PENSAMENTO LATINO-AMERICANO E PRAGMATISMO: Diálogos, influências e confluências.

Share Embed


Descrição do Produto

UNIVERSIDADE REGIONAL DE BLUMENAU CENTRO DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO MESTRADO EM EDUCAÇÃO

KEVIN DANIEL DOS SANTOS LEYSER

PENSAMENTO LATINO-AMERICANO E PRAGMATISMO: Diálogos, influências e confluências.

BLUMENAU 2011

KEVIN DANIEL DOS SANTOS LEYSER

PENSAMENTO LATINO-AMERICANO E PRAGMATISMO: Diálogos, influências e confluências.

Dissertação apresentada como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Educação, ao Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro de Ciências da Educação, da Universidade Regional de Blumenau – FURB. Orientador: Prof. Dr. Adolfo Ramos Lamar

BLUMENAU 2011

  2   KEVIN DANIEL DOS SANTOS LEYSER

PENSAMENTO LATINO-AMERICANO E PRAGMATISMO: Diálogos, influências e confluências.

Dissertação aprovada como requisito parcial para obtenção do titulo de Mestre no PPGE/ME – Programa de Pós-Graduação em Educação – Mestrado em Educação na Universidade Regional de Blumenau – FURB, pela comissão formada pelos professores:

________________________________________________ Prof(a). Dr(a). Adolfo Ramos Lamar – FURB Orientador(a)

________________________________________________ Prof(a). Dr(a). Ancelmo Schörner – UNICENTRO Examinador(a)

________________________________________________ Prof(a). Dr(a). Adolfo Ramos Lamar – FURB Examinador(a)

Blumenau, 09 de dezembro de 2011.

  3  

Dedico

este

trabalho

àqueles

que

ousaram amar e mesmo em silêncio se fizeram presentes, é no e através do vosso amor que me torno quem sou.

  4   AGRADECIMENTOS Quando voltamos os nossos olhares para entender a gênese e a inspiração de tudo o que somos e fazemos ficamos embasbacados ao perceber que a lista se estende infinita em nossa história de encontros e desencontros. Contudo, marcas indeléveis eclodem em lembranças inauditas de encontros e histórias que não podemos esquecer. É assim que a gratidão nasce e o reconhecimento de que sem o outro não poderíamos ser nem fazer. Agradeço a minha amada esposa, Patrícia Leyser, que com ternura e dedicação me ensina a cada dia o sentido de amar, e assim, de ver o mundo com um olhar divino. Minha gratidão aos meus pais que com sabedoria e muita graça me ensinaram os caminhos de Deus, e seus exemplos de vida me inspiram e certamente serão para sempre os alicerces que fundamentam o encontro dos meus sonhos e minha vida. A todos meus familiares, amigos, professores que me acompanharam durante minha trajetória e que comigo compartilharam sua sabedoria e experiências, incentivando-me a sempre prosseguir e nunca desistir. Aos colegas e educadores do Grupo de Pesquisa EDUCOGITANS e do Grupo de Pesquisa FILOEPISTAL pelas manhãs e tardes de pesquisas, mas, sobretudo pelo compartilhar de vossas experiências vividas. Ao meu professor-orientador, Dr. Adolfo Ramos Lamar, por sua paciência, simplicidade, honestidade, entendimento, amizade e por sempre acreditar. Todas esses características que possues constiuem a sabedoria.

  5   RESUMO A última metade do século passado foi marcada por uma crítica voraz da “empresa epistemológica” conduzindo os sistemas filosóficos tradicionais centrados na concepção de epistemologia moderna, antes concebidos como absolutamente fundados, entrarem em crise. Enquanto essa saga de “dissolver” os problemas, abandonar ou superar a epistemologia moderna (cheia de dualismos, fundacionalismos, essencialismos, e propostas de realidades e verdades últimas e eternas) percorria o Velho Mundo Europeu, pensadores Americanos e Latino-Americanos há muito vinham se questionando sobre as possibilidades de uma epistemologia alternativa, que pudesse ser considerada própria. Nas últimas décadas esse anseio encontrou forças em uma retomada do diálogo entre a filosofia Latino-Americana e a tradição pragmatista. Esta pesquisa nasce, com o olhar voltado para esse diálogo e as conexões nele existentes. Procuramos, portanto, compreender conexões filosóficas e epistemológicas entre o Pragmatismo e a filosofia Latino-Americana. Para isso, primeiro exploramos as definições e origens da filosofia Latino-Americana e Pragmatista. Segundo, utilizamos a abordagem de Scott L. Pratt para identificar quatro princípios epistemológicos (assim como ontológicos) centrais e comuns ao pensadores pragmatistas e que encontram sua fonte na filosofia nativo norte-americana. Nesse contexto, ampliamos alguns pontos da análise dos compromissos epistemológicos centrais do Pragmatismo para a filosofia Pré-Colombiana (Andina e Azteca). Terceiro, a partir do background construído exploramos pontos de contato, conexões filosóficas e epistemológicas entre os pensadores pragmatistas clássicos (Peirce, James, Dewey) e pensadores latino-americanos (Ingenieros, Vaz Ferreira, Zulen, Anísio Teixeira, Frondizi), para argumentar, portanto, a concreticidade de diálogo, influências e conlfuências entre o essas duas tradições filosóficas. As conclusões indicam que o diálogo e as conexões entre o Pragmatismo e o pensamento Latino-Americano não somente ocorreu, evidenciado nas obras de autores pertencentes as mesmas, mas que a sua manutenção e ampliação desse diálogo propiciará novos caminhos e altenativas para o desenvolvimento e o uso de um pensamento próprio nas e das Américas. Esta pesquisa é de caráter teórico e metodologicamente sua análise recai sobre os conceitos de filosofia Pragmatista, filosofia Latino-Americana e suas conexões epistemológicas. Palavras-chave: Pragmatismo. Filosofia Latino-Americana. Filosofia NativoAmericana. Conexões Filosóficas e Epistemológicas.

6     ABSTRACT The last half of the past century was marked by a voracious criticism of the “epistemological industry” leading the traditional philosophical systems which were centered in the conception of the modern epistemology, assumed as ultimately founded, go into crisis. While this saga of dissolving the problems, replacing or overcoming de modern epistemology (full of dualism, foundationalism, essentialism, and promises of ultimate truths and realities) occurred in the Old World of Europe, North Americans and Latin Americans thinkers were for a long time questioning about the possibilities of alternative epistemologies, that could be considered their own. In the last decades that longing found strengths in the recovery of a dialogue between the Latin American philosophy and the pragmatist tradition. This research emerges with a gaze towards that dialogue and the connections within it. Therefore, we seek to comprehend, in this research, the philosophical and epistemological connections between Pragmatism and Latin American philosophy. For that purpose, we first explore the definitions and the origins of the Latin American and Pragmatist philosophies. Second, we use Scott Pratt’s approach to identify four central epistemological (ontological as well) principles that are common to the pragmatist thinkers and which we can find its source in the Native North American philosophy. In that context, we expand a few points of the analysis of the central epistemological commitments of Pragmatism to the Pré-Columbian philosophy (Andean and Aztec). Third, from that built background we explore points of contact, philosophical and epistemological connections between the Pragmatists thinkers like Charles S. Peirce, William James, John Dewey and Latin American thinkers like José Ingenieros, Vaz Ferreira, Pedro Zulen, Anísio Teixeira, and Risieri Frondizi, so that we could argue for the concreteness of dialogue, influences and confluences between this two philosophical traditions. The conclusions indicates that the dialogue and the connections between Pragmatism and Latin American thought not only happened, evidenced in the works of authors belonging to both, but also that the maintenance and expansion of that dialogue will provide new and alternatives ways for the development and use of a peculiar thought in and of the Americas. This research is theoretical and it’s methodology is the analysis of the concepts of Pragmatism, Latin American philosophy e their epistemological connections. Key-words: Pragmatism. Latin American philosophy. Native American philosophy. Philosophical and Epistemological Connections.

7     SUMÁRIO

1

INTRODUÇÃO..............................................................................

09

1.1

História de vida............................................................................ 09

1.2

Filosofia Latino-Americana: Pragmatismo e Epistemologia .. 17

1.3

Objetivos......................................................................................

1.3.1

OBJETIVO GERAL........................................................................ 31

1.3.2

OBJETIVOS ESPECÍFICOS..............................................................................

31

1.4

Metodologia.................................................................................

31

2

O PRAGMATISMO E SUAS ORIGENS.......................................

35

2.1

O desenvolvimento do pensamento americano: fronteiras, genialidades e experiência vividas............................................ 35

2.1.1

O PENSAMENTO AMERICANO NA VERSÃO DA HISTÓRIA DE FRONTEIRA............................................................................ 37

2.1.2

O PENSAMENTO AMERICANO NA VERSÃO DA HISTÓRIA DA GENIALIDADE........................................................................ 38

2.1.3

O PENSAMENTO AMERICANO NA VERSÃO DA HISTÓRIA DA EXPERIÊNCIA VIVIDA............................................................ 45

2.2

A alternativa pragmatista: em busca de traços epistemológicos comuns........................................................... 55

2.2.1

PRINCÍPIO DA INTERAÇÃO........................................................

60

2.2.1.1 O Princípio da Interação e o reconhecimento da Continuidade....

65

31

2.2.2

PRINCÍPIO DO PLURALISMO...................................................... 66

2.2.3

PRINCÍPIO DA COMUNIDADE..................................................... 70

2.2.3.1 Princípio da Comunidade e as práticas de hospitalidade............. 73 2.2.4

PRINCÍPIO DO CRESCIMENTO..................................................

75

2.3

Uma síntese dos princípios centrais do pragmatismo............

83

3

O SUL E O NORTE SE ENCONTRAM: AMÉRICA NATIVA E O PRAGMATISMO........................................................................... 85

3.1

Nativos Norte-Americanos e o Pragmatismo...........................

85

3.2

Nativos Latino-Americanos e o Pragmatismo..........................

92

3.2.1

FILOSOFIA INDÍGENA ANDINA................................................... 93

3.2.2

FILOSOFIA AZTECA OU NAHUA................................................. 95

3.2.2.1 Epistemologia Nahua e Pragmatismo...........................................

103

  8  

4

OS PRAGMATISTAS NORTE-AMERICANOS E OS “PRAGAMATISTAS” LATINO-AMERICANOS: DIÁLOGOS, INFLUÊNCIAS E CONFLUÊNCIAS............................................. 107

4.1

Rumores do Norte ecoando nas terras do sul.......................... 107

4.1.1

OS PRIMEIROS “CONTATOS” DO PRAGMATISMO AMERICANO CLÁSSICO COM A AMÉRICA LATINA.................. 111

4.1.2

DEWEY E SUA INFLUÊNCIA EM ALGUNS PAÍSES DA AMÉRICA LATINA......................................................................... 113

4.1.2.1 Dewey e o Chile............................................................................

113

4.1.2.2 Dewey e Cuba...............................................................................

114

4.1.2.3 Dewey e o México.........................................................................

116

4.1.2.4 Dewey e a Argentina.....................................................................

118

4.4.1.3 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A INFLUÊNCIA DE DEWEY NA AMÉRICA LATINA.................................................... 119 4.1.4

O PRAGMATISMO, DEWEY, E O BRASIL................................... 124

4.2

Rumores do Sul ecoando nas terras do Norte.........................

4.2.1

JOSÉ INGENIEROS E RALPH W. EMERSON: “DISTANTES, MAS VIZINHOS” ........................................................................... 134

4.2.2

PEDRO ZULEN E O PRAGMATISMO NO PERU........................

4.2.3

CARLOS VAZ FERREIRA: UM “PRAGMATISTA LATINOAMERICANO” ............................................................................... 146

4.2.4

A FILOSOFIA DE RISIERI FRONDIZI E O PRAGMATISMO.......

160

CONSIDERAÇÕES FINAIS..........................................................

172

134

139

REFERÊNCIAS............................................................................. 180  

  9   1 INTRODUÇÃO 1.1 História de vida A imaginação capaz de romper com os limites do dado, ou até mesmo do esperado, não consegue fugir de seu ponto de partida, a experiência vivida, de um self entre selves que compartilham sua situacionalidade. É exatamente por estar cônscio dessa minha condição que inicio esta dissertação contextualizandoa, como fruto de minhas experiências vividas, de minha história de vida. Percebo esta abordagem inicial como particularmente relevante para a compreensão da produção humana, seja acadêmica, artística, ou de qualquer outra dimensão (se é que podemos separá-las) assim como também respaldada pelas mudanças paradigmáticas da filosofia atual. Bolívar, Domingo e Fernandez esclarecem isso dizendo que: Uma parte relevante da filosofia atual – sob diversos ângulos – tem fundamentado conceitual e epistemologicamente a narratividade, ao entender a vida como um relato, sujeito à contínua revisão. A metáfora básica empregada por esses enfoques narrativos derivada da literatura e da hermenêutica é que as pessoas são “tanto escritores como leitores do seu próprio viver” (BOLÍVAR; DOMINGO; FERNANDEZ, 2001, p. 88).

Esta perspectiva sugere um olhar historicista do próprio self e, acredito, por extensão toda ação deste no mundo. Isto pode ser visto como verdadeiro para todas as pessoas. Friedrich Wilhelm Nietzsche, em seu livro de 1886 “Além do Bem e do Mal” sugere o mesmo com as grandes produções filosóficas e seus autores. Ele explicita assim: “Passo a passo, fui descobrindo que até o presente, em toda grande filosofia se encontram enxertadas não apenas a confissão espiritual, mas suas sutis ‘memórias’, tanto se assim o desejou seu autor quanto se não se apercebeu disso’” (NIETZSCHE, 2004, p. 21, § 6). Assim, diante do profícuo desafio de escrever uma história que resgate os caminhos que os meus pés de pupilo trilharam até chegar a esta pesquisa sintome como que sentado em um divã e imerso em minhas reminiscências. Contudo, percebo que sou também o analista que, como um artista, pinta um quadro com as múltiplas cores de minhas memórias. Por isso, nesse exercício não permaneço indiferente, pois ao narrar uma história, identificamos o que éramos no passado, quem pensamos que somos no presente e o que gostaríamos de ser. As histórias que relembramos não são representações exatas de nosso

10   passado, mas trazem aspectos desse passado e os moldam para que se ajustem ‘as nossas identidades e aspirações atuais’. Assim podemos dizer que nossa identidade molda nossas reminiscências; quem acreditamos que somos no momento e o que queremos ser afetam o que julgamos ter sido (THOMSON apud GUEDES-PINTO, 2004, p. 2).

Dito isto, sento-me no divã e deixo ao analista desenhar minha história: 1983, final da manhã do dia dois de fevereiro, o choro não irrompeu o silêncio da ansiedade dos médicos, da inconsciência da mãe e da expectativa do pai. Nasci no país argintus1, na terra dos prateados, na pequena cidade de Rauch ofuscada pela soberba dos “buenos aires” exalada pelos portenhos. Bons ares que em meus pulmões tardavam por entrar. Mãos especializadas e apressadas removendo o meu primeiro paradoxo existencial, o que me dava condições de vida também, sufocando-me as tirava2.

Silêncio quebrado pelos passos

apressados de enfermeiras, pela súplica de um pai que clama a Deus pela vida de seu filho, pelas desafinadas palavras de um médico: “estamos fazendo o possível, agora só um milagre”. “Brasileirinho gordo”! Chamavam-me médicos e enfermeiras, após dois meses na incubadora e outros mais me satisfazendo do leite materno. O improvável agora se tornara palpável e visível. Cinco, eram agora o número de membros da família do missionário Daniel dos Santos e de sua esposa Nídia Colman de dos Santos. Nascera o seu último filho e primeiro filho homem, Kevin Daniel dos Santos. Meu pai com apenas dezenove anos partira sozinho para Argentina, como missionário cristão, apenas com sua mala de roupas, convicção, e paixão por sua missão. Trabalhou em várias cidades na Argentina, no Chile, e no Uruguai. Quando completou 22 anos retornou a Argentina. Foi ali, na cidade de Corrientes, que encontrou uma moça que se chamava Nídia e em dezenove dias apaixonaram-se, namoraram, noivaram e casaram. Tiveram a primeira filha Kézia dos Santos e dois anos depois a tiveram a segunda filha Kelen dos Santos, ambas nasceram em Lages no Brasil. Neste ínterim pediram para que o meu pai fosse ajudar uma igreja na pequena cidade de Rauch, Província de Buenos Aires. Foi ali que nasci.                                                                                                                 1

Aqui me refiro à República Argentina. Nasci com oito meses. O cordão umbilical estava enrolado em meu pescoço de tal maneira que quando os médicos me tiraram não chorei, pois não respirava. 2

11   Após o meu nascimento, durante os meus primeiros seis anos de vida, viajamos por muitas cidades da Argentina, meu pai estava sempre auxiliando igrejas e comunidades em cidades pequenas. Recordo-me de muitas mudanças, poucas malas, e alguns poucos bens, como pratos e talheres, tudo e todos nós amontoados, às vezes usando o carro de vizinhos ou de amigos para fazer a mudança. Por vezes morávamos todos da família em apenas uma peça (um quarto) da casa de algum membro da igreja local ou de algum conhecido. Apesar das lembranças deste período da minha história ser vaga, desperta em mim uma sensação de alegria e aconchego familiar hoje traduzida em nostalgia. Voltamos para o Brasil e devido ao trabalho do meu pai como missionário, agora também como pastor, as mudanças continuaram para diversas cidades e estados como: Chapecó, Itajaí, Joinville, Correia Pinto, Blumenau, Divinópolis, Santa Helena de Goiás, Pato Branco, Rio Negrinho, Sombrio, etc. Logo aprendi a falar em português e ao completar meus seis anos meus pais me levaram para um lugar que passaria a chamar de “escola”. Não tenho detalhadas recordações de meus colegas e tampouco de meus professores durante os meus primeiros 4 anos (Pré, 1ª, 2ª, e 3ª série). Isto, provavelmente porque sempre estava de mudança e assim ficava pouco tempo nas escolas. O que de fato não consigo esquecer é das tantas e tantas vezes que os professores me chamavam para ir à frente me apresentar à turma (quem sabe aí está à raiz de meu trauma por apresentações e minha timidez de falar em público). Durante os primeiros quatro anos do ensino fundamental estudei em diversas escolas. A grande maioria eram escolas confessionais de ordem protestante. Quando estava cursando a terceira série do ensino fundamental, no ano de 1992 em Blumenau, meu pai compartilhou com a família um sentimento que tinha desde seus dezesseis anos. Confessou-nos que Deus tinha colocado em seu coração um desejo por trabalhar como missionário na Romênia. No entanto, naquela época, década de 70 do século passado, aquele país estava no auge do comunismo liderado pelo ditador Ceauşescu. Parentes e amigos do meu pai tentaram persuadi-lo a desistir dos planos de ir para lá. Contudo, mesmo não indo imediatamente para a Romênia, meu pai tinha guardado este sentimento esperando o momento propício. O momento chegara. Assim, vendemos o que tínhamos para comprar as passagens e, novamente, com apenas algumas malas

12   de roupas (cuidando para não exceder o limite de peso) partimos para a terra do “Conde Drácula”. Chegamos a Bucareşti, capital da Romênia, meu pai tinha apenas um número de telefone de um pastor como contato. Ele nos encontrou no aeroporto e nos levou a estação de trem. Ruidosamente deslizamos sobre os trilhos até a cidade de Braşov, localizada nas montanhas da transilvânia. Ali dormimos em um alojamento, onde os colchões envelhecidos se confundiam com nossas malas. Fazia muito frio, recordo-me que abraçado com minhas irmãs passamos várias horas acordados com medo dos ratos que passeavam ao nosso redor. Logo partimos para a cidade de Timişora, lugar onde foram ouvidos os primeiros tiros da revolução sangrenta que culminou no fuzilamento de Ceauşescu e sua esposa. Ali alugamos um pequeno apartamento, na parte térrea de um bloco, um dentre os incontáveis conjuntos de edifícios que ornamentavam a cidade em explicita homogeneidade. Foram meses difíceis, a saudade parecia pairar no ar tornando-o pesado. Lágrimas aqui, soluços ali, além da janela apenas sons não inteligíveis de uma língua estrangeira e estranha que ao invés de alento nos preenchia de espanto. Aventurei-me sair na praça central dos blocos de nossa residência. Fiz minha primeira amizade, Mircea era o nome do meu primeiro amigo romeno. Não entendia nada em romeno, sorte minha que ele falava um pouco de inglês, assim podíamos nos comunicar, pelo menos com um “good morning”, “how are you”, coisas deste tipo que aprendemos na escola. No mais, a comunicação era na linguagem não-verbal e na tentativa de aprender nomes de algumas coisas essenciais. Lembro-me que freqüentei muito a casa do Mircea, sua família me acolheu com hospitalidade, cheguei até mesmo a ir com eles em uma viajem que fizeram à antiga Iugoslávia. Apenas passamos à fronteira e fizemos um piquenique em um campo. Após alguns meses nos mudamos para a cidade de Arad. Ali fizemos amizade com uma professora romena que ensinava italiano. Ela aceitou dar aulas de romeno para minhas irmãs e eu. Apesar de não conhecer bem o italiano tivemos que nos esforçar para compreender esta língua a fim de iniciar nossas aulas. Todos os dias de manhã e de tarde estudávamos a língua romena. Saíamos pelas ruas da cidade, nos mercados, nas feiras, fazíamos visitas, junto com a professora, nosso caderno de anotações e nossa intensa curiosidade e

13   anseio por desvendar este novo mundo que a cada dia se ampliava em nossa linguagem. Após cinco meses de intenso estudo conseguíamos nos comunicar bem e já ajudávamos meu pai em seu trabalho. Então meu pai nos matriculou em uma escola pública. Além de cobrarem um valor absurdo por sermos estrangeiros, não conseguimos nos adaptar ao método utilizado pelos professores. Durante os poucos meses que ali estive vivenciei situações que deixaram em mim algumas marcas indeléveis. Cenas como o bater com a régua de madeira na palma da mão de alunos quando não faziam as tarefas, bater com o livro didático na cabeça dos alunos quando desorganizados, empurrar a cabeça do aluno no quadro quando não resolviam os problemas de matemática. Entre tantas situações aquela que me marcou definitivamente e foi causa de não retornar mais àquela escola ocorreu durante a aula de educação física. A professora havia pedido que corrêssemos em volta do parque no pátio da escola e ordenou que ninguém saísse de forma. Quando já tínhamos dado umas quatro voltas um colega de classe, que sofria de obesidade, estava quase a minha frente, mas tropeçou e caiu, não conseguindo se levantar. Ao ver a cena, parei e pedi a dois colegas para me ajudarem a erguê-lo, relutantes eles concordaram e me auxiliaram. Contudo a professora irrompeu furiosa nossa ação devido ao fato de obstruirmos o fluxo do exercício proposto e por termos saído de forma sem pedir. Sentenciados, então, a ficar durante toda a aula apenas com um pé no chão e o outro pé, as mãos e os braços, levantados. Permanecemos ali, os colegas que me auxiliaram (lançavam olhares e murmuravam promessas de vingança a mim por tê-los convencido ao ato), o menino obeso (permaneceu em silêncio o tempo todo), e eu (segurando um choro de embaraço e raiva, misturado a uma avalanche de pensamentos desconexos e sem sentido). Fora da sala de aula, enquanto meu pai viajava pela Romênia e outros países do leste europeu, minhas irmãs e eu iniciamos a estudar em casa sendo orientados por nossa mãe. Começamos a fazer cursos de música clássica, piano e canto, na Şcoala de Arte din Arad, assim como continuamos a expandir nosso conhecimento na língua romena. Fizemos isto por dois anos. Em 1995, meus pais muito preocupados com nossos estudos cogitaram em nos enviar para os Estados Unidos na casa de um amigo em Somerville, subúrbio de Boston, Massachussets. Assim sucedeu. Permanecemos em Somerville

14   durante cinco meses enquanto tramitavam os papéis para legalizar nossa situação e voltarmos a estudar. Sozinhos, minhas irmãs e eu na casa destes novos amigos, enfrentamos mais uma mudança drástica de cenário cultural e lingüístico. Também fomos acolhidos bem, e tratados como “de casa”. Quando estávamos começando a nos adaptar e conviver com a idéia de estar distante de nossos pais, a história mudou novamente. Meus pais encontraram uma escola americana na capital da Romênia, a Bucareşt Christian Academy (BCA), e a instituição aceitou fazer testes de convalidação e acompanhamento de nossa adaptação aos estudos. Portanto, voltamos à Romênia, agora para a capital. Ali convivi com alunos de diversos países como Indonésia, China, Alemanha, França, e todos falavam fluentemente o inglês. Minhas irmãs e eu nos esforçamos muito para aprender, ser aprovado nos testes e conseguir acompanhar as turmas. Passávamos horas infindáveis lendo os livros, pois não compreendíamos bem o idioma. As aulas no BCA começavam às oito horas da manhã e finalizavam às quatro da tarde. Construí amizades fortes com meus colegas de turma, passava a maior parte do tempo com eles. Entretanto, o que mais me marcou nesta etapa foi que os conteúdos eram selecionados a partir dos interesses e experiências vividas pelos alunos. Valorizava-se o conhecimento que o aluno trazia e os alunos eram estimulados de acordo com as suas necessidades. Por exemplo, no início necessitei de um acompanhamento mais intenso na questão da língua inglesa e por isso a professora de gramática me auxiliava diariamente. Estimulando-me na leitura de livros em inglês dos quais me interessavam, como os de ficção científica. Em meados de 1997 minha família se preparava para mais uma mudança, agora para a França. Fomos morar no sul deste país, na cidade de Lyon. Muito bela a cidade, um lugar um tanto quanto diferente da já familiar Romênia. Deixar os meus amigos, que com muito sacrifício conquistei, foi extremamente difícil. Senti-me estranhamente perdido, como nunca antes havia experimentado. E como golpe de misericórdia devido a minha idade (tinha quatorze anos e finalizara o primeiro ano do ensino médio) as escolas de Lyon só me aceitavam se repetisse o primeiro ano. Após alguns meses tentando resolver o problema, decidimos que seria melhor se eu voltasse para o Brasil para estudar. Esta

15   decisão veio como um bálsamo para mim, em meio à confusão instaurada no meu ser. Fui morar com meu tio em Blumenau no bairro Badenfurt. Em 1998 comecei a cursar a segunda série do ensino médio no Colégio Franciscano Santo Antônio. Tive grande dificuldade em retomar às leituras em português, a literatura brasileira era quase que desconhecida para mim. No entanto esforcei-me ao máximo para superar estas dificuldades. Todo dia pegava dois ônibus bem cedo e voltava no final da tarde para a casa do meu tio. A rotina e a solidão me levaram a uma profícua introspecção que desencadeou um movimento determinante para minhas futuras decisões. 1999, minha família voltou da França e nos mudamos para Chapecó, no oeste de Santa Catarina. Cursei a terceira série do ensino médio e logo me envolvi com a música e com a igreja. Decidi inscrever-me para ir ao Seminário Teológico de Dallas Texas. No entanto senti a necessidade de permanecer em Chapecó por mais um tempo devido ao meu envolvimento com o grupo musical que estava coordenando. Assim, no ano 2000, prestei vestibular para psicologia. Comecei a cursar Psicologia e logo me interessei pelo curso, mas percebi que as disciplinas que mais atraiam a minha atenção eram as que abordavam questões da filosofia e da linguagem. Já no primeiro semestre fiz amizade com o meu professor de Filosofia Geral, Eduardo das Neves Filho, que me incentivou a fazer o curso de filosofia. No entanto, a Faculdade Logos de Teologia abriu uma extensão em Chapecó naquele semestre. Decidi, então, continuar com o curso de psicologia e fazer Bacharelado em Teologia durante o período da noite. Após a conclusão deste curso em 2003 iniciei o curso de Filosofia que também era oferecido à noite na Unochapecó. Durante o curso de filosofia, as disciplinas que mais me instigaram foram as que abordavam a questão da linguagem e do conhecimento. O meu professor Eduardo das Neves Filho me convidou para realizar uma pesquisa pela Fape/Pibic sobre o tema o “Ensino superior: aceitar ou não os pressupostos filosóficos tradicionais de racionalidade e realismo?” onde tentávamos expor uma defesa das idéias de John Searle sobre o realismo externo e suas implicações para o conhecimento em contraposição com as correntes, rotuladas como pósmodernas (pelo próprio Searle), representadas por Jacques Derrida e Richard

16   Rorty.3 Esta pesquisa me instigou a realizar o meu estágio de ensino em filosofia e relatório final propondo o ensino da lógica e a reflexão sobre a linguagem no ensino médio. Assim como me introduziu aos primeiros textos de Ludwig Wittgenstein ampliando meu interesse sobre o tema. Conclui este curso em 2005. No curso de psicologia optei por trabalhar com a teoria psicanalítica por centrar seu foco na análise da “linguagem”. Primeiro com a perspectiva clássica freudiana e logo depois com outras mais contemporâneas, como a Bioniana, Winnicottiana e até mesmo Lacaniana. Defendi meu trabalho de conclusão do curso em psicologia com o título: “Psicanálise e Neurociências: o que está em jogo” discutindo questões sobre o estatuto epistemológico da psicanálise frente aos desafios dos avanços das neurociências. Conclui aquele curso em 2006. Recebi uma proposta para trabalhar como professor de ensino superior para as disciplinas de Filosofia e Metodologia da Pesquisa na Faculdade Jangada localizada em Jaraguá do Sul. Mudei-me para Jaraguá do Sul no início de 2006. Em 2007 comecei também trabalhar como professor de ensino religioso na rede municipal e como professor de língua inglesa e espanhola na CCAA. Ingressei no curso de especialização em Psicopedagogia e Práticas Pedagógicas pela FACEL. Contudo, já planejava o meu ingresso ao mestrado em 2008. Pesquisei os programas de mestrado em filosofia e em educação que estivessem mais próximos que Florianópolis e Curitiba. Logo me interessou o programa da FURB, pois tinha a linha de pesquisa em filosofia da educação e trabalhava com questões da epistemologia. Assim, conclui a minha especialização no início de 2008 e ingressei no Programa Pós-Graduação de Mestrado em Educação da FURB. Ao iniciar a minha participação do grupo de pesquisa Educogitans – FURB, fui introduzido a questões sobre o pensamento filosófico e epistemológico na América Latina e suas implicações para a educação. A necessidade de voltar os meus olhos para as questões epistemológicas, não somente em uma perspectiva lógico-analítica, mas necessariamente a partir de contextos culturais e, portanto, educacionais, foi uma experiência de profunda mudança pessoal.                                                                                                                 3

Aqui tive o meu primeiro contato com as produções de Richard Rorty, contudo minha leitura partia de um pano de fundo “critico” que o caricaturava e não permitia uma compreensão de seu pensamento.

17   Pouco a pouco minhas experiências trans-culturais começaram a dar sentido, como um pano de fundo, para o empreendimento desta pesquisa. Começou a ficar mais claro para mim que as diferenças culturais, de valores e cosmovisões distintas, tinham certamente um papel crucial em como entendemos e conhecemos o mundo, assim também, em como nos definimos a nós mesmos. É nessa busca por conexão e movimento que comecei a procurar uma alternativa para se pensar a filosofia latino-americana. Conexão da teoria com a prática, da mente com o corpo, do homem-no-mundo-com-os-outros, em um empreendimento

anti-dualista

solapando

as

pseudo

dicotomias

que



provocaram angústias e construíram fendas em nossa integralidade. Movimento de um mundo e de pessoas sem essências fixas, pré-definidas. A busca por um ponto de partida para o agir e pensar do humano, a própria experiência vivida. Isto tudo me fez ver a importância do reconhecimento e do contato, e troca, com a diversidade, o diálogo entre as pessoas, povos, etnias, culturas, e línguas. Em suma, essa avalanche de propostas alternativas para se abordar o pensamento latino-americano levou-me a um aparente impasse, levou-me a revisitar o Pragmatismo. As reações a esta “palavra”, especialmente nos círculos de pesquisa em educação no Brasil, causa mais desconforto do que estranheza e curiosidade. Contudo, espero que as próximas páginas desta pesquisa lhes conduza a uma jornada em que o desconforto se transforme em movimento e crescimento, em direção a um possível e profícuo diálogo entre tradições filosóficas e epistemológicas Americanas. O tempo desta sessão acabou. Devo levantar-me do divã. Mas mais confiante, pois sei que esta foi somente uma das infinitas sessões nesta jornada de auto-conhecimento, mudanças e redescrições. Continuo, portanto, agora pintando os primeiros traços do tema, sua justificativa e problematização. 1.2 Pensamento Latino-Americano e Pragmatismo A noção de uma filosofia Latino-Americana tem sido um assunto de controvérsias durante a maior parte do século vinte. As dificuldades que suscita comumente referem-se ao objetivo de estudá-la, sendo este por vezes pouco definido ou uniforme, e o que a qualifica como filosofia não está bem

18   estabelecido. (ARDAO, 1979; BEUCHOT, 1996; FRONDIZI, 1949; GRACIA, 2008; MARTI, 1983; MIRÓ-QUESADA, 1974; NUCETTELLI, 2002; PEREDA, 2006; ZEA, 1986) Alguns autores e textos são considerados, com grande consenso, parte da filosofia Latino-Americana, em um sentido amplo. Dificilmente se discordaria que Antonio Caso, Risieri Frondizi, Leopoldo Zea, e Francisco Miró Quesada são filósofos Latino-Americanos. Se pode até discordar da originalidade e valor de suas obras, contudo seus trabalhos são comumente aceitos no canon da filosofia Latino-Americana. A questão fica esclarecida, neste aspecto, quando são considerados, em um processo inverso, filósofos que não se qualificam como parte do corpus de textos da filosofia Latino-Americana, por exemplo, pensadores como Aristóteles, Thomas Aquino, René Descartes, entre outros. Normalmente a questão sobre os autores mencionados acima não gera polêmica, contudo os problemas emergem quando são considerados textos e autores tais como o Popol Vuh, Bartolomé de las Casas, Sor Juana Inês de la Cruz, Frantz Fanon, e José Gaos. (GRACIA, 2010; NUCETTELLI, 2010) O problema com o Popol Vuh (o livro que contêm os mitos Mayas sobre a criação), por exemplo, tem duas facetas. Primeiro, não é um texto claramente filosófico no seu sentido mais difundido pelo entendimento Ocidental do termo. Afinal, há diversos textos como aquele na tradição Ocidental que nunca foram incluídos no canon filosófico. Considere, por exemplo, o Livro dos Mortos Egípcio, ou a Ilíada e a Odisséia, não são incluídos geralmente nos cursos de filosofia exceto para ilustrar a mudança que os historiadores da filosofia vêem entre textos religiosos e literários e as obras dos pré-socráticos. Se isto é um fato, surge a pergunta, por que deveríamos incluir o Popol Vuh, por exemplo, nos estudos da filosofia Latino-Americana? É nesse sentido que ao se falar da filosofia Latino-Americana, sugere Gracia (2010), pelo menos dois tópicos são pertinentes. Um está enquadrado em termos de uma questão: há uma filosofia Latino-Americana? A outra é concernente com o que é comumente chamado de filosofia acadêmica e nãoacadêmica, e para isso se usa diversos termos, tais como, Ocidental e nãoOcidental, européia e autóctone, genuína e importada, autêntica e inautêntica, etc. Ambos os tópicos envolvem um entendimento da filosofia em geral e da filosofia Latino-Americana em particular.

19   Questões explícitas sobre a filosofia Latino-Americana foram primeiro exploradas nos escritos de Leopoldo Zea (1912-2004) e Risieri Frondizi (19101983) nos anos de 1940. O aumento da literatura filosófica até então parecia justificar, ou ao menos requerer, uma investigação da natureza, temas, ou limites desse empreendimento filosófico. Contudo, o caráter e o futuro da filosofia LatinoAmericana já tinham sido discutidos antes que Zea e Frondizi tivessem explicitamente questionado a identidade da filosofia Latino-Americana. O primeiro autor a fazer isso foi o argentino Juan Bautista Alberdi (1810-1884). Mesmo após décadas de debates a questão explicitada por Gracia (2010), se existe uma filosofia Latino-Americana, ainda é o ponto de partida para controvérsias atuais. Nuccetelli (2010), por exemplo, afirma que diante deste questionamento há alguns posicionamentos possíveis, entre estes, estão os que ela chama de “universalistas”. A autora sugere que há entre os posicionamentos universalistas, aqueles que são de um “universalismo forte” e os que são de um “universalismo

fraco“.

Vejamos

a

seguir

em

que

consistem

estes

posicionamentos. A premissa central do “universalismo forte” é que: “Todas as teorias, métodos e tópicos da filosofia são universais” (NUCCETELLI, 2010, p. 343, tradução nossa). Portanto de acordo com essa posição nenhuma teoria, método ou tópico são distintamente Latino-Americanos. Exemplo desse posicionamento temos no filósofo argentino Mario Bunge que declarou recentemente: “Eu não penso que a América Latina constitui uma área distinta da filosofia. A América Latina é tão pluralista filosoficamente quanto a América do Norte, Europa Ocidental, Índia, ou Japão” (GILSON, 2006, p. 10, tradução nossa). A premissa central do “universalismo fraco” é que: “Algumas teorias, métodos e tópicos da filosofia são universais” (NUCCETELLI, 2010, p. 344, tradução nossa). Há aqui portanto algum espaço lógico para teorias, métodos, e tópicos que sejam distintivamente Latino-Americanos, de algum modo. Alguns, ainda posicionam-se com mente mais aberta, como vemos em Jorge Gracia, ao defender uma filosofia Latino-Americana como uma “filosofia étnica”: Uma filosofia étnica é a filosofia de um ethnos, e na medida que assim o é, membros de outras ethne não compartilham necessariamente características em comum, então o que a filosofia de um ethnos é exatamente, em particular, não irá requerer nenhuma característica em comum com outras filosofias fora do ethnos ou até mesmo no interior do

20   ethnos através de sua história. Isto, eu argumento, é a melhor forma de entender a unidade da filosofia Latino-Americana (2008, p. 140, tradução nossa).

Essa visão acomoda a noção de que algumas teorias filosóficas, métodos, e tópicos são universais enquanto outras não o são. Uma de suas vantagens, sugere Gracia (2008), é que permite a inclusão na filosofia Latino-Americana de trabalhos que não podem ser acolhidos em nenhuma das filosofias de qualquer outro grupo étnico, ou na filosofia universal, que Gracia iguala com a filosofia “científica”. A filosofia “étnica” Latino-Americana pode incluir trabalhos que se enquadram nas condições qualitativas de Gracia, tanto se eles forem nãoconvencionais como aqueles de Bartolomé de las Casas e Jorge Luis Borges, ou convencionais tais como aqueles de Hector Neri-Castañeda e Ernest Sosa. Mas ainda fica problemática a questão de quais trabalhos devem ser incluídos ou excluídos. Por exemplo, decidir se o Popol Vuh pertence a filosofia Latino-Americana. Gracia provê um esboço de um critério condicional de acordo com o qual o Popol Vuh deveria ser incluído se e somente se os Mayas fazem parte do povo Latino-Americano. Outra vantagem aparente, sugerida por Gracia, de se construir a disciplina como filosofia étnica é em evitar uma relativização a algum “padrão externo exclusivo de racionalidade, relevância temática, ou metodologia” (2008, p. 142, tradução nossa). Outro exemplo de “universalismo fraco” é a proposta de Nuccettelli (2002), que ela chamou de uma perspectiva de “filosofia aplicada”. Nesta perspectiva uma filosofia é caracteristicamente Latino-Americana somente na medida em que ela desenvolve: (1) Argumentos filosóficos originais; e (2) Temas que, ao menos em parte, sejam determinados pela relação que seus proponentes possuem com os fatores culturais, sociais, e/ou históricos na América Latina. Interpretada dessa maneira, há ampla evidência, sugere Nuccettelli (2010, p. 345), da existência de uma filosofia Latino-Americana característica nos trabalhos de pensadores LatinoAmericanos – inclusive os “filósofos amadores” e os profissionais – muitos dos quais possuem fortes traços de originalidade e sensitividade ao contexto cultural, social, e histórico. O problema da existência de uma filosofia Latino-Americana continua ao voltar-nos para as suas origens, e ao nos deparar com documentos escritos sugerindo a existência de um pensamento filosófico pré-colombiano. Tem sido

21   argumentado (LEÓN-PORTILLA, 1963, p. 8-9, 23; NUCCETELLI, 2002; MAFFIE, 2010) que certos textos bem-preservados são evidências da existência do pensamento filosófico entre os Mayas e Aztecas na forma de cosmologia populares e reflexões sobre problemas de epistemologia (no sentido amplo – teoria do conhecimento), metafísica, e ética. Proeminente entre os documentos existentes são o Popol Vuh dos Mayas e seus Livros de Chilam Balam ou Códices – ainda que também há evidências das crônicas hispânicas do Novo Mundo (RESTREPO, 2010). O pensamento pré-colombiano se desenvolve de maneiras que aparentam totalmente estranhas as nossas concepções convencionais de filosofia. Mas uma complacência estrita com tais convenções não necessitam ser mantidas como condição necessária para algo ser admitido como filosofia. Afinal, não tem sido incomum na história da filosofia Ocidental incluir como filosofia obras pioneiras que também desrespeitaram as normas predominantes do formato ou do conteúdo. Podemos imediatamente pensar nas obras de Parmênides, Platão, e Wittgenstein. Além disso, aqueles que desejam excluir o pensamento précolombiano da história da filosofia Latino-Americana podem ter dificuldades em argumentar que tal tipo de pensamento levanta questões que não são propriamente filosóficas. Pois, se assim o fosse, os trabalhos de quase todos os filósofos gregos pré-socráticos teriam que ser excluídos também, pois eles levantam questões que são de fato bem análogas àquelas suscitadas nas cosmologias populares pré-colombianas. Assim como no caso de Pitágoras, as suas respostas eram com freqüência misturadas com mito e religião (NUCCETTELLI, 2002, 2010). De outro modo, como no caso da relação entre o pensamento pré-socrático e a filosofia Ocidental, as obras filosóficas pré-colombianas podem ser consideradas, sugerem Leon-Portilla (1963), Nuccetelli (2002, 2010), e Maffie (2010), como constituintes de ao menos uma proto filosofia Latino-Americana – uma reivindicação que é consistente com o argumento de que mais métodos filosóficos contemporâneos são necessários hoje para discutir adequadamente as mesmas questões. Entre aqueles que rejeitam essa comparação, alguns argumentam que somente no caso dos pré-socráticos há alguma continuidade no método utilizado (NUCETTELLI, 2002). Outros suspendem o juízo, por exemplo: “A filosofia Latino-Americana”, escrevem os autores de uma entrada temática de

22   um dicionário de filosofia, “começa com a descoberta e colonização Espanhola e Portuguesa do Novo Mundo” (GRACIA et al., 1995, p. 462, tradução nossa). Gracia, neste aspecto, aparenta ter uma postura agnóstica, pois quando reflete sobre a possibilidade da cosmologia popular Maya do Popol Vuh pertencer a filosofia Latino-Americana, ele diz: Está o Popol Vuh incluído na filosofia Latino-Americana? A questão agora muda de se os pré-colombianos podem ser considerados parte do ethnos latino e porque [...] Ainda, você provavelmente quer que eu lhe diga o que eu penso sobre o Popol Vuh: Pertence ou não à filosofia Latino-Americana? Eu não quero responder essa pergunta, porque eu não a percebo como filosoficamente interessante (2008, p. 142, tradução nossa).

Mesmo ao professar um “gnosticismo”, Gracia oferece aqui o que ele considera uma condição para a cosmologia popular no Popol Vuh, tomada como exemplo, em ser considerada como filosofia (que “os pré-colombianos podem ser considerados parte do ethnos latino”). Em outras palavras, as ideias filosóficas no Popol Vuh pertenceriam a filosofia Latino-Americana se os próprios Mayas pertencessem ao que Gracia chama de povo latino, ou os “Latino-Americanos”, amplamente interpretado para se aplicar também a pessoas que possuem descendência Latino-America. Mas o que quer se dizer com “pertencer a um povo” necessita ser esclarecido. Por exemplo, não pode ser relativizado a atualidade somente, pois isso conduziria a conclusão implausível de que, por exemplo, a filosofia grega clássica não conta como filosofia européia. Afinal, hoje os gregos clássicos não são literalmente parte do povo europeu. Mas nós não queremos dizer que a República de Platão não deve ser incluída na filosofia européia. Então a relação deve permitir encadeamentos históricos: os gregos clássicos são nesse sentido parte do povo europeu, e suas obras filosóficas portanto são elegíveis para serem incluídas na filosofia européia. Agora, está além de qualquer disputa que o Popol Vuh, provavelmente mais do que qualquer outra narrativa pré-colombiana, é parte da cultura do povo Maya ainda hoje, e que eles a receberam principalmente através da tradição oral. Então, seguindo a condição apresentada acima, o Popol Vuh se qualificaria para ser incluído na filosofia Latino-America a não ser que os Mayas não se qualifiquem como Latino-Americanos. Mas é evidente que eles assim o fazem. Considere, por exemplo, Rigoberta Menchú, uma Maya Quiché de

23   Guatemala que ganhou prémio Nobel da Paz, e é bem conhecida como uma defensora dos direitos humanos para os povos indígenas. Certamente, sob as luzes dos fatos históricos, geográficos, e culturais – que a Menchú é uma cidadã Latino-Americana honrada – não faria sentido negar que ela é Latino-Americana. Do mesmo modo, não faria sentido excluir o povo que ela representa: os Mayas. Segue que, se raciocinarmos de acordo com o critério de Gracia (2008), o Popol Vuh apresenta-se incluído na filosofia Latino-Americana. Isto significaria que a filosofia latino-americana tem uma história de mais de quinhentos anos de reflexões. Portanto, poderíamos dizer que o pensamento filosófico tem uma longa linhagem neste lado do Atlântico. O pensamento Azteca, Maya, e Inca, argumenta Mendieta (2003), lentamente tem se infiltrado não somente no imaginário dos povos latinoamericanos e suas línguas francas, mas também através do imaginário de intelectuais, professores e estudantes universitários. De fato, o autor argumenta que alguns trabalhos interessantes no pensamento latino-americano emergiram de confrontações com essas tradições filosóficas indígenas. Como exemplo disso temos as obras do argentino Günther Rodolfo Kusch (1922-1979), América Profunda (1986) e El pensamiento indígena y popular en América (1977). Podemos dizer, também, de uma outra perspectiva, que a filosofia latinoamericana se tornou como um “cadinho” para algumas correntes filosóficas e métodos que se originaram na Europa e foram posteriormente introduzidas no Novo Mundo, como por exemplo o Positivismo (CLARK, 2010; INGENIEROS, 1961; ZEA, 1980) e a Fenomenologia (MIRÓ QUESADA, 1941; OLIVEIRA, 2010; ZIRIÓN QUIJANO; VARGAS GUILLÉN, 2000). Algumas correntes chegaram na América Latina antes de chegarem na América do Norte, como por exemplo o Krausismo (DIERKSMEIER, 2010; PAIM, 1998; ROIG, 1969).

