira fase o professor deve preparar um projeto para o uso da plataforma. Esta fase é de grande importância porque pode influenciar o nível da discussão e dos produtos previstos. É nesta fase que o professor seleciona com os alunos uma questão-problema consoante o tema que pretende abordar, o contexto e o nível escolar. Como suporte à contextualização e formulação da questão-problema, o professor pode recorrer, por exemplo, a materiais multimédia (ex. vídeo, som, texto, imagem). É com base nesta questão-problema e contextualização inicial que se inicia todo o processo de questionamento e argumentação na plataforma. Sugerimos que seja disponibilizado aos alunos tempo suficiente para um primeiro contacto com a plataforma, no sentido de se poderem familiarizar com o seu modo de funcionamento e potencialidades, evitando assim, que o trabalho com a plataforma se constitua numa barreira em si mesmo. Desta forma, primeiramente os alunos devem formular algumas perguntas individualmente sobre o tema proposto e contextualizado com o material multimédia. Na Figura 2, anteriormente apresentada, pode-se ver, a título de exemplo, a questão-problema “Deveríamos adotar de forma generalizada em Portugal os alimentos transgénicos?” que foi a utilizada no projeto objeto de análise neste trabalho. Somente depois das perguntas individuais, sobre a questão-problema, serem formuladas é que o sistema permite aceder à segunda janela (Diálogo) para a interação dialógica com apenas um colega (díades). Cada díade deve discutir entre si quais as perguntas que as irá representar na Página 202 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

“Discussão de perguntas” de todas as outras díades da turma. Este processo repete-se na fase de argumentação, mas desta vez com a elaboração de argumentos contra, a favor ou neutros. Finalmente na fase de integração das perguntas e argumentos é solicitado que os alunos associem as perguntas e argumentos refinados pelo processo dialógico através de conectores lógicos. Este é um passo importante para o produto final reflexivo que é o mapa ArguQuest. O mapa ArguQuest (Figura 3) mostra a articulação que os alunos estabeleceram entre as perguntas e os argumentos elaborados, podendo ser editado/ (re)elaborado no sentido de traduzir da forma mais clara possível a representação do aprofundamento da discussão da questão-problema inicialmente proposta no projeto.

Figura 3 – Exemplo do mapa ArguQuest elaborado pelo grupo MaPa

METODOLOGIA Estando o ArguQuest pronto desde janeiro de 2013, depois de vários testes operacionais, considerámos importante utilizar a ferramenta em contexto real. O contexto selecionado foi uma turma de 15 alunos do Mestrado em Ensino do 1º e 2º CEB da Universidade de Aveiro a frequentar a Unidade Curricular “Didática das Ciências Integradas” da qual os autores deste artigo eram docentes. A recolha de dados ocorreu durante o mês de março de 2013. Assim, na continuidade do diálogo de uma das aulas práticas sobre a germinação de sementes e crescimento de plantas onde surgiu a problemática dos “Organismos Geneticamente Modificados” (OGM’s) criou-se um projeto na plataforma ArguQuest sobre a temática e lançouse a seguinte questão-problema à turma: “Deveríamos adotar de forma generalizada em Portugal alimentos transgénicos?” Ao longo do processo de discussão (aproximadamente 3 semanas) desta situação-problema via ArguQuest, foi nosso intuito identificar: (i) As percepções dos utilizadores acerca do ArguQuest enquanto plataforma de estimulação do questionamento e da argumentação; Página 203 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

(ii) As capacidades de PC que esta discussão via ArguQuest permite promover nos utilizadores; (iii) A evolução dos padrões de questionamento e argumentação dos utilizadores. Para tal seguimos uma metodologia de natureza qualitativa de índole exploratória deste caso de aplicação do ArguQuest em contexto bLearning. Como procedimentos metodológicos de recolha de dados adotámos a técnica de inquérito por entrevista em grupo e a compilação documental dos relatórios ArguQuest de cada grupo, nos quais constavam os registos de todo o processo de análise e discussão da situação-problema de todos os utilizadores (professores e alunos desde a fase individual à de díade e de turma). Como técnica de análise recorremos à análise de conteúdo através do sistema de análise categorial. Para além das perguntas e argumentos formuladas individualmente e, em grupo, durante o processo de interação online via ArguQuest, também analisamos o produto final, que são os “mapas ArguQuest”, e a apresentação e discussão destes mapas em contexto presencial. Utilizando o mesmo corpus de dados efetuámos duas análises distintas de acordo com os objetivos da investigação. Desta forma, para analisarmos as capacidades de pensamento crítico que o ArguQuest poderia promover, construímos um instrumento de análise do tipo categorial onde as categorias de análise foram as capacidades de pensamento crítico da taxonomia de Ennis (1987). ANÁLISE DE DADOS E RESULTADOS As capacidades de pensamento crítico listadas por Ennis (1987) na sua definição operacional de pensamento crítico estão organizadas em cinco áreas: Clarificação Elementar, Suporte Básico, Inferência, Clarificação Elaborada e numa área de Estratégias e Táticas. Cada uma destas áreas inclui um conjunto de capacidades de pensamento crítico agrupadas em diferentes categorias interdependentes. Na Figura 4 apresentamos as capacidades de pensamento crítico organizadas pelas diferentes áreas definidas por Ennis (1987) e respetivos descritores que serviram de suporte à construção do instrumento de análise de conteúdo usado para identificar as capacidades de pensamento crítico que a discussão de uma situação-problema através do ArguQuest pode mobilizar.

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Área

Clarificação elementar

Capacidades de PC

Descritores

Focar uma questão

a) Identificar ou formular uma questão. b) Identificar ou formular critérios para ajuizar possíveis respostas. c) Manter presente em pensamento a questão.

Analisar argumentos

a) Identificar conclusões. b) Identificar as razões enunciadas. c) Identificar as razões não enunciadas. d) Procurar semelhanças e diferenças. e) Identificar e lidar com irrelevâncias. f) Procurar a estrutura de um argumento. g) Resumir.

Fazer e responder a questões de clarificação e desafio

Exemplos de questões a serem formuladas ou respondidas: Porquê?; Qual é a sua questão principal?; O que quer dizer com “…”?; Importa-se de exemplificar?; Em que é que isto se aplica a este caso?; Que diferença e que isto faz? Quais são os factos?; É isto que quer dizer “…”?; Diria mais alguma coisa sobre isto?

Avaliar a credibilidade de uma fonte

Os critérios que devem presidir são: (i) Perita/ Conhecedora/Versada; (ii) Não há conflito de interesses; (iii) Acordo entre fontes; (iv) Reputação; (v) Utilização de procedimentos já estabelecidos; (vi) Risco conhecido sobre a reputação; (vii) Capacidade para indicar razões; (viii) Hábitos cuidadosos.

Fazer e avaliar observações

Os critérios que devem presidir são: (i) Um número mínimo de inferências envolvidas; (ii) Um curto intervalo de tempo entre a observação e o relatório; (iii) O relatório ser elaborado pelo próprio observador; (iv) Ter registos; (v) Corroboração; (vi) Possibilidade de corroboração; (vii) Condições de bom acesso; (viii) Se a tecnologia for útil, uma utilização competente desta; (ix) Satisfação do observador.

Fazer e avaliar deduções

a) Lógica de classes. b) Lógica condicional. c) Interpretação de enunciados

Fazer e avaliar induções

a) Generalizar. b) Inferir conclusões e hipóteses explicativas.

Fazer e avaliar juízos de valor

a) Factos antecedentes. b) Consequências. c) A aplicação imediata (prima facie) de princípios aceitáveis. d) Considerar alternativas. e) Comparar, pesar e decidir.

Definir termos e avaliar definições

Definir os termos e avaliar as definições em três dimensões: a) Forma; b) Conteúdo; c) Estratégia de definição.

Suporte básico

Inferência

Clarificação elaborada

Identificar assunções

a) Razões não enunciadas. b) Assunções necessárias; reconstrução de argumentos

Decidir sobre uma ação

a) Definir o problema. b) Selecionar critérios para avaliar possíveis soluções. c) Formular soluções alternativas. d) Decidir, por tentativas, o que fazer. e) Rever e decidir, tomando em consideração a situação no seu todo. f) Verificar cuidadosamente a implementação.

Interatuar com os outros

a) Empregar e reagir a denominações falaciosas. b) Estratégias lógicas. c) Estratégias retóricas. d) Argumentar

Estratégias e táticas

Figura 4 – Tabela resumida com as capacidades de pensamento crítico (Ennis, 1987) Página 205 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

Elegeu-se a taxonomia de Ennis por, conforme referido por Tenreiro-Vieira e Vieira (2000): (i) ser consistente com a definição de pensamento crítico usada; (ii) cobrir as capacidades de pensamento crítico na sua globalidade; (iii) ser exaustiva, clara e compreensiva; (iv) permitir uma identificação clara e fácil das capacidades de pensamento crítico; e (v) ser amplamente utilizada em diferentes estudos relacionados com o pensamento crítico revelando-se um instrumento de grande valor. Para além destes aspetos, não é uma taxonomia hierárquica, o que para o nosso objetivo, também se tornava mais adequada, uma vez que o nosso intuito era apenas o de identificar as capacidades de pensamento crítico que o ArguQuest promoveria e se ao longo do processo haveria uma mobilização das mesmas capacidades e se haveria o predomínio de algumas. No mesmo sentido, não usámos o "Cornell Critical Thinking Test, Level X" de Ennis & Millman (1985), designado em português por Teste de Pensamento Crítico de Cornell (Nível X), pois não era nosso intuito medir o nível de pensamento crítico dos alunos envolvidos no estudo. Na Figura 5 apresentamos o resultado da taxonomia de Ennis aplicada a todas as perguntas e argumentos dos alunos.

Figura 5 – Tabela com a distribuição dos argumentos e perguntas pelas áreas de PC da taxonomia de Ennis

Ao analisarmos os dados verificamos que ao longo do processo de discussão da situaçãoproblema foram mobilizadas de forma distinta capacidades de pensamento crítico das diferentes áreas da taxonomia de Ennis. Na fase inicial verificou-se uma predominância de capacidades das áreas “clarificação elementar” (65,2%) e “clarificação elaborada” (30,4%), das quais se destacam: “analisar argumentos”, “fazer ou responder a questões de clarificação e desafio” e “definir termos e avaliar definições”. Como exemplo apresenta-se uma questão ilustrativa da área de clarificação elementar e outra de clarificação elaborada. • “Como é que os alimentos transgénicos são regulamentados a nível nacional?” Mónica [2013-03-08 17:36:42] – Clarificação Elementar •

“Quais as consequências da modificação genética dos organismos na Natureza e no meio onde estes estão inseridos?” Maria [2013-03-10 01:29:04] - Clarificação Elaborada

De destacar ainda a evidência da mobilização de capacidade “ avaliar a credibilidade de uma Página 206 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

fonte” da área “Suporte Básico”. Nesta fase não houve evidências da mobilização de capacidades das áreas “Inferência” e “Estratégias e táticas”. Na fase intermédia verificou-se um decréscimo da percentagem de capacidades das áreas de “Clarificação elementar”, “Clarificação elaborada” e “Suporte básico”. Contudo, nesta fase, surgem evidências da mobilização de capacidades das áreas “Inferência” e “Estratégias e táticas”, das quais se destacam: “fazer ou avaliar deduções”, “fazer ou avaliar juízos de valor” e “decidir sobre uma ação”. A título ilustrativo apresenta-se de seguida os seguintes exemplos: • “Por outras palavras, os alimentos transgênicos são geneticamente modificados com o objetivo de melhorar a qualidade e aumentar a produção e a resistência às pragas, visando o lucro.” Carla [2013-03-11 20:50:48] – Inferência. • “Sou a favor porque as colheitas destes alimentos levam à salvaguarda dos recursos naturais; É possível obter alimentos mais saborosos e mais ricos do ponto de vista nutricional; É possível obter alimentos mais baratos, pois as técnicas de manipulação genética ajudam os agricultores a reduzir os prejuízos; e as plantas podem ser alteradas de modo a resistirem a pragas de insetos, e desta forma, os inseticidas deixam de ser utilizados e o ambiente não é poluído. Daniela [2013-03-11 19:36:22] - Estratégias e táticas. Na fase final continuou-se a registar um decréscimo da percentagem de capacidades das áreas de “Clarificação elementar” (com um decréscimo percentual de 41,1% em relação à fase inicial) e “Clarificação elaborada” (com um decréscimo de 13,2%). Sendo que deixou de haver evidências da utilização de capacidades da área de “Suporte básico”. Contudo, verificou-se uma maior percentagem de capacidades da área “Inferência” (subida de 5,6%) e em particular de capacidades da área “Estratégias e Táticas” que nesta fase predomina em termos percentuais, representando 41,4% das capacidades evidenciadas nesta fase. Apresenta-se abaixo o exemplo de um argumento formulado por um dos alunos considerado como evidência de capacidade da área “Estratégias e Táticas”. • “Sou contra porque os organismos geneticamente modificados podem aumentar as reações alérgicas em determinadas pessoas bem como levarem à eliminação de populações naturais de insectos, animais e algumas espécies de plantas.” José - [201303-19 11:05:00] Estratégica e Táticas Conclui-se desta forma, que nesta curta experiência de utilização do software ArguQuest por este grupo de alunos, houve a mobilização de capacidades de pensamento crítico das diferentes áreas da Taxonomia de Ennis, contudo ao longo do processo as capacidades mobilizadas vão tendo uma expressão percentual diferente. Consideramos que este resultado é coerente com o espetável, uma vez que, no início de Página 207 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

uma discussão sobre uma situação-problema, há uma maior necessidade de se formularem perguntas e de se responderem a perguntas, que vão emergindo da discussão e das pesquisas que cada um individualmente ou em grupo vai fazendo. Do mesmo modo emerge também nesta fase a necessidade de se mobilizar as capacidades de “analisar argumentos” e de “avaliar a credibilidade das fontes consultadas”. Contudo, à medida que o processo de discussão avança é natural que capacidades como “fazer ou avaliar deduções” e “fazer ou avaliar juízos de valor” comecem a surgir e a prevalecer, assim como numa fase final, onde é suposto tomarem decisões sobre a questão-problema inicialmente formulada a capacidade “decidir sobre uma ação” ganhe o devido destaque. Após esta análise consideramos importante focarmo-nos em duas componente de pensamento crítico mobilizadas privilegiadamente com a utilização do ArguQuest, no caso: questionamento e argumentação e tentar perceber se ao longo do processo de discussão haveria uma evolução nos níveis de padrão das referidas capacidades. Para analisarmos a evolução dos padrões de questionamento e argumentação, ao longo do processo de discussão da situação-problema com recurso ao ArguQuest, recorremos à taxonomia SOLO (Structure of Observing Learning Outcome) de Biggs & Collis (1982). SOLO é uma taxonomia que estabelece um sistema simples de categorias que não depende do conteúdo e que pode ser aplicado como instrumento para vários propósitos, neste caso para categorizar argumentos e perguntas apresentados pelos grupo de alunos participantes neste estudo ao discutirem uma questão-problema via ArguQuest. Assim a taxonomia SOLO permite identificar patamares de formalização do pensamento, uma vez que apresenta a possibilidade de identificar níveis hierárquicos de complexidade do entendimento sobre conteúdos de diferentes domínios: i) Pré-estrutural, ii) Uni- Estrutural, iii) Multi-estrutural, iv) Relacional, e v) Extensões abstratas, definidos seguidamente na Figura 6.

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Nível 1. Pré-estrutural

Descrição Este tipo de pergunta/argumento consiste simplesmente na tentativa de obtenção de pedaços de informação desligados, que não têm nenhuma organização ou não fazem qualquer sentido. É uma pergunta confusa ou a solicitação de uma informação trivial.

2. Uni-estrutural

As perguntas/argumentos estabelecem conexões simples e óbvias com os conteúdos. Apenas um aspecto da tarefa é mencionado e não há nenhum relacionamento entre factos ou ideias. Adição de um único aspecto.

3. Multi-estrutural

A pergunta/argumento faz algumas conexões, mas faltam as meta-conexões entre os conteúdos mencionados, bem como o significado do todo. Conteúdos e tarefas são tratados quantitativamente e por adição.

A pergunta/argumento procura integrar conhecimentos na tentativa de apreciar o significado das partes com relação ao todo.

4. Relacional Através da pergunta/argumento o aluno faz conexões não somente dentro de uma única área, mas também para além dela. 5. Extensões abstratas

Tenta estabelecer generalizações e transferir os princípios e as ideias subjacentes a um caso específico.

Figura 6 – Tabela com a taxonomia SOLO - Adaptada de 
Neri de Souza & Moreira (2010)

Selecionámos a taxonomia SOLO, porque: (i) permite descrever eficazmente o processo envolvido na pergunta e resposta a perguntas numa escala crescente de dificuldade ou complexidade; (ii) fornece parâmetros para analisar e classificar respostas, podendo ser utilizada para elaboração de perguntas e argumentos em diferentes formas, que procurem identificar níveis de complexidade; e (iii) difere de outros modelos que analisam o conhecimento, defendendo que se pode avaliar o desempenho de um certo indivíduo, num determinado momento, sem fazer qualquer tipo de dedução sobre a sua estrutura cognitiva (o objetivo não é inferir sobre as capacidades dos indivíduos, mas atentar na qualidade das perguntas/argumentos que estes produzem durante a discussão da situação-problema). Na Figura 6 apresentamos o resultado da taxonomia SOLO aplicada a todas as perguntas e argumentos dos alunos.

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Figura 6 – Tabela com a distribuição dos argumentos e perguntas pelos níveis da Taxonomia Solo

Na fase inicial 60% dos argumentos e perguntas dos alunos enquadravam-se no nível uni-estrutural, 30% no nível multi-estrutural e 10% no pré-estrututal. Não havendo nenhum argumento e/ou questão do nível relacional ou no nível extensões abstratas. Por exemplo: • “O que são Organismos Geneticamente Modificados?” Nádia [2013-03-07 13:11:13] Pré-estrutural • “Quais são os pontos fortes e fracos da generalização dos alimentos transgénicos?” Carla [2013-03-11 19:45:51] Uni-estrutural Na fase intermédia verificou-se uma descida de 3,7% de argumentos e perguntas do tipo pré-estrutural, a percentagem nos níveis uni-estrutural e multi-estrutural quase não variou, mas destaca-se a existência, mesmo que apenas de 4%, de argumentos/perguntas do nível relacional. De seguida, apresenta-se como exemplo, uma questão de nível uni-estrutural e um argumento de nível multi-estrutural formulados pelos alunos nesta fase. • “De que forma colheitas de alimentos transgénicos podem 'contaminar' outras colheitas?” Ana [2013-03-11 20:38:14] – Uni-estrutural • “Apesar de as sementes de alimentos transgénicos serem mais caras existe a possibilidade de utilizar uma menor quantidade de pesticidas aquando da sua produção.” Grupo Tango [2013-03-11 22:45:39] – Multi-estrutural Na fase final a percentagem de argumentos e perguntas do nível pré-estrutural continuou a decrescer, representando agora 3,8%. Apesar de se continuar a verificar o predomínio de argumentos e perguntas de nível uni-estrutural (51,9%), verifica-se um decréscimo nesta percentagem desde o início do processo na ordem dos 8,1%. Nesta fase verificou-se ainda um aumento na percentagem de argumentos e perguntas nos níveis multi-estrutural e relacional, aumento desde o início do processo, respetivamente 5,4% e 8,9%. Como exemplo apresentamse os excertos seguintes: • “A produção de alimentos transgênicos tem um impacto negativo no meio ambiente: são tóxicos para espécies não-alvo; são tóxicos para insetos benéficos; são uma ameaça para o ecossistema do solo; onde são produzidos registou-se um aumento de uso de Página 210 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

insecticidas...” Filipe [2013-03-17 21:50:01] – Multi-estrutural • “Os dois alimentos geneticamente modificados maioritariamente comercializados são a soja e o milho, e ambos são utilizados para rações animais. Não se sabe se estão a utilizar campos de cultivo para alimentar animais ao invés de pessoas, como estão a ser alterada a alimentação natural do gado, deixando as vacas de ser herviboras para passar a ser granívoras, com todas as consequências que temos vindo a experimentar.” Ana [2013-03-12 12:11:11] - Relacional Conclui-se desta forma, que esta curta experiência de utilização da plataforma ArguQuest por este grupo de alunos, permitiu-lhes em média aumentar o nível cognitivo da argumentação e do questionamento. Contudo, durante este processo, não houve nenhum argumento ou questão que se enquadra-se no nível extensões abstrata, nível mais elevado da taxonomia Solo. Para averiguar as percepções dos utilizadores acerca do ArguQuest enquanto plataforma de estimulação do questionamento e da argumentação recorreu-se à entrevista presencial em grupo. Os alunos consideraram que o Software ArguQuest permite um trabalho orientado e mais rigoroso, pois obriga a cumprir determinadas etapas: (i) formulação de perguntas/argumentos individualmente; (ii) (re)formulação de perguntas/argumentos em diálogo com colega da díade/ tríade; e (iii) discussão de perguntas/argumentos com toda a turma. Tal como se ilustra com os seguintes excertos das entrevistas aos grupos: - Tem uma metodologia própria. (...) Obriga a passar diferentes etapas para poder avançar. O trabalho assim é mais organizado, mais orientado. (Grupo Os Sustentáveis) - O Arguquest é bom, porque nos orienta na pesquisa do tema. (Grupo MAP) - A ferramenta em si é fácil de usar e apesar do processo ser complexo, é mais rigoroso. (Grupo Géminis) Os grupos consideraram ainda que sentiram necessidade de pesquisar para poderem fazer as perguntas e para argumentar sobre a sua pertinência, bem como para poderem discutir as perguntas e argumentos dos outros grupos. Desta forma a pesquisa surge como uma necessidade e não como uma “imposição” dos professores. Os excertos seguintes são exemplificativos disso: - Foi bastante positivo, porque para fazer as questões tivemos de pesquisar primeiro para argumentar. (Grupo Lupas D.) - Assim lemos por iniciativa própria, por necessidade de argumentar. (Grupo Os Sustentáveis) - Vimos os argumentos dos outros grupos e tivemos de fazer pesquisa para saber Página 211 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

se estavam corretos (Grupo Géminis) Relativamente à fase da discussão, os grupos referiram que a turma não interatuou muito, fazendo poucos comentários em particular em relação às perguntas formuladas pelos diferentes grupos. Consideraram ainda que haveria necessidade de mais tempo para esta discussão ser mais aprofundada. - Contudo, não houve muita discussão ao nível da turma, principalmente ao nível das perguntas dos grupos. (Grupo Tango) Os alunos referiram ainda o facto do ArguQuest permitir trabalhar às distância com os colegas de grupo/turma. - Permite trabalhar ao longe com os colegas. (Grupo Atómicos) - Mesmo à distância, permite pesquisar e conversar em simultâneo. (Grupo Os Sustentáveis) Contudo uma das alunas refere que “Preferia ter discutido cara a cara, (...) na escrita somos mais comedidos” (Daniela). Alguns grupos reportaram alguns problemas técnicos que foram sentindo ao longo do processo, nomeadamente na construção dos mapas ArguQuest. Enquanto professores participante e utilizadores da plataforma ArguQuest, também somos avaliadores da mesma. Neste sentido consideramos que é necessário mais tempo do que aquele que foi disponibilizado para que os alunos se habituarem a estrutura e sistematização do ArguQuest, mesmo para aqueles que se sente a vontade com as TIC. Ao dividimos a turma em pequenos grupos foram formados seis díades e uma tríade. Neste momento foi detetado o problema do ArguQuest só permitir o trabalho em díades, causando constrangimento para turmas com número ímpar de alunos. Desta forma relatou-se este problema à equipa técnica. Sentimos também que era necessário mais um projeto ArguQuest sobre outra questão-problema e com maior integração no sistema de avaliação dos alunos envolvidos. No geral a opinião dos docentes é positiva sobre as potencialidades do ArguQuest e estando já a planificar nova integração nos seus planos de ensino. CONCLUSÕES Ao relembrarmos o grande desafio que é desenvolver de forma sistemática as capacidades de Pensamento Crítico, tal como o questionamento e a argumentação, consideramos que o ArguQuest se constitui como uma ferramenta fácil de utilizar que ajuda a organizar o processo de discussão da questão-problema tanto a nível presencial como não-presencial. Os resultados apresentados indicam alguns constrangimentos técnicos que acabaram por Página 212 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

atrasar a realização dos mapas ArguQuest, mas também indicam outras potencialidades. Assim, apesar do curto período de tempo em que decorreu esta experiência de utilização, foi possível percecionar que a exploração de uma situação-problema com recurso ao ArguQuest poderá potenciar:

(i) a mobilização de diferentes capacidades de pensamento crítico ao longo do processo;

(ii) a sistematização reflexiva (organização, acesso, interferência do professor, discussão organizada) das perguntas e argumentos dos alunos/grupos; (iii) uma comunicação mais clara e objetiva dos resultados através de um produto final reflexivo;

(iv) o incremento nos níveis de questionamento e argumentação dos alunos:

(v) o acompanhamento não-diretivo do professor no processo de discussão das perguntas e dos argumentos; (vi) a autonomia dos alunos e responsabilização pela própria aprendizagem na busca de informação e construção do conhecimento;

(vii) a motivação para a discussão através da formulação de perguntas e argumentos.

Presumimos, desta forma, que uma utilização mais sistemática e prolongada do ArguQuest permitirá o desenvolvimento de níveis de questionamento e argumentação ainda mais elevados. Antevemos também que este processo contribuirá para o desenvolvimento do pensamento crítico dos alunos e para a mudança das prioridades do ensino. É com este intuito que pretendemos desenvolver num futuro próximo um estudo que nos permita obter respostas a estas nossas questões de investigação, de forma mais abrangente e aprofundada. AGRADECIMENTOS Este trabalho é financiado por Fundos FEDER através do Programa Operacional Fatores de Competitividade – COMPETE e por Fundos Nacionais através da FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia no âmbito do projeto PEst-C/CED/UI0194/2011. Centro de Investigação Didática e Tecnologia na Formação de Formadores – CIDTFF, Departamento de Educação, Universidade de Aveiro, Portugal. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Almeida, P., & Neri de Souza, F. (2010). Questioning Profiles in Secondary Science Classrooms. International Journal Learning and Change, 4(3), 237-251.

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15.É POSSÍVEL ESTIMULAR O PENSAMENTO CRÍTICO ATRAVÉS DE PERGUNTAS DE UM LIVRO DIDÁTICO DE QUÍMICA? Gerson de Souza Mól | [email protected]

Universidade de Brasília, Departamento de Química, Brasil

Francislê Neri de Souza | [email protected]

Universidade de Aveiro, Departamento de Educação, CIDTFF

Resumo O pensamento crítico é cada vez mais defendido pelos educadores e pelos pesquisadores da educação. Desta forma, espera-se que o atual sistema de ensino privilegie o desenvolvimento de habilidades e competências que são associadas ao pensamento crítico, em substituição ao ensino que privilegia fortemente a memorização e o “acúmulo” de informações. Talvez essa situação ocorra porque vivemos numa sociedade na qual as informações crescem exponencialmente, inviabilizando a visão de que saber é ter a informação. Além disso, frente a tantas informações, o mais importante é saber avalia-las e julgar suas pertinências em diferentes contexto. É nessa linha que surgem propostas de ensino baseadas numa orientação Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS) que visam também o desenvolvimento do pensamento crítico. Foi nessa perspectiva que um grupo de professores brasileiros, do ensino superior e do ensino básico, se uniram para escrever a coleção de livros didáticos de Química para o Ensino Médio (ensino secundário em Portugal): “Química Cidadã”. Outra característica importante e única deste livro é a sistematização de perguntas com o objetivo de promoção do diálogo em sala de aula que devem ser respondidas pelos alunos. Embora estes autores nunca tenham assumido que as perguntas presente no livro tivessem função de estimular o Pensamento Crítico, neste artigo questionamos: será que estas perguntas tem alguma potencialidade para ser a base de estratégias para o pensamento crítico? Para realizamos uma análise qualitativa, validada por juízes sobre esta potencialidade escolhemos o primeiro capítulo da coleção. Essa análise foi feita, com apoio do software WebQDA num conjunto de 85 perguntas, e teve por base a taxonomia SOLO de Biggs e Colins; as dimensões e categorias da definição operacional de pensamento crítico de Ennis; e o carácter CTS. Os resultados indicam que as perguntas do livro tem um forte carácter CTS, com alguma potencialidade para ser usado no contexto de estratégias para o desenvolvimento do pensamento crítico, mas com um nível cognitivo médio-baixo. Palavras-Chave: Pensamento Crítico, livro didático, manual escolar, perguntas, questionamento.

Abstract Educators and researchers of education increasingly advocate Critical Thinking. Thus, it is expected that the current education system promote the development of skills and competencies that are associated with critical thinking, instead teaching that focuses heavily memorization and “accumulation” of information. That’s because we live in a society where information grows exponentially, making impossible the vision that to know is to have information. Furthermore, related too much information, the most important is

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knowing evaluates them and judge their pertinence in context. It is this line that proposals are based on a school guidance Science, Technology and Society (STS) which also lead the development of critical thinking. Was this perceptive that a group of Brazilian teachers, higher education and basic education, have teamed up to write a collection of textbooks in chemistry for secondary education: “Chemical Citizen”. Another important and unique features of this book are the systematization of questions with the aim of promoting dialogue in the classroom that must be answered by the students. Although these authors have never assumed that the questions in this book had the function of stimulating critical thinking, in this paper we ask: Are there some potential in these questions to be the basis of strategies for critical thinking? To perform a qualitative analysis, validated by judges on this potentiality we chose the first chapter of the collection. This analysis was done with the support of software webQDA a set of 85 questions, and was based on the SOLO taxonomy of Biggs and Colins, the dimensions and categories of the operational definition of critical thinking of Ennis; and STS approach. The results indicate that questions of the book has a strong STS approach, with some potential to be used in the context of strategies for the development of critical thinking, but with a medium-low cognitive level. Keywords: Critical Thinking, textbook, questioning, question.

INTRODUÇÃO A escola da primeira metade do século passado tinha como objetivo a transmissão de conteúdos, a formação de elites e a manutenção dos sistemas políticos e sociais dominantes. Não é isso que se espera da escola hoje. No atual mundo globalizado, a escola tem um papel fundamental no processo de formação e integração plenas do cidadão em sua comunidade. Por outro lado, esse novo cenário pressupõe uma escola, professores e atividades diferentes. A “antiga” escola era a principal fonte de informações acadêmicas e científicas e, por isso, responsável pela “transmissão” de conhecimento aos alunos. A grande revolução tecnológica ocorrida no século passado mudou essa relação com o conhecimento que, agora, passa a estar disponível a, praticamente, todas as pessoas em qualquer parte do mundo. Nesse contexto, a escola precisa mudar o foco de sua ação já que agora todo cidadão, a princípio, tem acesso a uma enorme gama de informações. No entanto, é necessário saber avaliar essas informações de forma crítica e eficaz. Esse novo contexto exige mudanças no sistema educacional que vão da formação dos professores à produção dos materiais didáticos, bem como ao desenvolvimento de competências como a de literacia da informação. Uma escola em sintonia com os dias atuais precisa de recursos adequados a esse contexto. Entre esses recursos está o livro didático ou manual escolar, tradicionalmente o recurso didático mais utilizado no ensino formal. Não seria o manual escolar, presente há muito tempo na escola, objeto e agente de mudança ou deveria continuar a ser o mesmo com as mesmas funções?

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A resposta a esta última questão é relativamente simples. Se queremos uma escola e um ensino formal diferentes e melhores, é importante que, além dos professores, tenhamos materiais didáticos diferentes e em sintonia com a nova realidade. Mas como e em que devem ser diferentes? ENSINO FORMAL E MANUAIS ESCOLARES A busca por diretrizes para a educação formal que atenda as demandas das sociedades é constante. No Brasil, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB – (Brasil, 1996), define, de acordo com o artigo 2o, que A educação, dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Nessa perspectiva, a escola deve proporcionar algo além da acumulação de conteúdo. Deve proporcionar o desenvolvimento de cidadãos críticos e conscientes. Essa perspectiva é reforçada na LDB (Brasil, 1996), quando e estabelece entre as funções do ensino formal: • a formação da pessoa, de maneira a desenvolver valores e competências necessárias à integração de seu projeto individual ao projeto da sociedade em que se situa; • o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico (grifo nosso); • a preparação e orientação básica para a sua integração ao mundo do trabalho, com as competências que garantam seu aprimoramento profissional e permitam acompanhar as mudanças que caracterizam a produção no nosso tempo; • o desenvolvimento das competências para continuar aprendendo, de forma autônoma e crítica, em níveis mais complexos de estudos (Brasil, 1996, p. 11). Dessa forma, espera-se que a escola contribua para que seu aluno se torne um cidadão capaz de analisar problemas diversos e encontrar soluções coerentes com os valores e responsabilidades de sua sociedade, favorecendo o desenvolvimento do pensamento crítico, de habilidades e competências diversas. Muito tem sido feito para que tudo isso se concretize. Mas a realidade do contexto educacional é que nem todas as dimensões são igualmente contempladas ou estimuladas. Nessa busca, o foco desse trabalho recai sobre a disciplina Química. Ainda de acordo com a legislação educacional brasileira, o ensino da Química deve ser contextualizado, contemplando a discussão de experiências cotidianas. Com isso, espera-se que o aluno, enquanto aprende conteúdos específicos, desenvolva uma visão crítica. Deve-se, dessa forma, preparar o aluno

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para o exercício consciente da cidadania, por meio do conhecimento de conceitos químicos básicos e das implicações sociais da Química. Para a formação de cidadãos críticos é necessário favorecer o desenvolvimento de habilidades tais como a capacidade de ouvir e analisar, o poder da argumentação e capacidades de questionar e dialogar na busca de soluções a questões postas pela sociedade. Estas capacidades não se aprendem por meio de seu ensino teórico, mas sim pelo seu exercício e prática. Ou seja, a escola precisa ser um espaço para esse diálogo. Para isso, diferentes estratégias e diferentes recursos e métodos devem ser utilizados, desde os mais tradicionais como o livro didático, até os mais modernos como as diferentes ferramentas de Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC). Uma dessas capacidades que o ensino formal busca é o desenvolvimento do Pensamento Crítico. Por isso, nesse trabalho, analisamos o potencial de um livro didático um instrumento para favorecer o desenvolvimento das competências apontadas, considerando-o como um importante instrumento nos processos de ensino e aprendizagem. Para isso avaliamos o potencial dos questionamentos de um livro didático para o desenvolvimento do Pensamento Crítico. PENSAMENTO CRÍTICO E LIVRO DIDÁTICO Ao esperar da escola o desenvolvimento de um cidadão crítico e reflexivo é necessário promover um ensino que propicie o desenvolvimento dessas capacidades. Como isso não pode ser aprendido de forma passiva, esperamos que o ensino favoreça meios para a aprendizagem ativa, quebrando o dialogo unilateral: professor fala e aluno escuta para reproduzir quando for questionado. De acordo com Neri de Souza (2006), Num verdadeiro ambiente de aprendizagem activa, o papel do professor é o de “colaborador” e/ou “orientador” da aprendizagem, ou seja, orienta as descobertas e direcciona as interacções dos estudantes. Por outro lado, o papel dos estudantes é o de “exploradores”. No contexto da aprendizagem activa, os estudantes têm grande responsabilidade nas suas próprias aprendizagens (p. 29). Nesse contexto, formar cidadãos não significa apenas ensinar conceitos ou ilustrar a química cotidiana com fotos e comentários de processos químicos envolvidos. Hoje existe uma compreensão mundial de que o cidadão precisa, sobretudo, compreender conceitos e desenvolver a capacidade de tomar decisões. Por isso, é necessária uma contextualização do conteúdo químico para que o aluno possa entender as múltiplas inter-relações entre Ciência, Tecnologia e Sociedade e aprenda a tomar decisões, analisando o custo e benefício das mesmas (Santos & Schnetzler, 2003). Página 220 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

Nessa concepção, ensinar significa dar uma direção ao processo de aprendizagem. Em outras palavras, cabe ao professor, com auxilio dos materiais instrucionais, auxiliar o aluno a apropriarse do conhecimento organizado, que constitui a estrutura das Ciências, dando-lhe condições de entender melhor e atuar de forma mais crítica em sua sociedade Um desses caminhos, defendido por educadores, é o desenvolvimento do Pensamento Crítico – PC –, objeto de estudo de educadores nas ultimas décadas. De acordo com Alves (2005, p. 22), “tornou-se preocupação por parte de alguns agentes de ensino, revistas educacionais, professores, investigadores incluindo em didáctica das ciências, o desenvolvimento das capacidades de pensamento crítico dos alunos”. De acordo com Ennis (1985), “o Pensamento Crítico é uma forma de pensamento racional, reflexivo, focado no decidir no que se acredita ou se faz” (p.46). Alves (2005, p. 27) afirma que “o ensino do pensamento crítico, nos alunos, é importante face à alteração contínua e rápida em todos os sistemas do mundo actual, facilitando a adaptação e levando ao êxito nas exigências sociais e profissionais”. Esse Pensamento Crítico possibilita ao cidadão se relacionar com as informações de forma mais eficiente, por meio de argumentos baseados em princípios mais lógicos e sustentáveis. O Quadro 1, a seguir, apresenta as capacidades de Pensamento Crítico, proposta por Ennis (1996) e listadas por Terneiro-Vieira e Vieira (2000).

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Quadro 1 – Pensamento Crítico de acordo com Ennis. Áreas

Categorias

Descritores

Inferência

Suporte Básico

Clarificação elementar

1. Focar uma questão

a) Identificar ou formular uma questão; b) Identificar ou formular critérios para avaliar possíveis respostas; a) Identificar conclusões; b) Identificar razões enunciadas; c) Identificar 2. Analisar razões não enunciadas; d) Identificar semelhanças e diferenças; e) argumentos Identificar e lidar com irrelevâncias; f) Procurar a estrutura de um argumento; g) Resumir; Por exemplo: a) Porquê?; b) Qual é a questão principal?; c) O que quer 3. Fazer e dizer com “...”?; d) O que seria um exemplo?; e) O que não seria um responder a exemplo (apesar de ser quase um); f) Como é que esse caso, que parece questões de estar a oferecer com contra-exemplo, se aplica a esta situação? g) Que clarificação e diferença é que isso faz; h) Quais são os factos?; i) É que isso quer dizer desafio “...”?; j) O que mais diria sobre isto; Avaliar credibilidade de uma fonte – critérios: a) Perita/conhecedora/ 4. Avaliar a versada; b) Conflito de interesses;
c) Acordo com as fontes; d) credibilidade de Reputação;
e) Utilização de procedimentos já estabelecidos; f) Risco uma fonte conhecido sobre a reputação; g) Capacidade para indicar razões h) Hábitos cuidadosos; a) Características do observador – por exemplo: vigilância, sentidos sãos, 5. Fazer não demasiadamente emocional; b) Características das condições de e avaliar observação – por exemplo: qualidade de acesso, tempo para observar, observações - oportunidade de observar mais do que uma vez, instrumentação; c) considerações Características do relato da observação – por exemplo: proximidade no importantes tempo com o momento da observação, feito pelo observador, baseado em registos precisos; d) Capacidade de ”a” a “h” do ponto 4; 6. Fazer a) Lógica de classes;
b) Lógica condicional;
c) Interpretação de e avaliar enunciados (i. Dupla negação;
ii. Condições necessárias e suficientes;
 iii. deduções Outras palavras e frases lógicas: só, se e só se, ou, etc.); a) Generalizar – preocupações em relação a:(i. Tipificação de dados; ii. Limitação do campo-abrangência; iii. Constituição da amostra; iv. Tabelas e gráficos);
b) Explicar e formular hipótese – critérios (i. Explicar 7. Fazer e a evidência; ii. Ser consistente com os factos conhecidos; iii. Eliminar avaliar induções conclusões alternativas; iv. Ser plausível); c) Investigar: (i. Delinear investigações, incluindo o planeamento do controlo efetivo de variáveis; ii. Procurar evidências e contra evidências; iii. Procurar outras conclusões possíveis); 8. Fazer e avaliar juízos de valor considerações

Considerações sobre:
a) Relevância de factos antecedentes;
b) Consequências de ações propostas;
c) Dependência de princípios de valor amplamente aceitáveis; d) Considerar e pesar alternativas;

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Clarificação elaborada Estratégias e táticas

a) Forma de definição: i. Sinónimo; ii. Classificação; iii. Gama; iv. Expressão equivalente; v. Operacional; iv. Exemplo – não exemplo; b) 9. Definir Estratégia de definição: i. Atos de definir (- relatar um significado; termos e avaliar -
estipular um significado; -
expressar uma posição sobre uma questão); definições ii. Identificar e lidar com equívocos (- ter em atenção o contexto; formular respostas apropriadas); 10. Identificar a) Assunções não enunciadas; b) Assunções necessárias; assunções a) Definir o problema;
b) Selecionar critérios para avaliar possíveis 11. Decidir soluções;
c) Formular soluções alternativas;
d) Decidir, por tentativas, o sobre uma ação que fazer;
e) Rever, tendo em conta a situação no seu todo, e decidir; f) Controlar o processo de tomada de decisão; a) Empregar e reagir a denominações falaciosas – por exemplo: (i. 12. Interatuar “circularidade”; ii. “apelo à autoridade”; iii. “equivocação”; iv. “apelo com os outros à tradição”; v. “seguir a posição mais em voga”);
b) Usar estratégias retóricas;
c) Apresentar uma posição a uma audiência particular.

Fonte: Terneiro-Vieira and Vieira (2000, p. 116)

Temos clareza de que a promoção do Pensamento Crítico pela escola é uma busca constante e deve estar presente nos planejamentos e nas ações dos professores. É claro, que também os recursos didáticos devem favorecer essa promoção. Dentre esses recursos está o livro didático. Por isso, esse trabalho descreve uma avaliação de um livro didático de Química para o Ensino Médio, pois acredita-se que sua qualidade está em diferentes aspectos como seu texto, suas imagens, na sua apresentação gráfica, mas sobretudo na intencionalidade de seu discurso, sua proposta pedagógica. Há que se considerar também na metodologia educacional que orienta a obra - além, naturalmente, dos conhecimentos que essa obra veicula. No Brasil, o reconhecimento do papel importante do livro didático no ensino regular pode ser avaliado pelos altos investimentos feitos pelo Governo Federal na compra de Livros Didáticos para os alunos de escolas públicas. Portanto, espera-se, que esses livros favoreçam o ensino apregoado pelas leis e diretrizes da educação formal. Devido a esse valor, nas últimas décadas surgiram várias propostas diferenciadas para o ensino de Ciências e em especial na Química. Em algumas delas os textos fomentaram metodologias que visam esse ensino formador de cidadãos críticos. O livro didático objeto desse trabalho foi escolhido porque se propõe a favorecer o diálogo em sala de aula por meio de perguntas presentes no texto para serem apresentadas aos alunos, gerando debates. Essas perguntas tendem a favorecer o Pensamento Crítico porque, de acordo com Tenreiro-Vieira e Vieira (2000), “os alunos devem ser encorajados a levantar questões e procurar respostas para elas” (p.22).

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DESCRIÇÃO DA OBRA Para este trabalho, escolhemos a coleção de livros didáticos Química Cidadã de, aprovado pelo Programa Nacional de Livro Didático (Brasil, 2011) e, desta forma, disponibilizados a alunos do Ensino Médio de escolas públicas brasileiras. Os fundamentos do livro “Química Cidadã” estão ancorados em temas sócio científicos de caráter CTS com incentivo a autonomia do professor e dos alunos, contextualizados em quatro objetivos:

i) despertar a curiosidade e o raciocínio do aluno;



ii) fomentar a discussão em sala de aula;



iii) estimular novos questionamentos; e



iv) fazer a ligação dos conteúdos com o dia a dia dos alunos (Brasil, 2011)

Um dos diferenciais da obra Química Cidadã é sua autoria. Enquanto a grande maioria dos livros didáticos é escrita por pequeno número de autores que varia de 1 a três, essa é uma proposta de construção coletiva. O conjunto de autores é formado por dois professores universitários, atuantes na pesquisa em Ensino de Química de uma universidade pública brasileira, e seis professores de Química da rede pública de ensino. Os dois primeiros atuam na formação de professores de Química, enquanto os outros lecionam química no Ensino Médio. O grupo constituiu-se a partir de uma nova proposição de acesso à Universidade de Brasília na qual havia uma grande diferenciação nos objetivos do ensino de Química no nível médio, caracterizando uma mudança na organização dos conteúdos. A partir de um curso ministrado por estes professores universitários para os professores do ensino médio, surgiu a proposta de elaborar um material didático visando atender esse novo momento no ensino da disciplina Química. A elaboração da proposta começou logo após a publicação da Lei das Diretrizes e Bases da Educação – LDB – e buscou atender esse novo contexto educacional. Por isso, nasceu propondo um ensino mais participativo e formação de alunos mais críticos. O livro não apresenta o Pensamento Crítico como um de seus referenciais teóricos, mas afirma, na apresentação da obra aos professores, que “a contextualização temática de nosso livro possibilitará condições para a formação crítica de nossos alunos sobre o contexto tecnológico de nossa sociedade” (Santos & Mól, 2010b, p. 5). Ainda segundo o livro, é importante que os alunos desenvolvam “atitudes positivas para o engajamento no processo de mudança de nossa sociedade, sobretudo aquelas que se tornam desafiadoras em relação às mudanças climáticas que estamos vivenciando na atualidade” (p. 7). Na apresentação ao aluno, os autores afirmam que o livro tem “o propósito de formar um cidadão

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crítico” (Santos & Mól, 2010b, p. 3). A análise do potencial do livro para o desenvolvimento do Pensamento Crítico pode ser feita de diferentes formas. No entanto, a real potencialidade desse desenvolvimento estará sempre condicionada à forma de utilização do livro pelo professor. Nesse trabalho procuramos avaliar essa potencialidade, por meio da análise dos questionamentos que aparecem no livro didático “Química Cidadã”. METODOLOGIA DE INVESTIGAÇÃO A coleção “Química Cidadã”, edição de 2010, é dividida em três volumes, uma para cada série do Ensino Médio, que são divididos em unidades e estas em capítulos. Nossa análise focou o capítulo 1 do primeiro volume. Esse capítulo foi escolhido por ser considerado de fundamental importante para incentivar o aluno a estudar química. Além disso, sua estrutura não é diferente dos demais capítulos, permitindo uma visão geral da obra. Para a análise, a primeira ação foi identificar todas as perguntas do texto e gerar um arquivo de texto (.docx) contendo cada pergunta, sua página e o contexto em que se situa. A análise destes dados foi feita com auxílio do software webQDA®, que possibilitou a geração do sistema de análise apresentado a seguir. Nessa análise classificamos cada questão de acordo com cinco dimensões de análise: i) Seções do livro em que se encontra a pergunta (Contextos): - Texto;

- Pense;

- Legenda;

- Quadro;

- Destaque;

- Atividade;

- Exercício;

- Titulo;

- Biologia;

- outros;

ii) Conteúdo cientifico abordado (prioritariamente): - Química;

- Física;

iii) Aspecto sociocientífico abordado (prioritariamente): - Ambiente;

- Tecnologia;

- Sociedade;

iv) Nível Cognitivo – Taxonomia SOLO (Santos & Mól, 2010a, p. 3). - Pré-estrutural;

- Uni-Estrutural;

- Multiestrutural; - Relacional;

- Extensões Abstratas; v) Taxonomia de Pensamento Crítico de Ennis (Biggs & Collis, 1982): - Clarificação elementar;

- Suporte Básico;

- Inferência;

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- Clarificação elaborada;

- Estratégias e táticas.

Escolhemos a taxonomia SOLO porque ela é assumidamente hierárquica e por já ter sido usado em outros contextos de pesquisa para classificar perguntas (1985). As perguntas classificadas como Pré-Estruturais são as que consistem, simplesmente, da tentativa de obtenção de fragmentos de informações fragmentadas. As perguntas que estabelecem conexões simples e óbvias com os conteúdos são classificadas como UniEstruturais, sendo que apenas um aspecto é mencionado e não há relacionamento entre fatos ou ideias abordadas no contexto. Perguntas que fazem conexões menos elaboradas entre os conteúdos envolvidos são denominadas Multi-Estruturais. As perguntas que procuraram integrar conhecimentos, contemplando significado das partes com relação ao todo, são as classificadas como que Relacionais. Por fim, as perguntas que induzem conexões em mais de uma área e leva ao estabelecimento de generalizações e princípios, subjacentes ao conteúdo em foco, são as Extensões Abstratas (Neri de Souza & Moreira, 2010). Considerando que a taxonomia de PC de Ennis (Neri de Souza & Moreira 2010) não é considerada hierárquica foi nossa intensão comparar com caráter hierárquico da taxonomia SOLO . RESULTADOS A análise do capítulo 1 do volume 1 da coleção do livro didático em estudo, identificamos a presença de 86 perguntas, distribuídas em diferente partes, conforme indica o gráfico da Figura 1.

Figura 1 – Contexto das Perguntas do Capítulo 1 do Livro Química Cidadã.

O contexto com o maior número de perguntas encontradas foi a seção “Exercícios”, com 26 perguntas (30%). Nesta seção incluem-se os exercícios apresentados no capítulo e os de revisão, no final do capítulo. Esse resultado não foi de surpreender, visto que, geralmente, esses exercícios veem na forma de perguntas. Na análise superficial de outros livros didáticos de Química para o Ensino Médio, percebemos que geralmente esse é o único lugar do livro em que se encontram Página 226 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

perguntas. A segunda seção com maior número de perguntas foi a constituídas por caixas de texto, distribuídas ao longo da seção, com o título PENSE. Neste caso, identificamos 19 perguntas (22%). As caixas de texto PENSE são distribuídas por todo o livro e têm como objetivo colocar questões para serem debatidas antes ou durante a discussão dos textos. Essas perguntas podem abordar assuntos do conteúdo especifico ou de temas relacionados com o contexto a que se aplica esse conteúdo, permitindo aos alunos apresentarem suas concepções previas e dúvidas sobre o tema. Essa seção tem por objetivo, segundo a apresentação do livro ao ‘estudante’, que ele “pare a leitura, reflita e tente responder, antes de prosseguir”, pois “procurar explicações e expressá-las com as próprias palavras ajuda a entender melhor o que esta sendo ensinado” (1985). Se for de interesse do professor, o uso da caixa PENSE pode tornar-se um momento interessante de debate com possibilidades de se trabalhar diferentes categorias do Pensamento Crítico. Por exemplo, a pergunta do Pense: “Em nossa vida diária, é muito comum ouvirmos o uso dos termos ‘tecnológico’ e ‘tecnologia’. Para você, o que significam?”, pode ser utilizado para desenvolver a dimensão do Pensamento Crítico de “Definir termos e avaliar definições”. A pergunta PENSE: “Debata com os colegas os efeitos da Química na sociedade. Vocês acham que ela deve ser vista como causadora dos problemas ambientais?” (Santos & Mól, 2010a, p. 19) procura induzir a ação de interação, com a categoria “Interatuar com os outros” do Pensamento Crítico, descrito por Ennis. A seção “Atividades” também apresentou uma considerável quantidade de perguntas, num total de 16 (19%). Por exemplo, a Atividade com o título “Cores, Cheiros e Texturas”, apresenta uma proposta de estudos de transformações de materiais que ocorrem na natureza, solicita que os alunos relacionem exemplos de transformações que eles identificaram no texto anterior à atividade. Nesse caso, está a pergunta: “Você poderia dizer se na queima e no corte de uma folha de papel ocorrem transformações do mesmo tipo? Justifique”. Uma boa quantidade de perguntas está distribuída pelos textos do capítulo. Essas perguntas estão inserida no texto, com no exemplo “Já mencionava o conhecido cientista Albert Einstein (1879-1955): ‘A Ciência não tem sentido senão quando serve aos interesses da humanidade’. No entanto, quantas vezes a Ciência, em nome de interesses econômicos e políticos, é utilizada em guerras tecnológicas?” (Santos & Mól, 2010a, p. 20). Nesse caso, espera-se o favorecimento do desenvolvimento do Pensamento Crítico por meio da avaliação de juízos de valores. Observa-se também, em menor proporção, perguntas em outras seções do livro: Destaque com 5 (6%), Quadro com 4 (5%), Título com 3 (3%) e Legenda com 2 (2%); indicando que há uma distribuição dessas perguntas por todo o texto.

