Pensamento estratégico e insurgências na contemporaneidade

May 24, 2017 | Autor: Fernando de Oliveira | Categoria: Military History, International Relations, Political Science, Strategic Thought
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Pensamento estratégico e insurgências na contemporaneidade OLIVEIRA, F. B.1

RESUMO Observando os escritos de Da Guerra de Carl von Clausewitz, podemos compreender um conflito bélico como um duelo de vontades opostas que está sujeito a várias frustrações, aquilo que pode ser descrito como atrição. Aqui se torna claro que mesmo Clausewitz tendo desenvolvido um grande compêndio das causas originárias da guerra, e também do desenvolvimento do pensamento estratégico como um todo, é possível delinear algumas omissões em sua teoria. O presente trabalho não tratará exclusivamente sobre estas omissões, mas sim sobre uma possível nova abordagem a cerca da existência de um elemento novo na trindade paradoxal (racionalidade, chance e paixão) do universo clausewitziano. Logo, mesmo que os elementos da trindade paradoxal clausewitziana estejam de acordo com a moldagem da guerra regular contemporânea, se questiona se estas são satisfatórias o suficiente para uma compreensão estratégica e política das insurgências. A partir disso, serão demonstradas as contribuições teóricas tanto de Clausewitz quanto de Galula, complementadas por importantes pesquisadores da área de estratégia, evolução do pensamento estratégico e insurgência. Desta forma, contribuindo para o debate a partir de uma abordagem mais abrangente da guerra assimétrica e não convencional. Posteriormente, essas contribuições serão discutidas através de uma pesquisa qualitativa que irá cruzar suas propostas teóricas, procurando analisar a possibilidade da existência de um quarto elemento que transcenda a trindade paradoxal. Sendo assim, deve-se atentar ao fato que este possível novo fator é capaz de alterar a direção e o desenrolar da guerra tanto quanto os outros três anteriores. Mais adiante, uma vez entendida a possibilidade da existência de uma quarta substância chamada insurgência, há também uma necessidade para o desenvolvimento de numa nova abordagem para uma compreensão satisfatória dos princípios de operações de contra insurgência, pois muitos dos atuais métodos podem não estar adaptados à dificuldade de análise política e estratégica da realidade destes conflitos. Palavras chave: Insurgência. Clausewitz. Contemporaneidade.

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Estudante do Curso de Relações Internacionais - Centro de Integração MERCOSUL - Universidade Federal de

Pelotas; [email protected]; 2016

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INTRODUÇÃO A ascensão do Estado Islâmico, assim como o surgimento de diversas insurgências de motivação islâmica, passa por um momento de complicado entendimento acerca de suas origens. Quando a definição convencional de insurgência não é mais suficiente para abarcar teoricamente as causas que levaram ao início de tais grupos ou movimentos, é necessária uma expansão dos fundamentos teóricos clássicos que estejam de acordo com as novas demandas dos estudos de segurança e defesa internacional. A definição convencional de insurgência, a falta de poder político que leva à violência para remediar a situação de um grupo que se considera deslegitimado e sem representatividade, contempla apenas parte dos impulsos que levam os supracitados grupos a agirem da sua maneira. Entretanto, há nessa definição uma clara ausência da parte ideológica, religiosa e divina que tais grupos possuem. Isto, então, reflete diretamente sobre suas reivindicações, pois estas também são políticas, mas agora passam a ter um caráter religioso e ideológico. Observando os escritos de Da Guerra de Carl von Clausewitz, é possível notar a sua capacidade de descrever com precisão as causas da guerra. O acadêmico considerado um dos mais influentes pensadores de estratégia contemporânea, Colin S Gray, afirma que (GRAY, 2012. p.18) “... Clausewitz explicou a essencial natureza da guerra, como ela persiste durante o tempo e as diversas circunstâncias, mesmo o seu caráter sendo sempre mutável”. Assim sendo, podemos compreender um conflito bélico como um duelo de vontades opostas que está sujeito a várias frustrações, aquilo que Clausewitz (2010) descreveria como atrição. Porém, é necessário atentar ao que o sociólogo francês Raymond Aron (1970) afirma sobre as origens do pensamento estratégico como produto de uma época e um contexto em que este será desenvolvido. Por tanto, ele afirma que (ARON, 1969. p.10) “O pensamento estratégico tem sua inspiração retirada de cada século, ou mesmo de qualquer momento da história, a partir dos problemas que ambos irão apresentar por si mesmos.” Aqui se torna claro que mesmo Clausewitz tendo desenvolvido um compêndio das causas originárias da guerra, e também do desenvolvimento do pensamento estratégico como um todo, é possível delinear suas limitações. Logo, assim como qualquer individuo que viva em uma determinada cultura, tempo e sociedade, ele também será limitado às requisições e problemas de sua época e sociedade (GRAY, 2012). Por tanto, a atividade do desenvolvimento do pensamento estratégico é algo reativo, ou seja, parte de uma ação que antecede o próprio pensamento, e não uma atividade antecipatória. Este foi o exato caso para David Galula, quando redigiu um dos mais importantes livros para a teoria de contra-insurgência chamado “Guerra de Contra Insurgência: Teoria e Prática”. Tratamos aqui de um livro que pretende fornecer uma resposta aos métodos que são concebidos como corretos para o proceder de uma força contra-insurgente. O autor, afirma que os estudos de conflitos passados são essenciais para o 2