Portanto, a

filosofia latino-americana foi e é um lugar tanto de síntese criativa quanto de iniciativa inovadora. Tem participado e narrado os projetos das liberações continentais e nacionais do colonialismo europeu, como por exemplo a Filosofia de la Liberación (DUSSEL, 1973, 1983, 1991; GULDBERG, 2006) e, podemos dizer, tem crescido para ser a irmã continental e espiritual dos ideais revolucionários, democráticos e liberais norte americanos (MENDIETA, 2003) Na América Latina, como uma unidade continental, não obstante as subdivisões internas, nós encontramos uma série de preocupações comuns,

24   temas, questões, até mesmo formas de escrita e de comunicar (e aqui o paralelo óbvio é a assim chamada filosofia continental, que pode ser estudada em termos de suas unidades geográficas – Alemanha, Itália, Espanha, França, etc. – sem detratar sua inequívoca unidade e identidade). As razões para estudar a filosofia latino-americana são de fato muitas, e somente uma cegueira ideológica obstinada e o provincianismo teimoso podem nos tornar imunes aos seus desafios e insights, assim como ao seu vigor e criatividade. Podemos estudar, de acordo com Mendieta (2003), a filosofia latinoamericana, especialmente depois dos giros e mudanças paradigmáticas que ocorreram nas últimas duas décadas no âmbito do conhecimento filosófico, sob três vertentes. Ele chama a primeira vertente de estudo disciplinar da filosofia latino-americana, pela qual refere a orientação da filosofia como uma disciplina universitária, uma faculdade, uma disciplina acolhida no interior da árvore do conhecimento, ou o mapeamento dos conhecimentos legado a nós pelo iluminismo francês e germânico. Sob esta rubrica, disciplinar, nós encontramos três tipos de trabalhos, ou pensamento correntes, que concernem questões sobre de onde a filosofia latino-americana veio e para onde ela está indo. Aqui, o pensamento de Jorge J. E. Gracia (1999) esclarece que essas correntes podem ser identificadas como “universalistas”, “culturalistas”, e “críticas”.4 As correntes universalistas rejeitam a idéia de uma filosofia latinoamericana, pois a filosofia é sobre o universal, e o contingente e geográfico não entram nela. Um exemplo da corrente universalista seria os textos de Risieri Frondizi (1949). As correntes culturalistas afirmam a existência da filosofia latinoamericana, pois toda filosofia seria o seu tempo e cultura compreendida em pensamento. Para os culturalistas não há uma filosofia universal, e ater-se a essa visão é sucumbir a uma das mais perniciosas formas de ideologias e auto-ilusão. Leopoldo Zea (2004) é um exemplo da corrente culturalista. A corrente crítica afirma que não há uma filosofia latino-americana, não porque não pode haver, mas porque, devido a sua bagagem histórica do colonialismo e neo-imperialismo, os latino-americanos não estiveram capazes, ou não tiveram a oportunidade, de pensar a filosofia como latino-americana. Em outras palavras, a sua filosofia tem                                                                                                                 4

Gracia (2007, 2008) acrescenta uma quarta corrente que chama de “étnica”, como descrito anteriormente.

25   refletido somente os interesses dos impérios coloniais e neo-coloniais. Um exemplo da corrente crítica são as obras de Augusto Salazar Bondy (1969). A maior parte dos debates sobre a filosofia latino-americana nos últimos cem anos, sugere Mendieta (2003) tem sido realizada sob a abordagem da vertente disciplinar. A sua longevidade e dimensões institucionais a tornaram produtiva e entrincheirada. Contudo, o seu próprio contexto institucional e a sua estreita concepção do que constitui a filosofia e as instituições de filosofia a tornaram um tanto ineficiente em seu tratamento da questão. A possibilidade de, e necessidade de uma filosofia latino-americana é uma questão, antes de ser ontológica e/ou epistemológica, meta-filosófica (HURTADO, 2000), uma que coloca as próprias formas de cristalização da filosofia em perigo não somente na América Latina, mas também no mundo ocidental. De fato é a orientação institucional e disciplinar dessas três correntes, ou escolas, que tem levado as justaposições que Gracia enumera tão bem em seu Hispanic/Latino Identity: A Philosophical Perspective (1999). A constante evasão, eu posso, não posso, eu posso, não posso, do Molloy de Samuel Beckett (2008), vem à mente quando lemos esta obra, pois Gracia pode ser visto como quem diz: “há uma filosofia latino-americana, mas não pode haver; não pode haver, mas há”. É precisamente em resposta à inabilidade da abordagem disciplinar de romper o beco sem saída sobre a questão da existência da filosofia latinoamericana que um pensamento alternativo emergiu no interior da filosofia latinoamericana, Mendieta (2003) chama esta segunda vertente de genealógica ou anárquica. Este tipo de pensamento é heterodoxo e herético porque atravessa todas as fronteiras disciplinares estabelecidas e sacralizadas entre filosofia, sociologia, teoria política, historia cultural, e a história das ideias, e porque esta sugere que a questão “Há uma filosofia latino-americana?” é menos importante e perspicaz do que a questão que se destina a nos recordar de Michel Foucault: “Quais são as condições institucionais para a possibilidade de perguntar essas questões, e juntamente, quais são os efeitos de perguntar se há, ou se deveria haver, uma filosofia latino-americana?”5.                                                                                                                 5

Para um exemplo dessa nova escola, cf. TRIGO, Benigno (Ed.). Foucault and Latin America: appropriations and deployments of Discoursive Analysis. New York: Routledge, 2001.

26   Essa escola de filosofia latino-americana reflete tanto a crise da filosofia ocidental quanto a maturação e internacionalização do pensamento latinoamericano. Essas estão relacionadas com a trans-nacionalização de filósofos latino-americanos e intelectuais, alguns exilados voluntariamente, outros expulsos violentamente por ditaduras e guerras. Não é de se surpreender, a heterodoxia dessa corrente tem tido um efeito rejuvenescedor sobre o estudo que se propõe a fazer sendo criticar ou desmantelar de uma vez. Autores clássicos são desenterrados e relidos com um foco novo, e questões como: será que eles participaram na construção de certos regimes disciplinares que eram cúmplices em projetos coloniais e nacionais?; Foi a sua filosofia ao serviço do estado, mesmo quando dava a entender que estava contra o estado?; são levantadas. Os trabalhos de Roberto Salazar Ramos, Santiago Castro-Gómez, Carlos Rincón, e Beatriz González Stephan são exemplos de pensadores desta escola.6 Um terceiro grupo começou a emergir no horizonte intelectual do pensamento filosófico latino-americano, e Mendieta (2003) chama esta vertente de geopolítica ou histórico-mundial. Como a escola genealógica e anárquica, essa escola desafia as fronteiras disciplinares que tem determinado os modos nos quais as questões sobre as origens e propósitos da filosofia latino-americana devem ser perguntadas. Contudo de maneira diferente, a vertente geopolítica, opta por uma abordagem de sistemas-mundiais ao invés de questões concernentes às pedras angulares do conhecimento. De uma modo provocativo, comenta Mendieta (1998), pensadores nesta tradição elaboraram uma fusão geradora com ideias da metade século vinte sobre a história mundial, expressas por personagens fundamentais como Darcy Ribeiro7, Leopoldo Zea, José Gaos, e Germán Arciniegas, com obras sobre o sistema mundial desenvolvido por

                                                                                                                6

Cf. também CASTRO-GÓMEZ, Santiago. The challenge of postmodernity to Latin American philosophy. In: LANGE-CHURIÓN, Pedro; MENDIETA, Eduardo (Eds.). Latin America and postmodernity: a contemporary reader. Amherst, N.Y.: Humanity Books, 2001. p.123–154, e também cf. MENDIETA, Eduardo. Latinamericanismo, modernidad, globalización: prolegómenos a una critica postcolonial de la razón. In: CASTRO-GÓMEZ, Santiago; MENDIETA, Eduardo (Eds.). Teorías sin disciplina: latinamericanismo, poscolonialidad y globalización en debate. Mexico, San Francisco: Porrua: the University of San Francisco, 1998. p. 169–205. 7

Cf. por exemplo, Darcy Ribeiro, O dilema da América Latina (1978) e As Américas e a civilização. Foi lançado recentemente uma coletânea de 10 livros do Darcy Ribeiro, organizado por Eric Nepomuceno, Coleção Darcy no Bolso (2010)

27   Immanuel Wallerstein8 e sua escola em Braudel Center, Binghamton, New York. Para eles a questão não é simplesmente: “Há uma filosofia latino-americana?”, mas que tipo de filosofia é desenvolvida na America Latina durante o século vinte e vinte e um especificamente em resposta ao processo global de descolonização, re-colonização sob o financiamento internacional capitalista, e a emergência de formas de pensamentos pós-ocidentais.9 Não obstante a diferença na abordagem de alguns dos pensadores na vertente de pensamento crítico, há uma continuidade com este tipo de questionamento e forma de pesquisa. Portanto, personagens como Enrique Dussel e Aníbal Quijano, que de outro modo poderiam ter sido colocados na primeira vertente, tem efetuado uma suave transição para a vertente geopolítica. De fato, pode-se argumentar que eles estavam indo nesta direção desde o início, mas por causa da falta de um léxico mais generalizado, a sua mensagem havia se perdido ou desentendida. Ambos Dussel e Quijano são veteranos de um tipo de questionamento que procura localizar o pensamento latino-americano em um plano histórico-mundial.10 Há uma esperança de que no futuro próximo, na medida em que uma nova geração de estudantes e filósofos começa a desenvolver-se, amadurecer, e conceber uma América que inclui todos os seus subcontinentes, nós começaremos a pensar em uma filosofia latino-americana e filosofia norteamericana como capítulos de uma escola de filosofia americana geopoliticamente e histórico-mundialmente maior desde este hemisfério.11 Essa geração mais nova poderá ler, sugere Mendieta (2003), Ralph W. Emerson juntamente com Rubén Dário, C. S. Peirce com José Ingenieros, John Dewey com José Vasconcelos,                                                                                                                 8

Cf. os seus três volumes do The Modern World-System (1974, 1980, 1989), assim como o seu livro introdutório da análise dos Sistemas Mundiais (2004). 9 Sobre a noção de pós-ocidentalismo, cf. CORONIL, Fernando. Beyond occidentalism: toward nonimperial Geohistorical Categories, Cultural Anthropology, 11, n. 1, p. 51-87, Feb.1996. 10 Cf. MIGNOLO, Walter. Dussel’s Philosophy of Liberation: ethics and the geopolitics of knowledge. In: ALCOFF, Linda Martín; MENDIETA, Eduardo (Eds.). Thinking from the underside of history: Enrique Dussel’s Philosophy of Liberation. Lanham, Md.: Rowman & Littlefield, 2000. p. 27–50. Também cf. a maravilhosa introdução de: MIGNOLO, Walter (Ed.). Capitalismo y geopolítica del Conocimiento: el eurocentrismo y la filosofía de la liberación en del debate intellectual contemporâneo. Buenos Aires, Durham, N.C.: Ediciones del Signo: Duke University Press, 2001. p.9–53. 11 Cf. SÁENZ, Mario (Ed.). Latin American Philosophy and Globalization. Lanham: Rowman & Littlefield, 2002.

28   Richard Rorty com Enrique Dussel, na medida em que se tornam vários personagens canônicos em uma grande tradição continental. Dussel (2003) esboça uma perspectiva similar para o pensamento filosófico das Américas. Ele diz que a “bifurcação” que ocorreu na década de sessenta e oitenta (entre a filosofia epistemológica e analítica e a filosofia político-histórica latino-americana) está começando a ser transformada em uma possibilidade para diálogo. Este, afirma o autor, é um resultado de dois fatores. Primeiro é o enfraquecimento do dogmatismo, que afirmou seu próprio discurso sem crítica suficiente e ignorou outros discursos. Segundo, há um ceticismo saudável (que não requer argumentos que excedem exigências razoáveis para validar consenso racional, e que, portanto, também opõe o ceticismo de rigor extremo), que hoje permite uma discussão mais tolerante com outras posições, isto é, um diálogo fértil entre as correntes diferentes no final do século vinte e início do século vinte e um. O próprio Dussel continua afirmando que entre essas correntes ou estilos filosóficos em diálogo estão a filosofia epistemológica e pragmática e a filosofia Latino-Americana. Um intercâmbio entre filósofos Latino-Americanos e Norte-Americanos, cônscios de seus próprios limites, assim como, expandindo a possibilidade para os filósofos africanos e asiáticos, poderá permitir uma filosofia “mundial” emergir pela primeira vez. Sendo assim surge um questionamento: “Não deveria a constituição deste diálogo global (Oeste/Leste, Norte/Sul) entre comunidades filosóficas continentais ser umas das principais tarefas (desafios) do século vinte e um?” É nesse movimento que esta pesquisa nasce, com o olhar voltado para o possível diálogo e conexões entre o Norte e o Sul do que costumamos chamar de continente Americano. De acordo com Gregory Pappas (2011a), investigadores de diferentes partes do mundo, nos últimos dez anos, concentram seus esforços na busca por compreender as conexões entre a filosofia dos pensadores clássicos do pragmatismo americano, como William James, Charles Peirce, e John Dewey,

29   assim como também do pragmatismo renovado, como o neopragmatismo de Richard Rorty, e o mundo Latino-Americano.12 Artigos de pesquisadores norte americanos, espanhóis e latino-americanos começam a preencher uma brecha existente nas ciências humanas. Eles questionam lacunas que nunca existiram e em seu lugar constroem novas pontes. Oferecem uma conexão para um diálogo no século vinte e um entre duas grandes tradições filosóficas (CUNHA, 2005; DONOSO, 2011; FLORES, 2011; GRAHAM, 1994; KALVELAGE, 1974; MALVASIO, 1996; MARTÍNEZ, 2007; MEDINA, 2004, 2001; MENDIETA, 1998; NUBIOLA, 2001; NUBIOLA; PENELAS, 2011; ZALAMEA, 2006). Esta atitude, exemplificada também por este trabalho, desafia a noção de que não há pontes históricas e filosóficas significantes para serem encontradas entre a filosofia feita na América Latina e a filosofia feita na América do Norte. Sugere assim que não há nenhuma fenda profunda entre estas duas tradições filosóficas, além disso, que há uma afinidade real entre as questões centrais do Pragmatismo Norte-Americano e os tópicos e problemas discutidos por muitos pensadores Latino-Americanos. Introduzir autores como José Ingenieros, Pedro Zulen, Vaz Ferreira, ou até mesmo, se fosse o caso, autores espanhóis, que tiveram influência direta, e indireta, no pensamento latino-americano, como por exemplo Eugenio d’Ors ou José Gasset y Ortega,

na esperança de que irá estimular futuras pesquisas

destes personagens hispano/latino-americanos, e encorajar mais colaborações inter-americanas nas investigações das ciências humanas, especialmente em filosofia e educação, é um dos anseios desta pesquisa. Em um artigo recente, Guillermo Hurtado alega que nem a filosofia analítica nem a filosofia continental tem oferecido meios, ou “terreno”, para um diálogo filosófico pan-americano. Hurtado declara: “Um diálogo entre nossas comunidades filosóficas não é somente desejável, mas urgente” (HURTADO, 2006, p. 212, tradução nossa).                                                                                                                 12

Consoante com pragmatismo está a noção de que não há nenhuma essência nem para “latino” nem para “pragmatismo”. Em sentido bem lato, pragmatismo é uma família de filósofos e ideias no mesmo sentido em que o mundo latino é também uma família. Ficará evidente, contudo, nesta pesquisa que utilizo a visão de que a “experiência vivida” como o ponto de partida da inquirição filosófica é a chave para a compreensão do Pragmatismo e, de maneira similar (ao menos de acordo com os autores Latino-Americanos mencionados nesta pesquisa) o é para a filosofia Latino-Americana.

30   Procuramos, portanto, pontos de contato que sirvam de base para um diálogo filosófico entre as “duas Américas” no século vinte e um. Diálogo este que, iremos sugerir, pode ser visto no encontro entre filosofias e filósofos que se relacionaram e tiveram muito em comum. Pappas (2011) sugere que hoje há um consenso entre estudantes americanos de filosofia de que a prática de limitar o pragmatismo aos personagens clássicos norte americanos necessita ser questionada. Esta prática revisionista é consistente com a abertura (capacidade receptiva) e com o falibilismo defendido nos escritos da maioria dos pragmatistas. Recentes pesquisas tem, por exemplo, mostrado as contribuições históricas de mulheres e afro-americanos para a tradição pragmatista (SHOOK; MARGOLIS, 2006).13 Assim como, outras pesquisas enfatizam as possíveis origens de compromissos epistemológicos centrais e comuns a todos os pragmatistas, no pensamento Nativo-Americano (PRATT, 2002, 2004; WILSHIRE, 2000). Estas últimas pesquisas procuram ampliar a compreensão da origem e fontes do Pragmatismo, oferecendo uma originalidade e autenticidade maior do Pragmatismo em relação as suas outras fontes vindas da filosofia tradicional européia. Nesta pesquisa oferecemos um próximo passo nesta direção, incluindo personagens Latino-Americanos no corpo diversificado do Pragmatismo como uma tradição filosófica viva. Para isso, primeiro exploramos a ideia de uma filosofia Americana e descrevemos a abordagem de Scott L. Pratt na medida em que identifica os princípios epistemológicos (assim como ontológicos) centrais e comuns ao pensadores pragmatistas na filosofia nativo Norte-Americana. Segundo, a partir deste pano de fundo ampliamos a análise para a filosofia précolombiana (Andina e Azteca). Terceiro, descrevemos pontos de contato e conexões filosóficas e epistemológicas entre pensadores pragmatistas e pensadores Latino-Americanos. Vamos argumentar, portanto, a possibilidade de inclusão de personagens latinos na história do Pragmatismo, e portanto desafiar a noção de que o pragmatismo é uma filosofia exclusivamente da América do Norte.

                                                                                                                13

Cf. capítulos sobre “Jane Addams” por Marylin Fischer; “Feminism” por Shannon Sullivan; e “Alain Locke” por Leonard Harris no livro: SHOOK, John R.; MARGOLIS, Joseph (Eds.). A Companion to Pragmatism. Malden, MA: Blackwell, 2006.

31   Assim, para a questão principal da pesquisa: “Quais são as conexões epistemológicas e filosóficas entre Filosofia Latino-Americana e Pragmatismo?”, surgem três questões que direcionam esta investigação: - Como podemos definir a filosofia Latino-Americana e a filosofia Pragmatista? - Quais são as características epistemológicas comuns compartilhadas pela filosofia pragmatista que podem ser localizadas nos pensamentos de nativos do norte/sul americanos? - Como ocorreu/ocorre diálogos e conexões entre filósofos Latino-Americanos e filósofos Pragmatistas? 1.3 Objetivos 1.3.1 OBJETIVO GERAL -

Identificar e descrever conexões epistemológicas e filosóficas entre o Pragmatismo e a filosofia Latino-Americana a partir dos pragmatistas clássicos Peirce, James e Dewey e de alguns pensadores Latino-Americanos como Ingenieros, Zulen, Vaz Ferreira, Anísio Teixeira e Frondizi.

1.3.2 OBJETIVOS ESPECÍFICOS -

Compreender a origem do Pragmatismo e da Filosofia Americana

-

Identificar princípios epistemológicos (assim como ontológicos) centrais e comuns aos pensadores pragmatistas

-

Descrever

a

existência

dos

mesmos

princípios

epistemológicos

(e

ontológicos) do Pragmatismo na filosofia nativo Norte-Americana e na filosofia pré-colombiana Andina e Azteca; -

Descrever pontos de contato e conexões filosóficas e epistemológicas entre pensadores Pragmatistas e pensadores Latino-Americanos.

1.4 Metodologia Conforme os objetivos expostos acima, esta pesquisa é de caráter teórico. Metodologicamente sua análise recai sobre os conceitos de Filosofia Pragmatista,

32   Filosofia

Latino-Americana

e

suas

conexões

epistemológicas.

Para

tal

empreendimento foi necessário uma revisão de literatura de artigos, pesquisas e livros, especialmente em acervos e banco de dados online. Para o tópico sobre a origem do Pragmatismo como filosofia Americana a maior parte dos livros utilizados foram localizados no “Internet Archive”14 onde esses estão disponibilizados em fac-símile pelas instituições Universitárias ou Editoras responsáveis pela obra para a leitura online ou para o download. No caso de outras obras sobre a filosofia Nativo-Americana e filosofia LatinoAmericana, muitos livros foram localizados no “Google Books” onde a visualização da maioria das obras consultadas estava disponível completamente ou ao menos as partes referentes à presente pesquisa. As outras obras foram consultadas na Biblioteca da Universidade Regional de Blumenau – FURB, ou pertencem a acervo pessoal. Para o tópico dos diálogos, influências e confluências entre pensadores Latino-Americanos e pensadores Pragmatistas, além dos recursos acima mencionados, foram utilizados publicações de periódicos latino-americanos assim como banco de dados e sistema de informação científica tais como: Agora, Athenea Digital, Convivium, Daimon, Ideas y Valores, Isegoria, Redalyc, Dialnet, Scielo. Outro recurso foi o acesso a artigos e produções de Grupos de Estudos sobre o pragmatismo, epistemologia e filosofia latino-americana, como por exemplo: Grupo de Estudios Peirceanos15; Transacciones de Filosofía em las Americas16; Society for the Advancement of American Philosophy17; Centro de Estudos sobre Pragmatismo18, GAF - Grupo de Acción Filosófica 19; entre outros. As obras consultas em sua maioria são nas línguas inglesa, espanhola, e portuguesa, respectivamente. Este fato é devido ao acesso online facilitado das obras em inglês, assim como da pertinência do tema da pesquisa que é o diálogo de duas tradições filosóficas que também se impõe a “barreira” da língua. Assim, também as obras em espanhol e, em menor representatividade, português, recebem a mesma justificativa.                                                                                                                 14

O endereço eletrônico é: O endereço eletrônico é: 16 O endereço eletrônico é: < http://ipr.tamu.edu/> 17 O endereço eletrônico é: < http://www.american-philosophy.org/> 18 O endereço eletrônico é: < http://www.pucsp.br/pragmatismo/index.html> 15

19

O endereço eletrônico é: < www.accionfilosofica.com/>

33   Dividimos o presente trabalho em quatro capítulos, mais as considerações finais. O

primeiro

é

um

capítulo

introdutório.

Em

seu

primeiro

tópico

apresentamos a história de vida do autor desta pesquisa, ressaltando seu vínculo com o tema. No

segundo tópico apresentamos o tema, a justificativa, a

problemática e as questões da pesquisa. Logo após, no terceiro tópico expomos os objetivos e a metodologia empregada. No segundo capítulo, intitulado “O Pragmatismo e suas origens”, discorremos sobre “o desenvolvimento do pensamento americano”, ressaltando o problema da definição e possibilidade de uma Filosofia Americana, através de escritos e pensamentos de filósofos e historiadores da filosofia. Logo após, expomos o tópico “A alternativa pragmatista” considerando-se, em subtópicos, os quatro traços epistemológicos comuns desse pensamento. Aqui os principais autores que embasam a pesquisa são Scott L. Pratt, C. S. Peirce, William James, e John Dewey. No terceiro capítulo, intitulado “O sul e o norte se encontram: América Nativa e o Pragmatismo”, abordamos no primeiro tópico a questão dos Nativos Norte-Americanos e o pragmatismo. Depois, no segundo tópico, desenvolvemos a questão dos Nativos Latino-Americanos e o Pragmatismo. Este último tópico se subdivide em três sub-tópicos: A filosofia Indígena Andina; A filosofia Azteca ou Nahua; e A epistemologia Nahua e o Pragmatimo. Aqui os principais autores que embasam a pesquisa são Scott L. Pratt, James Maffie, e Miguel León-Portilla. No quarto, e último, capítulo, “Os pragmatistas norte-americanos e os ‘pragmatistas’

latino-americanos:

diálogos,

influências

e

confluências”,

apresentamos as influências de pragmatistas americanos do norte sobre o pensamento e a produção filosófica latino-americana, e depois o movimento oposto, a influência de latino-americanos sobre o pensamento pragmatista. O primeiro tópico, “Rumores do Norte ecoando nas terras do sul”, se subdivide em 4 subtópicos. Primeiro discorro sobre os primeiros contatos do Pragmatismo clássico com a América Latina. Depois sobre Dewey e sua influência em quatro países Latino-Americanos. No próximo subtópico amplio a análise sobre a influência deweyana, e no último subtópico discorro sobre Dewey e o Brasil. O segundo tópico, “Rumores do Sul ecoando nas terras do Norte”, também se subdivide em quatro subtopicos onde apresento reflexões sobre quatro

34   pensadores Latino-Americanos: José Ingenieros, Pedro Zulen, Vaz Ferreira, e Risieri Frondizi. Para finalizar apresentamos as considerações finais e logo após elencamos a lista de referências.

  35   2 O PRAGMATISMO E SUAS ORIGENS 2.1 O desenvolvimento do pensamento americano: fronteiras, genialidades e experiências vividas Na maior parte dos relatos, registros acadêmicos (compêndios, dicionários especializados, etc.) da história do pensamento americano, os povos indígenas da América são vistos como não tendo realizado nenhuma contribuição ao progresso intelectual, moral, e social dos povos europeus imigrantes. Desde essa perspectiva, os imigrantes invariavelmente viam a América como um óbice a ser superado, um recurso a ser usado, ou até mesmo como uma oportunidade para ser explorada como parte do progresso a partir de uma visão européia da humanidade. Scott L. Pratt (2002) comenta sobre duas possíveis versões dessa história. Uma versão dessa história vê o pensamento americano como o desenvolvimento, adaptação, de respostas conceituais distintas da ciência, religião, e da filosofia européia ao lugar selvagem da América do Norte. A América, nesta versão, não faz nenhuma contribuição intelectual, somente uma material. Como Frederick Jackson Turner afirma em seu famoso discurso de 1893, The Significance of The Frontier in American History: “Nossa história inicial é o estudo dos germens europeus desenvolvendo-se em um ambiente americano” (TURNER, 1996, p. 3, tradução nossa).20 A outra versão vê o pensamento americano como uma combinação de ideias européias com ideias que emergiram espontaneamente de mentes de pensadores descendentes de europeus na América. Em ambas as visões, os habitantes nativos da América pouco importam. Enquanto as plantas, animais, água, e minerais da América são vistos como a matéria prima para o futuro da humanidade, os povos nativo americanos são tomados como um grupo insignificante de povos primitivos que não são nem

                                                                                                                20

Para um contato com alguns textos em português do F. J. Turner, cf. KNAUSS, Paulo (org). Oeste Americano: 4 ensaios de História dos Estados Unidos da América de Frederick Jackson Turner. Niterói: EDUFF, 2004.; ou para um aprofundamento do significado de “fronteira” em seus textos, cf. ÁVILA, Arthur Lima de. E da Fronteira veio um pioneiro: a frontier thesis de Frederick Jackson Turner. (1861-1932). Dissertação de Mestrado, UFRS, Porto Alegre, 2006. Disponível em:< http://www.lume.ufrgs.br/handle/10183/7112>. Acesso em: 08/07/2011.

36   matéria prima (exceto como escravos) tampouco contribuintes possíveis à vida intelectual rica dos imigrantes europeus. Histórias da filosofia americana, na verdade, enfrentam problemas de origem. Ainda que a maioria oferece boas razões para ver o pensamento americano como dependente de, e como um desenvolvimento expandido dos recursos filosóficos europeus, eles são significativamente menos claros sobre o que faz a filosofia americana algo mais do que simplesmente a filosofia européia na América. Como resultado, histórias da filosofia Americana tendem a contar ou uma versão de uma história de fronteira, “fronteiriça”, na qual as ideias da Europa se adaptam aos desafios da selva ou uma versão de uma história de genialidade na qual o que é americano brota das mentes de americanos europeus talentosos (PRATT, 2002). A primeira versão é uma estratégia que deixa a fonte do inegável e distinto pensamento americano sendo um mistério, e assim a história das origens permanece incompleta. Esta versão, considerada como uma “história de fronteira”, concentra-se sobre o por que aspectos diferentes do pensamento europeu podem ter sido trazidos à tona pelas próprias circunstâncias não européias enfrentadas na América. Apesar disso, para os aparentemente “novos” meios de entender e agir no mundo não oferece explicação. A segunda versão é uma estratégia que localiza a origem dos aspectos distintos da filosofia americana nos insights notáveis de homens extraordinários libertando-se das antigas limitações. Neste caso, o problema da origem do pensamento americano distinto é explicado, mas somente na medida em que transforma este problema em um mistério da genialidade humana. Diante das duas versões da história do pensamento Americano Pratt afirma que “ambas as abordagens tem valor, mas há outra versão alternativa” (2002, p. 2, tradução nossa). Vamos expor nesta parte da pesquisa esta argumentação, seguindo as linhas gerais do pensamento de Scott Pratt e apoiando-nos em filósofos e historiadores da filosofia e/ou pensamento Americano, de que há uma outra alternativa, que não nega necessariamente as duas versões da história e da origem do pensamento Americano descritas acima, mas que amplia a percepção do problema da origem ao reconhecer aspectos distintos da filosofia Americana no pensamento Nativo-Americano.

37   2.1.1 O PENSAMENTO AMERICANO NA VERSÃO DA HISTÓRIA DE FRONTEIRA Quando os filósofos americanos no final do século dezenove começaram a refletir sobre a história da filosofia, eles bravamente declararam a sua dependência quase que exclusiva das ideias européias. Noah Porter, presidente do Yale College e um dos primeiros filósofos americanos a descrever a história da filosofia americana, identifica as maiores influências: a filosofia inglesa, francesa, e alemã. A tradição americana como ele apresenta seguiu a orientação da Inglaterra, seu pais mãe [...] e tem, em alguns casos, ultrapassado os estudiosos da Inglaterra em prontidão para seguir os processos e em apropriar resultados de especulação sobre o continente (PORTER, 1894, p. 443, tradução nossa).

Ausente da avaliação de Porter, podemos perceber, está o reconhecimento de qualquer influência americana distinta, e de fato ele rejeita a ideia de um gênio americano. “América”, ele conclui, “não pode vangloriar-se de muitos escritores de habilidades ou conquistas filosóficas preeminentes, [embora] pode apresentar um recorde de interesse honorável da parte de não poucos de seus estudiosos” (PORTER, 1894, p. 443, tradução nossa). Neste caso, compreendemos que a filosofia americana é vista como filosofia européia na América selvagem. Herbert Schneider, historiador da filosofia Americana, parece concordar com Porter. Ele prefacia sua história de 1946 com uma insípida avaliação que “na América [...] é inútil buscar uma tradição nativa, pois até mesmo nossa tradições mais refinadas estão saturadas de inspirações estrangeiras”. A lista de inspirações que ele oferece não é breve. De acordo com o mesmo autor, os imigrantes vieram carregados de ideias de suas cidades natais, e a América era um estágio ideal para estes desenvolvimentos. Schneider, assim, conclui que a América foi intelectualmente colonial muito tempo depois de ganhar independência política e tem sido intelectualmente provincial muito tempo depois de deixar de ser intelectualmente colonial. Nós ainda vivemos intelectualmente nas orlas da cultura européia (SCHNEIDER, 1946, vii-viii, tradução nossa).

Essa história da filosofia Americana ecoa a história do progresso americano contada por Turner. “A selva domina o colono. Ela encontra um

38   europeu em vestidos, indústrias, ferramentas, modos de viagem, e pensamento”. Primeiro a selva “arranca as roupas da civilização e o arruma em uma camiseta de caça e mocassim [...] [porque na] fronteira o ambiente é no início muito duro para o homem”. Usando os seus recursos importados, contudo, o homem europeu é capaz de “transformar” a selva, “mas o resultado não é a velha Europa, não simplesmente o desenvolvimento de germens germânicos [...] O fato é que há um novo produto que é americano” (TURNER, 1996, p. 4, tradução nossa). Enquanto a contribuição material da América está clara, nessa citação, a contribuição intelectual da América permanece obscura. Turner afirma, na mesma passagem, que “das condições da vida na fronteira emergiram traços intelectuais”, mas permanece pouco claro quão distinto os “traços” americanos podem emergir na sociedade intelectualmente fechada que ele retrata. 2.1.2 O PENSAMENTO AMERICANO NA VERSÃO DA HISTÓRIA DA GENIALIDADE A outra versão da história, a história da genialidade, é proposta por Vernon Parrington em seu Main Currents of American Thought. Parrington afirma as origens européias do pensamento americano, mas sugere que suas distintas qualidades não são somente um produto do encontro com as dificuldades e oportunidades no processo de colonizar a América do Norte. Em vez disso, a diferença é encontrada em ideias criadas ex nihilo. O pensamento americano distinto – aqui liberalismo americano – seria o produto de três tipos de “material”. O primeiro era “os liberalismos abundantes” da Europa do século dezessete; o segundo, a filosofia dos direitos naturais britânica e o Romantismo francês; e o terceiro, “os liberalismos nativos que tinham emergido espontaneamente de uma sociedade [imigrante] descentralizada” (PARRINGTON, 1927, p. 1, sem grifo no original, tradução nossa). A tese da originalidade espontânea dos pensadores americano-europeus é mantida por vários comentadores. Lewis Mumford, em seu livro de 1926, The Golden Day, ajudou a reforçar o interesse na literatura e filosofia americana do século dezenove em parte por declarar a sua originalidade. Afirmando descendência européia, Mumford declara sem ambigüidades que

39   a colonização da América tem as suas origens na descolonização da Europa [...] A dissociação, deslocamento, e finalmente, a desintegração da cultura européia se tornou mais aparente no Novo Mundo: mas o processo começou na Europa, e o interesse que eventualmente dominou o cenário americano teve a sua origem no Velho Mundo (MUMFORD, 1926, p.11, tradução nossa).

Ao mesmo tempo, a distinção do “Novo Mundo” foi produto da criação espontânea exemplificada no trabalho de Ralph Waldo Emerson. Ele era, diz Mumford, “o primeiro filósofo americano com uma doutrina fresca [...] Ele era um original, no sentido de que era uma fonte [...] um tipo de essência viva” (MUMFORD, 1926, p. 94-95, tradução nossa). O pensamento Americano em geral e a filosofia Americana em particular, Mumford argumenta, devem ser vistas como um novo estágio do desenvolvimento humano, estando sobre as ruínas de uma cultura medieval desintegrada e livre de seu alterego, o industrialismo europeu. Para Mumford, o pensamento Americano em seu melhor é expresso por Emerson, Henry David Thoreau, Nathaniel Hawthorne, Herman Melville, e Walt Whitman, filhos adolescentes de imigrantes europeus brilhando com potencial, mas ainda tentando superar a sua dependência. De um modo importante, percebemos que historiadores da filosofia Americana estavam simplesmente declarando conclusões já implicadas na concepção de América dominante na filosofia européia do século dezenove. Por exemplo, quando, em 1857, as Lectures on the Philosophy of History de G. W. F. Hegel foi publicada em inglês, suas conclusões reafirmaram uma expectativa bem-estabelecida. O que tem acontecido na [América] até agora é simplesmente um eco do Velho Mundo e a expressão de uma vida estrangeira; e como um país do futuro, [América] é de nenhum interesse para nós aqui, pois a profecia não é o assunto da filosofia (HEGEL, 1975, p. 171, tradução nossa).

Quando filósofos Americanos e historiadores enquadraram a história do desenvolvimento intelectual americano como progresso da Europa ocidental desde as colônias americanas até a América do Norte eles estavam seguindo, ao menos em grande parte, a Hegel, que preparou o cenário para tais histórias por enquadrar a história da consciência humana em termos geográficos similares. Como os filósofos Americanos estabeleceram fortes vínculos com a filosofia alemã no início e na metade do século dezenove, compreendemos que Hegel se

40   tornou uma influência crucial. Faltando outros modos de conceituar a sua própria história no interior da reconhecida tradição, a filosofia Americana parecia disposta a aceitar a linguagem hegeliana. Para Hegel, a história humana é o processo do geist ou espírito se tornando consciente de si mesmo por meio da manifestação de si mesmo no mundo real. Sendo que esta atualização concreta ocorre em localizações reais, a geografia desenvolve um papel crucial no processo (HEGEL, 1975). O meio físico que provê o contexto para o desenvolvimento do geist são de três tipos: montanhas, vales, e costas. Esses três meios são distribuídos de tal modo que os três continentes do mundo tripartite pré-colombiano desempenha papéis particulares no processo. A geografia africana e seu clima particular, visto como montanhoso e hostil, oferece um ambiente físico para o ser humano “natural”. De acordo com Hegel, os africanos indígenas ainda não “atingiram uma consciência de qualquer objetividade substancial – por exemplo, de Deus ou da lei – na qual a vontade do homem poderia participar e na qual ele poderia se tornar cônscio de seu próprio ser” (HEGEL, 1975, p. 177, tradução nossa). Desde que os africanos nativos carecem de consciência própria (de si), eles também carecem de história. A África, portanto, serve como um ponto fixo contra o qual o progresso do geist pode ser visto. A Ásia, do outro lado, oferece uma geografia de montanhas e amplos vales e rios onde o ser humano começa a se tornar cônscio de si mesmo. A transação entre os povos da montanha e os povos dos amplos vales e rios oferece a primeira tese e antítese necessária para gerar a síntese da consciência. E com a consciência, a história começa. Justamente na medida em que “o sol nasce no Oriente”, observa Hegel, “a história do mundo viaja do leste ao oeste” (HEGEL, 1975, p. 196-197, tradução nossa). Todavia, enquanto o povo nativo da Ásia são o início da história e consciência, eles são, entretanto, dificultados por uma espécie de “auto-oblívio” que vem com os primeiros momentos da consciência. Hegel compara esses primeiros momentos com a experiência alguém contemplando o momento do raiar do dia, o espalhar da luz, e o levantar do sol em toda a sua majestade. Descrições deste tipo tendem a enfatizar o arrebatar, espanto, e auto-oblívio infinito que acompanha esse momento de claridade (HEGEL, 1975, p. 196, tradução nossa).

41   Na medida em que a consciência se move ao ocidente em direção à Europa, o “espanto” diminui, e o ser humano participa do progresso de uma “contemplação passiva à atividade, à criação independente” (HEGEL, 1975, p.196, tradução nossa). A Europa, então, se torna o lugar onde o geist alcança a auto-consciência. É nesse continente que a terra é caracterizada por montanhas, vales, e costas e forma um ambiente rico e interativo – aqui o potencial físico do continente europeu combina com o potencial do geist para gerar o ponto final do progresso. O progresso da humanidade, então, é ao mesmo tempo geográfico, movendo-se com o sol do leste ao oeste, e espiritual, movendo-se do inconsciente, africano nativo tipo-animal, ao auto-consciente, intelectual europeu. “Europa”, Hegel conclui, “é o fim absoluto da história, assim como a Ásia é o seu começo” (HEGEL, 1975, p. 197, tradução nossa). O lugar da América no esquema hegeliano é necessariamente menos claro. Dado que a lógica do desenvolvimento do geist já estava esgotada pelas três partes do Velho Mundo e seus povos, ele foi forçado a concluir que “o único princípio que sobrara para a América seria aquele da incompletude ou constante não-satisfaçao/realização” (HEGEL, 1975, p. 172, tradução nossa). A partir dessas afirmações de Hegel, entendemos que não é de nenhuma surpresa que a América é vista por aquele autor e muitos de seus sucessores como tendo nenhuma

contribuição

intelectual

própria

e

importante

para

fazer

ao

desenvolvimento da humanidade. Sem dar aos Nativos Americanos um papel na história dialética do progresso do geist do tipo atribuído aos povos nativos do mundo tripartite, Hegel simplesmente conclui que os povos americanos “foram destruídos” pelo contato com os europeus. Na melhor das hipóteses, os americanos poderiam ser pensados como “uma cultura puramente natural que precisava perecer tão logo o espírito se aproximasse dela”. Ele sintetiza isso dizendo: “América tem sempre se mostrado fisicamente e espiritualmente impotente, e o faz assim até o presente dia” (HEGEL, 1975, p. 162, tradução nossa). Apesar dessa conclusão, a América, para Hegel, como uma terra encontra o seu lugar na história de três-partes do desenvolvimento do geist cujo “fim absoluto” é a Europa. “Desde que a nação original americana desapareceu – ou praticamente desapareceu – a população efetiva vem em sua maioria da Europa, e tudo o que acontece na América tem a sua origem [na Europa]” (HEGEL, 1975, p. 165, tradução nossa). Ou seja, podemos compreender que

42   para Hegel, a América é, sobretudo, uma terra vazia pronta para servir como um recurso para a extensão do desenvolvimento da humanidade cujo estágio mais avançado é encontrado nos povos europeus. A história da dependência intelectual americana da Europa foi re-afirmada depois da Segunda Guerra Mundial por uma geração de historiadores do pensamento americano. Filósofos como Joseph Blau e Morris Cohen re-contaram a velha história da origem da filosofia americana no pensamento inglês e francês, as suas qualidades distintas como sendo amplamente uma questão de peculiaridades da conquista e colonização.21 De acordo com Pratt (2002), em 1972, Morton White assumiu a tarefa de recuperar as origens da filosofia americana em sua obra Science and Sentiment in America. Ainda que crítico da confiança da tradição americana no “sentimento” e em seu resultante antiintelectualismo, White rastreia as origens de tal pensamento diretamente a fontes européias. “No começo”, ele declara que, “a filosofia Americana era uma filosofia colonial – tão derivada e não-original como alguém esperando em um posto avançado da civilização” (WHITE, 1972, p. 9 apud PRATT, 2002, p. 6, tradução nossa). Literalmente sustentado pelo desenvolvimento filosófico na Europa, a “subserviência filosófica” americana continuou após a Civil War quando o trabalho de Charles Darwin e J. S. Mill estabeleceram as fronteiras da investigação filosóficas. “Desde o começo então”, conclui White, “a filosofia Americana foi dominada pela filosofia transatlântica, até o pragmatismo, a primeira filosofia americana original, emergir nos escritos de Charles Peirce e William James” (WHITE, 1972, p. 9-10 apud PRATT, 2002, p. 6, tradução nossa). O Pragmatismo, quando finalmente entrou em cena, foi visto como um produto de recursos intelectuais descendentes de John Locke, o Iluminismo Escocês, e a ingenuidade de Peirce e James na medida em que tentavam “esclarecer a linguagem na qual as reivindicações ao conhecimento eram feitas e apressar o dia em que as disputas científicas e filosóficas seriam resolvidas pelo uso de um método mais racional” (WHITE, 1972, p. 150 apud PRATT, 2002, p. 6, tradução nossa). Enquanto White retoma a visão do pensamento europeu na América (história de fronteira), John Smith, em The Spirit of American Philosophy de 1963, segue Parrington e Mumford em recordar a história da genialidade original.                                                                                                                 21

Cf. Blau (1952) e Cohen (2009)

43   “Pensamento filosófico americano nos últimos três-quartos de um século”, ele diz, “tem mostrado seu próprio espírito original e inconfundível” (SMITH, 1983, [sem paginação-prefácio], tradução nossa). Assim como para Mumford uma geração anterior, a promessa de originalidade tem se rendido com mais frequência ao pensamento da filosofia britânica e continental, mas tal rendição, como o adolescente temeroso em tentar sozinho, é simplesmente um estágio a ser superado. Para Smith, a dependência americana será superada pela recuperação da genialidade espontânea de uma geração anterior de filósofos americanos europeus. Entendidas como possíveis versões, nem a história da dependência contada por White e seus predecessores nem a história da genialidade contada por Smith e seus predecessores oferece uma explicação última da origem do pensamento americano. Percebemos que a primeira versão, a história da fronteira, enquanto nega uma “origem” intelectual distinta, todavia afirma um “resultado” intelectual distinto, sendo esse o Pragmatismo Americano. Contudo, o mistério da origem é tornado mais perplexo quando constatamos que os compromissos básicos do Pragmatismo emergem nos trabalhos de filósofos tais como Rogers Williams, Benjamin Franklin, Cadwallader Colden, Lydia Maria Child, e outros mais de um século antes dos pragmatistas clássicos começarem a apresentar as suas visões. A segunda versão da história, da genialidade espontânea, tenta preencher a brecha explicando como a filosofia européia poderia se tornar tão transformada. Mas, compreendemos que mesmo essa história possui dificuldades. Primeiro, as histórias de emergência espontânea podem satisfazer aqueles que procuram um tipo de excepcionalismo americano, mas quando a emergência de uma tradição distinta é considerada em seu rico contexto histórico, pelo menos é possível que o que aparenta ser emergência espontânea possa ser o produto de uma colaboração bem-consolidada. Enquanto seja possível que ideias emirjam do nada, tal explicação é também um modo de passar vista grossa em uma origem bem mais complexa assim como um modo de evitar dar crédito onde deveria ser dado. Para melhor entender este argumento, podemos imaginar que tal abordagem dificilmente seria aceitável em uma história do pensamento europeu. Para reivindicar, por exemplo, que o empirismo de John Locke foi somente o produto da genialidade de Locke, ou quem sabe sua genialidade diante dos problemas da guerra civil, seriam simultaneamente muito

44   simples e desconectariam o trabalho de Locke de suas significativas relações com o desenvolvimento da ciência moderna e racionalismo continental. Nosso entendimento seria reduzido, assim como o valor do pensamento de Locke como um modo de pensar o conhecimento humano que tenta ser consistente com a física newtoniana e que tenta servir como uma alternativa para outras abordagens filosóficas. O segundo problema, conforme compreendemos, com as duas maneiras de contar a história do pensamento Americano e da filosofia na América, a história da fronteira e a história da genialidade americana, é que elas conduzem a uma história “estreita” e “exclusiva”. Isso no sentido que, ao estar compromissada de antemão com a narrativa da descendência européia, os aspectos do pensamento Americano que não se encaixam na história podem ser facilmente deixados de lado como não importantes ou anômalos. Na filosofia européia, por exemplo, se alguém está convencido da originalidade e valor de Locke, outras alternativas filosóficas podem ser facilmente deixadas de lado como inconsequentes ou equivocadas. Ao invés de ser visto como uma alternativa viável e catalisadora, o racionalismo poderia ser dispensado, seus argumentos perdidos, e seu insights negligenciados. Se alguém acredita que a filosofia européia descendeu somente dos gregos, então um filósofo como Spinoza, cujo trabalho foi fortemente influenciado pelo pensamento judaico, deve ser visto como uma anomalia. Enquanto historiadores da filosofia são necessariamente seletivos em suas explicações, tal seletividade pode ser também testada. O anômalo e sem importância pode às vezes ser a chave para gerar uma explicação (melhor), ou ao menos uma potencialmente mais útil. Anos de uma espécie de abordagem da história da filosofia pode tornar a experimentação de alternativas dificultoso, mas a dificuldade não diminui nem a possibilidade tampouco o valor das alternativas. Neste caso, abrir a questão sobre a origem da filosofia Americana à possibilidade da influência Nativo-Americana permitiria uma reconsideração mais geral do pensamento americano e o seu potencial para ajudar a tratar novos problemas.