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Analisamos o conteúdo científico abordado pelas perguntas, visto que o livro tem proposta de ser interdisciplinar. Das perguntas do capítulo 1 analisado, 63 eram diretamente sobre o conteúdos de Química, 24 estavam relacionadas a conteúdos de Física e 2 a conteúdos de Biologia. Esse somatório é maior que o número de questões porque há perguntas que focam conteúdos de mais de uma disciplina, como é o caso, na seção PENSE, da pergunta: “Será que podemos utilizar as propriedades organolépticas para separar os componentes do lixo?” (Santos & Mól, 2010a, p. 23). A resposta a essa questão vai levar a discussão de temas relacionadas a Química, a saúde e ao corpo humano (Biologia). Na verdade, todas as questões tem como foco, mesmo que secundário, a discussão de conteúdos da Química, disciplina a que se destina o livro. Como o livro apresenta uma proposta de abordagem de aspectos relacionados à Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS), também avaliamos as perguntas quanto a abordagem dessas temáticas, incluindo o Ambiente, e encontramos os dados apresentados no gráfico da Figura 2, a seguir. Não consideramos as questões relacionadas a Ciência, por ser um livro específico desta área e ser o foco principal do mesmo.

Figura 2 – Abordagem CTS das Perguntas do Capitulo 1.

Pelo gráfico anterior é possível perceber que parte considerável das perguntas (30 % das 86 perguntas), praticamente um terço, está ligada a aspectos CTS. Essa abordagem é fundamental para um ensino que pretenda favorecer o desenvolvimento do Pensamento Crítico e a formação cidadã em detrimento de uma formação conteudísta no qual o ensino da Química é um fim por si só e não um meio para se favorecer a formação mais ampla. A partir desses dados relacionados a abordagem de aspectos CTS, observa-se, no capítulo analisado, uma menor presença de perguntas relacionadas a questões ambientais. Como não analisamos o volume todo, nem os demais volumes, espera-se que haja um equilíbrio

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nesta distribuição de perguntas em toda coleção, mesmo reconhecendo que ela pode variar naturalmente em função da natureza dos conteúdos tratados em diferentes capítulos. Nesse caso, esperamos que haja maior variação dessa distribuição, resultado da maior ou menor conexão de cada conteúdo com aspectos CTS e sua intencionalidade pedagógica. A análise das perguntas sobre a potencialidade de favorecerem o desenvolvimento do Pensamento Crítico (Ver Quadro 1), nos forneceu os dados da Tabela 1, a seguir. Tabela 1 – Quantidade de perguntas por categoria do Pensamento Crítico. Áreas

Categorias Perguntas 1. Focar uma questão 7 Clarificação 2. Analisar argumentos 2 elementar 3. Fazer e responder a questões de clarificação e desafio 40 4. Avaliar a credibilidade de uma fonte 1 Suporte Básico 5. Fazer e avaliar observações 6 6. Fazer e avaliar deduções 5 Inferência 7. Fazer e avaliar induções 2 8. Fazer e avaliar juízos de valor 7 9. Definir termos e avaliar definições 6 Clarificação elaborada 10. Identificar assunções 0 11. Decidir sobre uma ação 6 Estratégias e táticas 12. Interatuar com os outros 2 Ausência de Pensamento Crítico 2

Para a validação da classificação das perguntas quanto ao Pensamento Crítico, cada um dos pesquisadores, autores deste artigo, fez uma classificação de todas as 86 perguntas em separado. Ao confrontar as classificações dos dois pesquisadores, observamos uma discrepância em cerca de 36% na categorização das perguntas. No entanto, a discrepância com relação à Área do Pensamento Crítico foi muito menor (menos de 10 %). Entendemos que essa classificação é sobre a “potencialidade” de promoção do Pensamento Crítico, mas que depende do enfoque e abordagem que cada professor pode fazer de cada pergunta em diferentes contextos de interação em sala de aula. Por isso, uma mesma pergunta pode ser utilizada para uma resposta imediata do tipo “sim” ou “não” ou levar a um longo e estruturado debate, dependendo da relevância dada pelo professor e seu interesse em promover a discussão e aprofundamento. A pergunta pode ainda ser ignorada pelo professor no estudo do capítulo, pode ter um menor impacto no contexto da leitura individual do aluno. Nesse trabalho, a discrepância na classificação foi resolvida pela análise conjunta de todas as perguntas, buscando uma classificação consensual sobre a categoria do Pensamento Crítico que a pergunta tem maior potencial para desenvolver. Por essa razão, optamos por apresentar a discussão dos resultados da classificação das perguntas quanto ao Pensamento Crítico com base nas áreas e não por categorias (Ver tabela1). O gráfico

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da Figura 3, a seguir, permite uma visualização da classificação das perguntas em função das áreas.

Figura 3 – Natureza das Perguntas do Capitulo 1 quanto ao PC.

Na análise das perguntas encontramos uma distribuição que concentra-se na área da clarificação elementar. Essa concentração pode ser entendida se considerarmos a, ainda, grande influência dos modelos centrado basicamente nos conteúdos de ensino. Este fator é agravado em países em que o acesso ao ensino superior se dá por meio de provas de seleção (no Brasil, o vestibular), com foco quase que exclusivo no conteúdo e não no desenvolvimento de competências. Desta forma, qualquer livro didático que se afaste da ideia de dar ênfase aos conteúdos acadêmicos tem pouca chance de ‘sobreviver’ no sistema formal de ensino. No entanto, os autores que pensam fazer um trabalho melhor do ponto de vista educacional necessitam trabalhar na perspectiva de propor um ensino mais formativo de competências do PC, mas sem perder de vista a necessidade de estimular a aprendizagem dos conteúdo-chaves tradicionalmente abordado no Ensino Médio. Na apresentação do livro aos estudantes, os autores do livro que estamos analisando afirmam que Participar da sociedade é ter o direito a ingressar em um mercado de trabalho que garanta os recursos materiais mínimos para uma vida digna. Para isso são exigidos conhecimentos e habilidades que permitam uma atuação produtiva. [...] E esse domínio também nos qualificará para o progresso em estudos superiores (1996). Essa grande quantidade de conteúdo trabalhada pode ser um dos motivos numa concentração de perguntas em torno da ‘Clarificação Elementar’ distribuídos nos descritores das categorias: i) ‘Focar uma questão’ (n=7), ii) ‘Analisar argumentos’ (n=2) e iii) ‘Fazer e responder a questões

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de clarificação e desafio’ (n=40). Como exemplo, desses casos podemos citar, respectivamente, as perguntas: i) “Como sabemos que ocorreu uma reação química?”; ii) “Existem matéria e energia suficientes para sustentar toda a população do planeta constituída por 6 bilhões de seres humanos entre os mais de 5 milhões de espécies de seres vivos?”; iii) “Por que os materiais afundam ou flutuam?”. A segunda área de Pensamento Crítico mais contemplada por perguntas, de acordo com nossa análise, foi a de “Inferência”, sendo desta a categoria ‘Fazer e avaliar juízos de valor’ a mais frequente (n=7). Um exemplo de pergunta dessa categoria é: “Para você o que significam necessidades básicas e necessidades supérfluas?”.(Santos & Mól, 2010a) Nessa análise identificamos duas perguntas que julgamos não favorecer o desenvolvimento do Pensamento Crítico, sendo uma delas: “Que coluna apresenta dados que não dependem da quantidade de amostra?”. Na Figura 4, a seguir, podemos perceber uma distribuição relativamente equilibrada das categoria de Pensamento Crítico pelos contextos nos quais aparecem as perguntas, embora possamos verificar ainda o predomínio das perguntas de ‘Clarificação Elementar’ nos vários contextos.

Figura 4 – Área do Pensamento Crítico das Perguntas por Contexto no Livro.

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Das três perguntas classificadas como “Estratégia e táticas”, uma está no Pense e estimula a “interação com os outros”, fazendo o uso de “estratégias retóricas” e apresentação de “uma posição a uma audiência particular” (a sala de aula): “Debata com os colegas os efeitos da Química na sociedade. Vocês acham que ela deve ser vista como causadora dos problemas ambientais?”. Uma observação interessante também é o fato de alguns Títulos (n=3) serem na forma de pergunta. Consideramos que estes títulos na forma de perguntas já no inicio do texto pode ter a potencialidade de estimular a curiosidade e a busca de respostas, características inerentes os Pensamento Crítico. Um dos Título na forma de pergunta do livro analisado foi: “Como a Ciência influencia a tecnologia?”. Para avaliar a qualidade das perguntas esta foram classificada em função da taxonomia SOLO, adaptada por (Santos & Mól, 2010a, p. 3), e comparadas com a classificação do Pensamento Crítico. Esse cruzamento de informações é apresentado no gráfico da Figura 5, a seguir.

Figura 5 – Cruzamento das Perguntas quanto Pensamento Crítico e o Nível Cognitivo.

Apenas 6 perguntas (7%) foram classificadas como Pre-estruturais, incluindo as duas que foram definidas como sem potencialidade para estimular o Pensamento Crítico. Pela Figura 5, é possível observar uma distribuição razoável entre os diferentes níveis cognitivos e o Pensamento Crítico, não havendo predominância de nenhum cruzamento. O número de perguntas classificadas como Uni-Estrutural e Clarificação Elementar (n=22) é justificado pela alta incidência desses dois critérios em seus sistemas de classificação. Ou seja, as 22 perguntas correspondem a interseção de dois grande conjuntos: o da perguntas classificadas como clarificação Elementar (Pensamento Critico) que possui 49 perguntas (57% do total) e o das perguntas classificadas como Uni-estruturais na taxonomia Solo que possui 38 perguntas (44% do total).

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Embora as duas classificações (SOLO e PC-Ennis) tenham sido realizadas de forma independente, a análise parece indicar que existe uma relação entre as categoria “Uni Estrutural” e “Clarificação Elementar” como de baixo nível cognitivo. Relação semelhante parece haver entre os níveis cognitivo “Relacional” e a dimensão de PC-Ennis “Inferências” (n=5) para maior nível cognitivo. CONCLUSÕES Considerando que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional que “Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional” coloca como uma das finalidades do Ensino Médio o desenvolvimento Pensamento Crítico, o sistema educacional deve proporcionar condições, estratégias e instrumentos apropriados para se alcançar tal objetivo. Por isso, para que os alunos desenvolvam adequadamente capacidades de Pensamento Crítico, é necessário que um conjunto de fatores favoráveis. Entre esses fatores deve está o livro didático, principal recurso utilizado em sala de aula. Consideramos o livro didático uma ferramenta educacional. Como ferramenta, o livro, por si só, não promove capacidades de Pensamento Crítico. No entanto, como instrumento pode favorecer ou mesmo dificultar o desenvolvimento dessas capacidades, dependendo da sua intencionalidade didática e integração na prática de ensino. O livro analisado neste artigo (Santos & Mól, 2010a) apresenta a formação cidadã como meta e contém uma nítida intenção do questionamento como ferramenta do discurso do livro. Para essa formação cidadã é fundamental o desenvolvido do Pensamento Crítico, sendo que um dos pilares desse pensamento é o questionamento. Assim questionamos: será que as perguntas presente neste livro tem alguma potencialidade para ser a base de estratégias para o pensamento crítico? A partir da análise da perguntas presentes num capítulo foi possível inferir que a intencionalidade pedagógica destas perguntas parece ser coerente com a proposta metodológica, dando ao livro um bom potencial como ferramenta para desenvolver estratégias promotoras do Pensamento Crítico pelos alunos. No entanto, consideramos que algumas das seções do livro poderia ter uma diversificação maior de categorias do PC-Ennis. Por exemplo, na secção denominada PENSE, para além da “Clarificação Elementar” (Ver Figura 4, n=14), poderia haver maior número de perguntas nas dimensões “Inferências”, “Estratégias e Táticas” e “Clarificação Elaborada”. A etapa seguinte, e mais importante, é que os professores tenham clareza da importância de se trabalhar na perspectiva de desenvolvimento do Pensamento Crítico com seus alunos e busque desenvolvê-lo. Tendo essa consciência e vontade, o uso de materiais educacionais que favoreçam o Pensamento Crítico torna-se um caminho na busca de uma educação que atendam os anseios de nossa legislação e, principalmente, de nossa sociedade, levando-a a níveis mais igualitários, justos e críticos.

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Para além dessa análise, consideramos que a evolução do livro em papel para formatos digitais pode favorecer estratégias pedagógicas que favoreçam o desenvolvimento de capacidades de Pensamento Crítico. No entanto, esses não podem ser simplesmente versões digitais do livros impressos tão como estão atualmente. Essa reflexão leva a necessidade de outras pesquisas sobre as potencialidades de livros didáticos digitais incorporarem estratégias pedagógicas que favoreçam o desenvolvimento do Pensamento Crítico. No entanto, com já afirmamos, o livro é só mais uma ferramenta pedagógica. O artesão é o professor. Cabe a ele essa tarefa que melhor será feita quando fizer uso adequado de estratégias articuladas a boas ferramentas em interação colaborativa e construtiva com os alunos e para os alunos. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Alves, D. F. F. (2005). Manuais Escolares de Estudo do Meio, Educação CTS e Pensamento Crítico (dissertação de mestrado em Educação em Ciências no 1o Ciclo do Ensino Básico). Aveiro: Universidade de Aveiro. Biggs, J. B., & Collis, K. F. (1982). Evaluating the Quality of Learning – the SOLO Taxonomy. New York: Academic Press. Brasil. (1996). Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - Lei nº 9394. Brasil. (2011). Guia de livros didáticos: PNLD 2012: Química. Brasília. http://www.fnde.gov.br/ index.php/pnld-guia-do-livro-didatico. Ennis, R. H. (1985). A Logical Basis for Measuring Critical Thinking Skills. Educational Leadership, 43(2), 44-48. Ennis, R. H. (1996). Critical thinking. Upper Saddle River: NJ: Prentice Hall. Neri de Souza, F. (2006). Perguntas na Aprendizagem de Química no Ensino Superior (tese de doutoramento). Aveiro: Universidade de Aveiro. Neri de Souza, F., & Moreira , A. (2010). Perfis de Questionamento em Contextos de Aprendizagem Online. Revista Iberoamericana de Informática Educativa, 12, 15-25. Santos, W. L. P., & Mól, G. S. (2010a). Química Cidadã, 1. São Paulo: Editora Nova Geração. Santos, W. L. P., & Mól, G. S. (2010b). Química Cidadã - Manual do Professor, 1. São Paulo: Editora Nova Geração. Santos, W. L. P., & Schnetzler, R. P. (2003). Educação em química – compromisso com a cidadania. Ijuí, RS, Brasil.

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Tenreiro-Vieira, C., & Vieira, R. M. (2000). Promover o Pensamento Critico dos Alunos - Propostas Concretas para a Sala de Aula. Porto: Porto Editora.

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16.ARGUMENTAÇÃO E PENSAMENTO CRÍTICO SOBRE DETERMINISMO BIOLÓGICO A RESPEITO DAS “RAÇAS” HUMANAS Blanca Puig | [email protected] María Pilar Jiménez Aleixandre | [email protected] Universidade de Santiago de Compostela, Espanha

Abstract Argumentation about socio-scientific issues may contribute to the development of critical thinking by students. This paper makes part of a study about argumentation and the use of evidence by secondary school students in the context of critical evaluation of a scientific claim. The claim is a statement made by James Watson about genetic differences in intelligence between blacks and whites. The evaluation of this claim requires students’ development of critical thinking. Critical thinking is being used with a range of different meanings in the literature. We consider critical thinking as the competence to develop independent opinions and to develop the ability of reflecting about the world around us and participating in it (Jiménez Aleixandre & Puig, 2012). Our proposal of characterization of critical thinking combines two set of components: 1) argumentation, which involves the evaluation of claims on the basis of evidence, and the evaluation of the reliability of scientists or experts producing them; 2) social emancipation, which involves the capacity to develop an independent opinion, as well as the capacity to analyze and criticize discourses that justify asymmetric relations of power. This paper seeks to show how an argumentation task about a SSI contributes to the development of critical thinking. The task includes Watson’s claim and four pieces of information related with the model of gene expression. It requires on the one hand, that students evaluate the content of the claim and the reliability of the source (argumentation components), and on the other hand, that they built their own opinion on the notion of human ‘race’ (social emancipation component). Data collected include written responses and video and audio recordings of students’ discussions. The results show that students have difficulties to use evidence in the evaluation of the claim. The ethical dimensions of the task produce that some students instead of responding whether the items were related or not with the claim, focus on criticizing the claim for being racist. Being able to critically evaluate the claim requires the use of criteria to evaluate the evidence. It needs to be investigated more in detail how ethical dimensions and social representations on the notion of “race” influences the use evidence by students. Keywords: Argumentation, use of evidence, determinism, critical thinking, model of gene expression.

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Resumo A argumentação sobre questões sócio-científicas pode contribuir para o desenvolvimento de pensamento crítico pelos alunos. Este trabalho faz parte de um estudo de argumentação e uso de provas pelos alunos do Ensino Secundário no contexto de avaliação crítica de um enunciado. O enunciado é a afirmação de James Watson acerca das diferenças genéticas de inteligência entre negros e brancos. A avaliação deste enunciado requer o desenvolvimento de pensamento crítico pelos alunos. Este apresenta distintas definições na literatura. Entendemos o pensamento crítico como a capacidade de desenvolver uma opinião independente e de refletir sobre o mundo que nos rodeia e quem participa nele (Jiménez Aleixandre e Puig, 2012). A nossa proposta de caracterização de pensamento crítico combina dois tipos de componentes: 1) argumentação, que inclui o uso de provas na avaliação de enunciados, e a avaliação da fiabilidade dos científicos ou peritos/especialistas que os apresentam; 2) emancipação social, que implica a capacidade para desenvolver uma opinião independente, e mesmo a capacidade de analisar e criticar os discursos que justificam as relações assimétricas de poder. Este artigo pretende mostrar como uma atividade de argumentação sobre uma questão sócio-científica contribui para o desenvolvimento do pensamento crítico. A tarefa apresenta o enunciado de Watson e quatro informações relacionadas com o modelo de expressão dos genes. Requer, por um lado, que os estudantes avaliem o conteúdo do enunciado e a fiabilidade da fonte (componentes da argumentação); e, por outro lado, que construam a sua própria opinião sobre o conceito de “raça” humana (componentes da emancipação social). Os dados recolhidos incluem as respostas escritas e as gravações em vídeo e áudio das discussões dos alunos. Os resultados mostram que os alunos têm dificuldades em usar provas de avaliação do enunciado de Watson. As dimensões éticas da tarefa podem ser a causa de alguns estudantes em vez de responder se os itens se relacionam ou não com enunciado, se centrarem em criticar o enunciado por ser racista. Poder analisar de forma crítica o enunciado, requer o uso de critérios para avaliar as provas. É necessário continuar a investigar como as dimensões éticas e as representações sociais sobre as “raças” humanas influenciam o uso de provas pelos alunos. Palavras-Chave: Argumentação, uso de provas, determinismo, pensamento crítico, modelo de expressão dos genes.

1. INTRODUÇÃO A argumentação sobre questões sócio-científicas (SSI) pode contribuir para o desenvolvimento do pensamento crítico (Jiménez Aleixandre, 2010). A participação dos estudantes nas práticas argumentativas em contextos sócio-científicos proporciona oportunidades para a análise crítica de informações científicas e o uso de provas na avaliação de enunciados. Esta pesquisa engloba a análise da argumentação e uso de provas pelos estudantes do ensino médio no contexto de

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avaliação crítica de um enunciado determinista. O enunciado é uma afirmação do prémio Nobel James Watson sobre as diferenças de inteligência entre pessoas negras e brancas. O propósito do trabalho é mostrar as contribuições de uma atividade de argumentação sobre uma SSI para o desenvolvimento crítico dos estudantes. 2. MARCO TEÓRICO 2.1. Argumentação em contextos sócio-científicos Existem distintos contextos para trabalhar a argumentação na aula de ciências. Osborne et al. (2004) distinguem dois tipos de contextos: os contextos científicos e os contextos sóciocientíficos. As questões sócio-científicas são controvérsias que ligam a ciência com problemas da vida diária. São “problemas abertos” que não apresentam uma única solução ou resposta, sendo objeto de múltiplas interpretações e soluções. Uma revisão de estudos relevantes de SSI (Sadler e Dawson, 2012) evidencia que as SSI proporcionam contextos ideais que permitem trabalhar a ciência e a natureza da ciência, geram interesse e motivação por aprender ciências e apoiam o desenvolvimento de práticas de argumentação. A capacidade de argumentar, com as outras competências, não é algo inato, pelo que é necessário planificar estratégias na aula para as poder desenvolver. Promover a argumentação na aula significa criar ambientes de aprendizagem (Jiménez Aleixandre, 2008) em que os estudantes desenvolvam as práticas epistémicas, que Kelly (2008) define como “propor, justificar e avaliar enunciados de conhecimento”. Como indica Kuhn (1992), o desenvolvimento destas destrezas seria desejável, mas não acontece em todos os contextos escolares ou em quase nenhum. Esta autora propõe que a capacidade de emitir juízos razoados deve ser considerada como parte do “pensar bem”. A argumentação em contextos científicos requer que se tenha um conhecimento específico em relação à questão científica que se discute. Em contextos sócio-científicos, além de aplicar o conhecimento científico, é necessário identificar e ter em conta outras dimensões éticas e sociais (Puig e Jiménez Aleixandre, 2011). Osborne et al. (2004) assinalam que a argumentação em contextos científicos pode apresentar mais dificuldades para os estudantes, já que implica um conhecimento específico do tema a discutir, e a falta deste pode limitar a capacidade para argumentar. Em vez de realizar uma clara distinção entre argumentos em contextos científicos e sóciocientíficos, entendemos que é mais útil considerar os argumentos parte dum gradiente ou continuum (Puig e Jiménez Aleixandre, 2010) que vai das questões “sen carga de valores” às mais “carregadas de valores” (Aikenhead, 1985). O trabalho que se apresenta neste artigo insere-se nos estudos de argumentação sobre SSI (Sadler e Donnelly, 2006; Zohar e Nemet, 2002), com especial atenção aos estudos sobre o determinismo biológico (Molinnati, 2007). O enunciado de Watson sobre as diferenças de inteligência entre negros e brancos, que se aborda Página 239 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

neste estudo, situa-se nos estudos que se encontram no extremo do continuum sobre questões sócio-científicas. Para poder avaliar este enunciado os estudantes precisam de compreender o conceito de fenótipo, estabelecer uma relação causal baseada neste conceito e desenvolver pensamento crítico. 2.2 Uma proposta de pensamento crítico Uma das contribuições da argumentação para os objetivos do ensino das ciências é o desenvolvimento do pensamento crítico (Jiménez Aleixandre e Erduran, 2008), a qual pode variar de acordo com a natureza do contexto e a questão discutida (Jiménez Aleixandre e Puig, 2012). Existem diferentes caracterizações de pensamento crítico nos distintos campos de conhecimento. Entendemos que o pensamento crítico é a capacidade de desenvolver uma opinião independente e de refletir sobre o mundo que nos rodeia, sendo capazes de participar nele (Jiménez Aleixandre e Puig, 2012). A nossa proposta de caracterização de pensamento crítico combina dois tipos de componentes: 1) a argumentação, que implica a avaliação de enunciados em relação às provas e a avaliação da fiabilidade dos cientistas que emitem tais afirmações; 2) a emancipação social, que implica a capacidade para desenvolver uma opinião independente, assim como para analisar e criticar discursos que justifiquem relações assimétricas de poder. Entendemos que uma atitude crucial nesta componente é estar preparado para fazer frente as ideias maioritárias de outros, ou do próprio grupo, quer dizer, de ir contracorrente. O pensamento crítico pressupõe que se esteja bem informado sobre o tema, e não se limitar às ideias dominantes que reproduzem e legitimam o sistema estabelecido; requer conhecer as distintas informações e diferenciar quais são apoiadas por provas. A figura 1 mostra a nossa caracterização, incluindo as suas componentes e dimensões.

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Figura 1. Proposta de caracterização de pensamento crítico (Jiménez Aleixandre e Puig, 2012).

A atividade que se analisa requer por um lado, que os alunos e alunas avaliem o conteúdo do enunciado e a fiabilidade da fonte (componentes da argumentação)e, por outro lado, que construam a sua própria opinião sobre o conceito de “raça” (componente da emancipação social). 2.3. O determinismo biológico sobre as “raças” humanas O determinismo é a perspetiva que contempla as capacidades e desempenhos das pessoas e dos animais como determinadas exclusivamente pela sua natureza biológica. Na sua forma atual mantém que a inteligência, as destrezas físicas, artísticas, e outras, dependem unicamente dos genes. Um exemplo de determinismo biológico é a crença numa desigualdade essencial entre as “raças” humanas. Os deterministas biológicos defendem a ideia de que existem diferenças na capacidade entre indivíduos e entre grupos humanos que explicam o seu sucesso ou fracasso social e económico. Este trabalho centra-se neste último aspeto: na crença da existência de diferenças genéticas entre as “raças” humanas, concretamente no que se refere a inteligência, considerando que existem distintas capacidades para a atividade intelectual nos distintos grupos humanos. O conceito de “raça” é uma ideia que evoluiu dentro da ciência, já que teve diferentes acepções no decorrer do tempo. A “raça” deixou de ser um conceito “científico” utilizado para definir e diferenciar populações humanas com base em critérios fenotípicos, a ser rejeitado pela ciência, com as descobertas da genética de populações em meados do século XX.

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O racismo é uma forma de determinismo da mesma maneira que é a ideia de as mulheres serem geneticamente distintas dos homens. A visão determinista atribui as diferenças sociais e económicas entre as “raças” e sexos à herança, considerando estas diferenças exclusivamente inatas. O determinismo é uma “explicação reducionista da vida humana em que as setas da causalidade vão dos genes aos humanos e dos humanos à humanidade” (Lewontin, Rose e Kamin, 2003, p. 30). As perspetivas deterministas e racistas deixam de estar reconhecidas pela comunidade científica, mas continuam vigentes na nossa sociedade. A pobreza, o desemprego e a exclusão educativa, apresentam-se como resultado de diferenças inatas e não das condições sociais (Kaplan e Llomovatte, 2009). O determinismo atual afirma por exemplo que as supostas diferenças de inteligência entre negros e brancos são devidas aos genes (Herrnstein e Murray,1994; Jensen, 1969). Um exemplo são as afirmações do prémio Nobel James Watson, que são apresentados no presente trabalho. Em 14 de Outubro de 2007, o cientista, numa entrevista para o jornal britânico Sunday Times, falando sobre África afirmava: “todas as políticas sociais estão baseadas no facto de a sua inteligência [a dos negros] ser a mesma que a nossa, enquanto que todas as provas mostram que não é realmente assim. Quem trata com empregados negros sabe que isto [que todas as pessoas são iguais] não é certo”. O enunciado de Watson constitui uma afirmação com implicações políticas, que poderiam afetar os programas de ajuda aos países africanos. A persistência do conceito ‘raças’ mostra que quando a comunidade científica cria um paradigma custa muito trocá-lo, ainda que seja a própria comunidade quem o faça (Lalueza, 2002, p. 20). 3. METODOLOGIA A investigação insere-se nos estudos de natureza qualitativa, em concreto dos estudos de caso que analisam de forma detalhada os processos educativos, neste caso a prática de argumentação. A metodologia empregada é a análise do discurso (Gee, 2011). As respostas escritas codificaramse em base em critérios relacionados com o uso de provas. A atividade (anexo 1) apresenta a afirmação feita pelo especialista em genética e prémio Nobel James Watson, em 14 de Outubro de 2007, na qual declarou que as pessoas negras são menos inteligentes geneticamente do que as pessoas brancas. Seguem-se quatro afirmações ou itens relacionados com influência do ambiente no fenótipo. A tarefa requer a articulação de quatro itens com o enunciado de Watson. O item 1, atletismo, apresenta dados sobre o desempenho dos velocistas negros; o item 2, mortalidade infantil, apresenta diferenças neste índice entre populações branca e negra; o item 3, malnutrição, reflete os resultados de um estudo sobre a relação direta entre malnutrição infantil e problemas de desenvolvimento intelectual; o item 4, gatos, resume um estudo sobre a perda da perceção visual nos gatos ao costurar-lhes as pálpebras à nascença. A expectativa das investigadoras e dos docentes era que estes itens

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fossem identificados como provas da influência do ambiente na expressão do genótipo. Os participantes são um grupo de estudantes de 3.º ano da ESO, de 14 a 15 anos (N=24), dum instituto de Galícia. A tarefa realizou-se em duas sessões, a primeira escrita e a segunda de debate oral em pequeno grupo e discussão conjunta, no âmbito da disciplina de Biologia e Geologia. Os dados recolhidos incluem as respostas escritas individuais dos alunos e as gravações em vídeo e áudio da segunda sessão de debate. 4. RESULTADOS: USO DE PROVAS NA AVALIAÇÃO CRITICA 4.1 Categorias de uso de provas Na análise das respostas escritas examina-se o “uso de provas”, em particular a capacidade dos estudantes para articular as informações contidas nos itens com o enunciado mediante una justificação. O uso de provas é uma competência que inclui uma série de operações que podem ser distintas segundo os contextos argumentativos. Neste contexto de avaliação de um enunciado científico propomos quatro (ainda que possam existir mais): 1) Dar significado ao enunciado, relacionado com a compreensão de textos científicos, o que implica identificar quais são as premissas por trás da afirmação (OECD, 2006, p. 30). 2) Identificar que provas seriam relevantes para a questão discutida no enunciado. 3) Identificar o significado de cada informação em termos de provas a favor ou contra do enunciado. 4) Coordenar o enunciado com as provas mediante uma justificação. Para a construção da ferramenta de análise utilizamos três critérios relacionados com as operações de uso de provas: 1) identificar o significado do enunciado, 2) identificar os itens como provas, 3) relacionar as provas com o enunciado mediante uma justificação. Atendendo a estes critérios, em cada item as respostas dos alunos codificaram-se em três categorias situadas ao longo de um continuum de maior a menor coordenação entre as provas e o enunciado. As respostas que cumprem os três critérios situam-se na categoria de maior coordenação. A tabela 1 mostra as categorias e o número de respostas codificadas em cada uma delas.

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Tabela 1. Resultados de uso de provas.

A. Identificar o significado do enunciado, a prova e conectá-los mediante uma ou mais justificações Como mostra a tabela 1 esta categoria situa-se no nível mais alto dum continuum de maior a menor coordenação entre provas e o enunciado. Situamos neste nível as respostas que reconhecem as informações como provas contra o enunciado de Watson. Isto pressupõe levar a cabo as três operações de uso de provas 1, 2 e 3. Um exemplo é: O Suso (Item 3, desnutrição): “Se isto é verdade JW poderia estar certo no fato de alguns negros serem menos inteligentes do que os brancos, mas não na causa: isto demonstra que esse fato não se deve a não sermos iguais, se não à desnutrição. Refuta a afirmação porque isto demonstra que o fato de ser negro ou branco não tem influência no tema, mas a causa (da menor inteligência dos negros) seria a desnutrição”. A resposta deste aluno cumpre os três critérios porque identifica o enunciado de Watson como uma afirmação sobre as diferenças genéticas de inteligência entre negros e brancos (critério 1), os dados da malnutrição infantil como uma prova contra o enunciado de Watson (critério 2), ligando os dados com o enunciado mediante uma justificação (critério 3). Como mostra a tabela 1, além das diferenças entre categorias, existem diferenças entre os itens. O item 3 foi identificado por quase metade como una prova relevante contra a afirmação de JW. B. Identificar parcialmente o enunciado e interpretar a prova inadequadamente Os critérios empregados para situar as respostas nesta categoria são: 1) identificar de forma incompleta o significado do enunciado de JW, interpretando este em termos de diferenças não genéticas entre as “raças”. Página 244 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

2) interpretar os itens inadequadamente; por isto entendemos os dados nos itens como provas a favor do enunciado de Watson. Entendemos que uma parte dos alunos que respondem que a informação dos itens constitui uma prova “a favor” não processam toda a informação relacionada com as declarações de Watson, quer dizer, têm problemas com a operação a). Centram-se unicamente na primeira parte do enunciado (Os negros são menos inteligentes do que os brancos), de tal modo que não chegam a identificar a afirmação referente às diferenças genéticas, como se observa na resposta de Silvio ao item 3: O Silvio (item 3): “Sustenta a sua afirmação porque ao não ter comida e o cérebro não se desenvolver, claro que vão ser menos inteligentes do que outros” Este aluno identifica a desnutrição infantil como causa do menor desempenho em inteligência dos negros e entende que isto vai ao encontro das ideias de Watson. Outro exemplo de resposta “a favor” de distinto tipo que revela os problemas com a operação b) é a de Teresa ao item 1. Esta aluna entende a informação como referida unicamente às diferenças genéticas, sem processar ou prestar atenção ao dado de todos esses atletas serem estado-unidenses (não africanos de cor negra). A Teresa (item 1): “Si. Porque esse fato tem a ver com a diferenças genéticas entre negros e brancos, ainda que não na inteligência, na forma física. Porque em certa maneira está dizendo que também na forma física os genes intervinham”. A categoria B tem unha baixa frequência de respostas nos quatro itens, sendo o item 1 o de menor frequência. C. Não identificar o significado do enunciado, nem o das provas Esta categoria situa-se no nível inferior do continuum e inclui as respostas dos alunos que não identificam a afirmação de Watson, nem os dados apresentados nos itens e, em consequência, não os relacionam com este. Interpretam que ambos fazem referência a questões de distinta natureza. Por exemplo: ao atletismo e não à inteligência no item 1, como a resposta desta aluna: A Tula (Item 1, atletismo): “É não porque a afirmação de J.W trata da inteligência entre os brancos e os negros e a pergunta refere-se à forma física”. Esta é a categoria em que se situam em conjunto um maior número de respostas. Incluem a maioria das respostas escritas no item 1 (18), a metade no item 2 e mais de metade no item 4 (14).

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5. CONCLUSÕES Os resultados mostram que os estudantes têm dificuldades em usar provas na avaliação do enunciado de Watson. A maioria tem dificuldades para diferenciar o que é uma prova de uma afirmação, sendo os itens 1 (atletismo) e 4 (gatos) os de maior dificuldade para os estudantes. Só as respostas ao item 3 (desnutrição) revelam um nível elevado de coordenação. Quase a metade dos estudantes (11) reconhecem a informação deste item como uma prova em relação com o enunciado de Watson. Na avaliação desta questão intervieram vários fatores. Em primeiro lugar, o facto de não processarem completamente o significado do enunciado de Watson, compreendendo este unicamente como: Os negros são menos inteligentes do que os brancos, (sem prestar atenção no componente genético duma segunda frase) favoreceu que a maioria dos alunos identificasse a informação dos itens como provas “a favor” de Watson. Isto é especialmente notável nas respostas dos estudantes ao item 3. Outro dado que se explica por dificuldades de compreensão da leitura, são os resultados no item 1 (atletismo), onde quase nenhum aluno foi capaz de reconhecer o dado que para nós servia para provar a influência do ambiente (a origem estado-unidense dos atletas negros). Estes dados apontam para a questão da importância da competência de leitura como primeiro passo para poder avaliar os dados e a informação científica. Outra dimensão a levar em conta na avaliação duma SSI, são os aspetos éticos e as considerações pessoais, os quais têm uma grande influência na tomada de decisões (Sadler e Zeidler, 2004). Nesta pesquisa aborda-se uma SSI na qual está latente uma carga ética: a crença determinista que defende as supostas diferenças genéticas entre “raças” humanas, concretamente na inteligência. As dimensões éticas da tarefa podem ser a causa de alguns estudantes em vez de responderem à pergunta de os itens se relacionarem ou não com o enunciado, se centraram em criticar o enunciado por racismo/ser racista. Para poder analisar de forma crítica o enunciado, requer-se o uso de critérios para avaliar as provas. A análise das posições dos alunos (Puig e Jiménez Aleixandre, 2009) a respeito da expressão dos genes num continuum interação-determinismo mostra que a maioria dos estudantes não considera a oposição interação-determinismo, mas existe uma certa proporção de respostas codificadas na categoria de determinismo. O item 1, atletismo, é o de maior frequência de respostas codificadas como determinismo. Interpretamos que podem existir interferências entre a perspetiva científica que contempla a interação genes-ambiente e as representações sociais sobre as “raças”. Também estas representações, noções parcialmente construídas (Moscovici,1961), estão presentes nos enunciados de alguns alunos. É necessário continuar a investigar sobre o modo como as dimensões éticas e as representações

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sociais a respeito das “raças” humanas influenciam o uso de provas por parte dos estudantes e no desenvolvimento de uma opinião independente. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Ainkenhead (1985). Collective decision making in the social context of science. Science Education, 69 (4), 453-475. Gee, J. P. (2011). How to discourse analysis: a toolkit. New York: Routdledge. Herrnstein, R. J., & Murray, C. (1994). The Bell curve. Intelligence and class structure in American life. New York: The Free Press. Kaplan, C., & Llomovatte, S. (2009). Revisión del debate acerca de la desigualdad educativa en la sociología de la educación: la reemergencia del determinismo biológico. In S. Llomovatte & C. Kaplan (Eds.), Desigualdad educativa: la naturaleza como pretexto (pp. 9-21). Buenos Aires: CEP. Jensen, A. (1969). How much can we boost IQ and scholastic achievement? Harvard Educational Review, 33, 1-123. Jiménez Aleixandre, M. P. (2010). Ideas Clave. Competencias en argumentación y uso de pruebas. Barcelona: Graó. Jiménez Aleixandre, M. P., & Erduran, S. (2008). Argumentation in science education: An overview. In S. Erduran & M. P. Jiménez Aleixandre (Eds.), Argumentation in science education: perspectives from classroom-based research (pp. 3-27). Dordrecht, the Netherlands: Springer. Jiménez Aleixandre, M. P., & Puig, B. (2012). Argumentation, evidence evaluation and critical thinking. In B. Fraser, K. G. Tobin & Mc Robbie (Eds.), Second international Handbook of Science Education, 2 (pp. 1001-1017). Dordrecht: Springer. Kelly, G. J. (2008). Inquiry, activity, and epistemic practice. In R. A. Duschl & R. E. Grandy (Eds.), Teaching scientific inquiry: Recommendations for research and implementation (pp.99117). Rotterdam, The Netherlands: Sense Publishers. Kuhn, D. (1992). Thinking as argument. Harvard Educational Review, 62, 155-178. Lalueza, C. (2002). Razas, racismo y diversidad. La ciencia un arma contra el racismo. Barcelona: Algar. Lewontin, R. C., Rose, S., & Kamin, L. J. (2003). No está en los genes. Racismo, genética e ideología. Barcelona: Crítica.

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Molinnati, G. (2007). Médiation des sciences du cerveau. Approche didactique et communicationnelle de rencontres entre neuroscientifiques et lycéens (doctoral thèse). Paris: Museum National d’Histoire Naturelle. Moscovici, S. (1961-1976). La psychanalyse, son image et son public. Paris: Ed. PUF. Organisation for Economic Co-operation and Development (OECD) (2006). Assessing scientific, reading and mathematical literacy: A framework for PISA 2006. Paris: Author. Osborne, J., Erduran, S., & Simon, S. (2004). Enhancing the Quality of Argumentation in School Science. Journal of Research in Science Teaching, 41(10), 994-1020. Puig, B., & Jiménez Aleixandre, M. P. (2009). Use of evidence and critical thinking about determinist claims on race and intelligence. ESERA, Estambul, Turquía. Puig, B., & Jiménez Aleixandre, M. P. (2010). What do 9th grade students consider as evidence for or against claims about genetic differences in intelligence between black and white “races”? In M. Hammann, A. J. Waarlo & K. Th. Boersma (Eds.), The nature of research in biological education (pp. 137–151). Utrecht: University of Utrecht. Puig, B., & Jiménez Aleixandre, M. P. (2011). Different music to the same score: teaching about genes, environment and human performances. In T. D. Sadler (Ed.), Socio-scientific issues in the classroom: teaching, learning and research (pp 201–238). Dordrecht: Springer. Sadler, T. D., & Dawson, V. (2012). Socio-scientific Issues in Science Education: Contexts for the Promotion of Key learning Outcomes. In B. J. Fraser, K. G. Tobin & C. J. McRobbie (Eds.), Second International Handbook of Science Education, 2, 799-811. Sadler, T., & Donnelly, L. A. (2006). Socioscientific argumentation: The effects of content-knowledge and morality. International Journal of Science Education, 28, 1463-1488. Sadler, T. D., & Zeidler, D. (2004). The morality of socioscientific issues: Construal and Resolution of Genetic Engineering Dilemmas. Science Education, 88, 4-27. Zohar, A., & Nemet, F. (2002). Fostering students’ argumentation skills through bioethical dilemmas in genetics. Journal of Research in Science Teaching, 30, 35–72.

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ANEXO I. ATIVIDADE PARA OS ALUNOS

HÁ PROVAS PARA DEBATER AS DIFERENÇAS DE INTELIGÊNCIA ENTRE BRANCOS E NEGROS? A 14 de Outubro de 2007, James Watson, Prémio Nobel em 1962 pela descoberta da estrutura do DNA, declarou ao Sunday Times que os negros são menos inteligentes que os brancos. “Quem está com empregados negros sabe disso (que todas as pessoas são iguais) não é verdade”. Ele disse que em dez anos seria possível identificar os genes responsáveis pelas ​​ diferenças na inteligência.

Examina as seguintes informações e indica se apoiam, refutam ou não se relacionam com as afirmações de James Watson (JW) As questões formuladas em cada item são as mesmas (Nota: repetem-se depois de cada item) A. ¿Tem relação com a afirmação de JW? ..... Sim

..... Não ..... Não o sei

B. (Se a tua resposta é Sim) Acho que: ..... Apoia a afirmação de JW

..... Refuta a afirmação de JW .....Outra (indicar)

C. Explica a tua escolha: 1. Ao longo dos últimos dez anos todas as medalhas de ouro de atletismo em 100 metros (e a maioria doutras categorias) foram ganhas por atletas estado-unidenses de cor negra (descendentes duma mestiçagem de antepassados do oeste de África, e cerca de 30% de genes de antepassados brancos).

2. A percentagem de bebés que morrem antes de cumprir um ano (mortalidade infantil) é de 4 em cada dez mil nascidos em Espanha, França, Holanda, etc. Nos Estados Unidos (onde não há Segurança Social ou medicina pública, havendo só medicina privada) é de 7 em dez mil, com as seguintes diferenças: 5,7 em dez mil os brancos e 14 em dez mil nos negros.

3. Diversos estudos em Argentina e outros países latino-americanos mostram a relação entre nutrição infantil e desenvolvimento intelectual. Nos meninos que sofrem desnutrição crónica e

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anemia até aos 2 anos o rendimento intelectual na escola é menor, não se concentram, repetem ano, e têm problemas com a linguagem. Parte pode explicar-se em que o cérebro pesa cerca de 350 g ao nascer e, com adequada nutrição, deve aumentar até 900 g aos 14 meses.

4. Os neuro-cientistas Wiesel e Hubel, prémios Nobel de medicina em 1981, mostraram que costurando as pálpebras dum olho em gatos acabados de nascer (impedindo de o abrirem durante vários meses), ao descosturá-las os gatos ficavam cegos desse olho. Os órgãos visuais estavam intactos, mas as conexões nervosas no cérebro não se estabeleciam, sendo impossíveis de recuperar.

5. Que tipo de dados achas que seriam necessários para provar a) que James Watson tem razão ou , b) que não tem razão.

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17.APRENDIZAGEM BASEADA EM RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS E LITERACIA CIENTÍFICA Patrícia Margarida Nunes João | [email protected] Unidade de I&D nº70/94, Química-Física Molecular/FCT, PEst-OE/QUI/UIOO/700/2011; Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade de Coimbra (FCTUC)

Catarina Maria Rua Pinto da Silva Afonso | [email protected]

Escola Básica 2/3 D. Luís do Loureiro – Agrupamento de Escolas Viseu Sul

Maria Arminda Pedrosa | [email protected]

Unidade de I&D nº70/94, Química-Física Molecular/FCT, PEst-OE/QUI/ UIOO/700/2011; Departamento de Química, Faculdade de Ciências e Tecnologia, Universidade de Coimbra (FCTUC)

Resumo Superar níveis insustentáveis de pobreza e melhorar a qualidade de vida da humanidade, em geral, representam desafios essenciais, que passam necessariamente por acesso generalizado a educação que, além de valorizar ideais de paz, justiça social e liberdade, promova o desenvolvimento de diversas competências, incluindo as de resolução de problemas. Nesta perspetiva, em educação científica formal deve estimular-se os alunos a identificar problemas, explicar fenómenos e, com base em conhecimentos científico-tecnológicos, elaborar conclusões fundamentadas, ou seja, desenvolver uma dimensão essencial de literacia científica, que também requer o desenvolvimento de criatividade e pensamento crítico. Trata-se de competências essenciais para tomar decisões fundamentadas e resolver problemas, que não se limitam a contextos escolares - envolvem outros contextos e diversificadas interações sociais. Por isso, em vez de estratégias de ensino tradicionais, centradas no professor, são necessárias outras centradas nos alunos que os estimulem a desenvolver competências, designadamente de resolução de problemas, de que Aprendizagem Baseada em Resolução de Problemas constitui exemplo. Partindo de cenários problemáticos, os alunos devem identificar problemas e, orientados pelo professor, planear e realizar percursos de resolução. Quando adequadamente preparada e implementada, Aprendizagem Baseada em Resolução de Problemas pode contribuir para trilhar caminhos convergentes de educação em ciências e literacia científica, promovendo pensamento crítico. Nesta comunicação caracteriza-se sumariamente Aprendizagem Baseada em Resolução de Problemas, apresentam-se materiais didáticos destinados à sua implementação em Ciências Físico-Químicas, 7º ano, descreve-se o enquadramento curricular e apresentam-se questões formuladas por alunos. Palavras-chave: Aprendizagem baseada em resolução de problemas, educação em ciências, literacia científica, pensamento crítico.

Abstract To overcome unsustainable levels of poverty and improve humankind quality of life, in general, represents essential challenges necessarily requiring general access to education that, besides valuing peace, Página 251 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

social justice and freedom ideals, may promote the development of various competencies, including problem solving. In this perspective, in formal science education students should be stimulated to identify problems, explain phenomena and based on scentific-tecnological knowledge elaborate conclusions, that is, develop an essential dimension of scientific literacy that also requires the development of creativity and critical thinking. These are essential competencies to make grounded decisions and solve problems that are not limited to school contexts - they involve other contexts and diversified social interactions. Therefore, rather than traditional teacher centred teaching approaches, students’ centred approaches are required to stimulate them to develop competencies, namely problem solving, of which Problem Based Learning, is an example. Having problematic scenarios as starting points, students must identify problems and, guided by the teacher, plan and implement ways to solve them. When appropriately prepared and implemented, Problem Based Learning may contribute to find science education routes convergent with scientific literacy, promoting critical thinking. In this communication, Problem Based Learning is briefly described, didactic materials thought to implement it in 7th year Physics and Chemistry are presented, their curricular context is described and students´ questions are presented. Keywords: Problem Based Learning, science education, scientific literacy, critical thinking.

1. INTRODUÇÃO As crescentes assimetrias em padrões de produção, consumo e qualidade de vida destacamse entre os muitos problemas com que as sociedades atualmente se confrontam. Como tais assimetrias se estão a tornar insustentáveis, impõem-se intervenções em vários domínios, designadamente em educação. Esta deve contribuir para que os jovens desenvolvam competências que lhes permitam, por um lado, compreender as causas e consequências de problemas com que as sociedades atualmente se confrontam e, por outro, contribuir para soluções em diversos momentos, incluindo na vida adulta (JOUE, 2006). Neste sentido, importa que a educação básica seja acessível a todos — um dos Objetivos de Desenvolvimento do Milénio (UN, 2012)—, e se oriente para desenvolver diversas competências essenciais, de que se destacam as competências básicas em ciências e tecnologias, como se defende na União Europeia (JOUE, 2006). Para desenvolver estas e outras competências essenciais para aprendizagem ao longo da vida requer-se estímulo e valorização de pensamento crítico (PC), iniciativa, criatividade, avaliação de riscos e tomada de decisões (JOUE, 2006). Assim, o Parlamento Europeu e o Conselho da União Europeia formularam diversas recomendações aos Estados-Membros, inscritas no documento “Competências essenciais para a aprendizagem ao longo da vida — quadro de referência europeu” (JOUE, 2006, p.11), para promover o desenvolvimento de ações compatíveis com perspetivas de promoção de literacia para todos, incluindo literacia científica (LC). O programa PISA (acrónimo para Programme for International Student Assessment) considera explicitamente literacia científica, utilizando diversas dimensões Página 252 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

para a caracterizar. Nestas dimensões inclui-se a mobilização de conhecimentos científicos para identificar questões, construir novos conhecimentos, explicar fenómenos e elaborar conclusões baseadas em evidências (OECD, 2009). Importa, pois, que a educação em ciências promova LC — “reconhecida como primeira meta da educação em ciências na escola” (Tenreiro-Vieira & Vieira, 2013, p.166). Promover LC é crucial, uma vez que: 1. Cada vez mais, “questões de natureza científica com implicações sociais vêm à praça pública para discussão e os cidadãos são chamados a dar a sua opinião” (DEB, 2001a, p. 6); 2.É importante que “todos os cidadãos possam participar activa e adequadamente no planeamento e resolução de problemas e necessidades pessoais, profissionais e sociais, de forma que viabilize o desenvolvimento de modos de vida produtivos, mais justos e democráticos” (Tenreiro-Vieira & Vieira, 2013, p.163). Estimular o desenvolvimento de competências essenciais para aprendizagem ao longo da vida (JOUE, 2006), promovendo LC, requer a utilização de abordagens didáticas inovadoras, como Aprendizagem Baseada em Resolução de Problemas (ABRP), que, segundo Feinstein et al. (2013), estimula os alunos a desenvolver conhecimentos duradouros e habilidades metacognitivas. ABRP envolve a realização de atividades em pequenos grupos, promotoras de autonomia e cooperação entre os alunos (Leite & Esteves, 2005), orientadas pelo professor, que se assume como facilitador das aprendizagens (Lambros, 2004), podendo organizar-se em fases descritas na tabela 1, extraída de João, et al. (2012, p.90). Tabela 1 – Fases de implementação de ensino orientado para ABRP (João, et al. 2012, p.90). Fase 1. Seleção do contexto

2. Formulação de problemas 3. Resolução do problema

4. Síntese e avaliação do processo

Descrição O professor, depois de selecionar os problemas (enquadrados no currículo vigente), prepara o/os contexto/s problemáticos que apresenta aos alunos, recorrendo, por exemplo, a notícias de jornais, filmes, desde que os respetivos conteúdos tenham, potencialmente, interesse para aqueles. O professor assume um papel de orientador das atividades. Os alunos identificam os problemas decorrentes do/s contexto/s problemáticos previamente apresentados pelo professor. O professor assume um papel de orientador das atividades e deve disponibilizar a informação mínima necessária para que os alunos sejam autónomos e capazes de procurar e organizar a informação. Os alunos realizam atividades práticas que impliquem a consulta de diversas fontes, e que lhes permitam chegar a algum resultado. O professor e os alunos verificam se todos os problemas formulados foram resolvidos, ou concluem que aqueles não têm solução.