aprendizado, mas apenas isto levará a repetição dos mesmos erros, em suas próprias palavras (GALULA, 1964. p.18) “... Estes princípios, substanciados por incontáveis casos, constituem o ABC da guerra. Porém, eles esqueceram outros princípios como concentração de esforços, economia de forças, liberdade de ação e segurança. A aplicação destes irá mudar conforme a tecnologia, armamento e outros fatores mudam[...] Porém, isto aplica-se para a guerra regular.”

Desta forma, esse trabalho não será sobre uma omissão da teoria de guerra de Clausewitz. Mas sim sobre uma possível nova abordagem a cerca da existência de um elemento novo na trindade paradoxal (racionalidade, chance e paixão) do universo clausewitziano, algo que talvez possa não ter sido observado até então. Tratamos de um fator que nada mais é do que uma linha que tangencia a paixão e a razão, de um fator que está imbuído tanto de um lado claramente racional e de um lado também passional, que é capaz de moldar ainda mais a Guerra Absoluta como os outros três. Como colocado por Colin S. Gray (GRAY, 2012. p.29) “...Como lidar com uma crescente discordância entre objetivos políticos e Guerra ? Clausewitz, em seu livro, não menciona nada a cerca deste crucial fator”. O presente trabalho tem como objetivo Estudar a possibilidade de uma nova abordagem a cerca da existência de um elemento novo na trindade paradoxal (racionalidade, chance e paixão) do universo clausewitziano. Foi realizada uma análise qualitativa, analítica, e descritiva limitando a pesquisa ao contexto histórico da contemporaneidade, através da comparação de teorias de Clausewtiz e Galula, suplementadas por teóricos contemporâneos considerados influentes na área (Raymond Aron, Colin S. Gray, William Rosenau). Através da metodologia aplicada foi possível constatar a possibilidade de um quarto elemento além dos três que englobam a trindade paradoxal.

DESENVOLVIMENTO Em tempos atuais talvez exista um quarto elemento além da trindade paradoxal (paixão, chance e racionalidade) de Clausewitz. Este novo elemento, mesmo englobando características da substância racional e passional daquilo que envolve um conflito, pode ter surgido como um fruto da interação entre os já mencionados componentes. Por tanto, o fator “insurgência” pode de fato alterar a Guerra Absoluta tanto quanto os outros três que foram descritos pelo teórico prussiano. Assim, devido à crescente volatilidade e liquidez do desenrolar da guerra assimétrica, não convencional e irregular da contemporaneidade, é necessária uma expansão da compreensão da trindade paradoxal com a adição de um quarto fator. Este novo elemento é dotado de um lado racional, partindo da hipótese que uma insurgência pode ser uma vontade de se lutar contra um governo que é considerado opressor ou ilegítimo, logo tange a parte racional.