45   2.1.3 O PENSAMENTO AMERICANO NA VERSÃO DA HISTÓRIA DA EXPERIÊNCIA VIVIDA A resposta que Scott L. Pratt (2002) propõe à história recebida do Pragmatismo Americano pode ser entendida como uma perspectiva adicional, e não como uma explicação última de sua origem. Por exemplo, a história do pragmatismo de H. S. Thayer, Meaning and Action (1981), desenvolve em detalhe muitas das conexões entre o pragmatismo clássico e a tradição filosófica européia. Para Thayer, o pragmatismo é uma resposta distinta para as questões duradouras que motivaram a filosofia dos séculos dezoito e dezenove na Europa. Entretanto, acreditamos que uma explicação do desenvolvimento do pragmatismo que o localiza relativamente a outra tradição não invalida as alternativas como as de Thayer, mas oferece novos ângulos de visão sobre o pensamento americano, alguns dos quais conduzem a tensões e críticas e alguns dos quais conduzem a novas conexões e possibilidades. A explicação de Pratt (2002) do início do pragmatismo não única nessa tentativa de olhar a partir de um outro ângulo a história do pensamento Americano. Junta-se a outras duas reavaliações da tradição, uma por Cornel West, The American Evasion of Philosophy (1989), e outra por Charlene Haddock Seigfried, Pragmatism and Feminism (1996). West relê uma porção significativa da tradição americana como uma filosofia de transformação social relevante às questões da cultura, gênero, e diferenças de classes. Seigfried avalia as conexões entre a filosofia feminista e o Pragmatismo tanto para levantar preocupações críticas sobre os pragmatistas clássicos quanto para oferecer um modo de enriquecer ambos, o feminismo e o Pragmatismo, pelo entendimento de seus pontos de convergência. Similarmente, a reconstrução da história inicial da filosofia Americana que Scott Pratt realiza também mostra o Pragmatismo em uma luz diferente e, ao mesmo tempo, abre a porta para uma tradição filosófica Americana mais ampla, no sentido das Américas. Ao invés de ver o pensamento nativo-americano como irrelevante, Pratt (1997, 2002, 2004)22 propõe que o vejamos como o lugar de partida de alguns aspectos distintivos da tradição filosófica americana, como um modo de                                                                                                                 22

Cf. também a obra de Bruce Wilshire em seu The primal roots of American philosophy (2000).

46   responder ao problema da origem. Ao rastrear o curso dos compromissos centrais do Pragmatismo começando pelo pensamento Nativo-Americano, através de seu uso em resistir à exclusão, o racismo, e o sexismo, até sua emergência nos trabalhos dos pragmatistas clássicos, esses modos de entender e agir no mundo podem se tornar recursos renovados. Enquanto outras versões da histórias da origem do Pragmatismo Americano, como as descritas anteriormente, podem e serão contadas, essa história da origem serve tanto como história quanto como uma resposta ao problema contínuo da coexistência de diferentes culturas na sociedade americana. Os pragmatistas considerados clássicos, Peirce, James e Dewey, oferecem uma perspectiva da qual pode-se começar essa reconsideração da história da filosofia Americana. Como historiadores de sua própria tradição, eles aparentam estar preocupados com os mesmos problemas da origem que historiadores posteriores expõem. Ao mesmo tempo, eles sugerem uma estratégia para a reconstrução dessa história começando com o reconhecimento do que é distintivo sobre o pragmatismo e o reconhecimento de que a sua influência intelectual não é somente um produto do discurso abstrato, mas também um produto da experiência vivida ordinária. William James apresenta uma versão da “história da fronteira” em uma das melhores explicações já conhecida das origens do pragmatismo. Em seu discurso de 1898 para a Philosophical Union da Universidade da Califórnia em Berkeley, James credita a Charles S. Peirce como aquele que deu origem, nos anos 1870, a ideia central do pragmatismo, a então chamada “máxima pragmática”. Neste caso, James torna mais preciso a desconsideração geral de Hegel aos indígenas da América quando ele sugere que a inovação de Peirce desenvolveu-se dos compromissos empíricos da “filosofia anglo-falante”. “O Sr. Peirce”, diz ele, somente expressou na forma de uma máxima explícita o que o sentido para a realidade [dos filósofos ingleses] os conduziu a instintivamente fazer. O grande modo inglês de investigar uma concepção é a de perguntar-se de imediato “É conhecido como o que? Em quais fatos resulta? Qual é o seu valor efetivo [cash-value], em termos de experiência particular?” (JAMES, 2005, p.72, tradução nossa).

Peirce discorda dessa explicação. Apesar das reivindicações de James de uma origem empirista, Peirce relata ele mesmo que o pragmatismo surgiu de suas

47   reflexões sobre o método de inquirição, particularmente em seus estudos sobre Kant. O termo pragmatismo em si mesmo, ele diz, deriva da distinção kantiana entre praktisch e pragmatisch, “a primeira pertencente a uma região do pensamento onde nenhuma mente do tipo experimentalista pode sempre certificar-se de terra firme sob seus pés, a segunda expressando relação a algum propósito humano definido” (PEIRCE, 1931-35, CP 5.412, tradução nossa). Ainda que eles discordem sobre os detalhes, Peirce e James concordam com a perspectiva histórica geral proposta por Hegel e concluem que o pragmatismo é uma expansão do desenvolvimento do pensamento europeu. Dewey, em seu resumo das origens do pragmatismo de 1925, declara novamente a versão de Peirce da história e argumenta explicitamente em favor das raízes européias do pragmatismo. De acordo com Dewey, o pragmatismo é o que acontece com a filosofia européia quando ela encontra os “traços distintivos do ambiente da vida americana” (DEWEY, 1925, p. 19, tradução nossa). Dewey conclui, o pensamento americano continua o pensamento europeu. Nós temos importado nossa linguagem, nossas leis, nossas instituições, nossa moral, e nossa religião da Europa, e nós as temos adaptado às novas condições de nossas vidas. O mesmo é verdadeiro para as nossas ideias (DEWEY, 1925, p. 19, tradução nossa).

Apesar de seu aparente compromisso com as origens européias do pensamento americano, entretanto, em um artigo escrito em 1922, Dewey sugere que a sua explicação das origens do pragmatismo não está completa. Aqui ele reafirma a convicção de James de que o pragmatismo segue a filosofia empirista iniciada por Bacon, Locke, e Hume, mas ele segue a explicação com a observação de que a tradição empírica foi “reavivada e tornada central por Peirce e James” como uma resposta filosófica a uma disposição peculiar da tradição americana. Essa disposição pode ser, ele diz, “tão obnóxia à verdade filosófica última como repulsiva a certos temperamentos”. Dewey descreve a disposição desse modo: Desencoraja o dogmatismo e sua filha, intolerância. Desperta e anima um espírito experimental que deseja conhecer como os sistemas e teorias funcionam antes de dar adesão completa. Milita contra generalizações demasiado abrangentes e fáceis, até mesmo contra aquelas que culpariam uma nação [...] Fomenta um senso do valor da

48   comunicação do que é conhecido (DEWEY, 1922, p. 308, tradução nossa).

Essa disposição, ele sugere, tem a sua origem fora dos confins do pensamento europeu e na experiência vivida. Em seu discurso de formatura de 1904 na University of Vermont, Dewey distingue entre concepções de filosofia que estão interessadas em construir sistemas e aquelas que visam uma filosofia que será instrumental ao invés de final, e instrumental não para estabelecer e garantir qualquer conjunto de verdades, mas instrumental em fornecer pontos de vista e trabalhar ideias que possam clarificar e iluminar o curso da vida real e concreto (DEWEY, 1905, p. 77, tradução nossa).

A concepção que toma a filosofia como um método é aquela apropriada à “lógica inerente em nossa América”. Desde essa perspectiva, Filósofos não devem ser um sacerdócio separado e monopólico, separado para guardar, e, sob certas condições, revelar um isolado tesouro de verdades. É sua responsabilidade organizar – tal organização envolve, é claro, crítica, rejeição, transformação – as mais elevadas e sábias ideias da humanidade passada e presente, de tal maneira que se tornem mais efetivas na interpretação de certos problemas recorrentes e fundamentais, que a humanidade, coletivamente e individualmente, precisa enfrentar. (DEWEY, 1905, p. 77, tradução nossa).

Para Dewey, então, apesar da importância dos recursos intelectuais recolhidos da filosofia européia, ainda permanece uma clara mas não-explicada disposição ou atitude que forma o terreno para a filosofia americana em geral e o pragmatismo em particular. Essa disposição não-explicada e compromisso com um método filosófico era aparente a outros comentadores, inclusive Alexis de Tocqueville em seu comentário de 1835 no Democracy in America. Tocqueville, em termos mais inequívoco do que os de Dewey, sugeriu que a filosofia americana deve ser buscada fora da tradição européia. Em sua discussão da “abordagem filosófica dos americanos”, ele escreve: Menos atenção é dada à filosofia nos Estados Unidos do que em qualquer outro país do mundo civilizado. Os americanos não possuem nenhuma escola de filosofia peculiar a si mesmos, e eles prestam muito pouca atenção as escolas européias rivais. Não obstante, é notável que o povo dos Estados Unidos quase todos têm um método uniforme e regras para a conduta de inquirições intelectuais. Então, apesar deles não terem se dado o trabalho de definir as regras, eles tem um método filosófico afinal. (TOCQUEVILLE, 1969, p. 429, tradução nossa)

49   De acordo com essa declaração de Tocqueville podemos compreender que apesar da falta de atenção com o pensamento europeu, os americanos não obstante desenvolveram um método filosófico distinto que, ele acredita, é caracterizado pela oposição ao dogma, um interesse no passado e presente como recursos, e um individualismo forte. Essa última característica, Tocqueville sugere, contribui para o desenvolvimento de “hábitos mentais”, inclusive um compromisso para encontrar significado em experiências presentes, não em um mundo sobrenatural nem um passado remoto tampouco em um futuro distante. “Então os americanos”, ele conclui, “não precisaram de nenhum livro para lhes ensinar o método filosófico, tendo-o encontrado em si mesmos” (TOCQUEVILLE, 1969, p. 429, tradução nossa). Onde Hegel e outros viram uma vida intelectual americana extraída somente de raízes européias, Tocqueville viu uma distinta, mesmo que ainda sem uma caracterização definida, perspectiva merecedora de atenção de seu público europeu. Ironicamente, enquanto Tocqueville sugere que a experiência dos americanos era crucial para o desenvolvimento de seu modo de pensar, mesmo até a exclusão de uma influência européia sistemática, ele nunca considera a possibilidade de que importantes fontes do pensamento americano já estavam operando quando os europeus desembarcaram na costa. A conclusão de Tocqueville e a sugestão de Dewey são ecoadas por John E. Smith na introdução de 1992 de sua coletânea de ensaios, America’s Philosophical Vision. Ainda que essa avaliação lembre as suas reivindicações anteriores da versão histórica de emergência espontânea da filosofia Americana, a sua redação reformula o seu significado. Ele observa que o “Pragmatismo claramente representa uma perspectiva filosófica indígena e original” (SMITH, 1992, p. 2, tradução nossa). Originalidade aqui parece ser redirecionada dos pensadores descendentes da Europa aos indígenas na América. Agora, como o Pragmatismo é “indígena” permanece inexplorado por Smith, mas o Pragmatismo, e o que ele toma em ser uma visão filosófica mais ampla, estão entretanto profundamente conectados com a “experiência americana”.

“Essas ideias e

ideais”, ele diz, para ser mais preciso, mostram a influência de pensadores do passado desde Platão e Aristóteles aos filósofos do século dezenove; o ponto

50   importante, contudo, é que eles foram reformulados sob a luz da experiência da vida americana visando a resolução de problemas que se levantaram no interior daquela experiência (SMITH, 1992, p. 2, tradução nossa).

Ou seja, compreendemos que para Smith, enquanto um tipo de pensamento americano descendeu de antepassados europeus, outro tipo pode ser indígena. É esse segundo modo de pensamento que está no centro da narrativa alternativa da origem do pensamento e da filosofia Americana proposta por Pratt (1995, 2002, 2004) e Wilshire (2000), a versão da história da experiência vivida. De fato, de acordo com Pratt (2002, 2004), compromissos centrais da filosofia americana, especialmente como representados pelos trabalhos dos pragmatistas clássicos, podem também ser encontrados nas perspectivas filosóficas dos povos Nativos do Nordeste e podem ser rastreados através de uma história de contato transcultural (cross-cultural) até o trabalho de importantes pensadores americano-europeus. O problema das origens de uma filosofia distintamente americana pode ser abordado de uma maneira alternativa e significativa por reconsiderar a influência do pensamento Nativo. Mas tal reconsideração não será fácil, desde que a influência não é explícita nos pragmatistas clássicos ou nas já bem-conhecidas histórias. Seguindo as sugestões de Tocqueville e Dewey, citadas anteriormente, é necessário olhar novamente os momentos de contato cultural na experiência vivida daqueles que serviram como exemplos e recursos para os filósofos que vieram depois. Portanto, essa narrativa da história alternativa será embasada em possibilidades da experiência vivida. John McDermott (1976), cujo trabalho ajudou a expandir o alcance do que é reconhecido como filosofia Americana, ajuda a enquadrar essa abordagem. O que ele encontra como distintivo sobre a filosofia Americana, e especialmente a sua manifestação no Pragmatismo clássico, é a sua noção da “experiência”. McDermott argumenta que é o compromisso profundo e consistente na tradição americana de aprender da, e enriquecer a experiência que estabelece a perspectiva filosófica Americana fora da européia. Mesmo que alguém possa encontrar um interesse em coisas da experiência no empirismo europeu, é somente na América e nas condições ímpares existentes ali que a experiência é tomada seriamente como a fonte e o produto da ação humana. McDermott (1976)

51   cita Santayana, entre outros, como reconhecendo, mas falhando em desenvolver essa concepção americana distintiva da experiência. Em levantamento do Genteel Tradition in American Philosophy, de 1911 (ano de publicação original), por exemplo, Santayana descreve os primeiros colonos da Nova Inglaterra desse modo: Tanto quanto limpar a terra e combater os Índios eles estavam ocupados, como eles mesmo o expressaram, em lutar com o Senhor. O país era novo; a raça provada, castigada, e cheia de memória solenes. Era um vinho velho em garrafas novas, e a América não precisou esperar por suas atuais universidades, com seus departamentos de filosofia acadêmica, para possuir uma filosofia viva – para ter uma visão distinta do universo e convicções definidas sobre o destino humano. (SANTAYANA, 1998, p. 38, tradução nossa)

Para

os

propósitos

de

MacDermott

(1976),

Santayana

focaliza

propriamente sobre o caráter particular da experiência dos primeiros imigrantes europeus, mas, compreendemos que considerações adicionais merece ser notadas na descrição de Santayana. Primeiro,

Santayana



a

experiência

inicial

americana

como

agressivamente colonial. Para o referido autor os imigrantes limparam a terra, convertendo-a de uma selva inútil a fazendas e cidades produtivas, e combateram os Índios – presumivelmente para defender, cristianizar, civilizar, e finalmente eliminá-los da selva, que estava sendo reduzida rapidamente. Enquanto esta é claramente uma impressão recebida da experiência dos primeiros americanos europeus, o que certamente possui seu caráter factual (FISCHER; HINDERAKER, 2002; MACKINNON, 1985) ela não é a única impressão registrada das experiências de contato entre imigrantes europeus e povos nativo. Pratt (1997, 2002, 2004), ao pesquisar sobre estas primeiras experiências de contato argumenta que quando nós consideramos os registros deixados daqueles períodos da história, nos deparamos com uma experiência mais complexa. Podemos encontrar respaldo para essa argumentação com os registros de Harvey Markowitz (1995) em sua obra American Indians, de três volumes, onde descreve detalhadamente que terra estava certamente sendo limpa, mas a uma extensão um pouco diferente das limpezas que rotineiramente aconteciam por séculos nas limpezas de lugares para os campos dos Haudenosaunee, Pequot, Narragansett, e outros povos Nativos do Nordeste. Por

52   outro lado, não eram somente as práticas de agricultura e econômicas dos nativos que tornam o cenário mais complexo. De acordo com Colin Gordon Calloway (1998) em seu livro New Worlds for All, os imigrantes de fato combatiam os Índios, mas nem os nativos nem os colonizadores eram um grupo monolítico. Calloway descreve com detalhes, embasado em registros históricos, que havia também entre eles apreciação mútua, comiam, caçavam, riam e brincavam, constituíam famílias, e aprendiam juntos, possibilitando assim uma complexidade de relacionamentos culturais na América (CALLOWAY, 1998). Além disso enquanto a “raça” européia de Santayana é “provada, castigada, e cheia de memórias solenes”, os imigrantes europeus, em suas experiências vividas, vieram a se juntar com outra “raça” também provada, castigada, e cheia de memórias solenes. Focalizar na experiência como a base e o produto do pensamento americano, como sugere McDermott, é focalizar no lugar certo, é o “ponto de partida” do filosofar,23 mas isso também sugere ir além das fronteiras propostas por Santayana à uma experiência que também inclua as dimensões interação entre os imigrantes europeus e os nativo-americanos. Se considerarmos uma concepção de experiência que não é somente abstrata mas antes enraizada em dificuldades, alegrias presentes, preocupações, e surpresas, então para entender a experiência americana e como ela incide sobre a filosofia é examinar também a variedade de pontos de vistas e vozes que desenvolvem um papel em seu caráter contínuo. Essa postura, diante da complexidade da experiência vivida, é consistente com a perspectiva de McDermott, quando ele argumenta sobre a importância da “experiência localizada” no desenvolvimento do pensamento Americano. Enquanto ele aceita que a “filosofia era tudo menos não-existente” nos primórdios da história americana-européia, ele não obstante conclui que a reflexão era intensa e auto-consciente, principalmente como uma resposta a uma premente e onipresente experiência coletiva de uma situação que era novidade em cada momento. E embora aquele período na história americana oferecia nenhuma articulação da noção de experiência como tal, havia uma consciência rica correspondente da

                                                                                                                23

Cf. o capítulo 4 desta pesquisa (subtópico 4.2.4 – A filosofia de Risieri Frondizi e o Pragmatismo). A experiência vivida como ponto de partida para o filosofar é um dos temas centrais do Pragmatismo. Cf. Rosenthal e Bougeois, Pragmatism and phenomenology (1980), especialmente o capítulos 2, “Experience and its content”, e o capítulo 3, “Experience at the Apriori”.

53   significância da situação defronte a “sabedoria” herdada. Era um período que lidava com temas filosóficos sem recursos a uma linguagem filosófica formal. Consequentemente, o século dezessete americano realizou uma “experiência” cultural “da experiência” amplamente embasada. (McDERMOTT, 1976, p. 3, tradução nossa)

A explicação de McDermott das origens do pensamento Americano compartilha uma linguagem comum a outras explicações recebidas que identificam a experiência como o fator central, ou recurso central, e a imagem central. “O que é crucial aqui”, diz McDermott, do lado filosófico, é que a pressão do ambiente como um formulador decisivo do pensamento sobre as estruturas básicas do mundo se tornou a característica marcante do temperamento americano (McDERMOTT, 1976, p. 4, tradução nossa).

Seguindo a história da dependência européia, os colonos ingleses responderam às suas circunstâncias transformando os modos de pensamento, que foram herdados, para lidar com o “Novo Mundo”. Essa transformação se tornou uma nova filosofia embasada na experiência. McDermott conclui, “abertura à experiência [é um produto de] uma visão antropocêntrica da natureza e um sentido de fronteira como um horizonte imaginativo humano” (McDERMOTT, 1976, p. 17, tradução nossa). Primeiro, parece que essa explicação difere pouco da visão recebida da dependência intelectual americana da Europa e a exploração da América mesma como um recurso. Mas a conclusão é solapada pela sua reconstrução implícita da “fronteira” junto de linhas pragmáticas. Para tornar esse argumento mais explícito, em seu capítulo sobre a estética, "To be human is to humanize”, de sua obra The Drama of possibility, McDermott (2007) nos lembra, em harmonia com James, que a experiência inclui ambos fins e “transições”. Essas transições são as fontes principais do significado e são uma questão de relação, não somente objetos. Ao tentar descrever essa noção jamesiana da experiência em relações, McDermott já falava, em sua obra de 1976 sobre a estética do jazz. O que é significativo, afirma esse autor, é que o significado ou qualidade estética de um trabalho não é encontrado no esforço de artistas individuais, nem na visão do compositor, nem no público, mas na interação complexa das performances individuais, compositor, instrumentos, e público. “Fora do setting relacional, o jazz é sem sentido, pois ele procede por uma série de tensões entrelaçadas” (McDERMOTT, 1976, p. 38, tradução nossa).

54   Na realidade, a performance do jazz não é uma “coisa” ou algo passivamente contemplado, mas uma interação sem data de volta marcada e dinâmica, que reúne diversos elementos, um propósito compartilhado, e um senso de responsabilidade. Quando McDermott fala sobre “a fronteira” (1976, p. 17) não é como algo para ser usado ou admirado ou atravessado, mas ao invés, como o jazz, como uma interação. Assim como o jazz não é usualmente uma performance executada de acordo com um planejamento fixo, como se os artistas estivessem seguindo pontuações detalhadas, a fronteira não é uma parte de um destino manifesto ou algum estágio inevitável do desenvolvimento humano. A fronteira de McDermott, entendida como uma interação, é melhor vista como uma divisa de terras e uma região de relações complexas que manifestam novos e mutáveis significados. Se “a vida está nas transições” como James e McDermott sugerem, então a vida do pensamento Americano deve ser procurado ao longo das divisas, inclusive aquela entre os imigrantes europeus e seus descendentes e os povos nativo-americanos. Essa sugestão aplicada a uma crítica das histórias recebidas orienta a olhar não somente à composição sendo tocada pelos personagens reconhecidos em eventos bem-conhecidos, mas também às experiências das fronteiras, intelectuais e geográficas, onde o pensamento Americano desenvolve seu caráter e complexidade. Seguindo portanto essas argumentações, compreendemos que para explicar o desenvolvimento do pensamento Americano, re-configurar as fronteiras como regiões de interação, troca, e transformação, não é somente uma possibilidade, é um desafio profícuo. Alguns aspectos da fronteira são seguramente aspectos de conquista, ou seja, “fronteiras” da expansão européia e a destruição, que acompanha, da vida e cultura nativa. Mas isso não esgota o caráter de fronteira. Se tomarmos seriamente a McDermott (1976), experiência é uma questão de relações, e relações envolvem o potencial para influência mútua e resistência, assim como para assimilação e destruição. Regiões fronteiriças são regiões de colonização, mas elas também são regiões de descolonização. Coisas são aprendidas e resistidas assim como esquecidas e oprimidas. Seguindo McDermott e a sugestão implícita nas avaliações de Tocqueville, Dewey, Smith, e outros, Pratt (2002, 2004) também argumenta que muito do que é conhecido da filosofia americana pode ser rastreado em suas origens nas fronteiras entre

55   Europa e América, e sua “originalidade” encontra-se em aspectos estabelecidos no pensamento Nativo-Americano. Essa abordagem, versão da história da filosofia Americana embasada em experiência vivida, mesmo na medida em que desafia histórias estabelecidas, é não obstante consistente com um compromisso central na história da filosofia Americana. Por exemplo, enquanto Herbert Schneider vê o pensamento americano como um descendente, principalmente, do pensamento europeu, ele não vê a influência como um processo da troca de ideias abstratas, mas ao invés como o subproduto da experiência vivida da imigração. Para Schneider, o desenvolvimento de uma tradição filosófica americana distinta não é nem um produto de necessidade histórica tampouco emergência espontânea nessa explicação, mas o produto da influência em tempo e lugares particulares. Schneider explica, “mas os bens importados não estão sendo engolidos crus; eles precisam ser misturados com aquelas ideias caseiras, nativas, para qual um gosto e preferência estabelecida existe” (SCHNEIDER, 1946, p. viii, tradução nossa). A história filosófica neste sentido exposto por Schneider seria somente um processo contínuo de fazer filosofia na tradição americana. Entretanto, como um processo, em sua dependência-contextual, não há um único contexto no qual possa se estabelecer respostas finais ou uma única história autoritária. Nesta linha de raciocínio o mesmo autor diz: “A variedade de contextos a nosso dispor nos dá muitas formas de lidar com as quais podemos dar conta das novidades. Mas nós tomamos posse deles tanto quanto eles tomam posse de nós” (SCHNEIDER, 1946, p. ix, tradução nossa). Em um sentido, esse mesmo projeto de “reconstruir” as origens da filosofia americana é em si mesmo uma prática da filosofia Americana. Schneider conclui, “as muitas maneiras que nós resistimos, distorcemos, adaptamos, revisamos novas importações é a melhor evidência de que a tradição americana vive”. (SCHNEIDER, 1946, p. ix, tradução nossa). 2.2 A alternativa pragmatista: em busca de traços epistemológicos comuns. O problema das origens do Pragmatismo Americano oferece razões para reconsiderar a sua história através de uma abordagem que se concentre nos processos da influência na experiência vivida (ROSENTHAL, 1986). A fim de

56   retomar a história, contudo, é necessário desde o início mudar as expectativas habituais de alguém sobre o que conta como filosofia. Uma concepção alternativa pode ser encontrada no interior da própria tradição pragmatista. Na introdução à edição de 1948 do Reconstruction in Philosophy, Dewey resumiu sua concepção de filosofia, dizendo que a tarefa distintiva, problemas e temas da filosofia brotam do estresse e tensões na vida da comunidade na qual uma dada forma de filosofia emerge, e que, coerentemente, os seus problemas específicos variam com as mudanças na vida humana que está sempre prosseguindo e que em tempos constitui uma crise e um ponto de mudança na história humana (DEWEY, 1948, p. 256, tradução nossa).

Ao invés de supor que a filosofia consiste em tentativas para responder questões últimas como é suposto com freqüência no interior da reconhecida tradição européia, a concepção de Dewey reorienta o que conta como prática filosófica por reconectá-la com a experiência. Quando os filósofos perguntam sobre a natureza do ser ou da verdade, a questão é feita desde um tempo e lugar particular e em uma comunidade particular, e a resposta, mesmo uma bem abstrata, responde ultimamente àquele lugar. “Em outras palavras”, diz Dewey, “o que mais seja ou não as filosofias, elas são ao menos um fenômeno cultural significativo e demandam um tratamento desde este ponto de vista” (DEWEY, 1934, p. 29, tradução nossa). Tomada desse modo, a filosofia pode ser definida como “uma crítica de crenças básicas e amplamente compartilhadas”. Quando as crenças e compromissos com uma comunidade ou cultura são desafiados, a filosofia emerge como uma resposta crítica ajudando a transformar como a comunidade entende o desafio e como poderá responder. As filosofias se tornam distintamente menos em termos das questões gerais que elas perguntam e mais em termos das situações que as enquadram, os recursos conceituais que elas conclamam, e as atitudes e práticas com as quais as críticas e transformações são desenroladas. Desde esta perspectiva, uma história de uma tradição filosófica se torna a história dos problemas, recursos, métodos, e atitudes na medida em que são recebidas, modificadas, transmitidas, e usadas no percorrer do tempo e em lugares particulares. A concepção de filosofia de Dewey (1948, 1934) tem a virtude adicional de ampliar o alcance do que pode ser reconhecido como filosofia. Se a filosofia é

57   uma crítica culturalmente localizada de crenças amplamente aceitas usando recursos, métodos, e atitudes presentes na cultura, segue que a prática da filosofia pode tomar formas radicalmente diferentes.24 Em algumas culturas, contação de histórias e cerimônias podem servir a função de crítica e reconstrução, enquanto em outras, a filosofia pode ser uma questão de escrita de tratados e discussão formal. Em alguns casos a filosofia pode ser uma prática acessível à maioria, enquanto em outras pode ser confinada a uma classe de elite, composta por especialistas. Em qualquer tipo de casos, no entanto, compreendemos que a função crítica permanece central. Além disso, a prática da filosofia que ocorre nas regiões fronteiriças entre as diferentes culturas será necessariamente ainda mais complexa no que envolverá um alcance ainda mais amplo de recursos e atitudes. Neste casos, Pratt (2002) afirma que a filosofia pode começar no processo de evidentes práticas incorporadas tais como as cerimônias diplomáticas e as negociações de mercado e continuar em uma transformação da linguagem, interesses, e das crenças que levam a novos significados. Ou seja, implícito no prática de dar e receber da diplomacia e intercâmbio são as críticas, réplicas, rejeições, e aceitações que podem levantar questões e possibilidades. Enquanto tais interações são características comuns das fronteiras, quando essas são engajadas reflexivamente e responsivamente elas próprias podem ser tanto os momentos de filosofia quanto os momentos de influência. Compreendemos que uma filosofia particular, desde essa perspectiva, é um “ponto de vista” particular ou posição que serve para enquadrar as respostas comuns a problemas e modos rotineiros de entender o mundo para comunidades e culturas. Pois, uma posição pode ser entendida tanto como uma questão de como as coisas são feitas quanto como elas são concebidas. Ou seja, as ações em resposta a problemas são manifestações práticas de disposições ou atitudes que servem para enquadrar ambos o entendimento e a ação. Essas disposições chegam a compromissos para valorar coisas de certos modos, algumas coisas como verdadeiras e outras como falsas; tratar algumas coisas como real e outras como mera aparência; ou, adotar alguma outra postura menos dualista. Rosenthal                                                                                                                 24

Dewey reconheceu essa diversidade de práticas filosóficas no interior das tradições filosóficas tradicionais européias e asiáticas e também nas culturas indígenas das Américas. Veja o seu prefácio ao livro Primitive Man as Philosopher do Paul Radin. (DEWEY, 1927).

58   (1986) esclarece que como resultado, as filosofias neste sentido, permeiam nossa experiência e interações, embasam como nós somos conhecidos e como nós conhecemos. Portanto, como práticas, tanto quanto princípios e preferências declaradas, as filosofias podem ser aprendidas, desafiadas, solapadas, e reforçadas. Na realidade, as filosofias nesse sentido, declara Hookway (2010), são tanto hábitos e atitudes quanto ideias, e assim a filosofia não seria diferente de outras formas de práticas reflexivas. Por exemplo, ser um carpinteiro ou um fazendeiro requer certas disposições para agir e atitudes sobre si e sobre o mundo assim como ideias que enquadrem planos e possibilidades. Ser um carpinteiro é um processo de aprender práticas e ideias. De maneira similar, ter uma filosofia de um certo tipo, adota-se uma variação de práticas e ideias. Alguém tem uma filosofia quando este responde a crises em modos particulares. Alguém já tem, em um sentido, uma ideia do valor da vida humana quando corre para um incêndio para salvar outrem, por exemplo. Alguém tem um sentido do papel da experimentação quando testa uma variedade de resposta ao resolver um problema. Tais comportamentos e atitudes são concomitantemente parte das respostas incorporadas de alguém ao mundo e ao mesmo tempo representantes de ideias particulares sobre o mundo. Ao contrário de ter uma filosofia, este tipo de investigação filosófica é um processo de refletir sobre hábitos, crenças estabelecidas, e modos de entendimento e interação com o mundo quando modos bem-estabelecidos se tornam bloqueados, ou entram em conflito entre si. Investigações filosóficas, neste sentido, é o processo de tentar tornar clara quais as ideias e práticas que estão em conflito e em propor alternativas que fará as coisas andarem novamente, favorecendo nova experiência e ação. É por isso que para Pratt (2002, 2004) e Wilshire (2000) a história das origens nativas do Pragmatismo Americano é a história de interação e aprendizagem trans-cultural, o compartilhar da filosofia. Não é um compartilhar que prossegue desimpedido ou sem desafios, e não é um compartilhar que emerge somente com respeito a interesses mútuos. A história das origens do Pragmatismo Americano é a história de um conflito entre povos radicalmente diferentes, e o caráter do conflito, quando envolve reflexão sobre as diferenças, práticas, e ideias, é em parte filosófico. Alguns participantes vão escolher uma resposta que vise reduzir as diferenças e tornar mais uniforme os modos básicos de engajar um ao outro e o mundo (FISCHER; HINDERAKER,

59   2002; MACKINNON, 1985). Outros, como Cadwallader Colden (1755), Benjamin Franklin (2010), Lydia Maria Child (1998) vão posicionar-se em resistência as tentativas de redução e vão trabalhar para criar uma “filosofia americana alternativa” que, de uma maneira, vai se tornar o Pragmatismo Clássico. De acordo com Pratt (2002, 2004) no centro do Pragmatismo Clássico estão ao menos quatro compromissos comuns. Esses compromissos, expressos aqui no modo filosófico como “princípios”, expressam a aceitação de certas ideias e suas implicações, mas mais importante ainda refletem um conjunto de atitudes ou disposições para um engajamento no mundo de determinadas maneiras. Não há, nesta perspectiva, uma ruptura significativa entre a afirmação dos “princípios” de um lado e modos de agir do outro. Na realidade, como a expressa Sleeper (2001, p. 66, tradução nossa), “a continuidade ontológica da ação e pensamento” é em si mesma parte do que a perspectiva filosófica pragmatista envolve, tanto nas implicações críticas às posturas epistemológicas tradicionais como também na possibilidade de uma alternativa epistemológica. É nesse sentido que esses compromissos podem ser vistos, conforme Pratt (2002), como elementos centrais no processo de “reconstruir” uma história da filosofia Americana. Vamos expor a seguir a argumentação de Scott Pratt de que esses compromissos são parte de uma particular perspectiva filosófica NativoAmericana que é evidente bem antes da emergência do Pragmatismo Clássico. Vista deste ângulo, a história da filosofia americana será a história de como esses compromissos

no

pensamento

Nativo-Americano

vieram

a

formar

os

compromissos centrais do Pragmatismo.25 Os quatro compromissos que

                                                                                                                25

Nessa abordagem, considerar-se-á os trabalhos de Peirce, James, e Dewey, como representantes do “Pragmatismo Clássico”. O trabalho de George Herbert Mead e Josiah Royce não serão incluídos aqui, mas poderiam pois ambos eram comprometidos com os quatro princípios pragmáticos identificados por Pratt (2002). Mead, por exemplo, foi importante para o desenvolvimento da sociologia Americana e foi proximamente conectado com o trabalho da Hull House de Jane Addams. Royce, apesar de ser visto como um idealista cujo trabalho estava em conflito com os pragmatistas, extraiu muito do trabalho de Peirce e James e foi uma importante influência no desenvolvimento do pensamento Afro-Americano do século vinte, particularmente o de Martin Luther King Jr. e Alan Locke. Entretanto concentro-me em Peirce, James e Dewey porque eles são geralmente vistos como centrais à quaisquer discussões sobre o Pragmatismo Americano.

60   caracterizam o núcleo comum dos pragmatistas clássicos são os princípios: da Interação, do Pluralismo, da Comunidade, e do Crescimento26. 2.2.1 PRINCÍPIO DA INTERAÇÃO Pratt (2002) sugere que o primeiro princípio, Interação, é o aspecto mais reconhecido do Pragmatismo Clássico e pode ser encontrado no famoso artigo How to Make Our Ideas Clear, onde Peirce propõe o que veio a ser conhecido como

a

máxima

pragmática:

“Considere

quais

efeitos,

que

possam

concebivelmente ter implicações práticas, nós concebemos que o objeto de nossa concepção possa ter. Então, nossa concepção sobre tais efeitos é o todo da nossa concepção sobre o objeto” (PEIRCE, 1992, p. 132, tradução nossa). Ou seja, nossa concepção de algo entendido pragmaticamente é de quais “implicações práticas” este algo terá, ou seja, o que este fará. James ecoa o princípio de Peirce mas adiciona a este um componente de valor explícito, o papel do “valor-efetivo”/“valor-à-vista” [cash-value] de algo. Quando a coisa é uma ideia, por exemplo, James conclui que o seu mérito voltase para “qual diferença definitiva este fará para você e eu” (JAMES, 1987, p. 508, tradução nossa). Neste caso, considera Pratt (2002), concepções vão além de relatos de efeitos concebíveis para incluir o que constitui efeitos preferíveis. Por considerar uma coisa em termos de seu “valor-efetivo”, James pensa que se obtêm uma medida de valor relativo. Coisas com maior “valor-efetivo”, isto é, coisas que possuem mais efeitos valorativos, se tornam coisas preferidas em escolher ações e buscar possibilidades. Esses efeitos preferíveis, então, se tornam normativos de nossa concepção das coisas e eventos. Contudo, aceitar essa visão do conhecimento parece nos conduzir a aceitar uma espécie de sofisma no qual os interesses humanos tornam-se reais a medida do que constitui o conhecimento. A visão está fadada a ter problemas se o “conhecimento” controlado pelo desejo encontra um mundo indiferente. “Conhecimento” não teria                                                                                                                 26

Há muitas maneiras de caracterizar a filosofia americana, em geral e o Pragmatismo em particular. Contudo, Pratt (2002) afirma que essa abordagem dos quatro compromissos comuns aos três filósofos pragmatistas são geralmente reconhecidas como centrais aos pragmatistas e à filosofia americana. Cf. Smith (1963) e Stuhr (1997). Para uma perspectiva que desafia essa ideia que existam comprometimentos nucleares comuns ao pragmatismo, Cf. Lovejoy (1963).

61   nenhuma conexão confiável com as coisas e eventos na medida em que agradam ou falham em agradar os seres humanos. O que nós sabemos seria somente uma questão de “desejo”, com pouca relação ao que é “real” ou “verdade”.27 James, de acordo com Putman (2005), concentra-se no problema da desconexão potencial entre conhecimento e o mundo fazendo os seres humanos pensar continuamente com o que as coisas são. Como resultado, a máxima pragmática não é meramente um método para examinar ideais, é tanto um princípio epistemológico quanto ontológico. É epistemológico porque oferece um modo de pensar sobre o significado de ideias, ou seja, o que é que sabemos quando sabemos. Se soubermos que o sol brilha intensamente, então temos algumas ideias sobre quais efeitos o sol terá sobre nós. Ao mesmo tempo, James toma o princípio como ontológico. Assim como nosso conhecimento do sol brilhando intensamente é uma antecipação do efeito que ele terá, o que o sol brilhando intensamente “é” é também uma questão do que ele faz. Como ele expõe no discurso de 1898, “Grosseria é o que grosseria faz” (JAMES, 1987, p. 532, tradução nossa), ou seja, uma coisas conhecida, ou neste caso uma qualidade conhecida, literalmente é o efeito que tem ou, para animar o exemplo, o modo que age ou interage.28 Pratt (2002) argumenta que Dewey segue Peirce e James e afirma a máxima pragmática e suas implicações epistemológicas e ontológicas. Ele também reforça uma “implicação estendida” (também reconhecida por Peirce e James) de que se uma coisa é o que ela faz, então o conhecimento pode confiadamente prosseguir experimentalmente. A fim de conhecer alguma coisa, nós prosseguimos por refletir sobre o que acontece quando nós interagimos com a mesma. Esse processo pode ser realizado casualmente ou cuidadosamente, mas em qualquer caso pode ser feito a fim de se conhecer sobre o mundo. Como Dewey definiu pragmatismo em seu Logic: The Theory of Inquiry de 1938,

                                                                                                                27

Esta era parte da crítica de Bertrand Russel da teoria da verdade de James e sua crítica posterior da teoria de inquirição de Dewey. Cf. Russell (1919; 1939). 28

É desse modo que James faz o método pragmático, isto é, uma epistemologia da ação, contínuo com o empirismo radical, ou seja, uma ontologia da ação. Cf. James (2008) p. 1-18 do “Does Consciousness Exist?” e p. 19-42 do “World of Pure Experience”.

62   a interpretação apropriada de ‘pragmático’, nomeadamente a função das consequências como testes necessários da validade das proposições, mostra essas consequências como instituídas operacionalmente e são assim para resolver o problema específico suscitando as operações” (DEWEY, 1938a, p. iv, tradução nossa).

Para Dewey, assim como para Peirce e James, uma abordagem pragmática consistentemente olhará para a experiência em geral, mas também para o “testar” a experiência em particular, como a chave para o conhecimento. De acordo com Pratt (2002), o Princípio da Interação e a consequente importância da experimentação no processo de envolver-se com o, e no, mundo, também aponta para o papel do investigador ou “conhecedor” em estruturar experimentos e interpretar seus resultados. Esse papel é entendido em parte como uma questão das atitudes trazidas ao processo pelo investigador, e todos os três pragmatistas clássicos explicitamente reconhecem atitudes como importantes tanto para dificultar quanto para avançar o processo de conhecer e envolver-se com o, e no, mundo. A explicação de Peirce da história das teorias do conhecimento, como as que escreveu em seu artigo “The Fixation of Belief”, não se volta sobre princípios epistemológicos ou ontológicos explícitos, mas sobre atitudes operativas. Peirce identifica quatro atitudes ou métodos de fixar crenças (PEIRCE, 1992, p. 115123). O primeiro, o método da Tenacidade, leva a um simples processo de apegar-se rigidamente a uma crença ou um conjunto de crenças a despeito do que acontece na experiência. Neste caso, o alcance das conseqüências, que é o significado de uma proposição é vista como já estabelecida, inflexível, e independente da mudança experienciada. A fixação da crença está condicionada por uma disposição de rigidez e uma falta de vontade para considerar as consequências. O segundo método, o método da Autoridade, concebe o significado de uma proposição como uma questão resolvida pela consulta de autoridades reconhecidas. Aqui novamente, o significado procede de fontes independentes que podem ou não responder às conseqüências conforme experienciadas. A disposição que condiciona o processo é a prontidão para deferir à autoridade ou uma falta de vontade para questioná-la. Peirce identifica o terceiro método, o método A Priori, com a abordagem tomada pela maior parte da tradição filosófica européia. Neste caso, significados são deduzidos de princípios previamente estabelecidos. Como nos outros casos, a disposição que condiciona

63   a fixação da crença é uma que está fechada às consequências experienciadas e espera que os significados estejam fixos e independentes do processo de entendimento. Enquanto cada um desses métodos podem ser entendidos como modos de conceber consequências e, portanto, de determinar o significado dos objetos ou eventos, Peirce (1992) argumenta que cada um é inadequado, uma vez que se adote a visão de que o significado é uma questão de consequências. Em cada caso, os “crentes” falham em considerar, de algum modo, o alcance das consequências e, portanto, prematuramente interrompem o processo do entendimento. Em contraste com estes métodos, Peirce propõe um quarto. Este método, o método da Ciência, é caracterizado por uma disposição aberta à mudanças e interessada nas conseqüências, inclusive aquelas que verificam o conceitos em questão. Pratt (2002) explica isso dizendo que os resultados do passado servem para sugerir modos de proceder, de acordo com esta abordagem, e experiências presentes oferecem meios de confirmar ou refutar esses conceitos. Métodos tradicionais de fixar crenças estão marcados por disposições rígidas que tendem olhar para o passado ou para uma autoridade estabelecida previamente. O método da Ciência marca uma nova disposição assim como uma nova direção. Ou seja, adotar o método de Peirce é também adotar uma disposição de abertura e experimentação consoante com a ideia de que o significado é uma questão de consequências. Enquanto Peirce concentra-se no papel das atitudes na investigação científica, James apresenta o Pragmatismo como um método crítico preocupado com a prática da filosofia como condicionada por disposições particulares. Em seu livro Pragmatismo de 1907, James começa identificando duas atitudes filosófica: a de Espírito-terno [Tender-minded]29

e a de Espírito-duro [Tough-minded]30. A

história da filosofia européia, ele diz, é uma historia dessas duas atitudes. O Pragmatismo, a alternativa americana, leva à um método filosófico controlado por uma atitude que tem elementos de ambos, o “duro” e o “terno”. Se filósofos de espírito-duro concentram-se sobre os fatos e os filósofos de espírito-terno                                                                                                                 29

Racionalista (que segue princípios), intelectualista, idealista, otimista, religioso, livre-arbitrista, monista, dogmático. 30 Empírico (que segue fatos), sensacionalista, materialista, pessimista, não-religioso, fatalista, pluralista, cético.