Como se referiu, ABRP parte de problemas, o que presume obstáculos e a necessidade de elaborar estratégias para a sua resolução (Morgado & Leite, 2011). Caso o problema não se

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possa resolver, é necessário apresentar e fundamentar processos utilizados, discussões realizadas, conclusões extraídas e, eventualmente, identificar outro(s) problema(s). Analisando cenários problemáticos, elaborados ou selecionados pelo professor (Dalghren & Öberg, 2001), os alunos formulam problemas, geralmente na forma de questões, para, então, se envolverem em processos de resolução. Saber questionar é uma das competências que deve ser desenvolvida em ciências na escola, pois, o “levantamento das questões e o tratamento das respostas constituem tarefas a desenvolver pelos alunos” (DEB, 2001a, p. 19) e “será importante proporcionar situações diversificadas onde o aluno [...] coloque questões e conduza pequenas investigações” (DEB, 2001b, p. 140). Questionar é considerado “relevante, pois é um indicador da realização de pensamento crítico, competência desejável em qualquer cidadão” (Dourado & Leite, 2010, s/n). Segundo Dalghren & Öberg (2001), existem vários tipos de questões: - Questões enciclopédicas, de resposta direta e não complexa, por exemplo “sim” ou “não”; - Questões de compreensão, que não têm uma resposta direta, não se limitam a significados superficiais de conceitos e, geralmente, questionam “porquê...?” ou “como...?”; - Questões relacionais, que pressupõem relações, por exemplo de causa-efeito; - Questões de avaliação, cujas respostas, como o nome indica, requerem pelo menos uma avaliação, envolvendo juízos, incluindo juízos de valor; - Questões de procura de solução, que requerem compreensão e apontam para a procura de solução, ou seja, implicam resolução de problemas. Nem todas as questões são “passíveis de ser promotoras de uma ABRP” (Dourado & Leite, 2010, s/n), considerando-se que as mais profícuas para ABRP são questões de avaliação e de procura de solução; as de compreensão e as relacionais, que impliquem reflexão e discussão, também se consideram adequadas para ABRP (Dourado & Leite, 2010). Em suma, para desenvolver ABRP, importa que as questões possam originar investigação, exigindo compreensão e não respostas diretas (Palma & Leite, 2006). Normalmente, estas questões emergem de cenários apresentados pelo professor. Conceber, desenvolver e utilizar cenários apropriados para ABRP é fundamental para implementações bem sucedidas (Botti & Noguez, 2004) e, por isso, devem ser previa e cuidadosamente preparados. Os cenários podem ser apresentados em diversos formatos, por exemplo banda desenhada, vídeos ou notícias (Dalghren & Öberg, 2001), devendo, para os alunos, ser cativantes e intrigantes, de modo a estimulá-los a formular questões (Palma & Leite, 2006). Simultaneamente, os cenários devem valorizar conhecimentos prévios dos alunos, ou seja, devem ter em conta as suas experiências e vivências, pois “o interesse dos alunos pelas

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ciências aumenta e o seu desempenho melhora quando conseguem estabelecer relações entre o que aprendem na escola e os seus outros quotidianos” (Pedrosa, 2008, p. 8). Analisando cenários, os alunos podem formular questões e identificar problemas com dimensões locais e globais, e.g. subjacentes aos Objetivos de Desenvolvimento do Milénio (UN, 2012), e apelar à responsabilidade universal — problemas glocais (Pedrosa et al., 2012). Assim, os alunos, orientados pelo professor, que deve agir como facilitador (Lambros, 2004), partindo da análise de cenários com as características referidas desenvolvem diversas atividades com vista à resolução de problemas identificados. Desta forma, promove-se o desenvolvimento de competências, tanto específicas, por exemplo de ciências, como gerais, por exemplo de relacionamento interpessoal em trabalhos de grupo (Leite & Esteves, 2005). Como em ABRP importa utilizar contextos específicos e promover o desenvolvimento conceptual dos alunos, é essencial diagnosticar as suas ideias prévias (Hérnandez, 2002), remetendo para contextos que lhes sejam próximos e relevantes para ABRP. Pode realizar-se tal diagnóstico utilizando questionários, entrevistas e/ou mapas de conceitos (Trowbridge & Wandersee, 2000; Cachapuz et al., 2002). Sendo ABRP uma metodologia inovadora no contexto educativo português e requerendo mudanças profundas no papel do professor, “a sua implementação generalizada requer formação formal, ao nível da formação contínua de professores” (Morgado & Leite, 2012, p. 511). Assim, os professores poderão aprender a usá-la (Akçay, 2009), desenvolvendo níveis de confiança e conforto necessários para integrar ABRP nas suas aulas e preparar adequadamente recursos para os alunos usufruirem das suas potencialidades e melhorarem as aprendizagens (Pedrosa & João, 2013). Assim, no texto que segue apresenta-se uma implementação de ABRP, no âmbito de Ciências Físico-Químicas, 7º ano de escolaridade, definindo-se os seguintes objetivos: i) caracterizar a metodologia do trabalho realizado; ii) justificar a seleção do cenário; iii) apresentar o questionário de diagnóstico, a seleção das turmas, as questões que surgiram da análise do cenário pelos alunos, enquadrando-as em documentos curriculares de nível 1 (González, 2011), traços gerais da intervenção e pontos de vista da professora que a orientou (segunda autora, a seguir referida apenas como professora), bem como conclusões e implicações. 2. METODOLOGIA A professora, durante a ação de formação “A Aprendizagem das Ciências e da Geografia Baseada na Resolução de Problemas”, realizada entre janeiro e abril de 2012, elaborou, com a colega de grupo (do mesmo grupo de docência), um cenário para implementar ABRP em Ciências FísicoQuímicas no 7º ano, no âmbito de “Materiais”, subtema “Separação das substâncias de uma mistura” (DEB, 2001a, p. 18). Após as sessões presenciais da ação de formação referida, a professora conversando com as restantes autoras demonstrou interesse em implementar ABRP Página 255 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

nas suas aulas, usando o cenário preparado. Assim, em várias reuniões das autoras, a professora apresentou propostas de recursos necessários à implementação de ABRP, que foram analisadas, discutidas e melhoradas. Utilizaram-se outras formas de comunicação, por e-mail e telefone, para esclarecer dúvidas que foram surgindo, à medida que a professora desenvolveu as atividades de preparação e implementação da intervenção na escola onde então lecionava. Apresenta-se em 2.1 a metodologia de investigação, em 2.2 o cenário e em 2.3 o questionário de diagnóstico. Posteriormente, descreve-se a implementação de ABRP, em 2.4, e em 2.5 apresenta-se a sua avaliação pela professora. 2.1. Metodologia de investigação Investigação-ação corresponde à metodologia adotada, a qual favorece e implica diálogo, desenvolve-se em ambientes de partilha, estimula reflexão crítica e valoriza a subjetividade, permitindo potenciar objetividade e capacidade de distanciamento (Coutinho et al., 2009). Investigação-ação é um “modus faciendi intrínseco à actividade docente e ao quotidiano daquelas instituições educativas que pretendem acompanhar os sinais do tempo” (Coutinho et al., 2009, p. 376). Sendo “envolvidos em grupos de investigação-ação os professores, em vez de simplesmente desejarem e esperarem que as suas práticas sejam eficazes, começam a saber se o são ou não e o porquê” (Tenreiro-Vieira & Vieira, 2005, p. 195). 2.2. O cenário O cenário foi selecionado de um episódio de uma série televisiva, CSI, cuja informação completa se apresenta na figura 1 e corresponde a um excerto, de 90 segundos (entre os 35 minutos e 20 segundos e os 36 minutos 50 segundos), do episódio 0612. Figura 1 – Informações sobre a série televisiva usada como cenário.

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Este excerto relata acontecimentos policiais do quotidiano de uma grande cidade, envolvendo investigação com componentes laboratoriais explícitas, relacionadas com o subtema em que se pretendeu desenvolver ABRP, concretamente uma cromatografia (figura 2). Figura 2 – Algumas imagens do excerto selecionado, onde se veem partes da realização de uma cromatografia

2.3. O questionário de diagnóstico Pretendeu-se com este instrumento diagnosticar conhecimentos dos alunos no âmbito do subtema curricular selecionado, recorrendo a situações próximas, que poderiam acontecer com eles próprios, com familiares ou com amigos. Como exemplo, transcreve-se a primeira questão do questionário de preparado: “1. O Sr. Silva é um detetive particular muito conceituado na zona de Porto de Mós. Depois de ter resolvido mais um crime nesta Vila, o Detetive Silva chega a casa esfomeado. Na cozinha, com pressa para almoçar, parte o saleiro (de porcelana branca) e entorna um frasco de álcool em cima dos seus documentos e da banca da cozinha. Detetive Silva: Bolas! Isto é sítio para deixar o álcool? Ainda por cima destapado? D. Alzira: Desculpa filho, fui eu que o utilizei e me esqueci de arrumar… Detetive Silva: Oh mãe… Ao pé do fogão é mesmo perigoso! D. Alzira: Que exagero! Olha, até já desapareceu da banca! Eu quero é saber como é que vais recuperar o sal, com o saleiro partido em pedaços tão pequeninos… 1.1. A D. Alzira tinha acabado de encher o saleiro e, por isso, pretendia recuperar o sal que ficou misturado com os cacos. Em tua opinião é possível efetuar essa separação? ____ Não

____ Sim

____ Tenho dúvidas

Justifica. _________________________________________.”

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2.4. Implementação de ABRP Na implementação de ABRP foram envolvidas as duas turmas do 7º ano de que a professora era docente de Ciências Físico-Químicas (com 17 e 24 alunos). Em cada turma envolvida, a professora exibiu o excerto da série, repetindo a exibição duas vezes, de modo a que os alunos pudessem ver os diversos pormenores, ficassem curiosos, pensassem sobre eles e colocassem questões pertinentes. Organizou os alunos em pequenos grupos (pg), de três ou quatro alunos cada, para exprimirem pensamentos e ideias relacionados com as questões que colocaram. À medida que o trabalho se desenvolvia nos pg, a professora foi respondendo às questões, colocadas por alunos, que não se lhe afiguraram relevantes para ABRP, por exemplo “Por que é que ela cortou a folha?”. No final desta aula, a professora recolheu as questões e organizou-as por temáticas com relevância curricular. Na aula seguinte, distribuiu os grupos temáticos de questões pelos pg (repetindo, em cada turma, o mesmo grupo de questões em dois pg) e orientou-os para prosseguirem na realização dos trabalhos. Nesta fase, a professora propôs aos alunos que ajudassem o CSI a descobrir a solução para separar outra mistura, orientando-os nas suas pesquisas. Além de responderem às questões que lhes foram distribuídas, alguns grupos explicaram outras técnicas, como decantação líquido-líquido e destilação, e distinguiram misturas homogéneas de heterogéneas. 2.5. Avaliação da implementação pela professora No final da implementação de ABRP, solicitou-se à professora que exprimisse, por escrito, a sua opinião sobre vários aspetos do trabalho desenvolvido, e.g. o que mais gostou, o que menos gostou, como avaliou a utilização do cenário e quais as dificuldades que sentiu durante a implementação. RESULTADOS Como já se referiu, após a visualização e análise do cenário, os alunos formularam questões que, depois de agrupadas pela professora e distribuídas pelos pg, permitiram orientar os seus trabalhos numa perspetiva de ABRP. Transcrevem-se, a título de exemplo, questões formuladas pelos alunos de uma das turmas envolvidas, já agrupadas pela professora, tendo em conta requisitos curriculares (DEB, 2001a): - Material de laboratório Quais são os materiais? O que é aquilo onde ela pôs os números da data? Como se chama o material que parecia uma seringa? Como se chama a máquina? Página 258 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

O que faz a máquina onde ela pôs o papel com a tinta? Qual era a função da máquina? O que fez a máquina para a tinta ficar assim? O que é que a máquina analisa? A professora, ainda na aula em que os alunos colocaram as questões, esclareceu que a “máquina” é uma câmara cromatográfica, material de laboratório onde se realizam cromatografias. Esclareceu também qual o material de laboratório normalmente utilizado nas escolas para o efeito. - Técnica de cromatografia Como é que cresce? Como é que a tinta subiu? Por que ficou diferente? Por que é que a tinta mudou de cor? Como é que o líquido “subiu” dentro da máquina? Como é que as cores se formaram? Por que tem cores diferentes? A tinta é constituída por álcool? Como é que descobriu que havia dois tipos de tinta? - Preparação da tinta para a cromatografia O que é que ela utilizou para tirar a tinta do papel? Como se chama o produto que a Sara utilizou para dissolver a tinta? Que líquido utilizou? Que produto utilizou para tirar a tinta do papel? Qual é o líquido que a Sara juntou aos números? Para que serve aquele líquido que ela pôs nos bocados de papel? Como é que extraíram a tinta da data? O que é que ela faz aos números? Como é que ela conseguiu tirar a tinta, se já estava seca? O que lhe juntou? Por que é que o álcool tira a tinta do papel? Como no excerto do cenário não há qualquer referência a álcool, a professora julga que o aluno Página 259 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

que formulou a última questão se terá inspirado num texto do teste diagnóstico. Depois da implementação, quando questionada sobre o interesse dos alunos durante o desenvolvimento de ABRP, a professora considerou que “os alunos gostam de aulas diferentes. Principalmente se incluir filmes, trabalho de grupo e computadores! A maioria dos alunos declarou que gostou desta metodologia”. Referiu ainda que ABRP ajuda a desenvolver o que pensa ser fundamental: “os alunos terem noção da importância do seu papel na sua própria aprendizagem, que saibam criticar resultados, que saibam partilhar/argumentar de forma clara utilizando terminologia científica adequada, que saibam pesquisar/organizar informação, que saibam ouvir e cooperar”. A professora afirmou que se voltasse a lecionar recorrendo a ABRP, precisaria de apoio de colegas mais conhecedores de ensino com tal orientação, nomeadamente para elaborar o cenário, porque na “elaboração dos cenários é preciso muita imaginação e criatividade, o que resultará melhor se o trabalho for cooperativo” e por a partilha de pontos de vista, geralmente, enriquecer o produto final. EM JEITO DE CONCLUSÃO Hoje pretende-se que as ciências que se ensinam nas escolas contribuam para formar cidadãos informados, capazes de participar em debates científicos, que identifiquem causas e consequências de problemas, muitas vezes glocais (Pedrosa et al., 2012), que afetam diretamente os seus quotidianos. Portanto, pretendendo-se desenvolver nos alunos literacia científica, é indispensável criar oportunidades que os estimulem a desenvolver diversas competências essenciais, nomeadamente competências científicas e tecnológicas, de identificação e resolução de problemas, assim como PC e curiosidade, que lhes permitam participar efetiva e responsavelmente nas sociedades do século XXI (UNESCO, 2006). Enquanto exemplo de abordagens didáticas inovadoras, ABRP visa promover literacia científica (Esteves, 2006). No entanto, sendo inovadora, é essencial proporcionar aos professores formação em ABRP, que Morgado & Leite, (2012) chamam “ações de formação teórico-práticas” (p. 513), que devem ainda incluir acompanhamento dos professores durante a preparação e implementação de intervenções neste âmbito. Este texto relaciona-se com um problema com que, em geral, os professores se debatem: será possível atingir-se os objetivos de aprendizagem estabelecidos nos documentos curriculares de referência desenvolvendo ABRP? Para a professora, o fator tempo é efetivamente um constrangimento na implementação de ABRP, pois “a utilização desta metodologia envolve sempre mais tempo que o previsto (pelo menos para o 7º ano), pelo que é complicado implementar a ABRP e conseguir cumprir o programa”, o que segundo Neto (2013), se deve à “rigidez de

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programas e [à] necessidade de os cumprir mediante a pressão da avaliação, em particular dos exames” (p.30). Assim, assumindo que o desenvolvimento de competências de identificação e resolução de problemas deva ser uma prioridade e constatando-se que: i) ABRP é novidade para a maioria dos professores (Morgado & Leite, 2012) ii) escasseiam materiais didáticos necessários à sua implementação (Morgado & Leite, 2012), iii) existem alguns constrangimentos aquando das implementações, nomeadamente ao nível do tempo que ocupam (Leite & Esteves, 2005), é indispensável: 1. Proporcionar programas de formação especificamente orientados para ABRP; 2. Divulgar, junto dos professores, materiais elaborados, como cenários e questionários de diagnóstico; 3. Promover o acompanhamento dos professores durante a implementação de ABRP. 4. Promover a transdisciplinaridade (Neto, 2013), com vários objetivos, designadamente otimizar abordagens das temáticas contempladas em ABRP integrando-a em diversas disciplinas. Desta forma, pode promover-se trabalho cooperativo em formação entre professores de várias disciplinas, para prepararem materiais necessários à implementação de ABRP nas suas práticas letivas e/ou os selecionarem, utilizando materiais já elaborados para o efeito ou reestruturando-os, melhorando, assim, educação em ciências. Nota: Este trabalho foi realizado no âmbito do projeto Educação em Ciências para a Cidadania através da Aprendizagem Baseada na Resolução de Problemas (PTDC/CPE-CED/108197/2008), financiado pela FCT no âmbito do Programa Operacional Temático Factores de Competitividade (COMPETE) do quadro Comunitário de Apoio III e comparticipado pelo Fundo Comunitário Europeu (FEDER).

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18.TRABALHO EXPERIMENTAL – UM RECURSO PROMOTOR DO PENSAMENTO CRÍTICO: INTERVENÇÃO NO 1.º CEB Alcina Figueiroa | [email protected] Escola Superior de Educação Jean Piaget, Vila Nova de Gaia

Resumo Sendo inegável a insistência da investigação em Educação em Ciências, na renovação das convencionais práticas de ensino das Ciências, as diretrizes dela provenientes sugerem que se criem situações de aprendizagem de natureza investigativa, promotoras do pensamento crítico, pois, segundo defendem os especialistas, esta é uma das formas de contribuir para a formação científica dos alunos, tornando-os aptos para o exercício de uma cidadania responsável e racional. Neste enquadramento, o trabalho experimental, nas aulas de Ciências, dadas as características de que se reveste, surge como um contexto adequado para a concretização de tais finalidades. Contudo, resultados de investigações desenvolvidas, nesse domínio, revelam a falta de adequação e fundamentação, por parte dos professores que o utilizam. Assim sendo, torna-se imprescindível proporcionar aos professores, e futuros professores, atualização didática e científica, para que adotem práticas pedagógico-didáticas corretas e adequadas, quando inseridos no mercado de trabalho. O presente estudo que envolveu 14 futuros professores do 1º Ciclo do Ensino Básico, pretendeu averiguar se este grupo de estudantes conseguia mobilizar, para o contexto de estágio, a concretizar com alunos do 1º Ciclo do Ensino Básico, as competências necessárias ao ensino das ciências de base experimental, adquiridas e desenvolvidas na formação inicial, nas aulas de Didática das Ciências. Recorrendo-se às grelhas de análise usadas no Programa de Formação em Ensino Experimental das Ciências, promovido pelo Ministério da Educação, analisaram-se as aulas lecionadas pelos estagiários, mais propriamente, as atividades experimentais que facultaram aos alunos das turmas onde estavam inseridos. Os resultados obtidos, através dessa análise, revelaram que os estudantes adquiriram e desenvolveram competências que lhes permitiram implementar práticas de trabalho experimental adequadas, apesar de os orientadores cooperantes privilegiarem, maioritariamente, outras áreas curriculares disciplinares que não as Ciências. Assim, “espaços” de preparação como este, na formação inicial de professores, podem contribuir para desenvolver competências que os ajudem a lidar com recursos promotores do pensamento crítico, neste caso, o trabalho experimental. Palavras-Chave: Formação inicial, ensino das Ciências, trabalho experimental, pensamento crítico.

Abstract Being undeniable insistence of research in Science Education, in the renewal of conventional science teaching practices, the guidelines suggest that if it come to create learning situations investigative nature,

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promoting critical thinking, because, according to the experts argue, this is one way to contribute to the scientific training of the students, enabling them to exercise responsible citizenship and rational. In this framework, the experimental work in science classes, given the characteristics which it contains, appears as a suitable context for the achievement of such goals. However, results of research conducted in this area, reveal a lack of fitness and motivation on the part of teachers who use it. Therefore, it becomes essential to provide teachers and prospective teachers, didactic and scientific update, to adopt practical pedagogical-didactic correct and appropriate, when inserted in the labor market. This study involved 14 prospective teachers of the 1st Cycle of Basic Education, sought to ascertain whether this group of students could mobilize, to the context of probation, to be achieved with students of 1st cycle of basic education, the skills required for the teaching of science experimental basis, acquired and developed in the initial training, lessons in Science Education. Referring to the analysis grids used in the Training Program in Experimental Science Education, sponsored by the Ministry of Education, analyzed the lessons taught by trainees, more properly, the experimental activities which provided students from classes where they were inserted. The results obtained through this analysis revealed that students have acquired and developed skills that allowed them to implement appropriate experimental work practices, despite the privileging childhood educators, mostly other subject areas other than the sciences. Thus, "spaces" preparation like this, in the initial training of teachers, can contribute to developing skills that help them deal with resources that promote critical thinking, in this case, the experimental work. Keywords: initial training; science teaching; experimental research; critical thinking

INTRODUÇÃO Sendo uma das preocupações da Educação em Ciências formar cidadãos cientificamente cultos, capazes de decidir e intervir, de forma racional e informada, na resolução de problemas, de índole pessoal e/ou social, a promoção do pensamento crítico (PC) pode contribuir para essa formação. É neste âmbito que os atuais programas de Ciências, assim como a comunidade científica, reconhecem a necessidade de se facultar aos alunos situações educativas que proporcionem o desenvolvimento de competências relevantes no dia-a-dia, entre as quais, o pensamento crítico. Na verdade, sendo o PC uma forma de pensar que tem a ver com a mobilização integrada de ferramentas de natureza concetual (Lopes, 2012; Vieira & Tenreiro-Vieira, 2012), o seu desenvolvimento e promoção, o mais precocemente possível, podem ajudar os indivíduos a prepararem-se para lidar, nos diferentes contextos profissionais, com as novas exigências da sociedade. Porém, se uma intervenção útil e racional, nas múltiplas vertentes da sociedade, requer que os cidadãos tenham desenvolvidas capacidades de PC, tais como, prever de forma fundamentada, planear e conduzir investigações, observar, argumentar com base em evidências recolhidas e Página 266 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

concluir (Figueiroa, 2007), então, impõe-se que os professores o integrem nas suas práticas pedagógico-didáticas (Tenreiro-Vieira, 2004). Ora, uma das formas de proporcionar aos alunos essas situações de investigação promotoras do PC é a realização de atividades experimentais (Martins et al., 2011), dada a multiplicidade de atitudes investigativas que contemplam (Dillon, 2010; Harlen, 2010): questionar, prever, planificar, observar, registar, argumentar e concluir (Martins et al., 2011). Mas, pese embora a necessidade de promover, nos alunos, capacidades de pensamento, designadamente, as de PC (Tenreiro-Vieira, 2004), resultados emergentes de investigações desenvolvidas neste domínio evidenciam que as atividades propostas e as estratégias de ensino usadas pelos professores, tais como, o trabalho experimental (Abrahams & Reiss, 2010; Millar, 2010), não estimulam o uso de capacidades de PC (Lopes, 2012; Vieira & Tenreiro-Vieira, 2012), resultando num trabalho “improdutivo“ e numa “perda de tempo” (Hodson, 1998). Assim, se a componente experimental só resultará numa mais-valia para a promoção do PC e, por conseguinte, para uma educação científica, se forem adotadas práticas pedagógico-didáticas corretas e adequadas (Martins et al., 2011; Vieira et al., 2010; Woodley, 2009), então, uma das formas será investir na formação de professores (Martins et al., 2011), de forma a auxiliá-los a desenvolverem capacidades de pensamento crítico nos alunos. Neste contexto, surgiu este trabalho de investigação com a finalidade de averiguar a forma como um grupo de futuros professores do 1º CEB, em contexto de estágio, lidam com o processo de desenvolvimento das atividades experimentais que facultam aos alunos, como contributo para a promoção do PC. Deste modo, este texto expõe um exemplo de recurso disponível para o ensino das ciências, especificamente, o trabalho experimental (TE), como um meio de promoção do pensamento crítico (PC). ENQUADRAMENTO TEÓRICO • Contexto de PES – oportunidade de implementar e experienciar As exigências da sociedade contemporânea, nas suas múltiplas vertentes (mercado de trabalho, qualidade de vida, questões ambientais e de saúde), exigem variados níveis de qualificação científica e tecnológica, por parte dos cidadãos, de forma que sejam capazes de atuar, responsavelmente, na resolução de problemas e tomadas de decisão (Figueiroa, 2007). Neste âmbito, um dos objetivos da educação em Ciências, na escolaridade básica, tem sido não apenas a formação pessoal dos indivíduos, mas também a sua preparação para uma participação efetiva e responsável, fora do contexto académico (Martins et al., 2011). Todavia, esta preparação dos cidadãos implica uma formação científica que, por sua vez, exige que se facultem aos alunos situações educativas promotoras do PC (Tenreiro-Vieira & Vieira,

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2006), as quais, naturalmente, não podem deixar de ter repercussões no ensino das Ciências (Pereira et al., 2011). Deste modo, devem incluir-se, nas práticas de sala de aula, situações de investigação (Martins et al., 2011) conducentes à aprendizagem de metodologia científica que ajude a desenvolver capacidades de resolução de problemas (conhecimento, raciocínio, comunicação, atitudes), entre elas, o PC e que constituem o alicerce de uma educação científica (Figueiroa, 2007; Procópio et al, 2010). Porém, uma adequada utilização de estratégias de índole investigativa que contribuam para o desenvolvimento do PC, como é o caso do TE, requer profissionais seguros, com atualização científica e didática (Figueiroa, 2012). Assim sendo, e atendendo a que “… a qualidade de ensino e dos resultados de aprendizagem está estreitamente articulada com a qualidade da qualificação dos educadores e professores …” (Decreto-lei 43/2007, de 22 de Fevereiro), a grande aposta deve ser na formação de professores (inicial e/ou continuada), disponibilizando recursos e proporcionando oportunidades de “experienciar métodos e técnicas diferentes das já observadas no seu currículo discente” (Formosinho, 2001, p. 52) e, assim, criarem-se oportunidades de aquisição e de desenvolvimento de competências (Flores, 2010), de forma a otimizar o seu desempenho (Rodrigues, 2008). Neste enquadramento, a Prática de Ensino Supervisionada (PES) que apresenta como principal objetivo a aplicação, em contexto real de ensino, dos conhecimentos e das competências adquiridas e desenvolvidas em diversas unidades curriculares da formação inicial, pode contribuir para desenvolver competências essenciais ao exercício da prática docente, neste caso concreto, relativamente à utilização do trabalho experimental, no ensino das ciências. Resumindo: estas considerações enquadram-se nos princípios que Vieira et al. (2011) defendem, acerca da formação de docentes, destacando-se, entre outros, a melhoria do conhecimento pedagógico-didático de conteúdo, a integração teoria-prática e a criação de oportunidades para o professor em formação questionar as suas próprias conceções e práticas. • O Trabalho Experimental como recurso promotor do PC Conforme já atrás se referiu, um dos recursos disponíveis para o ensino das Ciências e que pode ajudar a desenvolver nos alunos o PC, necessário ao exercício de uma cidadania informada e de uma vida profissional qualificada (Martins et al. 2009; 2011; Pereira et al., 2011), é, precisamente, o trabalho experimental. De facto, face à variedade de objetivos que permite alcançar (Harlen, 2010), o trabalho experimental revela-se como um contexto privilegiado para a interação entre os alunos, incentivando-os a aprender a aprender e a repensar os seus conhecimentos prévios. Todavia, apesar desta natureza polivalente evidenciada no trabalho experimental (Weitkamp & Featherstone, 2010), este será tanto mais vantajoso quanto mais usufruir de uma adequada e fundamentada utilização (Millar, 2010), o que nem sempre tem vindo a verificar-se. Assim, Página 268 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

para que as atividades experimentais sejam rentabilizadas nas potencialidades advindas da sua realização, nomeadamente, o desenvolvimento do PC, torna-se necessário orientá-las no sentido de os alunos trabalharem, ativamente, não apenas “com as mãos”, mas também “com as ideias” (Millar, 2010), dado que a ligação entre as duas vertentes (concetual e procedimental) é que possibilita desenvolver nos alunos competências de resolução de problemas (Woodley, 2009). Como exemplo, considere-se a proposta de Martins et al. (2007), adotada no Programa de Formação de professores do 1º ciclo do Ensino Básico (PFEEC), (Despachos nº2143/2007 de 9 de Fevereiro e nº 701/2009 de 9 de janeiro), promovido pelo Ministério da Educação. Conforme é visível (figura 1), a atividade experimental deve iniciar com a apresentação de uma situação problemática (o problema), preferencialmente, relacionada com o dia-a-dia dos alunos e/ou que faça parte das suas vivências.

Figura 1: Principais etapas no desenvolvimento de atividade experimental (adaptado de Martins et al., 2007 – PFEEC)

A partir desta situação contextualizadora, formula-se a questão-problema para a qual se procura uma resposta: o que se pretende saber acerca do tema em estudo. Solicita-se, então, aos alunos, a opinião que têm sobre o assunto, para que explicitem, fundamentando, as ideias que já possuem e que poderão (ou não) vir a confirmar-se, através da experimentação. Uma vez identificadas e registadas as ideias prévias dos alunos, passar-se-á à planificação da atividade a realizar, etapa que inclui delinear o procedimento, propriamente dito (o que vamos fazer para obter a resposta à questão-problema), seleção dos materiais necessários (o que vamos precisar) e definição das

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variáveis a estudar, ou seja, fazer um ensaio controlado (Martins et al., 2007): “o que vamos medir”; “o que vamos mudar”; “o que vamos manter” (figura 2).

Figura 2: Procedimentos de um ensaio controlado (adaptado de Martins et al., 2007 – PFEEC)

Seguidamente, através da realização da atividade, o aluno tem a oportunidade de observar o fenómeno e registar os resultados obtidos, podendo testar as suas previsões e compará-las com as observações feitas. Recorrendo-se ao diálogo leva-se o aluno a confrontar os resultados obtidos com as suas ideias iniciais, podendo construir uma nova explicação, no caso de os resultados obtidos contrariarem as previsões iniciais. A concluir, elabora-se uma conclusão acerca do conteúdo em causa (resposta à questão-problema). É de primordial importância que em cada atividade se proceda à avaliação das aprendizagens pretendidas e que poderá incluir a colocação de novas questões sobre a temática explorada. Para organizar este conjunto de procedimentos (desde a formulação da questão-problema, até à obtenção da resposta), deve recorrer-se a uma Carta de Planificação, referindo-se, por exemplo, o modelo proposto por Goldsworthy & Feasey (1997) (citado por Martins et al., 2007) e também utilizado no PFEEC (anexo). Assim, como síntese final, delineiam-se os seguintes aspetos: •

O desenvolvimento da competência científica dos alunos, para tratar com assuntos científicos e participar com intervenções práticas e racionais, implica a emergência de uma educação científica que faculte situações educativas promotoras do pensamento crítico (Tenreiro-Vieira & Vieira, 2006);



Uma das melhores formas de promover nos alunos o PC e, por conseguinte, proporcionarlhes uma completa educação científica, pode ser a realização de TE, dada a multiplicidade de atitudes investigativas que contempla (Martins et al., 2011): questionar, prever, planificar, observar, registar, argumentar e concluir;



Tal concretização requer profissionais atualizados (Vieira et al., 2010). Todavia, os professores, frequentemente, estruturam mal as atividades que facultam aos alunos, as

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quais, na sua maioria, não estimulam o uso de capacidades de PC (Lopes, 2012; Vieira & Tenreiro-Vieira, 2012); • A formação inicial de professores, nomeadamente, o período de PES (estágio), pode contribuir de forma determinante para a aquisição e o desenvolvimento das competências necessárias à adoção de práticas pedagógico-didáticas mais adequadas e inovadoras, no âmbito da utilização do trabalho experimental (Vieira et al., 2010; Martins et al., 2011), por parte dos futuros professores; ENQUADRAMENTO METODOLÓGICO Os participantes envolvidos no estudo, num total de 12 (sexo feminino), eram mestrandos provenientes de dois cursos de mestrado (Despachos 21967/2009 e 1105/2010) (oito de um curso e quatro de outro) e orientados pela investigadora do presente estudo. O trabalho de investigação, propriamente dito, incluiu duas etapas, especificamente, etapa A: aulas ministradas aos futuros professores (estagiários), incluídas na formação inicial, em unidades curriculares focalizadas na Didática das Ciências (PDC e PDMC); etapa B: observação direta do desempenho dos estagiários, no âmbito das atividades experimentais, em contexto de PES (estágio). No enquadramento metodológico, esteve subjacente um estudo qualitativo exploratório (tipo estudo de caso). Uma vez que se pretendia criar efetivas condições para um melhor desempenho por parte dos futuros professores (estagiários), no âmbito das atividades experimentais, descreve-se e analisa-se a forma como decorreram e evoluíram os procedimentos ocorridos em situação real de ensino (PES). De facto, a investigação qualitativa parte do princípio de que o investigador tem a liberdade de construir novos conceitos, hipóteses e abstrações a partir da própria experiência e da aproximação progressiva ao objeto de estudo (Bogdan & Biklen, 2007). No caso do presente estudo, a eventual subjetividade, inerente aos estudos qualitativos, foi reduzida, pois, o contexto em que a investigação ocorreu (contexto de supervisão, frequentemente, sujeito a observação e avaliação), possibilitava uma permanente interatividade entre os elementos intervenientes e, por conseguinte, esclarecer eventuais incertezas surgidas. •Etapa A Num conjunto de 30 horas (15 sessões), em cada uma das duas unidades curriculares em questão (PDC e PDMC), abordaram-se conteúdos vários, inerentes ao trabalho experimental, com vista a desenvolver, nos estudantes, competências imprescindíveis, nesse domínio. Durante as aulas, procurou-se seguir uma estruturação semelhante à utilizada no PFEEC, sendo os respetivos Guiões Didáticos a principal referência e suporte, no trabalho desenvolvido, quer por parte da investigadora (na ESE), quer por parte dos estudantes (no estágio). Assim, através destas aulas de formação em Didática das Ciências, procurou-se que os

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estagiários conseguissem: i) desenvolver competências inerentes ao ensino das Ciências de base experimental; ii) inteirar-se das atuais perspetivas preconizadas pelos especialistas e pelos próprios documentos curriculares, quanto à realização de atividades experimentais, sobretudo, o processo de desenvolvimento; iii) apoiar-se em sugestões metodológicas que os ajudassem a desenvolver, progressiva e corretamente, práticas com atividades experimentais. •Etapa B - Observação direta do desempenho dos estagiários em contexto de Prática de Ensino Supervisionada Na concretização da PES, os estudantes foram distribuídos por diferentes escolas cooperantes (centros de estágio), especificamente, em turmas do 1º CEB (início de setembro de 2011 a início de fevereiro de 2012). Pese embora a investigadora, dada a sua função de supervisora da ESE, estar autorizada a entrar nos estabelecimentos de ensino e respetivas salas de aula, onde se encontravam os estagiários, procurou-se, contudo, obter autorização, por parte dos responsáveis de cada escola envolvida, para a filmagem dos estagiários, durante as aulas de Ciências e, apenas naquelas em fossem realizadas atividades experimentais. Nesse sentido, contactou-se, verbalmente, o órgão de gestão dos estabelecimentos de ensino onde iria decorrer a Prática de Ensino Supervisionada (PES), mais precisamente, o Diretor Geral ou seu substituto. Em todos os contactos efetuados obtiveram-se respostas favoráveis em relação ao pedido formulado. O único critério que presidiu à escolha das escolas foi, unicamente, a disponibilidade e a recetividade demonstradas pelas mesmas na aceitação de estagiários, aquando do pedido de colaboração. Assim que os futuros professores (estagiários) iniciaram a regência de aulas, procedeu-se à observação direta do desempenho demonstrado, no âmbito das atividades experimentais, verificando, até que ponto, mobilizavam para a situação real de ensino as competências adquiridas e desenvolvidas durante as aulas ministradas na ESE, nomeadamente, em relação ao processo de desenvolvimento das atividades experimentais. Recorrendo-se à gravação em formato vídeo de todas as aulas destinadas à realização de atividades experimentais, os estagiários foram filmados, durante, cerca de 90 minutos, aquando da realização dessas atividades que facultavam aos alunos. Em todos os casos, ocupou-se o tempo destinado às aulas de Estudo do Meio, evitando-se, deste modo, que a calendarização para concretização da PES se alterasse, nem tão pouco o trabalho da investigadora (supervisora) interferisse no decurso das atividades da própria escola cooperante. Em relação ao número de atividades experimentais desenvolvidas (quadro 1), uma vez que não houve indicação em contrário, por parte dos orientadores cooperantes, procurou-se que fosse um número considerável (20 atividades, no total), de forma a possibilitar a obtenção de dados que, depois de analisados, ajudassem a responder à questão de investigação formulada.

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Quadro 1. Conteúdos explorados pela realização das atividades experimentais Estagiários

Atividades desenvolvidas no 1º CEB (contexto de PES) Ano

Atividade I

Atividade II

E1



Materiais e objetos (absorção)

O Ar (peso)

E2



A Água (flutuação)

O Ar (pressão; espaço)

E3



A Água (dissolução)

_______

E4



Ar (espaço)

_______

E5



A Água (qualidade da água)

Materiais e objetos (PH - ácidos e bases)

E6



A Água (mudanças de estado)

A Combustão (oxigénio)

E7



A Eletricidade (condutibilidade)

________

E8



A Água (flutuação)

O Ar (compressibilidade)

E9



A Eletricidade (condutibilidade)

________

E10



A Água (dissolução)

O Ar (pressão; espaço)

E11



A Eletricidade (eletricidade estática)

A Eletricidade (condutibilidade)

E12



A Água (dissolução)

Eletricidade (condutibilidade)

TOTAL – 20 atividades experimentais

Assim, oito estagiárias realizaram, cada uma delas, duas atividades experimentais, enquanto as restantes quatro, por motivos de participação em outros trabalhos de estágio, enquadrados em outras áreas curriculares, apenas tiveram oportunidade de desenvolver uma atividade Em relação à recolha e análise de informações, a observação foi considerada a técnica que, de forma mais adequada, permitira observar a atuação individual dos estagiários, na sala de aula, com vista a verificar se desenvolviam, corretamente, práticas de índole experimental. Para além disso, o número de participantes envolvidos (12 elementos) não implicava observar um número considerável de aulas, pelo que o processo não se tornaria demasiado moroso. Assim, a observação, centrada, basicamente, nas etapas constantes das Cartas de Planificação (anexo), possibilitou aproveitar comportamentos que ocorreram durante as aulas e que puderam contribuir para melhor interpretar o desempenho dos estagiários, o que em situação de inquérito (ex: questionário escrito) não seria possível. Definiram-se a priori um conjunto de categorias correspondentes às várias etapas necessárias à implementação das atividades experimentais, sendo, posteriormente, desdobradas em subcategorias, definidas a posteriori, tendo em conta a(s) característica(s) mais evidenciada(s) na Página 273 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

etapa/no momento da aula considerado (ex. envolvimento dos alunos, articulação com o tópico a explorar, aplicabilidade com o quotidiano, …). Para efetuar a análise dos vídeos (análise audiovisual) respeitantes às atividades experimentais observadas, recorreu-se à ajuda do software WebQDA (Neri de Souza et al, 2011), tendo em conta o facto de a gravação em formato de vídeo resultar num considerável número de ficheiros que, analisados de uma outra forma, dificultaria a organização e a sistematização dos dados. O processo de codificação, com recurso ao software WebQDA, desenvolveu-se em algumas etapas, especificamente: i) importação, para o programa, de todos os vídeos resultantes das diversas aulas lecionadas pelos estagiários, em ambos os níveis de ensino; ii) visualização integral de cada vídeo, “recortando” (Bardin, 2009) os momentos (trechos) considerados na realização do trabalho experimental; iii) inserção de cada um dos referidos trechos nas categorias e subcategorias definidas previamente; iv) exclusão dos momentos constantes em cada vídeo, mas que não diziam respeito às etapas consideradas para a realização das atividades experimentais; v) organização e sistematização dos dados obtidos, de acordo com o nível de ensino e com o conjunto dos estagiários. Os dados expõem-se em quadros e gráficos. Sempre que oportuno, a apresentação dos resultados faz-se acompanhar de alguns exemplos extraídos das Cartas de Planificação, na tentativa de ilustrar a classificação efetuada e respetiva análise. Na apresentação de resultados, os estudantes estão identificados com um código que, após a letra E (estagiário), inclui um número representativo da ordem pela qual foram observados (E1,…). RESULTADOS - Apresentação Descreve-se, seguidamente, as informações resultantes da análise efetuada a cada etapa inerente às atividades experimentais realizadas pelos estagiários. • Contexto de Exploração Em relação às duas subcategorias (CE1 e CE2) definidas para o “Contexto de Exploração” (gráfico 1), sobressai a predominância da “Exploração focalizada” (13 atividades – 65% - CE1), em relação à “Exploração alargada” (CE2).

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Gráfico 1. Subcategorias definidas para o Contexto de Exploração

Neste momento inicial, os estagiários aproveitavam para efetuar a exploração teórica de outros tópicos programáticos, também relacionados com a temática central da atividade a desenvolver, mas não focalizados nela, ora por sua própria iniciativa, ora, segundo argumentavam, a pedido da orientadora cooperante. Ainda nesta fase preliminar da atividade era despendido bastante tempo (ex: E1-I) do total de tempo reservado para toda a aula, fazendo com que os estagiários acabassem por apressar a realização das etapas seguintes, nomeadamente, a Interpretação de resultados, a Conclusão e, sobretudo, a Avaliação das aprendizagens, sendo que, em alguns casos, nem sequer tiveram oportunidade de as realizar. Nos casos em que cada estudante realizou duas atividades, evidencia-se alguma consistência, quanto à forma de explorar o “Contexto de Exploração”. Assim, no conjunto dos oito subgrupos formados por duas atividades, apenas três deles (E2, E8 e E11) incluem duas subcategorias diferentes, tendo os restantes subgrupos mantido o mesmo tipo de “Contexto de Exploração”, em ambas as atividades realizadas, quer se trate de CE1 (E1, E5, E6 e E12), quer se trate de CE2 (E10). • Questão Problema A “Questão-Problema” distribuiu-se por duas subcategorias (gráfico 2): “com a colaboração dos alunos” (QP1) e “sem a colaboração dos alunos” (QP2). Dessas duas subcategorias constituídas, QP1 é a que está presente num maior número de atividades (12 atividades – 60%).

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Gráfico 2. Subcategorias definidas para a Questão problema

A QP teve sempre por ponto de partida a ideia presente no “Contexto de Exploração” (geral, no caso de CE1 ou parcial, no caso de CE2). Recorrendo ao questionamento, mais ou menos desenvolvido, os estudantes tentavam que fossem os alunos a formular a QP. Mas, por vezes, quer por envolver crianças muito jovens (ex: E1-I; E6-I;II), quer por já trazerem a QP escrita na CP a distribuir aos alunos (ex: E4-I), acabarem por serem eles próprios a formularem-na e a pedirem aos alunos que a registassem. Em cada subgrupo de duas atividades (I e II) realizadas por cada estudante, nota-se em ambas ou a presença de uma mesma subcategoria (E2, E6, E11 e E12), ou a presença de duas subcategorias, ou seja, uma subcategoria diferente por atividade (E1, E5, E8 e E10). Em relação ao tempo gasto com a formulação da QP, nas atividades que desenvolveram, os estudantes ocuparam um tempo considerável (entre 5% e 30%, aproximadamente). De facto, enquanto em alguns casos, apenas era colocada a QP, logo a seguir ao CE e por necessidade de a registar na CP, em outras situações o estagiário insistia no questionamento, até conseguir que os alunos, ora em grande grupo (turma), ora já com os grupos de trabalho constituídos, formulassem a QP. • Previsão Em todas as atividades supervisionadas (20), a identificação das ideias prévias dos alunos (gráfico 3) ocorrera sempre “antes da realização de cada atividade experimental” (P1).

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Gráfico 3. Subcategorias definidas para a Previsão

Todos os estagiários, imediatamente a seguir à formulação da QP, pediam aos alunos, ora individualmente, ora em grupo, que se pronunciassem acerca do que pensavam que aconteceria na situação colocada. Todavia, nem sempre o registo das previsões ocorria nesse momento, ora por possível esquecimento e/ou distração, ora porque o faziam em simultâneo com o registo dos resultados. Neste último caso, os estagiários tinham a preocupação de pedir aos alunos que lessem, para toda a turma, as previsões, confrontando-as com os resultados obtidos. Assim, independentemente do conteúdo explorado, todos os estagiários solicitaram aos alunos previsões acerca de cada uma das situações apresentadas e utilizando as diferentes formas delineadas aquando da planificação. Contudo, notou-se alguma ausência generalizada na solicitação das razões justificativas dos comportamentos que previam. De facto, somente em duas atividades (E1-II; E7-I) se constata algum gasto de tempo com esta fase da atividade, de cerca de um terço do tempo total (aproximadamente, 32%), ocupado com os restantes momentos. • Explicações orientadoras: tarefas a realizar, material a usar, conceitos a aprender, dados a observar e registar Constata-se (gráfico 4) algum desnivelamento relativamente à presença das três subcategorias constituídas: EO1 (“Tarefas a realizar e/ou material a usar”), EO2 (“Conceitos científicos novos”) e EO3 (“Dados a observar/registar”). A predominância é concedida à subcategoria “Tarefas a realizar e/ou material a usar” (EO1: 18 atividades), seguida de “Dados a observar/registar” (EO3: 11 atividades) e, por último (“Conceitos científicos novos” (EO2: 7 atividades).

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Gráfico 4. Subcategorias definidas para as Explicações Orientadoras

As três subcategorias formadas estão presentes, em simultâneo, em cinco atividades (25%) das 20 realizadas. Nas demais atividades, estão presentes ora duas subcategorias, ora uma só subcategoria (“Tarefas a realizar e/ou material a usar” ou “Dados a observar/registar”). “Conceitos científicos novos” (EO2) não surge, sozinha, em nenhuma atividade. A referência ao procedimento e, sobretudo ao material, era feita em vários momentos da atividade e não, apenas, aquando do preenchimento das secções “O que vamos precisar” e/ou “O que vamos fazer”, evidenciando-se bastante desenvoltura, por parte dos estagiários. Trata-se, pois, de uma subcategoria que somente não está presente numa atividade (E4-I) e que, em relação às demais etapas da AE, preencheu bastante tempo, tendo, em algumas atividades, ultrapassado os 35% (E9-I) do tempo total gasto na atividade e, em outras, ultrapassado esse valor percentual (E8-II; E9-I).

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Em relação aos “conceitos científicos a aprender” (EO2), é a subcategoria que, embora presente em número considerável de atividades (xx atividades), surge num menor número, relativamente a EO1 (sete). A introdução de novos conceitos era feita, habitualmente, aquando da apresentação do CE, a propósito de outros tópicos relacionados com a temática principal a explorar ou, ainda, no final da atividade, como forma de recapitular a aula. • Variáveis em estudo Identificaram-se (gráfico 5) duas formas para definição das variáveis: variáveis definidas “de forma contextualizada/articulada” (V1) e variáveis definidas “de forma dirigida/encaixada” (V2). Em três atividades (E1-I; E2-II; E6 -I) não foi realizada a definição das variáveis. Gráfico 5. Subcategorias definidas para as Variáveis em estudo

Nota-se (gráfico 5) que é maioritário o número de atividades em que as variáveis são definidas de forma encaixada (13 atividades – 65%), em relação àquelas em que as variáveis são definidas de forma integrada. À medida que as diferentes etapas iam surgindo, os estudantes aproveitavam o momento em que solicitavam aos alunos o preenchimento da Carta de Planificação para, apenas nessa altura, explorarem as “variáveis em estudo”. Os poucos (quatro estagiários) que conseguiram que as crianças definissem as variáveis enquadrando-as no questionamento e/ou no diálogo que estabeleciam, a propósito, até, de outras etapas da atividade, fizeram-no de forma implícita. A título exemplificativo, refira-se que já no “Contexto de Exploração” ou na solicitação da “Previsão” aproveitavam para colocar aos alunos questões do tipo: ”… e se em vez de água quente colocarmos água gelada?”; “… e, se em vez de uma colher de açúcar colocarmos duas ou três, acham que o resultado vai ser o mesmo?”; “… se eu mergulhar na água uma batata maior acontecerá o mesmo?”… Assim, ainda que não explicitassem que se tratavam de variáveis, subentendia-se, todavia, através da conversação que iam mantendo com os alunos, que se referiam a fatores que poderiam influenciar as características do fenómeno em questão. Comparando o tempo usado nesta etapa (“variáveis em estudo”), com o tempo despendido nas categorias anteriores, já expostas, as informações que o gráfico 5 contém mostram que os futuros professores começam já nesta etapa da atividade, que requer algum envolvimento concetual por parte dos alunos e algum domínio do assunto, por parte deles também, a investir menos tempo. • Realização da atividade A presença dominante de atividades (gráfico 6) na subcategoria R1 (13 atividades) parece evidenciar que os estagiários revelaram uma preocupação geral em colocar os alunos a participar, na execução da atividade.

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Gráfico 6. Subcategorias definidas para a Realização da atividade

Em todas as atividades experimentais realizadas, os estagiários formaram grupos de trabalho com os alunos das turmas, indo de grupo em grupo, ora questionando os alunos sobre as observações feitas e respetivos resultados, ora fornecendo explicações na realização e no registo das diferentes tarefas, quer por solicitação dos alunos, quer por sua própria iniciativa. Na “Realização da atividade”, o intervalo de tempo gasto oscila entre os 30% (E7-I) e, aproximadamente, os 5% (E2-II; E12-I). • Interpretação de resultados Quanto à “Interpretação de resultados” (IR), a subcategoria presente num maior número de atividades (14 atividades) é a que toma por base as observações realizadas, ou seja, “os resultados obtidos e registados” (IR2) (gráfico7).

Gráfico 7. Subcategorias definidas para a Interpretação de resultados

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De facto, em muito poucas atividades (duas – 10%), os estagiários procuraram levar os alunos das turmas a confrontar os comportamentos previstos, inicialmente, com os comportamentos observados (IR1), privilegiando questões do tipo “O que aconteceu …?”, em detrimento de questões como “Por que aconteceu …?”. Enquanto estes estagiários (E10-I; E12-II) solicitavam aos alunos que, um a um, comparassem (lendo à turma) os comportamentos previstos com os obtidos, permitindo, até, que através de uma outra atividade, observassem a reversibilidade do fenómeno, os restantes ficavam-se pelo preenchimento dessa secção na Carta de Planificação, ora escrevendo no quadro a interpretação e pedindo aos alunos que copiassem, ora ditando, sem reservar “espaço” para o questionamento. Este último procedimento (ditar para que escrevessem) ocorria quando a “Interpretação de resultados” surgia muito próximo do final da aula, restando muito pouco tempo para esta fase da atividade que, em vários casos (ex: E1-I; E3-I; E7-I; E8-II), ou não era concretizada ou era de forma muito abreviada. • Conclusão A “Conclusão” elaborada para as atividades distribuiu-se por duas subcategorias (C1 e C2), (gráfico 8), embora se suporte, maioritariamente (11 atividades), na QP formulada de início (C1). Os estagiários que, por falta de tempo, não concretizaram a etapa anterior (IR), são basicamente os mesmos (ex: E1-I; E3-I; E7-I; E8-II; E11-II) que também não conseguem concretizar esta etapa.

Gráfico 8. Subcategorias definidas para a Conclusão

Em C1 (“Resposta direta à Questão Problema”), incluem-se os momentos com pouca (por vezes, nenhuma) exploração dos resultados obtidos e respetiva interpretação, ou seja, os estagiários não vão muito mais além da colocação de questões do tipo: “Então, o que é que concluímos?”; “Qual é a conclusão?”; “Vamos registar a conclusão”. Realmente, ou ditam, eles próprios, a “Conclusão” ou pedem aos alunos que leiam, novamente, a “Questão Problema”, avançando, de Página 281 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

imediato, para a resposta e respetivo registo, dando, assim, por concluída a etapa. Apenas em duas atividades (E5-II e E11-I) os estagiários, para uma melhor exploração da “Conclusão”, apresentam, respetivamente: um vídeo que inclui a explicação do fenómeno em questão (eletricidade estática), incentivando os alunos a responder à QP (E5-II) e o “exemplo” do vulcão (mistura de uma substância ácida com uma básica), pedindo aos alunos que respondam à QP. Nos demais casos, inseridos na subcategoria C2, apenas era pedido o registo da “Conclusão”, no espaço próprio da CP, sem fazerem referência, ainda que de forma abreviada, à QP formulada antes da experimentação. • Avaliação das aprendizagens Atendendo à informação explícita no gráfico 9, constata-se que se trata de uma etapa concretizada num número muito reduzido (sete atividades – 35%). Acresce, ainda, que E3, E4 e E7 não apresentaram a “Conclusão”.