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É necessário enfatizar que por envolver algo que até então não se configurava da mesma maneira que ocorre hoje, Clausewitz não observou a capacidade de a assimetria ser uma vantagem para o lado considerado “fraco”. Bem como a capacidade de uma série de estruturas morais moldadoras de comportamentos e tomadas de decisão, por exemplo, a Convenção de Genebra, serem capazes de favorecer a parte que está em “desvantagem”. Sendo por isso que o fator insurgência não se encaixa exclusivamente na seara racional e passional. Mais adiante, o fator passional (ódio, orgulho, honra e etc) hoje não mais envolve apenas isso, mas está mais próximo de um paralelo racional-passional do que apenas algo que possa configurar a guerra a partir de coisas que estão fora do controle da cognição humana. Se tomarmos, por exemplo, qualquer levante ou insurgência de motivação islâmica, especialmente se for da corrente do wahabismo, iremos compreender uma verdadeira conciliação entre o racional e o passional. Aqui também se encontra outra limitação da trindade clássica para a contemporaneidade, pois esta não foi capaz de prever as limitações morais que existem em um lado dito “forte” em relação ao “fraco”, nem que o lado em desvantagem poderia usar essas limitações e estruturas morais em seu favor. Como por exemplo, ao propositalmente armazenar e, segundo Rosenau (ROSENAU, 2006. p.12) “posicionar efetivos em zonas urbanas com a intenção de gerar comoção na mídia que irá expor os civis numa condição única e limitada de vítimas de uma ação ofensiva.” Entretanto, ao tentar conciliar uma aproximação puramente realista, isto é, considerando apenas o Estado como parte única em conflito, é costumeiro encontrarmos axiomas que são ainda mais contraditórios ao que é exigido em uma guerra não convencional e assimétrica. Como observado pelo teórico de contra insurgência, David Galula (GALULA, 1964. p.18), ao relevar que “80% de uma insurgência é derrotada no campo político, e apenas 20% em assuntos militares”. Sendo assim, é possível extrair que apenas ações militares convencionais não serão capazes de suprimir uma resistência sem a conciliação entre política e estratégia. Isto é, toda ação militar, seja qual for, precisa ter obrigatoriamente uma motivação, resultado e principalmente um objetivo político. Tal afirmação é ainda mais realçada por Colin S. Gray (GRAY, 2012. p.19), quando afirma que “... A guerra não é um esporte aonde ganhar apenas basta, é necessário que as vitórias tenham significados e consequências, em outras palavras, uma terminologia”. Entre os conceitos de Clausewitz, incluindo a ideia de “gramática” da guerra, esta definida como uma lógica que permeia o desenrolar do conflito porém SE difere do operar da política em sua essência, SE encontra o fato de que a própria gramática da guerra irregular é radicalmente diferente da regular. E desta forma exércitos que tem uma profunda qualidade de treinamento, tática e operacionalidade, quando confrontados por uma força irregular que é inexoravelmente assimétrica a estes, irá concluir que o custo de sua especialização e excelência em guerras regulares é alto. Isto, pois os avanços na gramática 4

da guerra desde o fim da Guerra Fria podem até parecer incríveis (GRAY, 2012), porém pouco foi concluído das querelas contra um adversário consideravelmente despreparado como foi o caso do Exército Iraquiano durante a Guerra do Golfo (1990-1991) e a Guerra do Iraque (2003-2011). Como sustentado por Gray (GRAY, 2012. p.280) “A proeza militar de um é sempre aumentada quando o inimigo é consideravelmente incompetente ou grosseiramente superado em materiais e métodos. É notável que, mesmo que as vitorias americanas tenham sido claras [...], elas não foram o suficiente para que a condução de guerra e a criminalidade continuassem após as batalhas ganhas em diversas maneiras.”