64   concentram-se sobre princípios, o pragmatista, ele conclui, “preserva uma relação cordial” com ambos (JAMES, 1987, p. 504, tradução nossa). As atitudes que alguém adota controla a suas expectativas sobre o que contará como conhecimento e verdade, e assim as atitudes são também ontológica em implicação. Para James, o compromisso (comprometimento) geral ao Princípio da Interação significa que o ser, conhecimento, atitudes humana, e o mundo na qual os seres humanos vivem estão todos conectados e juntos formam o lugar de partida para as possibilidades da vida humana (WILSHIRE, 2005). Dewey, seguindo James e Peirce, também identifica disposições como uma característica definidora do processo de determinar o significado. Em seu artigo “Context and Thought,” Dewey torna a conexão explícita. O interesse está sempre presente no pensamento, ele diz: “Todo caso particular de pensamento é o que é por causa de alguma atitude, alguma propensão, em outras palavras” (DEWEY, 1931, p. 14, tradução nossa). O papel das atitudes, ele conclui, não podem ser eliminadas, “nenhum regresso vai eliminar a atitude de interesse que está tão envolvida no pensamento sobre atitudes quanto está no pensamento sobre outras coisas.” (DEWEY, 1931, p. 14-15, tradução nossa). O conflito tradicional entre subjetividade e objetividade é somente um conflito entre disposições alternativas, não a sua presença ou ausência Para Dewey, como para Peirce e James, disposições condicionam significativamente o processo e resultados do entendimento, e o primeiro prefere uma disposição particular nessa conexão.31 Em Democracy and Education, Dewey argumenta que sob a luz da concepção pragmática do significado, entendimento é melhor condicionado por atitudes de “franqueza, mentalidadeaberta, resolutividade (ou integridade mental), e responsabilidade” (DEWEY, 1916, p. 204, tradução nossa). Significante na descrição de Dewey é a ideia de que a melhor disposição para o processo de inquirição é uma que procede com um sentido de responsabilidade aos outros. No núcleo do Pragmatismo Clássico está a ideia de que os seres humanos vivem em um relacionamento recíproco com o mundo.

                                                                                                                31

Também veja a discussão de Dewey sobre disposições em Experience and Nature (1925, p. 182-186).

65   Na medida em que o Princípio da Interação tem implicações para o papel do conhecedor ou inquiridor, afirma Pratt (2002), também tem implicações para os objetos do conhecimento. Assim como a ação determina o que uma coisa é, como é conhecida, também enquadra o que uma coisa é esperada ser além do processo de conhecer. Uma árvore, poderíamos esperar, é uma árvore independente de se alguém o sabe ou não. Tais reivindicações ontológicas parecem argumentar para separar os sujeitos dos objetos, o conhecer do conhecido; mas da perspectiva pragmatista isso é um erro. As coisas são o que são no contexto da ação e da interação (PRATT, 2004). Que algo é uma arvore não é independente de suas ações tipo-árvore no e sobre o mundo. Ser uma árvore, alguém pode dizer, é possuir certas interações com seres humanos, com o solo, com o ar, e assim vai. Se uma coisa é uma questão de interação, então tentativas de realizar separações permanentes entre coisas são equivocadas. Árvores são árvores em suas conexões com os seus ambientes. Qualquer separação pode somente ser hipotética a serviço de algum propósito. 2.2.1.1 O Princípio da Interação e o reconhecimento da Continuidade Embora continuidade é comumente defendida pelos pragmatistas clássicos por razões um pouco diferentes (LOVEJOY, 1943), decorre também dos compromissos gerais ao Princípio da Interação (PRATT, 2002; WILSHIRE, 2000). As coisas são e são conhecidas em e através de suas ações no mundo. Ações, contudo,

não

são

momentos

isolados

mas

antes

possuem

inícios

e

conseqüências. Continuidade emerge naturalmente no processo de conhecer e, na realidade, conhecer depende da capacidade de tomar vantagem de tal continuidade para conectar conhecimento retrospectivo ao entendimento prospectivo. O Princípio da Interação, então, demanda reconhecimento da continuidade. Desde esta perspectiva, organismos tais como árvores e pessoas não são coisas independentes que ocasionalmente atuam sobre outros, são antes constituídos por suas interações e assim são ao mesmo tempo contínuos com seus ambientes. Dewey torna isso explícito em diversos níveis, mas em particular com respeito aos organismos e ambientes. “Os processos de viver”, ele diz, “são

66   postos em curso pelo ambiente tão verdadeiramente quanto pelo organismo; pois eles são uma integração” (DEWEY, 1938a, p. 25, tradução nossa). Desde uma perspectiva pragmática, o Princípio da Interação e os compromissos resultantes para a continuidade arruínam todas as formas de dualismos. As alegadas distinções entre organismos e meio (ambientes), por exemplo, são na melhor das hipóteses recursos para investigação ao invés de categorias ontológicas. De maneira similar, indivíduos e sociedade não são separados em qualquer sentido absoluto. Quando são tomados separadamente é geralmente com uma razão de melhor entender e até mesmo promover a sua continuidade. E, referente ao processo de conhecer, valorar, e agir no mundo, fins são contínuos com os meios. Isso não quer dizer que alguém não possa ver o mundo desde um ponto de vista alternativo, onde o dualismo e as separações abundam; é antes dizer que o ponto de vista pragmático adota uma postura alternativa para o e no mundo. As diferenças resultantes nos modos de pensamento e ação são, ao menos desde a perspectiva pragmatista, notavelmente diferentes. Como Dewey explica em The Quest for Certanty (1929), a busca pela certeza, que caracteriza a maior parte do pensamento europeu é substituída, desde uma perspectiva pragmática, por uma busca por segurança prática. Adotar o Princípio da Interação como parte de uma atitude filosófica não é somente reconhecer o papel da atitude no entendimento e ação no mundo, é também ser desconfiado dos dualismos que reivindicam posicionamento fundamental e, em vez disso, concentrar-se no que acontece na experiência. 2.2.2 PRINCÍPIO DO PLURALISMO Com o compromisso ao Princípio da Interação e seus corolários, argumenta Pratt (2002), vem o compromisso ao Princípio do Pluralismo: ontológico, epistemológico, e cultural. Ou seja, assim como a interação implica a continuidade das coisas, a experiência da interação também implica um pluralismo igualmente importante. Como James observa, a despeito de um preconceito filosófico antigo em relação a perceber as conexões entre as coisas, isto é, reconhecimento da continuidade, é também possível atender à desunião ou separação também. “Se nosso intelecto tivesse sido tão interessado em relações disjuntivas assim como o é em conjuntivas, a filosofia teria igualmente com

67   sucesso celebrado a desunião do mundo”. O ponto não é que a diversidade é para ser vista como mais fundamental do que a unidade, mas que “nem é primordial ou mais essencial ou excelente do que a outra” (JAMES, 1987a, p. 546, tradução nossa). O compromisso ao pluralismo torna claro tanto uma ruptura do que James via como a tradição filosófica, quanto um interesse explícito em perceber e até promover a diferença. James sintetiza, assim como com o espaço, cuja separação das coisas aparenta exatamente a par com a sua unidade destas, mas às vezes uma função e às vezes a outra é o que chega na maioria das vezes à nós, então, em nossa maneira geral de lidar com o mundo das influências, nós às vezes precisamos condutores e às vezes precisamos não-condutores, e a sabedoria está em saber qual é qual no momento apropriado. (1987a, p. 546, tradução nossa)

Usar a metáfora do espaço, oferece tanto um meio de marcar a diferença e uma base para a conexão. James argumenta que nós precisamos reconhecer tanto a diferença quanto a conexão na experiência e estar preparado para concentrar-se em uma ou no outra ou em ambas, dependendo das circunstâncias. Para James, o compromisso ao Princípio da Interação necessariamente traz um compromisso ao pluralismo epistêmico. Neste caso, o pluralismo implica “um mundo de constituição aditiva”, ou seja, um mundo que é incompleto (JAMES, 1987a, p. 558, tradução nossa). O Princípio da Interação revela a possibilidade de “outro conhecimento” desde o início. “O próprio fato”, ele afirma no Pragmatism (1987a, p. 558, tradução nossa) “que debatemos esta questão mostra que nosso conhecimento é incompleto no presente e sujeito a adição”. Esse caráter do conhecimento, contudo, faz demandas também sobre as nossas expectativas sobre o mundo. “Em relação ao conhecimento que o contêm o mundo muda e cresce genuinamente”, então o pluralismo epistemológico pragmático implica um pluralismo ontológico também (JAMES, 1987a, p. 559, tradução nossa). O status dessa ontologia, contudo, permanece em si mesmo “pragmático” e sujeito a efeitos que mudam. “O pragmatismo”, conclui James, “aguardando o apuramento empírico final do que exatamente o equilíbrio da união e desunião entre as coisas podia ser, deve obviamente enfileirar-se do lado pluralístico” (JAMES, 1987a, p. 556, tradução nossa). Assim como ele diz no início de sua coletânea The Will to Believe:

68  

Prima facie o mundo é um pluralismo; como o encontramos, a sua unidade parece ser aquela de qualquer conjunto; e nosso pensamento superior consiste principalmente de um esforço para o redimir de sua primeira forma bruta” (JAMES, 1897, p. viii, tradução nossa).

E depois, em seu livro postumamente publicado Some Problems of Philosophy, ele conclui, “para sintetizar, o mundo é ‘um’ em alguns aspectos, e ‘muitos’ em outros” (JAMES, 1987b, p. 1049, tradução nossa). Ainda que Peirce, estava menos motivado a afirmar um compromisso com o pluralismo, ao menos do tipo radical proposto por James (cf. por exemplo, PEIRCE, 1998, p. 457), ele não obstante afirma um pluralismo envolvente e necessário no mundo da experiência humana. Como ele destaca em um artigo, desafiando a doutrina da necessidade absoluta, a variedade é “além de qualquer comparação o caráter mais notável do universo” (PEIRCE, 1992, p. 310, tradução nossa). A visão geral de Peirce é um tipo de monismo, o que ele chama de “idealismo objetivo” (PEIRCE, 1992, p. 293, tradução nossa), onde a “substância” do universo é em seu começo somente “mente”. Tal monismo, contudo, abre caminho ao pluralismo com o advento da vida. Ele escreve, “o que nós chamamos de matéria não é completamente morta, mas é meramente mente coberta [hidebound] com hábitos. Ela ainda retêm o elemento da diversificação; e naquela diversificação há vida” (PEIRCE, 1992, p. 331, tradução nossa). No final, diversidade é essencial para a vida, para o pensamento reflexivo, e para a possibilidade da comunidade. Tal diversidade, comenta Pratt (2002) não é o pluralismo absoluto de um atomista ou um cético como David Hume, mas é antes uma característica essencial da fase do universo caracterizada pela vida.32 De outro modo, Dewey afirmou o pluralismo em termos mais concretos. “Que o ‘conhecimento’ tenha muitos significados diferentes”, Dewey conclui, “segue da definição operacional das concepções. Há tantas concepções de conhecimento quanto há operações distintas pelas quais situações problemáticas são resolvidas” (DEWEY, 1929, p. 176-177, tradução nossa). Ou seja, o Princípio da Interação, aqui expresso como a “definição operacional de concepções”, demanda um pluralismo epistemológico radical. Pratt (2002) argumenta que diferentes modos de interação com o mundo conduzem a diferentes modos de                                                                                                                 32

Para uma interpretação útil da abordagem de Peirce ao pluralismo cf. Rosenthal (1994).

69   conhecer o mundo. A ciência moderna estrutura um modo de interação, experimentação

controlada,

e

ela

conduz

a

uma

forma

particular

de

conhecimento. A ciência aristotélica, as abordagens “não-ocidentais” à cura, tradições religiosas, todas conduzem a formas alternativas de conhecimento. Tais diversidades epistemológicas, esclarece Dewey, relacionam-se diretamente a uma diversidade ontológica também. Ou seja, Se nós vemos que conhecer não é o ato de um espectador externo mas de um participador no interior da cena natural e social, então o verdadeiro objeto do conhecimento reside nas conseqüências da ação dirigida [...] Pois nestas bases haverá tantos tipos de objetos conhecidos quantos há tipos de operações de inquirição conduzidas efetivamente que resultem nas consequências intencionadas. (DEWEY, 1929, p. 157, tradução nossa)

Na realidade, os requerimentos do Princípio da Interação e seus corolários de continuidade conduzem à pluralismos epistemológicos e ontológicos paralelos. Ao mesmo tempo, o pluralismo deweyano explicitamente vai além de categorias filosóficas tradicionais e estabelece expectativas para um pluralismo social e cultural também. Assim como métodos diversos de inquirição conduzem a objetos diversos do conhecimento, diversos métodos de inquirição afirmam que há também diversos contextos culturais dos quais inquirir. “Cada inquirição”, ele declara, “cresce a partir de um background da cultura e toma efeito em maior ou menor modificação das condições das quais surge” (DEWEY, 1938a, p. 27, tradução nossa). Enquanto textos lógicos com frequência “observam que a ciência em si mesma é culturalmente condicionada e então descartam o fato das futuras considerações”, Dewey descobre que contextos culturais diversos são contínuos com os recursos disponíveis para inquirição de um lado e produtores de distintos e diversos resultados do outro. No centro da demanda por um pluralismo cultural, argumenta Pratt (2002), está o reconhecimento de que conhecer procede por meios da linguagem, que serve como um enquadre e recurso. A continuidade localiza esta linguagem em um contexto mais amplo envolvendo falantes e história da linguagem e o mundo no qual esta é usada. Mas histórias, povos, e contextos diferentes, sugere Dewey, naturalmente conduzem a linguagens diferentes, onde linguagem é entendida em

70   seu sentido mais amplo – isto é, inclusive todos os meios de comunicação tais como, por exemplo, monumentos, rituais, e artes formalizadas – [como] o meio no qual a cultura existe e através do qual é transmitido [...] Nem a inquirição tampouco o conjunto mais abstratamente formal de símbolos podem escapar da matriz cultural na qual estas vivem, se movem e tem o seu ser (DEWEY, 1938a, p. 27-28, tradução nossa).

Como resultado, o pluralismo epistemológico, ontológico, e cultural estão todos

conectados,

enquadrando

as

práticas

humanas

e

estabelecendo

expectativas humanas para reflexão e ação. É uma visão que Dewey rotula de “naturalismo cultural”. 2.2.3 PRINCÍPIO DA COMUNIDADE O Princípio da Comunidade, de acordo com Pratt (2002), decorre dos dois primeiros

compromissos,

da

interação

e

do

pluralismo,

e

marca

um

reconhecimento explícito dos pragmatistas clássicos a respeito do papel constitutivo das comunidades humanas no conhecimento e na ontologia. Esse princípio, declarado da maneira mais simples, é a expectativa de que a comunidade humana servirá como base e limite para a experiência humana. Desde essa perspectiva, comunidades humanas desempenham um papel crucial em enquadrar o conhecimento e a realidade. Cedo em sua obra, Peirce reuniu as implicações epistemológicas e ontológicas do Princípio da Interação no papel da comunidade humana. Ele concluiu em seu artigo Some Consequences of Four Incapacities que o que qualquer coisa realmente é, é o que pode finalmente vir a ser conhecido por estar no estado ideal de informação completa, de modo que a realidade depende da decisão final da comunidade (PEIRCE, 1992, p. 54, tradução nossa).

Ao mesmo tempo, assim como a comunidade “no estado ideal de informação completa” determina o que uma coisa realmente é, o que conta como conhecimento é similarmente enquadrado por uma antecipação deste estado futuro do conhecimento da comunidade. “A existência do pensamento agora”, ele diz, “depende do que virá a seguir; assim ele só tem um potencial de existência, dependente do pensamento futuro da comunidade” (PEIRCE, 1992, p. 54-55, tradução nossa). A possibilidade de uma comunidade ilimitada é tanto uma

71   condição “indispensável” para o conhecimento quanto o limite do que é real e verdadeiro. É, argumenta Peirce, somente quando os inquiridores individuais identificarem seus próprios interesses com aqueles de uma comunidade humana ilimitada que estão corretamente dispostos a discernir a verdade (PEIRCE, 1992, p. 150). Isto é assim, pensa Peirce, porque os interesses e investigações da comunidade humana enquadram a verdade e a realidade da maneira última. Em How to Make Our Ideas Clear, ele conclui, “a opinião que é destinada a ser concordada de maneira última por todos que investigam, é o que nós querermos dizer por verdade, e o objeto representado nessa opinião é o real” (PEIRCE, 1992, p. 139, tradução nossa).33 Para Peirce, o Princípio da Comunidade é amplamente uma questão do papel das comunidades em enquadrar o conhecimento e seus objetos. James, contudo, de acordo com Pratt (2002), torna as comunidades inseparáveis da, e parcialmente constitutivas da, identidade humana. Isso podemos de fato ver em sua obra Principles of Psychology de 1890, onde James argumenta que os selves humanos conforme conhecidos podem ser entendidos como tendo ao menos três aspectos: o self material, o self social, e o self espiritual. O primeiro, o self material, inclui o corpo de alguém mas estende-se além deste para incluir as suas roupas e possessões materiais, assim como seus familiares e amigos. Na medida em que o self material é um produto de estruturas socioeconômicas, noções culturais de parentesco, e assim por diante, o self material é um self incorporado na comunidade. O self social aprofunda a localização (situabilidade) dos indivíduos humanos na comunidade por atender a construção e imposição dos papeis sociais. “O Self Social de um homem é”, como ele expõe, “o reconhecimento que ele obtêm de seus parceiros”. Neste caso, o que os outros pensam uns sobre os outros, como eles se conhecem um ao outro, e assim vai, forma parte do self de cada pessoa. Ele continua, propriamente falando, um homem tem tantos selves sociais quanto há indivíduos que o reconhecem e carregam uma imagem dele em suas mentes [...] Mas como os indivíduos que carregam as imagens caem naturalmente em classes, nós podemos praticamente dizer que ele tem

                                                                                                                33

Enquanto Peirce adota uma posição realista que aparenta mais rígida do que aquela de seus colegas James e Dewey, o próprio Dewey relembra essa definição de verdade em sua obra Logic de 1938. O que é mais significativo para Dewey é a tentativa de Peirce de localizar o significado da verdade em uma comunidade de inquiridores.

72   tantos selves diferentes quanto há grupos distintos de pessoas cujas opiniões ele se importa (JAMES, 1950, p. 294, tradução nossa).

Ambos, os selves material e social comprometem James a localizar, situar, os indivíduos humanos em, e continuamente com, as suas comunidades. Nesta perspectiva, a comunidade constitui partes centrais para cada self humano, para melhor e para pior. Similarmente, o self social é um produto explícito das interações em comunidades. Os seres humanos são, neste sentido, o que eles fazem. Pratt (2002, p. 29) explica que o compromisso pluralista é revelado aqui no sentido de que as comunidades produzirão uma diversidade de selves relativos as suas estruturas complexas e oportunidades, e os próprios indivíduos serão irredutivelmente plurais como “selves na comunidade”. A ideia de James do self

espiritual à primeira vista aparenta ser um

aspecto do self independente da comunidade. É, ele diz, “o ser interno ou subjetivo de um homem, suas faculdades psíquicas ou disposições, tomadas concretamente” (JAMES, 1950, p. 296, tradução nossa). É, portanto, como nós conhecemos a nós mesmos, como algo “sentido”. Mantendo em mente o compromisso de James com o princípio da interação e seus corolários, segue-se que em vez de ser um self independente, o self espiritual é um self enquadrado em comunidade mas onde o self é tomado como um sujeito ao invés de um objeto, como um agente ao invés de um paciente. Pratt (2002) explica que como um agente, o self espiritual é como uma pessoa encontra a si mesma disposta a agir. Tal tipo de disposição não é algo separado nem dos outros selves tampouco da sua própria comunidade, mas em vez disso é uma disposição para agir de uma determinada maneira como um membro de uma comunidade particular, com uma localização material particular e sob os aspectos de seus “parceiros”. Portanto, enquanto Peirce torna a comunidade de inquiridores parcialmente constitutiva do conhecimento e da realidade em geral, James levanta a questão do autoconhecimento e identifica e conclui de modo similar que os indivíduos humanos são selves em comunidades vivas34. Dewey também é compromissado com o Princípio da Comunidade mas desloca o seu foco para melhor entender como as comunidades fundamentam a                                                                                                                 34

Cf. Wilshire (2000), explora a questão de que indivíduos humanos são selves em comunidades vivas articulando exatamente esse princípio como algo já presente entre os Nativos Americanos.

73   inquirição e como elas se tornam organizadas. Dewey rejeita o determinismo forte de Peirce com respeito às comunidades de inquirição (DICKSTEIN, 1998, p. 147). A verdade não é destinada nem é singular, mas dependente da diversidade de culturas e problemas que enquadram inquirições. Mais importante, para Dewey, é a sociabilidade que marca o início da linguagem e então o início de nossa possibilidade de inquirição. Peirce argumenta que um interesse compartilhado é necessário para a inquirição. Dewey argumenta, com outras palavras, que é a habilidade humana “de tomar o ponto de vista de outros indivíduos e ver e inquirir desde um ponto de vista que não é estritamente pessoal, mas é comum a eles como participantes ou ‘partes’ em uma empresa conjunta” que é necessário para a linguagem e o que segue-se disto (DEWEY, 1938a, p. 52, tradução nossa). Ou seja, a possibilidade de interesses compartilhados, linguagem compartilhada, e consequências compartilhadas, juntos em um ambiente comum, formam o ponto de partida para todos os empreendimentos distintivamente humanos. 2.2.3.1 Princípio da Comunidade e as práticas de hospitalidade O resultado do compromisso com o Princípio da Comunidade, argumenta Pratt (2002), combinado com os Princípios da Interação e Pluralismo, é mais um corolário que sugere um modelo para o processo de organizar as interações humanas em, e entre, comunidades – o que pode ser chamado de “práticas de hospitalidade”. Nas filosofias liberais de Locke e Mill, as comunidades são melhores organizadas em volta de “práticas de tolerância”. Desde esta perspectiva, indivíduos são permitidos as suas diferenças enquanto a integridade da comunidade é mantida por um compromisso de não-interferência. Já os compromissos pragmatistas conduzem a um conjunto diferente de expectativas em James e Dewey. Ao invés de adotar as “práticas da tolerância” como central, eles adotam a visão que demanda um contexto de abertura que tanto respeita as diferenças dos indivíduos e suas comunidades e quanto ao mesmo tempo reconhece o valor na interação com aquelas diferenças. Hospitalidade, em seu sentido ordinário, sugere práticas de acolher convidados em um ambiente que é sustentável. Indo além da tolerância, hospitalidade sugere que os anfitriões e os convidados se preocupam com os interesses e necessidades uns dos outros. Assim como Dewey acredita que a inquirição depende de ver as coisas desde a

74   perspectiva dos outros, hospitalidade é um princípio social comparável que requer que os participantes promovam o bem estar uns dos outros por zelar pelas suas necessidades distintas. O próprio Dewey usa o termo “hospitalidade” para descrever como alguém deve proceder com respeito a diferentes perspectivas no processo da inquirição. Hospitalidade, neste caso, é tomada como significando “mentalidade-aberta” [open-mindedness], isto é, “uma atitude da mente que ativamente acolhe sugestões e informações relevantes de todos os lados” (DEWEY, 1916, p. 182, tradução nossa). Isto não significa, contudo, abertura total, pois mentalidade aberta não é o mesmo que mentalidade vazia. Pendurar um placa dizendo “Pode entrar; não há ninguém em casa” não é o equivalente da hospitalidade. Mas há um tipo de passividade, uma boa vontade de deixar experiências acumular-se a aprofundar-se e amadurecer, o que é um essencial do desenvolvimento (DEWEY, 1916, p. 183, tradução nossa).

Este mesmo princípio se torna um princípio central para a concepção de Dewey da Democracia. Em um discurso dado em 1944, ele conclui que “tolerância na democracia é mais do que meramente aguentar ou ‘suportar’ a diversidade da crença, enquanto permitindo experimentação com ideias” (DEWEY, 1944, p. 460, tradução nossa). Democracia, pelo contrário, demanda um processo de abertura e suporte mútuo. Em um panfleto de 1938, Democracy and Education in the World Today, Dewey conclui, através do respeito mútuo, tolerância mútua, dar e receber, o intercambio das experiências, é de maneira última o único método pelo qual os seres humanos podem suceder em dar continuidade a este experimento no qual todos nós estamos engajados, se queremos que seja ou não, o maior experimento da humanidade – aquele de viver juntos de maneiras na qual a vida de cada um de nós é ao mesmo tempo proveitosa no sentido mais profundo da palavra, proveitosa para si mesmo e prestativa no edificar das individualidade dos outros (DEWEY, 1938b, p. 303, tradução nossa).

Tomados juntos, então, os Princípios da Interação, Pluralismo, e Comunidade formam um ponto de vista filosófico que também suporta uma visão das comunidades humanas caracterizadas pela diversidade e hospitalidade.

75   2.2.4 PRINCÍPIO DO CRESCIMENTO A perspectiva pragmatista não é, contudo, isenta de fortes desafios, um dos quais, sugere Pratt (2002), ajuda a mostrar a importância do quarto princípio: Crescimento. Uma das mais fortes reações contra os pragmatistas clássicos foi uma resposta ao tipo de relativismo que as suas perspectivas pareciam demandar. Em sua história da filosofia “Ocidental”, Bertrand Russel chamou o pragmatismo uma “impiedade cósmica”.35 Ao afirmar o “não-confiável” Princípio da Interação, onde o conhecimento e o ser é uma questão do que pode ou não pode acontecer, os pragmatistas aparentam reduzir o mundo a uma questão de interesses e desejos humanos. O compromisso ao pluralismo em todas as suas formas aparenta ter o resultado de solapar até mesmo princípios confiáveis, uma vez que eles estão em pé de igualdade com outras formas de compreender e responder ao mundo. Portanto, de acordo com as críticas de Russel (1919, 1939), se o Princípio da Interação torna as coisas uma questão de preferência humana, então o Princípio do Pluralismo garante que não haveria como parar a preferência humana. O Princípio da Comunidade, então, se tornou grandioso como aparenta ter se tornado em Peirce (PRATT, 2002), um tipo de absoluto monolítico humano, ou se tornou, como as pessoas como Randolph Bourne argumentaram, um tipo de permissão para grupos dominantes obterem a sua vontade. Esta última crítica, envolvendo o apoio tardio para a entrada dos Estados Unidos na Primeira Guerra Mundial, foi particularmente “ácida” porque todos os compromissos aparentes da democracia e igualdade pareciam, à luz do Princípio da Comunidade, trabalhar exclusivamente para aqueles que conseguiam obter e manter poder (BOURNE, 1999). As críticas, impressionantes como elas foram, argumenta Pratt (2002), abordaram o Pragmatismo como se este estivesse comprometido somente com os primeiros três princípios sem o quarto. Na realidade, os pragmatistas clássicos

                                                                                                                35

Para compreender melhor a crítica de Russel, além dos textos já sugeridos (RUSSELL, 1919, 1939), cf. a sua famosa obra “História do Pensamento Ocidental” (2004), especialmente a partir da página 444.

76   também permaneceram compromissados ao Princípio do Crescimento, que serve como um padrão para e limite sobre a comunidade.36 No ano de 1906, no processo de oferecer uma defesa em favor de sua própria versão do Pragmatismo, Peirce introduziu a ideia do crescimento como um elemento chave. O Pragmatismo, em seu núcleo, é uma abordagem para pensar sobre o que é mais comum, o que Jeremy Bentham tinha chamado “cenoscopia” (FERRATER-MORA, 2004, p. 434). Tal estudo, observa Peirce, enfrentou o problema difícil de já estar embutido no comum. “Ao iniciá-lo nós somos confrontados com o fato de que nós desde já acreditamos coisas em demasia”, afirma Peirce (PEIRCE, 1998, p. 373, tradução nossa). Com o intuito de prosseguir, sugere o pragmatista, é crucial que se tome uma posição crítica, mas para assim fazer requer um enquadramento que é adequadamente geral para oferecer perspectiva. A chave proposta por Aristóteles, na interpretação de Peirce, é a ideia de crescimento. Essa ideia de Aristóteles tem se provado maravilhosamente fecunda; e em verdade é a única ideia que cobre praticamente toda a área da cenoscopia que tem mostrado qualquer fecundidade marcada (PEIRCE, 1998, p. 373, tradução nossa).

A ideia de Aristóteles do crescimento reúne potencialidade e ação, matéria e forma, ou, sugere Peirce, “o golpe” [“the blow”]37. De fato, crescimento é o processo da interação entre o que Peirce chama a “função feminina” ou a semente, e a “função masculina”, que “executa um palpite” como um “princípio da agitação”. As duas funções, contudo, não estão completas pois elas requerem uma “terceira, não implicada em nenhuma delas, nem em ambas reunidas”. Essa terceira, na explicação de Peirce, é “o encontro daquelas duas [...] e algo demonstravelmente adicional a elas” (PEIRCE, 1998, p. 374, tradução nossa). É um “impulso” que provê propósito e direção à união particular e provê “o golpe” necessário para sobrepor a inércia do hábito e a interrupção do acaso. O “impulso”, contudo, não é simplesmente uma direção randômica, mas uma                                                                                                                 36

Charlene Haddock Seigfried também torna o crescimento um compromisso explícito do pragmatismo (1996, p. 7). 37

Cf. Smyth (1997, p. 85)

77   enquadrada na relação com outros, um processo do que ele chama “amor criativo” (PEIRCE, 1992, p. 362). Comentando sobre a proclamação do apóstolo João, de que Deus é amor, Peirce torna explícito o liame entre crescimento e amor. “Todo mundo pode ver que a declaração de São João é a fórmula de uma filosofia evolucionária, que ensina que o crescimento vem somente do amor [...] do impulso ardente para preencher o maior impulso de outrem” (PEIRCE, 1992, p. 354, tradução nossa). Para Peirce, o único princípio abrangente o suficiente para oferecer um contexto para o estudo do que é comum é o Princípio do Crescimento. Este princípio reúne sujeito e objeto, conhecedor e conhecido, potencial e atual, sobre um “impulso” motivacional e direcional, amor criativo, que é também um princípio normativo governando o conhecimento humano e a comunidade. Em sua obra Varieties of the Religious Experience, James espelha Peirce por concluir que o elemento compartilhado da experiência religiosa humana não é uma doutrina particular ou até mesmo a crença em um ser supremo, singular ou plural, mas em vez disso uma busca por “algo a mais”. O que é comum, conclui James, é que a religião consiste de duas parte: “um mal-estar; e [...] sua solução” (JAMES, 1902, p. 508, tradução nossa). De alguma maneira isto sugere a descrição de Peirce do crescimento, James continua. “O mal-estar, reduzido em seus termos mais simples, é um sentido que há alguma coisa errada sobre nós da maneira como naturalmente nos posicionamos”. A semente do self de qualquer um, de acordo com Peirce, é incerta. “A solução é um sentido de que nós estamos salvos da inadequação por realizar conexões apropriadas com os poderes superiores”. Deixando de lado a hierarquia implicada, a solução, como a resolução da união da semente e agitação, é uma conexão dirigida. Uma pessoa se torna consciente que esta parte superior é contígua e continua com um MAIS da mesma qualidade, que é operativa no universo fora dele, e com quem ele pode se manter em constante contato (JAMES, 1902, p. 508, tradução nossa).

Salvação, em uma palavra, é uma questão de conexões com “o ‘mais’” (JAMES, 1902, p. 511). A ideia de que as conexões são a base para a salvação não somente relembra a noção de Peirce de “amor criativo” e a ideia de crescimento como um

78   enquadramento explanatório, também aponta para o posterior desenvolvimento do Pragmatismo de James e suas palestras publicadas em 1907. O livro Pragmatism, e especialmente seu capítulo “Pragmatism’s Conceptions of Truth”, que foi criticado por seu aparente relativismo radical, tornou tudo mais pernicioso porque parecia fazer da verdade simplesmente uma questão do que alguém deseja.38 Na realidade, um dos modos que James poderia ter respondido às críticas seria lembrá-los de tomar seriamente o capítulo final.39 Neste capítulo, “Pragmatism and Religion”, James retornou aos temas da Varieties of the Religious Experience, mas aqui propõe crescimento tanto como um padrão quanto como um caminho do entendimento da diversidade da experiência religiosa humana.40 Ele começa a discussão citando o poema “To You”, de Walt Whitman, no qual Whitman proclama: “Oh eu poderia cantar tais grandezas e glórias sobre você!” (apud JAMES, 1987a, p. 607, tradução nossa). James propõe que há duas interpretações do verso de Whitman. A primeira – ele o chama de a interpretação “monística” – imagina que Whitman tem um tipo de perspectiva do olho de Deus do leitor, o “você” no poema, e pode ver a “verdadeira alma e corpo” do leitor (como diz Whitman em uma estrofe não citada por James). Tal visão da natureza humana imediatamente nos faz sentir “seguros interiormente” e ao mesmo tempo nos conduz a um tipo de “quietismo” e “indiferença”. A interpretação alternativa é pragmática. James explica, o você tão glorificado, ao qual o hino é cantado, pode significar suas melhores possibilidades fenomenologicamente tomadas, ou os efeitos especificamente redentores até mesmo de suas falhas (JAMES, 1987a, p. 608, tradução nossa).

As duas alternativas são legitimas, “mas o background da primeira maneira é o estático, enquanto o da segunda maneira significa possíveis no plural, possíveis

                                                                                                                38

Cf. Geyer, The pragmatic theory of thruth as developed by Peirce, James and Dewey (1914). O autor, em sua tese de doutorado faz uma bela análise da teoria da verdade nos três pragmatistas clássicos. 39 Charlene Haddock Seigfried faz um comentário similar em termos mais gerais em William James’s Radical Reconstruction of Philosophy (1990, p. 306). 40

Cf. Wilshire (2000, 2005).

79   genuínos, e possui toda a inquietação daquela concepção” (JAMES, 1987a, p. 608, tradução nossa). Pratt (2002) esclarece que assim como Peirce afirma a legitimidade de noções alternativas da evolução, James afirma que aqueles compromissos ao “monismo” e ao “pluralismo” cada um possui perspectivas legítimas de si mesmos e do mundo. Ou seja, enquanto eles se posicionam como pólos filosóficos, é uma terceira via que aparenta para James a mais geral e a mais valiosa. Ele chama essa alternativa de “doutrina do melhorismo” (JAMES, 1987a, p. 612). O sentido da doutrina é o de reconhecer o valor dos dois extremos, mas que somente viver de acordo com um ou outro leva a alternativas limitadas. É o melhorismo que explica tanto o processo do crescimento e dos padrões que o crescimento impõe sobre os seres vivos. Tal visão não leva à necessidade porque, de um modo importante, o crescimento não é uma função necessária do mundo. O crescimento é tão contingente quanto a própria vida. À luz da realização podemos perguntar: Por que não adotar a visão como o guia para o viver e o conhecer? Nossas ações, nossos lugares-de-mudança, onde nós aparentamos para nós mesmos que nos fazemos a nós próprios e crescemos, são as partes do mundo de cuja as quais estamos mais próximos, as partes das quais nosso conhecimento é o mais íntimo e completo. Por que não deveríamos tomá-los em seu valor-aparente? (JAMES, 1987a, p. 613, tradução nossa).

Para James, pode-se adotar uma visão que vê o Mundo como fixo e determinado, mas tal visão não promove crescimento, mas em vez disso “o torpor da nulidade” (JAMES, 1987a, p. 613, tradução nossa). Se o crescimento é adotado como um padrão consistente com a verdade pragmática e a experiência da vida humana, então há também um padrão que vincula o relativismo de uma visão que torna a verdade como “o que funciona”. O padrão do crescimento é o padrão de maximizar as possibilidades e promover mais crescimento. Pratt (2002) afirma que tal visão não chega pela necessidade, desde que a posição tomada resiste à ideia de que existem coisas fixas. Deixar para trás a ideia de verdades fixas ou relações que determinam a verdade não nos deixa sem nada; isto é, não nos deixa com o relativismo radical. Ao invés disso, nos deixa com uma visão que

80   é dirigida mas também é aberta. Opta-se, na realidade contra um universo fixo e a favor da possibilidade do crescimento.41 Dewey também é explícito sobre afirmar o Princípio do Crescimento. Em sua discussão em Experience and Nature sobre as teorias que dividem os seres humanos em mentes e corpos, adultos e crianças, organismos e ambientes, ele conclui que “a realidade é o próprio processo-de-crescimento” (DEWEY, 1925, p. 210, tradução nossa), na realidade, que os organismos são o seu processo de crescimento. Prosseguindo dessa declaração sobre a continuidade inquebrável entre organismos e seus ambientes, o crescimento representa outro eixo da continuidade – a continuidade de um vida. Ao invés de mera persistência, contudo, crescimento é um processo contingente de mudança em uma direção particular, seu resultado indeterminado, mas ainda dependente das fases anteriores, circunstâncias correntes, e interesses futuros. Que o crescimento é o crescimento de um organismo significa, sugere Pratt (2002), que a continuidade da vida é um ponto de conexão entre a história de um organismo e a história do ambiente ao qual este está vinculado. O resultado de tal visão, como o é tanto para Peirce e James, é um enquadramento explanatório que começa por assumir que há mudança e que mudança acontece em um contexto. Vida próspera, neste caso, depende de manter conexões e em particular aquelas conexões que promovem o processo do crescimento. Dewey converte sua noção explanatória do crescimento para uma normativa em dois contextos. Mais explicitamente, o Princípio do Crescimento se torna um padrão para o processo de ensinar. Em Experience and Education o crescimento é um produto explícito da continuidade. Se a continuidade permanece como um princípio condutor para a educação, então também deve permanecer o crescimento. Contudo, Dewey observa, alguém pode objetar que o crescimento pode tomar várias direções diferentes: um homem, por exemplo, que inicia em uma carreira de roubo, pode crescer naquela direção, e pela prática crescer em um ladrão altamente especializado” (DEWEY, 1938b, p. 19, tradução nossa).

                                                                                                                41

É claro, alguém pode também escolher um universo no qual nada fosse estável, até o crescimento do senso comum. Tal visão não é uma alternativa a ideia de um mundo fixo. Neste caso o que é fixo é a falta de continuidade e coesão. Melhorismo evita ambos abismos por enfatizar o processo do crescimento.

81   Desde esta perspectiva, o crescimento parece ser um princípio aberto a qualquer tipo de desenvolvimento; para professores, isso leva a um relativismo perigoso e sem fim. A resposta de Dewey reafirma o que Peirce e James já tinham concluído, que Desde o ponto de vista do crescimento como educação e educação como crescimento a questão é se o crescimento nesta direção promove ou retarda o crescimento em geral. Esta forma de crescimento cria condições para mais crescimento, ou estabelece condições que estancam a pessoa que tem crescido nesta direção particular das ocasiões, estímulos, e oportunidades para crescimento contínuo em novas direções? (DEWEY, 1938, p. 19, tradução nossa).

Se o crescimento é adotado como uma explicação para o processo da vida humana, então poderá ser usado como um princípio básico para se entender os valores relativos das ideias alternativas, processos, e ações. Quando é tomado como um modo para entender educação, segue que aquelas coisas – ações, condições, expectativas – que promovem mais crescimento devem ser favorecidas sobre aquelas que não o fazem. Dewey faz o mesmo ponto em mais detalhes em Democracy and Education no capítulo “Education as Growth”. Crescimento como um padrão tem duas dimensões. Em geral, “não há nada para o qual o crescimento é relativo salvo mais crescimento” (DEWEY, 1916, p. 51, tradução nossa) e então uma atitude geral é estabelecida. O que o crescimento significa em qualquer caso dado, contudo, é uma questão para futura consideração. Comentando sobre as diferenças entre adultos e crianças, Dewey conclui que “a diferença entre eles não é a diferença entre crescimento e não crescimento, mas entre os modos de crescimento apropriados para diferentes condições” (DEWEY, 1916, p. 50, tradução nossa). Assim como o bem e o mal, para Peirce, pode ser entendido em termos de seu promover ou minar o crescimento, também Dewey afirma que o crescimento pode servir como um padrão de avaliação. Desta perspectiva, crescimento enquadra tanto liberdade quanto princípios da organização social. “Liberdade”, conclui Dewey em sua obra Ethics de 1932, “em seu sentido prático e moral [...] está conectado com a possibilidade do crescimento” (DEWEY, 1932, p. 305, tradução nossa). O Princípio do Crescimento, enquanto ativo na vida humana em curso, surge com a consciência em desenvolvimento de sua importância como um modo para entender a vida

82   humana. “A potencialidade da liberdade é um dom nato ou parte de nossa constituição na qual temos capacidade para crescer e para ser ativamente preocupados no processo e na direção que este toma” (DEWEY, 1932, p. 306, tradução nossa). Nós podemos viver na direção do crescimento ou não, mas uma vez que nós identificarmos a possibilidade, pode se tornar o enquadre para futuras reflexões e ações. Desenhando juntos, implicitamente, ambos os compromissos para crescimento de Peirce e James, Dewey diz: No grau no qual nós nos tornamos cônscios das possibilidades do desenvolvimento e ativamente preocupados em manter as vias do crescimento aberta, no grau em que nós lutamos contra o endurecimento e fixidez, e portanto compreendemos as possibilidades de recriação de nós mesmos, nós somos na realidade livre. (DEWEY, 1932, p. 306, tradução nossa)

Ao mesmo tempo aquele crescimento se concentra na “re-criação” ou transformação de selves individuais, o princípio também serve como um princípio organizador para as interações humanas. Dewey assevera em The Quest for Certainty que “a instituição estável e em expansão de todas as coisas que fazem a vida valer a pena através de todos relacionamentos humanos é o objeto real de toda conduta inteligente” (DEWEY, 1929, p. 25, tradução nossa). A “instituição estável e em expansão” de bens para Dewey se torna a base para o “ideal democrático”, o qual é predicado na noção de que enquanto o crescimento oferece um enquadramento para entender os bens, o conteúdo do qual se constitui o bom em um caso específico é uma questão dos particulares das circunstâncias. Uma democracia baseada no crescimento é uma comunidade que tanto afirma os valores do crescimento individual quanto interpreta o crescimento da comunidade como uma questão de promover oportunidades para o crescimento entre o seu povo. Jane Addams chama essa noção de crescimento “progresso lateral” pois este redistribui a direção do progresso da vertical, com seus

compromissos

com

“melhorias

e

civilização”,

para

uma

direção

comprometida em ampliar e aprofundar as conexões entre seus membros e ao longo de suas fronteiras com outras comunidades.42

                                                                                                                42

Cf. o texto A Modern Lear da Jane Addams (2002).

83   2.3 Uma síntese dos princípios centrais do pragmatismo Ao seguir a tese desenvolvida por Pratt (2002, 2004) e consultar diversas obras originais dos pragmatistas clássicos e de comentadores que reconhecem compromissos centrais no Pragmatismo, pudemos descrever os princípios da interação, pluralismo, comunidade e crescimento, todos compreendidos como representantes de uma tradição filosófica americana distinta. É também evidente que há outras similaridades entre os três pragmatistas clássicos que não considerei explicitamente43, assim como muitas diferenças significativas. Não obstante,

os quatro princípios identificados são tanto

elementos envolventes de suas perspectivas filosóficas quanto reconhecidamente distintos da maioria da tradição filosófica européia. Não quer dizer que alguma filosofia européia não compartilhe esses princípios. Em vez disso, é dizer que esses princípios, reunidos, formam uma base filosófica coerente no pensamento americano cuja genealogia, sustenta Pratt (2002, 2004) e Wilshire (2000), pode ser rastreada desde as tradições indígenas da América, através de outras tradições americanas de resistência, e no interior do pragmatismo clássico. Os compromissos pragmáticos reunidos estabelecem uma abordagem para entender e agir no mundo que Dewey chamou “a busca pela segurança”. O processo de elaboração-de-significado, desta perspectiva, concentra-se nas coisas e eventos no contexto e na mudança. O conhecimento, isto é, significado que pode servir para guiar a ação, será falível, e conhecedores devem sempre estar preparados para tentar novos significados e rejeitar os velhos na medida em que as circunstâncias mudam. Essa abordagem se posiciona em um contraste agudo com a “busca pela certeza”, uma abordagem nascida em reação às inseguranças do mundo, que busca significado fora dos contextos e em verdades que transcendem a particularidade. Nessa tradição, a despeito de uma ampla variedade de explicações sobre onde as coisas recebem seus significados, elas todas não obstante compartilham um interesse pela certeza. Essa certeza, representando tanto a confiança quanto a permanência, requer que o significado                                                                                                                 43

Há outros autores que tentam identificar características (epistemológicas e/ou ontológicas) comuns e centrais ao movimento pragmatista. cf. por exemplo Berstein (1989) que identifica cinco temas substantivos inter-relacionados que caracterizam o “ethos pragmático”: Antifundacionalismo; Falibilismo; Comunidades críticas; consciência e sensibilidade à Contingência; e Pluralismo.

84   em geral e o conhecimento em particular seja garantido por uma realidade imutável. Algumas versões da abordagem reivindicam que a realidade imutável é ideal, algumas versões que ela é material, e algumas versões que ela é uma combinação de ambas. Tais perspectivas, não obstante, mantêm em comum a expectativa de que as coisas da experiência vão, em seu melhor, ser o ponto de partida para a descoberta do significado que irá para fora do terreno instável do mundo interativo e encontra as suas respostas em alguma coisa fixa e permanente. Quando a busca pela certeza é importada para as Américas, ela se torna parte da herança filosófica da filosofia americana – o que pode-se chamar de “atitude colonial” (PRATT, 2002, tradução nossa). A atitude alternativa advogada por Dewey é comparável à atitude “americana” que ele e o Tocqueville identificam como uma abordagem filosófica americana distinta. Essa segunda atitude constitui outra parte crucial da herança da filosofia americana e o centro do pragmatismo americano – o que se pode chamar de “atitude indígena” ou “atitude pragmática” (PRATT, 2002, 2004, tradução nossa).