Gráfico 9. Subcategorias definidas para a Avaliação das aprendizagens

Os resultados aqui visíveis (gráfico 9) mostram que uma boa parte (13 atividades) das 20 atividades realizadas não incluiu a “avaliação das aprendizagens” (A1). Porém, os estagiários poderiam tê-la concretizado. Mas, tal não aconteceu, possivelmente, por falta de tempo. RESULTADOS - Discussão Nenhum dos estagiários participantes deixou de contemplar, de forma articulada e sequencial, os diferentes momentos relativos ao processo de desenvolvimento das atividades experimentais, ainda que nem sempre o desempenho tivesse sido tão completo quanto o desejável. Assim, apesar de a maioria dos estagiários participantes ter refletido práticas corretas e adequadas, sobressaiu uma exploração mais aprofundada, com mais investimento de tempo, Página 282 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

nos itens mais centrados no envolvimento procedimental dos alunos (ex: “tarefas a realizar e/ ou material a usar”) e uma abordagem menos complexa e mais abreviada, nos aspetos que requeriam mais envolvimento concetual (ex: variáveis definidas “de forma contextualizada/ articulada”). De facto, estes itens exigem, por parte dos futuros professores, além de habilidade e destreza para envolverem os alunos no questionamento e na argumentação, e ajudá-los a refletir e a concluir acerca do que realizavam e observavam, também conhecimento e compreensão de conceitos relativos aos conteúdos a abordar, o que nem sempre se verificou. Em alguns casos, essas etapas (ex: “Interpretação de resultados”; “Conclusão”; “Avaliação das aprendizagens”) concretizavam-se, mas de forma algo apressada, devido à falta de tempo. Mesmo surgindo antes ou após a apresentação das “Explicações Orientadoras” (EO) questões do tipo “o que pensas que acontece?” ou “o que vamos ter de mudar/de manter/o que vamos medir?”, aparentemente solicitando ao aluno envolvimento concetual, era uma participação cognitiva algo ilusória, pois não avançavam com nenhuma exploração e/ou aprofundamento que colocasse os alunos a interpretar. Tal procedimento era esperado, pelo menos em parte, se tivermos em atenção a opinião de especialistas (ex: Millar, 2010), segundo os quais os professores tendem a privilegiar os “procedimentos” em detrimento das “ideias”. Todavia, apesar destas constatações, há também outras que dão a entender a intenção, por parte dos estagiários, em colocar os alunos ativos, concetualmente. Refiram-se, a título exemplificativo: a Questão Problema “formulada com a colaboração dos alunos”; a Previsão “solicitada antes da realização da atividade “; a Realização da atividade “organizada de forma a permitir que todos os alunos participem”. Tais factos levam-nos a crer que as competências adquiridas e desenvolvidas aquando da formação inicial, em Didática das Ciências, resultaram num processo bem-sucedido, no âmbito do trabalho experimental. O caso do “Contexto de exploração” implementado (preferencialmente alargado), não significará, propriamente, incompreensão ou descuido, por parte dos estagiários, antes, foi uma situação originada, em alguns casos, pela solicitação da orientadora cooperante e resultante da preocupação, constantemente evidenciada, com a realização das provas de aferição, no final do ano letivo (no caso do 4º ano) e/ou com as restantes áreas (matemática e português). Nesses casos, era pedido aos mestrandos que, aproveitassem o “Contexto de Exploração” selecionado e expusessem mais alguma informação teórica, para além da necessária à atividade experimental planificada, no sentido de se “avançar com a matéria”. Mas, se alguns destes aspetos inerentes às dinâmicas das escolas e dos orientadores cooperantes pudessem constituir fatores limitativos, acabando por ser compreensível, em situação de estágio, torna-se também relevante evidenciar a colaboração e o envolvimento dos orientadores cooperantes, em termos de transferência de conhecimentos e, sobretudo, de orientação. Na verdade não esquecendo o que a literatura apresenta acerca das conceções dos docentes Página 283 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

quanto à inclusão da componente experimental, nas aulas de Ciências (ex: Vieira et al., 2010), era expectável algumas atitudes menos favoráveis que iriam evidenciar junto dos estagiários, neste domínio. Porém, tais ideias parecem não ter tido influência, pelo menos de forma acentuada, no trabalho a desenvolver pelos estagiários. Antes, será de admitir o ótimo contributo que deram no desempenho dos futuros professores, nomeadamente, nas aulas centradas no trabalho experimental. Desde a franca disponibilização de horas letivas para as aulas de Estudo do Meio (algumas não constando do horário da turma), até à própria intervenção/colaboração direta, com os alunos, aquando da realização das atividades (ex: E10-II; E11-I; II), todos estes foram aspetos constatados, durante a observação de aulas, aos quais se associam os comentários explícitos nas reflexões individuais dos próprios estagiários, reveladores do envolvimento dos professores e, em certos casos, alguma mudança de opinião. Face a todas estas considerações, torna-se evidente o seguinte: Se práticas corretas e adequadas, de índole experimental, requerem profissionais que proporcionem situações educativas, promotoras das capacidades do pensamento nos alunos, tais como, o pensamento crítico (Tenreiro-Vieira & Vieira, 2006), e se “… a qualidade de ensino e dos resultados de aprendizagem está estreitamente articulada com a qualidade da qualificação dos educadores e professores …” (Decreto-lei 43/2007, de 22 de Fevereiro), então, há que continuar a apostar na formação dos futuros professores (Martins et al, 2011), para desenvolver competências necessárias à adoção de práticas pedagógico-didáticas adequadas e conducentes a aprendizagens mais integradoras e, por conseguinte, a uma completa educação científica. Conclusões e Implicações Respondendo à questão de investigação equacionada, pode concluir-se que: • Todos os estagiários conseguiram implementar atividades experimentais, com os alunos das turmas, quase integralmente e de forma adequada; • Nenhum dos estagiários deixou de imprimir articulação e sequencialidade, nos diferentes momentos de realização das atividades experimentais, ainda que nem sempre o desempenho tivesse sido tão completo quanto o desejável; • Pese embora a configuração, globalmente “positiva”, evidenciada no desempenho dos estagiários, não se pode deixar de ter em conta a superficialidade espelhada na concretização dos momentos que mais ajudam os alunos a refletir e a concluir acerca do que realizam e observam e uma exploração mais aprofundada, com maior investimento de tempo, nos itens mais focalizados nos procedimentos (sobretudo, nas etapas preliminares da atividade; • A “Avaliação das aprendizagens” sobressai como sendo a etapa menos presente, nas atividades experimentais realizadas junto dos alunos. Página 284 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

Sintetizando: Sendo verdade que os futuros professores participantes conseguiram operacionalizar, quase integralmente, as diretrizes fornecidas nas unidades curriculares PDC e PDMC, não será menos verdade que, sendo estagiários, ainda em fase de qualificação profissional, só a continuidade e a experiência adquirida com o próprio exercício da docência, acabarão por lhes proporcionar a destreza e segurança necessárias a desempenhos mais completos e mais bem-sucedidos. Aliás, há que ter em conta que caso as atividades fossem desenvolvidas por professores mais experientes e em qualquer outro contexto que não o estágio, as conclusões poderiam ser diferentes. Por outro lado, não será de esquecer, também, que apesar de recorrerem às orientações dadas nas aulas de formação inicial, focalizadas nas unidades curriculares de Didática das Ciências, cada um deles acabou por fazer a sua própria interpretação desses saberes e respetiva mobilização para o contexto de estágio, o que tornou compreensível e aceitável que nem todos tivessem conseguido atingir o desempenho desejável. As conclusões deste estudo reforçam a necessidade de uma formação inicial de qualidade, tendo em conta, não apenas a natureza multifacetada da ação docente, mas também as dificuldades que, habitualmente, os professores possuem na realização de atividades experimentais (Vieira, 2003). Há, ainda a lembrar, o forte poder socializador do local de trabalho (Flores, 2010) que, no caso da temática em questão (utilização do trabalho experimental), pode exercer uma influência menos favorável, nos professores recém-formados, caso a formação inicial não tenha conseguido, de forma sólida e consistente, criar oportunidades de aquisição e de desenvolvimento de competências (Flores, 2010), para otimizar o seu desempenho (Rodrigues, 2008), neste caso concreto, no desenvolvimento de atividades experimentais. De facto, sendo os professores mediadores diretos no processo educativo (González Garcia & Jiménez Liso, 2005), torna-se imprescindível incluir na formação inicial de professores, à semelhança do que se fez no presente estudo, “espaços” de preparação para lidarem, da forma mais adequada, com o trabalho experimental nas aulas de Ciências que virão a lecionar, futuramente. Havendo tendência para os professores ensinar os alunos conforme aprenderam, enquanto também alunos (Porlán & Martín del Pozo, 2004), então, os futuros professores podem, assim, ficar mais aptos a desenvolver as atividades experimentais, de forma inovadora e adequada. Em suma: Estamos cientes que há, ainda, um longo caminho a percorrer até a implementação de práticas pedagógico-didáticas corretas e adequadas conseguir ganhar terreno no ensino das Ciências, no que concerne à utilização de estratégias promotoras do pensamento crítico, como é o caso do trabalho experimental. Espera-se, portanto, que este trabalho preste o devido contributo nesse sentido, constituindo um ponto de partida para que as escolas de formação inicial de docentes e os próprios formadores estejam atentos a este assunto, de modo a poderem

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contribuir para uma requalificação do ensino das Ciências, em particular, no recurso a estratégias e propostas de atividades que ajudem a promover as capacidade de pensamento, como por exemplo, o PC. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Abrahams, I., & Reiss, M. (2010). Effective practical work in primary science: the role of empaty. Primary Science, 113, 26-27. Bardin, L. (2009). Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições 70, LDA.

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PROMOÇÃO DO PENSAMENTO CRÍTICO NO CONTEXTO DO 1º CICLO DO ENSINO BÁSICO Graça Maria Brito Moura | [email protected] Daniela Gonçalves | [email protected] ESE de Paula Frassinetti, Porto

Resumo “Aprender sem pensar é tempo perdido” (Confúcio). Frases como estas obrigam-nos a repensar continuamente a nossa posição enquanto pessoas e, em particular, enquanto educadores, num tempo cada vez mais exigente: tão cheio e tão vazio… Todos nós, seres humanos, pensamos e a qualidade da nossa vida e do que produzimos, fazemos ou construímos depende, muitas vezes, da qualidade do nosso pensamento. Este tema desde há muito que nos fascina e não pelas melhores razões, a saber: a primeira foi por descobrir que na nossa educação escolar, tal modo estruturado de pensar não foi fomentado, visto que quase tudo foi “dado de bandeja”, enquanto a nossa tarefa foi a obrigação de memorizar. Este é um processo cómodo para quem aprende, mas adverso a um desenvolvimento saudável, tanto para as nossas capacidades mentais, que necessitam de ser estimuladas, como para a nossa perspetiva de vida que fica reduzida. A segunda prende-se com a atividade profissional docente, porque, ainda hoje, passados cerca de quarenta anos, após a nossa educação básica, encontramos crianças a quem são “oferecidos de bandeja” conhecimentos formais e informais, altamente discutíveis. Tal acontecimento é lamentável e, por tal, muitas vezes questionamo-nos como deve ser o sentir daquela Pessoa não poder pensar por si, na idade em que mais se pode questionar de forma pacífica. Poderá/ir-se-á questionar futuramente (naturalmente, poderá ser na adolescência) mas, apesar de não ser tarde, vai custar mais, para si mesmo, para a interiorização dessa capacidade. Foi neste contexto que surgiram as inquietudes que serviram de ponto de partida a este projeto, a saber: porque é que o pensamento crítico é considerado um ideal educacional valioso? Com base em que fundamentos pode o pensamento crítico ser tomado como um guia educacional adequado e aceitável? Uma vez que o ideal é de grande significado e que sua aceitação séria pode afetar todos os nossos julgamentos educacionais, interferindo em todas as nossas políticas e práticas, é fundamental que haja boas razões para a aceitação do Pensamento Crítico como nosso objetivo em educação. A escola, enquanto organização, e os professores, enquanto profissionais, devem - no sentido ético - ensinar os alunos a pensar criticamente, como devem potenciar aos alunos instrumentos para o sucesso, para melhorarem a qualidade dos seus saberes e para serem cidadãos críticos, criativos e empreendedores, a fim de atenuar as desigualdades e de responder às novas exigências e aos desafios com que se vão deparando.

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Palavras-Chave: Pensamento Crítico; Contexto de 1º Ciclo do Ensino Básico; Formação de Professores.

Abstract "Learn without thinking is lost time" (Confúcio). Phrases like these compel us to rethink our position continuously while people and, in particular, as educators, in increasingly demanding: so full and so empty...Todos we, human beings, we believeandthe quality of our life and we make, do or build depends many times the quality of our thinking. This theme for a long time that fascinates us and not for the best reasons, namely: the first was to discover that in our school education, so structured thinking was not encouraged, since almost everything was "given to tray", while our task is to memorize. This is convenient for those who learn, but adverse to a healthy development, both for our mental capacities, which need to be stimulated, as to our perspective of life is reduced. The second relates to the professional activity, that is, as a teacher, even today, after about forty years after our basic education, we find children who are "tray offered" formal and informal knowledge, highly debatable. This event is regrettable and, therefore, often wondering how should be the feel of that Person can't think for itself, in the age in which more can question peacefully. Can/will question the future (of course, you will be able to be in their teens) but, despite not being late, will cost more, for yourself, for the internalization of this capability. It was in this context that the anxieties that served as a starting point to this project: why critical thinking is considered a valuable educational ideal? Based on fundamentals can critical thinking be taken as a proper and acceptable educational guide? Once the ideal is of great significance and that his serious acceptance can affect all our educational judgments by interfering in all our policies and practices, it is essential that there is good reason for the acceptance of critical thinking as our goal in education. The school, as an organisation, and teachers, as professionals, should ethical-to teach students to think critically, how should give students tools for success, to improve the quality of their knowledge and to be critical, creative and enterprising citizens, in order to reduce inequalities and to respond to new demands and the challenges that are faced. Keywords: Critical Thinking; Students of 1st CEB; Training of Teachers

INTRODUÇÃO Como determina a Lei de Bases do sistema educativo, “a educação promove o desenvolvimento do espírito democrático e pluralista, respeitador dos outros e das suas ideias, aberto ao diálogo e à livre troca de opiniões, formando cidadãos capazes de julgarem com espírito crítico e criativo o meio social em que se integram e de se empenharem na sua transformação progressiva” (LBSE, Página 292 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

Artº 1.º, ponto 5). Educadores/professores são quem, na educação formal, pode efetivar esse desenvolvimento e verificar que ele acontece. O papel da escola não pode ser apenas “transmitir conteúdos”, mas antes “ensinar a aprender”. Ensinar a aprender é criar possibilidades; não é apenas mostrar o caminho, mas orientar para que o aluno desenvolva um olhar crítico e sua autonomia. De acordo com Pedro Demo (2001), o processo de aprendizagem é adequado quando professor(es) e aluno(s) aprendem, pensam e aprendem a aprender. Podemos considerar pensamento crítico um modo de pensar (sobre qualquer tema, conteúdo ou problema) em que, quem pensa, melhora a qualidade do seu pensamento ao apoderar-se das estruturas inerentes ao ato de pensar e ao submetê-las a padrões intelectuais. Pensar sobre o que se fez, sobre as ideias que se têm para dar conta de um fenómeno, de uma observação ou de uma experiência, refletir sobre os passos que se seguiram para chegar a uma dada conclusão, analisar criticamente um dado procedimento, o modo como emergiu uma nova ideia, são alguns dos traços que caracterizam um pensador crítico. Em nosso entender, a aquisição deste tipo de pensamento/reflexão requer tempo e exige a orientação de um professor, uma vez que refletir sobre o que pensou não é um processo espontâneo, mas sim cultiva-se. Inicia-se, por exemplo, quando as crianças são encorajadas a reverem o que fizeram e a tomarem consciência dos procedimentos usados numa atividade prática. É fundamental ajudar a criança a desenvolver um sentido crítico e a saber tomar as suas decisões, fundamentando-as. A capacidade de pensar por si, tomar decisões e avaliar as consequências é efetivamente útil para o desenvolvimento psicossocial da criança - mais do que passar uma verdade ou doutrina, a educação passa por ajudar as crianças e jovens a pensar sobre os valores implicados nas diferentes situações e consequências para si e para os outros. Desta forma, e de acordo com Halpern (1997), a criança não tem necessidade de se afirmar perante os outros, desenvolvendo um sentido de justiça e capacidade de descentração, conseguindo colocar-se no lugar do outro e considerando a sua opinião como refutável. Uma vez que o ideal é de grande significado e que sua aceitação séria pode afetar todos os nossos julgamentos educacionais, interferindo em todas as nossas políticas e práticas, é fundamental que haja boas razões para a aceitação do Pensamento Crítico como nosso objetivo em educação. A primeira razão é relevante para justificar o pensamento crítico enquanto relacionado a estilo de ensino, pois permite justificar o argumento de que o estilo de ensino de cada professor/educador se deve harmonizar com o estilo crítico; ou seja, devemos ensinar de acordo com o estilo crítico porque, simplesmente, seria imoral ensinar de outro modo - o ensino é uma interação entre pessoas e todas as interações desse tipo devem fazer-se com respeito, não conferindo maior importância aos nossos próprios valores/interesses do que aos dos outros, só porque os primeiros

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são os nossos. O respeito pelas pessoas é um conceito kantiano, pois foi este filósofo quem recomendou que tratássemos os outros como fins e não meios. Neste contexto, vale a pena destacar que a obrigação de tratar os alunos com respeito é independente de fins educacionais mais específicos, antes é uma obrigação de todos os profissionais de educação; portanto não faz parte de algum sistema ou cenário educativo em particular: independentemente do que fizermos nas nossas instituições educacionais, somos obrigados a tratar os alunos com respeito, de forma natural e garantida dando-lhe o direito de questionar, procurar razões e justificações para o que lhe está a ser ensinado. Como refere a lei de Bases do Sistema Educativo (Artigo 7.º, alínea a), “um dos objetivos do ensino básico, consiste em assegurar uma formação geral comum a todos os portugueses que lhes garanta a descoberta e o desenvolvimento dos seus interesses e aptidões, capacidade de raciocínio, memória e espírito crítico, criatividade, sentido moral e sensibilidade estética, promovendo a realização individual em harmonia com os valores da solidariedade social”. A segunda razão para considerar o pensamento crítico um valioso ideal da educação, tem a ver com a tarefa educativa de desenvolver nos alunos as habilidades necessárias à direção com sucesso da sua vida adulta, não pensando nalgum desempenho profissional específico, mas pelo contrário, preparando-os globalmente as crianças para a vida adulta. Um aspeto geral da vida adulta é a habilidade/poder de controlar a própria vida. Guiamos a educação de uma criança, porque a criança não pode guiá-la responsavelmente sozinha, mas compete-nos leva-la, o mais rápido possível, ao ponto em que ela possa guiar sua própria educação, a sua própria vida, isto é, tornar a criança autossuficiente. Com este texto, pretendemos apresentar aos profissionais da educação um conjunto de sugestões que potenciam o cultivo do pensamento crítico, especificamente no contexto de 1.º Ciclo do Ensino Básico. 1. Pressupostos Educacionais promotores de Pensamento Crítico Como podemos organizar as atividades educacionais de modo a habilitar o aluno a dirigir sua vida? Consideramos que em primeiro lugar é obrigação do docente responder positivamente à questão; depois, organizando atividades segundo as recomendações do pensamento crítico treinar alunos para serem pensadores críticos - é encorajá-los a formular questões, a procurar evidências, a procurar e investigar alternativas, a ser críticos de suas próprias ideias e das outras pessoas. Tal estímulo leva os alunos à autossuficiência, pois esta estratégia educacional evita a visão do ensino como um instrumento para manipular as mentes (dos alunos) com uma ideia preconcebida.

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Para encorajar o pensamento crítico, ensinamos aos alunos que o que pensamos é correto, mas encorajamos o aluno a examinar a evidência e julgar independentemente a correção dos nossos argumentos. Desta maneira, o aluno torna-se um juiz competente e, sobretudo, independente, pois ele decide quanto à propriedade de crenças alternativas, de linhas de ação e atitudes. Tal independência de julgamento é condição primeira para a autossuficiência. A pessoa autossuficiente é, além disso, uma pessoa mais livre, já que se liberta do controle de crenças não justificadas, de atitudes insustentáveis e da escassez de habilidades que a podem impedir de assumir a sua própria vida. À medida que reconhecemos a nossa obrigação de preparar as crianças para se tomarem adultos competentes e autossuficientes, essa obrigação justifica a importância/necessidade de incluir o pensamento crítico na educação, pois a educação concebida segundo as linhas sugeridas por esse ideal reconhece explicitamente e, talvez, provavelmente satisfaça, essa obrigação (Garrison, 1992). Por fim, a terceira razão para que o pensamento crítico seja um ideal da educação: para uma pessoa ser racional, precisa de perceber a relevância de várias razões para fazer um julgamento e avaliar adequadamente a força de tais razões. Mas como é que uma pessoa sabe avaliar essas razões adequadamente? Uma consideração persuasiva da avaliação adequada de razões sugere que uma pessoa aprende o julgamento apropriado de razões ao ser iniciado nas tradições nas quais as razões desempenham um papel. A educação, segundo este ponto de vista, equivale à iniciação do aluno nas tradições humanas essenciais, ciência, literatura, história, arte, matemática, entre outras, que se expandiram e foram deixando, ao longo da história do seu desenvolvimento, linhas mestras relacionadas com o seu papel e a sua natureza nos seus respetivos domínios. Assim, por exemplo, um cientista deve aprender, entre outras, alguma hipótese, teoria ou procedimento - a educação científica equivale a iniciar o aluno na tradição científica, que consiste, em parte, na apreciação dos padrões das tradições que governam a avaliação das razões, avaliação essa que não é estática, pois os padrões de racionalidade evoluem e devem ser entendidos como parte de uma tradição em constante expansão: a racionalidade na investigação natural define e redefine os seus princípios por meio dos quais evidências devem ser interpretadas e relacionadas a teorias. O julgamento racional no domínio da ciência é, consequentemente, o julgamento de acordo com tais princípios. Ensinar racionalidade em ciência é fazer com que o aluno interiorize esses princípios, e, além disso, introduzi-lo na tradição viva e em expansão da ciência natural. Isto também pode ser feito em relação a outras áreas, história, legislação, filosofia e política da sociedade democrática. O ponto fundamental é que a racionalidade não pode simplesmente ser tomada como um ideal geral e abstrato. Ela é concretizada nas tradições múltiplas e em evolução, nas quais a condição fundamental exige que as questões sejam resolvidas com base em razões; razões essas definidas por princípios que se afirmam imparciais e universais – conhecimento comprovado e aberto à mudança. Assim, pode-se verificar que a educação é uma Página 295 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

forma de iniciar os alunos nas tradições racionais, consistindo em conseguir que o aluno aprecie os padrões de racionalidade que determinam a avaliação de razões, e respetivo julgamento adequado. Contudo, acreditamos que todos os ideais de educação, assim como as políticas e práticas educacionais, têm um fim político. O pensamento crítico não é diferente de qualquer outro ideal da educação quanto a esse aspeto. Além disso, esse ideal mascara pressupostos políticos inaceitáveis, portanto, o pensamento crítico não pode ser justificado como um ideal da educação. O pensamento crítico, ou a sua ausência, tem sido também apontado como um dos sintomas da incapacidade da escola em preparar o aluno para a vida; apesar da importância atribuída ao pensamento crítico, nomeadamente o apelo claro à capacidade de argumentar, observar, interpretar dados e tirar conclusões e disposições de pensamento crítico como de revelar atitudes de confiança, ter espírito de abertura, cooperar no trabalho de grupo aceitando outros pontos de vista, este não tem sido um objetivo central da escola e dos professores (Tenreiro-Vieira, 2002; Vieira, 2003; Vieira e Tenreiro-Vieira, 2004); embora a sua importância seja referenciada na Lei de Bases do Sistema Educativo (LBSE, 1986) e no Currículo Nacional do Ensino Básico (ME-DEB, 2001). Além disso, a relevância do pensamento crítico, reside no facto da necessidade de lidar com a complexidade e com o domínio de todo o conhecimento necessário para dar resposta às exigências sociais e económicas. A importância do pensamento crítico advém, ainda do reconhecimento de qualquer democracia para funcionar, necessita de cidadãos com capacidades de pensar. As capacidades de pensamento crítico ajudam o cidadão a formular julgamentos inteligentes sobre questões públicas, as quais têm procurado contribuir, democraticamente, para o resolver de problemas sociais. São várias as razões que apontam para a importância do pensamento crítico enquanto meta para uma educação completa. A escola, enquanto organização, e os professores, enquanto profissionais, devem - no sentido ético - ensinar os alunos a pensar criticamente, como devem dar aos alunos instrumentos para o sucesso, para melhorarem a qualidade dos seus saberes e para serem cidadãos críticos, criativos e empreendedores, a fim de atenuar as desigualdades e de responder às novas exigências e aos desafios com que se vão deparando. Pensar criticamente constitui-se, assim, como um caminho a adotar, sendo certo que ensinar e aprender a “pensar melhor” promovem a autonomia e a cidadania responsável. Deste modo, os alunos devem ser preparados para usarem as suas capacidades de pensamento crítico na recolha, avaliação e uso da informação para uma eficaz resolução de problemas e tomada de decisão a nível pessoal e profissional. Por outras palavras, “para aprender de forma eficaz é preciso ter vontade de agir, olhos bem abertos para ver, a mente desperta para analisar, o coração disposto para assimilar o apreendido e os braços prontos para o aplicar. Tudo fala na Página 296 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

escola. Faz falta saber ouvir e saber analisar o que se ouviu” (Guerra, 2000:12). Admitindo, pois, que mais do que conhecer, é necessário pensar, devemos apostar que a formação de professores reflexivos é a forma mais adequada de responder às atuais exigências da escola e da sociedade e de investir em processos de ensino e de aprendizagem que conduzam os alunos a descobrir e a desenvolver as suas potencialidades, privilegiando a autonomia na descoberta do conhecimento. 2. Papel do Professor na Promoção do Pensamento Crítico Alguns docentes consideraram que o pensamento crítico está presente nas suas aulas quando, na verdade, tal não acontece, tendo em conta diferentes teorias públicas (Paul, 1993). Muitos acreditam que desenvolvem capacidades de pensamento por falarem sobre a importância do pensar e por solicitarem aos alunos que o façam. No entanto, uma capacidade de pensamento não pode ser desenvolvida pelo facto de se olhar para ela, nem por se falar sobre ela. Apesar de ordenarem aos estudantes que pensem, não há nada no ambiente de aprendizagem que os ajude/encoraje a fazê-lo (Paul, 1993). A evidência aponta no sentido de que quer as atividades propostas, quer as estratégias de ensino comummente usadas pelos professores não estimulam o uso de capacidades de pensamento crítico. Os docentes continuam a ensinar como foram ensinados e o mais provável é que tenham sido ensinados com uma abordagem transmissiva (Paul, 1993). Refletindo a influência deste fator, as práticas educacionais envolvem, desde logo, a transmissão direta de informação aos alunos. Verifica-se, pois, que a primazia continua a ser dada à transmissão/aquisição de conhecimentos Barnes (2005). Mesmo o ensino das ciências continua ainda a ser dominado por estratégias e atividades como: a exposição por parte do professor, atividades de leitura, especialmente do livro de textos e atividades laboratoriais que são, muitas, vezes, demonstrações feitas pelo professor. Uma razão explicativa para as práticas docentes atuais radica, grandemente, no facto de os professores, não estarem preparados para abraçar com sucesso a tarefa de desenvolver o pensamento crítico dos nossos alunos. Como ressalta Tenreiro-Vieira (2002), aceitar o desafio de promover o pensamento crítico nos alunos, exige uma mudança significativa nas práticas de ensino. Porém, para as desencadear e propiciar os reajustamentos necessários, é forçoso que os docentes sejam despertados e recebam formação apropriada para o fazerem. Continuam a existir dúvidas relativas à formação inicial de professores, bem como à formação contínua, no que diz respeito ao contexto português, relativamente aos esforços (suficientes) para ajudar os professores a integrarem, nas suas práticas docentes o pensamento crítico. No entanto, “uma escola inteligente, ou em vias de o ser, não pode centrar-se exclusivamente na aprendizagem reflexiva dos alunos, mas deve sobretudo ser um ambiente informado e dinâmico que proporcione igualmente uma aprendizagem reflexiva aos professores” (Perkins in Guerra, Página 297 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

2000:9). 3. Metodologia da Problematização Consideramos pertinente repensar numa metodologia de ensino que permita o desenvolvimento do pensamento crítico nos alunos, nomeadamente no contexto de 1.º Ciclo de Ensino Básico. Deste modo, preconizamos os trâmites concetuais inscritos na linha da problematização (Fabre, 2011) que, através da utilização de indutores dilemáticos permite, aos alunos, tomar consciência de situações-problema, articular dúvida(s) e certeza(s), analisando dilemas, questionando pensamentos a partir das suas experiências, bem como das suas aprendizagens, sempre com o objetivo de gerar debate e promover um pensamento reflexivo, crítico e criativo. Privilegiando esta consentaneidade, a metodologia de que nos servimos privilegia a participação de todos, entendida como promotora de processos emancipatórios e exigentes quanto à formulação/ construção dos problemas, de forma a permitir uma possível (re)construção, que contemple todos os dados pertinentes à sua resolução e respeite as condições dos problemas originais. Assim, partimos do pressuposto que os elementos acima referenciados - indutores dilemáticos, situações-problema, formulação de problemas e participação - materializam os referenciais metodológicos essenciais na área da formação de professores e derivam dos conceitos de problematização. Na verdade, a problematização e a dilematização são entendidos como instrumentos hermenêuticos e pedagógicos de elevada relevância na promoção do pensamento crítico. No processo de identificação de problemas, com a metodologia descrita, torna-se fundamental tomar consciência do que é um problema, como se constrói e que cada problema pode encerrar um ou vários dilemas. Assim, preconizamos que uma postura ativa no ato de dilematização desembocará numa exponenciação da própria problematização. Partilhamos da opinião de Michel Fabre quando afirma que educar no mundo atual “não pode mais ser impor um caminho, é antes dar uma bússola e mapas para que cada um invente o seu próprio caminho sem se perder nos labirintos.” (Fabre, 2011: 19) 4. Um caso prático em contexto de 1.º Ciclo do Ensino Básico Apresentaremos uma aula de Português (desenvolvimento da expressão oral e da expressão escrita) lecionada no corrente ano letivo num 2.º de escolaridade, onde a principal finalidade foi promover o pensamento crítico e criativo. Deste modo, partindo de uma imagem projetada – quadro famoso de uma pintora portuguesa, Paula Rego, foi solicitado aos alunos que escrevessem algumas frases – 3 a 5 linhas - sobre aquilo que poderiam entender no quadro. De imediato, os alunos começaram, de forma indireta, a questionar: “uma história?”; “para falar o quê?”,.. A docente optou por clarificar novamente a solicitação e apenas respondia da seguinte forma: “o que cada um(a) quiser interpretar”; “pode ser”; “se quiseres (…)”; “aquilo que a imagem te Página 298 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

sugere”. Para além disto, os alunos foram avisados, inicialmente, que a imagem estaria projetada cerca de dez minutos e que depois seria retirada para se iniciar o diálogo sobre aquilo que cada um(a) considerou da imagem. Curiosamente, nenhum aluno necessitou de mais tempo para realizar a redação. Esta delimitação do tempo, teve como intencionalidade pedagógica o desenvolvimento da atenção e concentração, bem como da memorização visual. Após cada um(a) ter escrito o texto, foram convidados a partilharem em grande grupo, lendo a sua interpretação em voz alta (de quinze alunos, apenas três não quiseram ler). Paralelamente, cada colega colocou as questões que deseja ver esclarecidas; as primeiras interrogações demoraram a chegar, mas, num instante, começaram a ser mais do que suficientes. Passadas poucas leituras, já se começava a verificar que havia muitas ideias diferentes para a mesma imagem e que nem sempre os colegas concordavam. Após muito diálogo e alguma discussão, a docente desempenhou o papel de mediadora e tentou fazê-los refletir sobre a diversidade de “olhares” sobre a mesma imagem, compreendo as diferentes perspetivas; contudo, distinguiu a diferença entre juízos de facto e juízos de valor. Perante o “problema” de diversas respostas para a mesma imagem, os alunos foram compreendendo que em situações de divergência de opiniões, as ideias que prevalecem com maior adesão têm as seguintes características: frequentemente factuais, relevantes, fornecem compreensão e credíveis para o ouvinte. Deste modo, utilizamos a pedagogia do problema, implicando a definição de uma situação problemática – diversidade de interpretações a partir da mesma imagem/quadro - significativa para o público a que se destinava. A problematização em contexto escolar deverá conciliar sucesso e compreensão, subordinando o primeiro à segunda, porque, em nosso entender, o mais importante é compreender/aprender criticamente. Considerações Finais Partindo dos pressupostos apresentados, é tarefa do profissional docente desenvolver o raciocínio que proporciona através da prática do diálogo, o desenvolvimento cognitivo, afetivo e social, das crianças, nomeadamente ao nível da dimensão crítica, criativa e ética do seu pensamento, numa relação profunda entre o pensar, falar e o agir. “Ora, o papel do educador é propositadamente reservado. Por outras palavras, o educador facilita a discussão e cuida das regras e só em alguns momentos (poucos) expõe o seu ponto de vista, porque o valor do diálogo, o exercício de escutar o outro, em última análise, o exercício da cidadania, é aprendido no processo de conhecimento. Os «conteúdos» da lógica são vivenciados Página 299 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

com significado e sentido, ao serviço de uma problematização da experiência quotidiana” (Gonçalves, 2007: 27). As conclusões que podemos retirar desta experiência em contexto de 1º Ciclo de Ensino Básico são as seguintes: a) os alunos mostraram capacidades de diálogo (racional); b) os alunos são capazes de apresentar razões (e não opiniões) para as suas interpretações; c) Os alunos ficaram familiarizados com os «defeitos» de que estão normalmente impregnadas as perguntas (vagas, adulteradas, contraditórias, sem sentido ou baseadas em suposições incorretas); d) os alunos iniciaram um novo processo - a obrigatoriedade de enunciar razões para sustentar opiniões que podem ser questionáveis. Deste modo, é nossa convicção que a promoção do pensamento crítico deve contemplar os seguintes objetivos primordiais/essenciais: “uma maior autonomia de pensamento, uma percepção ética mais apurada, o respeito por pensamentos diferentes do seu, o respeito pela opinião de outras pessoas, a capacidade de fundamentar os seus argumentos. No fundo, pretende-se contribuir para uma cidadania responsável” (Gonçalves e Azevedo, 2006: 104).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Barnes, C. A. (2005). Critical Thinking Revisited: Its Past, Present, and Future. New Directions For Community Colleges, 130, 5-13. Fabre, M. (2011). O que é problematizar? Géneses de um paradigma. Saber & Educar, 16. http:// repositorio.esepf.pt/handle/10000/510 Garrison, D. R. (1992). Critical thinking and self-directed learning in adult education: an analysis ofresponsibility and control issues. Adult Education Quarterly, 42, 136-148. doi:10.1177/074171369204200302 Gonçalves, D., & Azevedo, C. (2006). O Valor e a Utilidade da Filosofia para Crianças. Saber & Educar, 4, 103-111. Gonçalves, D. (2007). Infância e Cidadania: Encontro(s). Saber & Educar, 6, 23-28. Guerra, M. A. S. (2000). A escola que aprende. Cadernos do CRIAP. Porto: Edições ASA. Halpern, D. (1997). Critical Thinking Across the Curriculum: A Brief Edition of Thought and knowledge. New Jersey: Lawrence Erlbaum Associates. Ministério da Educação, Departamento da Educação Básica (2001). Currículo Nacional do ensino básico. Lisboa: Editorial do Ministério da Educação. Paul, R. (1993). Critical thinking new global imperative. Reforming & restructuring education. Sonoma State University Press. Página 300 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

Tenreiro-Vieira, C. (2002) O Ensino das Ciências no Ensino Básico: Perspectiva Histórica e Tendências Actuais. Psicologia, Educação e Cultura, VI, 1, 185-201. Tenreiro-Vieira, C. (2004). Produção e Avaliação de Actividade de aprendizagem de Ciências para promover o pensamento crítico dos alunos. Revista beroamericana de Educacíon, 33,6. http://www.rieoei.org/investigation8.htm Vieira, R. M. (2003). Formação Continuada de Professores do 1º e 2º Ciclos do Ensino Básico para uma Educação em Ciências com Orientação CTS/PC (tese de doutoramento). Aveiro: Universidade de Aveiro.

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20.O PENSAMENTO CRÍTICO NO SUJEITO LINGUÍSTICO Catarina Mangas | [email protected] Paula Cristina Ferreira | [email protected]

Instituto Politécnico de Leiria – Escola Superior de Educação e Ciências Sociais

Resumo Partindo do princípio de que as habilidades inerentes a um pensamento crítico devem ser ensinadas de forma explícita desde os primeiros anos de escolaridade obrigatória, nomeadamente através da promoção de competências literácitas específicas da área de Português, foi realizado um estudo que teve como ponto de partida o seguinte problema: Os documentos orientadores do ensino do português – Programa de Português do Ensino Básico e Metas Curriculares de Português – fomentam práticas pedagógicas que promovam de modo explícito, intencional e sistemático capacidades de pensamento crítico? Para lhe dar resposta foi contextualizada teoricamente a temática, tendo ainda sido analisados qualitativamente os documentos anteriormente enunciados, agrupando e sintetizando os descritores de desempenho em função de cinco categorias associadas ao pensamento crítico. Esta análise permitiu concluir que, globalmente, os documentos orientadores incluem descritores de desempenho que retratam todas as capacidades críticas do sujeito linguístico. Daqui se depreende que os normativos que regulamentam a disciplina de Português no Ensino Básico têm em conta os princípios inerentes à promoção de cidadãos reflexivos e críticos, com desempenhos de sucesso ao longo do percurso escolar e para além dele. Palavras-Chave: Pensamento Crítico, Português, Competência Comunicativa, Escrita, Leitura, Oralidade, Programa de Português; Metas Curriculares.

Abstract Assuming that critical thinking skills should be taught explicitly since the first years of school, particularly through the promotion of literacy skills of the specific area of Portuguese, a study was conducted starting from the following problem: the documents guiding the teaching of Portuguese - Portuguese program of Basic Education and Curricular Goals of Portuguese - promote pedagogical practices that increase explicit, intentional and systematic critical thinking skills? To give answer was theoretically contextualized the topic, having also been qualitatively analyzed the documents set out above, grouping and summarizing performance descriptors based on five categories associated with critical thinking. This analysis concluded that overall guidance documents include performance descriptors that depict all critical capabilities of the linguistic subject. It follows that the regulations of the subject of Portuguese in Basic Education have regard to the principles inherent in the promotion of reflective and critical citizens, with successful performances throughout the school career and beyond. Página 303 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

Keywords: Critical thinking, Portuguese; Communicational skill; Writing; Reading; Speaking; Portuguese Program; Curricular Goals.

INTRODUÇÃO John Dewey, filósofo e pedagogo norte-americano, introduziu, no início do século XX, o conceito de pensamento crítico que definiu como uma apreciação fundamentada, ativa, persistente e cuidadosa de crenças que geram novas conclusões (Fisher, 2001). Esta definição tem albergado ao longo das últimas décadas uma série de interpretações formuladas por autores de diversas áreas que confluem numa ideia comum: o pensamento crítico é um conjunto de habilidades específicas que permitem avaliar reflexivamente uma situação ou informação e posicionar-se de forma sensata/argumentada face à mesma (Facione, 2013; Forrester, 2008; Ennis, 1985). A partir do quadro conceptual esboçado, podemos considerar que o pensamento crítico contribui de forma inequívoca para a construção de conhecimentos, não esquecendo que, em simultâneo, também depende desses mesmos saberes, tanto ao nível da realidade analisada como em relação às capacidades cognitivas implicadas, nomeadamente de interpretação, análise, avaliação, inferência, exposição e autorregulação (Facione, 2013) que permitem que o sujeito formule uma opinião, per capita, argumentada, rigorosa e clara que contribua para a construção de uma sociedade mais ativa e digna (Moore, 2004). Outros autores corroboram esta visão, nomeadamente Theda Thomas, professora da Universidade Católica Australiana, que adverte, no entanto, que “A capacidade de saber que habilidade usar numa determinada situação e ser capaz de aplicar essa habilidade sem viés, mas tendo em consideração os pontos de vista dos outros, não é fácil de aprender e é ainda mais difícil de ensinar.” (Thomas, 2011, p. 28), já que as thinking skills não se desenvolvem apenas de forma indireta e implícita, sendo necessário o seu ensino explícito (Fisher, 2001), auxiliando os alunos a distinguir “[…] opiniões e factos, de forma a avaliar evidências, evitando um pensamento superficial e ilógico.” (Forrester, 2008, p. 101). Como surge a possibilidade de desenvolver estas habilidades nos alunos interligando-as com as suas aprendizagens em sala de aula desde os primeiros anos de escolaridade? Reconhecendo-se que “[…] a aprendizagem da língua condiciona e favorece a relação da criança e do jovem com o mundo, bem como a progressiva afirmação de procedimentos cognitivos, de competências comunicativas e de atitudes afectivas e valorativas que são determinantes para a referida relação com o mundo e com aqueles que o povoam.” (Reis et al, 2009, p. 12) facilmente se compreende que a atitude crítica dos sujeitos em sociedade é modelada pelo nível de proficiência comunicativa (textual e discursiva), promovido nas escolas, com base no currículo de Português.

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O novo Programa de Português do Ensino Básico (PPEB), homologado em 2009, baseia-se, neste sentido, na premissa de que “a aprendizagem do português conduz directamente à estruturação de um pensamento próprio por parte do sujeito linguístico” (Reis et al, 2009, p. 13), tendo, mais tarde, em 2012, as Metas Curriculares de Português (MCP) reforçado esta intenção com o objetivo final de “contribuir para a formação completa do indivíduo e do cidadão” (p. 6). Consideramos, nesta medida, que a promoção do pensamento crítico é uma finalidade explícita no currículo de Português do Ensino Básico, em cada uma das suas competências específicas (oralidade, leitura, escrita e conhecimento explícito da língua) que se projetam em função de um conjunto de expetativas pedagógicas que, em síntese se podem formular nos seguintes moldes (Reis et al, 2009): 1) Compreensão Oral: saber escutar e interpretar criticamente a informação ouvida, distinguindo facto de opinião, informação implícita e explícita, o que é essencial e acessório;

2) Expressão Oral: intervir construtivamente em situações de diálogo, expondo temas

variados e justificando com pormenores ou exemplos pontos de vista lógicos com confiança e fluência; 3) Leitura: ler para construir conhecimento e formular apreciações críticas sobre textos variados, nomeadamente quanto à pertinência e validade da informação lida, estabelecendo relações entre experiências pessoais e textos de diferentes épocas e distinguindo facto de opinião; 4) Escrita: mobilizar de forma criteriosa informação recolhida para escrever diferentes tipos de texto, nomeadamente pessoais e criativos, para exponham representações e pontos de vista; 5) Conhecimento Explícito da Língua: refletir sobre o funcionamento da língua, através da manipulação e comparação sistemática de dados que permitam descobrir regularidades na estrutura e no uso da língua, aperfeiçoando o desempenho pessoal na produção e receção de enunciados orais e escritos. Sendo estes os resultados a alcançar pelos alunos do Ensino Básico na área de Português, prevê-se que os descritores de desempenho os concretizem através de intencionalidades objetivas e claras a promover na aula de Português. METODOLOGIA, APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS Com base nas premissas anteriormente apresentadas, desenvolveu-se um estudo de natureza qualitativa que recorreu à técnica de análise documental. Os documentos normativos – Programa de Português do Ensino Básico e Metas Curriculares de Português – foram lidos quanto à presença de descritores de desempenho que promovam as capacidades de Pensamento Crítico e, no caso Página 305 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

de se verificar, a que categoria pertence. As categorias que Ennis (1985), o autor mais influente no âmbito do pensamento crítico aplicado às ciências da educação, apresentou serviram de base para esta análise (Figura 1). Figura 1 – Áreas e Categorias das Capacidades de Pensamento Crítico (adaptado de Ennis, 1985)

A questão a que nos propomos responder pode formular-se nos seguintes moldes: Os documentos orientadores do ensino do português (PPEB e MCP) fomentam práticas pedagógicas que promovam de modo explícito, intencional e sistemático capacidades de pensamento crítico? Considerando os normativos legais, PPEB e as MCP, apresentamos na Tabela 1, de forma sintética e adaptada, os descritores de desempenho por níveis de ensino, no sentido de expor o modo como a disciplina de Português promove o pensamento crítico.

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Tabela 1 – Capacidades de Pensamento Crítico vs. Descritores de Desempenho/Metas Curriculares do 1.º, 2.º e 3.º Ciclos do Ensino Básico (CEB

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Após a articulação dos descritores de desempenho das diferentes competências do Português com as capacidades do pensamento crítico, verificamos que há um trabalho progressivo, ao longo dos três níveis do Ensino Básico, no sentido de incrementar e otimizar a capacidade de entender, analisar, criticar o mundo lido ou experienciado. Esta análise permitiu, genericamente, constatar que as áreas propostas por Ennis (clarificação elementar, suporte básico, inferência, clarificação elaborada e estratégias e táticas) são alvo de implementação in crescendo na sala de aula de Português. Se particularizarmos a nossa análise, iniciando a reflexão sobre a área de Clarificação Elementar, verificamos quatro eixos em destaque: a elaboração de respostas a questionários “Elaborar por escrito respostas a questionários, roteiros de tarefas e atividades”; o respeito pela interação discursiva no sentido de garantir a boa comunicação “Respeitar princípios reguladores da atividade discursiva: na produção de enunciados de resposta e na colocação de perguntas;”; a interpretação de textos ouvidos ou lidos com vista à estruturação da argumentação inerente sobretudo ao ato de ouvir e de ler “Interpretar textos com diferentes graus de complexidade, articulando os sentidos com a sua finalidade, os contextos e a intenção do autor: formular hipóteses sobre os textos”; a produção de textos orais ou escritos que evidenciem uma intencionalidade específica “Produzir textos que obrigam a uma organização discursiva bem planificada e estruturada, com a intenção de: reformular, reinterpretar, resumir; analisar, comentar, criticar.” Na área do pensamento crítico em reflexão, Clarificação Elementar, parece-nos clara a articulação com a aula de língua, na medida em que o esclarecimento e o desafio são colocados com vista ao desenvolvimento do sujeito de forma equilibrada uma vez que as competências de input linguístico (ler e ouvir) e as de output (falar e escrever) são trabalhadas de modo equitativo. Considerando a área Suporte Básico e a credibilidade da fonte/informação que lhe está subjacente, constatamos que, nos três ciclos de ensino do Ensino Básico, dois polos se tornam estruturantes e estruturadores de uma pesquisa com qualidade: a seleção e registo da informação e a organização/mobilização dessa informação – tal como se verifica nos seguintes descritores: “Utilizar técnicas específicas para selecionar, registar, organizar ou transmitir informação” e “Consultar regularmente obras lexicográficas, mobilizando a informação na análise da receção e da produção do modo oral e escrito.”. Poderemos afirmar que uma pesquisa de qualidade proporcionará um produto textual, potencialmente, mais rico e de maior validade argumentativa. No que diz respeito à Inferência, enquanto área do pensamento crítico, evidencia-se, na oralidade e na leitura, um trabalho sobre o enunciado implícito deste o 1.º CEB “Prestar atenção ao que ouve de modo a tornar possível: fazer inferências e deduções; manifestar ideias, sensações e sentimentos pessoais, suscitados pelos discursos ouvidos” e “Fazer uma leitura que possibilite captar sentidos implícitos, fazer inferências, deduções;”.

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Ao analisar o PPEB, verificamos que a inferência, no 1.º Ciclo, é promovida em todas as competências com exceção da escrita, na medida em que o aluno está numa fase recetiva, de compreensão, de análise, de dedução, de iniciação e alargamento das suas leituras. Significa que está a preparar/estruturar o seu pensamento antes de conseguir redigir enunciados implícitos, conforme é exigido no 2.º CEB “Escrever textos, por sua iniciativa, para expressar conhecimentos, experiências, sensibilidade e imaginário. Mostrar nos textos a intenção de persuadir; analisar, comentar e criticar.” Note-se que, para além do estudante ser levado a deduzir, induzir informações/mensagens também na aula de gramática, este raciocínio é exigido pois no 1.º CEB há que “Manipular palavras (ou grupos de palavras) em frases”, no 2.º CEB “Deduzir o significado de palavras complexas a partir do valor de prefixos e sufixos nominais, adjetivais e verbais do português contemporâneo.”, o que equivale a afirmar que os conceitos gramaticais e a competência metalinguística se desenvolve também através do raciocínio inferencial. No 3.º CEB, o PPEB é bastante explícito quando enuncia que o jovem deve saber “Deduzir informação não explicitada nos enunciados, recorrendo a processos interpretativos inferenciais”. O exposto vai ao encontro da nossa intenção, neste estudo, que é evidenciar que o pensamento crítico é incrementado através de todas as competências específicas do Português. Dar significação, determinar, fixar ou decretar são, efetivamente, capacidades intrínsecas à Clarificação Elaborada, e o sujeito linguístico para o conseguir teve que adquirir previamente outras capacidades. Reparemos que “Produzir textos orais e apresentar os seus pontos de vista e fundá-los em argumentos válidos;”, “Fazer apreciações críticas sobre um texto, incidindo sobre o conteúdo e sobre a linguagem.”, “Reconhecer e refletir sobre os valores culturais, estéticos, éticos, políticos e religiosos que perpassam nos textos.” exige ao sujeito linguístico não só um vasto universo de referência como capacidades múltiplas (desde a identificação à análise) para que seja possível a exposição de um raciocínio próprio e convincente…critico. Verificamos que esta área, proposta por Ennis (1985), Clarificação Elaborada, no que diz respeito à oralidade, à leitura e à escrita não é contemplada no 1.º CEB. Com base no PPEB, este tipo de pensamento é mais complexo e começa a ser alvo de exercitação no 2.º CEB, todavia verificamos que nos três ciclos, inclusivamente no 1.º CEB não raros são os raciocínios no sentido de expandir a sensibilidade linguística e um conhecimento mais complexo, tais como “Explicitar, classificar, seriar, distinguir regras, procedimentos e textos”. Por último, referimos as Estratégias e Táticas onde se inserem atividades de decisão e interação, marcadamente, promotoras de autonomia. O jovem, na sala de aula de Português, deve ser orientado para estratégias como “Participar em atividades de expressão orientada respeitando regras e papéis específicos: ouvir os outros; esperar a sua vez”, “Discutir diferentes interpretações de um mesmo texto, sequência ou parágrafo.” e “Selecionar tipos e formatos de textos adequados Página 312 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

a intencionalidades e contextos específicos do domínio das relações interpessoais.”. O que nos remete sobretudo para a capacidade de decisão de cada sujeito, inferindo-se uma maior capacidade de análise de todos os componentes do ser social. Em suma, verificamos pela seleção de descritores de desempenho dos PPEB, que efetuámos para este estudo, que a reflexão crítica é uma preocupação explícita. O jovem aluno, dos dias de hoje, será, inevitavelmente, o cidadão ativo de amanhã pelo que é pertinente o desenvolvimento do espírito crítico, a argumentação e o respeito pelo outro. Na realidade estes pilares do cidadão serão, em nosso entender, basilares de uma sociedade respeitadora e respeitável. CONCLUSÃO O pensamento crítico pressupõe um conjunto de habilidades que devem ser ensinadas de forma explícita desde os primeiros anos de escolaridade e que estão, inevitavelmente, correlacionadas com as competências linguístico-discursivas que são postas em evidência nas mais variadas áreas curriculares. O Português é, no entanto, a área que, pelas suas características intrínsecas, deve promover competências literácitas específicas que permitam formular argumentos válidos que evidenciem posicionamentos próprios face a uma situação ou informação particular. O estudo que apresentámos pretendeu, neste âmbito, analisar os documentos orientadores do ensino da língua (Programa de Português do Ensino Básico e Metas Curriculares de Português) com o intuito de verificar se os descritores de desempenho contemplam categorias de pensamento crítico e de que forma estas estão espelhadas. A partir desta análise é possível concluir que a promoção do pensamento crítico é uma finalidade explícita no currículo de Português, esperando-se que, ao longo do Ensino Básico, os alunos evidenciem capacidades progressivas e sistemáticas a nível da oralidade, leitura, escrita e gramática que vão ao encontro deste objetivo. É, no entanto, de realçar dois aspetos, um explícito e outro implícito, respetivamente: as estratégias de clarificação elaborada apenas não são alvo do 1.º Ciclo, sendo-o no segundo e no terceiro; a metacompetência comunicativo-discursiva, constituída por duas faces – literacia e oracia – inicia o seu processo desenvolvimental, não no primeiro ciclo mas na Educação Pré-Escolar. Neste pilar da educação, a linguagem oral, as primeiras abordagens à escrita e as primeiras experiências são vividas de modo emergente relativamente ao ensino formal e são estruturas basilares de extremado valor que não podem ser descuradas. Embora estas conclusões nos levem a acreditar que os professores procurarão proporcionar experiências aos alunos do Ensino Básico que fomentem o seu pensamento crítico, apetrechando-os de ferramentas que lhes permitam desenvolver um raciocínio lógico e construir argumentos e posicionamentos válidos, sabemos também, por outro lado, que as grandes mudanças na

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educação não se produzem apenas através de documentos orientadores e legais. Neste sentido, acreditamos, tal como Julie Forrester (2008, p. 104) que: “Se a comunidade educativa pretende incentivar o pensamento criativo e crítico, deve dar a motivação aos alunos para pensar, o tempo para desenvolver ideias, e a colaboração e apoio de uma comunidade de aprendizagem que forneça informação, feedback e encorajamento. Professores criativos vão incentivar alunos criativos, mas os professores também têm necessidade de utilizar o pensamento crítico para avaliar os seus próprios métodos de ensino e os estilos de aprendizagem dos seus alunos.”