Uma análise de suas interpretações político-ideológica a partir da ideia de que há uma clara diferença entre estas insurgências jihadistas e as insurgências “convencionais”, é que nem mesmo o contexto destas é limitado. Tratamos aqui de um contexto global, uma necessidade de enfrentar com violência qualquer um que desafie a fé de Maomé. Uma necessidade que, dita divina, é capaz de justificar a perseguição de quaisquer muçulmanos ou não muçulmanos que discordem de sua visão estrita do Islam. Um anseio de, literalmente, subjulgar todos os países que não estejam de acordo com suas interpretações. Não obstante, ao notarmos isto, torna-se claro que não é suficiente para uma compreensão dentro dos parâmetros da contemporaneidade analisar tais insurgências religiosas somente com o olhar da trindade paradoxal. Como a interação entre os supracitados elementos (paixão e racionalidade) foi intrínseca a ponto de gerar um quarto elemento (insurgência), é necessário que este seja compreendido como tal para que se entenda que apenas operações militares e de segurança não serão o suficiente para findar tais movimentos contemporâneos. Como sustentado por Craig Whiteside (WHITESIDE, 2016. p.745) “Não existem batalhas convencionais, nem mesmo blitzkrieg nesta “longa luta de atrição” para desgastar a vontade do adversário. Essas atividades tomam lugar [...] em quatro fases da guerra revolucionária: Organização, terrorismo, guerra de guerrilha, e guerra de manobra. Tais fases ocorrem em lugares e localizações diferentes, e são baseadas em condições, significando que perdas podem forçar os revolucionários a recuar em um estágio inferior de operações devido a estes revezes.”

Seguindo nesta mesma linha de raciocínio, é cabível colocar que notórios insurgentes como Mao Tse Tung, Saadi Yacef e Mustapha Benboulaïd, inspiraram suas motivações políticas de concomitante maneira às suas estratégias. Mais ainda, Mao Tse Tung, ávido leitor de Clausewitz, foi de sumária importância para quaisquer movimentos insurgentes, sejam eles islâmicos ou não, por causa de sua concepção de guerra revolucionária, conciliação entre objetivos políticos e ações militares. Desta maneira, grande parte das insurgências que afloram na história terão um modus operandi muito semelhante aos propostos pelo revolucionário chinês. E as de inspiração maometana não são a exceção, muito pelo contrário, podemos traçar como primeiro movimento de inspiração islâmica de emancipação já na Guerra de Independência Argelina, o Front de Libération Nationale ou FLN. Sendo assim, comparativamente às 5

táticas de Mao Tse-Tung, as insurgências jihadistas tem uma aproximação deveras semelhante, (TUNG, 2005. p.44-45) “A guerra, quando tem seu prazo prolongado, passará por três estágios. O primeiro estágio cobre o período da ofensiva estratégica do inimigo e nossa defesa estratégica. O segundo estágio será o período da consolidação estratégica do inimigo e nossa preparação para a contra ofensiva. O terceiro estágio será o período da nossa contra ofensiva estratégica e a retirada estratégica do inimigo”.

Desta forma, Clausewitz (2010) coloca que dentro dos objetivos dos ataques estratégicos, estão a destruição das forças armadas inimigas. Assim, segundo o teórico prussiano, a defesa conduzirá ao ataque que aproveitará o momento e o ímpeto de sua ação ofensiva, e então será colocado que o ataque levará à conquista do território, sendo este seu principal objetivo. Porém, como a racionalidade é uma parte fundamental da trindade paradoxal, é percebido que, quando aplicado por insurgências islâmicas de fundamentação tática e operacional inspiradas nos ditames de Mao Tsé-Tung, percebemos a interação de três correntes: a inspiração estratégica de Clausewitz, a fundamentação política e de resistência de Mao Tsé-Tung, e a ideologia religiosa advinda da interpreção sunita do islã. É imprescindível relevar que, por tratar-se de uma interpretação religiosa e ideológica, a terceira corrente de influência tem a capacidade de alterar de uma maneira considerável a natureza e o espírito da insurgência. Sendo possível ilustrar isto da seguinte maneira:

Figura1- Diferenças entre ações ofensivas convencionais e insurgentes sob a luz da trindade paradoxal e seu novo elemento. Fonte: Fernando Botafogo de Oliveira (2016)

Agora, o conceito clássico de trindade paradoxal é questionado por uma realidade de pequenas guerras aonde se paga caro por excesso de especialização na seara regular da guerra. O que antes era usado como política com recurso à violência, em um contexto limitado, agora é expandido com a adição de elementos ideológicos, como a submissão do mundo à sharia. Também é relevante colocar que a própria política externa do Irã passa por uma mutação que o fator insurgência é capaz de gerar, pois esta é denominada como athna’ashariyyah e tem como objetivo a própria jihad nos mesmos termos das insurgências islâmicas atuais. Claramente, temos um caso aonde a trindade clássica não mais supre a compreensão do desenrolar da guerra, pois esta é omissa quanto a parte ideológica e religiosa que permeia estas querelas.