  85   3 O SUL E O NORTE SE ENCONTRAM: AMÉRICA NATIVA E O PRAGMATISMO 3.1 Nativos Norte-Americanos e o Pragmatismo

A “atitude” filosófica indígena foi invocada por povos Nativo-Americanos para mitigar o colonialismo americano europeu. No capítulo anterior desta pesquisa descrevemos essa “atitude” ao enunciar os quatros compromissos. Neste capitulo vamos argumentar que importantes pensadores americanoeuropeus, que foram de fato influenciados pelo contato, a sua vez, influenciaram os chamados “pragmatistas clássicos”. De acordo com Lokensgard (2003), os “compromissos” geralmente estavam ausentes nas “atitudes” dos colonizadores europeu-americanos cristãos que procuraram assimilar ou eliminar os “outros” culturais. Pratt (2002), por esse motivo, busca a origem da presença daqueles compromissos no Pragmatismo Americano clássico na América Nativa. Pois, afirma esse mesmo autor, muitos grupos Nativo-Americanos demonstravam compromissos com a interação, o pluralismo, a comunidade, e o crescimento. Muitos especialistas perceberam, comenta Lokensgard (2003), os modos nos quais as categorizações ontológicas de coisas sociais são amplamente moldadas pela linguagem e pelo ambiente. O antropólogo A. Irving Hallowell (2002), por exemplo, foi responsável por esclarecer aos especialistas que as línguas dos Nativos-Americanos Algonquian designa muitas coisas, até mesmo pedras, como potencialmente animadas que seriam sempre consideradas invariavelmente inanimadas por europeu-americanos44. Os estudos de Hallowell, assim como aqueles de muitos especialistas posteriores45, tem demonstrado além disso que os Algonquian e outros povos indígenas também se relacionam a essas coisas linguisticamente animadas como atores sociais (BASSO, 1996). Há, portanto, um relacionamento entre as epistemologias dos povos nativoamericanos, como expresso em suas línguas, e suas categorizações ontológicas do mundo, como evidenciada em seus comportamentos sociais.                                                                                                                 44

Cf. por exemplo suas obra American anthropology, 1888-1920 (2002), especialmente a unidade 5 sobre a linguagem; e também cf. Culture and Experience (1955). 45 Por exemplo Sergei A. Kan, Pauline Turner Strong e Raymond Fogelson (2006).

86   Scott Pratt primeiro identifica os compromissos dos Nativo-Americanos com a interação, o pluralismo, a comunidade, e o crescimento nos comportamentos dos Iroquoian e Algonquian, Nativo-Americanos do Nordeste que, por seu eventual detrimento, deram “acolhimento” aos europeus americanos em suas terras (PRATT, 2002, p. 101-105, tradução nossa).46 É exatamente pelo motivo de que os nativo-americanos do nordeste frequentemente acolhiam os diferentes e, comumente, ameaçadores europeuamericanos, que Pratt examina os mitos Iroquoian e Algonquian sobre o contato com “desafiadores gigantes canibais”. Em muitos desses mitos, os gigantes canibais são tratados civilizadamente e às vezes até mesmo como se fossem da mesma família, a fim de amenizar o seus desejos vorazes e perniciosos. Os gigantes são, com frequência, transformados através da bondade mostrada a eles. Eles, então, se tornam membros das sociedades humanas que, ao invés de agir egoisticamente e de acordo somente com seus próprios desejos, entendem que a comunidade está embasada sobre a “hospitalidade” e as “relações recíprocas com os outros” (PRATT, 2002, p. 90-100, tradução nossa). Estes mitos, argumenta Pratt, oferecem modelos para lidar com os europeu-americanos vorazes que, ao invés de carne humana, consumiam a terra. É evidente que, alguns canibais, e muitos europeu-americanos, permaneceram vorazes e devastaram as sociedades nativas. Todavia, Pratt aponta, tanto nas narrativas orais quanto na história do contato índio americano/branco, que a violência era, às vezes, invocada pelos nativos americanos como o último recurso para combater aqueles que recusavam apreciar a hospitalidade e reciprocidade e cujas ações colocavam em risco as vidas e culturas de outros (PRATT, 2002, p. 131). Pratt sugere que o escritor do século dezessete Roger Williams, que desafiou os maus-tratos dos cristãos puritanos aos seus vizinhos nativoamericanos do nordeste, estava familiarizado com a estratégia nativo-americana de agir hospitaleiramente e generosamente com aqueles que ameaçavam a comunidade. Pratt percebe que o argumento de Williams “em favor da tolerância é bem diferente daqueles reconhecidos da tradição liberal” (PRATT, 2002, p. 82-84,                                                                                                                 46

Os Algoquian e Iroquian são termos para amplas famílias de linguagens, das quais grupos culturais como os Narragansett e Delaware são membros, respectivamente. Cf. BROWN, Keith (Ed.). Encyclopedia of language and linguistics. 2. ed. [S. l.]: Elsevier, 2006. v. 2.

87   tradução nossa). Ele sugere que esse argumento foi influenciado pela familiaridade de Williams com as tradições nativas. Williams, ele próprio, foi acolhido na sociedade Narragansett quando ele foi exilado pelos lideres puritanos da Massachusetts Bay Colony (PRATT, 2002, p. 111-112). Williams serve meramente como um exemplo para Pratt, de um europeu americano com ambições filosóficas que foi influenciado pelo contato regular com os nativo-americanos. Williams é um importante exemplo, contudo, ainda que ele não tenha sido bem sucedido em mudar as atitudes dos colonizadores puritanos, seus escritos ajudaram a moldar as visões dos intelectuais europeus americanos posteriores e os defensores dos direitos dos Nativos (PRATT, 2002, p. 220-221). Pratt também examina o movimento profético nativo-americano dos séculos dezoito e dezenove, argumentando que personagens centrais deste movimento representavam uma influência crescente sobre pensadores europeuamericanos. Os profetas nativo-americanos, sugere Pratt, confiavam na “lógica do lugar” para combater a crescente hegemonia cultural européia americana e incursões geográficas (PRATT, 2002, p. 145-147, tradução nossa). Olhando para os discursos de vários oradores proféticos nativo-americanos, bem conhecidos, incluindo Teedyuscung dos Delaware (1700–1763) e Tenskwatawa dos Shawnee (1775-1836)47, Pratt novamente encontra uma ênfase sobre a interação, o pluralismo, a comunidade, e crescimento. Pratt também encontrou implícito em seus discursos formais que essas coisas são facilitadas pelo “lugar” – que a identidade de um povo e o conhecimento do mundo estão enraizadas em um particular contexto geográfico e cultural. Esses nativo-americanos, que estavam sendo lentamente expulsos de suas próprias terras, acreditavam que possuir seus próprios “lugares” era necessário para eles interagirem com outros povos, tal como os americanos europeus, enquanto mesmo assim desenvolvendo-se como comunidades distintas. Muitos europeu-americanos tiveram oportunidade de escutar tais discursos e entenderam totalmente a “lógica” por trás dos argumentos dos profetas. Principalmente entre essas pessoas estava Benjamim Franklin, afirma Pratt

(2004, p. 309-312). Como muitos outros líderes europeu-americanos,

                                                                                                                47

Para maiores informações sobre os personagens nativos norte-americanos cf. Dockstader (1977).

88   Franklin não estava preocupado simplesmente com a diversidade entre os Índios americanos e os brancos; ele estava também preocupado com a diversidade que estava se desenvolvendo entre os europeu-americanos também. Como os membros das colônias haviam procurado unir-se politicamente, Franklin

voltou

seus

olhos

para

os

nativo-americanos

do

nordeste,

particularmente para os Haudenosaunee, para um modelo que permitisse os povos terem os seus próprios lugares, tanto geograficamente quanto em um sistema político mais amplo, enquanto pudessem interagir de modos positivos com povos de outros lugares. O modelo de confederação que Franklin eventualmente propôs foi rejeitado, mas influenciou as uniões posteriores das colônias (PRATT, 2002, p. 175-176; 2004, p. 309-312). A preocupação de Franklin pela necessidade de equilibrar a unidade nacional com a autonomia local e, ainda mais importante, sua preocupação pela tolerância diante da diversidade foram também influentes sobre filósofos posteriores, inclusive Ralph Waldo Emerson. Pratt escreve sobre a importância de Emerson neste contexto: Ao ponto, então, de que os compromissos de Franklin são uma extensão dos compromissos pragmáticos dos Delaware e Haudenosaunee, Emerson pode ser visto como uma figura transitória, continuando a linha de desenvolvimento conectando a atitude indígena com o movimento profético nativo de um lado e os pragmatistas clássicos do outro. (PRATT, 2002, p. 214-215, tradução nossa)

Através de Emerson e Franklin, Pratt é portanto capaz de traçar uma bem distinta linha desde os nativo-americanos do nordeste dos séculos dezessete e dezoito até os pragmatistas clássicos (PRATT, 2002, p. 285). Na tentativa de compreender melhor a “lógica do lugar” e sua implicação epistemológica e ontológica, Pratt examina as reações dos nativo-americanos às políticas da “Remoção dos Índios” no início do século dezenove, que os mudou de lugar para terras mais distantes no oeste. O autor mostra que a “lógica do lugar” (logic of place) foi rearticulada como a “lógica do lar” (logic of home) (PRATT, 2002, p. 221, tradução nossa). Os nativo-americanos tentaram deixar claro para os europeu-americanos que a saúde de suas comunidades em um mundo cada vez mais diverso não era simplesmente dependente do fato de terem seus próprios lugares; a saúde dessas comunidades dependiam do fato de terem seus

89   próprios lares. Os povos indígenas, afinal, vivem em ambientes habitados por muitos outros seres além dos humanos, e eles mantêm relacionamentos importantes e significativos com estes outros seres através de rituais religiosos. Para os nativo-americanos do início dos século dezenove, ser removido de suas terras era ser removido destes outros seres que lhes ofereciam socorro, lhes ensinavam sobre a terra, lhes ajudavam a entender a qualidade idealmente recíproca da natureza e sociedade, etc. “Lugares” para esses nativo-americanos não eram simplesmente uma área vazia de americanos europeus na qual pudessem se esconder. Em vez disso, era uma área cheia de vida, conhecimento, e história (HALLOWELL, 1955; KAN; STRONG; FOGELSON, 2006; PRATT, 2002, 2004). Esse conceito de “lar” foi entendido por muitas mulheres europeuamericanas e por intelectuais afro-americanos, que também entendiam a opressão sofrida pelos nativo-americanos.48 No início dos anos 1800, afirma Lokensgard (2003), as mulheres europeu-americanas, cujas ideias foram tradicionalmente consideradas inferiores e restritas à esfera privada, começaram a expressar cada vez mais as suas preocupações em público. Elas agora buscavam o sufrágio e outras formas de independência. Pratt (2002, 2004) explica, e de fato é bem conhecido, que muitos personagens no movimento das mulheres naquele tempo tiveram contato com os povos nativo-americanos e ficaram impressionadas com os status das mulheres nas sociedades nativo-americanas. Pratt defende que alguma dessas mulheres ficaram também atraídas pelas culturas nativo-americanas por causa da importância do lugar e do lar (home). Essas mulheres entenderam que um lar ideal é um lugar de interação, pluralismo, comunidade, e crescimento, mesmo se elas sentiam que a maioria das mulheres não recebiam tanta liberdade para interagir e expressar visões diferentes no lar como elas deveriam ter. Pratt encontra essa lógica nos escritos altamente narrativos de Catherine Maria Sedgewick e Lydia Maria Child. Sobre esta última escritora, Pratt declara o seguinte: Child, na posição de fronteira entre a América nativa e européia, também se posiciona como uma pragmatista cujo trabalho serviu como o ponto de partida para a linha de pensamento pragmatista que desenvolve-se

                                                                                                                48

Cf. Addams (1916), Child (1845) e Du Bois (2007).

90   no trabalho das feministas do século dezenove e ajudou a formar o contexto no qual os pragmatistas clássicos emergiram (PRATT, 2002, p. 271, tradução nossa).

Pratt então prossegue a discutir os “pragmatistas feministas” posteriores do início do século vinte e as influências diretas que tiveram sobre o movimento do pragmatismo, em geral (PRATT, 2002, p. 282-286). O autor, referido acima, também encontra a “lógica do lugar” nos escritos de afro-americanos, combatendo o racismo no final do século dezenove e início do século vinte e que se “opôs à submissão designada a minimizar os conflitos com os brancos” (PRATT, 2002, p. 276, tradução nossa).

Esses

intelectuais negros – intelectuais como o W. E. B. Du Bois – voltaram-se para “uma concepção da diferença e uma lógica de lugar do tipo utilizada pelos profetas nativos” (PRATT, 2002, p. 276, tradução nossa). Eles declararam que as suas experiências históricas como povos de descendência africana e como escravos para americanos europeus moldou as suas identidades e seu conhecimento do mundo. Para submeterem-se à sociedade americana européia completamente, uma vez que a escravidão tivesse acabado, seria o mesmo que abandonar o seu “lugar” na história e o “lar” que construíram para as suas comunidades na América. Ao contrário disso, eles queriam ser aceitos como únicos. Como os nativo-americanos e as primeiras feministas discutidas por Pratt, eles buscavam simplesmente em ser eles mesmos em uma nação pluralística. A possibilidade de que as tradições nativas influenciaram o pragmatismo é importante, porque sugere que a epistemologia, como os nativo-americanos sempre afirmaram, é condicionada pelo lugar de um povo no mundo. Independentemente da razão, os pragmatistas clássicos reconheciam isso. Como os tradicionalistas nativo-americanos, eles reconheciam que o lugar poderia até mesmo ter um impacto ontológico. Pratt cita Dewey em sua introdução ao Primitive Man as Philosopher, do antropologista Paul Radin, um livro que lida diretamente com a America Nativa: Aqueles que asseveram na definição abstrata de filosofia que ela lida com verdade eterna ou realidade, intocada pelo tempo local ou lugar, são forçados admitir que a filosofia como uma existência concreta é

91   histórica, tendo passagem temporal e uma diversidade de habitações 49 locais (DEWEY apud PRATT, 2002, p. 284-285, tradução nossa).

Este mesmo ponto foi ilustrado anteriormente na “máxima pragmática” de Peirce. Pratt oferece uma ilustração ainda mais explícita do entendimento dos pragmatistas da significância epistemológica e ontológica do lugar com uma segunda citação de Dewey, desta vez de sua Art as Experience: O mundo que temos experienciado se torna uma parte integral do self que age e sofre ação em experiências posteriores [...] Em sua ocorrência física, as coisas e eventos experienciados passam e desaparecem. Mas algo de seu significado e valor é retido como uma parte integral do self. Através de hábitos formados na interação com o mundo, nós também habitamos-no-mundo. Este se torna nosso lar e o lar é parte de toda a nossa experiência. (DEWEY apud PRATT, 2002, p. 285)

Os lugares que “habitamos” podem moldar quem nós somos e como nós agimos, ou no mínimo, eles podem trazer um impacto em nossa percepção de nós mesmos e dos outros. Isto é o que a “atitude colonial”, discutida por Pratt, sempre falhou em reconhecer (PRATT, 2002, p. 76). Mas a importância do lugar nos lembra que o nosso conhecimento e nosso próprio sentido do self mudará no futuro enquanto continuamente nos reorientamos em um mundo em mudança. Isso significa que a filosofia mudará – que o pragmatismo, por exemplo, vai continuar a ser moldado por outras tradições filosóficas e povos no futuro; vai continuar a “crescer”. Em revelar seus compromissos com a interação, o pluralismo, a comunidade, e o crescimento, Pratt afirma o seu real valor no mundo como uma filosofia que pode ajudar sociedades a negociar a diversidade. Enquanto a diversidade aumenta, o valor potencial do pragmatismo aumenta também. É de fato inegável que o percurso histórico realizado por Pratt (2002, 2004) e Wilshire (2000) é provocativo e amplia a compreensão do que podemos entender como a filosofia ou pensamento pragmatista, assim como sugere caminhos de conexões entre epistemologias alternativas no pano de fundo das filosofias nativo-americanas tanto do norte quanto do sul. É a partir dessa possibilidade que o próximo tópico é desenvolvido.                                                                                                                 49

No original cf. Dewey (1927, p.4)

92   3.2 Nativos Latino-Americanos e o Pragmatismo O povo indígena do que é agora chamado “América Latina” desfruta de uma longa e rica tradição de pensamento filosófico datando de séculos passados antes de serem caracterizados pelos seus “descobridores” europeus como “primitivos” incapazes de ou desmotivados para pensar filosoficamente. As sociedades Pré-Colombianas, argumenta James Maffie (2010), continham indivíduos que refletiam criticamente e sistematicamente sobre a natureza da realidade, existência humana, conhecimento, conduta correta e bondade; indivíduos que ficavam intrigados sobre questões do tipo “Como deve o humano agir?”, “O que os humanos podem conhecer?”, e “O que os humanos podem esperar?”. Neste subtópico do segundo capítulo da presente pesquisa, concentro-me nas filosofias das sociedades Andinas e Aztecas, proeminentes filosofias que prosperaram durante o “período do contato” (do contato mútuo, interação, troca, e conflito entre povos europeus e indígenas) no século XVI. O intuito aqui é ressaltar o compartilhamento de características epistemológicas comuns, assim como ontológicas, do pensamento nativo, Andino e Azteca, com aquelas presentes nas filosofias pragmatistas. Além disso, a intenção também é a de ressaltar o ponto de partida do pensamento nativo como aquele da “experiência vivida”. Possuímos um entendimento das filosofias Andinas e Aztecas que é limitado pelo fato de que faltam fontes primárias de pré-contato em suas línguas indígenas respectivas. Reconstruir as filosofias pré-colombianas, sugere Maffie (2010), envolve o triangular de uma variedade de fontes alternativas. Primeiro, nós temos as etnohistórias dos primeiros mestizo indígenas, e cronistas espanhóis. Para a filosofia Andina, estes incluem os escritos de espanhóis como Bernabé Cobo (1990) e dos Andinos indígenas como Felipe Guaman Poma de Ayala (1980) e Juan de Santa Cruz Pachacuti Yamqui Salcamaygua (1873). Para as filosofias Aztecas, estes incluem os escritos de missionários espanhóis como Bernardino de Sahagún (1953-1982). Segundo, nós temos quípus Andinos (cordas-com-nós) que eram usadas para registrar informações, e as histórias pictóricas dos Aztecas, calendários ritualísticos, mapas, e registros tributários. Terceiro, em ambos os casos nós temos evidências arqueológicas como

93   arquitetura, estátuas, cerâmicas, jóias, ferramentas, etc.. Finalmente, temos etnografias contemporâneas de povos indígenas sobreviventes relevantes50. 3.2.1 FILOSOFIA INDÍGENA ANDINA Os filósofos Incas herdaram uma tradição das reflexões filosóficas de predecessores na região Andina. O império Inca (ca. 1400-1532) – chamado tahuantinsuyu (“as quatro partes juntas ou unificadas”) em Quéchua, a língua franca dos Incas – foi meramente o último e mais conhecido em uma série de culturas Andinas pré-colombianas incluindo Chavín e Paracas (900-200 AEC51), Nazca e Moche (ca. 200 AEC – 550 EC), Huari e Tiahuanaco (ca. 550-1000) e Chimú (ca. 1000-1400) (GEBRAN, 2004). Não há uma única filosofia pan-andina compartilhada por todos os povos Andinos antes da conquista, e, portanto, é necessário distinguir as filosofias Andinas Inca da não-Inca. A “filosofia não-Inca” se refere amplamente a muitas perspectivas filosóficas provinciais dos ayllus locais – uma palavra Quéchua para uma unidade social ligada por laços de parentesco, linhagem, ritual, territorial, político, e econômico – e grupos étnicos nas regiões Andinas (GEBRAN, 2004, p. 71-73) . A “filosofia Inca” refere especificamente as perspectivas filosóficas defendidas pelos amautas Incas (singular, amauta), que significa “sábios”, “filósofos-poetas”, “padres”, ou “pensadores” (PRESCOTT, 1847, p. 70). A filosofia Inca se valeu de uma riqueza de temas filosóficos Andinos não-Incas enquanto ao mesmo tempo os adaptou ao propósitos e circunstâncias imperiais Inca (MAFFIE, 2010). Não obstante as suas várias diferenças específicas, as filosofias Inca e não-Inca, contudo, compartilhavam em comum vários temas metafísicos fundamentais

quanto

a

natureza

da

realidade,

seres

humanos,

e

o

interrelacionamento entre os domínios humanos e não-humanos. Isto, por sua vez, arranjou um cenário para uma visão compartilhada da sabedoria e da ética.                                                                                                                 50

Cf. CLASSEN (1993) e URTON (1981), no caso da filosofia Andina; SANDSTROM (1991) e KNAB (2004), no caso da Azteca. 51

A abreviação AEC significa “Antes da Era Comum”, e EC significa “Era Comum”. É somente uma substituição do AC (Antes de Cristo) e DC (Depois de Cristo).

94   Primeiro, a filosofia Andina afirma que o cosmos junto com todo o seu conteúdo é vivificado ou animado por uma única força da vida (COBO, 1990). Nos documentos da era-colonial, esta força da vida é às vezes chamada de camaquen ou camac, outras vezes, upaní e amaya. Os seres humanos, plantas, montanhas, água, vento, luz, restos humanos mumificados, tecidos, e estruturas de pedra estão infundidas com essa força. Aparenta ser coextensiva com a existência como tal. É dinâmica, fluida, e constantemente circulante através das regiões e habitantes do cosmos. Água, luz, arco-íris, e o ciclo vida-morte humano servem como canais para a sua circulação e reciclagem (FREITAS, 2009). Essa força, explica Maffie (2010), também assume disfarce de forças duais interdependentes, mutuamente decorrentes, e complementares: noite/dia, sol/lua, celestial/terrestre,

acima/abaixo,

cultivado/não-cultivado,

interno/externo,

e

vida/morte. Vida e morte, por exemplo, estão ciclicamente interrelacionadas assim como mutuamente decorrentes e mutuamente interdependentes. As dualidades Andinas contribuem juntamente para um todo único e ordenado. De fato, o cosmos consiste de uma alternação continua dessas dualidades. Milla Villena (2004) explica que esse processo é governado por ayni, ou seja, por relacionamentos de reciprocidades e troca mútua. Quando as dualidades são recíprocas igualmente e como resultado coexistem em equilíbrio, o cosmos desfruta de um pacha – “palavra/tempo/espaço/estado-de-ser”, “idade”, ou “sol” – de uma relativa ordem e estabilidade existencial e espaço-temporal (MAFFIE, 2010). O equilíbrio do pacha presente torna possível a existência humana. Steele e Allen, em seu Handbook of Inca Mythology (2004), comentam que a reciprocidade entre as dualidades eventualmente se rompem, contudo, e libera o desequilíbrio. Cada era cósmica sofre desintegração cataclísmica e pachacuti, uma “reviravolta, alternação ou giro” (cuti) do “mundo/tempo/espaço/estado-deser” (pacha). Este é um tempo de desordem, instabilidade, e transição, um tempo entre eras. Ainda sim uma nova era cósmica começa como uma inevitável consequência dessa “reviravolta”. Cada final ciclicamente desenrola em um novo começo. De acordo com Guaman Poma de Ayala (1980), o cosmos passou por quatro tais eras precedentes aquela dos Incas, que viveram durante a quinta. A quinta teve sua “reviravolta” na invasão espanhola, iniciando a atual, a sexta era.

95   Maffie (2010) esclarece que o cosmos Andino é “aberto” no sentido que ele permite a participação causal dos seres humanos em seu equilíbrio contínuo. Através das suas ações, os humanos afetam – positivamente ou negativamente – o equilíbrio do cosmos. A ação dos humanos faz diferença ao equilíbrio e portanto à existência contínua da atual era cósmica. Além disso, a participação humana é absolutamente necessária. A vida humana ocorre em seu interior é definida por uma intrincada e frágil matriz de relações de reciprocidade (ayni) com outros elementos do cosmos (como a água e a terra). Essas relações trazem com elas uma série de obrigações para retribuir. Os humanos contribuem positivamente para o equilíbrio cósmico quando eles realizam as ações requisitadas, cumpridoras de obrigações, e recíprocas. Eles perturbam o equilíbrio cósmico por falhar em realizar essas ações. O equilíbrio contínuo do cosmos depende dos seres humanos cumprirem suas obrigações de reciprocidade. Além disso, a atividade de reciprocidade humana é uma parte integral e uma força integradora no cosmos. Este cenário metafísico prepara o terreno para o que podemos chamar, de acordo com Ribas (2008), de “ética da reciprocidade”. Os seres humanos são no mundo e do mundo. Como tais, eles são obrigados a realizar ações de reciprocidade que mantém o equilíbrio e a existência contínua do cosmos e da humanidade. São obrigados a organizar todos os aspectos de suas vidas de acordo com a norma da reciprocidade. Tais obrigações são simultaneamente moral, prudencial, e religiosa. A sabedoria consiste em conhecer como, quando, e onde agir, para assim manter a reciprocidade entre os humanos e o cosmos. A pessoa sábia conhece como guiar os humanos através das dualidades, ciclos, e relacionamentos recíprocos definindo a existência humana para que os humanos possam desfrutar vidas relativamente estáveis, harmoniosas e prósperas. Tal “conhecer-como” requer constante revisão baseada sobre a interpretação de uma variedade de fenômenos. 3.2.2 FILOSOFIA AZTECA OU NAHUA DA ERA-DE-CONTATO A Mesoamérica é comumente definida como uma ampla tradição cultural e histórica consistindo de uma mistura complexa e dinâmica de várias culturas indígenas regionais. Maffie (2010) explica que geograficamente, a Mesoamérica

96   cobre os dois terços do sul do México, toda Guatemala, El Salvador, Belize, e as porções do oeste da Nicarágua, Honduras, e Costa Rica. As origens da Mesoamérica são comumente associadas com a cultura Olmeca (ca. 1150-300 AEC), que foi seguida pelas (para mencionar somente algumas) culturas do Monte Albán (ca. 250 AEC – 700 EC), Teotihuacán (ca. 150 AEC -750 EC), o Maya Clássico (ca. 250-900 EC), os Toltecas (ca. 900-1200), Chichén Itzá (ca. 900-1200) (frequentemente referidos como os Maya pós-clássicos), e os Aztecas (ca. 1350-1521). Cada um foi etnicamente, linguisticamente, politicamente, culturalmente, e/ou religiosamente distinto. As culturas precedentes influenciaram as posteriores, na medida em que as gerações sucessivas dos descendentes das culturas anteriores interagiam através da migração e do comércio com membros das posteriores. As culturas contemporâneas influenciaram umas as outras através do comércio e migração. Os membros (neste caso dos Aztecas) ou descendentes (neste caso os outros) destas culturas, todos enfrentaram a invasão e a derrota militar pelo começo espanhol no século XVI. Então, por exemplo, apesar de que as culturas Mayas Clássica e Pós-Clássica tinham por esse tempo há muito deixado de prosperar, os invasores espanhóis mesmo assim encontraram falantes da língua Maya seguindo crenças e práticas derivadas das suas culturas ancestrais. Os Aztecas foram um entre os muitos povos de fala Nuhuatl52 que migraram em ondas sucessivas para fora da Mesoamérica (no que é agora o noroeste do México – sudoeste dos Estados Unidos) para o planalto central do México durante os séculos XIII e XIV. Nahuatl é um membro da família lingüística Uto-Azteca juntamente com Hopi, Ute, e Huichol. Falantes-Nahuatl da era-docontato

incluía

(entre

outros)

os

Mexica

(chamados

“Aztecas”

pelos

pesquisadores Europeus e Norte Americanos), Texcocanos, Tlacopanos, Tlaxcaltecas, e Chalcanos. Devido à sua língua e cultura comum, os pesquisadores referem aos falantes-Nahuatl como “Nahua” e à sua cultura como                                                                                                                 52

Para um estudo mais aprofundado da cultura Nuhuatl sugiro cf. a Revista ESTUDIOS DE CULTURA NÁHUATL. Ciudad Universitaria: Instituto de Investigaciones Históricos, Universidad Nacional Autónoma de México, 1945-2011. ISSN 0071-1675. Disponível em: . Acesso em: 05 de ago. 2011

97   “cultura Nahua”. A cultura Nahua prosperou nos séculos XV e XVI antes de 1521, a data oficial da queda de Tenochtitlan, a cidade capital Azteca (CARRASCO, 2001). Maffie (2010) escreve que a filosofia Nahua da era-de-contato extrai em tanto de suas raízes culturais Uto-Azteca quanto de sua adotada herança cultural Mesoamericana. Este pensamento vê a terra como um lugar extremamente perigoso para os seres humanos. Os seres humanos perdem o seu equilíbrio facilmente enquanto caminham sobre a terra e como conseqüência sofrem dor, fome, sede, pesar, doenças, e loucura. Nahua tlamatinime (tlamatini, singular), que pode significar: “conhecedores das coisas”, “filósofos-poetas”, ou “sábios”; concebiam a raison d’être da filosofia como provedora de respostas praticáveis para o que eles viam como as questões centrais da existência humana: “Como podem os seres humanos caminhar em equilíbrio e assim prosperar sobre a terra?” Essa situação-com-questão existencial define a problemática que enquadra a filosofia Nahua (LEÓN-PORTILLA, 1963). Os filósofos Nahua concebiam eticamente, epistemologicamente, e esteticamente boas (cualli) condutas, atitudes, objetos, e estado de coisas em termos dos seres humanos manterem seu equilíbrio e prosperarem sobre a terra (MAFFIE, 2007, 2010; BURKHART, 1989) Esta problemática está enraizada na metafísica Nahua. O ponto de partida da metafísica Nahua é a afirmação de que existe uma única, dinâmica, vivificante, eternamente auto-geradora e auto-regeneradora força sagrada ou poder. Os Nahua se referiam a este poder como “teotl”. Teotl é sempre ativo, atualizado, uma

energia-em–movimento

atualizadora.

O

cosmos

e

todos

os

seus

constituintes são constituídos pelo, assim como em última instância idênticos com, a força sagrada do teotl. O teotl permeia, configura, e vivifica o cosmos inteiro e seus conteúdos (MAFFIE, 2007, 2010; CASTRO-KLARÉN, 2008). Processo, movimento, transformação, destruição, e criação definem o teotl, portanto a realidade per se, e portanto o cosmos e todos seus conteúdos. Teotl é propriamente entendido como nem ser nem não-ser mas como sendo/tornar-se. O teotl nem é nem não é; teotl se torna. Como conseqüência, a realidade per se e portanto o cosmos e seus habitantes são instáveis, evanescentes, e transitórios. A realidade é desprovida de estados estáticos de ser, ordem, e estruturas permanentes. Teotl cria (e re-cria) o cosmos – juntamente com todos os seus

98   habitantes – desde si mesmo. Eles são a auto-representação imanente do teotl – não a sua criação ex nihilo. Eles nem existem à parte de nem fora do teotl (MAFFIE, 2007, 2010; CASTRO-KLARÉN, 2008). Maffie (2010) argumenta que a metafísica Nahua é posteriormente moldada por várias intuições adicionais53. Primeiro, que o que é real é o que se torna, muda, e transmuda – contra a maioria das metafísicas ocidentais que alegam que aquilo que é real é aquilo que é imutável, estável, e estático. A realidade é caracterizada como Sendo/Tornando-se – não como ser ou “estadosde-ser”. Existir é tornar-se, mover-se, transformar-se, e mudar-se. Segundo, que aquilo que é real é aquilo que faz as coisas acontecerem. Ser real consiste do poder de criar, destruir, transformar, agir sobre, ou afetar mudanças nas coisas. Ser é ser (causalmente) efetivo. A metafísica Nahua está comprometida com a equivalência mútua da existência, poder, energia, moção, tornar, causar, e transformar (ambos do self e dos outros). Terceiro, a realidade é irredutivelmente ambígua, contra a maioria das alegações filosóficas ocidentais de que a realidade (como oposta a aparências) é não-ambígua. Quarto, a natureza segue a função: o que algo é segue do que ele faz. Resumindo, de acordo com a metafísica Nahua os processos, ao invés de objetos que perduram ou substâncias, são ontológicos. A atividade, o movimento, o fluxo, tempo, mudança, e transformação são as principais noções para entender-se as coisas. A filosofia Nahua também concebe teotl em termos da noção, autóctone Nahua, de nepantla. Nepantla desenvolve um papel central nas explicações descritivas da metafísica Nahua sobre a natureza da realidade e da condição humana, e um papel central na teoria de valores Nahua (como a ética, epistemologia, e estética) em suas concepções de boa conduta, bom conhecimento, boa arte, e boa vida para os seres humanos (ALLATSON, 2007; MAFFIE, 2010). Durán (1994 apud MAFFIE, 2010) explica o termo “nepantla” como “entre uma coisa e outra” (en medios), “nem uma nem outra”, e “nem isto ou aquilo” (neutros). Siméon (1994)

complementa dizendo que

“nepantla” como um

advérbio, significando “no meio de algo” (en el medio, o en medio, o por medio).                                                                                                                 53

Cf. Revista Esudios de cultura nahuatl.

99   Os processos-nepantla ocorrem “no meio de”, “entre isso ou aquilo”, ou “no equilíbrio entre” duas ou mais coisas. Eles colocam as pessoas ou coisas no nepantlatli, o que seria: no meio de, ou entre dois extremos (SIMÉON, 1994; MAFFIE, 2010). Nepantla também transmite um sentido de reciprocidade e mutualidade abundante; uma que deriva de ser “do meio”. Os processos-nepantla ocupam, usam, e aplicam o meio assim como criam um produto do meio. Estes são “medianos-nepantla” ou “equilíbrios-nepantla”. Os Nahua consideravam a tecelagem, a união sexual, a reunião, o agitar, ou misturar das coisas, e o cumprimentar recíproco, o perdoar, e o ser solidário como uma medianizaçãonepantla e processo de equilíbrio (BURKHART, 1989; ALLATSON, 2007). Os processos-nepantla são simultaneamente destrutivos e criativos e, portanto, essencialmente transformativos. Eles suspendem as coisas no interior de uma zona ontológica dinâmica, instável, e desestabilizadora entre categorias convencionais; uma zona na qual as coisas se tornam indefinidas, ambíguas, e anômalas; uma zona na qual as coisas desaparecem no interstício entre as categorias convencionais; e finalmente, uma zona da qual emerge um novo tertium quid (MAFFIE, 2010). As coisas previamente categorizadas como “isso” ou “aquilo” são submetidas a um processo transformativo que destrói seu outrora independente, status bem-definido de “isto” vs. “aquilo” enquanto também cria um tertium quid que é nem isso nem aquilo todavia simultaneamente ambos isso e aquilo; algo indefinido, não-estabelecido, instável; algo que “atravessa” as categorias convencionais de isso e aquilo. Os processos-nepantla localizam os seus participantes no interior de uma zona ontológica ambígua que transcende “ou/ou” e “isso” vs. “aquilo”. Os Nahuns se referiam ao cruzamento/encruzilhada (onepanco) como um exemplo paradigmático de nepantla. O cruzamento é o “centro” ou o “meio” de duas estradas que se cruzam. Essa intersecção cria um novo espaço, um entre e no meio de duas estradas: um lugar marginal, anômalo, instável, e indefinido; um lugar que é em última instância “nenhum lugar” de fato. O cruzamento é ambíguo ontologicamente; não é nem essa estrada nem aquela estrada e, contudo, é simultaneamente as duas de uma só vez. Resumindo, os processos nepantla colocam as pessoas e as coisas no interior de uma “zona fronteiriça”, como uma zona dinâmica de interação mútua, influência recíproca, identidade instável e difusa, e transformação (MAFFIE, 2007, 2010; SIMÉON, 1994).

100   A metafísica Nahua concebe o teotl como um processo-nepantla. Teotl oscila medianamente entre e no meio do ser e não-ser. Teotl é no fundo ambíguo ontologicamente desde que não é nem ser nem não-ser e contudo simultaneamente é ambos ser e não-ser. Isto é, está devindo. Similarmente, teotl é nem ordenado (determinado ou governado de cima para baixo por leis ou princípios) nem desordenado (caótico) mas ao invés inordenado. Ele capta um tertium quid ontológico: a inordenação. Desde que eles são idêntico com teotl, realidade, cosmos, e existência humana são do mesmo modo definidos em termos de nepantla, ou seja, por reciprocidade dialética transformativa e mutualidade abundante. Segue disso que eles, também, são dinâmicos, processuais,

mudando

constantemente,

ambíguos

irredutivelmente,

e

inescapavelmente presos entre e no meio da ordem e desordem de ser e não-ser (MAFFIE, 2007, 2010). De

acordo

com

León-Portilla

(2006),

o

dualismo

Nahua

difere

profundamente do Zoroastrico – e de dualismos de estilo Maniqueísta que caracteriza muito do pensamento ocidental. Esses fazem a afirmação padronizada de que a ordem, a bondade, a vida, ou a luz, por um lado, e a desordem, o mal, a morte, ou a escuridão, por outro lado, são mutuamente contraditórios, incompatíveis, e exclusivos. Eles vêem a história como consistindo de conflitos ou/ou desses contraditórios. No final da historia, um ou o outro desses contraditórios terá ou deverá vencer ou eliminar o outro. O dualismo Nahua alega que a ordem e a desordem, a vida e a morte, etc., alternam interminavelmente e interdependentemente sem resolução. Rejeita como insensata as ideias de que a vida é inerentemente boa e que a morte é inerentemente má assim como a idéia de que a vida triunfará sobre a morte. Rejeita como igualmente insensato a busca pela vida eterna. Finalmente, e especialmente notável, “bem” e “mal” não aparecem na lista das dualidades complementárias dos Nahua. A realidade e, portanto, a existência humana não são definidas em termos de um conflito entre o bem e o mal. Os filósofos Nahua, contudo concebiam um caráter ilusório, como um sonho da existência humana, mas isso em termos epistemológicos – não ontológicos. Eles falavam de um caráter semelhante ao sonho da vida terrena para fazer o ponto epistemológico de que a condição epistêmica ordinária, préreflexiva dos humanos é para ser enganado pelos disfarces de teotl e, portanto,

101   para entender mal o teotl – não no ponto metafísico de estilo platônico que a existência terrena é ontologicamente sub-padronizada e não inteiramente real. A existência terrena oferece a chance para os equívocos, erros de julgamento, e mal-entendidos. O caráter semelhante ao sonho da existência terrena é uma função da nossa perspectiva humana – não um dualismo ontológico de aparências e realidade inerentes na construção da realidade (MAFFIE, 2007, 2010). A condição existencial humana não é uma exceção ao quadro metafísico acima. A existência humana é definida pelo nepantla, ou seja, pela alternância incessante da vida e morte, ordem e desordem, ser e não-ser, macho e fêmea, etc. De maneira sucinta, os seres humanos são na nepantla assim como da nepantla. A vida humana ocorre na tlalticpac, a superfície da terra. A palavra “tlalticpac” literalmente significa “sobre o ponto ou cúpula da terra”, sugerindo um estreito, denteado lugar cercado de todos os lados perigos implacáveis (BURKHART, 1989; SIMÉON, 1994). O provérbio Nuhal gravado por Sahagún, (apud BURKHART, 1989, p. v) “Tlaalahui, tlapetzcahui in tlalticpac”, “É escorregadio, é liso na terra”, foi dito por uma pessoa que viveu uma vida correta, mas depois perdeu seu equilíbrio e caiu em ações erradas, como se escorregando em uma lama escorregadia. Os seres humanos perdem seu equilíbrio facilmente na terra escorregadia, e como conseqüência sofrem dor, pesar, fome, sede, morte, e doenças mentais e físicas assim como contendas e discórdias domésticas, sociais, políticas, e ambientais. Á luz dessas circunstâncias, os filósofos Nahua perguntavam, “Como os humanos podem manter seu equilíbrio, minimizar o infortúnio, e viver vidas prósperas sobre a terra escorregadia?” Eles concebiam a raison d’être da inquirição filosófica em ser o oferecer respostas praticáveis a essas questões. Eles, portanto, definiam o comportamento, atitudes, e estados de coisas sábios em termos de promover o equilíbrio, minimizar o infortúnio, e maximizar a prosperidade sobre a terra (MAFFIE, 2010). Nepantla aparece aqui, proeminente nas concepções normativas Nahua de boa via para os seres humanos, boa conduta, boa cognição, e boa arte. Nepantla desenvolve um papel central nas prescrições éticas, epistemológicas, e estéticas dos Nahua concernentes a como os humanos deveriam se comportar, pensar, sentir, julgar, falar, e comer; trabalhar, cultivar, e comercializar; tratar seu entorno

102   não-humano; e tocar música, pintar-escrever, e tecer. Os Nahua tlamatinime portanto aparentemente raciocinavam que devido ao fato da realidade e a condição existencial humana serem inescapavelmente “medianas”, os humanos devem, portanto, comportar-se “medianamente”. Resumindo, em um cosmos definido pela nepantla, deve-se viver uma vida de nepantla (LEÓN-PORTILLA, 1963, 2006; SIMÉON, 1994). A inescapavelmente dolorosa e instável natureza da existência humana não incitou os filósofos Nahua a rejeitarem a vida terrena em favor de algo transcendente, outra-vida terrena. Simplesmente não há tal tipo de vida para os seres

humanos

-

tonalli

(“energia

interna”,

“vitalidade”,

“potência”,

e

“personalidade inata”) concentrado na cabeça, teyolia (“aquela que dá vida a alguém”, “aquela que move alguém”) concentrado no coração, e ihiyotl (“fôlego”, “vento”, “respiração”) concentrado no fígado são totalmente integrados, e, portanto, o único espaço-tempo onde os humanos desfrutam o potencial para o bem-estar (MAFFIE, 2007, 2010; SIMÉON, 1994). Os Nahua, assim, resolveram viver o melhor que podiam aqui na tlalticpac. A sabedoria Nahua tinha como alvo ensinar os humanos a como, semelhante a habilidosos alpinistas, a manter seu equilíbrio sobre a estreita, dentada cúpula da terra. Alternativamente, tinha como alvo ensinar os humanos a como, semelhante a tecelões realizados, a tecer junto as várias forças e tensões no cosmos e em suas vidas em um tecido bem-equilibrado. Para viver sabiamente, viver artisticamente, e, portanto, viver uma vida próspera, genuinamente humana no cosmos caracterizado pela nepantla, a vida de alguém deve atualizar o equilíbrio-nepantla. A vida de alguém deve ser um processonepantla bem-trabalhado. E de qual melhor professor para aprender como fazer isso se não do próprio teotl? Quando a realidade última é caracterizada pela mudança constante, movimento, e devir, precisamos aprender a como mudar, mover, e tornar em equilíbrio. Não se pode encontrar estabilidade no Ser transcendente. Não se pode encontrar equilíbrio por apegar à “rocha eterna”, pois até mesmo as rochas e o tempo vem e vão. Viver sabiamente consiste em abraçar e envolver-se na nepantla – não tentando evitar, minimizar ou escapar a nepantla (LEÓN-PORTILLA, 2006).

103   3.2.2.1 Epistemologia Nahua e Pragmatismo A filosofia Nahua apresenta tlamatiliztli (“sabedoria” ou “conhecimento”) pragmaticamente em termo de equilíbrio e prosperidade humanas (SAHAGÚN, 1953-1982 apud MAFFIE, 2010). Tlamatiliztli é ativo, criativo, prático, concreto, situacional, e performativo – não é passivo, abstrato, teórico, representacional, ou contemplativo. Consiste de conhecer como agir medianamente, como manter o seu equilíbrio, e como prosperar na medida que se caminha sobre um caminho estreito da vida. A sabedoria não consiste de conhecer que certos fatos são o caso, ou de apreender os princípios abstratos, leis, ou verdades conceituais. A epistemologia Nahua não adota objetivos semânticos como a verdade pela própria verdade, a descrição correta, ou a representação acurada. O objetivo da cognição é caminhar em equilíbrio sobre a terra escorregadia, e a cognição boa (cualli) epistemologicamente é aquela que promove esse escopo. Prosperar sobre a terra requer não somente que os humanos conheçam como se acomodar aos vários ciclos em espiral constituindo a Era do Quinto Sol, mas também que eles conheçam como contribuir para o equilíbrio desses ciclos e em fazer assim contribuir à continuação da Era do Quinto Sol. Como os seres humanos agem faz uma diferença para o equilíbrio e a continuação da existência da era cósmica atual. A atividade humana é ambos um elemento integrado e integrador do Quinto Sol. A existência humana está implicada no interior de uma rede complexa de relacionamentos de reciprocidade entre os humanos e o cosmos, e isso implica uma série de correspondentes obrigações recíprocas. Os humanos contribuem para o equilíbrio do Quinto Sol quando eles realizam com sucesso essa ações cumpridoras-de-obrigações. Eles perturbam o equilíbrio quando fracassam em fazer isso. O equilíbrio contínuo e a existência do Quinto Sol portanto depende dos seres humanos em realizarem as suas obrigações (BURKHART, 1989; MAFFIE, 2007, 2010). Neltiliztli (“verdade”) é um aspecto indispensável da sabedoria e do conhecimento. A filosofia Nahua concebe a verdade em termos de autenticidade, genuinidade, e bom-enraizamento no, e divulgação não-referencial do, teotl – não em termos de correspondência, atinência, ou representação (contra a maioria da filosofia ocidental). Caracteriza pessoas, ações, e coisas igualmente e sem equívocos em termos de verdade (e falsidade). Aquilo que está bem enraizado no

104   teotl – seja uma pessoa, canção-poema, ação ritual, texto pintado-escrito, ou escultura – é verdade, genuína, bem equilibrada, e não-referencialmente divulgadora e manifestadora do teotl (TODOROV, 1984; SIMÉON, 1994). Os humanos conhecem conscientemente se e somente se os seu conhecimento é bem enraizado (nelli) no teotl, e seu conhecimento é bem enraizado no teotl se e somente se o teotl emerge e floresce no interior do seu coração. Isto, por sua vez, ocorre se e somente se os humanos possuem um yolyeotl ou “coração teotlizado” (LEÓN-PORTILLA, 1963, p. 143, tradução nossa), isto é, um coração que obtêm o equilíbrio-nepantla. Um coração teotlizado movese medianamente, bem equilibrado, e, portanto, em harmonia com o movimento oscilante do teotl. Tal coração é carregado com a energia sagrada do teotl e desfruta a presença sagrada. A pessoa possuidora de um “coração teotlizado” é dita ter “o teotl em seu coração” e em ser “sabia nas coisas do teotl”. O Teotl manifesta a si mesmo para e através de um coração bem-enraizado, e bemequilibrado. Como a presença geradora do teotl, o conhecimento humano constitui um dos caminhos no qual teotl genuinamente manifesta-se sobre a terra (LEÓN-PORTILLA, 2006). Os humanos conhecem inconscientemente (estupidamente, tolamente, ou confusamente), ao contrário, quando seu conhecimento está mal-enraizado, se não não-enraizado (ahnelli), no teotl. Tal conhecimento é falso, inautêntico, nãogenuíno e não-revelador. Teotl falha em emergir e florescer no interior de tal coração (SAHAGÚN, 1953-1982, vols. 3, 6, 10 apud MAFFIE, 2010). Inconsciência, conhecimento não-bom (ahmo cualli), constitui uma forma de demência cognitiva, doença, e desequilíbrio. É um dos caminhos que o teotl mascara a si mesmo na terra. Maffie (2010) aponta que os Nahua tlamatinime tiraram três conseqüências do fato de que teotl é ultimamente inordenado, instável, entre-e-no-meio, e nemisto-nem-aquilo. Primeiro, conhecer teotl requer um modo de experiência não binária (não pode ser ou/ou). Os humanos experienciam o teotl conscientemente, via uma união mística de seus corações com o teotl. O teotl germina e floresce no interior de seus corações. Isso permite aos humanos ignorar as categorias binárias convencionais e, em assim fazer, experienciar o teotl sem distorção por tais categorias. Quando isso ocorre, o pensar deste alguém não é mais nublado pelo “bafo no espelho” (como o texto Maya, o Popol Vuh [TEDLOCK, 1985, p.