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Bardin, L. (2008). Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70. Buescu, H., et al. (2012). Metas Curriculares de Português – Ensino Básico. Lisboa: Ministério da Educação. Ennis, R. H. (1985). A logical basis for measuring critical thinking skills. Educational Leadership, 43(2), 44-48. Facione, P. A. (2013). Critical thinking: What It Is and Why It Counts. Insight Assessment, 1-28. Fisher, A. (2001). Critical thinking: An introduction. Cambridge, UK: Cambridge University Press. Forrester, J. C. (2008). Thinking creatively, thinking critically. Asian Social Science, 4(5), 100-105. Moore, T. (2004). The critical thinking debate: how general are general thinking skills? Higher Education Research & Development, 23, 3-18. Reis, C. (Coord.) (2009). Programa de Português do Ensino Básico. Lisboa: Ministério da Educação - DGIDC. Thomas, T. (2011). Developing first year students' critical thinking skills. Asian Social Science, 7 (4), 26-35.

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21.O ENTENDIMENTO DA AULA DE PORTUGUÊS COMO ESPAÇO DE PROMOÇÃO DE UMA LITERACIA CRÍTICA. UMA LEITURA CRÍTICA DE “ARROZ DO CÉU”, DE JOSÉ RODRIGUES MIGUÉIS Ângela Campos | [email protected]

Agrupamento de Escolas de Águas Santas

Resumo A disciplina de Língua Portuguesa constituí um lugar crucial no desenvolvimento da capacidade crítica dos indivíduos e, específicamente, na formação de leitores críticos. Neste artigo discutimos as potencialidades oferecidas pelos textos do cânone literário para o desenvolvimento da capacidade de leitura crítica. Para tal, discutimos o conceito de leitura crítica, no quadro dos princípios da literacia crítica. À luz daquele conceito, apresentamos os resultados de um estudo sobre as potencialidades oferecidas pelo texto narrativo “Arroz do Céu”, de José Rodrigues Miguéis, para o desenvolvimento de práticas de literacia crítica, segundo uma metodologia assente no método de análise crítica do discurso narrativo ficcional elaborada por John Stephens (1992). Este artigo aponta para a necessidade de adoção de práticas de literacia crítica no contexto da aula de Língua Portuguesa, de forma a permitir a todas as crianças e jovens o recurso a estratégias de construção de um posicionamento crítico, perante os textos e perante o mundo. Palavras-Chave: Literacia Crítica, leitura crítica

Abstract At school, the language subject plays an important role in the development of the individuals’ critical capacity and specifically in the promotion of critical readers. This paper aims to discuss how literary canon texts contribute to the development of critical reading skills through the development of critical literacy practices in the language subject. To this end, we discuss the concept of critical reading and define the concept of critical literacy. Taking those concepts into account, we present a study on the potential offered by the narrative "Arroz do Céu”, by José Rodrigues Miguéis, for the development of critical literacy practices, based on the method of critical discourse analysis of narrative fiction developed by John Stephens (1992). This paper shows the importance of critical literacy practices in the context of the language subject classroom, in order to enable all children and young-adults to build a critical positioning towards texts and the world. Keywords: Critical Literacy, critical reading

INTRODUÇÃO A capacidade de cada indivíduo compreender criticamente a evolução e a dinâmica do mundo atual reveste-se de uma grande importância para a sua plena integração nas sociedades

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modernas. É num quadro de emergência de novos desafios impostos pela globalização que são desenhados referenciais educativos de âmbito internacional, apontando para a necessidade de os vários sistemas educativos encetarem esforços no sentido do desenvolvimento de novas capacidades nos indivíduos que lhes permitam enfrentar com sucesso o mundo atual. De entre essas capacidades, o pensamento crítico é destacado como um aspeto essencial no desenvolvimento global de todos os indivíduos (Comissão Europeia, 1996; 2004; OCDE, 1997). Neste quadro, a escola constitui o lugar por excelência no desenvolvimento da capacidade crítica e agentiva dos indivíduos, com vista à formação de cidadãos envolvidos na construção de uma sociedade verdadeiramente democrática. A disciplina de Português, por sua vez, pelos seus objetivos e objeto específicos de estudo, desempenha um papel crucial na criação de condições que favoreçam o ensino e a aprendizagem de estratégias de leitura variadas e particularmente de estratégias de leitura crítica, cuja interiorização e mobilização permitam a construção de cidadãos competentes e responsáveis. Numa sociedade em que a informação circula em quantidade e velocidade exponenciais, o desenvolvimento desta capacidade assume particular relevância. No programa de Português do ensino básico em vigor (Reis et al., 2009), o aspeto da leitura crítica, âmbito sobre o qual incide este artigo, é referido, contudo, de forma insuficiente e pouco clara (na verdade, este é um documento omisso quanto ao conceito de crítica que incorpora). A forma restrita como a leitura crítica é concebida neste documento oficial constata-se, por exemplo, na definição desta competência específica, na qual não é feita nenhuma referência à dimensão ‘crítica’: Entende-se por leitura o processo interativo que se estabelece entre o leitor e o texto, em que o primeiro apreende e reconstrói o significado ou os significados do segundo. A leitura exige vários processos de atuação interligados (decifração de sequências grafemáticas, acesso a informação semântica, construção de conhecimento, etc.); em termos translatos, a leitura pode ainda ser entendida como atividade que incide sobre textos em diversos suportes e linguagens, para além da escrita verbal (Reis et al., 2009:16). Em nosso entender, a utilização indeterminada e incorreta dos conceitos de crítica e de leitura crítica pode suscitar diferentes interpretações e, consequentemente, configurar diferentes modos de apropriação destas noções no contexto educativo. Estes pressupostos levam-nos a considerar a necessidade de fixar com mais rigor o conceito de leitura crítica, e, a partir dessa definição, discutir o quadro mais favorável ao desenvolvimento escolar desta competência. Por conseguinte, desenvolvemos neste artigo, para a discussão que aqui pretendemos levar a cabo, o conceito de leitura crítica no quadro dos princípios da literacia crítica. A partir destas noções, discutimos o potencial de formação crítica oferecido pelos textos literários que circulam na escola, Página 316 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

particularmente pelos textos narrativos ficcionais, de modo a contribuir para o entendimento da aula de Língua Portuguesa enquanto espaço privilegiado de formação de indivíduos críticos e, particularmente, de leitores críticos. Para atingir o nosso objetivo, apresentamos, de forma breve, um estudo realizado sobre uma obra narrativa lida nas escolas portuguesas por alunos do ensino básico - “Arroz do Céu”, de José Rodrigues Miguéis –, segundo uma metodologia de análise crítica do discurso narrativo desenvolvida por John Stephens (1992), amplamente assente nos princípios de literacia crítica e nas ideias de Norman Fairclough (1989) sobre a análise crítica do discurso. Este estudo revela que uma leitura deste texto que não inclua a componente de leitura crítica aqui defendida poderá traduzir-se na reprodução de estereótipos sociais e na promoção de atitudes conformistas. As conclusões deste artigo apontam para a importância de desenvolvimento de práticas de literacia crítica no contexto da aula de língua portuguesa na promoção da formação de leitores críticos e de cidadãos socialmente responsáveis e propõe a metodologia de análise de textos narrativos ficcionais elaborada por John Stephens (1992) como um referencial dessas práticas pedagógicas, com vista ao desenvolvimento da capacidade de construção de um posicionamento crítico e emancipatório por todas as crianças e jovens, perante os textos e perante o mundo que as rodeia. A literacia crítica na promoção da capacidade de leitura crítica O conceito de literacia crítica tem sido desenvolvido enquanto extensão ou combinação da noção de pensamento crítico com uma atenção particular à justiça social e aos aspetos de poder político presentes nos textos, através da linguagem, correspondendo, assim, a uma perspetiva sociocultural de literacia (Freedman & Johnson, 2005; Irwin, 2007). Por outras palavras,o pensamento crítico, no âmbito da leitura, traduz-se em processos de compreensão e análise dos textos, escritos ou orais, que envolvem essencialmente (i) a análise de ‘bias’ nos materiais escritos, através do (ii) reconhecimento de estratégias discursivas, tais como a utilização de palavras imbuídas de carga emocional e o uso de técnicas de propaganda, tal como a implicação por associação e o recurso à sobregeneralização; (iv) a análise da credibilidade da fonte dos textos; (v) a distinção entre facto e opinião e, finalmente (vi) o reconhecimento de argumentação falaciosa, o que envolve, necessariamente, a análise de diferentes pontos de vista e dos ‘biases’ que os conformam (Irwin, 2007). O processo de pensamento crítico tal como descrito, associado a uma perspetiva socio-cultural de literacia, enquanto prática social imersa noutras práticas sociais, constitui a definição de Literacia Crítica (LC). Neste sentido, os materiais escritos não podem ser dissociados da compreensão do seu contexto: o autor, o seu propósito social, o contexto para o qual é direcionado, a cultura do autor, o contexto da leitura, e até “one’s own biases and agendas as a reader” (Irwin, 2007:108). Traduzindo esta teoría na prática, os movimentos de leitura que

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caracterizam as práticas de LC questionam os textos nos seguintes termos: (i) caracterização do contexto socio-cultural representado no texto; (ii) análise da perspetiva apresentada sobre esse contexto; (iii) discussão sobre quem ou o que é marginalizado no texto, através do ridículo, da linguagem enviesada e de representações estereótipadas; (iv) questionamento da intenção do autor relativamente ao que pretende que o leitor sinta ou pense; (v) leitura de textos que apresentem uma perspetiva alternativa e, finalmente (vi) questionamento do modo como a informação de um texto pode ser usada para promover a justiça social (McLaughlin e De Voogd, 2004, cit. in Irwin, 2007). As práticas de LC perspetivam, assim, os textos, enquanto configuração, através da linguagem, de realidades sociais que configuram modelos culturais e perspetivas particulares sobre o mundo e a experiência humana. A estes modelos estão associados, por vezes, situações de injustiça social, relações desiguais de poder, fobias e fundamentalismos, assunções sobre a superioridade de determinada raça ou género (Pereira, 2010). Quando meramente descodificados, esses textos reproduzem, sancionam e perpetuam essa realidade social: The texts of everyday life are not innocuous, neutral texts requiring simple decoding and response. They are key moments where social identity and power relations are established and negotiated.(…)Texts and authors thus represent and construct a social relation to the text and to that world. They do so through various linguistic and semiotic techniques (Luke et al.., 2001:113). As práticas de LC têm em vista, assim, a problematização dos textos enquanto representações privilegiadas de determinadas culturas e conhecimentos, através da análise das estruturas linguísticas que incorporam e materializam essas representações. Dijk (1998, 2001), por exemplo, considera a existência de estratégias discursivas de representação social em termos de polarização entre o nós (o grupo dominante) e o eles (os grupos minoritários). Entre essas estratégias discursivas o autor destaca o uso de determinadas estruturas sintáticas, recursos estilísticos, tais como a metáfora e a hipérbole, assim como a seleção de determinado vocabulário, em que os elementos poder e domínio podem estar presentes, determinando o modo como os recetores tendem a aceitar crenças (conhecimentos e opiniões) através do discurso que é encarado como autoridade e, por isso, credível, tal como o discurso escolar, de especialistas e média e, acrescentaríamos, de escritores. Neste sentido, CL é “resistant reading by teachers and students working together to discover language patterns that promote particular ideas about power and oppression based on race, class, or gender, or a combination of these three” (Freedman & Johnson, 2005:11). A consideração da natureza social e ideológica da linguagem, constitui, assim, uma dimensão do conceito de LC, o qual incorpora, deste modo, recentes teorias sobre este aspeto que caracteriza a linguagem encarada numa perspetiva multidimensional (Gee, 2001; Ivanič, 2004). Por exemplo, a Página 318 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

visão multidimensional da linguagem desenvolvida por Ivanič (2004) considera vários aspetos ou dimensões a partir dos quais ela deve ser perspetivada. No centro desta visão multidimensional encontra-se o texto, enquanto substância linguística da linguagem; as outras dimensões são os processos cognitivos envolvidos na sua produção e compreensão e em cujo estudo está implícita a existência do texto e, por último, os aspetos sociais da produção e receção da linguagem, ou seja, as características observáveis do contexto social e dos propósitos do seu uso, assim como os recursos socioculturais disponíveis para a comunicação. Esta última dimensão vai para além dos factos materiais da linguagem, para compreender a razão ou as razões por que eles são como são, “sometimes also with a sociopolitical agenda for contestation of the status quo and action for change (Ivanič, 2004:224). A autora conclui que as práticas escolares de leitura e escrita que dão expressão a esta dimensão da linguagem são as práticas de LC. Considerando também esta dimensão social e ideológica da linguagem,Gee (2001b) argumenta que a LC envolve a prática da análise do discurso, de um modo que nos leve a compreender que a linguagem é sempre contextualizada, política e socialmente. Assim, para Gee (2001b), “critical literacy is a species of discourse analysis” (p.1). A análise crítica do discurso é, portanto, central no conceito de LC. O desenvolvimento da análise linguística e a desconstrução de um texto não é, contudo, LC, se não for acrescentada a esta uma outra dimensão: o desenvolvimento de um trabalho socialmente produtivo: “We would argue that text analysis and critical reading activities above should lead on to action with and/or against the text. That is, there is a need to translate text analyses into cultural action, into institutional intervention and community projects” (Luke et al., 2001:117, itálico original). Esta dupla dimensão do conceito de LC, ou seja, por um lado, o reconhecimento da natureza social ideológica da linguagem “ao serviço da realização de funções ideológicas”, e, por outro, a “subversão desse papel” para agir e intervir criticamente (Pereira, 2010: 19), incorpora o conceito de crítica, enquanto indissociável da noção de praxis, reflexão e acção dos homens sobre o mundo para o transformar (Freire, 1987). A partir destes pressupostos, a noção de leitura crítica que aquí assumimos configura o desempenho, pelo leitor, dos seguintes papeis: iv) ‘analista e crítico’, explorando e criticando os textos, agindo com o conhecimento de que os textos não são janelas transparentes sobre o mundo, que não são ideologicamente naturais ou neutrais, que dão voz a determinadas perspetivas enquanto silenciam outras, que influenciam as ideias das pessoas e que as suas configurações e sentidos podem ser criticados e redesenhados de modos diferentes e pessoais (Dionísio, 2005:70). Relativamente à leitura dos textos que circulam na escola, os textos literários assumem alguma centralidade no currículo do ensino básico e secundário, também eles potenciais configuradores de modelos culturais e veículos de transmissão de ideología (Olaziregi, 2010; Freedman & Página 319 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

Jonhson, 2005; Stephens, 1992). Stephens (1992), por exemplo, considera os textos narrativos ficcionais “the more powerful vehicle for an ideology because implicit, and therefore invisible, ideological positions are invested with legitimacy through the implication that things are simply ‘so’”(Stephens, 1992:9). Isto significa que os textos literários, e particularmente os textos narrativos ficcionais, são potenciais configuradores do desenvolvimento de práticas de LC e um espaço de promoção de formação de leitores críticos, segundo o conceito anteriormente desenvolvido. Por conseguinte, as atividades de LC com textos literários podem ajudar os jovens leitores a compreender, por exemplo, como os estereótipos são criados naqueles textos e como eles exercem influência no seu comportamento (Dionne, 2010) e devem ser introduzidas nas atividades escolares desde os anos iniciais de escolaridade (Kempe, 1993). Todavia, as práticas de leitura escolar mais habituais parecem perspetivar a leitura enquanto processo de descoberta pessoal e individual, configurando, assim, a assunção comum de que os textos que circulam na escola espelham de forma inquestionável a realidade, assunção raramente desafiada ou tornada explícita e que conduz à aceitação passiva do texto e da cultura dominante (Kempe, 1993). Os próprios documentos oficiais reguladores das práticas pedagógicas perspetivam o estudo dos textos literários como um espaço eminentemente de fruição estética, descurando o seu potencial na formação de leitores críticos. Estes pressupostos levaram-nos à realização de um estudo sobre uma obra narrativa amplamente lida nas escolas portuguesas por alunos do ensino básico, “Arroz do Céu”, de José Rodrigues Miguéis (Campos, 2012) , segundo uma metodologia de análise crítica do discurso narrativo ficcional desenvolvido por John Stephens (1992), amplamente assente nos princípios de LC. O objetivo deste estudo foi precisamente conhecer o potencial configurador de práticas de LC e, portanto, de formação de leitores críticos, oferecido pelos textos narrativos ficcionais que circulam na escola e por esta narrativa em particular. Na secção seguinte, descrevemos o método de análise que foi utilizado, elaborado por John Stephens (1992), para, posteriormente, apresentarmos os resultados do estudo realizado. Metodologia de análise crítica de textos narrativos ficcionais A metodologia de análise do discurso de ficção narrativa elaborada por Stephens (1992) valoriza um aspeto essencial do pensamento intelectual das últimas décadas: o reconhecimento da importância do estudo crítico da linguagem para a compreensão da vida social, fundamentado em perspetivas sociais e críticas que consideram a linguagem um sistema de significação, comummente referido como discurso, fortemente imbuído de ideologia (Barthes, 1972; Lorrain, 1979; Fairclough, 1989; cit. in Stephens, 1992). A preocupação de Stephens com a ideologia que atravessa a linguagem não visa o discurso enquanto prática social nas suas mais vastas concretizações, tal como examinado por Norman Fairclough (1989), mas sim o discurso específico

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da ficção narrativa. Tal como no discurso em geral, Stephens(1992) considera a carga ideológica que, inequivocamente, atravessa o discurso de ficção para crianças e jovens, considerando que este género literário “can be the more powerful vehicle for an ideology because implicit, and therefore invisible, ideological positions are invested with legitimacy through the implication that things are simply ‘so’”(Stephens, 1992:9). O estudo crítico da linguagem é, assim, central na metodologia de análise de Stephens. Combinando aspetos de linguística crítica e teorias modernas de narratologia, este método de análise considera três elementos essenciais na construção do significado do discurso da ficção narrativa e que ele destaca na análise crítica desse discurso: Story, Discourse e Significance. Story compreende o que determinadas personagens fazem num tempo e num espaço particulares, e é reconhecida por uma leitura que Stephens denomina de “primary reading”, ou seja, um nível de leitura que permite um consenso abrangente possibilitado por uma partilha de experiências humanas comuns que tornam determinadas personagens e situações reconhecíveis. Discourse, por sua vez, compreende o complexo processo de codificação dos elementos da story, o qual envolve a escolha de vocabulário, de sintaxe, a organização dos vários momentos diegéticos, incluindo o desfecho, o ponto de vista da narrativa e a intertextualidade. É a análise do modo como estes elementos se relacionam no texto que nos permitirá deduzir a sua Significance, a qual deriva de uma “secondary reading” a partir das duas primeiras (story e discourse) e que, segundo Stephens (1992), nunca é desprovida de uma conotação ou dimensão ideológica. De entre os elementos do Discourse, o ponto de vista constitui, para o autor,o aspeto mais poderoso da narração, no que diz respeito ao controle autorial implícito sobre o leitor e as suas estratégias de leitura, marca característica do discurso da ficção para crianças (Peter Hunt, 1988a, cit.in Stephens, 1992). No caso de existência de focalização da personagem, Stephens refere o facto de a posição subjetiva do leitor ser construída, frequentemente, de modo idêntico àquela que a personagem representa e a partir de cuja perspetiva os acontecimentos são narrados. Ou seja, os leitores habitualmente identificam-se com a personagem principal. O autor realça a ideia de o alinhamento ou identificação com uma personagem focalizadora fomentar a subjugação do leitor ao texto e alerta para o facto de as práticas de leitura escolar mais habituais fomentarem este tipo de identificação. As implicações a nível da ideologia e da construção da subjetividade do leitor residem, segundo o autor, principalmente ao nível da Significance, nos movimentos de leitura que possibilitem a passagem de um primeiro reconhecimento da story para a “deeper mirroring of meaning” (p.48), apesar de o autor não deixar de referir que a ideologia pode estar inscrita ao nível da própria story, na medida em que as sequências narrativas e as relações entre as personagens serão configuradas de acordo com formas reconhecíveis, podendo essa própria configuração expressar ideologia ou assunções sobre determinadas formas da existência humana. Como refere Stephens (1992), é sobretudo ao nível da Significance que o sujeito leitor, tal como numa troca pragmática no mundo real, negoceia o significado com o texto ou é subjugado por ele. A subjugação ao Página 321 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

texto, ou seja, a aceitação, pelo leitor, do significado que o texto lhe oferece, resultará, assim, na perspetiva de Stephens (idem), de uma metodologia de leitura reader’s response, ou seja, centrada no leitor e nas suas experiências pessoais. Pelo contrário, a negociação do sentido do texto numa perspetiva questionadora terá sempre em vista o facto de que esse texto constitui uma interpretação de uma realidade por um determinado autor e permitirá a construção de um posicionamento do leitor que poderá coincidir, ou não, com a perspetiva apresentada no texto. Deste modo, a posição subjetiva do leitor, quando negociada, poderá não coincidir com a perspetiva da narrativa. Análise crítica da narrativa “Arroz do Céu”, de José Rodrigues Miguéis Foi nesta perspetiva de negociação dos sentidos do texto que foi realizada a análise crítica desta obra narrativa, com o objetivo de identificar os processos utilizados para a construção dos sentidos que a obra encerra e os seus efeitos a nível da formação da subject position dos leitores. O conceito de subject position significa o tipo de atitude que o sujeito, neste caso o sujeito leitor, adota num determinado contexto: ou assume o papel de “social agent, active and creative” (Fairclough, 1989:39), uma atitude crítica, portanto, ou se alinha acriticamente com as convenções impostas por determinado discurso. Apesar de o processo de análise e interpretação dos dados recolhidos ter explicitamente mobilizado categorias específicas da área da linguística e da narratologia, revestiu-se também de um inegável carácter subjetivo, na medida em que se tratou de um processo de construção de uma interpretação, que o estudo assume como ‘tentativa’ e não definitiva. Como refere Fairclough (1989), quer a produção quer a interpretação do texto têm um caráter interpretativo. O que o autor aqui está a defender é que a produção de um texto constitui uma interpretação do mundo pelo seu autor, sendo as características formais desse texto marcas formais dessa interpretação. Estes traços linguísticos constituem as “pistas” para o intérprete do texto, o qual mobiliza as suas assunções e expectativas para, por sua vez, construir a sua interpretação do texto. Assim: “text interpretation is the interpretation of an interpretation” (Fairclough, 1989:80). Foi uma tal interpretação de segunda ordem da narrativa “Arroz do Céu” que levámos a efeito e aqui nos propomos a apresentar de forma breve, após uma introdução ao autor e ao texto analisado. O autor O autor José Rodrigues Miguéis, nascido em Lisboa, em 1901, e falecido em Nova Iorque, em 1980, relaciona-se com o desenvolvimento de uma temática importante, a emigração, “uma temática fecunda, que lhe permitirá desenvolver a análise de problemas sociais, numa perspetiva crítica despertada já na juventude e desenvolvida durante a vigência dos movimentos presencista e neorrealista” (Jesus, 2002:218). O contexto histórico-político de toda a obra deste autor, assim

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como a sua filiação aos ideais neorrealistas, assumem particular importância na leitura da dimensão social e política deste texto. O texto O interesse em analisar este texto narrativo prende-se essencialmente com o tema que é aqui tratado – a emigração -, um fenómeno atualmente marcante na maior parte das sociedades europeias e na portuguesa em particular. Além disso, trata-se de uma obra lida nas escolas portuguesas por alunos do ensino básico. Tal como noutros textos da sua autoria, José Rodrigues Miguéis procura em “Arroz do Céu” representar a situação de imigrantes não totalmente integrados na sociedade norte-americana (Jesus, 2002), realidade que parece assemelhar-se à realidade de muitos imigrantes em Portugal, assim como de emigrantes portugueses em várias partes do mundo. A personagem principal desta narrativa é um imigrante de um país de Leste que vive em Nova Iorque e trabalha como limpa-vias na zona subterrânea da cidade – o subway. A ação desenvolve-se essencialmente neste espaço obscuro e sujo, onde o pobre limpa-vias exerce a sua profissão, limpando a sujidade das vias subterrâneas do metro. Um dia, o limpa-vias encontrou uns grãos de arroz no chão e, após a repetição deste acontecimento, passou a juntá-los e a levá-los para casa para o alimentar a si e à sua numerosa família. Uma vez que este imigrante não conhecia o espaço exterior da cidade, o Uptwon, espaço que contrasta a vários níveis com o Subway, nem conhecia os rituais do uso do arroz nos casamentos que se realizavam na rua por cima do local onde trabalhava (que ele desconhecia), atribuiu o fenómeno à Providência divina. A narrativa termina, sugerindo que este equívoco resultou na sua conversão fervorosa à religião, sem nunca ter descoberto a verdadeira origem do arroz, facto que ele aceitou como natural, continuando pobre, mas grato pela “oferta” divina daquele alimento. A realidade social construída na narrativa “Arroz do Céu” A análise do discurso narrativo que realizámos permitiu-nos concluir que a representação social da narrativa é construída a partir de dois tipos de focalização – a focalização do narrador e a focalização da personagem principal. Por um lado, a focalização da personagem oferece uma perspetiva do imigrante pobre, enquanto indivíduo desprovido da capacidade de evoluir senão no sentido da resignação, destituído de qualquer caráter agentivo e de espírito de iniciativa, no sentido da melhoria da sua condição pessoal, profissional e familiar. O excerto que a seguir transcrevemos constitui um exemplo de um momento de discurso indireto livre que torna mais nítida a perspetiva da personagem: «Este emprego era muito melhor, embora também fosse subterrâneo.» A opção por determinadas orações subordinadas assume particular relevância na análise crítica do discurso (Fairclough, Página 323 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

1989). Neste exemplo, a oração principal («Este emprego era muito melhor») contém uma asserção, enquanto que a oração subordinada concessiva («embora também fosse subterrâneo») contém (contribuindo, assim, para naturalizar), uma assunção, a de que aos emigrantes pobres cabe a aceitação resignada do exercício das profissões menos desejáveis. Relativamente à opção por determinadas figuras de estilo, o uso de metáforas que associam uma realidade a aspetos negativos e indesejáveis tem implicações a nível da inscrição de assunções ideológicas no discurso (Fairclough, 1989). Por conseguinte,a representação metafórica do grupo social a que pertence o protagonista desta narrativa reforça a ideia da sua exclusão social: «Uma toupeira, um rato dos canos.»;«A vida dele vinha toda do chão imundo e viscoso.» Por outro lado, é através da focalização do narrador que o leitor conhece a sociedade de acolhimento do imigrante. Este ponto de vista emerge em alguns momentos diegéticos para tecer, cáustica e ironicamente, a representação de uma sociedade que falha no acolhimento e na escolarização dos mais desfavorecidos, obrigando-os, assim, à resignação. É igualmente através deste ponto de vista que é representada uma sociedade que não promove a inclusão de diferentes identidades, senão as que poderão servir os interesses do grupo dominante, dando a ideia de que os indivíduos são transformados de acordo com os interesses e conveniências de grupos maioritários, no que diz respeito, por exemplo, à atribuição das tarefas menos desejáveis. A própria evolução da personagem principal pode ser interpretada, de acordo com o ponto de vista desta focalização, como um sinal de poder do grupo social dominante, quando retira a alguns indivíduos a capacidade de empoderamento. Assim, a imagem do imigrante que aqui predomina é aquela que é simultaneamente assumida pela sociedade de acolhimento e pelo próprio imigrante que, completamente remetido à obscuridade pela própria sociedade, se resigna com a sua condição, despersonaliza-se, anula a sua própria voz para passar a ouvir a voz divina, legitimando deste modo o seu conformismo. O alvo de crítica do narrador é, porém, a sociedade de acolhimento, não sendo dirigida em qualquer momento a sua voz crítica à resignação e ao conformismo da própria personagem. A subtileza desta crítica encontra-se, por exemplo, no momento em que o narrador estabelece uma cumplicidade disruptiva com o leitor, conduzindo este através da sua visualização e consciência de como a sociedade de acolhimento perceciona um indivíduo de um grupo social minoritário: «Mas os respiradouros, se bem me compreendem, obliquavam como uma chaminé, e a grade, ela própria, ficava-lhe invisível do interior» (itálico nosso). Além daquele exemplo, o uso de uma estratégia de estranhamento do pré-texto «Pai nosso (que estáis no Céu)…», que é substituído pelo inter-texto «Arroz do Céu…», constitui uma forma de intertextualidade sob a forma de paródia ou “travesty” do pré-texto (Stephens, 1992:93) e, segundo este autor, esta estratégia assume frequentemente o seu propósito iconoclástico, ou seja, uma tentativa de subversão do que é percecionado como discurso dominante. No fundo, poder-se-á interpretar esta tentativa de subversão como uma forma de desafio, pelo autor, da autoridade da igreja católica, aspeto relevante, se for considerado o contexto historico-político da Página 324 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

produção desta obra. Por outras palavras, se considerarmos a interação entre o texto principal e os intertextos de carácter religioso, poderemos concluir que, a nível da significance da narrativa, é quase explícita uma ideologia anti-católica, com cariz de denúncia da hipocrisia daqueles que seguem «os ritos e as elegâncias» do catolicismo e, ao mesmo tempo, a ideologia da religião enquanto promotora de uma fé cega e da ignorância dos indivíduos. Outro aspeto significativo a assinalar no desfecho do conto é a sua forte carga irónica, a qual parece estar ao serviço, mais uma vez, da crítica à igreja católica e ao que ela representa na exaltação de “virtudes” morais que em nada servem a emancipação do ser humano – o culto da pobreza, da humildade e da resignação: «Resignou-se a ser o objeto da vontade misericordiosa do Senhor», acentuando o equívoco sem retorno do limpa-vias. O que é relevante aqui salientar é o facto de a crítica do narrador se inscrever neste texto de modo irónico e extremamente subtil, o que significa que esta perspetiva pode efetivamente não ser lida, se a estratégia de leitura não contemplar as várias perspetivas da narrativa, conforme aqui é proposto. O posicionamento do leitor na realidade social representada A imagem do imigrante e da sociedade de acolhimento que esta narrativa constrói é conseguida por vários artifícios, sendo o mais importante o constituído pelo ponto de vista, aliado a outros domínios de construção da narrativa – a relação entre os elementos da story, a intertextualidade e o desfecho, domínios esses construídos de uma forma bem vincada pela linguagem utilizada. A significance do discurso narrativo constrói-se precisamente nos momentos em que o narrador é cáustico com a sociedade, oferecendo-se, assim, esta narrativa a duas leituras. Deste modo, uma leitura que reconheça apenas o ponto de vista do limpa-vias será uma leitura conformadora de uma subject position do leitor que assume para si esse ponto de vista e o aceita. Este tipo de leitura traduzir-se-á na interiorização de assunções ideológicas promotoras da exclusão social e na reprodução de esterótipos sociais. Por outro lado, uma leitura que reconheça o ponto de vista crítico do narrador focalizador construirá um posicionamento diferente, o do leitor que assume esse mesmo ponto de vista crítico, desconstruindo, assim, um posicionamento conformista. Por outras palavras, a formação de uma subject position conforme o ponto de vista dominante da narrativa, neste caso o da personagem, sem o confronto com outros pontos de vista sobre a mesma realidade, traduz-se na interiorização, pelo leitor, de assunções ideológicas da sociedade de acolhimento e da própria personagem, consagrando esta narrativa como arma social ideológica de conformação e desvirtuando o seu papel potencial enquanto arma ideológica crítica, que esta narrativa também encerra em si através do ponto de vista do narrador. Por conseguinte, o posicionamento do leitor em relação à realidade social apresentada nesta narrativa é determinado pelo tipo de leitura que dela for feita. O tipo de leitura que mais Página 325 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

habitualmente for praticado fará, por isso, com que um tipo de subject position facilmente predomine sobre o outro. Considerações finais Os resultados que apresentamos da análise de “Arroz do Céu” revelam um quadro bastante complexo, visto tratar-se de um texto que não assume explicitamente a mensagem política que veicula nem a intenção crítica dirigida a uma sociedade particular. Pelo contrário, é de uma forma implícita, através de um modo particular de construção do discurso narrativo, na sua vertente linguística e narratológica, que são configuradas assunções ideológicas sociais e religiosas, potenciadoras ora de atitudes libertadoras e emancipatórias ora conformistas e resignadas, consoante o tipo de leitura que deste texto for feita, conforme procurámos demonstrar na nossa discussão. Por conseguinte, uma leitura deste texto que não conduza o leitor para o reconhecimento desta componente crítica é altamente restritiva e potenciadora de posicionamentos conformistas e reprodutores de estereótipos e preconceitos sociais porquanto apenas guiada pela focalização da personagem, que é a perspetiva dominante neste texto. Concluímos, portanto, que, apesar de oferecer efetivamente um forte potencial de desenvolvimento de práticas de literacia crítica, a narrativa “Arroz do Céu”, em particular, mostra como o desenvolvimento dessas práticas, que implicam o desenvolvimento de um leitor crítico, é ‘exigente’, dado implicar o conhecimento do leitor (ou, pelo menos, a sua condução por) das dimensões de análise usadas neste estudo. A discussão que aqui levamos a cabo pretendeu contribuir para o reconhecimento da literatura destinada à infância e à juventude como lugar de conformação de ideologias, logo, um espaço privilegiado de desenvolvimento de práticas de leitura crítica e, particularmente, de literacia crítica. Por conseguinte, a análise de outras obras literárias recomendadas pelo Programa de Português do ensino básico, segundo a metodologia de análise crítica do discurso narrativo ficcional desenvolvida por John Stephens, afigura-se-nos como da maior pertinência para um conhecimento mais sustentado dos textos que circulam na escola, fundamental na definição das práticas de leitura mais adequadas a esses mesmos textos e à formação de leitores críticos. Esta discussão levou-nos igualmente a uma consciencialização mais clara da tensão potencial entre o tipo de leitura crítica que é permitida pelas características deste texto literário do cânone escolar e as práticas de leitura configuradas nos dispositivos pedagógicos reguladores e regulados, como os documentos oficiais e os manuais escolares, os quais perspetivam a formação de leitores competentes, mas não de leitores críticos, segundo os conceitos apresentados e assumidos ao longo deste artigo. O que acabamos de referir leva-nos, por isso, a considerar a importância e a necessidade de um questionamento profundo das práticas escolarizadas de leitura e do tipo de projeto social e político para a formação de leitores atualmente assumido e praticado no nosso país. Este Página 326 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

aspeto assume particular relevância numa sociedade em que uma cada vez maior quantidade de informação circula de um modo a que todos os indivíduos facilmente acedem, expondo crianças e jovens a mensagens frequentemente ofensivas à dignidade humana. Acreditamos ser este um âmbito de investigação muito pertinente. Finalmente, este artigo aponta para a importância da importação de teorías sobre pensamento crítico na definição dos objetivos da educação e no desenho dos documentos que regulam as práticas pedagógicas, no sentido do cumprimento da principal missão das instituições educativas: a formação de individuos capazes de enfrentarem os desafíos da vida moderna, no exercício de uma cidadania ativa, criativa e responsável. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Campos, A. (2012). Contributos para o entendimento da aula de Português como espaço de promoção de uma literacia crítica. Uma leitura crítica de “Arroz do Céu”, de José Rodrigues Miguéis (dissertação de mestrado). Braga: Instituto de Educação da Universidade do Minho. Comissão Europeia (1996). Livro Branco: Ensinar e Aprender. Rumo à Sociedade Cognitiva. Luxemburgo: Serviço das Publicações Oficiais das Comunidades Europeias. Comissão Europeia (2004). Implementation of Education and Training 2010. Key Competences for Lifelong Learning. An European Reference Framework. http://ec.europa.eu/education/ policies/ 2010/doc/basicframe.pdf. Dijk, T. (1998). Ideological discourse analysis.  

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22.ENSINO DA HISTÓRIA E PENSAMENTO CRÍTICO CURRÍCULO, METAS CURRICULARES, MANUAIS E PRÁTICA PEDAGÓGICA NA DISCIPLINA DE HISTÓRIA DO 7.º ANO DO 3.º CICLO DO ENSINO BÁSICO: UM ESTUDO E UMA EXPERIÊNCIA Helena Romão Henriques | [email protected] Agrupamento de Escolas de Carregal do Sal

Resumo Na escola tradicional esperava-se que o professor fosse o controlador do clima de aprendizagem e transmitisse os conhecimentos ao aluno que os armazenava, sem preocupação de significado ou relevância, e deveria repeti-los da mesma maneira. Nesta conceção de conhecimento do passado, o aluno deveria ser passivo e os docentes desejariam que ele não se envolvesse em reflexões, análises ou argumentações ou que tivesse um desejo ansioso de compreensão dos processos. Nos últimos anos tem havido um esforço de alteração deste paradigma do ensino da História, por parte da Escola e da sociedade em geral, numa acomodação aos quatro pilares da educação da UNESCO (saber, saber-ser, saber-estar e saber-fazer) e ao conceito de competência introduzido em documentos-base como os Programas e Competências Essenciais (desde o final do século XX), em manuais, na formação de professores e, mais recentemente, nas metas de aprendizagem. O objetivo do ensino da História é, hoje, proporcionar aos alunos as ferramentas necessárias a um papel de questionamento ativo e de resolução de problemas. De facto, o ensino da história dispõe de metodologias e ferramentas fortemente adequadas ao desenvolvimento do Pensamento Crítico. Ensino da História e Pensamento Crítico são, assim, duas áreas interligadas que interagem obrigatoriamente, em sala de aula, servindo o ensino e a aprendizagem recíprocos e reforçando-se retroativamente. Contudo, o défice de Pensamento Crítico. A que se deverá? . Palavras-Chave: Pensamento Crítico, Pensamento Histórico, Competência, Taxonomia.

Abstract In traditional school, teachers should control the learning environment and the knowledge that was conveyed to the students, who should repeat it the same way, without any concern for meaning or relevance. In this traditional knowledge conception, students should be passive and teachers didn’t want them to engage themselves in reflections, analysis or arguments nor should they be very keen on understanding processes.

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Recently, both school and society have made an effort to change this paradigm of teaching in order to incorporate the four pillars of UNESCO education (learning to know, learning to be, learning to live together and learning to do) and the concept of skills contained (since the beginning of the 21st century) in key documents such as programs, main skills and student books and also introduced in teacher training and, more recently, in learning goals. Today, the aim of History teaching is to provide students the tools to active questioning and problem solving. In fact, History teaching has strong characteristics and suitable methods to develop critical thinking. History teaching and critical thinking are two related areas that must interact in the classroom to serve mutual learning and teaching and reinforcing each other. However the critical thinking deficit remains. What can be happening? Keywords: Critical thinking, Historical Thinking, Skill, Taxonomy.

INTRODUÇÃO Na sociedade portuguesa, a dificuldade de transposição das aprendizagens racionais e científicas, da escola para outras áreas da vida, e a perceção social de uma escola centrada não no desenvolvimento de capacidades mas na aquisição de um diploma final, como garantia de emprego ou vida estável, apresenta-se como um desfasamento da realidade configurando uma dificuldade de racionalização que poderá significar, a um tempo, causa e consequência de um défice de pensamento crítico. Como em qualquer outra disciplina, o ensino da História manteve, durante décadas, metodologias transmissivas que apelavam quase exclusivamente à memorização. Desde os anos noventa e inícios do século XXI tem havido um esforço de alteração deste paradigma por pressão da UNESCO, de alguns setores sociais e do Ministério da Educação. O conceito de competência seria introduzido em documentos-base como os Programas e Competências Essenciais (DGE, 2001) em manuais, na formação de professores e, mais recentemente, nas metas de aprendizagem. O objetivo do ensino da História é, hoje, proporcionar aos alunos as ferramentas necessárias a um papel de questionamento ativo e de resolução de problemas, ou seja, "dotar os alunos com ferramentas do pensamento crítico que lhes permitam compreender, inserir-se e agir na sociedade em que vivem" (Beltrán, 1999, p. 26) através da criação de um contexto educativo democrático, participativo, cooperativo, autónomo, responsável e diferenciado (González, 2003). A disciplina de História contribui, de forma inequívoca, para a criação desse contexto pelos seus conteúdos programáticos e pelo facto de o pensamento histórico ser, em si, um pensamento Página 330 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

crítico percorrendo diacronicamente o percurso escolar dos alunos. Neste trabalho pretende-se, em primeiro lugar, clarificar o conceito de pensamento crítico. De seguida, abordar-se-á a natureza do pensamento histórico e das metodologias específicas da historiografia. Numa terceira parte, através de um estudo qualitativo, predominantemente de análise documental, pesquisar-se-á a presença de objetivos de natureza crítica nos documentos e materiais organizadores do ensino da História, como sejam: o programa de História do 7.º Ano do Ensino Básico, o documento das Competências Específicas (revogado), o documento das Novas Metas de Aprendizagem da disciplina e um manual de História. Finalmente, passar-se-á à análise da atual prática pedagógica avaliando, através da experiência (observação e registo sistemáticos em sala de aula), as manifestações de pensamento crítico em alunos do 3.º Ciclo do Ensino Básico e, através da observação dos documentos pedagógico-didáticos produzidos pelos docentes, a presença de oportunidades, estratégias e técnicas conducentes ao desenvolvimento do pensamento crítico na aula de História. Por falta de tempo não houve um estudo empírico e quantitativo, de forma a aumentar o grau de objetividade e fiabilidade do nosso estudo, dado que não foi possível aplicar, por exemplo, o teste de Pensamento Crítico de Cottrell (Nível X) (Cottrell, 2005). 1- PENSAMENTO CRÍTICO Pelo menos desde os anos 90 filósofos e educadores vêm chamando a atenção para a necessidade e a importância de ensinar os alunos a pensar criticamente permitindo-lhes maior assertividade e respostas mais eficazes aos problemas reais da vida e do mundo atuais. As virtudes do desenvolvimento do pensamento crítico vêm dando origem a estudos, clubes, movimentos e propostas para a educação. No entanto não existe unanimidade na definição do conceito. De acordo com Ennis (1962) pensamento crítico será um “pensamento racional e reflexivo, centrado em decidir em que acreditar ou no que fazer”. Esta definição foi considerada por Hunter (2009) a melhor definição de pensamento crítico, ao conter os elementos-chave a ter em conta na abordagem deste conceito. Por sua vez, Scriven & Paul (1999) definem pensamento crítico como um processo intelectualmente disciplinado, ativo, consciente e competente de trabalhar a informação a diversos níveis (já definidos na hierarquia de Bloom) como orientação para a definição da ação. Paul, Elder, & Bartell (1997) associam pensamento crítico a pensamento criativo e Lipman (1998), o criador da “Filosofia para Crianças”, liga-o a raciocínios de critério e julgamento crítico. Segundo a definição de Lipman destaca a importância dos processos cognitivos e da metacognição no desenvolvimento do pensamento crítico. Já Zechmeister (1992) e Skovsmose (1994) advertiram Página 331 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

que, mais importante que a definição do conceito é fundamental identificar as características de um pensador crítico. Do ponto de vista da educação será importante identificá-las para que se possam produzir metodologias e treiná-las num contexto que ofereça oportunidades para o seu desenvolvimento, processo em que se terá de envolver a consciência do aprendente. Algumas dessas características, segundo P.A. Facione (1990), são a curiosidade, a confiança, a flexibilidade, a abertura e a honestidade. De acordo com o mesmo autor, o pensamento crítico é “o processo de julgamento intencional e auto-regulador. Este processo envolve raciocínio tendo em consideração evidência, contexto, conceptualização, método, e critério”. Nas diversas definições destacam-se alguns elementos que deverão estar presentes no pensamento crítico como sejam a racionalidade, a intencionalidade, a ação, a motivação, a competência e a transversalidade mas também a humildade e a coragem intelectuais, a autonomia, a disciplina, a perseverança, a reflexividade e a transferência, elementos que lhe conferem um caráter multifacetado que será, de acordo com Paul, Elder & Bartell (1997), de tipo intelectual (lógico e racional), psicológico (consciente de si e do outro), sociológico (imbricado num contexto socio-histórico e cultural), ético (regulado/regulador e avaliador), e filosófico (problematizador e atribuidor de significados). Refira-se ainda que numa conceção construtivista do desenvolvimento do pensamento crítico poder-se-á aceitar, com facilidade, a ideia de que é passível de ser ensinado, aprendido, treinado e desenvolvido. Linda Elder e Richard Paul (1996, p. 34) apresentaram uma teoria dos estádios para o desenvolvimento do pensamento crítico num relativo paralelismo com o desenvolvimento intelectual.

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Esquema 1- Adaptado de Elder & Richard, Critical thinking: A stage theory of critical thinking: Part I, 1996, p.34

Enfim, o pensamento crítico é cada vez mais considerado condição de empregabilidade e de sucesso no mundo do trabalho (Hunter, 2009) e, embora a formação básica dos alunos não deva centrar-se no exclusivo desenvolvimento destas competências, devendo abarcar os quatro pilares fundamentais da educação tal como foram definidos pela UNESCO (Delors, 1999), esta área não deixará de ser decisiva na promoção da consciência de si ou mesmo do “Sentimento de si” (Damásio, 2000). 2- PENSAMENTO HISTÓRICO A primeira tentativa de definir história, pensamento histórico ou o que poderá entender-se por pensar historicamente é antiga e remonta à Grécia Clássica. Na origem etimológica do vocábulo História estão o grego antigo (historiè) e a sua ancestral raiz indo-europeia wid (o saber) sendo o Histôr aquele que sabe. Para Heródoto, o Pai da História, não há História sem inteligência. O pensamento histórico poderá, pois, ser definido “como uma série de competências intelectuais,

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adotadas do trabalho do historiador, através das quais o aluno poderá construir, como este último, os seus saberes históricos de maneira autónoma e não somente consumir relatos históricos já construídos e oferecidos pelo professor (mesmo que) de grande qualidade” (Tutiaux-Guillon, 2007). Segundo esta conceção, o aluno usa, como qualquer historiador, o(s) método(s) historiográfico(s) e acede a um conhecimento tendencialmente original e autónomo por si produzido. O aluno é um aprendiz de historiador que vai manusear (com determinados objetivos) ferramentas como o tempo histórico, a espacialidade, o método crítico (para o qual contribuíram entre outras correntes filosóficas o Iluminismo, o Marxismo, Positivismo, a Escola dos Annales de Mark Bloch e a História Nova de Fernand Barudel), a objetividade, a terminologia específica, a intertextualidade, a cronologia, a contextualização e a narrativa histórica. Não cabe num trabalho desta dimensão elencar as muitas definições de história que Raymond Aron, Henri Berr, H.-I. Marrou, Paul Veyne foram apresentando ao longo das últimas décadas. Segundo Pierre Salmon “a história é uma reconstrução crítica do passado vivido pelos homens em sociedade” (Salmon, 1979, p. 20) e, na sua construção, “o historiador substitui uma representação vivida por uma representação crítica” (Ibidem, p. 56). O mesmo autor clarifica a noção de documento histórico e o trabalho de heurística o qual mobiliza uma extensa lista de disciplinas auxiliares da História e suas metodologias (daí que seja tão eficaz na transferência ou transposição de conhecimentos) e continua destacando o trabalho quase detectivesco e reconstrutivo dos arqueólogos. Seguidamente, carateriza o método crítico nas suas etapas: crítica externa ou de autenticidade (proveniência e reconstituição), crítica interna ou de credibilidade (interpretação, competência, veracidade, rigor e verificação dos testemunhos). Finalmente, clarifica o trabalho de síntese histórica (agrupamento, interpretação, explicação, e exposição dos factos) debatendo ainda a utilidade da História que apelida de “ciência auxiliar do pensamento” com um enorme potencial de promoção das massas reduzindo o fosso entre estas e as elites. Segundo Joseph Hours (1979), “o melhor serviço que nós poderíamos esperar hoje do estudo da história é, sem dúvida, aprender com ela a conhecer melhor o homem”. Não parece restar dúvida de que o pensamento histórico comporta uma forte componente de pensamento crítico, de pensamento criativo (pelo apelo à imaginação histórica) e, obviamente, de memória e consciência históricas. Como adiante veremos, o pensamento crítico está presente nos documentos oficiais, nos manuais de História, nos textos didáticos e na formação dos professores de História (quer nas cadeiras científicas, quer na(s) de didática específica). Página 334 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

De que forma está presente nas práticas pedagógicas dos docentes e na aprendizagem dos discentes são questões a que tentaremos responder.

Esquema 2 – O pensamento histórico, adaptado de (Fernández, 2010)

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3- O PENSAMENTO CRÍTICO NOS DOCUMENTOS QUE ORIENTAM E ORGANIZAM AS APRENDIZAGENS DA DISCIPLINA DE HISTÓRIA 3.1- Programa de História do 7.º Ano do Ensino Básico 3.1.1- Finalidades e Orientações Metodológicas Tendo como pano de fundo a Constituição da República de 1976 (Sousa & Melo, 1999), a Lei de Bases do Sistema Educativo (Lei nº 46/86 de 14 de outubro), (1986) e a reforma curricular do ensino básico e secundário introduzida no ano letivo de 1989/90 (Decreto-Lei nº 286/89, de 29 de agosto), o Programa de História do 7.º Ano, que foi introduzido no início dos anos 90 (DGEBS, 1991), tinha como objetivo proporcionar conhecimentos a alunos do 3.º ciclo do Ensino Básico regular e unificado que viessem a cumprir a escolaridade obrigatória de nove anos ou a prosseguir estudos para o Ensino Secundário e Universitário. Este programa obedece a uma ambição de articulação vertical e horizontal e a um desenho de matriz sequencial e cronológica com uma cobertura temática abrangente para a qual contribuem, com um peso significativo, a História de Portugal e a História Europeia face aos conteúdos do resto do Mundo. Subjacente à elaboração deste programa existe uma conceção de desenvolvimento cognitivo que evolui do concreto ao abstrato considerando-se que o último, ao nível do 7º ano, se encontra no início da sua formação. “Em articulação com as finalidades e objetivos selecionados, optou-se por uma linha metodológica que pretende estimular a construção da autonomia do aluno, através de estratégias diversificadas que favoreçam um harmonioso desenvolvimento pessoal e social” (DGEBS, 1991, p. 124). As Finalidades referidas são as que passamos a transcrever: • “Proporcionar o alargamento do horizonte cultural e a compreensão do mundo contemporâneo e da realidade portuguesa, através do desenvolvimento de noções operatórias e da aquisição de conhecimentos sobre a estrutura e evolução das sociedades. • Contribuir para a compreensão da pluralidade de modos de vida, sensibilidades e valores em diferentes tempos e espaços. • Proporcionar o conhecimento e utilização adequada de processos de recolha e tratamento da informação, tendo em vista a abordagem da realidade social numa perspetiva crítica. • Promover a autonomia pessoal através do desenvolvimento das capacidades de análise e síntese, de raciocínio fundamentado e de escolha baseada em critérios éticos e estéticos. • Promover a formação da consciência cívica numa perspetiva que corresponda ao desenvolvimento de atitudes de tolerância e de respeito pelos valores democráticos e se

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traduza numa intervenção responsável na vida coletiva.” (Idem, p. 125). Nestas finalidades é patente uma preocupação desenvolvimentista e construtivista orientada para o pensamento crítico, ativo e criativo. Na mesma linha regista-se que as “opções metodológicas gerais conduzem a que se considere particularmente necessário: • partir da análise dos factos concretos insertos nas fontes documentais para desenvolver gradualmente o domínio de conceitos e de generalizações: • colocar o aluno perante situações-problema que contribuam não apenas para estimular o espírito de pesquisa mas também para a afirmação do sentido crítico e da capacidade de decisão; • recorrer ao trabalho em equipa como meio de promover a autonomia pessoal e a socialização; • utilizar a maior variedade possível de recursos didáticos, incluindo os que são oferecidos pelas novas tecnologias; • privilegiar o meio (paisagem, comunidade social, património cultural) como recurso didático, em ordem a contribuir para a compreensão da realidade local e regional. As orientações enunciadas inscrevem-se numa conceção construtivista do processo de ensinoaprendizagem, enfatizando o papel do aluno na estruturação de aprendizagens significativas. Privilegiam-se, consequentemente, estratégias de indagação, problematização e debate crítico organizadas em tomo de atividades, abertas ou mais ou menos precisas, que os alunos levarão a cabo sob orientação do professor” (Idem, pp. 141 e 142).

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3.1.2- Distribuição e peso relativo dos conteúdos no Programa de História do 7.º Ano Tabela 1-Distribuição dos conteúdos do Programa de História do 7.º Ano por tema/assunto (Afonso, 2004)

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Como se pode ver, a distribuição dos conteúdos por áreas da ação humana não parece impeditiva do desenvolvimento do pensamento crítico já que eles se encontram distribuídos com grande equilíbrio e todos servem o propósito de um tratamento crítico se assim se desejar. 3.1.3- Análise dos verbos nos objetivos do Programa de História do 7.º Ano Para uma análise de frequência dos verbos e descritores, presentes nos objetivos gerais do Programa de História do 3.º Ciclo Ensino Básico (DGEBS, 1991, pp. 121-129) realizou-se a contagem do número de ocorrências.