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Se anteriormente as origens de uma insurgência poderiam ser delineadas como a falta de representatividade política, atualmente estas perpassam tais propostas e apresentamse como algo transcendental a isto, rompendo, inclusive, com a maioria das aproximações doutrinárias de contra insurgência que as potências militares têm. Então, se após a Primeira Guerra Mundial houve intensos debates sobre Revolution in Military Affairs (RMA) e toda a questão da mecanização e modernização das Forças Armadas, atualmente por consequências geradas a partir da compreensão clássica da trindade, parece correto afirmar que se passa pelo mesmo problema na contemporaneidade. Se a Wehrmacht, famosa por seus feitos e rápidos ganhos de território, passou por uma ilusão com a RMA ao pensar que havia compreendido e descoberto os segredos da guerra moderna, quando na verdade teve apenas um conjunto de vitórias mais contextuais do que puramente operacionais, e não obstante, foi um mero fruto dos estudos elaborados por Hans von Seeckt e outros 50 teóricos militares que formularam o pensamento estratégico germânico a partir de estudos conduzidos no pós Primeira Guerra, acabou sofrendo o que (GRAY, 2012) se chama da “Doença da Vitória”. Esta podendo ser entendida como uma crença na ideia de que um planejamento operacional meticuloso será capaz de sempre produzir vitórias, é possível inferir que os exércitos atuais parecem agir da mesma maneira quando combatem insurgências. Assumem que, apenas cidades libertadas, batalhas ganhas e um retorno ao status quo ante irá garantir a neutralização destas forças insurgentes. Entretanto, Whiteside demonstra que esta aproximação já pode ser considerada inválida, pois ela é fundamentalmente a mesma que já foi utilizada na Guerra do Vietnam. Esta, logo, ainda baseada numa reação a um conceito “clássico” de insurgência, porém cabível a trindade clássica, fazendo um contraponto com isto, temos então que (WHITESIDE, 2016. p. 767-768) “A criação de uma política aonde muçulmanos podem exercer a prática correta de sua religião é uma narrativa chave para a mensagem do Estado Islâmico. Logo, o Estado Islâmico é revolucionário em dois aspectos diferentes: No seu desejo de trocar a governança estatal de uma longa lista de países, bem como o reconhecimento de que nunca irá integrar-se social, política, ou economicamente com a ordem internacional de Estados com a qual sempre estará em guerra.”

Compreendemos isto como uma capacidade de mutação que transcende a compreensão anterior de insurgência. Ora, como citado anteriormente, se a interação entre os fatores razão e paixão produz algo que não satisfaz a compreensão para a formulação de uma doutrina moderna capaz de suprimir tais grupos, concluímos que só pode haver um quarto elemento no que antes era chamado de trindade paradoxal. Logo, temos que a trindade paradoxal pode ser compreendida conforme este gráfico:

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Figura 2- A interação entre a substância racional e passional gerando um quarto elemento chamado “Insurgência”. Fonte: Fernando Botafogo de Oliveira (2016)