105   167] expressa)54 constituído pela percepção e concepção do teotl através das categorias binárias convencionais. Segundo, expressar o entendimento de alguém sobre o teotl requer um modo de expressão não-binário, ou seja, “flor e canção” (LEÓN-PORTILLA, 1963, p. 75, tradução nossa). Atividades artísticas geralmente, mas especialmente as poesias cantadas – ao invés de avançar discursos argumentativos – são os mais verdadeiros, mais autênticos, modos de expressar o entendimento de alguém sobre o teotl. Os filósofos são necessariamente cantores-poetas e artistas que manifestam o teotl através de discursos metafóricos e imagens artísticas. Finalmente, por causa de que o teotl é inordenado, entre-e-no-meio, etc., os seres humanos são incapazes de compreenderem totalmente o teotl. Os filósofos Nahua concebiam a linguagem principalmente como um instrumento prático para guiar o comportamento e para fazer coisas acontecerem no mundo – não como um instrumento para representar os fatos ou relatar verdades proposicionais. A palavra falada é eficaz causalmente, e quando usada sabiamente, afeta mudanças no curso de eventos humanos e não-humanos com um olhar para o equilíbrio humano e cósmico (TORODOV, 1984). Maffie (2010) comenta que a ética Nahua avalia a bondade da conduta, atitude, e estados de coisas dos humanos desde um ponto de vista de criação, manutenção, e restauração do equilíbrio e prosperidade. Ou seja, caracteriza a conduta eticamente boa (cualli) como “in quallotl in yecyotl”, “própria de” e “assimilável por” humanos (LEÓN-PORTILLA, 2006, p. 387, tradução nossa). A conduta boa eticamente equilibra as pessoas e as ajuda a se tornar humanos mais autênticos. A conduta não-boa (ahmo cualli) lança as pessoas fora do equilíbrio, as causa do empobrecimento de suas vidas e a se tornarem defeituosos “pedaços de carne com dois olhos” (SAHAGÚN, 1953-1982, vol. 10, p.3 apud MAFFIE, 2010, p. 20, tradução nossa). Ao grau do qual os humanos vivem vidas equilibradas, eles aperfeiçoam sua humanidade e prosperam; ao grau que eles não o fazem, eles destroem sua humanidade e sofrem vidas bestialmente miseráveis (BURKHART, 1989).

                                                                                                                54

Cf. TEDLOCK, D. Breath on the mirror: mythic voices and visions of the living Maya. Albuquerque: University of New México Press, 1997.

106   Os Nahuas usavam “flor e canção” para se referir amplamente à atividade artística e seus produtos. Eles, contudo, não tinham um conceito moderno de arte no sentido de “arte pela própria arte”. Os Nahuas não tinham nenhuma noção de um ponto de vista estético distinta – como oposta à moral ou epistemológico – desde o qual pudessem julgar a bondade da arte humana. Eles definiam a bondade estética em termos de prosperidade humana. O esteticamente bom (cualli) “flor e canção” melhora ambos o seu criador e a audiência metafisicamente, moralmente, e epistemologicamente, e é um ingrediente essencial para uma vida próspera. A estética é, portanto, atravessada com propósitos morais e epistemológicos. Aquilo que é esteticamente bom – seja um poema-canção,

tecido

costurado,

ou

pessoa



é

moralmente

e

epistemologicamente bom (e vice-versa). É bem enraizado, bem equilibrado, verdadeiro, genuíno, e revelador não-referencialmente do teotl. Aquilo que é esteticamente não-bom (ahmo cualli) é não-enraizado, não-revelador, inautêntico, e falso (MAFFIE, 2010). Em síntese, as filosofias pré-colombianas Aztecas, assim como as filosofias Andinas vistas anteriormente, conceberam modos de ser-humano-nomundo que enfatizavam o fato de que os humanos são ambos no mundo e do mundo como também a necessidade dos humanos de viver em equilíbrio com o mundo. Isso torna evidente a centralidade da experiência vivida como o ponto de partida do filosofar Nativo Sul-Americano. A esse respeito eles se diferenciam daquelas concepções de ser-humano-no-mundo proposta pelas principais filosofias ocidentais seculares e religiosas. Estas últimas tipicamente vêem os humanos como no mundo mas não desse mundo, e se referem à natureza como algo para ser explorado para o auto-engrandecimento do humano. Contudo, as filosofias do ocidente provam serem crescentemente insustentáveis na face de um colapso ambiental catastrófico. Os pensadores do Ocidente fariam bem se reexaminassem criticamente os seus preconceitos filosóficos assim como engajar em um diálogo com as filosofias pré-colombianas. Afinal, como já comentado por Hickman e Alexander (1998, p. 21), para John Dewey a filosofia européia ocidental é somente um “episódio provincial”.

  107   4 OS PRAGMATISTAS NORTE-AMERICANOS E OS “PRAGAMATISTAS” LATINO-AMERICANOS: DIÁLOGOS, INFLUÊNCIAS E CONFLUÊNCIAS Iniciamos,

no

segundo

capítulo

desta

pesquisa

buscando

uma

caracterização alternativa da Filosofia Americana. Foi possível descrever uma terceira versão da história do pensamento Americano, a versão da experiência vivida, que seria o “caminho do meio” entre a versão da história da fronteira e da história da genialidade. Tendo a experiência vivida como ponto de partida do filosofar americano nos permitiu, seguindo principalmente a tese de Scott Pratt (2002, 2004) e aos pragmatistas clássicos Peirce, James e Dewey, buscar compromissos epistemológicos e ontológicos comuns que caracterizassem o Pragmatismo. Ao fazer isso, no terceiro capítulo descrevemos possíveis conexões entre

os

compromissos

epistemológicos

e

ontológicos

do

pensamento

Pragmatista e aqueles de povos Nativos Norte-Americanos e de povos Nativos Sul-Americanos. Neste capítulo vamos estender a descrição dos pontos de encontro entre as tradições filosóficas Americanas. Isto é, descrever alguns diálogos, influências e confluências que ocorreram no século passado entre pensadores e escritos pragmatistas Norte-Americanos (especialmente Peirce, James e Dewey) e filósofos Latino-Americanos (Zulen, Vaz Ferreira, Ingenieros, Frondizi, Anísio Teixeira), ressaltando assim os aspectos em comum que permitiram e permitem tais encontros tão profícuos. 4.1 Rumores do Norte ecoando nas terras do sul Autores como Browning (2011), Donoso (2011), Duran (2001), Flores (2011), Graham (1994), Gomez (2006, 2011), Kalvelage (1974), Medina (2004, 2011), Nubiola e Zalamea (2006), Pappas (2007), entre outros tem lançado mão de pesquisas sobre as reais conexões históricas entre os pragmatistas americanos (Peirce, Dewey, e James) com a pensadores Latino-Americanos. Há um consenso entre esses autores de que o pragmatismo teve uma audiência receptiva, durante a primeira metade do século vinte, nas Américas. Contudo, a segunda metade do século vinte testemunhou um eclipsar nos estudos do pragmatismo que somente agora está diminuindo.

108   As circunstâncias históricas e políticas das Américas durante os séculos dezenove e vinte foram diferentes. Embora tais diferenças não possam ser ignoradas, similaridades são também importantes na avaliação da recepção do pragmatismo nas duas Américas. De acordo com Mendieta (2003), Nuccetelli (2010), e Pappas (2011a) os pragmatistas norte americanos e os filósofos latinoamericanos na virada do século vinte estavam reagindo a desafios e circunstâncias comuns e perguntavam questões similares. O que devemos fazer sobre nossa herança filosófica européia? Devemos ser críticos do dualismo das filosofias européias modernas? Quais são as conseqüências para a filosofia do prestígio e aceitação da ciência como a fonte do conhecimento? Os filósofos nas Américas estavam engajados em esforços paralelos de reconstruir suas heranças européias sob novos, e em alguma extensão similar, problemas filosóficos. Na segunda metade do século vinte, contudo, visões negativas mas equivocadas sobre o Pragmatismo como uma variedade do positivismo ou como um superficial utilitarismo de estilo americano espalhou através das Américas (MENDIETA, 2001; SHOOK; MARGOLIS, 2006). Infelizmente, o Pragmatismo foi frequentemente descartado em conseqüência desses preconceitos, se também não pelas relações políticas pobres daquele tempo. A predisposição negativa de muitos referente a qualquer coisas que viesse do novo poder imperial pode ter contribuído para o declínio de interesse no pragmatismo na América Latina. Igualmente importante, entretanto, foi a recepção nas Américas de movimentos filosóficos europeus, incluindo o existencialismo e a filosofia analítica. Os acadêmicos norte americanos e latino-americanos tem compartilhado hábito de olhar para a Europa por insights filosóficos para lidar com seus próprios problemas ou copiar qualquer nova moda filosófica (PAPPAS, 2011a). Não há duvidas de que o “giro analítico” durante os anos de 1960 sufocou os textos pragmatistas nas Américas. Não foi até a publicação em 1979 do livro Philosophy and the Mirror of Nature de Richard Rorty que o interesse no Pragmatismo clássico desfrutou uma ressurreição. Esse reavivamento do Pragmatismo não ocorreu somente na América do Norte. A Espanha, por exemplo, tem se tornado o centro de esforços mundialmente colaborativos para os hispânicos traduzirem e reavaliarem o

109   pragmatismo como uma filosofia viável.55 Na última década, vários países da América Latina, como a Argentina e o Brasil, realizaram conferências centradas sobre o pragmatismo.56 A filosofia analítica não tem mais a influência que desfrutava sobre as Américas no século passado. Gradualmente mas certamente, um ambiente mais pluralístico na filosofia está se desenvolvendo que abre a possibilidade de redescobrir os esquecidos filósofos das Américas. O fato de que ambas,

as

famosas

filosofias

analítica

e

continental,

estão

finalmente

reconhecendo a sua dívida para os pragmatistas clássicos tem ajudado nesta redescoberta (ABOULAFIA, 2002; BRANDON, 2000). Pappas (2011) argumenta que seria um erro pensar no desenvolvimento do Pragmatismo e da filosofia Latino-Americna como isoladas uma da outra. Em nossa era de globalização tendemos a esquecer como eram mais dramáticas as mudanças na comunicação e interação global na virada do século vinte. É comum escrever e pensar na história da filosofia em termos de um desenvolvimento linear limitado nacional-territorialmente, mas pesquisas históricas revelam que os filósofos devem abandonar o hábito de pensar em escolas filosóficas ou tipos de filosofia como desenvolvendo-se isoladas de outras. Há pontos de intersecção entre desenvolvimentos lineares na história das tradições filosóficas,

estudar

estes pontos de intersecção pode render importante lições. Em um recente livro, o historiador intelectual John Graham escreve que um exame dos arquivos e biblioteca privada de José Ortega y Gasset revela que William James inspirou a sua filosofia de vida. Ortega y Gasset “postergou até muito tarde qualquer reconhecimento de sua original dívida básica ao pragmatismo de James” (GRAHAM, 1994, p. viii). Esse tipo de descoberta histórica é importante para a filosofia porque pode levar a novos insights e                                                                                                                 55

Cf., por exemplo, o trabalho impressionante feito na Universidad de Navarra pelo Grupo de Estúdios Peirceanos (http://www.unav.es/gep/) dirigido por Jaime Nubiola. Ramon Castillo (UNED, Madrid) e Angel Faerna (Universidad de Castilla, Toledo) traduziram muitos trabalhos dos pragamatistas clássicos e publicaram importantes livros e artigos que tem avançado o entendimento do pragmatismo no mundo hispânico-latino. Cf. CASTILLO, Ramon. Derivas pragmáticas. In: BERNSTEIN, Richard. Filosofia y democracia: John Dewey. Barcelona: Herder, 2010; CASTILLO, Ramon. ¿Adiós a la filosofía? Recuerdos de Rorty. In: COLOMINA, J. J.; RAGA, V. (Eds.). La filosofía de Richard Rorty: entre pragmatismo y relativismo. Madrid: Biblioteca Nueva, 2009; Cf. também FAERNA, Angel. Introducción a la teoría pragmatista del conocimiento. Madrid: Siglo XXI, 1996. 56

Cf., por exemplo, o site do Centro de Estudos de Pragmatismo http://www.pucsp.br/pragmatismo/encontros_intern_pragmatismo/index.html.

da

PUC-SP:

110   cominhos de reavaliar a filosofia de alguém. As conexões entre Ortega y Gasset e James são significantes porque Ortega Y Gasset é considerado um dos filósofos mais influentes de múltiplas gerações na America Latina. Seus escritos estão entre os textos filosóficos centrais estudados nas ex-colônias ibéricas (MEDIN, 1994; CRUZ VÉLEZ, 1983). Os trabalhos de William James e Ralph Emerson foram lidos na América Latina na virada do século vinte (INGENIEROS, 1947, 1963; VAZ FERREIRA, 1909). As suas ideias tiveram um impacto em pensadores importantes no mundo hispânico, inclusive Miguel de Unamuno (MARTÍNEZ, 2007), Ortega y Gasset, Eugenio d’Ors, José Ingenieros, e Carlos Vaz Ferreira. Nubiola (2006), sob a mesma influência, examina as conexões históricas e pessoais de Peirce com o mundo hispânico, inclusive as suas experiências na Espanha e a recepção de seus textos em espanhol. Esse autor é otimista sobre como a redescoberta e um entendimento

mais

aprofundado

de

Peirce

no

mundo

hispânico

está

transformando a filosofia na Espanha e na America Latina e aproximando a fenda entre as tradições filosóficas Americanas e Hispânicas. Dewey é o único pragmatista clássico que visitou pessoalmente a América Latina, e ele foi aquele que teve a mais vasta influência na América Latina. A visão de Dewey sobre a filosofia da educação foram particularmente influentes. As ideias de Dewey vieram a ser conhecidas através da América Latina via seus ex-alunos que mantiveram posições influentes em Universidades. Gerações de professores acharam as ideias de Dewey instrumentais para renovação pedagógica em seus países. Moisés Sáenz e Rafael Ramirez são dois estudantes mexicanos que tiverem Dewey como professor em Columbia, retornaram ao México, e adotaram a ética deweyana como parte de um grande experimento para construir uma sistema de escola rural capaz de resolver os problemas cotidianos dos mexicanos rurais. Rubén Flores (2011) afirma que esses pensadores e seus experimentos deweyanos no México tiveram, a sua vez, uma influência nas reformas educacionais no Oeste Americano. Dewey foi alvo de tributos e reconhecimentos honoríficos especiais por instituições na América Latina, afirma Pappas (2011). Entre as ideias principais de Dewey que tornaram seu trabalho e o pragmatismo atraente para o mundo latinoamericano eram, e continuam a ser, a preocupação com a experiência vivida prática; a concepção do indivíduo como um todo orgânico e ativo em

111   relacionamentos sociais; e a importância da educação como um processo para viver no presente e transformar a sociedade em uma direção democrática. Apesar da recepção favorável da filosofia da educação de Dewey no mundo hispânico, as traduções em espanhol de seus principais trabalhos não estiveram disponíveis mesmo após a sua morte. Por conseguinte, muitos dos estudantes de Ortega y Gasset viram a importância de traduzir os textos filosóficos principais de Dewey no intuito de provocar pesquisa e confrontar os filósofos latino-americanos com um modo alternativo de lidar com os problemas modernos, como os dualismos, além de sua própria proposta ou aquelas originando na Europa (DONOSO, 2011). Esta é a mesma motivação que continua a impulsionar novas traduções de publicações sobre Dewey no mundo latino-americano. 4.1.1 OS

PRIMEIROS

“CONTATOS”

DO

PRAGMATISMO

AMERICANO

CLÁSSICO COM A AMÉRICA LATINA Na América Latina a conexão com o pragmatismo americano pode ser rastreada até a primeira década do século vinte. Carlos Vaz Ferreira (1871-1958) do Uruguay deve receber o crédito por ter publicado o primeiro livro em espanhol dedicado ao pragmatismo em 1909, particularmente relacionado as ideias de James (VAZ FERREIRA, 1909). Como Zalamea escreveu: “Este é um texto admirável por seu tempo; preciso em suas citações, independente e suficiente crítico em suas considerações” (ZALAMEA, 2006, p. 210, tradução nossa). Na realidade, Einstein leu a tradução francesa desse livro na ocasião de sua visita em 1925 a Montevidéu. Einstein escreveu para Vaz Ferreira agradecendo-o pelo presente, explicando que ele estava de acordo com Vaz sobre as incongruências nos usos da verdade entre os vários pragmatistas e adicionando: “Eu creio que o conceito de ‘verdade’ não pode ser tratado separadamente do problema da realidade”. (VAZ FERREIRA, 1965, p. 198, tradução nossa) Nas décadas seguintes houve um longo silêncio sobre Peirce nos países hispano-falantes da América Latina, com a única exceção o peruano Pedro Zulen (1889-1925), que em 1924 publicou um livro sobre a história das ideias filosóficas recentes na Inglaterra e nos Estados Unidos (ZULEN, 1924). De um lado, não é improvável que a hostilidade de Ortega em relação ao pragmatismo americano foi herdada pela filosofia latino-americana convencional do século vinte (ORTEGA y

112   GASSET, 1946-1947, v. 1, p. 119, v.2, p. 357-358). Ortega é a figura principal na história da filosofia hispânica recente, e o fato de que alguns de seus estudantes emigraram para a América Latina na época da Guerra Civil Espanhola pode ter ajudado a disseminar a sua atitude (MEDIN, 1994). Augustín Basave Fernández del Valle, em sua obra Significación y sentido del pragmatismo norteamericano, faz uma exceção à esta tendência negativa geral: o filósofo mexicano José Vasconcelos (1882-1959) (BASAVE, 1972). Vasconcelos é um caso muito intrigante pois, apesar de ser abertamente hostil aos Estados Unidos e a filosofia americana, grande parte de seus ideais educacionais baseiam-se fortemente nas ideias de Dewey. Essa profunda falta de congenialidade aparece com uma clareza enorme em seu De Robinson a Odiseo (1935), como Jane Duran e Ana Paola Romo enfatizaram recentemente (DURAN, 2001; ROMO, 2006). De outro lado, o marxismo latino-americano – com pouquíssimas exceções, quem sabe José Carlos Mariátegui (SCHUTTE, 1993, p. 32) – tendeu a ver o pragmatismo americano, inclusive a Peirce, como o produto mais típico do imperialismo estadunidense. Entre o pequeno grupo de amigos do pragmatismo americano nos países hispano-falantes, é necessário mencionar José Ferrater Mora (1912-1991), como mostrado em seu excelente Diccionario de Filosofia (TORREGROSA, 2006). Ferrater ensinou por três décadas no Byrn Mawr College; ele conhecia ambos os mundos muito bem, e foi capaz de atribuir afinidades entre o as tradições filosóficas latino-americanas e norte-americanas. Em seu artigo sobre Peirce e Kant, Ferrater escreve:

Há alguns assuntos em que Peirce e Kant concordam completamente. Por exemplo, que a atividade filosófica deve ser deliberada e, sempre que possível, altamente consciente, que o arbitrário e o individualista são prejudiciais e, último mas não menos, que a filosofia precisa ser como uma construção capaz de proteger todo mundo e não somente alguns poucos filósofos de mentalidade-técnica. (FERRATER MORA, 1955, p. 355, tradução nossa)

Entre essa linhas, alguma conexão escondida entre o pragmatismo americano e o mundo latino-americano pode ser certamente descoberta.

113   4.1.2 DEWEY E SUA INFLUÊNCIA EM ALGUNS PAÍSES DA AMÉRICA LATINA A primeira metade do século vinte viu o pico da influência de John Dewey, e pela metade do mesmo século um agudo declínio em sua influência tanto nos Estados Unidos quanto no exterior. Contudo, durante as duas últimas décadas tem havido um interesse renovado sobre o pragmatismo em geral e em Dewey em particular. Ainda que estudos separados tem sido publicado sobre a influência de Dewey em vários países, somente menções rápidas tem sido feito a América Latina (Chile, Cuba, México, e Argentina).57 O ano no qual uma tradução de Dewey apareceu pela primeira vez em uma nação latino-americana pode ser visto como o seguinte: Chile (1908), Cuba (1925), México (1929), e Argentina (1939). Em 1930 apareceu a primeira tradução de Dewey no Brasil. Em Honduras e Peru em 1959 e no Uruguai em 1951. É claro que educadores e filósofos na América Latina já estavam familiarizados com Dewey antes das datas em que apareceram as traduções em seus respectivos países, sendo pela leitura dos originais em inglês ou por meio das traduções de outros países de fala espanhola (DONOSO, 2011). 4.1.2.1 Dewey e o Chile Donoso (1994) relata que uma tradução em espanhol por Darío E. Sálas do My Pedagogical Creed (1897) apareceu no Chile em 1908. Desde 1906, informações sobre Dewey tinha sidos publicadas em dois periódicos chilenos: Revista de Instrucción Primaria e Revista de la Asociación de Educación Nacional. Desse modo as ideias de Dewey tornaram-se conhecidas no Chile, complementadas por conferências e outras atividades educacionais organizadas por seus ex-alunos. O mais influentes destes foi Sálas, que, como titular da Cátedra de Pedagogia no Instituto Pedagógico por trinta anos, introduziu                                                                                                                 57

A pesquisa para estes dados foram coletadas, principalmente, do artigo The Influence of John Dewey in Latin America (DONOSO, 1994). Antón Donoso pesquisou mais de quarenta anos – nos Estados Unidos (nos Dewey Arquives em Southern Illinois University em Carbondale), na Espanha, México, e Argentina. Possivelmente o primeiro e mais completo texto com um estudo sobre a influência de Dewey na Espanha e na América Latina é John Dewey’s Foreign Reputation as an Educator de William W. Brickman (1949).

114   gerações de professores chilenos às ideias de Dewey. O grau do respeito de Sálas por Dewey, argumenta Donoso (2011) pode ser percebida no nota que ele anexou a sua tradução. Ele expressou a esperança que aqueles professores que o lessem iriam se sentir mais conscientes do grande papel que poderiam atuar contribuindo para a reforma da sociedade e para a alegria que vem da autoexpressão das crianças. Ainda mais um educador chileno que foi aluno de Dewey e voltou para fazer o seu nome conhecido, especialmente pelo seu trabalho entre as mulheres, foi Amanda Labarca Hubertson (PAUL, 1969) . Catherine Manny Paul (1969) afirma que Sálas e Labarca estavam aparentemente mais impressionados pelo cuidado que Dewey tinha com seus alunos do que pelos seus escritos. Ainda mais um chileno, apesar de não ter sido um ex-aluno de Dewey, ficou impressionado pelo caráter de Dewey. Em quatro de dezembro de 1918, Enrique Molina, que se tornaria o presidente fundador da Universidad de Concepción, encontrou Dewey na University of California em Berkeley (ROSENTHAL, 2000). Em honra ao nonagésimo aniversário de Dewey, em vinte de outubro de 1949, quatro artigos foram apresentados na Universidad de Chile. Neste mesmo dia o governo do Chile outorgou a Dewey sua Ordem ao Mérito através de seu cônsul geral, Carlos Delabarra.58 (DONOSO, 1994) 4.1.2.2 Dewey e Cuba O sistema educacional cubano esteve sob a direção dos Estados Unidos imediatamente após a Guerra Hispano-Americana, mas a influência aqui era mais da educação progressiva em geral do que de Dewey em particular (DONOSO, 2011). Só foi por meados de 1925 que uma tradução de El Interés y esfuerzo en la educación apareceu em Cuba, uma tradução da publicação de Dewey, de                                                                                                                 58

A data de 1908 disputa a reivindicação de Boydston de que a primeira tradução em toda a America Latina apareceu em Cuba em 1925. A evidência para a correção está nos Dewey Arquives da Morris Library em Southern Illinois University em Carbondale (DEWEY COLLECTION 102, boxes 74-76 apud DONOSO, 1994), no qual são encontrados as copias originais datilografadas em espanhol das conversas em honra a Dewey dadas na Universidad de Chile. Sobre Labarca, cf. Catherine Manny Paul, Amanda Labarca H., Educator of the Women of Chile: The Work and Writings of Amanda Labarca H. in the Field of Education in Chile, Their Importance and Their Value in the Progresso of Education in Chile, 1969. Sobre Molina, cf. Sandra B. Rosenthal, News from Abroad (2000).

115   1913, deste material versando sobre o treinamento da vontade em educação moral. O tradutor foi Alfredo M. Aguayo, autor de Filosofia y nuevas orientaciones de la educación, publicado no mesmo ano (DONOSO, 1994). Aguayo é dito ter sido o diretor espiritual de todas as renovações pedagógicas que foram trazidas à Cuba, de acordo com Martha de Castro em sua tese de doutorado pela Universidad de la Habana, Estúdio crítico de las ideas pedagógicas de Dewey (1939). Na conclusão de seu estudo, Castro chamou a si mesma de discípulo de Dewey e expressou sua admiração e gratidão pelo prazer intelectual que ela obteve do estudo de suas obras. Ela estava especialmente interessada no movimento da Escola Nova, feliz que finalmente tal escola tinha sido criada em Havana aquele mesmo ano com o nome de Aguayo (CASTRO, 1939). Como parte do movimento para “renovar” a atividade filosófica em Cuba, um grupo de discussão – no qual um dos tópico era o pragmatismo e Dewey – encontrou-se periodicamente na década de 1940 sob a orientação de Dr. José María Velázques (DONOSO, 2011). Em 1952, como um tributo a Dewey após a sua morte no dia primeiro de junho, um breve artigo apareceu em Cuba, “John Dewey: Filósofo de la libertad”, escrito por Jorge Mañach, um educador cubano que estudou em Harvard University e lecionou literatura hispânica na Columbia University, mas que naquele ano estava lecionando filosofia e história da filosofia na Universidad de la Habana (DONOSO, 1994). No próximo ano apareceu seu breve estudo El pensamiento de Dewey y su sentido americano (DONOSO, 2011). Mañach foi também autor de um trabalho mais longo, Dewey y el pensamiento americano, publicado em 1959. Nesta obra Mañach apontou o paralelo entre duas das principais tradições culturais da América do Norte (os puritanos religiosos e os pioneiros práticos) e duas da tradições culturais da América Latina (a ética hispânica da contemplação e o a preocupação pela ação que emerge diretamente da experiência). Ele afirmava que a primeira tradição na América Latina tinha atraído seus escritores enquanto a segunda atraia seus filósofos. Em validar sua afirmação de que os filósofos latino-americanos, como o próprio Dewey, possuem uma tendência ao empírico, o naturalista, e o relativo, Mañach lembrou seus leitores da influência sobre o pensamento latino-americano do empirismo, utilitarismo, e positivismo assim como do historicismo e perspectivismo. Ele particularmente lembrou seus companheiros cubanos de que Charles S. Peirce, o fundador do pragmatismo,

116   considerava o mesmo Alexander Bain, que fora o “professor distante” de Enrique José Varona (1849-1933), como sendo um de seus antecedentes (MAÑACH, 1959). Todos os três filósofos concordavam de que a validade do pensamento é medida pelas suas resultantes ações. Esse fato histórico contribui, Mañach dizia, para explicar por que as ideias de Dewey foram recebidas tão sistematicamente na América Latina, particularmente entre educadores, e por que a sua morte foi sentida como se fosse um se “nossos próprios mentores”59. 4.1.2.3 Dewey e o México O único pais na América Latina que Dewey pessoalmente visitou foi o México. Ele o fez em duas ocasiões distintas. A primeira foi para dar uma conferência em na Universidad Nacional em 1926. A segunda foi em 1937 como presidente da Comissão de Inquérito Preliminar referente as acusações de Stalin contra Trotsky (DONOSO, 1994) Quando Dewey chegou ao México, os meios principais do governo federal para implementar a reforma educacional pedida pela Revolução de 1910 tinha sido criar: a Secretaría de Educación Pública (SEP, 1921). Foi primeiro chefiada pelo ex-reitor da Universidad Nacional, José Vasconcelos (1882-1959), cujas políticas incluíam uma rede de escolas rurais para os camponeses e escolas urbanas para as classes operárias, assim como recursos para encorajar bibliotecas e as artes, tanto indígenas quanto não-indígena – todas financiadas pelo governo federal pela primeira vez (YANKELEVICH, 2002). Vasconcelos considerou o SEP e todos os seus trabalhos “a única glória da Revolução”, e Dewey, depois de sua visita, concordou – como podemos ver no artigo de Dewey sobre o México.60                                                                                                                 59

Cf. Jorge Mañach, Dewey y el pensamiento americano (1959). Para mais sobre Varona, cf. William Rex Crawford, A Century of Latin American Thought (1961). 60 Sobre a impressão de Dewey do México, cf. artigos do periódico New Republic, tais como Church and State in México (August 25, 1926); Mexico’s Educational Renaissance (September 22, 1926), From a Mexican Notebook (October 20, 1926), e Imperialism Is Easy (March 23, 1927). Que foram reimpressos em Boydston (Ed.) John Dewey, The Later Works, 1925-1953 (1981– 1990). Entre outras coisas, Donoso (1994) sugere que Dewey ficou impressionado pela prosperidade da Universidad Nacional, que incluía uma grande quantidade de mulheres, e pelo reitor da mesma, que estava interessado em intercâmbios de estudantes com as universidades norte-americanas. Ele chegou a chamar o esforço mexicano de fundar escolas rurais para a imensa quantidade de população analfabeta (escuelas de acción) o ponto mais brilhante do

117   Ambos educadores também concordavam que os camponeses e operários deviam ser educados na teoria assim como na prática. Portanto, quando a “pedagogia da ação” foi introduzida formalmente em 1923, chamou fortemente pelo pensamento educacional progressivo norte-americano e pela ideias de Dewey em particular. Contudo, Vasconcelos tinha uma visão negativa da educação progressiva norte-americana, considerando-a como uma aplicação de doutrinas e técnicas protestantes à educação, e portanto em seu pensamento não aplicáveis ao México católico. O pragmatismo de Dewey, na avaliação de Vasconcelos, era uma variação do positivismo que foi precisamente a filosofia oficial da ditadura de 35 anos de Porfírio Diaz, contra a qual a Revolução Mexicana tinha se levantado e contra quais princípios ele e Antonio Caso (18831946) tinham argumentado (DONOSO, 1994). O sucessor de Vasconcelos, permitiu que o SEP continuasse a seguir as tendências educacionais norte-americanas. O subsecretário de educação, Moisés Sáenz, foi um auto-proclamado seguidor de John Dewey que cursou a Columbia University. Ele ofereceu nova liderança na nova ênfase da escuela de acción. Saenz

foi

um

dos

“muitos”

educadores

mexicanos

que

freqüentaram

universidades norte-americanas e trouxeram de volta um entusiasmo pela educação progressiva. Em uma palestra na University of Chicago pouco antes da visita de Dewey ao México, Sáenz declarou: John Dewey já foi ao México. Ele foi levado lá primeiro pelos estudantes da Columbia; ele foi depois em seus livros – The School and Society é um livro bem conhecido e amado no México. E agora ele está indo lá pessoalmente. Quando John Dewey chegar ao México, ele irá encontrar suas ideias em operação em nossas escolas. Motivação, respeito pela personalidade, auto-expressão, vitalização do trabalho escolar, o método do projeto, aprender pelo fazer, democracia na educação – tudo do Dewey está lá. Não, ainda, como um fato consumado, mas certamente como uma tendência pungente. (SÁENZ, 1968, p. 289, tradução nossa)61

                                                                                                                México. Cf. Sergio Aguayo Quezada, El panteón de los mitos: Estados Unidos y el nacionalismo mexicano (1998) – que possui uma tradução para o inglês na mesma data. 61 Para outros escritos informativos sobre Sáenz, cf. Moisés Sáenz, El pueblo era la escuela e la escuela era el pueblo (1969).

118   4.1.2.4 Dewey e a Argentina De acordo com Donoso (2011), de todos os países da América Latina, a Argentina tem a história mais longa de interesse nas filosofias e práticas educacionais norte-americanas. Data desde da metade do século dezenove, quando Domingo Sarmiento (1811-1888) encontrou Horace Mann enquanto estava atuando como ministro da Argentina nos Estados Unidos. Sarmiento ficou impressionado com o trabalho de Mann na educação pública, e ficou convencido que estas escolas eram a base da prosperidade dos Estados Unidos. Ele ficou determinado em corrigir os erros educacionais da Argentina por criar um sistema de educação pública padronizada por aquela dos Estados Unidos. A sua oportunidade veio quando ele foi eleito presidente de seu país, enquanto ainda ministro nos Estados Unidos. Ele pediu para líderes educadores na América do Norte selecionar trinta professores para uma missão na Argentina. Apesar do apoio de Sarmiento, a presença desses professores não mudou muito por causa de algumas razões: o choque cultural, a resistência dos católicos ao que eles viam como a secularização da educação primária pública, e o prevalecimento das ideias educacionais européias (em um país que era e é de longe a nação mais “européia” na América Latina) (CORREAS, 1961; CAMPOBASSI, 1956, 1961) O primeiro artigo publicado na Argentina que mencionou Dewey foi por Alejandro A. Jascalevich, Tendências filosóficas en los Estados Unidos. Foi Jascalevich que em 1917 traduziu a trabalho de Dewey How we Think (1910) para D.C. Heath de Boston, a única tradução de Dewey, conhecida, feita nos Estados Unidos para o público leitor na língua espanhola. Em 1940 apareceu um breve monógrafo com o título de Líneas fundamentales de la filosofía de John Dewey por Angélica Mendoza, que tinha estudado na Columbia University por causa de um intercâmbio com a Universidad de Buenos Aires. Em 1949, Aníbal Sánchez Reulet, um argentino conectado com a divisão de filosofia, letras e ciências da União Pan Americana, teve papel crucial na publicação de um tributo em espanhol em honra ao nonagésimo aniversário de Dewey, John Dewey en su noventa años. Na década de 1950, Angélica Mendoza publicou Fuentes del pensamiento de los Estados Unidos, permitindo que estudantes de Dewey de fala espanhola o pudessem situar em seu contexto filosófico norte-americano. Isto foi

119   seguido, em 1958, por sua outra publicação, Panorama de las ideas contemporâneas en los Estados Unidos. Tributos a Dewey foram publicados na Argentina no momento de sua morte e durante o ano centenário, inclusive uma bibliografia de suas obras em espanhol compilada por Gustavo F. G. Cirigliano, presidente da Sociedade John Dewey de Buenos Aires (NASSIF, 1953; NASSIF; CIRIGLIANO, 1961). Só foi em 1939 que o primeiro trabalho de Dewey foi publicado traduzido na Argentina. Esse foi o ano que o seu tradutor, Lorenzo Luzuriaga, chegou na Argentina. Já bem conhecido nos círculos educacionais por causa de seu trabalho na Espanha, Luzuriaga continuou a editar sua Revista de Pedagogia assim como traduzir, escrever seus próprios livros e lecionar nas Universidades de Tucumán e Buenos Aires. Ele enviou uma cópia inscrita da edição de 1946 de sua Historia de educación pública para Dewey, um trabalho no qual ele chamou Dewey não somente de o educador que mais claramente representou o espírito da educação democrática dos dias atuais nos Estados Unidos, mas também de o pensador mais ilustre e defensor eminente da democracia educacional em nossa época. Até a sua morte em 1959, o centenário de seu nascimento, Luzuriaga continuou a desenvolver um papel central nos círculos educacionais no mundo hispanofalante e sempre permaneceu um admirador do trabalho de Dewey (DONOSO, 1994, 2011). 4.1.3 ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE A INFLUÊNCIA DE DEWEY NA AMÉRICA LATINA Para os educadores latino-americanos a fonte principal da influência de Dewey saiu diretamente ou indiretamente de seu contato pessoal com ele. Na Columbia University, Dewey teve a oportunidade de ensinar estudantes e professores fazendo especialização vindo de toda parte do mundo. Ele aparentemente infundiu neles o desejo de melhorar as suas respectivas sociedades através de seus sistemas escolares nacionais. Seu exemplo de interesse e respeito para seus estudantes aparentemente encorajou esses futuros professores a fazer o mesmo com seus alunos. Quando eles retornaram aos seus lares, principalmente no Chile e México, seus ex-alunos introduziram seus

120   próprios alunos às ideias e práticas de Dewey. Buenos Aires tinha até mesmo sua própria Sociedade John Dewey (DONOSO, 1994; 2011) . Mais importante ainda, Dewey comunicava sempre aos seus estudantes que as suas ideias estavam embasadas em sua próprias experiências educacionais e seriam verificáveis nas deles. Desse modo Dewey atraia aqueles educadores na América Latina que eram anti-tradicional em suas práticas educacionais, liberais em reformas político-sociais, e defensores de uma educação secular (que em muitos casos significava ser anti-clérico). Não é de se surpreender que os educadores mais tradicionais viam Dewey como uma ameaça para sua moral herdada e valores religiosos e fizeram tudo o possível para limitar a sua influência. (CAMPOBASSI, 1961) A influência, tanto na Espanha quando na América Latina, de José Ortega y Gasset (1883-1955), que estava familiarizado com os últimos trabalhos filosóficos vindos da Alemanha, propulsou a influência de Dewey para mais longe. Através das páginas da internacionalmente influente Revista de Occidente (fundada em 1923) de Ortega y Gasset, o mundo hispano-falante conhecia os trabalhos filosóficos franceses e alemães do início do século vinte, décadas antes do mundo anglo-falante (NUBIOLA, 2001). Não era o fato de que os alunos de Ortega ignorassem a Dewey; alguns inclusive percebiam paralelos entre os dois. Luzuriaga, como mencionado anterioemente, traduziu mais dos trabalhos de Dewey do que qualquer tradutor da língua hispana. Todos dos filósofos que traduziram as quatro principais obras de Dewey em filosofia geral eram, de alguma maneira, ex-alunos de Ortega. Gaos e Imáz foram seus alunos na Universidad de Madrid. Gaos foi considerado por muitos como o herdeiro filosófico de Ortega. Ramos aceitou a intuição básica de Ortega que “Eu sou eu mesmo mais minhas circunstâncias” para começar a filosofar sobre a circunstância cultural mexicana. Gaos (que tinha sido o último reitor da Universidad de Marid sob a República) e Imáz imigraram para o México onde foram acolhidos na Universidad Nacional, e conquistaram reputação lecionando (CRUZ VÉLEZ, 1983; DONOSO, 2011; NUBIOLA, 2001). O prólogo de Gaos à sua tradução de 1948 do Experience and Nature é significante e vale a pena citar, pois ela mostra o por que Gaos considerava Dewey digno de ser estudado pelos filósofos hispano-falantes. Gaos começa da seguinte maneira:

121   John Dewey não é exatamente desconhecido ao público hispano-falante. E ele não poderia ser ignorado pelo público culto de qualquer pais, não somente porque ele veio a ser [considerado] o filósofo mais representativo dos Estados Unidos, antes mesmo de qualquer uma de suas traduções aparecessem, mas porque já existem várias de suas publicações traduzidas para o espanhol. Contudo nenhuma destas são de seus trabalhos filosóficos principais. Isso significa em geral uma deficiência real para a cultura da língua espanhola, pois a completude de qualquer cultura requer que ela deva incorporar nela mesma, através de traduções [se necessário], trabalhos eminentemente representativos de grande culturas estrangeiras. Ainda mais, significa uma deficiência real na área específica da filosofia na cultura de nossa língua [espanhola]. [Pois] a confrontação mais completa possível entre filosofias sempre resulta, no mínimo, em ser instrutiva; sobre tudo, é normalmente a maneira par excellence para as filosofias alcançarem uma consciência de suas próprias limitações e para abrir para si mesmas horizontes decisivos. (GAOS, 1948, p. ix, tradução nossa)

Gaos queria que filósofos da íngua espanhola confrontassem o modo de Dewey de resolver os problemas filosóficos modernos do dualismo vs. Monismo e transcendentalismo vs. Imanentismo. Foi grande mérito de Dewey, como Gaos avaliou a sua filosofia, que Dewey não separou o cultural ou o humano do natural como o fizeram a maioria dos filósofos na América Latina. Gaos queria apresentar aos filósofos latino-americanos com uma oportunidade de considerar uma solução para os problemas modernos outra além de suas propostas. Coerentemente, ele lecionou um curso sobre Dewey (DONOSO, 2011). A influência de Dewey no mundo de fala espanhola provavelmente alcançou o seu ápice no período da II Guerra Mundial, depois do qual dois fatores contribuíram para seu declínio abrupto. Um fator foi a interpretação (errônea) de que as teorias e práticas educacionais de Dewey eram eticamente neutras, uma variação do positivismo que auxiliou as classes dominantes entregarem os recursos da América Latina nas mãos dos norte americanos e europeus sem um peso na consciência (acreditando que eles estavam sendo varridos pelas inevitáveis correntes históricas). Aliar-se a uma filosofia similar ao positivismo poderia ser visto como não patriótico. O outro fator era a imigração de intelectuais europeus em vários países em ambas, América do Norte e Latina, devido à expansão do fascismo na política. Essa imigração contribuiu grandemente para o que se tornariam as filosofias mais influentes nas Américas, desde o Canadá à Argentina e o Chile, na segunda metade do século vinte: existencialismo, fenomenologia, historicismo, perspectivismo (de Ortega), marxismo, neo-tomismo,

122   e sobre tudo, especialmente nos Estados Unidos, a análise linguística. (NUBIOLA, 2001) É um daqueles paradoxos da história que as principais obras de Dewey na filosofia estiveram disponíveis pela primeira vez para o mundo de hispano-leitores no período em que a sua influência na filosofia, tanto em nos Estados Unidos quanto fora, estava rapidamente declinando e sua vida terminando. A consequência deste declínio na influência sobre a América Latina foi que Dewey foi considerado principalmente um filósofo da educação ao invés de um filósofo que escreveu trabalhos, entre outros, sobre a a filosofia da educação. Portanto ele não é prestigiado como William James no mundo de fala espanhola (NUBIOLA, 2001) Depois da II Guerra Mundial, alunos da América Latina estudando na América do Norte e na Europa trouxeram para casa as filosofias prevalecentes que tinham estudado. Na medida que o transporte e comunicação melhoraram, esses educadores com formação-estrangeira, assim como seus colegas com formação-nativa, puderam manter-se em contato com colegas ao redor do mundo, e começaram a participar de mais e mais conferências em outros países. Alguns foram convidados para aceitar posições de docente, visitante e permanente, nas principais universidades da América do Norte e Europa. Como resultado, os filósofos latino-americanos se mantiveram em uma conversação global, como nunca antes, com seus colegas da filosofia e da filosofia da educação. Alguns até mesmo manifestaram interesse renovado no pragmatismo em geral, e em Dewey em particular. (VARGAS, 2000) Pesquisas estão acontecendo sobre a influência de Dewey no Chile, como visto no artigo de Sandra M. Boschetto-Sandoval sobre “The Pedagogical Reform of Amanda Labarca Hubertson (Chile, 1886-1975): Progressive Pragmatism Revisited”, originalmente apresentado no encontro de 1998 da Latin American Studies Association. A literatura sobre a educação cubana depois da revolução não revela qualquer influência de Dewey, contudo muitas práticas governamentais possuem um paralelo próximo com a educação inspirada em Dewey. De acordo com estudos, Fidel Castro, que dizem possuir um interesse pessoal na educação em todos os níveis, argumentou que somente sob o seu governo a promessa da educação para a eliminação da analfabetização se concretizou (promessa que fora feita pelos Estados Unidos depois da Guerra Hispano-Americana). Não há

123   nenhuma indicação na literatura que a tradução espanhola (feita em 1964) do livro de Harry K. Wells, Pragmatism: Philosophy of Imperialism, tenha sido influente. Nos quatro capítulos dedicados a Dewey, Wells o chama de apologista do imperialismo norte-americano e o acusa de ensinar a ideologia burguesa e deixar o caminho aberto para a supremacia branca e para a superioridade anglosaxônica. (CARNOY, 1990; EPSTEIN, 1987; SABINA, 2000) A crítica de Dewey ecoa a visão do filósofo mexicano José Vasconcelos, que escreveu em 1939 que a Cuba, ao adotar Dewey e seu behaviorismo para a sua educação, tinha rendido a alma de sua nação às mesmas pessoas que estavam controlando sua açúcar e manipulando a sua política. O quão diferente Vasconcelos era de Dewey pode ser visto quando as suas filosofias da educação são comparadas ponto por ponto, como Stanley d. Ivie o fez (IVIE, 1966). Resumindo, cada um foi um arauto de sua própria cultura nacional (que, como Dewey mesmo falou quando retornou do México, misturam-se tão bem quanto óleo e água): Vasconcelos para os conservadores religiosos mexicanos e Dewey para aos liberais seculares norte-americanos. As condições em mudança na América Latina (tanto políticas quanto econômica) pedem por novas ideias e práticas que não podem ser encontradas diretamente em Dewey. O que é necessário são ideias educacionais como aquelas de Paulo Freire, que hoje tem uma reputação mundial. Reconhecendo que ele foi influenciado por Dewey (KALVELAGE, 1974; BETZ, 1992), entre outros, as ideias de Freire sobre a educação de adultos são bem acolhidas na batalha da América Latina contra o analfabetismo, especialmente porque essas ideias mostram como corrigir as estruturas institucionais que contribuiem para as condições de viver desumanas. Em várias partes da América Latina, até vozes que antes identificavam-se como advogados da educação tradicional estão hoje pedindo por novas práticas educacionais. Nas palavras do Arcebispo assassinado de San Salvador, Oscar Romero, que escreveu em 1978: Nós temos que criticar o fato de que a educação, geralmente através de toda a América Latina, não corresponde às necessidades daquelas pessoas que estão buscando desenvolver a si mesmas. É uma educação que possui um conteúdo abstrato, é formal, e é um ensino mais preocupado com a transmissão do conhecimento do que em criar um espírito crítico. (ROMERO, 1984, p. 227, tradução nossa).