Gráfico 1 – Verbos/descritores nos Objetivos Gerais-Programa de História do 3.º Ciclo

No Programa de História do 3.º Ciclo do Ensino Básico, a distribuição dos objetivos gerais é feita por domínios (Atitudes e Valores, Aptidões e Capacidades e Conhecimentos) e os verbos indicam ações concretas e observáveis, logo mensuráveis e avaliáveis. Verificou-se que, no total, os objetivos são poucos (41), de redação curta ou pouco extensa, e envolvem competências que podemos considerar promotoras do pensamento crítico e criativo. Desde logo registam-se os vocábulos “crítico”, “discussão” (vocábulos incluídos apesar de não se tratar de verbos porque a sua presença reflete uma intenção crítica), “interpretar” e “compreender” havendo, além disso, uma formulação, em todos os domínios e subdomínios, claramente orientada para que se deva ajuizar do seu grau de desenvolvimento no aluno. Também, neste caso, a distribuição dos objetivos gerais e a sua formulação enquanto descritores do comportamento não parecem impeditivas do desenvolvimento do pensamento crítico.

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3.2- Competências Essenciais Específicas de História do 7.º Ano do Ensino Básico O documento das Competências Essenciais e Específicas da disciplina de História (revogado pelo despacho n.º 17169/2011 de 23 de dezembro) pretendeu, mais uma vez, acentuar a intenção de uma operacionalização vertical e horizontal. Alguns conceitos tornavam-se ferramentas do ensino da História e, como se diz na Introdução do documento, “o pensamento histórico envolve não só a compreensão de "conceitos substantivos" (…), como também a compreensão implícita de conceitos referentes à natureza do saber histórico (ex: fonte, interpretação, explicação, narrativa). As metodologias que os alunos experienciam veiculam uma determinada leitura destes conceitos: se a simples memorização da informação apresenta a História como um relato fixo do passado, propondo uma postura passiva perante o saber, a construção de inferências a partir de fontes diversas indicia uma visão da História apta a fornecer ferramentas intelectuais indispensáveis à interpretação e explicação da realidade, que é dinâmica” (DGE, 2001). As competências específicas foram definidas a partir de três grandes núcleos que estruturam o saber histórico e que eram, nesse documento, o Tratamento de Informação/Utilização de Fontes, a Compreensão Histórica (temporalidade, espacialidade e contextualização), e a Comunicação em História. No mesmo documento (Idem, p. 90) considera-se que o perfil do aluno competente em História, no final do 3.º Ciclo deve: • Utilizar as noções de evolução, de multicausalidade, de multiplicidade temporal e de relatividade cultural no relacionamento da História de Portugal com a História europeia e mundial; • Aplicar procedimentos básicos da metodologia específica da História, nomeadamente a pesquisa e interpretação de fontes diversificadas, utilizando técnicas diversas de comunicação; • Integrar e valorizar elementos do património histórico português no quadro do património histórico mundial; • Manifestar respeito por outros povos e culturas. Muito do que fica dito encontra-se espelhado nas finalidades das tarefas de contextualização quando se solicita ao aluno: •

“Distingue, numa dada realidade, os aspetos de ordem demográfica, económica, social, política e cultural e estabelece conexões e inter-relações entre eles;



Interpreta o papel dos indivíduos e dos grupos na dinâmica social;



Reconhece a simultaneidade de diferentes valores e culturas e o caráter relativo dos valores culturais em diferentes espaços e tempos históricos;

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Relaciona a história nacional com a história europeia e mundial, abordando a especificidade do caso português;



Aplica os princípios básicos da metodologia específica da história”.

Enfim, no desenho deste documento não parece encontrar-se de forma explícita e intencional a pedagogia do pensamento crítico, mas as ações previstas não constituem impedimento e poderão proporcionar um trabalho de criação de oportunidades para o seu desenvolvimento nos alunos. 3.3- Metas Curriculares de História do 7.º Ano do Ensino Básico Para uma análise de frequência dos verbos e descritores, presentes nas Novas Metas Curriculares de História do 3.º Ciclo Ensino Básico (DGE, 2013), realizou-se a contagem do número de ocorrências.

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Tabela 3 - Verbos e descritores das Novas Metas Curriculares de História do 7.º Ano Verbo(s)/descritor(es) da Nº de ocorrências Observações/Exemplo meta a atingir Objetivos gerais

40

Descritores

191

Total

231

Apontar

7

Apresentar Assinalar

4 1

Caracterizar

16

Comparar

6

Compreender

28

Conhecer

35

Contextualizar

2

Descrever

15

Destacar

4

Elencar Enumerar

1 3

Explicar

8

Explicitar

1

Identificar

22

Justificar

3

Localizar

8

Reconhecer

20

Relacionar

28

Salientar

14

Associado a um critério (razões, características) em geral diferenças …o processo de fortalecimento do poder régio, sublinhando, contudo, a sua lentidão e as resistências dos senhores. Como avaliar uma meta deste tipo?

não refere se por semelhança ou dissemelhança essencialmente em objetivos gerais essencialmente em objetivos gerais

Características

Algumas destas são complexas não apelando apenas ao conhecimento

em metas específicas chegando a aparecer três vezes seguidas aparece saber relacionar ex. Relaciona o crescimento demográfico com os progressos na agricultura

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Gráfico 2 – Verbos/descritores das Novas Metas Curriculares de História do 7.º Ano

Relativamente às Novas Metas Curriculares de História do 7.º Ano (2013) parece ter havido algum retrocesso relativamente a um seu contributo para a promoção do pensamento crítico. Trata-se de um documento complexo estruturado em hierarquia: domínio; subdomínio, objetivo geral; descritor. O número de descritores, só para o 7.º ano é de 231 e a sua formulação é complexa para o nível etário e cultura dos alunos. Desde logo, o vocábulo “crítico” nunca aparece, o mesmo acontecendo com “discussão”, enquanto “debate” aparece uma vez mas não se refere à atividade dos alunos e antes ao debate social. Verbos de maior exigência cognitiva como “explicitar”, “justificar”, “explicar” aparecem poucas vezes enquanto aparecem inúmeras vezes verbos que apelam apenas à memorização, como “identificar”, sendo que às vezes, pela formulação do descritor, exigirá outras operações do raciocínio que não apenas identificar. Alguns verbos surgem acompanhados de formulações ambíguas. Por exemplo, “assinalar” significa colocar um sinal, marcar (seria um verbo adequado a uma tarefa sobre uma imagem, um Página 343 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

mapa ou um gráfico – algo com pendor visual e estático). No entanto é usado para um processo (algo que, por natureza se estende no tempo). Diga-se que a haver um significado do tipo notar, salientar, destacar, ele seria talvez uma influência inglesa (de note). Verbos e descritores deveriam, sempre, ser formulados tendo em consideração a ausência de ambiguidades de interpretação, pelo menos para os dois mais diretos intervenientes na avaliação e a possibilidade de a ação ser observável e mensurável. Acontece, ainda, num mesmo descritor pedir-se ao aluno para sublinhar a lentidão do processo e somos tentados a vê-lo colocar um risco grosso, fluorescente e vagaroso por debaixo do processo em análise. Sabe-se que a linguagem comum usa muitos sentidos figurados, mas a escola e a ciência deveriam eliminá-los a bem da objetividade na comunicação e do rigor do pensamento. A metáfora e a simples divagação desordenada não conduzirão ao desenvolvimento do pensamento crítico. Em conclusão, estes verbos, acompanhando o peso do número de ocorrências, revelam maior preocupação pelo conhecimento (entendido como simples memorização) e não vão muito além da compreensão, pelo que não parecem indiciar especial preocupação pela promoção do pensamento crítico. 4- UM MANUAL DE HISTÓRIA DO 7.º ANO DO ENSINO BÁSICO Relativamente aos manuais decidiu-se analisar, um capítulo do Programa de História do 7.º Ano (B1), num manual selecionado aleatoriamente (Barreira & Moreira, 2012), o tipo de desafios colocados aos alunos sob a forma de questões ou atividades (Idem, pp. 62-93) a fim de se poder ajuizar do seu potencial para a criação de oportunidades de desenvolvimento do pensamento crítico. Para tal adaptou-se uma tabela (Birzea, 1986, pp. 44-47) que operacionaliza a taxonomia de Bloom e tentou-se, através de uma nova coluna, associar cada item do livro a um nível desta taxonomia, com a certeza da dificuldade e de que um mesmo verbo pode apelar a níveis diferentes do desempenho cognitivo. De seguida produziu-se a sua representação em gráfico de barras.

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Gráfico 3- Distribuição percentual de itens/nível cognitivo num manual do 7.º Ano no Subtema B1 (operacionalização da taxonomia de Bloom e associação de itens

Distribuídos os itens e calculado o seu peso relativo, em percentagem, verificou-se que correspondia, em sentido ascendente, ao que se poderia esperar, de acordo com o que é recomendado pela ciência da avaliação e que se caracteriza por uma gradual complexificação da tarefa com maior peso dos níveis inferiores da taxonomia. Assim sendo, importava verificar a forma como se encontram formuladas as questões. Após uma análise cuidada, verificou-se que, em geral: • as questões privilegiam o pensamento convergente em detrimento do pensamento divergente (ex. pergunta-se: o que pensa o autor; poderia perguntar-se: o que não pensa o autor?); • raramente ou nunca se pede a colocação de hipóteses para resolução de um problema; • raramente ou nunca se pede para encarnar o papel do político e criar uma solução para um problema; • pede-se poucas vezes para justificar e pouquíssimas a opinião do aluno; • pergunta-se de forma ambígua “Qual é a importância da cerâmica grega?” ao que o autor responde ser fonte histórica (eu teria respondido com a importância económica ou artística) – de facto a questão não refere se essa importância o é para os gregos ou para nós. Também é preferível solicitar primeiro uma avaliação (Avalia a importância, apelando a uma escala,) e só depois a justificação; • nunca é solicitada síntese. Passou-se, em seguida à análise dos verbos usados nos itens do teste final de verificação de

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conhecimentos “Prova o que sabes” que se encontra no mesmo manual e no final do tema B1 (Barreira & Moreira, 2012, pp. 82, 83). Tabela 5 - Verbos num teste do manual de História do 7.º Ano em análise

Verbos Define Distingue Refere Descreve Que…/ A que… Indica Identifica Explica

Nº 3 3 2 2 2 1 1 1

Gráfico 4 - Verbos num teste do manual de História do 7.º Ano em análise

Sublinha-se, como dito anteriormente, que o verbo não identifica, só por si, o nível taxonómico do item mas, neste caso, verbo e questão não apelam a um nível taxonómico que vá muito além da análise. Compreendemos que tratando-se de alunos com um nível etário de 11 ou 12 anos o seu pensamento crítico esteja em construção, mas ao terem entrado já (nem todos) na fase das operações formais supõe-se que serão capazes de pensar de forma abstrata produzindo raciocínios lógicos e dedutivos. Os adolescentes, neste estádio, poderão colocar e testar hipóteses e suposições, procurar respostas, lidar de forma flexível com problemas e tirar conclusões sobre factos mesmo aqueles que, como os factos históricos, não experienciaram pessoalmente. Verifica-se que este manual permite o desenvolvimento de situações de aprendizagem que Página 346 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

integram atividade crítica dado que nas questões há sempre elementos críticos e, só por si, a disciplina de História lida com dados qualitativos e dados quantitativos apresentados em formatos diversos e passíveis de tratamento em todos os níveis taxonómicos. No entanto, perceciona-se que há uma espécie de tradicional submissão passiva à informação dos autores dos manuais e dos autores transcritos sabendo-se que é necessário, ao pensamento crítico, o desenvolvimento da dúvida, da reflexividade, da autonomia, da flexibilidade e da capacidade de argumentação, entre outros. Por esse motivo, alguns autores sugerem: • o uso do condicional (o que poderia acontecer se…; o que farias se…; • o uso de questões que se refiram aos resultados (compensaram? qual a relação custo/ benefício? • que se pense sempre sob a forma de pergunta o que significará manter um espírito de dúvida racional; • que se peça ao aluno argumentos com que defenda uma tese; • que se peça ao aluno evidências sobre… • que, nas raras questões de avaliação (durante muito tempo afastadas pelo preconceito do julgamento da História), se peça opinião e justificação… o correto ou incorreto? ... o eficaz ou ineficaz? ... o relevante ou irrelevante? o lógico ou ilógico? ... o aplicável ou não a esta situação...? o ético ou antiético? ... o vantajoso ou desvantajoso...? • que se debatam os prós e os contras de ... o concordar ou discordar ... • que se tente convencer os outros de… Assim, métodos dialógicos e de discussão, com base em questões (muitas delas deverão ser elaboradas pelos alunos), orientados para pôr em causa ideias tácitas e desmontar crenças do senso-comum e lugares-comuns da História serão muito importantes para o desenvolvimento do pensamento crítico dos alunos e do gosto pela disciplina. Página 347 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

Alguns estudos têm vindo a provar que os alunos europeus dos Ensinos Básico e Secundário chegam à escola com a crença enraizada de que a disciplina de História configura um conhecimento estático, repetitivo que contém exclusivamente um alinhamento de factos para memorizar (Coll, Palacios, & Marchesi, 2001), sem grande interesse para a sua vida futura. É, portanto, necessário desmontar estas crenças e colocar os alunos perante situações-problema promovendo a dissonância cognitiva e a mudança conceptual (Fisher, 2008). 5- DA EXPERIÊNCIA PEDAGÓGICA O quotidiano da docência da disciplina de História mostra que há muito trabalho a fazer em matéria de promoção do pensamento crítico. A ideia de uma pesquisa nesta matéria tem sido recorrente mas a falta de suporte teórico e de um objetivo científico concreto têm-no impedido. Assim, as ideias que ora veiculamos não resultam de qualquer estudo estatístico (como referimos na introdução não foi aplicado, por exemplo, o teste de Pensamento Crítico de Cottrell), (2005), mas tão-somente da experiência e da observação. Depois de alguns anos confrontada com a observação e registo sistemáticos através de grelhas verifiquei que houvera uma evolução nessas grelhas passando da observação e registo de conhecimentos para a observação de processos e resultados. Avançámos então para um outro nível tentando produzir grelhas que permitissem a observação e o registo não só dos indicadores que caraterizam o pensamento crítico do ponto de vista das capacidades cognitivas mas também dos indicadores que caraterizam as dimensões atitudinais consideradas essenciais: motivação; participação; envolvimento, persistência e empenho na concretização das atividades e ainda um certo auto-reforço positivo pela satisfação obtida na realização das mesmas. Refira-se que a sensibilidade dos docentes a estas atitudes já é notória e que, regra geral, são introduzidas nos dispositivos de avaliação concebidos nas escolas e grupos disciplinares seguindo-se-lhe a sua observação em grelhas concebidas para o efeito. O que já não é líquido é que este registo sirva de forma objetiva para a avaliação da performance do aluno, ou sendo-o, que tenha um peso relevante nessa avaliação. Regra geral há um conjunto de atitudes e comportamentos deste tipo que poderá pesar cerca de 5% na avaliação dos alunos. Se levássemos testássemos com rigor, a qualidade do raciocínio crítico e as atitudes e comportamentos a ele associados, acredito que chegaríamos à conclusão de que há um enorme défice a superar. Do ponto de vista cognitivo são frequentes os exemplos de falta de lógica de uma asserção que podem ser confirmados pelas afirmações, em alunos do 7.º Ano, de que “a agricultura se Página 348 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

desenvolveu nas cidades”; de que “o papiro servia para escrever cartas” ou ainda que “depois de o morto morrer…” na descrição de uma mumificação (Egito Antigo). Também se verifica enorme dificuldade na produção de inferências ou generalizações, na construção de argumentos ou na dedução de consequências da aplicação de uma nova energia, por exemplo, à moagem na Idade Média. Quando instados a emitir opinião sobre o que pensam ou sentem relativamente à exclusão das mulheres dos direitos, os alunos, além de não distinguirem pensamento e sentimento, raramente vão além de um: “Acho mal porque as mulheres têm os mesmos direitos...” revelando uma inultrapassável falta de vocabulário para se exprimirem com precisão. Alunos de 8.º ano, após aprenderem ser o princípio da separação de poderes uma proposta dos Iluministas, revelaram dificuldade em o reconhecer quando analisada essa parte num texto constitucional. Diz-nos a experiência que uma metodologia interessante já adotada por numerosos manuais e divulgada por formadores, em situações de formação contínua, consiste em iniciar um tema com uma ou duas situações-problema, seguindo-se-lhe a clarificação de alguns conceitos, a localização espácio-temporal e o levantamento de ideias tácitas sobre o tema introduzindo a dúvida e a reflexividade. É ainda habitual conduzir os alunos a colocar hipóteses iniciais que depois deverão confrontar com a informação das fontes históricas e historiográficas; a identificar tipos de fontes; a fazer a leitura da informação; a analisar essa informação interpretando-a (elaborando juízos críticos e estabelecendo relações) e delas extraindo consequências e conclusões ou a produzir inferências e generalizações. Também é frequente solicitar-se aos alunos que analisem as decisões dos personagens históricos e que se distanciem dos valores e cultura da sua época permitindo-lhes o recuo e a empatia histórica ou solicitar-lhes hipóteses de decisões alternativas permitindo-lhes avaliar as diferentes consequências decorrentes de cada decisão. Uma experiência interessante é a promoção de debates do tipo “Prós e Contras” em relação a um tópico, valor ou decisão mas já é raro o hábito de comparar pontos de vista ou decisões. Uma das mais complexas e profícuas situações de promoção do pensamento crítico que experienciámos foi a aplicação do método dos seis chapéus, criado por Edward de Bono nos anos oitenta (Bono, 1985), a uma decisão política (neste caso, partir ou não para a expansão quinhentista portuguesa), tendo os alunos, em grupo, criado argumentos em defesa da sua visão (racional, criativa, emocional…) do projeto justificando-a depois perante o grupo-turma. Mas já não é tão habitual exigir-se evidência ou solicitar a hierarquização de causas por relevância,

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por exemplo. Relativamente ao trabalho de síntese concluímos que os alunos se motivam com facilidade ante a produção de textos de ficção histórica mas que essa energia se reduz substancialmente quando se apela à síntese demonstrativa ou argumentativa e a um discurso racional, rigoroso e objetivo. Habitualmente há nos alunos uma grande resistência/desistência em relação a todas as operações do raciocínio crítico precisamente pela atenção e disciplina que exigem da parte dos intervenientes (docentes e alunos) dado que a simples memorização parece permitir distrações, uma atenção em flashes e que os alunos estudem apenas para os testes. Há que considerar que, não raras vezes, os próprios docentes parecem entender o raciocínio crítico como simples divagação criativa, aleatória, sem plano, disciplina e sem treino de rigor e de lógica como se fosse suficiente um brainstorming sem um sentido determinado. É fácil percecionar a falta de atualização concetual e científica nesta matéria (“ninguém” ouviu falar taxonomia revista de Bloom e essa reformulação data já da década passada (Andreson & Krathwohl, 2001), de Ennis ou de Cotrell. Não se deve subestimar o papel das emoções e afetos na mente, nas relações em geral e na relação pedagógica em particular, com especial relevância para a relação do aluno com a sua própria aprendizagem, mas raciocínios de qualidade comportam um contexto de atenção e serenidade, de disciplina, de disponibilidade emocional além da capacidade volitiva necessária para “orientar” as emoções com toda a energia para o raciocínio, num forte desejo de resolver o problema que se enfrenta. Cada problema emocional trará uma distração, um obstáculo ou enviesamento ao raciocínio, logo outro problema, o que exige a capacidade de controlar e deter o comando (quase no sentido de remote control) da dimensão afetiva da mente para que se detenha também o comando das capacidades e ferramentas intelectuais a usar num dado momento. Neste aspeto, certamente que educação emocional, formação ética e valores elevados serão fundamentais para “gerir” especialmente emoções negativas clarificando a capacidade de julgamento e a conduta. O caldo cultural latino, ainda eivado de dogmatismo religioso, não propicia um contexto favorável a um desenvolvimento crítico saudável, colocando-o constantemente em causa com “verdades”, dogmas, crenças e preconceitos de toda a ordem. A dúvida parece colocar-se ao contrário. A razão é usada para duvidar da razão e para a descredibilizar. Também em contexto familiar e até escolar, a comunicação é muitas vezes ambígua, metafórica, emocional e manipulativa tendendo a descredibilizar, desvalorizar e não validar as evidências dos raciocínios lógicos das crianças pelo que a tendência será que paulatinamente acreditem na sua ineficácia e optem por outras soluções. Página 350 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

É possível identificar em alguns docentes um razoável grau de desconfiança em relação ao raciocínio crítico, associado a simples maledicência, ou a uma comparação depreciativa face aos valores da religião e dos afetos tidos como mais virtuosos. A essa crença infundada é possível contrapor a independência das virtudes intelectuais: coragem intelectual, empatia intelectual, integridade, perseverança, justiça e humildade intelectuais, entre outras, e a sua ligação ao desenvolvimento ético (como se prova pelo modelo construtivista de kohlberg). Mesmo em alunos com hábitos de trabalho intelectual verifica-se pouca predisposição para a planificação e o rigor e grande irregularidade na aplicação da crítica acrescidos de um caráter descontinuado e não sustentado, o que permite a sobreposição de emoções como aborrecimento, tristeza, frustração ou mesmo entusiasmo e alegria, sentimentos produzidos por um pensamento egocêntrico e autocentrado. Mas não nos esqueçamos há uma dimensão cognitiva por detrás dos sentimentos e da vontade de dar ao outro. Oscila-se entre um polo altruísta e um egoísta que carece de educação. O pensamento crítico exige elevados níveis de empenho, esforço e qualidade (Elder, Gorzycki, & Paul , Student Guide to Historical Thinking, 2011, p. 5), quase como se lhe aplicássemos o conceito de controlo de qualidade e entre eles contam-se a clareza, o rigor e a precisão, a relevância, a profundidade e a amplitude de visão. Estes critérios têm vindo a ser aplicados a alunos do Exame Nacional de História do Ensino Secundário. Faltará apenas uma iniciação precoce que se entenda como estruturante e nessa educação dever-se-á incluir uma metodologia, de tipo cartesiano, na qual se coloque: 1. em primeiro lugar, a dúvida (sistemática); 2. em segundo lugar, a procura de informação sobre o tópico; 3. em terceiro lugar, a colocação de hipóteses alternativas; 4. em quarto lugar, a seleção da melhor alternativa. Repara-se que os conteúdos são aceites sem questionamento crítico. Também é raro haver procura de informação rigorosa, científica, racional e de evidências factuais. Há um enorme grau de passividade e aceitação acrítica de toda a informação e, mesmo os adultos têm dificuldade em distinguir falácias, opinião e facto, entre outros. Há um défice de procura de informação de fontes neutras ou independentes. Refira-se que o acesso à Internet não melhorou esta situação, até porque é necessário o domínio de línguas estrangeiras para se aceder a informação credível e se realizar esse exercício comparativo. Este grau de evolução acaba por produzir uma sociedade que caracterizaríamos por elevados Página 351 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

níveis de irracionalidade e de imaturidade intelectual a qual se traduz por imaturidade ética já que o seu uso também decorre do raciocínio crítico. 6- CONCLUSÕES Como conclusão refira-se que nenhuma das variáveis analisadas revela características impeditivas da criação de situações compatíveis com o desenvolvimento do pensamento crítico. Como interpretar o défice de pensamento crítico presente na educação e na sociedade? É certo que os métodos educativos incluem algumas das ferramentas do pensamento crítico e que o desenvolvimento da atividade educativa comporta componentes críticas. Contudo, a observação, decorrente da experiência, e o estudo ora elaborado permitiram identificar elementos muito específicos do pensamento crítico que não são treinados de forma consciente, operativa ou instrumental não havendo, claramente, plano, método, objetivos ou propósito. Algumas vezes estar na escola e na aprendizagem é visto com entretenimento do qual se pode gostar ou não gostar encontrando-se o binómio treino/desenvolvimento consciente apenas em alguns. Na relação pedagógica existem intervenientes e neles interfere a sua cultura (valores, crenças e atitudes), o currículo oculto, as personalidades e mesmo os sentimentos e emoções. A Escola parece fornecer alguns conhecimentos que, além de serem esquecidos, não servirão a resolução de problemas nem a tomada de decisões sendo aí substituídos por métodos do senso-comum, pela intuição ou por tentativas-erro. O défice de consciência crítica é, provavelmente, a causa do problema inicial que colocámos, ou seja, da dificuldade na transposição das aprendizagens racionais e científicas, da escola para outras áreas da vida e para raciocinar sobre elas porque nunca se observou nem respeita o próprio raciocínio. O facto de vivermos num país que oscila entre períodos de carência e períodos de alguma abundância reflete a falta de consciência crítica, o que nem sequer será um problema exclusivo das massas. Outra questão que fica em aberto diz respeito ao grau de consciência crítica dos educadores, stricto sensu, relativamente ao seu papel de modeladores da capacidade volitiva, do pensamento crítico e criativo, das crenças e dos sentimentos das crianças. Como evoluir para um patamar em que cada um se autonomize e se responsabilize pelos seus conhecimentos, sentimentos e pensamentos, pelo seu projeto de vida individual e pela sua quota-parte no projeto coletivo?

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23.REVISÃO ENTRE PARES E PENSAMENTO CRÍTICO: PERCURSO PARA UMA METODOLOGIA TRANSVERSAL Caroline Dominguez | [email protected] Rita Payan-Carreira | [email protected] Maria da Felicidade Morais | [email protected] Maria Manuel Nascimento | [email protected] Ana Maia | [email protected] Daniela Pedrosa | [email protected] Gonçalo Cruz | [email protected] Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro

Resumo O pensamento crítico (PCr) é cada vez mais reconhecido como parte integrante das competências a aprofundar pelos alunos universitários durante o seu percurso de aprendizagem, por forma a melhorar as suas capacidades de julgamento e de argumentação e a prepará-los para o mercado profissional enquanto elementos mais ativos. Por outro lado, as competências de comunicação – nomeadamente a escrita – continuam a ser fundamentais na dinâmica de aprendizagem, estando intimamente relacionadas com as de pensamento crítico. Considerando os resultados de experiências efetuadas em outros países e em Portugal sobre pensamento crítico, assim como os benefícios da avaliação entre pares, desde há algum tempo estudados na comunidade científica, este trabalho tem como objetivos: 1) descrever como um pequeno grupo constituído por professores de diversas áreas científicas da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, auxiliados por membros do gabinete e-learning, está a implementar um sistema de revisão entre pares on-line orientado para o desenvolvimento do pensamento crítico dos seus alunos; 2) apresentar as adaptações metodológicas do modelo inicial e os motivos que levaram às mesmas. O sistema agora apresentado foi sendo desenvolvido com o objetivo de vir a recolher, analisar e disseminar indicadores de desempenho no PCr e em comunicação escrita, bem como de conhecer a perceção dos alunos sobre as competências desenvolvidas e sobre o processo em si. Este trabalho apresenta ainda uma reflexão sobre o papel dos professores na preparação e no acompanhamento da atividade e procura contribuir para o debate científico sobre o pensamento crítico e a avaliação entre pares. Palavras-Chave: avaliação entre pares, novas tecnologias, pensamento crítico, competências, comunicação.

Abstract Increasing importance has being paid to critical thinking and to the need to strengthen this skill in university students along their learning process, as a way to develop better judgments, to reason and improve their writing skills, and to prepare them to the professional market. Moreover, communication skills, including Página 357 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

the writing ability, are viewed as central to learning process and closely related to critical thinking. Taking into consideration previous studies developed worldwide and in Portugal on critical thinking and on the peer-assessment benefits, this article aims: 1) to describe how a small group of professors with different scientific background, with the support of members from the e-learning office of UTAD, is implementing an on-line transversal peer-review methodological strategy to develop critical thinking among their students; 2) to discuss the drives for modification of the initial model. The system described here has been progressively developed to allow the collection, the analysis and the dissemination of some performance indicators in critical thinking and written communication, as well as to retrieve the students perception on the skills developed and the usefulness of the process itself. In this paper, we will reflect on the role of teachers in preparing and monitoring the activity, and will seek to contribute to the scientific debate on critical thinking and peer reviewing. Keywords: Peer review, Web-based technology, Critical thinking, Competences, Communication.

INTRODUÇÃO O desenvolvimento do pensamento crítico (PCr) é de há muito considerado essencial no percurso de aprendizagem (Tenreiro-Vieira e Vieira, 2013). As reformas do ensino de Bolonha vieram enfatizar a necessidade de aprofundar esta competência num ambiente de ensino e de aprendizagem onde o papel do aluno (e do trabalho colaborativo) é central, promovendo em simultâneo atitudes ativas de maior responsabilidade, autonomia, discussão e comunicação de ideias, tanto na forma escrita como oral (WGQF, 2005; ENQA, 2006; Velada et al., 2009). A importância crescente dada ao desenvolvimento sistemático de competências de análise, avaliação, argumentação e contra-argumentação revela-se na realização cada vez mais regular: 1) de experiências em ambiente académico de atividades que permitam fomentar essas competências; 2) pelo desenho de unidades curriculares que incluem atividades especificamente orientadas para esse objetivo; 3) na criação de unidades curriculares específicas de pensamento crítico, que em algumas universidades são obrigatórias ou fortemente aconselhadas. Por outro lado, o aparecimento das novas tecnologias de informação e comunicação permitiu repensar as atividades de aprendizagem com novas ferramentas. A revisão entre pares de trabalhos desenvolvidos pelos alunos através de plataformas on-line constitui um exemplo de utilização desse tipo de instrumentos, que pode ser vantajosa para aprofundar competências de análise, argumentação e contra-argumentação através da comunicação escrita. As condições de sucesso, os benefícios e as dificuldades nas atividades da revisão entre pares já vêm sendo estudados há algum tempo pela comunidade científica, incluindo recentemente Página 358 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

também a perspetiva de revisão on-line, que levanta problemas mais específicos (Russel, 2005; Calvo et al., 2011; Yu e Wu, 2013). Considerando os resultados dos trabalhos sobre pensamento crítico e os benefícios da avaliação entre pares, tanto em Portugal como noutros países, este artigo procura descrever como um pequeno grupo constituído por professores de diversas áreas científicas, interessados em fomentar de uma forma mais sistemática o pensamento crítico e a reflexão sobre a sua prática pedagógica, tem vindo a implementar uma metodologia transversal para o desenvolvimento do pensamento crítico dos seus alunos através de atividades de revisão entre pares on-line. Neste projeto também participam membros do gabinete e-learning da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD). De forma complementar, esta metodologia poderá permitir gerar dados sobre a eventual melhoria de indicadores de aprendizagem, comparando-os com as tipologias de aula e sistemas de avaliação mais tradicionais. Procura-se que venha a permitir recolher indicadores de desempenho em comunicação e pensamento crítico (sendo exemplos a indução e a dedução, enquanto elementos da inferência, a credibilidade e a identificação de argumentos), refletir sobre o papel dos professores e das novas tecnologias (sejam benefícios, barreiras, ou outros) neste tipo de atividades, e assim contribuir para o debate científico sobre o pensamento crítico e a avaliação entre pares sob diferentes pontos de vista. Neste trabalho descrevem-se as diferentes fases subjacentes à aplicação de uma atividade de revisão entre pares on-line enquanto instrumento para o pensamento crítico e, em simultâneo, discutem-se os fatores que levaram às modificações do modelo inicial da atividade, assim como as condições/elementos que podem influenciar o desenvolvimento das competências de comunicação e de pensamento crítico nos alunos num ambiente de revisão entre pares on-line. 1. FUNDAMENTAÇÃO 1.1. Evolução do conceito de pensamento crítico Tendo possivelmente a sua origem na escola socrática, na Grécia antiga, o pensamento crítico foi desenvolvido através dos tempos por filósofos, teólogos e pensadores que viram na análise crítica das situações e teses propostas uma forma de testar a sua validade e de fazer progredir a Ciência. Já nos finais do séc. XIX e no séc. XX, o pensamento crítico foi alargado a diversas áreas, incluindo as áreas da saúde, sociologia, linguística e ciências políticas (Paul et al., 2013). No século passado, a introdução da metodologia pedagógica do ensino baseado em evidências deu um novo impulso ao pensamento crítico, enquanto ferramenta de aprendizagem, e relançou o debate sobre as vantagens do ensino através da análise crítica relativamente à transmissão linear da informação (Purvis, 2009). Em paralelo, foram também desenvolvidas algumas ferramentas de análise e mensuração do nível desta capacidade. A definição de pensamento crítico tem evoluído com o tempo; se as teorias mais antigas se Página 359 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

focam sobretudo na análise lógica e nas técnicas de resolução de problemas, nas mais recentes foram incorporados aspetos práticos e reflexivos do pensamento crítico aos quais está associada uma série de competências ou capacidades (Simpson e Courtnay, 2002). Watson e Glaser (1980), por exemplo, apresentam o PCr como uma capacidade genérica que pode ser avaliada independentemente do contexto e do assunto, tendo identificado seis capacidades críticas essenciais: definição do problema, seleção da informação pertinente face à solução apresentada, reconhecimento das inferências, formulação de hipóteses, estabelecimento de conclusões e julgamento sobre a validade das inferências. Ennis também incluiu ainda neste conceito a capacidade de tomada de decisão e propôs uma grelha designada por FRISCO, acrónimo das palavras inglesas para cada um dos elementos que a integram (Ennis, 1996). O pensamento crítico não é estático, sendo influenciado pelo contexto, pela experiência própria (seja por experiências positivas ou negativas) e pela prática reflexiva (Daly, 1998; Purvis, 2009). Reconhece-se agora que aprender a pensar de forma crítica é uma competência essencial que pode ser aplicada independentemente do domínio do conhecimento, mesmo se o debate subsiste sobre se o pensamento crítico é passível de se desenvolver de forma genérica ou está limitado a uma área do saber. Este reconhecimento levou à introdução, quer de abordagens específicas de pensamento crítico em unidades curriculares existentes, quer de introdução de unidades curriculares específicas em cursos oferecidos em Instituições um pouco por todo o mundo, e mais recentemente em Portugal (como na Faculdade de Letras/UP, na FCT/UNL, na Universidade Católica, no ISCTE e no IU de Lisboa, entre outras). Nos currículos da área da saúde em particular, o pensamento crítico é considerado uma ferramenta crucial na avaliação de situações clínicas e na abordagem de situações de emergência (Purvis, 2009). Mais recentemente, com a adequação do ensino superior europeu ao Paradigma de Bolonha, a necessidade de desenvolver entre os estudantes capacidades de pensamento crítico voltou a estar em discussão. Com Bolonha, o ensino deve centrar-se no aluno, surgindo o professor como modulador do processo de aprendizagem; a autoaprendizagem pressupõe o desenvolvimento de competências analíticas de resolução de problemas, de argumentação, assim como de escrita e de discussão de ideias, reforçando o potencial de aprendizagem ao longo da vida. Contudo, os estudantes que chegam à Universidade geralmente possuem capacidades limitadas de pensamento crítico e pouca disciplina para a aprendizagem individual, independentemente da sua área de formação prévia (Myers, 2010 em Karandinou, 2012). A aprendizagem com base em problemas é uma das oportunidades disponíveis para facilitar o desenvolvimento e aquisição de competências de pensamento crítico, em paralelo com a revisão sistemática da literatura, exercícios de questionamento crítico e mapeamento de conceitos (Jamison, 2005). Seja qual for a atividade de pensamento crítico a desenvolver, é desejável medir o seu sucesso, quantificando o nível individual no início e no final da mesma (Snyder e Snyder, 2008, citando Broadbear, 2003), sem o que eventuais alterações nesta competência não deixarão de ser Página 360 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

meras perceções. Esta avaliação pode ser feita através de métodos indiretos, entre os quais encontramos as modificações nas notas obtidas (Russell, 2005), o grau de aceitação e empenho dos alunos na atividade através de questionários (Secomb, 2007), a avaliação sequencial da qualidade de um trabalho escrito (Lu e Bol, 2007), ou a aplicação de uma grelha semiquantitativa, em que o interveniente é avaliado em várias áreas de desempenho numa escala de 3 a 5 pontos (Basnet et al., 2009). Contudo, existem alternativas mais diretas para quantificação da capacidade de pensamento crítico, algumas dos quais correntemente utilizadas por algumas Instituições nos seus processos de recrutamento e em escolas e universidades. Estes, se aplicados antes e depois de desenvolvida a atividade, podem medir o eventual incremento desta competência nos participantes. De entre estes métodos destacam-se o Teste Californiano de Facione (1990), o teste de Cornell (Ennis e Millman, 1985), o Teste de Ennis-Weir (Ennis e Weir, 1985), o teste de Watson-Glaser (Watson e Glaser, 1980) e o teste de Smith e Whetton ou o procedimento de Perkins (Anderson e Soden, 2001). Embora estes testes sejam de âmbito generalista (i.e., não se destinam a uma formação específica, podendo ser aplicados em pessoas de qualquer área científica), deverão que ser aferidos ao grupo (idade, origem geográfica, entre outros) (Lai, 2011). 1.2. A revisão entre pares e o pensamento crítico Quer se considere a introdução de formação específica sobre pensamento crítico nos currículos universitários ou não, cada professor poderá contribuir para o desenvolvimento do espírito crítico dos seus alunos no âmbito das disciplinas que leciona. O pensamento crítico pode ser estimulado com recurso a diversas ferramentas, algumas das quais colaborativas, que envolvem de modo diferente os alunos. O recurso à revisão entre pares enquanto instrumento facilitador da aprendizagem não é novo, tendo sido amplamente aplicado na avaliação colaborativa em vários domínios científicos (Yang et al., 2010; Lu e Law, 2011; Yu e Wu, 2013). A revisão entre pares é vista como uma ferramenta que promove uma aprendizagem ativa (Knight e Steinbach, 2011) e o desenvolvimento de capacidades relacionadas com diagnóstico, avaliação, síntese e comunicação do pensamento crítico (Hamer e Kwong, 2005; Bauer et al., 2009; Sondergaard, 2009), ao mesmo tempo que favorece o desenvolvimento da capacidade de escrita (Ozogul e Sullivan, 2007). Ao fazer uma revisão do trabalho dos seus colegas, o aluno tem a oportunidade de analisar de forma crítica, comentar e comparar o trabalho dos colegas com o seu e participar assim ativamente no processo global de aprendizagem (Sung et al., 2005; Karandinou, 2012). Contudo, nem sempre os estudantes aceitam sem reservas participar num projeto de revisão entre pares (Kaufman e Schunn, 2011). Existem vários fatores críticos para o seu uso efetivo. Um aspeto amplamente discutido é o tipo de revisão (anónima ou não). São sublinhadas as vantagens da revisão anónima por favorecer uma resposta mais crítica, isenta de eventuais Página 361 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

pressões de fatores interpessoais, permitindo aos alunos uma expressão mais livre e honesta da sua opinião (Lu e Bol, 2007). São também importantes as características individuais dos alunos (Shute, 2008) para além de outros fatores como: a presença ou não do professor no processo de revisão/avaliação (Sadler e Good, 2006; Nelson e Schunn, 2009); a atribuição ou não de nota pelos alunos (Lu e Law, 2011; Sadler e Good, 2006); o grau de competência que os alunos conferem aos seus colegas e a si próprios para a tarefa de revisão, comparativamente com o do docente (Nelson e Schunn, 2009); e as características do feedback (Shute, 2008). Aliás, quanto a este último aspeto vários trabalhos incidem sobre as características presentes num “bom” feedback (Shute, 2008; Nelson e Schunn, 2009; Sternberg, 2002; Rienzo e Han, 2009; Ozogul e Sullivan, 2007). Nelson e Schunn (2009) propõem um modelo sintético dividindo as características em dois grupos, as do domínio cognitivo e as do domínio afetivo. Porém, os resultados de um “bom” feedback estão longe de estar quantificados e o seu estudo está em curso, quer relacionando o tipo de feedback com o aumento da qualidade dos trabalhos e/ou com as notas recebidas, quer sobre a perspetiva da posição do aluno enquanto revisor ou autor (Sadler e Good, 2006). Mais recentemente, tem-se debatido também o recurso às tecnologias nas atividades de revisão entre pares. Se, por um lado, permitem facilitar as tarefas de revisão, tanto para o(s) estudante(s) como para o(s) docente(s) envolvidos nas atividades (Yu e Wu, 2013), existem contudo dificuldades em encontrar um programa eletrónico de uso livre, de fácil utilização, intuitivo e que favoreça o anonimato. O processo pode ainda revelar-se mais complexo do que o realizado na prática letiva (Knight e Steinbach, 2011) e envolve mais motivação e esforço por parte do professor (Yu e Wu, 2013). Existem várias referências sobre a aprendizagem colaborativa, incluindo o uso do ambiente Google Docs, agora designado por Drive (Rienzo e Han, 2009; Calvo et al., 2011) e os seus benefícios (Chu et al., 2009; Cruz et al., 2012; Cruz et al. 2013; Brodahl et al., 2011; Javier e Gil, 2013). Contudo, Brodahl et al. (2011) mostram que existem dificuldades decorrentes, não só das atitudes dos alunos, mas também do conteúdo dos temas, da abordagem e apoio pedagógicos e ainda do tempo atribuído à atividade. 2. IMPLEMENTAÇÃO DA METODOLOGIA DE REVISÃO ENTRE PARES NA UTAD A implementação da metodologia de revisão entre pares on-line agora descrita tem sido progressiva. Iniciou-se com uma atividade proposta por uma professora de Gestão de Empresas que leciona na área das engenharias. Com o intuito de reduzir o tempo despendido e aumentar a fluidez da atividade, tomou a iniciativa de transferir a avaliação entre pares da análise e crítica de 4 artigos (por semestre e por aluno) da forma escrita em papel, que vinha usando, para uma plataforma on-line recorrendo ao Google Drive. Esta atividade foi evoluindo no sentido de trabalhar algumas competências de pensamento crítico (como a análise de inferências e argumentos) e de abrir a metodologia a outras áreas científicas. Esta evolução será apresentada de forma

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cronológica, em momentos (que correspondem a semestres), realçando as diferentes etapas e a reflexão do grupo de docentes envolvidos. Todos os fatores aqui apresentados contribuíram para a melhoria contínua do sistema utilizado. 2.1 Desenho metodológico geral da atividade Com o tempo foram introduzidas algumas modificações ao desenho metodológico inicial, decorrentes da experiência adquirida. É possível distinguir essencialmente dois momentos: o Momento 1 (ano letivo de 2011/2012) que integrava tarefas de análise crítica e escrita, seguida de revisão por um par; e os Momentos 2 e 3 (respetivamente o 1º e 2º semestres de 2012/2013) em que o desenho metodológico foi refinado com a introdução de ferramentas adicionais de orientação e avaliação quantitativa da atividade. Na Figura 1 encontra-se resumida a evolução temporal que culmina com a implementação do modelo atualmente em uso. Atualmente, o desenho metodológico implementado comporta os elementos descritos em seguida. 2.1.1.Tarefas a realizar A atividade consiste na análise crítica de dois ou mais artigos (ciclos da atividade), com vista à elaboração de um documento escrito a ser avaliado pelos pares da mesma unidade curricular. A atividade é desenvolvida com os alunos agrupados de acordo com as tarefas a desenvolver: aluno-autor, para o aluno que realiza o seu trabalho de resumo, análise e crítica, e aluno-revisor, para o aluno que faz a revisão do trabalho desenvolvido pelo aluno-autor. Geralmente, todos os alunos têm a oportunidade de desempenhar cada um destes papéis, ao longo dos ciclos que constituem uma atividade, apoiados por documentos orientadores.

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Momento 3 (2º semestre de 2012/2013)

Momento 2 (1º semestre de 2012/2013)

Momento 1 (1º e 2º semestres de 2011/2012)

Momentos (anos letivos)

Ciências da Comunicação, (Técnicas de Expressão Oral e Escrita, 1ºa/2ºs)

Mestrado Integrado em Medicina Veterinária (Novas Tecnologias da Reprodução, 5º a/1ºs) Engenharia de Energias e Engenharia Mecânica (Gestão Industrial, 1º/2º)

Licenciatura (unidade curricular das turmas envolvidas, ano/semestre) Engenharia Civil (Gestão da Empresa de Construção, 1º a/1ºs) e Engenharia Informática (Engenharia das Organizações, 1º /1º) Engenharia de Energias (Gestão Industrial, 1º/2º) Engenharia Civil (Gestão da Empresa de Construção, 1º a/1ºs) e Engenharia Informática (Engenharia das Organizações, 1º /1º)

selecionados pelo professor

27

54 alunos

3, todos com o

Google Drive

selecionados pelo professor

Google Drive

3, todos com o

Engenharias Informática e de Energias: 4 (e 3) com o Google Docs) selecionados pelos alunos

Engenharia Civil: 4, 2 em papel e 2 com o Google Docs) selecionados pelos alunos

Número de artigos da atividade

17

18

31

40

21

25

44

Número de alunos

Anónima, com recurso a emails inventados pelos alunos garantindo, deste modo, o anonimato

Anónima, com grande sobrecarga de trabalho porque a plataforma não está preparada para o anonimato

Não foi anónima

Tipo de revisão

Sim, melhorado

Sim

Não, apenas orientações orais dadas pelo professor

Uso de modelo (template)

Sim, grelha de Shunn para o feedback e grelha FRISCO para apoio à revisão

Sim, grelha de Shunn para o feedback e grelha FRISCO para apoio à revisão

Sim, com um documento geral de orientação e tabelas de orientação das atividades

Documentos de apoio ao trabalho dos alunos

Sim, pelo professor

Sim, pelo professor

Sim, pelo professor em conjunto com o gabinete de e-learning da UTAD

Aulas de apoio ao uso das ferramentas tecnológicas

Sim, apenas nas licenciaturas em engenharias 2 aulas de 2 horas dinamizada pelo professor

Não, apenas orientações orais dadas pelo professor com referência aos documentos

Não, apenas orientações orais dadas pelo professor

Aulas de apoio à introdução ao PCr

Revisão intermédia pelos alunos, com direito a contraargumentação pelo aluno-revisor das correções do aluno-autor e sem notas; revisão final e nota do professor

Revisão intermédia pelos alunos, mas sem notas; revisão final e nota do professor

Avaliação intermédia pelos alunos revisores e pelo professor; avaliação final pelo professor

Avaliação

Foi realizado antes em papel e depois da atividade on-line.

No Mestrado Integrado em Medicina Veterinária não foi realizado

Foi realizado antes e depois da atividade, mas em papel.

Não foi realizado

Teste de Cornell, nível X

Figura 1 - Evolução temporal dos principais aspetos da atividade.

As tarefas a desenvolver individualmente pelo alunos-autores no período de uma semana estão apresentadas na Figura 2. Figura 2 - Esquema das tarefas iniciais a realizar pelo aluno-autor.