Doravante, como tratamos de uma guerra irregular e não convencional, o conceito de vitória também é mudado pelo elemento insurgência. Logo, como citado no parágrafo anterior, a mera destruição das forças combatentes não será o suficiente para findar com tais grupos armados, visto que sua aproximação ao combate é diametralmente oposta daquela utilizada em guerras regulares. Isto implica que, em outras palavras, há uma necessidade urgente para operações e arranjos de segurança, bem como estratégias e Estratégias Maiores (Grand Strategies), que levem em conta a complexidade, dinâmica e liquidez que há nestes casos. Por último e não menos importante, o fator insurgência é capaz de moldar de forma mais notável uma guerra ao liquefazer o que antes era sólido e bem definido relativo aos lados que se embatem e suas identidades. Atualmente não mais existe uma condição de “civil”, não se é civil, se está civil. Em outras palavras, é uma mera circunstância, pois o civil de hoje pode ao final do dia financiar ou ser conivente com qualquer forma de rebeldia contra uma força ocupante. Logo, as regras de engajamento e a forma como se abordam as maneiras de neutralizar essas insurgências ainda estão limitadas a uma visão maniqueísta da guerra, por tanto, não estando adaptada a dificuldade política e estratégica que existem nesses casos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente trabalho evidenciou que a avaliação da trindade paradoxal de Clausewitz se mostrou eficaz como método para a compreensão das formas como conflitos 8

assimétricos e irregulares, em outras palavras, insurgências, são capazes de moldar de forma considerável as concepções que anteriormente existiam sobre como estas ocorrem. Neste estudo também foi possível concluir que pode haver um possível novo elemento que talvez transcenda os outros três propostos por von Clausewitz. Assim, ao implicar que há uma mudança na compreensão da guerra como evento político, torna-se claro que o que atualmente é feito para neutralizar as formas irregulares de combate nada mais é do que um suspiro do passado. Se, durante a Guerra Fria, tanto os Estados Unidos quanto a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas praticavam à exaustão todas as formas possíveis de abordagem para engajar o seu respectivo adversário, é deveras natural que reiterem isso na contemporaneidade ao encararem adversários ditos assimétricos que utilizem aproximações não convencionais nas formas de combater. Ora, se anteriormente a vitória era definida através da conquista de um território ao rechaçar forças inimigas, ou ao fazer o adversário admitir a sua incapacidade combativa e com isso forçá-lo a fazer o que é desejado pelo lado vitorioso, atualmente é necessário algo que também englobe esta abordagem. Mas, acima de tudo, que aceite a possibilidade da expansão do conceito de vitória decisiva, essa agora não mais sendo no sentido clássico e estrito da palavra, porém em um sentido amplo. A ideia de um quarto elemento que expanda a compreensão de trindade paradoxal tem como objetivo exatamente esta ideia, ela propõe que não bastam apenas operações militares convencionais, táticas regulares que seriam empregadas contra adversários membros de um exército nacional, ou estratégias strictu sensu baseadas apenas em ações ofensivas como explicado na Figura 1. Tal axioma irá requisitar uma compreensão ampla da ideia de vitória, baseada em operações de cooperação civil militar, operações de Garantia de Lei e Ordem (GLO), inclusive as Peacebuilding Operations podem muito bem encaixar-se neste quadro conceitual. Não obstante, foi concluído que são necessários mais estudos para que de fato seja confirmada a existência de um elemento transcendental ao conceito de Clausewitz, sendo necessário que sejam executadas mais pesquisas no sentido de confirmar a existência de um novo elemento que até então não foi percebido dentro da trindade paradoxal. E com isso gerar novas linhas de conhecimento que supram a demanda atual de soluções estratégicas e políticas para conflitos assimétricos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ARON, R. The Evolution of Modern Strategic Thought. The Adelphi Papers. V. 9. n. 54. 1970. pp 1-17 CLAUSEWITZ, C. Da Guerra. Rio de Janeiro: Martins Fonte Editora, 2010. pp 70-100

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GALULA, D. Counter-Insurgency Warfare: Theory and Practice. Santa Barbara: Praeger Security International Publishers, 1964. pp xii-24 GRAY, C.S. War, Peace and International Relations: An introduction to strategic history. Nova York: Routledge, 2012. pp 18-280 ROSENAU, W. Beyond Al-qaeda: The Global Jihadist Movement Part 1. Santa Monica: RAND Corporation, 2006. pp 7-23 TUNG, M.T. On Guerrila Warfare. Nova York: Dover Publications, 2005. pp 44-45 WHITESIDE, C. The Islamic State and the Return of Revolutionary Warfare. Small Wars & Insurgencies. V. 27. n. 5. 2016. pp 743-776

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