124   Se Dewey estivesse ainda vivo, ele provavelmente simpatizaria com esse pedido por novas ideias para novas condições, assim como ele foi concernente as condições mexicanas. Mas é virtualmente certo que ele refrearia (como o fez no México) de oferecer conselho direto, dependendo ao invés, de pessoas (como Saénz no México nas décadas de 1920 e 1930) diretamente familiares com a situação local para adaptar qualquer de suas ideias às condições locais. Isto é precisamente o que está sendo feito nos Estado Unidos por aqueles que pensam que as ideias de Dewey são ainda relevantes para as suas condições educacionais (ROBINSON, 1992; CUFFARO, 1995; FISHMAN; McCARTHY, 1998), especialmente agora que teve um declínio agudo na influência da análise lingüística, a mesma filosofia que tinha substituído o pragmatismo na segunda metade do século vinte (POPP, 1998). 4.1.4 O PRAGMATISMO, DEWEY, E O BRASIL O ponto de partida do pragmatismo no Brasil ocorreu através dos trabalhos de John Dewey. Seus trabalhos que são mais conhecidos pelos brasileiros são aqueles que lidam com temas educacionais. Por esta razão, durante a maior parte do século vinte o Pragmatismo e Dewey foram considerados sinônimos. O mesmo ocorreu em relação a Dewey e a Educação. Em efeito, é também razoável dizer que o mesma relação ao Pragmatismo e a educação. Portanto, para oferecer uma descrição significativa do pragmatismo no Brasil no século passado, é indispensável analisar a presença do filósofo americano na educação (CUNHA; GARCIA, 2011). Desde 1920 ao início da década de 1930, vários estados brasileiros procuraram modernizar o seus sistemas públicos de educação, fazendo emendas para a administração escolar e para as bases teóricas da pedagogia então vigente. As reformas estatais, como vieram a ser conhecidas, não foram coordenadas pelo governo central, e não coincidiam necessariamente entre si. Contudo, os legisladores utilizaram um terreno teórico similar pois todos procuravam inspiração em novos conceitos educacionais e filosóficos que se originaram na Europa e nos Estados Unidos. Acredita-se que estas reformas estatais introduziram a Escola Nova no Brasil (NAGLE, 2001). O que fora convencionalmente chamado de “Escola Nova” foi um movimento que consistia

125   de ideias e conquistas que foram caracterizadas por uma grande “pluralidade e confusão de doutrinas que mal foram cobertos pela denominação genérica de ‘educação nova’ ou ‘escola nova’, e que foram suscetíveis a vários significados diversos”. O termo “Escola Nova” é “vago e impreciso”, contendo “todas as formas de educação” que levaram em conta as tendências pedagógicas modernas e as necessidades das crianças (AZEVEDO, 1958, p. 179-180). Na reforma iniciada em 1927 em Rio de Janeiro (Distrito Federal), Nereu Sampaio apresentou propostas para o ensino de artes que foram claramente inspiradas nas ideias de Dewey. Contudo, parece que Sampaio fez uma “interpretação errônea” de certos aspectos das teses do filósofo norte-americano, pois a práticas que ele tinha planejado visavam oferecer representações realistas dos objetos sendo que Dewey argumentava que a arte deveria servir como um meio para a habilidade de expressão dos estudantes. (BARBOSA, 1982, p. 52, 47) O ano de 1930 fez emergir uma nova fase na vida institucional do Brasil, trazendo grandes expectativas de transformações sociais e educacionais. A então chamada Segunda República começou com um coup d’état liderado por Getúlio Vargas, que estabeleceu um governo provisório com a promessa de estabelecer os fundamentos de um moderno país industrializado no qual o povo pudesse participar nos processos de decisões, deixando de lado um país dirigido por poderosos latifundiários. Por criar imediatamente um Ministério da Educação e Saúde, Vargas alcançou as aspirações dos intelectuais que queriam uma política educacional que pudesse englobar todo o país (BOMENY, 2003; CUNHA; GARCIA, 2011). A incerteza relativa das direções políticas do Brasil assim como as expectativas de transformação social levou a uma discussão dos fundamentos teóricos da educação. Educadores que eram considerados progressistas e se chamavam Liberais, tais como Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo, e Lourenço Filho, assumiram postos de liderança na administração do sistema público de educação. Francisco Campos, que tinha liderado a reforma no estado de Minas Gerais na década de 1920, chefiava o ministério recém criado. Na primeira metade da década de 1930 foi favorável à disseminação das ideias de Dewey sobre a democracia e a educação como um meio crucial para promover um modo de vida democrático. O livro Vida e educação, de 1930, foi publicado. Consistia de uma compilação que apresentava dois artigos de Dewey

126   traduzidos para o português por Anísio Teixeira, The Child and the Curriculum e o Interest and Effort in Education62. O primeiro artigo foi publicado também no periódico Escola Nova naquele mesmo ano, e dois anos mais tarde no periódico Revista da Educação em uma nova tradução cujo autor não foi identificado. Em 1932 o periódico Educação publicou um texto intitulado “Alguns aspectos da educação moderna”, que era uma tradução de umas das conferências de Dewey que foi difundida em 1931 pela National Broadcasting Company of the United States (CUNHA, 2005)63. Anísio Teixeira, Diretor da Educação do Distrito Federal, foi um educador engajado em difundir os conceitos de Dewey (PAGNI, 2008). Além de publicar artigos em periódicos educacionais, em 1934 ele escreveu o livro Educação progressiva, que foi claramente influenciado pelas ideias de Dewey. Em 1936 a tradução do livro de Dewey Democracy and Education foi publicada. Teixeira o havia preparado com a ajuda de Godofredo Rangel, que em 1933 traduziu a primeira versão de How We Think, publicada originalmente em 1910. Nesta mesma época foi publicada uma tradução do Reconstruction in Philosophy. Fica evidente que, exceto esta última obra, todas as obras de Dewey que tinham sido publicadas no Brazil naquela época eram de interesse imediato para educadores. Os trabalhos de Dewey mencionados foram lançados pela Editora Nacional, que também publicava obras de outros autores tais como Wallon e Claparède. Vida e educação foi editado pela Editora Melhoramentos como parte de uma série dirigida por Lourenço Filho no qual livros de Kilpatrick, Ferrière, e outros foram também publicados (MONARCHA, 1997). O ambiente cultural no início da década de 1930 contribuiu para uma definição mais clara da significância teórica e política da expressão “Escola Nova”.

Tal significância foi definida por alguns educadores liberais em um

documento intitulado “A reconstrução educacional no Brasil – Ao povo e ao governo”, que veio a ser conhecida como o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova. Publicado em 1932, esse documento, que era claramente dirigido por

                                                                                                                62

Essa compilação continha um estudo introdutório com o título de “A pedagogia de Dewey”, escrito por Teixeira. 63 Esses periódicos foram publicados pela Diretoria Geral da Educação do Estado de São Paulo, que foi primeiro dirigida por Lourenço Filho e então por Fernando de Azevedo.

127   ideais democráticos, foi embasado nas ideias de vários pensadores, inclusive John Dewey (XAVIER, 2004). Em 1892, quando a primeira constituição republicana foi estabelecida, o Brasil se tornou desconectado da Igreja Católica. Daquele ponto em diante, os membros da hierarquia da Igreja e os intelectuais vinculados a ela tomaram uma série de iniciativas para reaver a influência do Catolicismo na vida política e social brasileira e, em particular, sobre a educação. Nos anos de 1920, por exemplo, os católicos começaram a editar um periódico A Ordem com a missão de difundir as ideias da Igreja e combater seus oponentes, inclusive os Liberais e os defensores das teorias educacionais de Dewey. De acordo com os católicos, os Liberais eram comunistas disfarçados; a mesma suposição feita para com Dewey. Em 1932 quando o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova foi publicado, o conflito entre Católicos e Liberais se tornou mais forte ainda pois aquele documento defendia a ideia de que todo o sistema escolar deveria ser controlado pelo estado e não pelos empreendimentos privados (CUNHA; COSTA, 2002; JAMIL CURY, 1984) Em 1935 o Partido Comunista Brasileiro se envolveu em um levante armado para tomar o poder. Pressionado pelos Católicos e pelo Exército, Getúlio Vargas criou um Comitê para a Repressão do Comunismo (LEMME, 1988, p. 231).64 Uma “caça às bruxas” começou então, perseguindo diversos indivíduos e grupos que eram considerados os inimigos do Brasil. Em 1937 Vargas introduziu uma ditadura chamada de o Estado Novo. Durante a ditadura, os Católicos, membros do exército, e outros grupos com tendências políticas conservadoras exerceram substancial influência sobre as decisões realizadas por Vargas e Gustavo Capanema, o Ministro da Educação, que conduziu ao rejeição dos lideres progressivos da Escola Nova (CUNHA, 1989; GANDINI, 1995; SCHWARTZMAN; BOMENY; COSTA, 2000). Bem no início da ditadura, Capanema estabeleceu um linha divisória entre o Estado Novo e a Escola Nova por declarar que era o papel da educação inculcar “a infância e a juventude com o espírito do novo regime político” (HORTA, 1994, p. 174), o que abertamente se opunha às posições de grande parte dos Liberais. Uma “grande parte” e não                                                                                                                 64

De acordo com Cunha (2011) os lideres do Partido Comunista Brasileiro negaram a natureza “comunista” do levante de 1935.

128   “todos” dos Liberais, pois alguns intelectuais, considerados progressivos então, aceitaram as ideias do Estado Novo. Por exemplo, em 1938 Lourenço Filho, que assinou o Manifesto dos Pioneiros, se tornou o primeiro diretor do Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (INEP), um corpo criado pelo Ministério da Educação com o propósito de desenvolver pesquisa e organizar documentos relacionados ao ensino. Junto com Azevedo Amaral e Francisco Campos, que, como mencionado anteriormente, liderou a reforma no estado de Minas Gerais, Lourenço Filho ajudou a organizar as diretrizes pedagógicos do Estado Novo (CUNHA, 1989, p. 148).65 Em 1935 quando Vargas deu início a caça as bruxas, Anísio Teixeira renunciou ao cargo de Diretor de Ensino do Distrito Federal. Um de seus coautores, Paschoal Lemme, que na realidade acolheu as ideias comunistas, foi preso. A publicação da tradução de Democacy and Education em 1936 pode ser considerada como a última manifestação pública das ideias de Dewey no Brasil até o fim do Estado Novo em 1945. Com o fim da ditadura de Vargas, foi possível reviver o espírito renovador que estava no auge desde a década de 1920 até a metade de 1930, isto é, o espírito democrático da Escola Nova expresso no Manifesto. Em 1952 Anísio Teixeira assumiu a liderança do INEP, cujas atividades davam prioridade para a pesquisa científica sobre os problemas educacionais brasileiros. Na metade de 1950 Teixeira estabeleceu o Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE), que visava reunir aquelas investigações e promover discussões que conduzissem à transformação das escolas (CUNHA, 1991; XAVIER, 1999). Neste momento, que pode ser chamado de o segundo período da Escola Nova, foi possível reviver o espírito das ideias de Dewey. Em 1952, a Editora Nacional publicou uma tradução da nova versão de How we Think (publicada em 1933), realizada por Haydée de Camargo Campos. Em celebração ao centenário do nascimento de Dewey em 1959, o INEP lançou uma nova tradução do Reconstruction in Philosophy por António Pinto de Carvalho e revisado por Teixeira, e republicou a Vida e educação e as traduções de Democracy and Education e How we Think. Em 1959, Gilberto Freyre e Anísio Teixeira foram                                                                                                                 65

Cf. Manuel Bergstrom Lourenço Filho. Tendências da educação brasileira. São Paulo: Melhoramentos, 1940.

129   convidados pela Columbia University pra formar um comitê responsável para organizar cerimônias para celebrar o aniversário. No Brasil, contudo, as celebrações não forma muito impressionantes. Alguns educadores avaliaram esse fato como uma evidência de que as forças “neo-conservadoras” pretendiam “enterrar o experimentalismo de Dewey” (ABREU, 1960, p. 8). Essa avaliação sugere que o ambiente político brasileiro não era totalmente favorável ao modo de vida democrático promovido por Dewey e seus seguidores – uma impressão, como veremos, que não era apurada. O reaparecimento de Dewey no cenário intelectual brasileiro ocorreu em 1944, quando o periódico oficial do INEP intitulado Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, conhecida pelo acrônimo RBEP, publicou em sua segunda edição o artigo de Lourenço Filho “Modalidades de educação geral”. Neste texto o nome de Dewey aparece entre aspas, ilustrando a ideia de que o objetivo de socializar a criança poderia ser alcançado pelo meio de reconstruir a experiência do pupilo, como fora estabelecido por Durkheim. A RBEP foi criada em 1944 como um dos últimos atos do Ministério da Educação durante o Estado Novo. A sua missão era “exercer influência na informação sobre as concepções de educação brasileira” (ROTHEN, 2005, p. 190). Com o fim da ditadura, contudo, se tornou um dos mais importantes meios de difundir as ideias educacionais renovadoras. Hoje nos oferece um espaço importante para ampliar os estudos acadêmicos e científicos , assim como para debater sobre a educação no Brasil. (LOURENÇO FILHO, 1964; AZEVEDO, 1964; VIDAL; CAMARGO, 1992; GANDINI, 1995; DANTAS, 2003). De 1944 à 1974 a RBEP publicou 121 textos que fizeram referências ao filósofo americano. Se excluirmos desta avaliação os textos menos importantes, tais como listas de trabalhos publicados e artigos nos quais Dewey é mencionado somente brevemente para ilustrar ou exemplificar algum tópico, o número se reduz à cinqüenta e quatro textos. Nestes textos as ideias de Dewey possuem um papel relevante, quer como o tema principal ou como uma referência essencial para o desenvolvimento do tema principal. Neste conjunto de cinqüenta e quatro textos, trinta e nove tem os seus assuntos de tema central vinculado a educação e quinze especificamente a filosofia (CUNHA; GARCIA, 2011). Um exemplo de um texto sobre educação o artigo de 1956 intitulado “O processo democrático de educação”, no qual Anísio Teixeira se apóia e Dewey para declarar que é através da educação que alguém aprende o modo de vida

130   democrático. Um exemplo de um texto sobre filosofia é o trabalho de 1960 com o título “John Dewey: uma filosofia da experiência”, no qual Newton Sacupira considera o conceito da experiência como a chave para entender as ideias de Dewey. Em 1960, a RBEP publicou resenhas de dois trabalhos de Dewey que foram traduzidos para o português: Beatriz Osório escreveu sobre Democracy and Education e Luis Washington Vita resenhou o Reconstruction in Philosophy (CUNHA; GARCIA, 2011). Uma nova brecha na vida institucional brasileira ocorreu em 1964. Um golpe de estado dirigido por membros do exército fez emergir uma ditadura que estaria no poder pelos próximos vinte anos. Uma consequência imediata desse evento foi o recomeço da “caça às bruxas”. Anísio Teixeira foi para o exílio nos Estados Unidos, onde ele ocupou a posição de professor visitante nas universidades de New York e California. Apesar disso, a publicação de textos que referiam a Dewey na RBEP não se interromperam imediatamente. Do início da ditadura até 1974, trinta e três textos forma publicados no qual o filósofo americano foi citado. Deste total, vinte e seis somente mencionaram o seu nome e sete apresentaram e discutiram as suas ideias. Em dois destes o tema central era a filosofia, e em cinco o foco estava sobre a educação. Neste conjunto de textos pós-1964 é interessante apontar para uma resenha do Vida e educação escrito por Lourenço Filho em 1966. Três textos em homenagem a Anísio Teixeira também merecem atenção especial. O primeiro, publicado em 1970, faz referência ao seu aniversário de setenta anos; os outros dois, publicados em 1971, representam uma homenagem póstuma pois Teixeira tinha falecido um ano antes.66(CUNHA, 2005; CUNHA; GARCIA, 2011). A publicação dos trabalhos de Dewey começaram novamente em 1970 com a edição do Liberalismo, liberdade e cultura, que continha os ensaios Liberalism and Social Action e Freedom and Culture. Anísio Teixeira foi responsável pela tradução dos textos e organização do volume. No ano seguinte, a Editora Nacional lançou a tradução de Experience and Education, também pelo Teixeira. Levando em consideração todos os textos de Dewey que foram publicados no Brasil até aquele ano, Liberalismo, liberadade, e cultura, ocupa                                                                                                                 66

O corpo de Teixeira foi encontrado em um poço do elevador. Na época se suspeitou de um crime político, contudo nunca foi confirmado.

131   uma posição relevante por duas razões. Primeiro, junto com a Reconstruction in Philosophy, constitui uma exceção pois os ensaios apresentados na coletânea não se referem a tópicos diretamente relacionados a educação. Segundo, no momento da publicação o Brasil estava experienciando a fase mais difícil da ditadura militar, e os textos de Dewey, publicados nesta coletânea, Liberalism and Social Action e Freedom and Culture estão marcados por um engajamento político forte. O Experience and Education foi o último livro de Dewey publicado no Brasil durante o restante do século vinte, até mesmo depois da ditadura militar (CUNHA, 2005; CUNHA; GARCIA, 2011). A última aparição de Dewey no cenário intelectual brasileiro do século vinte ocorreu na coleção Os Pensadores, uma série de livros no qual cada volume consiste obras ou parte de obras de um ou mais autores. (CUNHA; GARCIA, 2011) A primeira edição da coleção, um volume dedicado a Dewey publicado em 1974, consistia dos capítulos um e cinco do Experience and Nature, capítulos seis e oito do Logic: The Theory of Inquiry, e capítulo três do Art and Experiênce, todos traduzidos por Murilo Otávio Rodrigues Paes Leme. O mesmo volume incluía traduções de capítulos tomados de obras de William James e Thorstein Veblen. Seis anos mais tarde, na segunda edição, um volume inteiro foi dedicado a Dewey. Uma versão integral de Vida e educação, inclusive o estudo introdutório escrito por Anísio Teixeira assim como a tradução de Theory of Moral Life por Leônidas de Carvalho, foram adicionados aos textos da primeira edição. Pablo Rubén Mariconda, professor de filosofia da Universidade de São Paulo, escreveu a introdução para o volume. A presença de Dewey nessa coleção sugere que estava ocorrendo uma ampliação de um público interessado nas ideias do filósofo americano. (CUNHA; GARCIA, 2011) Nos anos de 1970 a educação no Brasil foi fortemente influenciada pelas teorias derivadas da administração de negócios (NÉRICI, 1973). Discussões sobre os objetivos da educação perderam o terreno para a implementação de inovações tecnológicas, que, de acordo com o que se acreditava na época, realizaria os objetivos estabelecidos pelos governantes militares. Por outro lado, nos anos de 1980 os movimentos que se opunham a ditadura começaram a se expressar publicamente, o que tornou o desenvolvimento das teorizações marxistas na educação possível (SAVIANI, 1991). Não havia lugar para Dewey

132   em nenhuma destas escolas de pensamento. A primeira foi anunciada como uma substituta para a Escola Nova pois era capaz de realizar as inovações que os pioneiros não foram capazes de introduzir. A segunda colocava a Escola Nova e as ideias de Dewey na lista das formulações idealistas burguesas, o que desencorajou estudos acadêmicos sobre tais assuntos. Nos anos de 1980, contudo, mesmo em meio a tais condições adversas, foi realizada algumas pesquisas sobre a Escola Nova e sobre Dewey. Por exemplo, em 1982 Ana Mae Barbosa publicou um livro sobre a influência das ideias de Dewey sobre o ensino da arte de 1927 à 1935, a era dourada da Escola Nova (BARBOSA, 1982). Em 1984, a ditadura militar que começara em 1964 finalmente acabou. As teorias educacionais baseadas na administração de negócios naquele ano começou a perder o seu espaço. As teorizações marxistas educacionais, por outro lado, passaram a sofrer as conseqüências do impacto sofrido pelo marxismo no mundo inteiro (CUNHA; COSTA, 2002). Por estas razoes ou por outras, os temas da Escola Nova e Dewey, que tinham sido deixados de lado, reapareceram no periódico do INEP em 1984 com a publicação do “O Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova e suas repercussões na realidade da educacional brasileira” por Paschoal Lemme. (XAVIER, 2004) De 1984 a 2000 a RBEP publicou vinte e cinco textos que mencionaram Dewey. Entre estes, um texto de 1999 de Anísio Teixeira intitulado “A escola pública, universal e gratuita”, que tinha sido previamente publicado em 1956, foi reimpresso. Um dos últimos artigos daquele período foi escrito por Roselane Fátima Campos e Eneida Oto Shiroma, que lidava com a influência da Escola Nova sobre a educação contemporânea e analisava as ideias de Dewey sobre o relacionamento entre vida e educação, o caráter pragmático e funcional do processo educacional, e o valor da experiência democrática. (CUNHA; GARCIA, 2011) É inegável que temas educacionais ocupem uma posição de grande relevância no pensamento de Dewey, mas é também inegável que todos os pensamentos de Dewey sobre a educação foram desenvolvidos à luz da filosofia, ou melhor, à luz da necessidade de se reconstruir a filosofia no mundo contemporâneo. As formulações estritamente pedagógicas de Dewey são parte de uma discussão mais ampla sobre a democracia como um modo de vida e sobre os obstáculos que obstruem este propósito. As ideias de Dewey claramente

133   ocupam uma posição sem paralelos no interior do pragmatismo, mas também é evidente que as ideias de Dewey são melhores entendidas quando postas no domínio das produções dos outros filósofos pragmatistas, tanto aqueles do passado quanto os do presente. Antes de qualquer coisa, o pragmatismo é um método, como declarado por James – “um método de resolver disputas metafísicas que de outro modo poderiam ser intermináveis” (JAMES, 1987a, p. 506, tradução nossa) – e métodos são criações coletivas. Dewey foi um autor que esteve diretamente envolvido na educação durante grande parte do século vinte no Brasil. É interessante observar, que desde as últimas décadas daquele século, filósofos brasileiros tem voltado a sua atenção para Dewey. Inclusive, a filosofia e educação tem sido áreas com uma relação bem próxima por que filósofos tem começado a lidar com temas educacionais e por que educadores tem compreendido que a filosofia é indispensável para a educação. Esse intercambio tem feito surgir trabalhos que expressam uma nova, rica e dinâmica situação. Obras específicas da filosofia de Dewey tem aparecido, como o livro John Dewey: filosofia e experiência democrática da Maria Nazaré C. P. Amaral, publicado em 1999. Além disso há trabalhos conjuntamente analisam os conceitos filosóficos e educacionais de Dewey, tais como Entre o indivíduo e a sociedade: um estudo da filosofia da educação de John Dewey de Carlos O. F. Moreira em 2002. Artigos sobre Dewey aparecem lado a lado com textos sobre outros pensadores contemporâneos como Deleuze e Wittgenstein, como pode ser visto no livro de 1999 O que é filosofia da educação?, editado por Paulo Ghiraldelli Jr. Ainda mais, o pragmatismo – e não somente o Pragmatismo de Dewey – tem sido estudado por grupos de pesquisa que se dedicam às ciências humanas. Um exemplo é A questão da verdade: da metafísica moderna ao Pragmatismo, editado em 2006 por Vera Vidal e Susana de Castro. Os livros Epistemologia da aprendizagem e Oposições filosóficas por Luiz Henrique de Araújo Dutra, publicado em 2000 e 2005 respectivamente, também pertencem a esta categoria. Essas publicações indicam um levantar de uma nova geração de educadores-filósofos e filósofos-educadores, consistindo de um universo de professores cujos cursos preparam professores de vários níveis de ensino.

134   4.2 Rumores do Sul ecoando nas terras do Norte 4.2.1 JOSÉ INGENIEROS E RALPH W. EMERSON: “DISTANTES, MAS VIZINHOS” Para melhor compreender e apreciar José Ingenieros e sua filosofia moral, nós precisamos entender sua profunda admiração por Emerson. Por mais de cem anos, afirma Gomez (2008), essa conexão peculiar tem escondido um liame entre a filosofia Latino-Americana e o Pragmatismo Americano. As similaridades entre Emerson e Ingenieros não são mera coincidência. Há grande evidência da influência que um teve sobre o outro. Cada um desses homens é um forte proponente das filosofias similares que eles representam, apesar de serem de partes diferente do mundo, Emerson de Boston, Massachussetts, e Ingenieros de Buenos Aires, Argentina. O que torna a influência de Emerson sobre Ingenieros peculiar e digna de explorar é que ela aconteceu através de muitas barreiras, principalmente aquelas da cultura, da política e obviamente, da linguagem. Os trabalhos do filósofo José Ingenieros se limitaram ao espanhol porque poucos se lançaram à tarefa de traduzir seus trabalhos do espanhol ao inglês (GOMEZ, 2008). José Ingenieros nasceu em 24 de abril de 1877. Ele morreu ainda jovem em 1925. Sua vida foi curta, mas serviu como exemplo de sua filosofia da mudança constante e do idealismo na medida em que ele afetou muitos com suas obras e ativismo político (CASTELLANOS, 1972). Ingenieros é conhecido por muitos como um dos maiores escritores já produzidos no continente latino americano. Em sua vida, Ingenieros trabalhou como um médico, psicólogo, crítico de artes, criminologista, farmacêutico, jornalista, historiador, sociólogo, filósofo científico, editor, publicitário, educador, e moralista, entre outros.67 De acordo com Héctor Agostini (1975), a filosofia de Ingenieros foi fortemente

influenciada

pela

evolução

biológica,

umas

das

formas

de

desenvolvimento mais complexas e gerais. Como os filósofos americanos                                                                                                                 67

As obras mais importantes de Ingenieros são El hombre medíocre (1963), Hacia una moral sin dogmas (1947), e Las fuerzas Morales (1950). Outras fontes úteis sobre José Ingenieros são Sergio Bagu, La vida exemplar de José Ingenieros (1963), Gregorio Berman, José Ingenieros: el civilizador, el filosofo, el moralista (1926), e Juan Mario Castellanos, Pensamiento revolucionario de José Ingenieros (1972).

135   clássicos, Ingenieros foi inspirada pela noções de evolução, processo, e experiência que estão implícitas no darwinismo. Especificamente, o propósito filosófico de Ingenieros era o de inspirar indivíduos a alcançar o seu potencial e evitar a mediocridade. Em sua obra principal, El hombre medíocre, ele apresenta sua filosofia do idealismo moral que era fundamentada na experiência como uma base legítima para todas hipóteses e como um terreno para todo perfeccionismo. Ingenieros concebia a evolução humana como a luta humana continua de adaptar-se a natureza, que em si mesma está constantemente evoluindo. A principal característica do idealismo é que está conectado à imaginação, criatividade, e perfeição. A principal característica dos idealistas é que eles são revoltados, passionais, e indispostos a acomodar-se à mediocridade. Manuela Gomez (2008) afirma que todos os escritos filosóficos de Ingenieros possuem neles uma deixa da filosofia de Emerson. Em 1916, Ingenieros viajou para os Estados Unidos por causa de seu grande interesse em Emerson. Ele obteve alguns dos escritos de Emerson e foi inspirado três anos depois a escrever Hacia una moral sin dogmas na qual ele extensivamente apresenta Emerson como um exemplo a ser seguido. Poucos filósofos podem apresentar as suas teorias morais e então apontar para um indivíduo em particular e declarar que a vida deste serve como modelo para a sua filosofia. Ingenieros profundamente admirava a vida de Emerson, não somente as suas ideias. Ele dedicou a maior parte dos capítulos em Hacia una moral sin dogmas para louvar Emerson como um ser humano, mas também como um moralista. Ingenieros decalra que Ralph Waldo Emerson foi um dos moralistas mais intensos do século dezenove. De acordo como Ingenieros (1947), Emerson pertencia à família representativos homens idealistas no sentido mais rigoroso do conceito; ele também acreditava que não era possível apreciar Emerson sem conhecer o seu contexto social e religioso. Ingenieros admirava Emerson porque, apesar de seu background religioso, ele foi capaz de viver uma vida guiada pelo desenrolar da experiência moral ao invés de um dogmatismo religioso. Para Ingenieros, Emerson representava o exemplo de homem que acreditava em Deus mas que não era necessariamente dogmático. Para Ingenieros (1947), a mensagem explícita de Emerson é que a despeito das pressões da religião é possível ser um pensador independente e viver uma vida autêntica. Esta é a razão pela qual

136   Ingenieros afirma que Emerson não é reconhecido na história da religião como ele é reconhecido na história do pensamento ético. Emerson não foi perfeito aos olhos de Ingenieros, mas ele foi um homem idealista que conseguiu capturar em sua vida diária a essência da filosofia de Ingenieros da revisão constante dos dogmas. Tanto Emerson quanto Ingenieros, enfatizavam a importância da experiência (BAGÚ, 1963). Ingenieros advoga um tipo de progresso moral, ou o que outros interpretaram como uma evolução da moralidade. Além disso, Ingenieros acredita que deveríamos ser guiados pela experiência, que esta é sempre o ponto de partida; deveria ser a base das teorias da moral. Ver, tocar, respirar, falar, socializar tudo isso possui mais poder para ele como experiências do que apreensões intelectuais da verdade das ideias (AGOSTI, 1975). Ele também compartilhou com Emerson, sugere Gomez (2008), a importância de ser experimental na vida e evitar o dogmatismo, o que resulta em uma paralisação das ideias que nunca muda. Nas primeiras linhas de seu livro El hombre medíocre, Ingenieros declara que seus escritos são só para os homens que olham para as estrelas, ávidos pela perfeição, e que os idealistas são aqueles que se rebelam contra a mediocridade porque eles são influenciados pelo mistérios dos ideias: Quando você direciona sua proa visionária em direção à estrela e estende suas asas para tal excelência inalcançável, inclinado na perfeição e rebelado contra a mediocridade, você carrega em você a primavera misteriosa de um Ideal. É uma centelha sagrada, capaz de lhe afinar para grande ações. Guarde-a; se você a permitir apagar-se ela nunca mais reacenderá. (INGENIEROS, 1963, p. 5, tradução nossa)

Em alguns de seus escritos Emerson menciona que quando era jovem, ele costumava contemplar as estrelas com um modo de redescoberta noturna do eterno – fazendo cada experiência nova. Emerson compartilha com Ingenieros que a ideia de solitude é o melhor caminho para alcançar inspiração para ideais: Para entrar na solitude, um homem precisa retirar-se tanto de seus aposentos quanto da sociedade. Eu não estou solitário enquanto eu leio e escrevo, ainda que ninguém esteja comigo. Mas se um homem estiver sozinho, deixe-o olhar para as estrelas. Os raios que vêm daqueles mundos celestiais irão separar entre ele e o que ele faz (EMERSON, 1849, p. 5, tradução nossa)

137   Em ambas as escritas percebemos um senso de idealismo. Ambos autores vislumbram um mundo com o potencial de ser melhorado por homens armados com imaginação e originalidade. Para Emerson e Ingenieros, o maior óbice para a perfeição moral é a mediocridade. Para eles, a mediocridade está relacionada à rotina. Homens que tenham medo da mudança e dependem dos dogmas para os guiar em como viver tendem a ser medíocres e são os maiores inimigos da perfeição. Ingenieros, explica Castellano (1972), costumava dar exemplos de homens não medíocres como filósofos e artistas. Por muitas vezes menciona Emerson como um exemplo, um homem que usou a sua vida para inspirar outros. A famosa citação de Emerson: “Não vá para onde um caminho possa levá-lo. Em vez disso, vá para onde não existe caminho nenhum e deixe sua trilha” (apud MENDIETA, 2011, p. 98, tradução nossa) incorpora essa abordagem. Ambos autores encorajam homens a liderarem pelo exemplo, a serem o primeiro e o melhor no que fazem. Advogam a autenticidade do self e encorajam uma vida honesta e modesta. Ingenieros declara que entender a vida, doutrinas, e ações sociais de Emerson nos permitiria entender que a moralidade humana pode espandir-se sem a orientação de um dogma; além disso, que a subordinação da moralidade aos dogmas é um óbice que tende complicar o desenrolar livre de nossa experiência moral (BERMAN, 1926). Gomez (2011) argumenta que o perfeccionismo moral advogado

por

Ingenieros e Emerson difere das versões contemporâneas de perfeccionismo pois ambos promovem a individualidade. Ou seja, este tipo de perfeccionismo não necessita ser aplicado pelo governo sobre os indivíduos; ao contrário, eles advogam que deveria ser aplicado pelos indivíduos em seus ambientes sociais. Ingenieros tinha uma abordagem pragmática da ética no sentido em que ele reconhecia que os homens precisam da moralidade como uma ferramenta para viver em sociedade. Ele argumentou que a vida em sociedade demanda a aceitação individual do dever, obrigação social, e o cumprimento coletivo da justiça. As éticas de Ingenieros e Emerson são muito similares. Devido à falta de qualquer filosofia sistemática e arquitetônica, a ética de ambos são uma antítese

138   à ética de Spinoza. De uma maneira positiva, as suas éticas carecem de uma estrutura e um sistema (BERMAN, 1926). Diferente dos tipos de perfeccionismos que são fundados em conceitos específicos de bem e natureza humana, o projeto do Ingenieros, explica Gomez (2008) é um desenrolar infindável de perfeccionismo indefinido. Não há, em última instância, uma forma única e absoluta de perfeição para Ingenieros, pois tudo está sempre evoluindo e o perfeccionismo é definido em termos de experiência. Ambos, Ingenieros e Emerson advogam uma moralidade em formação continua, cada vez melhorada e melhor adaptada a natureza. Emerson declara que ninguém poderia se sentir virtuoso como resultado de seguir dogmas e mentiras. Apesar das similaridades entre Ingenieros e Emerson, como descrevemos acima, é importante reconhecer que Ingenieros não é uma mera sombra de Emerson, desde que por sua própria conta ele revolucionou muitos aspectos da Filosofia Latino-Americana e introduziu várias ideias originais no discurso filosófico (CASTELLANOS, 1972). Ingenieros escreveu El hombre medíocre em 1913, e quase um século depois as questões que ele levantou são ainda atuais e a maioria de suas questões permanecem não respondidas. Contudo, ele oferece uma resposta para a pergunta “Como os homens devem viver?”. A resposta para Ingenieros é simplesmente “não viver na mediocridade”. Ainda que ele não ofereça um guia estruturado de regras especificas sobre como evitar a mediocridade, ele encoraja os homens a objetivar a excelência com a ajuda do idealismo, não como uma fórmula permanente, mas como uma hipótese perfectível. Entretanto, as similaridades são mais importantes do que as diferenças entre estes dois autores. Em sua crença no idealismo como uma ferramenta para mudar o mundo. Ambos acreditavam na força do espírito humano. Desde lados diferentes do mundo, e sem ter-se encontrado, ele estavam de acordo que a humanidade precisava evitar a mediocridade e que ela possuía poder e capacidade para transformar-se. Estudar as conexões entre as filosofias deste dois grande autores certamente é essencial para uma ponte entre o Pragmatismo Americano e a Filosofia Latino-Americana.

139   4.2.2 PEDRO ZULEN E O PRAGMATISMO NO PERU No final do século dezenove, logo após o fim da Guerra do Pacífico (18791883) que confrontou os peruanos, bolivianos e chilenos, uma geração de filósofos emergiu no Peru interessados no positivismo. Eles não foram grandemente influenciados pela primeira geração de positivistas europeus como Comte,

mas

principalmente

pela

segunda

geração,

especialmente

pelo

evolucionismo de Herbert Spencer. Esta foi a primeira vez que o Peru produziu um grupo de filósofos que compartilhassem um interesse autêntico em desenvolver perspectivas originais sobre questões filosóficas contemporâneas, até mesmo aplicá-las às características históricas e sociológicas do Peru. É verdade que na época colonial já haviam filósofos peruanos que fizeram contribuições originais para a lógica e a metafísica, tais como Juan de Espinosa Medrano (1629-1688), conhecido como el lunarejo, José de Acosta (1539-1600), e Isidoro de Celis, que morreu em 1787. Todos os três eram clérigos Católicos Romanos, mas também eram filósofos que se preocupavam com o pensamento sobre problemas filosóficos de um modo particular. Contudo, eles foram “casos isolados” de filósofos originais em uma sociedade tal como o Virreinato do Peru na qual a vida intelectual era devota principalmente para expandir tanto as ideologias

espanholas

políticas

quanto

as

religiosas

(QUINTANILLA;

ESCAJADILLO; OROZCO, 2009). A emergência no final do século dezenove de um grande grupo de intelectuais interessados em discutir questões filosóficas de uma maneira nova foi portanto um evento importante. Quintanilla (2011) explica que essa geração que envolveu-se com o positivismo incluiu Manuel González Prada (1848-1918), Alejandro Deustua (1849-1945), Jorge Polar (1856-1932), Mariano H. Cornejo (1866-1942), Carlos Lisson (1868-1947), Javier Prado (1871-1921), e Manuel Vicente Villarán (1873-1918). É interessante que a primeira geração consolidada de filósofos peruanos apareceu no fim de uma trágica e devastadora guerra, similar a época da Guerra Civil dos Estados Unidos e a origem do Pragmatismo. No caso do Peru, a promessa positivista da ordem e progresso foi a principal razão que estes intelectuais a acolheram (QUINTANILLA; ESCAJADILLO; OROZCO, 2009). Assim como muitos filósofos Latino-Americanos deste período, os filósofos peruanos acreditavam que o positivismo era a chave para o progresso

140   científico e tecnológico de um lado, e para uma organização mais racional da vida política nacional de outro lado. Eles também pensavam que o positivismo era o caminho para eliminar as falhas inerentes ao sistema colonial espanhol de tal maneira que a conclusão natural do positivismo era a independência intelectual da Espanha. Os principais aspectos do positivismo que eles apreciavam eram a sua rejeição da metafísica, o desenvolvimento da ciência e a tecnologia, e a idéia da progressão teleológica na história que culminava em uma sociedade organizada racionalmente e cientificamente (ZEA, 1980). Essas visões, contudo, não sobreviveram. No início do século vinte a maioria destes filósofos abandonaram o positivismo e acolheram perspectivas que implicavam a separação da mesma. A perspectiva mais popular foi o Espiritualismo Francês, especialmente aquele do Henri Bérgson, mas também o Pragmatismo Americano. O “Espiritualismo” era um termo geral, pouco usado hoje, que se referia à um grupo de filósofos franceses liderados por Main de Biran e Bergson, que afirmavam a existência de um aspecto espiritual criativo nos seres humanos que não poderia ser reduzido à realidades físicas. Eles rejeitavam o determinismo histórico do positivismo e privilegiavam o livre-arbítrio humano. Esse grupo de filósofos foi liderado principalmente por Alejandro Deustua (18491945) e Mariano ibérico (1892-1974); outros intelectuais que foram considerados espiritualistas incluíam Ricardo Dulanto, Humberto Borja García, e Juan Francisco Elguera. Os membros da generacíon arielista, também conhecidos como a generacíon del novecientos, também eram considerados espiritualistas, e incluíam José de la Riva-Agüero, os irmãos García Calderón, Ventura e Francisco, Felipe Barreda y Laos, o cientista Hermilio Valdizán, e os irmãos MiróQuesada. Alguns destes também eram familiares com o pragmatismo (QUINTANILLA; ESCAJADILLO; OROZCO, 2009). No início do século vinte, a influência do Pragmatismo no Peru tinha duas fontes diferentes: Bérgson e William James, e os escritos de Pedro Zulen sobre as origens do Pragmatismo e o neorealismo americano. É de fato conhecido que Bergson e William James compartilhavam importantes perspectivas filosóficas (QUINTANILLA; ESCAJADILLO; OROZCO, 2009). Cada um tentou superar a concepção internalizada de mente cartesiana demonstrando a origem e natureza intersubjetiva da subjetividade assim como a sua natureza prática. Ambos filósofos estavam preocupados com o livre-arbítrio e o determinismo como um dos

141   problemas centrais da filosofia, como também tinham uma concepção antiintelectualista da filosofia que privilegiava a ação e a transformação acima da mera contemplação. Entretanto, ainda que a suas visões eram similares em muitos aspectos, essas visões foram desenvolvidas de um modo paralelo sem o reconhecimento mútuo até que começaram a se influenciar diretamente. O artigo Essai sur les données immédiates de la conscience, de Bergson, foi publicado em 1889 (BERGSON, 1889). A The Principles of Psychology, de James, apareceu um ano depois, 1890 (JAMES, 1950). Bergson já estava familiarizado com alguns dos escritos de James sobre a psicoloiga, como os artigos The Feeling of Effort, de 1880, e o What is an Emotion?, de 1884 (PERRY, 1996), mas foi somente após 1902 que as suas influências intelectuais se tornaram mútuas. Em 14 dezembro, daquele ano, James escreveu à Bergson, o informando que ele tinha lido e apreciado seu Essai e inclusive lhe enviou um presente, seu Varieties of Religious Experience (JAMES, 1920). Em 1911, Bergson escreveu a introdução para a tradução em francês do Pragmatism de James. Inclusive, Bergson e James frequentemente trocavam longas cartas. Portanto, quando os filósofos em Peru começaram a ler Bergson no início do século vinte, liderados por Alejandro Deustua,

eles

também

estavam

sendo

influenciados

pelo

pragmatismo

(QUINTANILLA, 2011) . Na virada do século os filósofos peruanos mudaram de Comte e Spencer à Bergson, James, e Nietzsche. Esses três filósofos compartilhavam um interesse em superar o positivismo e o cientismo, ainda que os mesmos forma influenciados pela teoria da evolução de Darwin. Eles radicalmente rejeitavam a concepção representacional da verdade que pode ser encontrada na filosofia moderna, e promoveram uma concepção de conhecimento e de verdade pluralística. Eles acreditavam que conhecer algo não era representá-lo acuradamente, mas interpretá-lo e descrevê-lo de diferentes maneiras de acordo com o tipo de objetivos e projetos de vida que se possua. Um bom exemplo de como o Pragmatismo influenciou os filósofos peruanos, por meio de Bergson, é esta citação do El nuevo absoluto, de Mariano Ibérico: “Bergson provou que a atividade intelectual é essencialmente utilitarista e voltada para a prática” (IBERICO, 1926, p. 14). Iberico se interessa por questões da estética e da filosofia da religião que foram influenciadas por Bergson e James (IBERICO, 1920, 1926, 1932, 1950, 1965). Os filósofos peruanos também experimentaram

142   influência pragmatista diretamente de William James. Ele foi lido e comentado por Javier Prado, Mariano Iberico, Jorge Polar, e Víctor Andrés Belaúnde. Por exemplo, quando Jorge Polar leu The Varieties of Religious Experience, ele ficou impressionado com o pluralismo não-redutivo de James. O próprio Polar citou isso em seu livro autobiográfico Confesión de um catedrático, de 1925, escrito próximo do fim de sua vida em 1932 (POLAR, 1928, p. 102-104). A segunda fonte da influência do Pragmatismo no Peru no início do século vinte foi Pedro Zulen (1889-1925), o filho de um imigrante chinês de Canton e uma mulher peruana “criolla”. Graças a uma bolsa de estudos oferecida pelo governo peruano Zulen estudou em Harvard de 1920 à 1922, familiarizando-se com Josiah Royce, Peirce, e James. Zulen retornou a Lima porque contraiu tuberculose, a doença que o levou a morte em 1924, mas também porque ele era profundamente compromissado com o ativismo político em defesa dos indígenas. Em 1908 ele participou na criação do Patronato Pro Indígena, e em 1909 na criação da Associacíon Pro Indígena. Ele publicou vários artigos e dois livros. O primeiro livro foi La filosofia de lo inexpresable, com o subtítulo Bosquejo de una interpretación y una crítica de la filosofia de Bergson (ZULEN, 1920). O livro apresentava a perspectiva bergsoniana da linguagem e do conhecimento. O segundo livro foi intitulado Del neohegelianismo al neorealismo, com o subtítulo Estudio de las corrientes filosóficas en Inglaterra y los Estados Unidos desde la introduccíon de Hegel hasta la actual reacción neorrealista (ZULEN, 1924). Esse livro discutia uma evolução filosófica que tornou o movimento do Pragmatismo e do neorealismo possíveis na Inglaterra e nos Estados Unidos. Contudo, bem antes de sua viajem à Harvard em 1909, Zulen publicou um artigo no qual ele manteve uma noção de verdade que se aproxima muito da noção peirciana (ZULEN, 1909a)68. Esse artigo já mostra a influência de Peirce em Zulen. Este último acredita que é necessário superar a noção de verdades conclusivas e definitivas para ver a verdade como um processo de continuamente aproximar-se da realidade através de sucesso prático de nossas hipóteses. Dessa maneira, Zulen tenta superar tanto o positivismo, que ele considera falido, quanto o espiritualismo, que ele considera ser um lindo sonho mas nada mais que isso                                                                                                                 68

O Periódico Contemporâneos durou somente alguns volumes e foi publicado em Lima por Enrique Bustamente y Ballivián e Julio Alonso Hernández.