Depois de finalizada a tarefa de escrita, o documento é partilhado com o docente e com o colega revisor (selecionado pelo professor) através do Google Drive. O aluno-revisor tem igual período para ler o trabalho do aluno-autor e dar o seu feedback com sugestões de melhoria. Em seguida, o aluno-autor dispõe de uma semana para melhorar (de forma voluntária) o seu trabalho original. A esta atividade é atribuída uma classificação ao desempenho do aluno-autor e do aluno-revisor. 2.1.2. Sistema on-line adotado e apoio para ambientação na atividade A Google Drive é a plataforma web utilizada para a realização desta atividade por ser de fácil acesso e permitir a realização do trabalho em ambiente Word. Além de evitar a transferência elevada de papéis entre alunos, decorrente do número de interações, este sistema on-line possibilita que mesmo os alunos ausentes nos dias em que se trocam os documentos possam fazer o seu trabalho, de forma diferida, até à data calendarizada. Todos os recursos necessários à realização das diferentes tarefas são partilhados através desta plataforma, nomeadamente o documento orientador que contém a descrição dos objetivos e das diferentes tarefas a realizar, além de incluir também descritores para a avaliação, a aplicar tanto pelos alunos como pelo professor. Para efeitos de avaliação, devem considerar-se evidências das seguintes competências do aluno-autor: resumo (claro e sem repetição de ideias), identificação completa das variáveis em jogo, apresentação de oportunidades e ameaças e formulação de uma crítica pessoal sobre o artigo bem fundamentada. São também colocados e partilhados no Google Drive documentos de suporte (orientações gerais e calendarização das tarefas), com o objetivo de ajudar os alunos a cooperarem nas diferentes fases do trabalho. Entre estes, estão os documentos orientadores da execução da tarefa, que incluem a grelha de Nelson e Shunn (2009) sobre a qualidade do feedback e a grelha FRISCO (Ennis, 1996). A grelha FRISCO deve ser utilizada pelos alunos como instrumento de

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apoio à emissão de uma opinião crítica fundamentada acerca do texto analisado, permitindo-lhes exercitar em simultâneo algumas competências de pensamento crítico, como a identificação de razões, inferências, credibilidade das informações, entre outras. A atividade é precedida por duas sessões introdutórias, de 50 minutos, sobre o pensamento crítico e a grelha FRISCO, os objetivos e tarefas a realizar e o ambiente e modo de funcionamento do Google Drive. Para uniformizar o documento escrito a apresentar pelo aluno-autor, disponibiliza-se um documento-base (template) em conjunto com o artigo a analisar, permitindo aos alunos que desenvolvam de forma mais rigorosa e orientada a sua análise. Este modelo contém duas partes, uma dirigida ao aluno-autor e outra ao aluno-revisor, integrando diferentes subpartes que identificam as diferentes etapas da análise a ser conduzida. 2.1.3. Acompanhamento da atividade pelo docente As atividades são acompanhadas regularmente através da análise dos documentos partilhados, do esclarecimento de dúvidas sobre o ambiente Google Drive e da apresentação oral aos alunos de um ou dois bons exemplos dos trabalhos efetuados. Em complemento, são transmitidas oralmente orientações gerais sobre como fazer um bom feedback, incidindo sobretudo na necessidade de os comentários serem incentivadores e construtivos. 2.1.4 Instrumentos de análise da atividade Há interesse em analisar os resultados obtidos, tanto no que respeita à avaliação global do sucesso da atividade, como à análise do eventual incremento das capacidades de comunicação e de pensamento crítico dos alunos envolvidos, através de dois instrumentos: um inquérito por questionário aplicado aos alunos no final do semestre e uma tabela de ocorrências das categorias de bom feedback da grelha de Nelson e Schunn (2009). A partir do Momento 2, a avaliação global da atividade complementa-se com a realização do Teste de Cornell de Nível X (Ennis, 1985), na sua versão validada para a realidade portuguesa (Oliveira, 1992, Tenreiro-Vieira, 1994 e Vieira, 1995 citados por Tenreiro-Vieira, 2004), como forma mais rápida e direta de avaliar a aquisição de competências de pensamento crítico. Este teste é passado antes do início da atividade (capacidade inicial) e no final do semestre (capacidade final). O inquérito final sobre o desenrolar da atividade, além de permitir a caracterização do perfil do aluno (género, idade e familiarização com as ferramentas na Internet, nomeadamente a utilização do Google Drive), procura saber a sua opinião sobre a abordagem pedagógica adotada (execução das tarefas, facilidade do uso do ambiente on-line, calendarização das atividades e do tempo nelas despendido e sobre a utilidade dos materiais de apoio); a sua perceção sobre a qualidade do feedback recebido (o seu valor, bem como o seu contributo para melhorar a qualidade da sua escrita); sobre as competências adquiridas e a satisfação geral em relação à atividade. Por Página 366 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

último, algumas questões abertas aferem a opinião dos alunos em relação à importância dada às sugestões de melhoria (ou não) dos seus pares e do professor, assim como as razões para terem (ou não) usado as sugestões dos seus pares. Ao nível das competências de comunicação e de pensamento crítico, é também analisada a qualidade do feedback, que indicia alguma capacidade de pensamento crítico - a saber: visão global, identificação de problemas locais e globais, identificação de soluções locais e globais, uso de explicações, elogios, contra-argumentação e implementação do feedback. Esta análise é realizada através da avaliação dos comentários presentes em cada trabalho de acordo com as categorias utilizadas por Nelson e Shunn (2009). 2.2. Implementação da atividade e resultados Esta metodologia foi melhorada gradualmente através de ajustamentos, correspondendo à eliminação de pontos negativos ou à melhoria das tarefas que integram a atividade, pela análise dos inquéritos realizados no final de cada atividade e dos documentos produzidos pelos alunos. Para testar a sua transversalidade, a atividade foi posteriormente alargada (Momentos 2 e 3) a alunos de outras formações. No ano letivo de 2012/13 forma-se na UTAD um grupo constituído por vários professores interessados em desenvolver esta atividade. Este grupo (WebPACT) engloba docentes das áreas de Ciências da Educação, Ciências da Comunicação, Medicina Veterinária, Estatística, Agronomia, Gestão e Linguística, e reúne-se regularmente para debater a metodologia, agregar material e trabalhar de forma colaborativa o pensamento crítico e a avaliação entre pares, bem como os resultados dos instrumentos de avaliação. 2.2.1. Momento 1 (1º e 2º semestres 2011/12): aplicação inicial da atividade A atividade foi implementada pela primeira vez no ano de 2011/12, em ambos os semestres, no âmbito das unidades curriculares de Gestão de Empresas: no 1º ano das licenciaturas em Engenharia Civil (com 44 alunos), em Engenharia em Energias (21 alunos) e em Engenharia Informática (25 alunos). Tinha como objetivo a exposição dos alunos à análise económica SWOT (Forças, Fraqueza, Oportunidades e Ameaças), na qual os alunos deviam identificar e analisar de forma crítica as oportunidades e ameaças com as quais as empresas e outros agentes económicos se confrontam. Além das competências cognitivas a desenvolver, esta atividade procurava o reforço e o desenvolvimento das seguintes capacidades: escrita, síntese, análise, comunicação interpessoal e utilização de novas tecnologias. Nesta fase, as diferenças em relação à metodologia apresentada anteriormente consistiam: na realização de quatro ciclos de revisão; na revisão intermédia do documento produzido pelo alunoautor era atribuída uma nota pelo aluno-revisor e pelo docente, além da nota final atribuída pelo

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docente ao par autor-revisor; o artigo a analisar era selecionado pelo aluno-autor; a atividade não era anónima. Dois dos ciclos foram realizados ainda em papel. Os alunos alternaram nas funções de autor e revisor. Esta atividade contribuiu para a nota final da unidade curricular com um terço do valor (numa escala de 0 a 20), resultando da média aritmética de cada ciclo. A coordenação da atividade fez-se no Google Drive, através de vários documentos (Figura 3) com a identificação dos elementos participantes, a distribuição das tarefas por aluno, as ligações para partilha simultânea de documentos e tabelas com a atualização do estado de cada tarefa na forma de checklist. A análise dos questionários realizados neste Momento 1 mostrou que a atividade foi satisfatória para a maioria dos alunos (94%), embora sugerisse a necessidade de eliminar a atribuição de nota intermédia, pois podia interferir negativamente com a utilização dos comentários dos alunos-revisores pelos alunos-autores (opinião de 77% dos inquiridos, tendo 11% referido não ter aceite a revisão do seu par e 11% referido não ter gostado da tarefa de revisor (Cruz et al., 2013)). Figura 3 - Tabelas de pares alunos-autores e alunos-revisores e tabela da evolução das tarefas no ano letivo 2011/12 (Momento 1)

Ficou também patente que a ausência de anonimato introduziu um elemento de desconforto na realização da atividade. Uma análise exaustiva ao tipo de comentários efetuados pelos alunosrevisores, e por comparação com o modelo de Nelson e Shunn (2009), evidenciou a necessidade de reforçar este aspeto do trabalho com os alunos. Por exemplo, se os alunos tiveram sucesso na identificação e resolução de problemas locais, mostraram mais dificuldades na identificação (e resolução) de problemas globais, assim como na expressão da sua visão global do trabalho em questão (Figura 4). Página 368 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

Figura 4- Análise do feedback a partir da grelha de Nelson e Shunn (2009)

Verificou-se ainda que a emissão de uma opinião pessoal crítica sobre o conteúdo do documento em análise foi muito superficial, exigindo um trabalho mais aprofundado em edições posteriores da atividade. Por outro lado, ainda foi necessário um grande envolvimento e tempo do docente, quer na avaliação de alunos autores e revisores, quer no acompanhamento da gestão e controlo das tabelas de orientação (conclusões apresentadas num seminário realizado na UTAD em Maio de 2012 e, posteriormente, publicadas na forma de artigo (Cruz et al., 2013)). A análise da atividade neste momento levou a questionar: a posição do aluno (autor vs. revisor) que permite uma maior aquisição de competências, se o anonimato influi no tipo de comentários e na utilização das sugestões; o modo de potenciar mais o pensamento crítico, sobretudo na emissão de uma opinião pessoal crítica fundamentada; a forma de contrariar a sobrecarga de trabalho da docente associada à atividade; o modo de testar de forma rápida, direta e complementar a aquisição de competências de pensamento crítico. 2.2.2. Momento 2 (1º semestre de 2012/13) Esta atividade foi implementada na íntegra numa turma do 1º ano das Licenciaturas em Engenharia Civil e em Informática, em 62 alunos, e replicada a título experimental pela colega de Veterinária, numa unidade curricular de opção (18 alunos) do 5º ano do Mestrado Integrado em Medicina Veterinária, ainda que sem a aplicação do teste de Cornell ou do questionário. Decorrente da análise da atividade desenvolvida no momento anterior, a metodologia foi ajustada (Figura 5), passando para um total de três ciclos on-line. A seleção do artigo passou a ser feita pelo docente, sendo igual para todos os alunos (diminuindo assim o tempo de avaliação). A revisão intermédia não foi associada à classificação, reduzindo eventuais conflitos e favorecendo a introdução de melhorias pelo aluno-autor. Toda a atividade foi convertida num processo anónimo. Na ausência de alternativas diretas no Google Drive, a partilha dos documentos foi efetuada por membros da equipa de e-learning, que duplicou os documentos e os partilhou Página 369 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

de forma anónima novamente com os alunos, o que representou um trabalho considerável. Os alunos foram alertados para a necessidade de seguirem as grelhas FRISCO e de Nelson e Shunn na elaboração dos documentos escritos. Outra das alterações introduzidas levou a que os alunos desempenhassem um único papel durante todo o semestre (autores vs. revisores), procurando testar se a posição dos alunos influenciava a aquisição das competências pretendidas. Consequentemente, no questionário final distinguiramse os dois papéis. Finalmente, a pré-calendarização das datas limites de submissão dos trabalhos pelos autores e revisores orientou a atividade, tornando desnecessárias as checklists anteriores. Para fortalecer o feedback, durante a atividade foram sendo discutidos, em ambiente de aula, exemplos dos melhores trabalhos. Na análise preliminar desta etapa, constatou-se que: os alunos tiveram dificuldades na compreensão de grelha FRISCO, sobretudo no tópico “inferências”, sugerindo a necessidade de reforçar o apoio prestado neste ponto; o anonimato foi apreciado pelos alunos e permitiu-lhes realizar um trabalho sem as limitações eventuais da influência das relações pessoais, se bem que a forma encontrada para manter o anonimato precisasse de ser revista, pela sobrecarga e dependência do apoio do gabinete e-learning.

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Figura 5 - Esquema comparativo das tarefas a desempenhar ao longo da tarefa no Momento 1 (em cima) e nos Momentos 2 e 3 (em baixo).

Por sua vez, os resultados dos testes de Cornell aplicados na turma de Engenharia Civil revelaram a existência de um incremento geral na competência de pensamento crítico, sendo os resultados finais considerados melhores que os iniciais (valor de prova, p = 0,98%). Decidiu-se continuar a aplicar este teste nas etapas seguintes como forma de avaliação global da atividade. 2.2.3. Momento 3 (2º semestre de 2012/13) Neste momento a atividade de avaliação entre pares foi implementada no 1º ano das licenciaturas em Energia e em Mecânica (44 alunos), e na unidade curricular de Técnicas de Expressão Oral e Escrita, da licenciatura em Ciências da Comunicação (54 alunos). Resultante da análise preliminar da atividade desenvolvida no semestre anterior, optou-se por Página 371 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

reforçar a ambientação às ferramentas a aplicar na execução da atividade, em particular sobre a grelha FRISCO e o pensamento crítico, e disponibilizou-se on-line um documento especificando de maneira detalhada os elementos desta grelha. O modelo de documento criado para a atividade (template) foi melhorado pela introdução de hiperligações aos documentos de apoio e de calendarização. No seguimento da política de reforço do feedback (muito apreciado pelos alunos), os exemplos de uma boa revisão apresentados na aula foram também disponibilizados on-line. Na tentativa de tornar mais fluída a dinâmica do trabalho e manter o anonimato entre participantes, foram utilizados correios eletrónicos criados pelos alunos a partir de pseudónimos irreconhecíveis, permitindo simplificar e agilizar a gestão da partilha de documentos no Google Drive pelo docente, sem necessidade de apoio técnico constante. A análise desta etapa, que está em curso neste momento, assim como a implementação alargada da metodologia, permitirão aprofundar o conhecimento sobre esta temática assim como validar o seu carácter transversal. 3. DISCUSSÃO, CONCLUSÕES E PERSPETIVAS A partir da descrição do percurso de um grupo de docentes da UTAD (o webPACT) na utilização de um ambiente on-line de revisão entre pares, identificaram-se algumas condicionantes para o desenvolvimento de competências de comunicação e de pensamento crítico nos alunos. Numa dialética entre a teoria e a prática, ao longo dos quatro semestres aqui relatados, foram efetuados alguns ajustes em relação à metodologia utilizada inicialmente, tornando-a mais completa e apurada. Ao longo deste percurso, procurou-se a construção e a uniformização dos modelos de análise de artigos e de feedback, pelo que se aplicaram as grelhas FRISCO (Ennis, 1996), orientadora para a revisão do artigo, e de Nelson e Schunn (2009), para o feedback, disponibilizadas on-line em simultâneo com um modelo do documento a ser utilizado e partilhado entre os alunos-autores e alunos-revisores. A introdução de um artigo único por ciclo, selecionado pelo professor (e não artigos diferentes escolhidos pelos alunos) também permitiu uniformizar a dificuldade do exercício e ajustá-la à temática a desenvolver num momento particular da aprendizagem em cada unidade curricular (UC), diminuindo ao mesmo tempo o trabalho de correção do docente. A opção pelo anonimato na realização da atividade foi bem acolhida pelos alunos. O anonimato permitiu ultrapassar eventuais pontos de atrito, quer ao nível do aluno-autor, como do aluno-revisor, mercê de influências sociais e psicológicas que se estabelecem na turma onde se desenvolve a análise (Lu e Bol, 2007; Cho e MacArthur, 2010; Stribjos et al., 2010). Tal como a literatura refere, o facto de conhecer o aluno em avaliação pode enviesar a isenção com que realizam esta tarefa, seja porque os participantes não estão à vontade por se verem no mesmo nível (Karandinou, 2012), seja por se encontrarem sujeitos a influências decorrentes das relações Página 372 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

interpessoais e das preferências pessoais (Lu e Bol, 2007), o que pode interferir com a sua credibilidade. De facto, da análise realizada sobre o Momento 1, menos de 25% dos alunos consideraram que os colegas possuíam a mesma capacidade de avaliação que o professor (dados não publicados). Estes motivos levaram também a que se removesse da atividade, nos Momentos 2 e 3, a classificação intermédia. A atenção prestada à qualidade do feedback foi muito importante e pode contribuir para o sucesso da atividade e o crescendo das competências a desenvolver, nomeadamente de comunicação. Para ser eficaz o feedback não pode ser vago nem demasiado complexo, sob pena de não atingir os seus propósitos e desmotivar os intervenientes no processo (Lu e Bol, 2007). Deve ser claro, objetivo e fornecer diretrizes e sugestões relacionadas com os objetivos propostos (Stribjos et al., 2010). Também não pode ser demasiado genérico ou superficial pois perde eficiência e condiciona a forma como são recebidos os comentários e a sua transposição para o documento em elaboração (Stribjos et al., 2010). Os resultados analisados no primeiro momento, e já publicados (Cruz et al., 2013), confirmam a utilização generalizada do modelo de feedback de Nelson e Schunn (2009) embora, em termos do trabalho a desenvolver com os alunos, necessitasse de ser melhorado em áreas específicas (localização e resolução global de problemas). A comparação das respostas dos questionários realizados com a evolução dos documentos escritos, quanto às características do feedback dado, evidenciou que nem sempre as sugestões fornecidas pelos alunos-revisores foram aproveitadas pelos alunos-autores para o respetivo trabalhar, embora ainda não sejamos capazes de apreciar a forma como poderão ter influenciado a construção do trabalho no ciclo subsequente. A demonstração oral e a disponibilização on-line de exemplos concretos retirados de trabalhos anteriores constituíram um estímulo adicional para os alunos envolvidos na atividade e, ao mesmo tempo, apontaram caminhos desejáveis para serem explorados em exercícios e/ou ciclos subsequentes desta atividade. Além disso, o facto de ela se desenvolver ao longo do semestre em ciclos repetidos favorece um crescendo de competências, limando possíveis “desfasamentos” e minorando as dificuldades na compreensão dos objetivos propostos que têm sido referidos em situações com poucos ciclos (Van Zundert et al., 2010). A atividade desenvolvida foi bem aceite pelo conjunto de alunos que nela participaram. Indo ao encontro das perceções iniciais, a redução da atividade para três ciclos permitiu conceder mais tempo para a realização de cada tarefa, e evitou criar pontos de tensão que pudessem comprometer os seus resultados. A introdução de aulas específicas sobre pensamento crítico parece ter sido importante para ultrapassar as dificuldades sentidas na parte mais pessoal e crítica do trabalho, embora ainda sejam necessários aprofundamentos no domínio das inferências, em particular. Mais importante ainda, a aplicação desta atividade permitiu melhorar as competências de pensamento crítico dos alunos que nela participaram, o que foi avaliado qualitativamente no

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Momento 1 através dos inquéritos por questionário e da análise do feedback recebido (Cruz et al., 2013), e quantitativamente nos Momentos 2 e 3 pela aplicação do teste de Cornell (Nível X) antes e depois das atividades, replicando experiências já realizadas por outros autores (Lu e Bol, 2007 e Tenreiro-Vieira, 2004). O recurso ao Google Drive revelou-se essencial, mesmo quando foi necessário encontrar um sistema que permitisse o seu uso de forma anónima. A adaptação prévia a este ambiente foi fundamental, confirmando as referências disponíveis. Por outro lado, esta ferramenta on-line mostra-se útil na análise do trabalho realizado e facilita a sistematização e comparação de resultados. O percurso não chegou ao fim. As perspetivas futuras são as de alargar a aplicação da metodologia na sua versão atual a outras unidades curriculares lecionadas por docentes de Veterinária, Estatística, Gestão, Linguística e Ciências da Educação. É nosso entender que esta metodologia deverá incluir: elementos preparatórios, como a apresentação aos alunos dos objetivos de aprendizagem (cognitivos e em termos das competências de pensamento crítico e de comunicação escrita); aulas específicas de introdução ao pensamento crítico antes do arranque da atividade; a ambientação dos alunos à ferramenta Google Drive; a exposição dos alunos à forma de dar um bom feedback (com base na grelha de Nelson e Shunn, 2009), devendo incidirse mais nas inferências, por ser a área mais frágil; ferramentas de trabalho, como os documentos de apoio (com a orientação geral da atividade, a grelha FRISCO e o modelo de feedback de Nelson e Schunn), os artigos a analisar (de caráter semelhante para todos os alunos, e apresentados em três ciclos); a utilização do modelo (template) específico já testado, quer para o trabalho de escrita e análise quer para a revisão; a garantia de anonimato; ferramentas de análise, como o teste de Cornell a aplicar antes e depois da atividade (neste momento já conseguimos instalar o teste na plataforma on-line, o que facilitará tanto a recolha como a análise dos resultados); e o inquérito por questionário de satisfação e de avaliação da atividade aos alunos. Deverá ser reforçada a apresentação regular de bons trabalhos em aula e de exemplos de revisão ou crítica positiva, como forma de estimular o desenrolar da atividade. Toda a atividade será objeto de classificação pelo docente. Ao completar dezoito meses do percurso de implementação e desenvolvimento de atividades de revisão de pares mediadas pela plataforma do Google Drive em estudantes do Ensino Superior, adquirimos uma noção mais clara das condicionantes e das potencialidades desta metodologia com vista ao desenvolvimento do pensamento crítico desses estudantes. Acrescem a atratividade das tarefas e a facilidade de gestão das atividades: do ponto de vista dos alunos, a utilização de ferramentas inovadoras e a atividade de escrita colaborativa sob anonimato favorecem o envolvimento nas tarefas; do ponto de vista do professor, esta metodologia promove a realização de atividades de construção autónoma e comunicação do conhecimento, bem como a hetero e

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a autoavaliação – pesando igualmente o facto, não despiciendo, de não envolver plataformas onerosas ou conhecimentos informáticos avançados. Além do mais, favorece uma atitude próativa do aluno na formação que se estenderá a qualquer momento da sua vida. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Anderson, A., & Soden, R. (2001). Peer interaction and the learning of critical thinking skills. Psychology Learning and Teaching, 1(1), 37-40. Basnet, B., Brodie, L., & Worden, J. (2009). Peer assessment of assignments – the USQ experience (pp. 953-960). Proceedings of the 2009 AAEE Conference. Adelaide: University of Adelaide. Bauer, C., Figl, K., Derntl, M., Beran, P. P., & Kabicher, S. (2009). The student view on online peer reviews. ACM SIGCSE Bulletin, 41, 3, 26-30. Brodahl, C., Hadjerrouit, S., & Hansen, N. K. (2011). Collaborative Writing with Web 2.0 Technologies: Education Students’ Perceptions. Journal of Information Technology Education: Innovations in Practice, 10, 73-103. Calvo, R.A., O’Rourke, S.T., Jones, J., Yacef, K., & Reimann, P. (2011). Collaborative Writing Support Tools on the Cloud. IEEE Transactions on Learning Technologies 4 (1). 88-97. Chu, S., Kennedy, D., & Mak, M. (2009). MediaWiki and Google Docs as online collaborative tools for group project co-construction. Proceedings of the 2009 International Conference on Knowledge Management [CD-Rom]. New York: ACM. Cho, K., & MacArthur, C. (2010). Student revision with peer and expert reviewing. Learning and Instruction, 20, 328-338. Cruz, G., Dominguez, C., Pedrosa, D., & Maia, A. (2012). A avaliação entre pares com recurso ao Google Docs: um estudo de caso exploratório num curso de Licenciatura em Engenharia Civil. In Livro de Atas - Conferência Ibérica em Inovação na Educação com TIC. Bragança: Instituto Politécnico de Bragança. Cruz, G., Dominguez, C., Maia, A., Pedrosa, D., & Grams, G. (2013). Web-based Peer Assessment: A Case Study with Civil Engineering Students. International Journal of Engineering Pedagogy (IJEP), 3(S1), 64-70. Daly, W. (1998). Critical thinking as an outcome of nursing education. What is it? Why is it important to nursing practice? Journal of Advanced Nursing, 28(2), 323-331. Ennis, R. H. (1996). Critical thinking. Upper Saddle River, N. J.: Prentice Hall.

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24.PROPOSTA DE UM QUADRO TEÓRICO CRÍTICO PARA A REFERENCIALIZAÇÃO DA AVALIAÇÃO DE PROFESSORES AS PERSPETIVAS INSTITUINTES, O REFERENCIAL POLÍTICO E A NARRATIVA DO DISSENTIMENTO Henrique Manuel Pereira Ramalho | [email protected]

Escola Superior de Educação - Instituto Politécnico de Viseu

Resumo A presente proposta de pensamento crítico na educação resulta de uma investigação teórica e empírica mais alargada já antes realizada por nós, tendo como objeto de debate a reconcetualização e análise da referencialização da avaliação do desempenho docente. Consequentemente, trata-se de um quadro de referência perspetivado como uma alternativa à focalização normativa e instituída da referencialização da avaliação. Por esta via, propomos uma análise das possibilidades de fazer emergir a micropolítica educativa, segundo uma perspetiva instituinte da ação que orna os processos de avaliação do desempenho docente desenvolvidos na periferia. É uma proposta de desenvolvimento de um quadro teórico caracterizado por um pensamento crítico, cujos principais objetivos estão focalizados no pressuposto de analisar o processo de referencialização da avaliação do desempenho docente na escola básica portuguesa, numa perspetiva crítica. Decorrentemente, propõe-se ensaiar uma reconcetualização e análise críticas daquele processo com base na inclusão do referencial político do desempenho docente e da respetiva narrativa do dissentimento, no quadro da crítica ideológica sedeada no espectro teórico das teorias críticas da educação. Do ponto de vista metodológico, inserimos este nosso ensaio na metodología específica de revisão assente numa avaliação crítica, sem que, no entanto, o limitemos a uma mera determinação do estado da arte, assumindo-o mais como uma revisão teórica de reinterpretação crítica, onde cumprimos com o propósito de inserir o tema revisado dentro de um quadro de referência teórica polimórfica. Portanto, propomos um trabalho de revisão e de reconcetualização de um campo teórico determinado, procurando referenciá-lo como algo inédito, mas viável, em função dos criterios do propósito, da abrangência, da função e da abordagem. Em termos conclusivos, minutamos que a referencialização da avaliação do desempenho docente é assumida como um processo de comunicação multilógico, subentendendo a atribuição de sentidos e significados específicos a cada microcontexto, reclamando-se, neste caso concreto, a interferência dos valores e dos interesses dos atores periféricos, pelo que o processo de referencialização permitirá assegurar que a avaliação do desempenho docente possa ser contextualizada, holística, instituinte e democrática. Admitindo, contudo, que essas logicidades decorrem de tensões e interfaces desenvolvidos entre aquilo que a administração central prescreve e aquilo que define os docentes enquanto atores estrategicamente posicionados nos microcontextos socioprofissionais, suscitando “condutas heterogéneas”, precisamente numa perspetiva de “micropolítica educativa”, tendencialmente contra-instituínte.

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Palavras-chave: referencialização crítica, avaliação de desempenho, referencial político, narrativa do dissentimento.

Summary The present proposal for critical thinking an education results from a broader theoretical and empirical research already performed by us, with the object of discussion of reconceptualising and analysis of production of references of teacher performance assessment. Therefore, it is a framework looked at as an alternative of normative and established focalization of referenced evaluation. In this way, we propose an analysis of the possibilities of to emerge the educacional micropolitics, according to a instituting perspective the action that adorns the processes of teacher performance assessment developed in the periphery. It is a proposal to develop a theoretical framework characterized by critical thinking, whose main objectives are focused on the assumption to analyze the production process of references of teacher performance assessment in portuguese primary school, a critical perspective. Accordingly, it is proposed to essay a critical reconceptualization and analysis of that process based on the inclusion of the policy reference of teacher performance and respective narrative of dissension, within the framework of ideological criticism based on the theoretical spectrum of critical theories of education. From de methodological point of view, we insent this our essay in specific methodology based in critical evaluation, without, however, beyond a simple determination of the state of the art, taking it more as a theoretical review of critical reinterpretation, where fulfill in order to insert the revised theme within a theoretical framework polymorphic. Therefore, we propose a revision work an a new conceptualization of specific theoretical field seeking reference it as something unpublished, but feasible, according to the criteria of the purpose, of the comprehensiveness, of the function and of the approach. In conclusive terms, we conclude that the refrents of teacher performance assessment is assumed as a communication process with different logics, implying the assignment of specific senses and meanings to every little context, claining, in the values and interests of the peripheral actors, so the production process will ensure that the evaluation of teaching performance can be contextualized, holistic, institutive and democratic. Assuming, however, that these meanings result from tensions and interfaces developed between what the central government prescribes and what defines teachers as actors startegically posisioned in social and professional microcontexts, giving rise “heterogenerous behaviors”, precisely a prespective of “educational micropolitics”, tendentionsly counter-instituting. Keywords: critical production of references, performance assessment, policy referential, narrative of dissension.

INTRODUÇÃO Tem sido comum privilegiar a macroanálise, com algum interesse pelos referenciais das mesoestruturas escolares, pese embora o facto de, vulgarmente, estes últimos serem dados como adquiridos, sem que se problematize a sua definição, a sua construção e, mais Página 380 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

insistentemente, a sua dependência normativa face ao referencial central. Mais do que isso, é visível um desprezo acentuado pela microanálise a partir da qual procuramos acoplar ao processo de referencialização outras referências de caráter informal, espontâneo, com efeitos produtivos e não apenas reprodutivos, em que às referências instituídas é suscetível de agregar ou, inversamente, de contrapor referências instituintes oriundas de outras racionalidades, dinâmicas, instâncias, textos, contextos e atores que podem ser observados em situação de concordância mas, também, de discordância face ao referencial oficialmente consagrado. Neste ensaio, discutimos as (im)possibilidades de se poder equacionar, debater e, até mesmo, conferir legitimidade ao processo de referencialização da avaliação do desempenho docente devidamente articulado com aquelas três dimensões que nos parecem fundamentais para reinterrogar a referencialização da avaliação no quadro das respetivas narrativas e racionalidades associadas. Desta discussão decorre uma convicção definida no sentido de que se tem assinalado um contexto de referência a avaliar (desempenho docente), mas partindo de dados ou referências unilaterais ou, pelo menos, sistematizadas com recurso a exercícios tipicamente tecnocratas, sem que se tenha permitido que o desempenho docente possa ser equacionado como um contexto multiforme, em relação ao qual os diagnósticos aferidos possam ser discutidos e não, simplesmente, sujeitos a uma instrumentação imposta. O quadro teórico crítico aqui proposto é definido segundo uma lógica de produção - e não apenas de reprodução - de sentidos e significados da avaliação, em clara rutura com exclusividade das tendências para a sua normalização centralista e consequente hegemonização. Consequentemente, a orientação fundamental que damos à definição de um quadro teórico crítico para a referencialização da avaliação do desempenho docente desenvolve-se numa perspetiva de relativização e questionamento dos arranjos institucionais radicados em perspetivas universais dos interesses gestionários desenvolvidos em torno da gestão dos recursos humanos da educação. Concretizamos a nossa proposta no sentido de a apresentar como um quadro teórico que propõe o desenvolvimento de um pensamento crítico que opera uma rutura com as perspetivas instituídas, sendo consolidada pela assunção de alternativas menos racionais e absolutas, inseridas numa lógica multirracional e multidiscursiva, segundo o arquétipo de uma racionalidade limitada desenvolvida em torno dos sentidos e dos significados dados à avaliação do desempenho docente. Trata-se, de resto, de uma visão de textura polimórfica e multidiscursiva da referencialização da avaliação do desempenho docente, que acaba por caracterizar os processos de gestão do desempenho docente inseridos na microarena política que comporta interesses, racionalidades e micropoderes de controlo e de lógicas de ação muito diversificados, divergentes e decorrentes de interdependências estratégicas estabelecidas entre os vários atores da periferia. Congruentemente, suscita-se uma diversidade de interesses e de expetativas profissionais e pessoais repleta de lógicas de ação não coincidentes entre si que nos induzem para uma perspetivação não-monolítica ou políptica dos significados e sentidos que os professores Página 381 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

e educadores atribuem às políticas e práticas de avaliação do seu desempenho. Esta linha de pensamento crítico sobre a avaliação dos professores encerra uma narrativa de dissentimento político, tipicamente multilógica, e configura uma tensão ocorrida entre as logicidades da ordem local e o mando da ordem central, em que a resistência de bastidores tende a demarcar-se como fator de incompatibilidade dos docentes, tanto em relação à administração central como, muitas vezes, em relação às instâncias de gestão da própria periferia. 1. OBJETIVOS Definido e delimitado o nosso objeto de estudo, eis que sobressaem alguns objetivos que circunstanciam e delimitam e justificam a oportunidade deste ensaio. Porquanto, surgem como grandes intenções deste texto analisar o processo de referencialização da avaliação do desempenho docente na escola básica portuguesa numa perspetiva crítica, propondo ensaiar uma reconcetualização e análise críticas daquele processo, com base na inclusão do referencial político do desempenho docente e da respetiva narrativa do dissentimento. Do ponto de vista mais operacional, procuramos inserir este nosso ensaio na metodología específica de revisão assente numa avaliação crítica, para proceder a uma revisão teórica de (re) interpretação crítica, com o intuito de enquadrar a avaliação do desempenho docente no quadro de uma referencialização teórica de matriz polimórfica, sucitando-o como um quadro teórico que propõe o desenvolvimento de um pensamento crítico que opera uma rutura com a exclusividade das perspetivas instituídas, segundo uma lógica multirracional e multidiscursiva. 2. METODOLOGIA Em termos gerais, o nosso trabalho metodológico insurge-se como uma proposta de desenvolvimento de um quadro teórico caracterizado por um pensamento crítico extraído de uma investigação teórica e empírica mais alargada, já antes realizada por nós (cf. Ramalho, 2012), tendo como objeto de estudo a (re)concetualização e análise teórica e empírica da reinterrogação e referencialização crítica da avaliação do desempenho docente na escola básica portuguesa. Tratando-se este texto de um elo central daquele nosso estudo, é, desde logo, um ensaio crítico que resulta de um quadro de referência marcado por uma incidência concetual que, introdutoriamente, caracteriza e insere o referencial político do desempenho docente e a respetiva narrativa do dissentimento na crítica ideológica sedeada no espectro teórico das teorias críticas da educação. Não obstante ser extraído de um trabalho de investigação mais exaustivo, levado a cabo ao longo de três anos, este ensaio, agora apresentado, adota uma metodología específica de revisão, com o objetivo de retomar e analisar os discursos de outros autores, segundo um largo espectro de (re)interpretação, não apenas no sentido de contemplar discursos já produzidos sobre o objeto de Página 382 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

estudo, mas de os criticar, reanalizar e, até, congregar, no sentido de reconstruir um referencial teórico capaz de reinterrogar o processo de referencialização da avaliação do desempenho docente na escola básica portuguesa. Assente numa pesquisa bibliográfica suficientemente compreensiva, caracterizada por uma arquitetura de análise e interpretação claramente extensiva e reorientada das idéias do revisor face às idéias dos autores revisados, este trabalho de revisão emerge como parte importante de um primeiro campo de análise propriamente dito (cf. Lima, 1992; Estêvão, 1998), ou como um fenómeno que contemplamos segundo um “ângulo teórico específico” (Hammersley & Atkinson, 1994: 57). O que nos leva a partir do pressuposto de que a revisão de literatura aquí apresentada e criticamente discutida é organizada para estabelecer nexos e desarticulações analíticas e interpretativas no conhecimento existente sobre o objeto em estudo (Caldas, 1986). Assim, embora decorrente de um plano de investigação qualitativa repleta de métodos, técnicas e procedimentos de investigação variados, circunstanciamos este nosso ensaio na metodología específica de revisão assente numa avaliação crítica que inclui a comparação, identificação e (des) articulação de concordâncias e discordâncias, entre vários autores e nós próprios, procurando relacionar os conhecimentos produzidos, identificando as orientações controversas, os temas ou subtemas sucetíveis de ser contrapostos, analisados, reinterpretados e, até, reinterrogados. Também por isso, o inserimos numa agenda de investigação que concretiza um determinado quadro teórico crítico de referência acerca do objeto em estudo. Portanto, não limitamos o nosso ensaio a uma mera determinação do estado da arte, mas mais como uma revisão teórica de (re) interpretação crítica, onde cumprimos com o propósito de inserir o tema revisado dentro de um quadro de referência teórica polimórfica para, a partir daí, analisá-lo, (re)interpretá-lo e explicá-lo (cf. Luna, 1997). Em termos procedimentais, o nosso ensaio de revisão e reconcetualização do campo teórico que procura referenciar pode ser caracterizado pelos criterios do propósito, da abrangência, da função e da abordagem (cf. Noronha & Ferreira, 2000): i) não se tratando de um exercício meramente analítico do estado da arte, porque não decorre de um fim em si mesmo, e dado que emerge de um primeiro campo de análise de suporte a uma investigação mais extensa e metodologicamente multifocalizada, insurge-se mais como um ensaio de base, precisamente porque serviu de apoio à construção de um amplo quadro referencial teórico de uma tese de doutoramento; ii) quanto à abrangência, mais do que se enquadrar numa dimensão temporal, também porque não assume a preocupação em estipular um período específico da revisão em si, apresenta-se claramente temático, debruçando-se, sem preocupações temporais, sobre a revisão de um recorte específico do tema em análise; iii) classificando-o quanto à função, assumimos este ensaio de análise crítica no seu sentido de atualização e reinterpretação de contributos considerados mais significativos sobre o assunto em revisão; iv) congruentemente, no aspeto

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da abordagem aos autores revisados, inserimos o nosso ensaio num trabalho de revisão híbrido, situando-se entre a perspetiva bibliográfica e uma componente mais crítica, enquadrado numa investigação de matriz sociológica, simetrizada por nuances muito acentuadas do ponto de vista ideológico e político (cf., a propósito, Gil, 2007), acerca do processo de referencialização da avaliação do desempenho docente na escola básica portuguesa. 3. ENSAIO BASE DE REVISÃO CRÍTICA DA REFERENCIALIZAÇÃO DA AVALIAÇÃO DOS PROFESSORES 3.1. A influência do eixo paradigmático da dialética social Ao decorrerem, fundamentalmente, do subjetivismo fenomenológico e hermenêutico, os postulados do paradigma crítico (Morrow & Torres, 1997) enquadram-se com o eixo da subjetividade, pelo que, por pressuposto geral, as correntes subjetivistas (cf. Trindade, 2001) têm como principal objetivo repensar a questão das atitudes, dos valores, das expetativas e dos sentimentos que envolvem o processo de desempenho profissional dos docentes e, genericamente, de todo o ato educativo. Por esta via, reequaciona-se a relação sujeito-objeto que é propiciadora do conhecimento da realidade, apresentando os participantes nos processos de avaliação como atores independentes e com capacidade para decidir sobre a sua própria conduta de forma autónoma (cf., a propósito, Rodrigues, 2001). Estando alinhado com as perspetivas qualitativas da realidade social, o eixo do subjetivismo introduz uma direção diferente do conceito de avaliação, em que os dados já não assumem o caráter essencialista do paradigma tradicional, deslocando-se o interesse para os significados que os sujeitos atribuem àqueles dados. Por outro lado, não são procuradas generalizações sobre o objeto avaliado, mas, antes, a sua compreensão como fenómeno social (Trindade, 2001). A propósito, Emmanuel Triby (2001: 334-335), referindo-se, especificamente, a algumas pistas programáticas para a compreensão do campo epistemológico da avaliação, observa que esta pode constituir uma “démarche de investigação” e não apenas o seu objeto ou, simplesmente, apenas um momento da investigação; conclui, ainda, que a avaliação é, sobretudo, um modo e uma oportunidade para redefinir o papel social do investigador em ciências humanas e sociais, associando-lhe uma lógica de avaliação-interpretação. Na mesma perspetiva, abre-se a possibilidade de a avaliação não se assumir, apenas, como uma ferramenta que, simplesmente, nos orienta para a ação, mas ocupando o lugar de um elemento-base da formação de uma teoria da ação, encetando a possibilidade de se poder reinterrogar a própria avaliação e tudo o que ela representa (Barbier, 2001). O espectro mais desenvolvido do subjetivismo fenomenológico envolve um sentido interpretativo (cf. Colás Bravo & Rebollo Catalán, 1997; Stufflebeam & Shinkfield, 2007) que impõe um exercício de compreensão e explicação do mundo social a partir do ponto de vista - subjetivo e

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não neutro - das pessoas que estão envolvidas nos respetivos processos sociais. Assim, termos como solipsismo, fenomenologia e hermenêutica (cf. Vergara & Caldas, 2005) adquirem grande significado epistemológico e metodológico, estando associados à característica comum de pretenderem, pela captação do sentido dos fenómenos sociais e pela interação social (idem, ibidem), compreender a experiência subjetiva dos atores sociais, em que a referência do conhecimento que mais conta não é tanto a do ator que observa a ação, mas antes a perspetiva do próprio ator produtor da ação. É a partir da perspetiva geral do paradigma subjetivista que avançaremos para uma corrente mais crítica da avaliação do desempenho docente. Assim, procederemos a um enquadramento do paradigma crítico da avaliação com os eixos da contra-análise institucional, das perspetivas instituintes e da dialética social propriamente dita (cf. Bertrand & Valois, 1994), denunciando uma perspetiva da avaliação enquanto atividade eminentemente política e como fonte de poder, cujo uso será suscetível de promover ou, inversamente, diminuir desigualdades sociais e profissionais (MacDonald, 1982). Na perspetiva da influência da dialética social na avaliação do desempenho docente, será adequado retomar, criticamente, a perspetiva da consciência discursiva dominante que tende a restringir as decisões sobre a avaliação do desempenho docente ao tópico da regulação e do controlo, com efeitos inibidores da possibilidade de se poder reinterrogar a avaliação, especialmente em favor do reconhecimento de uma maior politicidade, dialecticidade e capacidade de emancipação e autonomização dos docentes. Congruentemente, o processo de reinterrogação da avaliação de professores e educadores é, assim, inserido na perspetiva do “contraparadigma sociocultural” (Bertrand & Valois, 1994: 125) dedicado a uma sociedade e à educação centradas na pessoa. Por esta via “contraparadigmática”, a avaliação passa a depender de um envolvimento mútuo dos sujeitos, considerando-se relevante o papel das perceções, dos sentimentos, da afetividade e das motivações de cada um. Portanto, é suscetível que se reinterrogue a avaliação dos professores exatamente pelo lado da medida e da notação quando se perspetiva o trabalho dos professores e educadores, no mínimo, como um “objeto multidimensional”, surgindo mais como um pretexto, uma ocasião para apreender algo que passa por ser próprio do docente-produtor (cf. Hadji, 2001). Por outro lado, esta aceção contraparadigmática enquadra-se com o pressuposto segundo o qual o avaliador não é um instrumento de medida, mas um ator de comunicação social, sendo a avaliação primeiramente um problema de comunicação, alertando-se para a influência das situações e dos contextos sociais sobre a avaliação, sugerindo que se trata de um nível de compreensão da avaliação que implica uma interação ou uma negociação entre avaliadores e um avaliados, sobre um objeto a avaliar e os respetivos efeitos no ambiente social (cf. Hadji, 2001). Página 385 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

Não estará tanto em causa a troca de titular desse poder, mas antes a modificação da própria dinâmica do poder que é conferido pelo ato de avaliar: a lógica de partilha do poder de avaliar, numa clara tentativa de desconstruir a conceção dominante e autoritária da democracia representativa que, recentemente, tem dado origem aos sistemas de avaliação de professores e educadores ou, propriamente, introduzir essa avaliação no “tempo micropolítico” informado por um “tempo fenomenológico” (Hargreaves, 1998: 109 e ss.) que, decorrentemente, se mostra carregado de uma dimensão subjetiva a respeito dos sentidos e significados da educação, em geral, e do desempenho docente e respetiva avaliação, em particular. Com efeito, no alinhamento da perspetiva habermasiana, a autoridade do avaliador, estando exposta ao “poder avaliativo”, relaciona-se com a possibilidade que os avaliados têm em se converter em participantes (políticos) da ação comunicativa que a avaliação implica. Decorrentemente, a lógica da dialética social e dos processos comunicacionais, não obstante o facto de serem caracterizados por uma racionalidade específica da ação que induz uma racionalização dos contextos sociais concretos em que ocorre (Habermas, 1995), insere a avaliação de professores numa perspetiva de operação de leitura seletiva da realidade educativa, tratando-se de um exercício de leitura do avaliador que articula o levantamento de indícios ou indicadores de avaliação com o sentido e o significado dos comportamentos e atitudes dos avaliados, em função de informações e expetativas prévias ao ato de avaliar. Além disso, sobrevém a estes pressupostos a base epistemológica segundo a qual a avaliação do desempenho tende a orientar os esquemas de referencialização para a contemplação de habilidades não diretamente observáveis, embora já adquiridas ou em desenvolvimento, se bem que não necessariamente refletidas em “produtos demonstráveis na forma quantitativa” (Franco, 1990: 65). Por esta via, a avaliação do desempenho docente implica a construção e a compreensão do respetivo quadro negociável e negociado de referências, que especificam, em função de determinados critérios, um sistema de expetativas sobre o desempenho dos professores e educadores; os critérios, juntamente com os indicadores, cumprem uma função de orientação da leitura da realidade, não simplesmente na procura de uma absoluta objetividade do ato de avaliar, mas tão-somente um imperativo de legitimidade (Hadji, 2001), exatamente no sentido de ajuizar o valor do desempenho profissional do docente em relação ao que é legítimo esperar dele. Sendo considerada uma referência importante do eixo paradigmático radicado na dialética social, a teoria comunicacional de Jürgen Habermas (1995) estabelece uma influência decisiva sobre a teoria crítica da educação e da avaliação ao permitir introduzir a relação fundamental entre avaliação e a teoria da ação comunicativa dos sujeitos. Congruentemente, essa dialética social alinha-se com uma compreensão da ordem social que nos remete para a discussão da ação educativa, em geral, e da avaliação do desempenho, em particular, segundo a lógica de coordenação e regulação da ação perpassada pelo dissentimento e pelo posicionamento estratégico, eventualmente competitivos e conflituosos dos atores, pelo consenso ou cooperação, Página 386 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

admitindo a possibilidade de resultar num quadro de ordem social e organizacional multirracional. Consequentemente, a compreensão da ordem social e organizacional em que a ação educativa – destacando a avaliação do desempenho – ocorre segundo a premissa do espaço público definido como “[…] rede permitindo comunicar conteúdos e tomadas de posição, e portanto opiniões” (Habermas, 1997: 387), concretizando-se pela via da ação comunicacional e dialógica (Freire, 2008), “forçando” a emergência de uma configuração da escola como organização dialógica, comunicativa e deliberativa, em que a avaliação se torna “justa” e aceite como tal, desde que se mostre resultante de processos em que as condições de participação na definição das suas normas decorram de oportunidades iguais e simétricas (cf. Estêvão: 2011: 213 e ss.). Neste caso, assiste-se a um claro apelo à conceção habermasiana de “democracia deliberativa” (Habermas, 1997: 346) com base em processos deliberativos-comunicativos e com vista à formação de opiniões e da vontade comum (cf. Hobbes, s.d.; Rawls, 1993; Young, 2008; Estêvão, 2011). Abrem-se, assim, possibilidades ao incremento da avaliação democrática deliberativa suportada em processos (dialógicos) de recolha de informação multifocalizados e multicontextualizados, adotando uma configuração extensiva dos seus destinatários e dos respetivos fins (MacDonald, 1982; Fernandes, 1998) e concretizando os pressupostos da teoria dos interesses constitutivos (idem, ibidem: 14 e ss.) da educação e da avaliação. É, aliás, do interesse pela emancipação e da epistemologia da contradição (Bertrand &. Valois, 1994) que a avaliação do desempenho docente emerge como um processo democrático vertedor de um debate político, crítico e desocultador de questões ideológicas tendencialmente divergentes, marcadas, portanto, pelo dissentimento político, mas orientado para a negociação e o consenso mínimo. Além disso, sobressaem as dimensões meso e micro-organizacional da escola, segundo uma perspetiva de organização compósita, sustentada pelo pluralismo regulatório a que se assiste no seu interior que, na linha habermasiana, se baseia na atividade comunicacional que, de alguma forma, permite a conexão regular e estável das interações, com aplicação seja nos comportamentos de natureza cooperativa, seja nos comportamentos de caráter mais estratégico e conflituoso, permitindo alguma articulação entre a ação cooperativa e os comportamentos estratégicos dos atores (Estêvão, 1998; 2011). Parece-nos, mormente, que a ideia fundamental a reter do alinhamento paradigmático da dialética social, suportado pelos processos comunicacionais, é que passa a ser suscetível de inscrever a avaliação do desempenho docente numa lógica de arranjos e dinâmicas de negociação, em que o julgamento feito na base de um determinado juízo de valor é “[…] complexo e socialmente oblíquo” (Hadji, 2001: 39), não podendo ser realizado numa situação de exterioridade face ao quadro de categorizações profissionais oriundos dos contextos meso e micro- organizacionais. Não obstante, o eixo paradigmático da dialética social a que a avaliação estará sujeita permite que se façam determinados “[…] arranjos avaliativos específicos […]” (idem, ibidem) resultantes de processos de negociação implícitos ou explícitos estabelecidos entre avaliadores e avaliados. Página 387 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

Isto transforma a avaliação do desempenho docente, como qualquer outro registo avaliativo, num processo comunicacional dotado de uma racionalidade subjetivista, inscrita, por essa via, nos contextos sócio-organizacionais da escola em que o dissentimento, a negociação e a conjetura social e política - com sentido contra-argumentativo - ganham especial relevo. Neste caso, como observa o autor, o método de “avaliação metrológica” (notação associada a um ato de mensuração objetiva) tende a ser substituída pela “avaliação de transação” (idem, ibidem) - notação associada a um processo de negociação e contra-argumentação socioprofissional). A própria démarche da avaliação está condicionada pelas circunstâncias sociais, vivenciais, políticas e históricas dos atores envolvidos, levando a que o processo de avaliação seja caracterizado como lento e amplamente dependente do tipo de concertação social que os atores poderão desenvolver em torno de dissentimentos, consensos e tomadas de posições conjuntas ou marginais da ação avaliativa (cf. Colás Bravo & Rebollo Catalán, 1997). Assim, a pretensão da avaliação crítica será sempre contestar o sistema social dominante através da contra-análise social e educacional, de forma a mostrar as fraquezas do sistema institucional em vigor e recorrendo à estratégia da criação de contrainstituições ou, simplesmente da ação contrainstitucional, precisamente em prol de um ideário de sociedade autogerida caracterizado pela dialética dos vários campos de força (Bertrand & Valois, 1994). Assim entendido, este eixo paradigmático propõe uma conceção das instituições educativas e dos processos avaliativos sedeados em sistemas regulatórios exercidos, também, a partir da base e em prol do desenvolvimento permanente de forças alternativas e instituintes da mudança dos sistemas e processos de avaliação. Ao mesmo tempo, a contra-análise institucional tende a incidir em grupos e contextos restritos, de dimensão meso e, fundamentalmente microssocial, potenciando-se, contudo, como modelo de análise social que procura salientar as implicações sociais, económicas e políticas da observação sociológica que se faz da educação e, consequentemente, da avaliação dos professores e educadores. Não obstante o caráter contestatário da contra-análise institucional se enquadrar como “estratégia da denúncia”, os anos oitenta do século XX promoveram um trabalho teórico crítico (cf., a propósito, Apple, 1999; Giroux, 1999; McLaren 1997), mais com o sentido de despromover e desarticular o modelo tecnocrata de avaliação tyleriano sedeado nos pressupostos do paradigma tradicional (cf. Tyler, 1949) do que, propriamente, explicitar uma proposta alternativa sobre a avaliação educacional. Assinale-se, ainda, que fazer um enquadramento crítico da avaliação de professores e educadores na linha do eixo paradigmático da dialética social implica que se desenvolva uma perspetiva política das organizações escolares e dos seus atores, propriamente dentro de uma perspetiva “micropolítica educativa” (Bardisa Ruiz, 1997; Ball, 1994), mas confrontando-a e relacionando-a com a dimensão mais estrutural do aparato estatal ou macropolítico, responsável

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pela instrumentalização da avaliação do desempenho docente subscrita como instrumento ideológico de reprodução social e cultural (Apple, 1986; Bourdieu, 1989, 2008; Bourdieu & Passeron, 2001). Porém, propomos que a dimensão política surja como via de reinterrogação da avaliação do desempenho de professores e educadores, exatamente no sentido de mostrar que as instâncias meso e micropolíticas tendem a ser dotadas de uma transversalidade discursiva que as mune de uma autonomia relativa simbólica e, consequentemente, submete o funcionamento das organizações educativas e dos respetivos processos avaliativos à contra-análise de toda a sociedade que se pronuncia através de “[…] mensagens autónomas e funcionais da microsociedade escolar” (Bertrand & Valois, 1994: 166), tornando a avaliação num fenómeno social inteligível e viável, ao mesmo tempo que a modeliza e legitima numa dada ordem social (cf. Estêvão, 2011: 195). Congruentemente, o desempenho humano, à semelhança do que afere Charles Hadji (2001: 35), decorre das circunstâncias em que o ator social e organizacional é colocado; quando observado implica a perspetivação multivariável numa proporção difícil de avaliar, segundo a “função da história” das interações dos professores e educadores em contextos escolares e de toda a sua história escolar, denunciando o respetivo “tempo micropolítico” (Hargreaves, 1998: 109). Com efeito, o “peso das inserções sociais” e das “atribuições de valor” pessoal e profissional é considerável, cujos desempenhos tendem a mudar em função da circunstância social e organizacional em que os atores se encontram (Hadji, 2001: 36, 37). É, aliás, no quadro das referências meso e microcontextuais, que, por exemplo, Henry Giroux (1993: 174) defende a participação ativa dos atores periféricos como forma de “retirar” o poder da decisão política aos grupos dominantes. Isto implica que a avaliação se apresente tipicamente social e formativa para que o avaliado apreenda o respetivo modelo de avaliação, os seus sentidos e significados, e que essa apreensão lhe permita, continuamente, “corrigir” o seu desempenho, concretizando, também, a preocupação do modelo avaliativo informar e formar antes de julgar (cf. Hadji, 2001), enquadrando-se com a linha epistemológica da compreensão das situações e factos educativos, em detrimento da linha da predição e do controlo burocrático (cf. Guttentag, 1982). Porquanto, a matriz crítica da dialética social, com os seus eixos da contra-análise institucional e das perspetivas instituintes, alinha-nos com a perceção de que a avaliação de professores e educadores é, claramente, um espaço de poder, dado que, antes de tudo, a avaliação é assumida como um território primordialmente político e ideológico, prenunciando uma construção social subordinada a um complexo espectro de relações de poder, de interesses e de influências que é necessário contra-analisar. Além disso, é pela via desta contra-análise que são confrontadas as teorias da “reprodução social” (Althusser, 1980; Apple, 1986; Torres Santomé, 1995; Bourdieu & Passeron, 2001; Bourdieu, 1989, 2008) com as perspetivas que nos alinham mais para a “(re)

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construção social” (Kemmis, 1993: 111) como possibilidade prática contra-hegemónica (Torres Santomé, 1995: 51 e ss.). 3.2. A perspetiva do referencial político e da narrativa do dissentimento Em oposição à ideologia de Estado, ao profissionalismo burocrático e respetiva ordem central, a dinâmica do profissionalismo docente e consequente desempenho surgem-nos com uma outra face, que radica em perspetivas e ideologias meso e, muito especialmente, microestruturais de ordem local, com referência aos valores mais singulares da periferia, aos processos de micropoder, às dinâmicas de conflito de interesses e de racionalidades, aos esquemas de negociação e de (re)estruturação organizacional (Friedberg, 1995, 11 e ss.), em relação à ordem central. Tais perspetivas e microideologias acabam por ser aprofundadas no seu ethos político quando lhes associamos lógicas de interação social caracterizadas por processos dialéticos tendencialmente divergentes (Bertrand & Valois, 1994), relativamente irregulares ou incertos e marcados por um certo grau de incerteza social e organizacional. Nesta linha de discussão, a aceção das lógicas de referencialização do desempenho docente assentes na tese de Donald Schön (1992) ganha relevância, dado que sustenta um processo de referencialização da ação docente baseado na reflexão sobre as práticas, centrado na problematização, no questionamento e na consciencialização daquela ação, enquanto estratégia e abordagem reflexiva do desenvolvimento profissional e da mudança de atitudes na condução científica, técnica e prática dos processos de ensino-aprendizagem (cf. Schön, 1992; Stenhouse, 1975, 1984). Consequentemente, admitimos que os processos reflexivos a que Donald Schön (1992) se refere contextualizam os docentes numa perspetiva de contextos e ambientes organizacionais mais politizados, indo para além o dinamismo profissional técnico instrumental. Esta incidência conceptual coloca o referencial político do desempenho docente e a respetiva narrativa do dissentimento na senda da crítica ideológica (Apple, 1987, 1989; Giroux, 1988; Popkewitz, 1994, 1997; Hargreaves, 1998), introduzindo uma lógica de produção, e não apenas de reprodução, de sentido e de significado do desempenho docente e consequente avaliação. Uma lógica que, portanto, entra em rutura com as tendências para a naturalização do sentido e do significado do desempenho docente, hegemonizados segundo uma racionalidade instrumental do tipo técnico-burocrático, e sediado em arranjos institucionais e em perspetivas universais dos interesses gestionários desenvolvidos em torno da gestão dos recursos humanos da educação, pela via da avaliação do desempenho. Neste caso, a rutura opera-se segundo alternativas menos racionais e absolutas, inseridas numa lógica multirracional e multidiscursiva, segundo o arquétipo da “racionalidade limitada” ou, simplesmente, de uma racionalidade menor desenvolvida em torno dos sentidos e dos significados do desempenho docente enquanto objeto de avaliação, em que a lógica de gestão do desempenho docente de cariz centro burocrático, marcado por uma

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forte conexão normativa, acaba por ser revezada por um caráter mais do tipo adhocrático, que introduz alguma desconexão à ordem central. Esta visão de textura polimórfica e multidiscursiva dos sentidos e dos significados do desempenho docente acaba por (des)caracterizar os processos de gestão do desempenho docente como uma espécie de microarena que congrega interesses, racionalidades, micropolíticas e micropoderes de controlo e de lógicas de ação muito diversificados, divergentes e decorrentes de “interdependências estratégicas” (cf. Estêvão, 1998: 222) estabelecidas entre “avaliadores” e “avaliados”. Com efeito, a diversidade de interesses e de expetativas profissionais e pessoais e, mais genericamente, as lógicas de ação não coincidentes entre si induzem-nos para uma perspetivação não-monolítica ou políptica dos significados e dos sentidos que os professores e educadores atribuem às políticas e práticas de avaliação do seu desempenho. Esta linha de análise encerra uma narrativa de dissentimento político, tipicamente multilógica, acerca do que caracteriza a profissão docente e o respetivo desempenho profissional, concretizando uma tensão (latente ou manifesta) subsistente entre as logicidades da ordem local e o mando da ordem central. Congruentemente, mesmo reconhecendo que a focalização normativa nas regras formais que estruturam a ordem central da profissão docente representa a face oficial do seu desenho funcional, é admissível que a ação profissional dos professores e educadores seja condicionada por regras e orientações interpretativas e indutivas dessa ação de caráter não formal e informal (cf. Lima, 1998: 170 e ss.). Enfim, referimo-nos a outras racionalidades que se baseiam em esquemas de negociação e manipulação simbólica que tendem a reorientar as práticas profissionais dos docentes, desafiando, em certa medida, a ordem normativa e interpretativa oficial do profissionalismo e da ação docentes, numa lógica de “bater o sistema” (cf. Crozier & Friedberg, 1977: 42). Assim, a lógica da regulação do “mercado de comportamento[s]” (Estêvão, 1998: 247) dos professores e educadores, instituída pela crença na previsibilidade dos comportamentos profissionais, sai relativizada. Face a estes pressupostos, o modelo político (Bush, 1986) e algumas das suas variantes teóricas e concetuais, designadamente a teoria da ação (organizada) latente radicada nos “sistemas de ação concreta” e nas “zonas de incerteza” organizacional (Crozier, 1963; Crozier & Friedberg, 1977) e, ainda, o significado, por exemplo, da “racionalidade limitada” (Simon, 1983), oferecenos contributos importantes para a exploração e compreensão mais pormenorizada do referencial político e da narrativa do dissentimento no quadro concreto da avaliação do desempenho docente. Aplicados ao campo da referencialização, o referencial político e a narrativa do dissentimento realçam os processos de referencialização da avaliação do desempenho como uma construção sociopolítica, naturalmente conflitual, em que os processos de decisão, apesar de marcados pela informalidade, são vistos como alternativos e divergentes relativamente ao mando central. Página 391 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

Como tal, esses processos são politizados e marcados pela posição consolidada de coligações dominantes, concretizando a produção de referências e referenciais do desempenho docente como um espaço de “disputa ideológica” (Ball, 1994). Decorrentemente, a sensação e o sentimento de posse de poder para influenciar o processo de referencialização da avaliação do desempenho remetem-nos para a agregação e/ou confrontação de forças entre indivíduos ou grupos e respetivos interesses, pelo que a atividade do grupo que visa influenciar aquele processo tem mais importância estratégica e mobilizadora que o funcionamento da escola e do próprio sistema educativo (cf., a propósito, Bush, 1986). Esta lógica de resistência de bastidores tende a demarcar-se como fator de incompatibilidade dos docentes, tanto em relação à administração central como, muitas vezes, em relação às instâncias de gestão da própria periferia, especialmente quando tais instâncias tendem a funcionar como pequenas agências de gestão acopladas às instâncias centrais. Nesta abordagem da ação organizada e latente dos professores e educadores perante os processos de avaliação do seu desempenho, e sem deixar de notar que não se trata de uma novidade em termos conceptuais e analíticos, as questões de poder e de influência (enquanto indutivas de opinião e capacidade de liderança em função de interesses específicos de quem lidera e exerce influência) são entendidas como constelações de interações que ocorrem segundo uma perspetiva de luta de interesses (especialmente de carreira e de dominação), expectativas e crenças muitas vezes divergentes entre si, e entre si e o mando central. Andy Hargreaves (1998: 109) refere-se a esta ação organizada como algo decorrente de um “tempo com significado micropolítico”, fazendo depender o status da atividade profissional dos professores e educadores do tempo e dos recursos (designadamente humanos) que lhes são dedicados por estes, sendo condição fundamental para a criação de oportunidades para o desempenho de cargos de maior responsabilidade e para o usufruto de condições de trabalho com um índice de status profissional mais elevado. Na mesma linha de argumentação, o cerne do status profissional dos professores e educadores reside na circunstância de estar mais ou menos próximo da sala de aula. As responsabilidades profissionais colocam os docentes mais longe da sala de aula tendem a refletir-se num status mais elevado, e vice-versa. Consequentemente, à medida que subimos na hierarquia escolar também nos afastamos da sala de aula, querendo significar que quanto mais distantes estiverem da sala de aula, mais prestígio os docentes colhem, o que faz com que o tempo que os professores e educadores passam fora da sala de aula, mais do que um ajustamento administrativo ou racionalização de recursos (e, efetivamente, é-o do ponto de vista racional burocrático), é “[…] uma questão repleta de implicações micropolíticas” (idem, ibidem: 110). Aqui, deparamo-nos com os dinamismos profissionais decorrentes das áreas de bastidores, zonas de retaguarda ou zonas de incerteza que fomentam manifestações micropolíticas em tensão, mais ou menos intensa, com os locais de performance. Página 392 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

Sedimentada nestes pressupostos, a narrativa do dissentimento aponta para uma referencialização da avaliação do desempenho docente que se mostra políptica (Estêvão, 1998) e necessariamente relacional e conflituante relativamente à interseção travada entre as lógicas de macro, meso e micropoder, propiciando-se algum potencial para influenciar a modelização e a realização da avaliação do desempenho docente ao nível periférico. Neste caso, a noção de conflito surge muito mais como instinto tipicamente periférico no desenvolvimento dos processos de avaliação dos professores e educadores. Como tal, a dinâmica da avaliação sugere-se conflituante e dotada de um sentido de microarena política onde se jogam e desenvolvem sentidos e significados, nem sempre convergentes entre si, sobre o que avaliar, o para quê avaliar, o como avaliar, e o quem é avaliado por quem?! Congruentemente, a avaliação surge como um campo de poder importante ao alcance de alguns e fora do alcance de outros, desenvolvendo-se uma compreensão sobre a sua natureza muito próxima daquilo que poderíamos definir como oportunidade para subjugar, para ganhar status e poder sobre outros e exibir alguma virtude, ora formalmente reconhecida e legitimada, ora comentada e criticada entre bastidores com propósitos de deslegitimação e de não-reconhecimento. E, de facto, isto é um conflito que decorre de uma constelação de sentidos e significados da relevância estratégica das ações concretas dos professores e educadores no que ao avaliar e ser avaliado diz respeito. Consequentemente, a consideração do referencial político do desempenho docente leva-nos a olhar para os microcontextos como “ambientes de operação” (cf. Figari, 1996: 69) vertedores de um corpus de informações importantes para o processo de referencialização do desempenho docente, reportando-se, não apenas ao plano técnico profissional, mas, mormente, ao plano dos comportamentos, das representações, dos interesses, das expetativas e das conceções dos professores e educadores sobre o seu desempenho e respetiva avaliação. Portanto, a narrativa do dissentimento corresponde à possibilidade de contemplar a influência que a ordem local, de onde vertem os sentidos e os significados (ideológicos e práticos) do ator político da periferia, tem no processo de referencialização da sua avaliação, sendo animado por uma rede complexa de interesses individuais e grupais (cf. Armiger, 1987) em relativa convulsão (manifesta ou latente). Ao mesmo tempo, essa narrativa concretiza uma conceção do desempenho docente e consequente ação educacional inseparável da “erupção do político” no campo educacional (cf. Correia, 2000: 6). CONCLUSÃO Com o objetivo de reinserir os processos de referencialização da avaliação do desempenho docente num quadro teórico de referência de matriz crítica, a contemplação do referencial político e da narrativa do dissentimento permite que o debate político sobre a avaliação dos professores e dos educadores seja integrado na dinâmica organizacional da escola, segundo Página 393 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

uma configuração da “polis educativa”, tanto como referência à sua instrumentalidade para a consolidação da democratização da educação e da sociedade, como também com referência a uma dialética estabelecida entre os discursos e as práticas políticas da periferia (nomeadamente dos professores e educadores) e o discurso oficial, com níveis e dimensões de referencialização distintos, que ora divergem, ora, menos amiúde, se procuram compatibilizar minimamente. Apesar da dinâmica traçada entre as perspetivas macro, meso e micropolítica sugerir a emergência de conflitos intrassistema, a nossa abordagem conceptual ao referencial político e à narrativa do dissentimento não se esgota na conceção do conflito reduzido a uma relação linear e exclusiva entre o centro prescritor, o avaliador mandatário e os avaliados. Pela via da competição introduzida pela matriz do processo de referencialização (nomeadamente a definição de referentes) e consequente avaliação do desempenho, o conflito surge entre pares, especialmente quando estamos perante um modelo de avaliação que propicia sentimentos e práticas de competição por mais informação, por mais recursos, por uma melhor carreira, pela melhor posição hierárquica, pelo melhor status, etc., levando os docentes a incorrer em situações de conflito organizacional entre pares causadas pelas “condutas heterogéneas” ou divergentes entre si. Congruentemente, a avaliação do desempenho docente surge como um processo de gestão e racionalização da carreira docente perspetivado como um mecanismo vertedor de recursos limitados que os docentes precisam de utilizar para progredir na carreira. Não obstante as indicações denunciadoras das desarticulações comunicacionais ocorridas entre a macrorreferencialização e as derivações do micropolítico e, consequentemente, os contributos e interferências que, na perspetiva contraparadigmática e da contra-análise instituinte, o referencial político pode trazer aos processos de referencialização da avaliação do desempenho docente, não nos podemos escusar de apontar algumas fragilidades da sua perceção. Com efeito, na análise que nos é permitida fazer, a sua incidência mais explícita tenderá a privilegiar os objetivos e os interesses individuais, entendidos numa lógica subjetiva, estratégica e conflituosa, relevando para segundo plano a importância dos objetivos das meso e, sobretudo, das macroestruturas, relativamente às quais desenvolve uma espécie de preconceito ideológico de asfixia das instâncias e dos atores microestruturais, radicado na ideia de contra-análise instituínte. Mesmo assim, a relevância do referencial político, conjuntado à narrativa do dissentimento, é considerável no sentido de fazer vincar que, ao nível das políticas de avaliação de professores e educadores é inevitável que os “sistemas de ação concreta”, os interesses e as expectativas profissionais e pessoais introduzam algumas “zonas de incerteza” e venham a colidir com as orientações centrais, levando-os a fazer as suas “apostas”, umas vezes em convergência com o mando central, muitas outras vezes em clara mas subtil divergência. Portanto, o referencial político e a respetiva narrativa do dissentimento não obtém, da nossa parte, uma classificação de referencial ou conjunto de referências exclusivas e isoladas, e muito menos Página 394 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

os eventuais referentes o serão. Antes, porém, a sua ponderação como fontes de referências da avaliação do desempenho docente resulta da consideração e operacionalização efetiva de outros aspetos e logicidades do desempenho docente, podendo não se assumirem como meras alternativas em colisão, mas, antes, relativamente irmanados no momento de referencializar o desempenho docente como objeto de avaliação. Neste caso, a metodologia da referencialização subsiste como um processo que integra uma dimensão de planificação e modelização da própria avaliação e definição dos perfis de desempenho e dos respetivos fundamentos valorativos, validando tais perfis com referência às perspetivas, não apenas oriundas das macroestruturas educativas, mas, também, dos meso e, particularmente, dos microcontextos escolares. Assim, poder-se-á entender a metodologia da referencialização como uma construção coletiva, instituínte e multilateral que tem subjacente a elaboração de uma matriz de referência (referencial), sustentando a ideia de que a modelização da avaliação e a própria conceção do desempenho docente (enquanto objeto avaliado) são entendidas como um processo partilhado por atores alocados em níveis hierárquicos, com quadros de interesses e perceções muito variados. Consequentemente, o desempenho docente como objeto multirreferenciável e a derivada perceção da profissionalidade docente tendem a ser definidos como fazendo parte de estruturas escolares socialmente construídas de sentidos múltiplos, comportando mitos, cerimoniais e símbolos institucionalizados como tal, segundo as regras racionalizadoras da sociedade, em que os efeitos da educação tendem a emergir dessa lógica de multi-institucionalização ocorrida entre a perspetiva instituída e as perspetivas instituintes. Porquanto, as nossas recomendações para que possam ser consolidadas práticas de avaliação em torno de um processo de comunicação multilógico e multirreferencializador do desempenho docente vão no sentido de propor um quadro de avaliação mais sistémico que não se circunscreva à reformulação das grelhas e de roteiros de avaliação definidos, unicamente, pela esfera central. Este sentido de recomendação aconselha-nos a conceber o processo de avaliação de desempenho docente em função de outros parâmetros e referências conceptuais e praxeológicos. Consequentemente, tal implicará uma substancial alteração do sentido de utilidade dado à avaliação, evitando que se esgote na finalidade de produzir julgamentos de uns atores sobre a actividade desenvolvida por outros, com consequências mais ou menos instrumentais. Recomendamos, em alternativa, que o sistema de avaliação em geral, e os processos de avaliação em particular sejam suscetíveis de produzir, sistematizar referências, utilizar informações, posições e argumentos contextualizados que permitam a todos os atores do sistema participar numa reflexão sobre os problemas visados pela própria avaliação. Deste modo, evitar-se-ia uma tradução mimética da avaliação como controlo da acção docente, potenciando, inversamente, a sua capacidade de intervenção perante problemas do sistema ocorridos nos respetivos contextos de referência que, deste modo, podem deixar de ser indiferentes aos atores. O que se recomenda aqui é que a avaliação de desempenho não se converta num expediente tecnicoburocrático de Página 395 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

matriz centralista, com uma função dissuasora de comportamentos não desejáveis, mas antes como um factor capaz de estimular o seu maior incremento profissional e a sua proficiência organizacional, curricular, e pedagógica, incluindo a predisposição para assumirem dinâmicas de reinterrogação e aperfeiçoamento da avaliação. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Althusser,  L. (1980).  Posições 2 - Ideologia e Aparelhos Ideológicos do Estado.  Lisboa:  Presença. Apple, M. W. (1986). Ideología y Currículo. Madrid: Akal. Apple, M. W. (1987). Educación y Poder. Barcelona: Ediciones Paidós, Apple, M. W. (1989). Teachers and Texts: a political economy of class and gender relations in education. New York: Routledge. Apple, M. W. (1999). Políticas Culturais e Educação. Porto: Porto Editora. Armiger, M. L. (1987). The Political Realities of Teacher Evaluation. In J. Millman (ed.) Handbook of Teacher Evaluation (pp. 292-301). London: SAGE Publications, Ldt. Ball, S. (1994). La Micropolítica de la Escuela: hacia una teoria de la organización escolar. Buenos Aires: Ediciones Paidós. Barbier, J. (2001). Quelques Questions pour Recherché dans le Domaine de l’Évaluation. In G. Figari & M. Achouche. L’Activité Evaluative Réinterrogée: regards scolaires et sócioprofissionnels (pp. 351-360). Bruxelles: De Boeck Université. Bardisa Ruiz, T. (1997). Teoría y Práctica de la Micropolítica en las Organizaciones Escolares. Revista Iberoamericana de Educación, 15, 13-52. Bertrand, Y., & Valois, P. (1994). Paradigmas Educacionais: escola e sociedades. Lisboa: Instituto Piaget. Bourdieu, P. (1989). O Poder Simbólico. Lisboa: Difel. Bourdieu, P. (2008). La Reproduction de l’Ideologie Dominante. Paris: Demopolis. Bourdieu, P., & Passeron, J. (2001). La Reproducción: elementos para una teoría del sistema de enseñanza. Madrid: Editorial Popular. Bush, T. (1986). Theories of Educational Management. London: Harper & Row Publisher. Caldas, M. A. E. (1986). Estudos de revisão de literatura: fundamentação e estratégia metodológica. São Paulo: Hucitec. Colás Bravo, M. P., & Rebollo Catalán, M. A. (1997). Evaluación de Programas: una guía práctica. Sevilha: Kronos. Página 396 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

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25.PROMOÇÃO DO PENSAMENTO CRÍTICO ATRAVÉS DE ROLE PLAY E CONTOS INFANTIS. O PROCESSO GATO DAS BOTAS Viorica Alich | [email protected] Sónia Pereira | [email protected] Joana Magalhães | [email protected] Jogo Colorido -Gabinete Terapêutico, Avanca Resumo O pensamento crítico é uma forma de raciocínio de complexidade superior, articulando conhecimentos, experiências e competências intelectuais, apresentando-se como uma atividade reflexiva, que envolve aspetos cognitivos e afetivos, implicando clareza, relevância, razoabilidade, interpretação de dados, seleção de diversas alternativas, avaliação da veracidade ou probabilidade dos argumentos, capacidades de questionar o mérito, a qualidade ou o seu valor. A escola tem um papel importante na promoção do pensamento crítico, através da implementação na sala de aula de estratégias específicas e recursos intencionais e fundamentados para o seu desenvolvimento. As visitas de estudo, atividades práticas, resolução de problemas e role-playing entre outras, podem potenciar o referido desenvolvimento. Apresenta-se nesta comunicação a possibilidade de juntar elementos como role play e contos infantis, na perspetiva de promover o pensamento crítico nos alunos, nomeadamente na avaliação de comportamentos. Assim, role play é uma técnica que pode ser utilizada no processo de aprendizagem, no qual o aluno age de acordo com um papel numa situação específica, podendo ser vista como uma “simulação”. O role play coloca os alunos perante uma série de condicionalismos que existem no mundo real tal como o constrangimento, a motivação e a pressão, permitindo praticar diversos tipos de comportamentos, confrontar o indivíduo com reações muito semelhantes às vivenciadas na vida real e propiciar o contato com novas perspetivas. A literatura infantil promove o debate, o diálogo, a crítica e a originalidade. Os contos infantis surgem aqui como uma possibilidade de desenvolvimento e aprendizagem, contribuindo para o desenvolvimento moral. Ler, refletir e debater em sala de aula os dilemas morais contidos em muitas histórias infantis contribui para o desenvolvimento de valores como a tolerância e o respeito pela opinião alheia e a capacidade de discernir e de encontrar soluções alternativas, socialmente aceitáveis, para os problemas quotidianos. Será analisada a elaboração do Processo Gato das botas. Palavras-Chave: pensamento crítico, role play, contos infantis, comportamento.

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Abstract Critical thinking is an upper complexity form of reasoning. It combines knowledge, experience and intellectual skills. This is a reflexive activity that involves cognitive and affective aspects, which involve clearness, relevance, reasonability, data interpretation, selection of alternative solutions, evaluating truthfulness or the probability of arguments, the capability of questioning merit, quality or value. Schools play an important role to promote and develop critical thinking by the implementation of specific strategies and intentional resources, in the classroom. Activities such as school tours, practical activities, problem solving and role-playing, among others, can achieve the stated results. This paper presents the possibility of joining resources like role play and children’s stories (fairy tales) to promote critical thinking in the students, in particular behaviour evaluation. So, role play is a technique that can be used in learning process, where the student acts according to a specific situation, and it can be seen as a "simulation". Role-play confronts students with a series of real life conditions such as constrains, motivation and pressure as embarrassment, motivation and pressure, allowing practice different types of behaviours, confront the student with very similar reactions to real life experiences and provide contact with new perspectives . Children's stories encourage debate, dialogue, criticism and originality. Fairy tales arise as a possibility to learn and develop the moral sense. Read, reflect and discuss in class the moral dilemmas contained in many children's stories contributes to the development of values such as tolerance and respect for others’ opinion and the ability to discern and to find socially acceptable alternatives to daily problems. This paper will analyze the “Puss in Boots” elaboration process. Keywords: critical thinking, role play, children's stories (fairy tales), behaviour.

INTRODUÇÃO A violência juvenil, apenas recentemente foi considerada um problema de saúde pública (Craig, 1998, Egan & Perry, 1998, como referido em Seixas, 2006) prejudicando profundamente não apenas as suas vítimas, mas também as suas famílias, amigos e comunidades (WHO, 2002), contribuindo para uma série de problemas sociais (Kazdin & Buela-Casal, 2001), com custos elevados (Edwards, Céilleachair, Bywater, Hughes, & Hutchings, 2007), a médio e a longo prazo (Hill & Maughan, 2001). Segundo vários investigadores (Carvalhosa, Moleiro & Sales 2009; Seixas,2006, 2009) a prevenção da violência deve ser uma prioridade.

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O Programa Educação 2015 sugere que é desejável que as escolas articulem a sua ação com organizações que proporcionam apoio educativo e que desenvolvam atividades de intervenção social junto de diferentes comunidades (Ministério de Educação,2010), assim como a Decisão nº 779/2007/CE do Parlamento Europeu e do Conselho (2007), sobre a prevenção e combate à violência que indica, no art.3.º, o incentivo para “conceber e testar material de sensibilização e didáctico relativo à prevenção da violência contra crianças, jovens e mulheres e complementar e adaptar o já existente, para efeito da sua utilização noutras zonas geográficas ou com outros grupos-alvo”; e ainda as recomendações do Parlamento Europeu e do Conselho (2006) 2006/962/ CE, sobre as competências para aprendizagem ao longo da vida, que estabelece o Quadro de Referência e oito competências essenciais, entre quais competências sociais e cívicas, que incluem as competências pessoais, interpessoais e interculturais, e abrangem todas as formas de comportamento com objetivo de participar de forma eficaz e construtiva na vida social e laboral, e resolver conflitos quando necessário. As competências cívicas permitem ao indivíduo participar plenamente na vida cívica, com base no conhecimento dos conceitos e das estruturas sociais e políticas e numa participação cívica ativa e democrática. 1. FUNDAMENTAÇÃO Na revisão da literatura, Sá (2012) revelou que os programas de intervenção de grupo na área comportamental estão mais direcionados para a prevenção e transmissão de informação, todavia, existem programas de prevenção e reabilitação específica para jovens com comportamento desviante e com alguma patologia, como o Projeto GPS (Rijo & Sousa, 2004). O pensamento crítico tem vindo a ser associado de forma positiva ao rendimento escolar e aquisição de competências psicossociais (Dias, Franco, Almeida & Joly, 2011), sendo sobretudo valorizado no Ensino Superior. Contudo, os mesmos autores salientam que os alunos neste nível de escolaridade ainda não exibem as caraterísticas de pensamento crítico esperadas, atendendo à faixa etária e exigências que este nível de formação implica, revelando pouco investimento na promoção desta forma de raciocínio nos graus de ensino precedentes. Na grande maioria dos casos não falta informação para tratar um certo tema, ou seguir programas de intervenção já consagrados (Freitas, 2004; Rijo & Sousa, 2004; Sá, 2012). Não obstante, a presente investigação incide no objetivo de, através de uma revisão de literatura, elaborar um recurso de intervenção cognitivo-comportamental de grupo, que envolva a promoção do pensamento crítico, dirigido a alunos do Ensino Básico e que sirva posteriormente para a construção de um programa de intervenção. Esta forma de pensamento implica o uso de processos e operações cognitivas complexas, pouco promovidas e exploradas nestas faixas etárias, principalmente pela psicologia.

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2. CONCEPTUALIZAÇÃO TEÓRICA 2.1. Comportamento disruptivo Uma perturbação de conduta pode aparecer em rapazes a partir dos 4 anos (Lahey & Waldman, 2004), destacando-se pelas dificuldades em expressão emocional, desenvolvimento cognitivo fraco, baixa inteligência (Moffitt et al., 2011; Wasserman et al., 2004) assim como pela irritabilidade, impulsividade, baixo nível de autocontrolo e de controlo emocional (Moffitt, 1993). Os défices cognitivos básicos estão associados a processos cognitivos sociais deficientes, afetando a aprendizagem de regras sociais (Moffitt et al., 2011), e, em conjunto com o desenvolvimento emocional condicionam tanto o comportamento, assim como o desenvolvimento da linguagem e, em consequência, o decorrer da aprendizagem (Moffitt, 1993; Wasserman, et al., 2004). Para uma boa aprendizagem e para a educação de um cidadão ativo e eficaz numa sociedade democrática são necessárias várias habilidades como tomada de decisão, resolução de problemas, elaboração de conclusões, interpretação de textos escritos, análise de múltiplas fontes e identificação de relações de causa-efeito bem como várias habilidades de pensamento crítico, como julgar a força de um argumento, deteção de enviesamentos, identificação de pontos de vista, e determinar a credibilidade das fontes (Beyer, 2008a). Alguns investigadores defendem a ideia de que a mudança comportamental passa por alterações no desenvolvimento cognitivo (Almeida, 2002; Pereira et al., 2008; Rijo & Sousa, 2004; Rijo et al., 2007; Swearer, 2010) o que seria mais vantajoso em termos de resultados, pois a intervenção teria como propósito a mudança das cognições e perceções, promovendo o desenvolvimento de competências sociais mais ajustadas, estimular a capacidade de reflexão (Swearer, 2010) e ter efeitos benéficos a longo prazo, na vida adulta e profissional (Knudsen et al., 2006; Mourshed, Farrell & Barton, 2012). Por seu lado, o autoconceito, conhecimento dos outros e do mundo é uma crença que resulta da experiência acumulada por cada (Pereira et al., 2008) e esta crença torna-se disfuncional quando o indivíduo apresenta distorções no processamento da informação (ex: atribuir atenção seletiva para certos detalhes, ignorando outros também relevantes, tirar conclusões na ausência de dados que as confirmem, quando não mesmo perante dados que os infirmam) que pode criar resistência às mudanças ou em aceitar uma visão alternativa e, devido a essa rigidez os alunos com risco médio de insucesso escolar têm dificuldades em definir estratégias de resolução de problemas. Para uma maior eficácia, a resolução de problemas cognitivos e interpessoais exige diversas características, como a sensibilidade para os problemas dos outros, a capacidade de gerar soluções alternativas, a capacidade de ajuizar os meios mais adequados para alcançar uma determinada solução e a sensibilidade para as consequências e as relações de causa-efeito Página 404 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

no comportamento humano (Pereira et al., 2008). Os mesmos autores evidenciem tanto a importância do modelamento ou observação como a da aprendizagem vicariante que é a reprodução do comportamento observado, sugerindo o role play (fazer o papel de) e role taking (trocar de papeis) como técnicas úteis nos casos de comportamentos disruptivos; o role play é também utilizado no treino de competências sociais, consistindo em ensinar comportamentos e atitudes em grupo. Um estudo com crianças de 4-5 anos (Zaman & Fivush, 2013) revelou que os pais que contam histórias aos seus filhos promovem no mesmo tempo habilidades emocionais e um outro estudo, que influenciam as suas vivências (Fivush, Brotman, Buckner & Goodman, 2000). Compartilhar uma história em família leva a melhor entendimento e reconhecimento de emoções dos outros, criando uma sensação de união e conhecimento de si mesmo. (McLean & Pasupathi, 2010) Yang & Chung (2009) realizaram um estudo experimental de 10 semanas com aplicação do pensamento critico em aulas de educação cívica, em alunos entre 13-15 anos, que revelou melhorias significativas em várias áreas como a escuta e o respeito por ideias diferentes, tolerar pontos de vista divergentes e avaliar as suas ideias para um possível enviesamento, interesse e sentimento de realização, as habilidades comunicativas e de trabalho em equipa. Alguns alunos apresentaram melhorias nas suas habilidades de fala e coragem, na confiança e nas capacidades de se expressar. De acordo com isso, o comportamento disruptivo ou predisposição para este tipo de comportamento e um insucesso escolar associado a este, destaca-se pelas baixas competências cognitivas com dificuldades em gerar estratégias e resolver problemas cognitivos e interpessoais e que, a experiencia pessoal é fundamental e pode ser aprendida através de modelamento, visualização, role play e role taking, através de leitura de contos e partilha de histórias e que um programa de desenvolvimento cognitivo baseado no pensamento crítico é capaz de favorecer o treino de competências sociais e atitudes, assim como melhorar as habilidades de comunicação, expressão, confiança, sentimento de altruísmo e união 2.2. Pensamento Crítico Tenreiro-Vieira e Vieira (2000) salientam a rápida evolução da sociedade como um dos fatores que impulsiona a necessidade de se desenvolver o pensamento crítico, uma vez que as constantes transformações que ocorrem tornarão desatualizados a maioria dos conhecimentos atuais. Capacitar os alunos com competências de pensamento crítico é permitir que sejam capazes de recolher, selecionar e utilizar informação para enfrentar as situações com que se deparam, apontando ainda a instabilidade no contexto laboral como fator que reforça esta importância. As competências de pensamento crítico possibilitarão aos profissionais dar resposta de forma reflexiva e criativa aos problemas, assim como adaptar-se às exigências que um novo papel Página 405 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

profissional poderá trazer. Promover o pensamento crítico ajudará a desenvolver cidadãos capazes de refletir criticamente, que participem em debates públicos sobre questões sociais, reforçando-se assim a democracia e a responsabilidade social (Yang & Chung, 2009), orientando por valores a tomada de decisão no quotidiano ao interagir com os outros e com o ambiente (Vieira & Tenreiro-Vieira, 2005). O sistema de ensino tem vindo a privilegiar a implementação de metodologias que desenvolvam as competências do pensamento crítico (Lyutykh 2009; Yang & Chung, 2009), pois é importante que os alunos quando saem da escola saibam pensar e ler a realidade circundante, e serem capazes de assumir autonomamente os seus direitos e deveres de cidadania (Almeida, 2002), indo ao encontro do veiculado na Lei de Bases do Sistema Educativo (1986): “formando cidadãos capazes de julgarem com espírito crítico e criativo o meio social em que se integram e de empenharem na sua transformação progressiva”. Cabe aos educadores o compromisso de ajudar os alunos a desenvolver o conhecimento, recorrendo a tarefas diversificadas que requerem a aplicação de várias operações mentais complexas, ou seja, capacidades de pensamento (Beyer, 2008b), sendo através dessas tarefas que os alunos vão estimulando as suas habilidades de raciocínio, até chegarem à prática do pensamento crítico. Tem-se assistido a um interesse emergente da área da educação e psicologia pelo pensamento crítico, que se relaciona com a sua importância e prática no processo de ensino-aprendizagem, assim como no papel que assume enquanto promotor de competências específicas para a própria reflexão (Phan, 2010). A revisão da literatura revela a existência de um grande número de definições que apontam para diversas perspetivas, o que reflete a sua elevada complexidade (Kadir, 2007; Petress, 2004, como referido em Phan, 2010), não havendo um consenso entre investigadores quanto a taxonomia (Tenreiro-Vieira & Vieira, 2000) nem na definição de conceito, recorrendo-se a terminologia variada, como habilidades, competências, capacidades, disposições, para se referir ao mesmo aspeto (Kadir, 2007). O pensamento crítico é uma forma de raciocínio de complexidade superior, articulando conhecimentos, experiências e competências intelectuais, apresentando-se como uma atividade reflexiva, que envolve aspetos cognitivos e afetivos, implicando clareza, relevância, razoabilidade, interpretação de dados, seleção de diversas alternativas, avaliação da veracidade ou probabilidade dos argumentos, capacidades de questionar o mérito, a qualidade ou o seu valor (Ennis,1985; Franco, Dias, Almeida & Joly,2011; Halpern, 1998;Tenreiro-Vieira & Vieira, 2000; Tenreiro-Vieira & Vieira, 2013) envolve também indução, dedução, classificação e definição de relações (Sigel,1984, como referido em Kadir, 2007), assim como abstração, autoconhecimento, categorização e flexibilidade cognitiva (OMS, 2004) que nos levam a produzir ideias e conclusões Página 406 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

(Ericson & Hastie, 1994, como referido em Kadir, 2007). Este processo requer introspeção e vontade de refletir sobre o pensamento, sendo por isso necessário a presença tanto de habilidades como de disposições, estando ligado à metacognição, isto é, pensar sobre o próprio pensamento e é fundamental que a pessoa esteja motivada e que coloque esforços para pensar criticamente (Ennis, 1985; Halpern, 1998; Lyutykh, 2009; Nieto & Saiz, 2011). O pensador crítico deverá utilizar as suas habilidades cognitivas para recolher e avaliar provas, para formar juízos, e para monitorizar a qualidade das decisões tomadas (Halpern, 1998), apresentando uma atitude ativa face ao conhecimento e à resolução de problemas (Dias, Franco, Almeida & Joly, 2011; Ennis, como referido em Tenreiro-Vieira & Vieira, 2000). A promoção do pensamento crítico favorece as aprendizagens escolares para obtenção de sucesso, possibilita que indivíduos, alunos e profissionais adquiram competências para ponderar diferentes tópicos para depois tomar decisões fundamentadas e de forma autónoma (BeharHorenstein & Niu, 2011; Dias, Franco, Almeida & Joly, 2011; Franco, Rivas, Saiz & Almeida,2011), dando dessa forma resposta às exigências do mundo atual (Costa, 2007; Franco, Rivas, Saiz & Almeida, 2011; Kadir, 2007; Tenreiro-Vieira, 2004; Vieira, Tenreiro-Vieira & Martins, 2011) relacionando-se positivamente com a autoeficácia e domínio no desempenho dos objetivos (Phan, 2011). Deve por isso ser desenvolvido desde os primeiros anos de escolaridade, pois segundo Heyman (2008) em idade precoce, por volta dos 3 anos, as crianças são já capazes de colocar em dúvida a credibilidade da informação. Ao ser oferecido aos alunos programas centrados explicitamente na promoção e prática destas capacidades de pensamento é possível promover as suas capacidades de pensamento crítico (Bensley, Crowe, Bernhardt, Buckner & Allman, 2010; Piette, 1996, como referido em Pinto, 2011). Os estudos neste âmbito têm surgido em grande número assim como a elaboração de programas destinados a promover as capacidades de pensamento crítico nos alunos (Tenreiro-Vieira, 2004), que apontam como principais atividades promotoras destas capacidades a análise de artigos, os jogos de papéis, a escrita de ensaios argumentativos, a pesquisa de informação em diferentes fontes; o brainstorming, os mapas de conceitos e os questionamentos (Tenreiro-Vieira, 1999 como referido em Fartura, 2007). 2.3. Role play A participação em atividades de role play, também conhecidos como jogos de papéis permite que os alunos trabalhem em colaboração com o intuito de resolver uma situação potencialmente real, desenvolvendo as suas capacidades de pensamento crítico (Ertmer et al., 2010; Tompkins, 1998), favorecendo também as relações interpessoais e a experimentação e desenvolvimento de papéis mais criativos e espontâneos através da exposição a situações desafiantes (Moreno, 1956, como referido em Wechsler, 1999). Página 407 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

Ladousse (1987, como referido em Cardoso, 2009) afirma que na técnica de role play o aluno assume um papel e representa uma situação específica num ambiente seguro. Esta representação distingue-se de uma simulação devido ao seu carácter mais flexível, uma vez que, exige ao aluno uma tomada de consciência ao longo do processo de criação do seu papel e, de forma subjacente, conhecimentos que possui acerca do mundo e da realidade que o rodeia. Desta forma, é necessária uma participação ativa e consciente do aluno, que não se limitará somente a reproduzir algo previamente ensaiado, mas antes a criar/ representar a personagem/ situação com base na visão subjetiva que possui de si e de “uma série de condicionalismos que existem no mundo real”, tais como a motivação, o constrangimento e a pressão (Ments, 1999, como referido em Cardoso, 2009). Este método poderá ser utilizado como estratégia de intervenção quando surgem comportamentos problemáticos no contexto escolar, quando o aluno se encontra entregue a si próprio e surge a necessidade de desenvolvimento de novas respostas comportamentais a partir da modelagem social, quer através do aumento de insight e da capacidade de compreensão empática do outro, bem como, do treino sistemático das competências a adquirir (Pereira et al., 2008). Tendo por base o método de Moreno e teoria Sociodinâmica surgiu mais tarde, o role playing game, um jogo de interpretação que implica o uso de regras previamente definidas, uma narrativa detalhada, bem como, um narrador/ moderador que conte a história e estimule a participação dos intervenientes. O recurso a adereços e roupas adequadas à temática reveste-se como instrumento valioso para o desenvolvimento da criatividade e poder imagético (Andrade & Carneiro, s.d.). O objetivo central é que os participantes interiorizem o papel, sentindo-se na pele da própria personagem, para que perante os enigmas ou dilemas morais através da história, tomem as suas próprias decisões, emitindo os seus juízos e adotando uma postura ativa e crítica (Andrade & Carneiro, s.d.). O role playing game assume um carácter pedagógico, desenvolvendo competências como o raciocínio lógico- abstrato, a criatividade e o sentido crítico quando se trata de tomar posição sobre um determinado problema ou dilema moral; induz à permanente interação e cooperação entre os participantes e o meio, bem como, à construção simbólica que estes fazem da realidade apresentada (Andrade & Carneiro, s.d.). O jogo poderá assumir diversas formas, salientando-se os live-action (Carvalho, 2013). Esta modalidade proporciona um maior dinamismo e possibilidade de expressão corporal, sendo visualmente mais atraente e realçando as relações corporativas entre os intervenientes (Andrade & Carneiro, s.d.). De forma global, surge como estratégia de intervenção para o desenvolvimento de competências sociais, de pensamento crítico e de defesa face a atitudes manipulativas, promovendo o desenvolvimento de comportamentos de autorregulação, de autonomia e de Página 408 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

responsabilização nos alunos, quando realizada em contexto de sala de aula (Pereira et al,. 2008), sendo entendida enquanto oportunidade ativa de aprendizagem que envolve tanto os processos afetivos como cognitivos (Jones 2007, Mooradian 2008, como referidos em Ertmer et al., 2010). A atividade de role play possibilita ainda a realização de uma reflexão intencional e orientada que ajudará o aluno a assimilar os objetivos da experiência de aprendizagem e apoiar o desenvolvimento do pensamento crítico, fornecendo insights sobre as intervenções dos alunos. Promoverá a aprendizagem reflexiva e poderá incentivar os alunos a discutir como intervir em situações de maior grau de complexidade, ajudando também na capacidade dos alunos em transferirem novos conhecimentos para situações reais (Ertmer et al, 2010). 2.4. Conto Investigações realizadas demonstram que retemos 25% do que ouvimos (informação oral), 50% do que ouvimos e vemos (informação com imagens) e 75% do que ouvimos, vemos e fazemos (Freire, 2002), deste modo, pode-se considerar que a leitura associada a experiências de visualização e recriação de histórias são uma via fundamental para o processo de desenvolvimento e aquisição de novas aprendizagens. Existem resultados que sugerem que os contos e as narrativas estimulam a nossa imaginação, clarificam as emoções e sugerem soluções para problemas (Noctor, 2006; Tsitani et al., 2011; Ucko, 1991), não apenas em crianças mas também nos adultos (Bettelheim, 1976, como referido em Moxnes, 2006) promovem a iniciativa e a capacidade de autonomia (Rustin & Rustin, 2003, como referido em Tsitani et al., 2011) sendo por isso considerados enquanto forma superior de pedagogia (Santos, 2002). Os contos têm sido relacionados com o desenvolvimento cognitivo e emocional das crianças (Bettelheim, 1976, Favat, 1977, como referidos em Milner, 1982; Walsh, Murphy & Dunbar, 2007) com resultados muito positivos para estas (Saltz & Johnson,1973, 1974, Saltz, Dixon, & Johnson, 1977, como referidos em Milner, 1982). Ler, refletir e debater em sala de aula os dilemas morais contidos em muitas histórias infantis contribui para o desenvolvimento de valores como a tolerância e o respeito pela opinião alheia e a capacidade de discernir e de encontrar soluções alternativas, socialmente aceitáveis, para os problemas quotidianos (Walsh, Murphy & Dunbar, 2007). A tradição de contar histórias promove o conhecimento de si e do outro; facilita a experiência de emoções, a tomada de decisão e a exploração e estimulação do sentido crítico (Fernandes, 2008). Por exemplo, Perrault, criador da história Gato das Botas, pretendeu com os seus contos despertar os sentidos, entretendo as crianças assim como alertar crianças e jovens sobre os perigos da sociedade (Fernandes, 2008). Os seus textos apresentavam um carácter ambivalente: por um

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lado a estrutura do conto destinava-se à criança, por outro a ironia e a sátira implícitas no texto e na moralidade reservavam-se para os adultos (Shavit, 2003, como referido em Fernandes, 2008). De acordo com Howard (1991, como referido em Oldford, 2011) muitas peças de ficção literária, como a Cinderela, O gato das Botas, Pinóquio ou Bela Adormecida, revelam conflitos e temas como o bem e mal, a vida e a morte e o amor e ódio, consistindo numa modalidade ideal para a aprendizagem. Os contos infantis, com os seus espaços intemporais do “era uma vez”, “há muitos, muitos anos”, exprimem de forma propositada que deixamos o mundo concreto da realidade diária (Diniz, 1994; Fernandes, 2008), conduzindo-nos ao passado, mas sendo um passado que se torna presente para controlar o futuro; esta distanciação permite a identificação com os elementos do conto e o sentimento de que não é de nós que se trata (Diniz, 1994). Em defesa dos contos infantis surgiram vários psicólogos que reforçaram a importância destes em ajudar crianças a crescer interiormente, já que permitem resolver emoções e conflitos, que por si só não seria possível. Nesta linha, Bruno Bettelheim refere que os contos de fadas «orientam a criança no sentido de descobrir a sua identidade e vocação e sugerem também quais as necessárias experiências para melhor desenvolver o seu carácter» (Bettelheim, 1991, como referido em Fernandes, 2008). Os contos ao evocarem as realidades mais angustiantes da vida, como o abandono, a velhice ou a morte dos pais, permitem que o público-alvo adquira estratégias de gestão frontal de tais problemáticas, num contexto simples mas pedagógico (Santos, 2002). O recurso aos contos para desenvolver as capacidades de pensamento é referido como uma ferramenta eficaz, contudo, há que atender que “para que uma história possa prender verdadeiramente a atenção de uma criança, é preciso que ela a distraia e desperte a sua curiosidade” que estimule a imaginação (Bettelheim, 1975, como referido em Santos, 2002). Os jovens com problemas de comportamento recusam-se frequentemente a participar em atividades pouco apelativas, monótonas ou puramente racionais, portanto, quanto mais lúdico e experiencial o material proposto para o trabalho menos riscos de não adesão se corre (Rijo & Sousa, 2004). 2.5. Audiovisual Segundo vários autores (Ferrés, 1996, Cronin, 1997, Herrel & Fowler, 1998 e Silva, 1998, como referidos em Caldas & Silva, 2001) os filmes são um excelente meio para apresentar informação e proporcionar uma aprendizagem bem-sucedida, tendo a capacidade de fomentar emoções, tornando dessa forma a informação mais motivadora e de facilitar a comunicação de problemas complexos (Caldas & Silva, 2001). Página 410 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

O cinema, segundo uma perspetiva formativa, é capaz de transmitir valores culturais, sociais e educativos, potenciando o desenvolvimento humano e a melhoria do comportamento social (Pereira, 2011) são considerados como poderosos aliados na construção do saber, no exercício crítico e reflexivo sobre assuntos diversos (Martins & Costa, 2008). Contudo, é importante que os alunos não sejam espectadores passivos dos filmes, que não se fique só pela sua função de distração, mas sim, que se impulsione o uso da narrativa presente para debates temáticos (Martins & Costa, 2008) aprimorando-se o desenvolvimento do pensamento crítico. Assim, é essencial que os alunos compreendam que a visualização de um filme, embora seja uma experiência agradável, é sobretudo uma experiência de aprendizagem, que tem o propósito de facilitar o desenvolvimento das suas capacidades de pensamento (Ekahitanond, 2011). 3. METODOLOGIA O recurso apresentado neste artigo foi construído sobretudo a partir da revisão da literatura. Desta forma o nosso modelo incidirá sobre o desenvolvimento cognitivo e terá como fundamento a promoção do pensamento crítico, implementado através do conto e role play, esperando-se assim uma mudança comportamental. Encontramos em Rijo & Sousa (2004) uma orientação mais detalhada na construção das sessões, onde se incluem as dinâmicas de grupo como parte da sessão, que têm como objetivo aumentar o interesse, motivar para a participação e ativar o envolvimento emocional, evitando desta forma a monotonia que podem assumir a forma de um jogo de papéis, atividade mais ou menos lúdica, teatro de fantoches, construção de histórias, exercícios de imaginação, visionamento de vídeos, de jogos ou de desafios ao grupo, poderá se utilizada qualquer outra dinâmica, desde que adaptada ao grupo colocando os participantes numa situação experiencial, de aprendizagem ativa (implicada, participada e interativa). Por outro lado, os mesmos autores alertam que o lúdico pode tornar difícil o trabalho de reflexão e consciencialização (Rijo & Sousa, 2004), no entanto, segundo a nossa revisão da literatura acima apresentada, a promoção do pensamento crítico em idades mais jovens será muito mais apelativa em contexto lúdico. O pensamento crítico, na opinião de Ennis (como referido em Tenreiro-Vieira & Vieira, 2000 p.105), “é uma forma de pensar reflexiva e sensata e com objetivo de decidir no que se deve acreditar ou fazer” e que implica “sempre a ideia de avaliação” (p. 27) direcionado para a tomada de decisão e construção de uma opinião. A Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (OMS, 2004), indica que as “funções mentais envolvidas na escolha entre diferentes opções, tais como, aquelas envolvidas na formulação de uma opinião” (p. 58) correspondem ao Julgamento.

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Por outro lado, o Julgamento na linguagem jurídica (Ministério da Justiça, 2013) corresponde a um ato processual, parte de um processo penal que tem por fim a realização da justiça, por meios processualmente admissíveis e por forma a assegurar a paz jurídica dos cidadãos e onde existe uma denúncia, recolha de indícios suficientes de se ter verificado um ato cometido e indícios de facto e elementos suficientes para o justificar, debate oral e contraditório, produção da prova pela acusação e defesa, colocação de perguntas e solicitação de esclarecimentos, produção da prova testemunhal, conclusões de facto e de direito, extraídas da prova produzida, refutação dos argumentos e onde o discurso deve incidir só sobre os factos e só sobre o que está em questão. Cada juiz e cada jurado enunciam as razões da sua opinião, indicando, sempre que possível, os meios de prova que serviram para formar a sua convicção. Desta forma chegamos à conclusão de realizar uma dinâmica do grupo semelhante a um processo penal a que chamamos atividade processual, onde o procedimento será parecido com um ato em tribunal, não seguindo todos os termos e procedimentos, mas respeitando as noções básicas: lesado, arguido, juiz, jurados, acusação, defesa e testemunhos. Sendo esta parte atribuída ao role play, na modalidade de live-action, com recurso a adereços e roupas adequadas. Faria (2009) referiu que os contos populares estão ligados às tradições e crenças de um povo, pertencendo ao género narrativo, visando propósitos precisos, como sejam os valores morais, a formação do indivíduo e a pedagogia social, mas moralizar não é uma das suas principais intencionalidades. Entre outros contos escolhemos para a primeira tentativa o conto Gato das Botas, por ser dos mais conhecidos e proposto pelo Ministério da Educação (2013), por não ser mesmo um conto moralizador, e que contado induz uma imagem de um herói e que até instiga a coação, não exigindo uma reflexão ou um julgamento dos factos, contudo os meios através dos quais o Gato conseguiu tudo não são os mais adequados ou seja, são antissociais. Mais de como isso, o Dono do Gato aproveitou-se da ajuda do Gato para enganar o Rei e casar com a sua filha. 3.1. Recurso: O Processo Gato das Botas Assim, a nossa atividade processual, a qual denominamos de O Processo Gato das Botas, será um julgamento onde colocaremos em análise o comportamento e as atitudes do Gato. Ao longo do processo será analisada a queixa do Rei por ser enganado, o “Ministério Público” (moderadores) apresentará a sua prova (o filme animado que conta a historia do Gato das Botas, da coleção Histórias da Carochinha para idade pré-escolar, com duração de 5 minutos), o juiz terá que ouvir o arguido (Gato), a acusação e as suas testemunhas, a defesa e as suas testemunhas e promover um debate. Desta forma serão necessários 12 voluntários para representarem os seguintes papéis: coletivo de juízes (3- juiz principal e dois auxiliares); advogado de defesa (1) e respetivas testemunhas (3- Princesa, aia da Princesa e dono do Gato); advogado do lesado (1) e Página 412 | Pensamento Crítico na Educação: Perspetivas atuais no panorama internacional

testemunhas (3- Rei, criado do Rei e criado do Monstro). A cada participante será atribuído um cartão com as frases que deverá dizer/ler, com a possibilidade de desenvolver o seu testemunho à volta destas. Respeitar este ponto é muito importante, pois são apresentados dados que influenciarão a decisão final. Simultaneamente, acompanhando o desenrolar da atividade, será projetado em PowerPoint a descrição das etapas que estão a acontecer, assim como informações relativas ao número de voluntários e respetivas funções e o que será solicitado a cada papel. Atendendo à idade dos alunos e às recomendações (Rijo & Sousa, 2004) seguimos o princípio da descoberta guiada e num contexto de questionamento (de preferência o dialogo socrático), e utilizando o método indutivo, pretendeu-se guiar o grupo para determinadas conclusões. É muito importante que os alunos generalizem esses conhecimentos a situações da vida real (Ertmer et al., 2010; Rijo & Sousa, 2004). Relativamente ao papel dos moderadores (Rijo & Sousa, 2004) para que a implementação de um programa de intervenção seja eficaz é fundamental que estes estejam preparados e sejam detentores dos conhecimentos necessários para conseguirem concretizar os objetivos a que se propuseram. É exigido um elevado grau de coordenação entre os responsáveis, para garantir que o trabalho decorra sem falhas e que estão abrangidas todas as etapas do processo (Rijo & Sousa, 2004). No que concerne à postura dos moderadores, esta deve ser de grande aceitação face aos comportamentos, atitudes e reflexões dos participantes, devendo-se evitar os juízos de valor sobre os conteúdos partilhados, de forma a possibilitar que se sintam à vontade e num ambiente seguro, onde possam exprimir as conclusões sem se sentirem avaliados (Rijo & Sousa, 2004). O presente recurso pode ser avaliado relativamente à presença do pensamento crítico com as habilidades do pensamento crítico segundo Piette e Gubbins (referidos em Tenreiro-Vieira & Vieira, 2000), o que evidencia a relação entre o que é proposto nesta atividade e o que os autores apresentam como sendo capacidades fundamentais e que se apresenta de seguida na tabela 1.

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Tabela 1. Relação entre as etapas da atividade e a promoção do pensamento crítico segundo Piette e Gubbin.

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4. REFLEXÕES A revisão da literatura revelou-se fundamental para que os propósitos desta atividade fossem concretizados e permitiu também analisar e expor a técnica de role-play enquanto estratégia de intervenção comportamental, que desempenha um papel importante no recurso apresentado. Consideramos essencial a presença do pensamento crítico na análise de um comportamento, assim como para a construção de uma crença e autoconceito, pois envolve a análise de factos, argumentos, credibilidade e veracidade, entre outros. É esta relação entre a análise do comportamento, seja o meu ou do outro, e o uso de competências de pensamento crítico que procurámos evidenciar, uma vez que só recorrendo a estas competências é que poderemos avaliar e julgar os atos e escolher a solução mais ajustada a cada situação. A concretização deste recurso permite-nos dar continuidade ao nosso trabalho para elaborar um programa de intervenção, assim como proceder à avaliação do impacto do programa na promoção do pensamento crítico. Reconhecendo os limites de aplicação das competências do pensamento crítico numa sessão (atividade processual), devemos ter em conta que dentro de um programa estejam envolvidas o maior número e as mais variadas competências possíveis. Novas pesquisas sobre a promoção do pensamento crítico enquanto intervenção comportamental serão necessárias. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Almeida, L. S. (2002). Facilitar a aprendizagem: ajudar os alunos a aprender e a pensar. Psicologia Escolar e Educacional, 6 (2), 155-165. http://www.scielo.br/pdf/pee/v6n2/v6n2a06.pdf Andrade, M. R. D., & Carneiro, C. R., (s.d.). A utilização do RPG: Role Playing Game como instrumento pedagógico para a prática da leitura, oralidade e escrita. http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/ portals/pde/arquivos/146-4.pdf Behar-Horenstein, L. S., & Niu, L. (2011). Teaching Critical Thinking Skills in Higher Education: a review of the literature. Journal of the College Teaching & Learning, 8 (2), 25-41 http://www.google. pt/url?sa=t&rct=j&q=&esrc=s&frm=1&source=web&cd=23&ved=0CDkQFjACOBQ&url=http%3A%2F%2Fwww.cluteonline.com%2Fjournals%2Findex.php%2FTLC%2Farticle%2Fdownload%2F3554%2F3601&ei=axO1UcX8GIyA7Qb1o4DwAw&usg=AFQjCNFwbMouFwW7RnMwIB7Ddu9xcJVcBQ

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