143   (ZULEN, 1909b). O autor peruano considera abandonar a ideia de um conhecimento absoluto necessária, pois, segundo ele, é preferível ver a filosofia e a ciência como compartilhando meios e fins, trabalhando juntas e tendo um lento progresso, sem tentarem ser conclusivas. Esta e outras ideias sustentadas por Zulen expressam claramente visões falibilistas de Peirce, assim como uma versão de realismo direto. Quintanilla, Escajadillo e Orozco (2009) esclarecem que o realismo direto de Peirce é prefigurado no debate tido tanto na Inglaterra quanto nos Estados Unidos que ocorreu como uma reação ao idealismo no início do século vinte. Na França o espiritualismo apareceu como uma reação ao positivismo. Zea (1980) afirma que de uma modo similar, o positivismo inglês de Spencer foi progressivamente abandonado e substituído por uma forma de idealismo na segundo metade do século dezenove. Essa geração de idealistas britânicos incluía Francis Herbert Bradley, John McTaggart, Bernard Bosanquet, Thomas Hill Green, e Edward Caird. Foi precisamente contra esse movimento idealista no qual Bertrand Russel foi educado que o atomismo lógico reagiu, liderado pelo próprio Russel, assim como Georde Edward Moore, e, mais controverso, pelo “primeiro” Wittgenstein. Fora contra este tipo de idealismo que o movimento neorealista reagiu na Inglaterra em trabalhos de filósofos como Thomas Case, John Cook Wilson, e Harold Arthur Prichard. Nos Estados Unidos o movimento neorealista apareceu no início do século vinte com filósofos tais como T. Marvin, William Pepperell Montague, F. B. Holt, E. G. Spaulding, Ralph Barton Perry, e W. B. Pitkin. Eles objetivavam superar a vaguidade idiossincrática e imprecisão do estilo filosófico idealista de argumentação e substituí-lo por uma integração de investigação filosófica e científica. O livro de Zulen, Del neohegelianismo al neorealismo, inclui uma reconstrução daqueles debates e uma explicação das origens daquelas escolas filosóficas. O livro, contudo, é mais ambicioso do que aparenta. Não é somente uma história das ideias nos estados Unidos, mas também sugere um programa de investigação que acabou sendo interrompido por causa da morte de Zulen. Na obra La filosofia de lo inexpressable, Zulen critica Bergson principalmente por sustentar uma tensão conflitiva entre razão e intuição, assim como entre ciência e filosofia. Em Del neohegelianismo al neorealismo, por outro lado, ele tenta integrar aquelas mesmas noções e as distintas visões que acabaram lhe

144   influenciando em seu desenvolvimento filosófico. Essas visões são principalmente o neohegelianismo de Bradley, o neohegelianismo de Royce com elementos pragmatistas, e o pragmatismo de Peirce. A própria visão de Zulen é um tipo de idealismo seguindo as linhas de Bradley e Royce, com elementos pragmatistas (QUINTANILLA; ESCAJADILLO; OROZCO, 2009). Com respeito a James e Dewey, Zulen pensa que ainda que eles mantêm intuições válidas de Peirce, lhes falta a estrutura metafísica especulativa necessária para substituir o movimento neohegeliano. Ainda que Zulen critique James e Dewey, a presença da psicologia de James é ubíqua, especialmente sua ideia de uma constituição intersubjetiva do self que é definida por suas conexões à outros sujeitos e ao mundo externo. Por exemplo, Zulen declara: Sabemos nós o que o Self em sua profundidade é? O que é a minha consciência? [...] O Self existe somente em relação à outras pessoas e outras realidades. A minha consciência não seria nada ou, melhor, eu não teria nenhuma consciência de minha consciência se não houvessem outras pessoas conscientes e se a realidade externa não se apresenta-se a mim com oposições. O passado, portanto, significa algo para o futuro que existe fora de mim mesmo. Para mim, portanto, nada existe a não ser o aspecto do meu Self que está relacionado como o mundo no qual eu vivo. (ZULEN, 1920, p. 42-43, tradução nossa)

A principal questão no livro Del neohegelianismo al neorealismo, de Zulen, refere-se a natureza da realidade, que ele considera como o problema central da filosofia (ZULEN, 1920, p. 8). No primeiro capítulo, El Neohegelianismo Ingles, ele descreve em detalhes a introdução do romanticismo alemão na Inglaterra através de Coleridge e Carlyle, e nos Estados Unidos através de Ralph Waldo Emerson. Para Zulen, o neohegelianismo inglês – especialmente Caird, Bradleym e Bosanquet – se distancia do empirismo para herdar de Kant a ideia que Zulen subscreve como a que vê a irredutibilidade do mental ao físico. Zulen, contudo, rejeita a noção de uma coisa em si mesma (ZULEN, 1920, p. 12). Quintanilla (2011) explica que a seção dedicada ao neohegelianismo nos Estados Unidos começa com a descrição da School of St. Luis: H. C. Brockmeyer, William T. Harris, e Denton J. Zinder. Ainda que eles não fossem filósofos profissionais, eles estavam entrem os primeiros intelectuais nos Estados Unidos a ensinar e traduzir para o inglês as obras do idealismo alemão. Em 1867 Harris fundou o Journal of Speculative Philosophy, no qual ele publicou a sua pesquisa.

145   Zulen acredita que foi Harris e a School of St. Luis que tornou Peirce, Royce e James possíveis. Apesar desta declaração ser um tanto controversa, é verdade que Peirce começou estudando Kant e Royce por meios de estudos sobre Hegel, que podem ter sido motivodo pela School of St. Louis. James, por outro lado, chegou à sua psicologia e foi motivado por interesses científicos. Zulen descreve a concepção de crença em Peirce, uma das concepções fundamentais do Pragmatismo, da seguinte maneira: Se nós examinamos profundamente nossas vidas, nós encontramos que tudo em nós gira em torno da crença, isto é, a fixação do pensamento. Portanto, a atividade do pensar objetiva nada a não ser o estado de descanso do pensamento, essa torna-se uma regra de ação. Mas a sua aplicação implica uma nova dúvida e uma nova reflexão, com a qual essa crença, e essa regra de ação, é ao mesmo tempo um estado de descaso e um ponto de partida; é um pensamento que dirige a conquista do futuro. (ZULEN, 1920, p. 31, tradução nossa)

Ainda que Zulen louva Peirce, ele acredita que James não compreendeu Peirce e que o neorealismo não consegue lidar com as principais questões sobre a natureza da realidade. Contudo, a maneira de Zulen de lidar com essas questões possui claramente um traço pragmatista: O que é realidade, então? Realidade, Ser, é um mundo de objetivos, a produção de obetivos, de ações individuais. (ZULEN, 1920, p. 39, tradução nossa) A ideia não é representação, mas um tipo de ação, um instrumento, o instrumento paradigmático que o espírito tem para penetrar a realidade, e transformá-la. A ideia é vontade, é um ideal desejado, uma energia criativa que livremente cria o mundo, como na concepção fichteiana, para dar à nossa atividade ética um mundo no qual agir (ZULEN, 1920, p. 40, tradução nossa)

Ainda que as intuições de Zulen foram inspiradas em Peirce e Royce, e a despeito do fato de que o seu valor é precisamente que eles nos ajudam a superar a dicotomia entre o realismo metafísico e o idealismo, Zulen retorna à posições idealistas com traços pragmatistas. Por exemplo, ele declara que: “objeto e ideia já estão em nossa consciência, porque toda intenção de efetuar uma ação já encerra o esboço geral da forma em que a ação se tornará” (ZULEN, 1920, p. 41, tradução nossa). Aqui parece que Zulen está dando mais importância para a consciência em si mesma do que para a sua relação com a ação.

146   Quintanilla (2011) comenta que no final do livro Zulen lança um novo ataque ao neorealismo e que a sua principal crítica é que tal visão está compromissada com o naturalismo, o cientismo, e o behaviorismo. Zulen, assim, realiza algumas previsões sobre o futuro da filosofia. Ele acredita que o idealismo inglês vai prosperar, enquanto que a versão de James e Dewey do neorealismo e pragmatismo vai ser efêmero. Está claro, hoje, que ele errou sobre este ponto. O idealismo inglês desapareceu bem rápido, e o Pragmatismo transformou-se de várias maneiras. A visão de Zulen sobre Peirce, contudo, foram bem acuradas e a sua influência sobre a filosofia peruana foi ubíqua. Ele foi um importante ponto de referência para o dialógo entre a filosofia Latino-Americana e o Pragmatismo no Peru. 4.2.3 CARLOS VAZ FERREIRA: UM “PRAGMATISTA LATINO-AMERICANO”

De acordo com Peréz-Ilzarbe (2011) o filósofo uruguayo e educador Carlos Vaz Ferreira (1872-1958) foi um dos primeiros latinos que leu sobre o pragmatismo. Ele introduziu as ideias de William James em seu país e criticamente as revisou. Em 1909 Vaz Ferreira publicou El Pragmatismo, o primeiro livro em espanhol dedicado ao pragmatismo (NUBIOLA; ZALAMEA, 2006, p. 209-211). Essa coletânea de palestras, oferecidas em 1908, foram traduzidas para o francês em 1914, dando, portanto, às ideias de Vaz uma presença internacional. O próprio Albert Einstein chegou a ler aquela tradução e, em uma carta a Vaz Ferreira, demonstrou estar de acordo com certos pontos (VAZ FERREIRA, 1965)69. Como declarado nas primeiras páginas do livro, o pragmatismo de Vaz considera e critica a filosofia de William James pois, de acordo como Vaz Ferreira, James é “o sustentador mais brilhante e popular da doutrina” (VAZ FERREIRA, 1963, p. 85-86). Alguns anos antes, Vaz tinha escrito dois outros trabalhos dedicados aos escritos de James: Conocimiento y acción, depois de ler o The Will do Believe;

e En los márgenes de “L’Experience

Réligieuse” de William James, uma coletânea da anotações de Vaz de sua leitura                                                                                                                 69

Uma tradução para o espanhol das anotações de Einstein sobre a sua visita em Montevideo e da carta de agradecimento que ele escreveu para Vaz Ferreira depois de receber o livro podem ser encontradas no endereço eletrônico: . A carta foi reproduzida em facsimile no livro de Vaz Ferreira (1965).

147   da tradução francesa do The Varieties of Religious Experience (VAZ FERREIRA, 1963b, v. 8, 1963a, 1965). A despeito do caráter crítico destes três trabalhos, James era de fato um dos filósofos favoritos de Vaz; sua presença no pensamento de Vaz é reconhecida em vários lugares. Vaz particularmente louva o capítulo IX do The Principles of Psychology por uma concepção do pensamento da qual ele aprova completamente (ROMERO BARÓ, 1993, p. 55-57, 63-75; MALVASIO, 1996; CAMPO, 1959). Infelizmente, apesar da reputação doméstica de Vaz Ferreira como um pensador original (ARDAO, 1956, p. 45)70, a sua filosofia permaneceu relativamente desconhecida fora do mundo latino. Esta é uma das razões pelas quais as conexões de Vaz com pragmatismo pode parecer inusitada. A outra razão é que Vaz na realidade recusou ser chamado de pragmatista no sentido estrito. Contudo o seu pensamento foi influenciado e de algumas maneiras expandiu o pragmatismo. A despeito de algumas de suas críticas às ideias de James e do pragmatismo em geral, o pensamento de Vaz Ferreira está muito próximo dos problemas e abordagens características do pragmatismo norteamericano. Depois de oferecer a revisão crítica de Vaz sobre a teoria da verdade de James, o livro El pragmatismo finaliza com um louvor ao pragmatismo, considerado como um conjunto de “tendências”. Vaz distingue algumas tendências positivas às quais ele acolhe totalmente, algumas tendências neutras que se tornam em negativas quando são aplicadas erroneamente, e algumas tendências decididamente negativas que ele deseja resistir em seu próprio pensamento (VAZ FERREIRA, 1963a, p. 175-187). As tendências negativas que Vaz identifica como comuns ao movimento pragmatista são a desvalorização da razão, de James, e o seu abandono das ideias que não possuem consequências práticas significantes. As tendências neutras mas perigosas são a introdução das emoções nas questões teóricas, e o interesse nas consequências práticas de qualquer teoria. Estas são negativas na medida em que bloqueiam o reconhecimento de uma verdade não relativa. Vaz Ferreira estava interessado em que Pragmatismo não se tornasse uma filosofia que encorajasse o irracionalismo                                                                                                                 70

Arturo Ardao o descreve como o expoente principal da filosofia uruguaia do século vinte.

148   e o relativismo. Ele então desenvolveu uma concepção da relação entre humanos, linguagem, realidade, e conhecimento que evita aqueles perigos. Em seu reconhecimento de certas tendências positivas do pragmatismo, Vaz mostra um profundo acordo que subjaz os desacordos com James. Ele lista: (1) a liberação do pensamento da dominação do linguagem; (2) a preferência do concreto e não do abstrato; (3) o interesse nos problemas das experiências humanas vividas; e (4) a atitude respeitosa com as ideias e sentimentos diferentes daqueles que sejam seus próprios. (VAZ FERREIRA, 1909) Vaz Ferreira contrasta o Pragmatismo de James com a atitude de J. S. Miller da qual Vaz considera “pragmatista” de alguma maneira, mas que ele se recusa chamá-la pelo termo no sentido estrito. Essa atitude encontra um caminho intermediário entre o racionalismo estrito e o irracionalismo: “Essa é a atitude correta. A razão não é tudo: razão, complementada pela emoção e imaginação, mas nunca forçada nem corrompida nem desprezada” (VAZ FERREIRA, 1963a, p. 186, tradução nossa). Essa é de fato o núcleo da filosofia própria de Vaz, nomeadamente: a razão não é absoluta, mas permanece como um instrumento indispensável para nossa relação com a realidade. Deveria portanto ser complementada por outras dimensões não-racionais de nossas interações com o mundo, mas nunca eclipsada por elas (COSTÁBILE, 1993)71. A raiz da hostilidade de Vaz ao pragmatismo é uma resposta a posição anti-intelectualista radical de James, que ele neutraliza com uma defesa da razão como um auxílio valioso para penetrar na realidade. Mas a mesma tendência de equilíbrio pode ser encontrada no fundador do Pragmatismo, C. S. Peirce, que também denuncia as tendências anti-intelectualistas em James. A filosofia de Vaz72 se preocupa com a relação entre seres humanos e realidade. Os humanos são seres viventes e agentes, e suas atividades necessitam ser conduzidas no interior de uma realidade vasta e complexa que                                                                                                                 71

Helena Costábile estudou as ideias de Vaz sobre a natureza da razão e âmbito da razão como uma ferramenta para o conhecimento. 72 Como uma introdução à vida e ao trabalho de Carlos Vaz Ferreira, cf. Matilde Vaz Ferreira de Durruty (1981); Sara Vaz Ferreira de Echevarría (1984); Arturo Ardao (1961); Arthur Berndtson (1967); M. Andreoli (1996); Carlos Mato (1995); José María Romero Baró (1998). Mas para ir direto à filosofia de Vaz Ferreira a obra Fermentario pode ser a obra que melhor mostra o seu estilo e preocupações. A coletânea das obras de Vaz foram publicadas em 25 volumes como um tributo pelo Governo Uruguaio. A primeira edição apareceu em 1957, e depois se ampliou em 1963. Uma revisão da primeira edição foi escrita por Irving Luis Horowitz (1960).

149   excede as suas capacidades de capturá-la. A realidade, contudo, sempre permanece estranha à mente humana, sempre radicalmente diferente de qualquer apreensão humana dela. Ao contrário das reações anti-intelectualistas e irracionalistas às crises do Positivismo, Vaz quer um lugar para a razão na vida humana, e um lugar central no entendimento humano da realidade. Ele é simplesmente bem cuidadoso de não dar a razão o acesso exclusivo à realidade. (COSTÁBILE, 1993, p. 14, tradução nossa)

A razão nos permitiu construir algumas ferramentas úteis pelas quais a realidade pode ser organizada e controlada – ao menos até certa extensão. A lógica e a linguagem são básicas entre essas ferramentas pois elas oferecem aos seres humanos com a capacidade de sistematizar e classificar o mundo. Vaz compartilha com James a ideia de que a organização e o controle são obtidos com um alto custo: os sistemas racionais e classificações somente dividem o continuum, simplificam o complexo, e reduz o ilimitado à um tamanho prático, perdendo portanto as riquezas da realidade. A razão, no sentido estrito, é rígida e estática, enquanto que a realidade é um fluxo e um movimento. Contrabalançando a tendência natural do espírito humano de sistematizar – o que é, claro, profícuo quando aplicado corretamente – Vaz nos lembra dos limites de qualquer sistema. Primeiro, um sistema não é idêntico com as coisas que esboça,73 e portanto nunca pode substituir a própria realidade que se lhe escapa. Segundo, os sistemas não podem ser aplicados a qualquer realidade que precisamos lidar pois cada situação concreta é única, e portanto nós nunca poderemos forçar a realidade em um sistema pré-estabelecido. Dois dos perigos que Vaz Ferreira denuncia repetidamente são: a “transcendentalização” – a atribuição para a realidade do que pertence ao nosso discurso sobre ela, e “pensar por sistemas” – o uso de uma fórmula pré-existente ao invés de abordar cada problema concreto em si mesmo. (VAZ FERREIRA, 1963b, v. 11-12, p. 68102; v. 4, p. 154-185)74 Estes são muito próximos do que Dewey chamava de “a                                                                                                                 73

A palavra “coisa” é também um esquema de realidade fluente, mas Vaz se permite usar o termo. 74 Aqui se refere aos texto de Vaz: “Transcendentalizaciones matemáticas ilegítimas y falacias correlacionadas” que está nas Algunas conferencias sobre temas científicos, artísticos y sociales, no volume 11 e 12 de suas Obras (1963b); e ao “Pensar por sistemas y pensar or ideas para tener en cuenta” que está na Lógica Viva, no volume 4 de suas Obras (1963b).

150   falácia filosófica”, (DEWEY, 1925a, p. 51, tradução nossa) quando filósofos usam os produtos de suas investigações para substituir a riqueza da experiência da forma como ela é vivida. De acordo com Vaz, estes últimos perigos podem ser evitados se nós refletirmos sobre a função própria e natureza da razão. Os sistemas e as classificações são ferramentas que não devem ser tomadas como fotografias fiéis da realidade. A realidade é contínua e gradual, enquanto que as classificações a dividem artificialmente. A linguagem é um sistema que depende da classificação: atribuir um predicado a um sujeito é situálo sob um esquema simplificado. Novamente, esse procedimento tem se demonstrado muito útil, mas a realidade sempre permanecerá alem de qualquer simplificação. Em diversos lugares Vaz Ferreira comenta as diferenças entre coisas reais, que “são como elas são”, e qualquer descrição humana destas (VAZ FERREIRA, 1963b, v. 4, p. 230-242; v. 10, p. 144-172)75. Uma formulação lingüística, mesmo sendo bem detalhada e concreta, é somente uma representação esquemática da coisa real que alguém está tentando descrever. Quanto mais geral é uma representação mais imperfeita ela se torna. É por essa razão que quando falamos de qualquer coisa em termos gerais quase que inevitavelmente termina em uma descrição caleidoscópica da coisa, o que pode levar à uma ilusão de que a coisa em si mesma está mudando e enganando. Esse é um perigo que vem da própria natureza da linguagem, o que é composta de moldes rígidos que são essencialmente inadequados para expressar o a realidade fluente. Os sistemas racionais e classificações lingüísticas precisam ser vistos como ferramentas que são muito úteis como guia para abordar a realidade, mas muito perigosos se tomados como substitutos para ela. A razão, se deixada sozinha, tende a se prender nessa armadilha. É por isso que Vaz Ferreira põe uma grande carga de valor nos aspectos não-racionais na conexão humana com a realidade, e na cooperação entre todas as faculdades humanas. Trilhando o mesmo caminho que os “filósofos da vida” que ele toma como inspiração, especialmente Bergson, Vaz postula uma faculdade que ele as vezes chama racionalidad – em contraste com as visões estreitas da “inteligência” – que inclui:                                                                                                                 75

Aqui se refere aos texto de Vaz: “Psicología y lógica de las classificaciones, y falacias verboideológicas relacionadas” que está nas Lógica viva, no volume 4 de suas Obras (1963b); e “Un paralogismo de actualidad” que está na Fermentario, no volume 10 de suas Obras (1963b).

151   razão no sentido estrito – a razão raciocínio, mais o instinto lógico, e também a resistência a sugestões, a resistência a imitação, e uma quantidade mais de aptidões e resistências: um número de faculdades: algumas de recepção, algumas outras, eu insisto, de resistência, que formam aquela capacidade do senso crítico, ao mesmo tempo racional, instintivo, e também emocional. (VAZ FERREIRA, 1963b, v.11-12, p. 149, tradução nossa)76

Contra formas estritas e estreitas de racionalismo, Vaz Ferreira está convicto que existem formas distintas de se abordar a realidade. Em particular, ele enfatiza o papel desempenhado pelas capacidades não-racionais na construção de uma compreensão plástica do mundo. O pensamento possui aspectos que excedem o estritamente racional, e devem ser permitidos em uma explicação mais adequada do conhecimento humano. Vaz usa a palavra psiqueo para se referir aquele momento do pensamento que no qual o espírito humano não está dividido e é capaz de aplicar todas as suas capacidades – racionais e emocionais – ao entendimento do mundo. (GARCÍA, 1989) A noção de psiqueo mostra a afinidade de Vaz com as ideias de William James e Henri Bergson. De um lado, o termo psiqueo de Vaz aproxima-se da ideia de um “fluxo do pensamento” de James, pois ambos se opõem à uma concepção descontínua do pensamento que emerge de uma identificação errônea do pensamento com a linguagem. A realidade mental é fluida e contínua sem partes

separadas.

Portanto,

ela

não

é

expressa

adequadamente

pelo

“pensamento lógico, esquema, nem pela linguagem, esquema de um esquema” (VAZ FERREIRA, 1963b, v. 10, p. 199, tradução nossa). Vaz contrasta “pensamento por palavras” e “pensamento verdadeiro”. O pensamento nãolinguístico é “mais ausente de forma, mas é mais plástico, vivo e levedado”. Quando você está pensando com palavras você obtêm “claridade, precisão, completude, aplicação”, mas você também perde bastante – “espontaneidade, sinceridade, vida e interesse, fertilidade” (VAZ FERREIRA, 1963b, v. 10, p. 17, tradução nossa). A noção de psiqueo, similar a “intuição” bergsoniana, emerge de uma descontentamento similar com a habilidade da faculdade racional para apreender                                                                                                                 76

Aqui se refere ao texto de Vaz: “La crisis atual del mundo desde un punto de vista racional” que está nas Algunas conferencias sobre temas científicos, artísticos y sociales, no volume 11 e 12 de suas Obras (1963b).

152   as riquezas da realidade – em particular, da vida. O pensamento humano é movido não somente pela razão, mas também por uma força extra-racional que as vezes é rotulada como um instinto, as vezes como um contato intuitivo com a realidade, e as vezes como um bom senso que complementa a razão pura. Esse instinto é uma condensação da experiência e da emoção que entra em jogo quando a razão por si só não é suficiente – ou seja, em toda e qualquer questão que se refere a vida real, onde “questões de graus” estão envolvidas. Quando as formulações lógicas são inúteis, nós podemos confiar na força controladora e equilibrante do instinto que impede as sistematizações falaciosas promovendo em troca a tendência de levar em conta muitas ideias. É assim que o instinto empírico, que para Vaz é um instinto hiperlógico, vem a completar, não contrariar, os aspectos puramente lógicos do nosso pensamento e de nossas discussões (VAZ FERREIRA, 1963b, v. 4, p. 178-179). O extra-racional se funde com o racional para alcançar uma apreensão melhor da realidade. Vaz Ferreira rotula sua própria posição de razonablismo, uma “atitude racional entendida bem amplamente”, ou seja, a atitude que combina sensivelmente os elementos racionais com os emocionais e instintivos. O razonablismo de Vaz pode ser ilustrado examinando seu tratamento da relação entre ciência e filosofia como modalidades de pensamento diferentes mas completares. (VAZ FERREIRA, 1963b, v. 8, p. 26 [nota de rodapé])77 O entendimento de Vaz do papel da razão no espírito humano implica a existência de uma pluralidade de modos de conhecimento, e também a sua distribuição por diversos níveis que correspondem a graus diferentes de racionalidade. Qualquer conhecimento combina elementos racionais com outros extra-racionais, mas nem todo conhecimento os combina da mesma maneira. Há uma ampla gama, de um controle racional rígido ao desempenho livre das forças extra-racionais, na qual as diferentes ciências estão distribuídas. Essas ciências começam com as matemáticas e terminam as ciências humanas, e então as profundidades diferentes do pensamento filosófico, que vão desde o mais sistemático ao mais “vivido”.

                                                                                                                77

Aqui se refere a obra de Vaz Conocimiento y acción no volume 8 de suas Obras (1963b).

153   Vaz não privilegia nenhum tipo de conhecimento ou inquirição nessa disposição pois cada um deles possui as suas próprias vantagens e desvantagens. Por exemplo, a sua crítica das ciências não envolve nenhuma aversão as mesmas, mas é somente uma denúncia da estreiteza do Positivismo e do cientificismo em geral, pelos quais a ciência é a única abordagem da realidade que é válida. Outros modos de conhecimento não permitem a razão ser tão precisa e efetiva. A razão pode ser contrabalanceada pela ação de forças extraracionais, perdendo, então, a sua precisão mas adquirindo outros valores em troca. Quando a filosofia, com ciúmes do sucesso científico, busca para a mesma precisão como aquela das ciências, comete um erro. A filosofia não necessita imitar as ciências neste aspecto porque possui outros privilégios: a vantagem da filosofia sobre as ciências é que ela lida – com menos precisão mas em um nível mais profundo – com os problemas vitais que realmente interessam os seres humanos. Vaz Ferreira ilustra os níveis diferentes de conhecimento, abrangendo desde o mais racional ao menos racional e correspondentemente da precisão à confusão, usando o mar como uma metáfora: Nós podemos representar o conhecimento humano como o mar, a superfície é bem facilmente vista e descrita. Sob a superfície, a visão se torna, naturalmente, menos e menos clara; até, em uma região profunda, que não se pode mais ver: só se pode ver parcialmente – e, em uma região mais profunda ainda, parar-se-á de ver completamente. (VAZ FERREIRA, 1963b, v. 4, p. 151, tradução nossa)

O caráter sistemático e o claro das ciências é contrastado com o caráter naturalmente menos rígido e menos transparente da filosofia. Vaz escreve sobre “pensar por sistemas” e “pensar por ideias para se ter em conta” como dois estados opostos da mente que correspondem ao modo de trabalhar dos cientistas e filósofos, respectivamente (VAZ FERREIRA, 1963b, v. 4, p. 154-185). O estado sistematizado da mente é caracterizado pela tendência tomar uma ideia e torná-la uma regra fixa para ser aplicada em toda circunstância e resolver qualquer tipo de problema. Esse é o método que corresponde as ciências, particularmente as matemáticas e as mecânicas: há uma busca por regras gerais que possam ser aplicadas a cada caso particular, com nenhuma necessidade de renovar o raciocínio para cada problema que queiramos resolver. Esse procedimento pode ser aplicado quando o objeto de estudo não é muito complexo – quando um

154   conhecimento completo é possível, quando a sistematização deste conhecimento é também possível, e quando as coisas estudadas são estritamente repetíveis (VAZ FERREIRA, 1963b, v. 4, p. 183-184). É fácil ver que há algumas áreas da realidade que não admitem esse tipo de tratamento, e são portanto menos aptas a serem estudadas cientificamente. O estado oposto da mente é caracterizado pela tendência de ser aberto às ideias até que se tenha a oportunidade de julgar uma situação concreta sem noções preconcebidas e portanto permitindo uma atuação livre maior da inteligência. Esse modo de abordar a realidade é – ou deveria ser – o método característico da filosofia. Este é um dos sentidos do “pensar melhor” que Vaz prescreve: alguém sabe como usar o pensamento quando não precisa da ajuda artificial de um sistema pré-fabricado mas é capaz de examinar cada caso particular por conta própria. Para pensadores, sistemas oferecem uma aparência ou sensação de segurança, mas eles deturpam a situação pois os sistemas tendem a tratar em uma maneira rígida e fixa algo que na verdade é fluido e multifacetado. Eles portanto oferecem respostas sim/não para problemas da vida que na verdade requerem graus diferentes. Este é um simples pensar inteligente. Muitos problemas na vida necessitam ser abordados com uma variedade de ideias ao mesmo tempo, levando todas elas em conta, pesando cada uma delas, e agindo com senso. “Uma questão de grau não pode ser resolvida de uma maneira geométrica” (VAZ FERREIRA, 1963b, v. 4, p. 175, tradução nossa). Tentar e aplicar um sistema já dado é simplesmente não pensar. Comparado com as ciências, a filosofia possui um contado menos mediado com a realidade pois ela é capaz de abandonar os sistemas e esquemas fixos e explora as coisas diretamente. Como a razão recompensa as ciências com a precisão, assim também as forças extra-racionais recompensam a filosofia com um contato próximo com a realidade. Em alguns lugares Vaz usa a luz como uma metáfora para a realidade, e em um aparente paradoxo ele opõe a luz à claridade: ele fala sobre a “confusão luminosa” que reina nos níveis mais profundos nos quais os sitemas perdem seu sentido porque o espírito humano está em contato direto com a realidade. Ao contrário, o domínio das ciências, nas quais tudo é definido, é um âmbito de construções fictícias: elas ganham claridade, mas elas perdem a luz da realidade.

155   Quando nossa inteligência enfoca uma região qualquer do conhecimento e analisa a fundo, ocorre algo parecido ao que acontece quando, depois de se ter observado a olho nu, vamos aplicando instrumentos de potência crescente a uma parte qualquer do céu. Ali onde não víamos mais que alguns pontos de luz em uma localização certa e de fácil descrição, vão aparecendo outros novos em progressão hiper-geométrica; ao final, tudo é uma espécie de confusão luminosa: enquanto mais luz mais confusão -; e quando chegamos ali, sistemas já perderam os seus sentidos há tempo, pois eles, como as hidras, os dragões e os demais mitos dos céus, não eram mais que construções imaginativas fictícias que passavam pelos pontos mais visíveis. (VAZ FERREIRA, 1963b, v. 10, p. 153, tradução nossa)

Todas as ciências, não importa quão bem sucedida ou suscetível a aplicação prática, são somente instrumentos limitados que podem somente oferecer um guia para a realidade, não uma descrição da mesma. Elas não são espelhos que podem refletir a real estrutura do mundo. De fato, a realidade não é estruturada mas fluida: esta é a base ontológica da ideia antipositivista de ciência de Vaz. A rigidez da abordagem científica não pode ser a única maneira de lidar com a realidade plástica, e certamente não é a melhor maneira. Uma boa maneira seria tão plática e fluida quanto as coisas estudadas. É por isso, finalmente, que o contraste entre as ciências e a filosofia podem ser caracterizadas em termos de solidez versus fluidez. A diferença entre ciência e filosofia é que a primeira é uma estrutura rígida baseada em bases firmes: sistemas e formulas que são aplicadas a cada caso particular, e termos com significados fixos que são usados em um plano definido de abstração sem necessidade de outras análises mais apuradas. Ao contrário, a filosofia é mais fluida pois ela aborda a realidade de uma maneira mais direta. Ou seja, menos delimitada por esquemas fixos. Por outro lado, falta à filosofia uma base firme, pois qualquer ideia pode ser tomada por muitos graus diferentes de abstração, correspondendo a diferentes níveis de análise. Enquanto que a ciência é uma área segura, a filosofia sacrifica a segurança pela plasticidade. Vaz prefere entender o pensamento filosófico em termos de “planos mentais” ao invés de em termos de “teses”. Uma tese é uma formulação verbal que simplifica a situação que está sendo considerada, mas uma única tese pode ser pensada em diferentes planos mentais, que são complexos estados da mente que se combinam entre si e oferecem uma aproximação mais fiel as coisas reais. Como pode ser esperado, isto tem as suas consequências concernentes a noção de verdade. Uma dada formulação verbal pode mudar a sua verdade quando é

156   considerada em um pano mental diferente – ou seja, em graus diferentes de abstrações, dependendo de onde se decide parar a análise das pressuposições básicas. Sem ser um relativista – “nem tudo é plástico”, Vaz alega, contra o pluralismo extremo de James – Vaz considera que a verdade e falsidade de formulações verbais são sempre relativas a um grau de abstração. Em consequência, qualquer disciplina precisa tornar explícito o seu nível de abstração antes que possa declarar a verdade ou falsidade de uma sentença. Mas, de novo, as variedades de conhecimentos se comportam de maneiras diferentes. Nas ciências, a região da claridade, é muito fácil saber o nível de qualquer reivindicação pois é estabelecido explicitamente desde o início. Na filosofia, a região do conhecimento onde se pode somente ver parcialmente, é difícil distinguir os diferentes níveis de abstração. A tendência irrefreável de analisar cada vez mais profundo mantêm a filosofia constantemente se movendo de um nível ao outro. Isso explica o desacordo comum entre filósofos pois tanto o significado das palavras e os níveis de abstração mudam, e com eles, imperceptivelmente, o valor de verdade de quase qualquer tese. (VAZ FERREIRA, 1963b, v. 2, p. 19-20)78 Para um entendimento adequado da relação entre ciência e filosofia é necessário retomar uma das ideias principais de James que Vaz Ferreira admira: a concepção do pensamento humano como um “fluxo” que flui continuamente. A partir desta perspectiva é fácil entender a desconfiança de Vaz de qualquer sistema, e também a sua atitude cuidadosa referente aos escritos e aos livros, que petrificam o ato naturalmente fluido do pensamento. (VAZ FERREIRA, 1963b, v. 10, p. 146) Apesar da ideia de solidez tem sido usada para caracterizar o modo científico do pensamento, tomar essa imagem literalmente abre uma divisão aguda entre ciência e filosofia. A divisão é irreal pois se esquece do papel desempenhado pelas forças extra-racionais cujas ações oferecem um caráter “plástico” à qualquer pensamento humano. Usando mais uma metáfora bem conhecida, Vaz Ferreira compara a ciência com um iceberg no meio do oceano. Essa metáfora rica ilustra o contraste entre a ciência e a filosofia por comparar um pensamento mais sólido com um                                                                                                                 78

Aqui se refere a obra de Vaz Los problemas de la libertad y los del determinismo no volume 2 de suas Obras (1963b).

157   mais fluido, e ainda levanta a questão de que não há uma separação estrita entre ciência e filosofia (“em todos os lados você encontra água, e se você for profundamente em qualquer lugar, você encontrará água”), além disso, a ciência e a filosofia são momentos do mesmo fluxo do conhecimento humano (“se você analisar qualquer porção do iceberg, vai descobrir que é feito também da mesma água”). (VAZ FERREIRA, 1963b, v. 10, p. 137, tradução nossa). Se o espectro do conhecimento humano é um continuum no qual cada tipo de conhecimento escava mais fundo na realidade sem parar, então os limites entre ciência e filosofia não são precisos. A diferença entre ciência e filosofia não é de essência mas de grau. É uma questão de nível de análise. Por exemplo, um cientista estuda o movimento usando a noção de força, então analisa essa noção de força, mas assume os dados sensoriais sem análise; além disso, o cientista pode analisar os dados anteriormente assumidos, e portanto, inevitavelmente e quase sem perceber, ele está se aproximando da filosofia, e então prossegue através de níveis mais e mais profundos. (VAZ FERREIRA, 1963b, v. 11-12, p. 36) Vaz Ferreira afirma que se você começa a pensar você não tem como escapar de ir mais fundo: “A ciência emite a filosofia” (VAZ FERREIRA, 1963b, v. 2, p. 69, tradução nossa). Não há uma fronteira entre a ciência e a filosofia. Você pode parar de pensar por questões práticas, decidindo simplesmente usar as ferramentas cientificas sem analisá-las. Mas se você não parar, então o pensar vai gradualmente te conduzir a problemas filosóficos. O matemático quando tentando clarificar a noção de infinito, o físico quando tentando clarificar a noção de matéria, o biólogo quando tentando clarificar a noção de vida – estão todos filosofando. Alguns cientistas são tendenciosos contra a filosofia então procuram fazer uma ciência “pura”, mas eles não podem evitar considerar os problemas filosóficos que a ciência levanta. A relação ideal entre a ciência e a filosofia é uma de cooperação. “A ciência real e a filosofia real, em toda a sua profundidade, trabalham em continuidade, não opostas mas vinculadas” (VAZ FERREIRA, 1963b, v. 10, p. 222, tradução nossa). Entre a “ciência pura” e a “filosofia pura” há alguns níveis intermediários de conhecimento que servem como passagens que tornam a colaboração mais fácil. Os cientistas passam por estes níveis quando eles analisam além da ciência pura, tentando clarificar as noções que eles usam tais

158   como infinito, matéria, e vida. Os filósofos também passam por estes níveis quando eles se voltam as ciências, buscando novos assuntos para discussão, tais como a natureza do tempo ou o problema do indeterminismo, levantado pelo desenvolvimento das ciências, Vaz afirma tanto que a filosofia emana das ciências, e que a filosofia as excita e fertiliza (VAZ FERREIRA, 1963b, v. 13, p. 268).79 Finalmente, a articulação da ciência e da filosofia é uma consequência natural da unidade do conhecimento humano. O iceberg científico é feito da mesma água assim como o oceano filosófico: “A ciência é metafísica solidificada” (VAZ FERREIRA, 1963b, v. 10, p. 137, tradução nossa). A solidez da ciência é artificial, o resultado da decisão de parar a análise em um certo ponto e usar certos dados como se estes fossem absolutos. Mas na realidade, qualquer “fato” esconde muitas hipóteses, sendo assim a rigidez aparente é tão plástica quanto qualquer conhecimento humano. Vaz argumenta contra a oposição falsa entre humanidades e ciências, que as vezes conduz ao desprezo de uma ou de outra na educação. Contra ambos os lados da falsa oposição, Vaz afirma: Todo conhecimento é humano, da Filosofia ou História, à Matemática ou Biologia, e todo conhecimento, apesar dos detalhes de suas especializações, não somente não deve ser isolado, mas não pode ser isolado, sem deficiência, degeneração, e dano. (VAZ FERREIRA, 1963b, v. 13, p. 268, tradução nossa)80

As ciências e filosofia são legitimas e cada uma tem seu lugar na vida do pensamento humano. As ciências são o terreno da precisão e sistematização, e têm demonstrado serem muito úteis com respeito a aspectos da realidade que podem ser capturados em molduras rígidas. Mas a realidade não se reduz às sistematizações, e, felizmente, o conhecimento não se reduz a ciência pura. Contra o positivismo, Vaz elabora uma defensa convincente da metafísica como “a forma mais alta da atividade do pensamento humano”, e rejeita qualquer tentativa de torná-la “científica”: o lugar da filosofia em geral e da metafísica em particular é o terreno da falta de precisão. Esta é precisamente a razão pela qual                                                                                                                 79

Aqui se refere a obra de Vaz Sobre la enseñanza en nuestro país no volume 2 de suas Obras (1963b). 80 Em harmonia com estas ideias Vaz lutou para criar a Faculdade de Humanidades e Ciências da qual ele foi o reitor por muitos anos.

159   a filosofia pode auxiliar a ciência: como um artista que desenha seus primeiros esboços e então os borra com sombras, minimizando a rigidez inicial, assim a filosofia neutraliza os efeitos dos sistemas rígidos estabelecendo relações, fazendo transições, permitindo confusões, entre outras coisas (VAZ FERREIRA, 1963b, v. 10, p. 134, 164, 171). Vaz contrasta a precisão dos esquemas com a profundidade da análise, mas mantêm o lugar de ambas no conhecimento humano. A ocasional inimizade de Vaz em relação ao “pragmatismo” é na verdade uma reação contra o voluntarismo e relativismo de James. Vaz está preocupado que a crítica de James da certeza racional conduz ao extremo oposto. O reconhecimento que James faz da plasticidade do universo pode também ser levado a um extremo, a uma negação de qualquer verdade estável. Novamente, Vaz propõe um caminho intermediário, o que ele pro vezes chama de “Pragmatismo bom”, e as vezes de “Ceticismo bom” (VAZ FERREIRA, 1963b, v. 8, p. 32, tradução nossa). Ao contrário do racionalismo que é satisfeito somente com a certeza da razão estrita, e também como o “Pragamtismo ruim” que reduz a certeza às forças da vontade, ele sugere uma gradação na confiança em nossas crenças e admitir a própria ignorância: Saber o que conhecemos, e em qual nível de abstração que o conhecemos; acreditar quando devemos acreditar, no grau que devemos acreditar; duvidar quando devemos duvidar, e graduar nosso parecer com a precisão que está a nossa disposição; e , neste estado de espírito, agir em direção que achamos bom, pelas certezas ou pelas probabilidades, como adequado, sem forçar a inteligência, para não causar danificar este instrumento já muito imperfeito e frágil – e sem forçar a crença. (VAZ FERREIRA, 1963b, v. 8, p. 23, tradução nossa)

Isto está em perfeita harmonia com o espírito do pragmatismo clássico, que de acordo com Jaime Nubiola possui três aspectos centrais: anti-cartesianismo, falibilismo, e pluralismo (NUBIOLA, 2001). Primeiro, Vaz rejeita o racionalismo moderno e seu sub-produto, o cientificismo. Ele está ciente dos limites da razão e então recusa as dicotomias aparentes que esta impõe sobre o assunto da experiência do dia a dia. Ao invés de divisões rígidas entre categorias opostas, Vaz fala sobre graus e sombras que fazem a realidade – e nosso entendimento dela – menos rígida e artificial. A ciência não se opõe a filosofia, a verdade e a falsidade pertencem as frases em

160   uma determinada extensão, a razão se alia com profundidades não-racionais da mente, e o conhecimento é na verdade um espectro amplo da ignorância à certeza que passa através da dúvida e crença (COSTÁBILE, 1993). Segundo, se o avanço do conhecimento não é uma história de acumulação triunfante de certezas mas ao invés uma história de encontrar nosso caminho através das dúvidas e dos graus da certeza, através da ignorância e do erro, por tentativas, auto-correções, então Vaz aconselha construir um conhecimento por aproximações sucessivas: uma primeira tentativa e uma quantidade de correções subsequentes. Este é, é claro, o método das ciências: as ciências são essencialmente incompletas, em crescimento, e incertas. A perfectibilidade e o progresso definem a ciência, mas essa é também uma característica do conhecimento humano em geral. Vaz defende um “pragmatismo sincero” que consiste de um esforço constante para clarificar os pensamentos iniciais, corrigir tentativasde soluções, e retificando tentativas errôneas (VAZ FERREIRA, 1963b, v. 10, p. 30). Terceiro, o pluralismo é um rótulo que se encaixa muito bem na concepção de Vaz sobre o conhecimento. A pluralidade de faculdades que compõe o pensamento em um sentido amplo, a pluralidade dos pontos de vista que complementam um ao outro, a pluralidade de opiniões que devem ser confrontadas para se obter uma compreensão plástica da realidade plástica. A cooperação e o diálogo com outras pessoas e consigo mesmo, assim como o falibilismo e o pluralismo, são elementos essenciais na construção do conhecimento. A rejeição de Vaz das categorias simplistas; sua insistência sobre o valor da dúvida, contradição, e erro; e a sua concepção cooperativa de conhecimento, todas apontam para a verdade como algo sempre buscado e as vezes parcialmente alcançado (LOCKHART, 1999). Esta é uma visão pragmatista do conhecimento. 4.2.4 A FILOSOFIA DE RISIERI FRONDIZI E O PRAGMATISMO Risieri Frondizi (1910-1983), de acordo Pappas (2005) foi provavelmente o filósofo latino-americano com vínculos pessoais mais fortes com a filosofia na América do Norte. Ainda que Frondizi tenha estudado com Francisco Romero na Argentina, sua relação com os filósofos norte-americanos foi também central para

161   o seu desenvolvimento filosófico. Ele ganhou uma bolsa de estudos para estudar na Columbia University em Nova Iorque, tornando-o o primeiro argentino a estudar filosofia nos Estados Unidos. Embora a sua bolsa de estudos era para a Columbia, ele queria estudar em Harvard e o seu desejo se cumpriu. Ele entrou em Harvard e estudou com filósofos pragmatistas, tais como C. I. Lewis, R. B. Perry, e especialmente A. N. Whitehead. Através de sua vida Frondizi permaneceu em diálogo constante com filósofos de toda as Américas. Ele lecionou em Michigan, Venezuela, Pennsylvania, Puerto Rico, Texas, Illinois, e na Argentina. Frondizi se preocupava com ignorância mútua entre as duas Américas no campo da filosofia. (FRONDIZI, 1986a, p. 81) Frondizi nunca escreveu sobre em que proporção a sua filosofia foi influenciada pelo pragmatismo ou se ele pudesse ser considerado um pragmatista. Contudo, foi a sua filosofia harmoniosa o suficiente com os insights filosóficos centrais ou nucleares do Pragmatismo para considerá-lo um aliado ou parte da família pragmatista? Faria sentido reinterpretar a história do pragmatismo de tal maneira que a seja mais uma sala no quarto que conecta-se com o mesmo “corredor” pragmatista? (KALNICKA, 2004, p. 78)81 Pode a sua filosofia ser considerado uma ramificação diferente da mesma árvore pragmatista? Para responder isso, precisamos retomar a questão: o que é o Pragmatismo? De acordo com Pappas (2011b), primeiro, ninguém deseja dar qualquer explicação sobre o pragmatismo que não faça justiça às importantes diferenças entre os pragmatistas. Segundo, nada pode ser menos pragmatista do que declarar que o pragmatismo é definido por uma essência. Terceiro, não um único corpo comum de doutrinas chamadas pragmatismo mas há alguns conjuntos de temas sobrepostos e valores que tem sido passado através das gerações desta família histórica de filósofos. Nada dito até agora é problemático, mas se torna mais polêmico nas diferentes explicações que foram dadas sobre a história do desenvolvimento do pragmatismo. Em outras palavras, quais são estes insights filosóficos centrais que foram passados através de gerações? Por exemplo, o que é que Dewey herdou de Peirce e James que provocou a sua própria reconstrução do pragmatismo?                                                                                                                 81

Esta é a famosa metáfora do corredor que James utilizou de Papini, que compara o pragmatismo com um corredor com diferentes quartos.

162   Em qualquer explicação histórica do pragmatismo alguma seletividade é inevitável. Essa é uma das razões dos desacordos quanto a natureza do pragmatismo. Os pragmatistas clássicos afirmavam que a seletividade não é problemática se o filósofo é honesto e explícito sobre a mesma. Não segue do fato da seletividade que qualquer resposta é tão boa quanto qualquer uma. Pappas (2007) argumenta que qualquer explicação do pragmatismo deve basear-se e ser defendido sobre, pelo menos, dois solos. Primeiro, a evidência textual e histórica de que os pragmatistas compartilham em algum grau os insights filosóficos reivindicados. Segundo, esses insights filosóficos são dignos de serem retomados e reconstruídos. Este segundo solo, ou ponto, é importante e é comumente a base da seletividade. Os desacordos sobre a natureza do pragmatismo não podem ser resolvidos por simplesmente apelar aos textos clássicos do movimento pois até mesmo quando nós concordamos sobre o que os pragmatistas disseram, há desacordos quanto a outras questões relevantes ao segundo ponto. Por exemplo, qual é a contribuição mais significativa do pragmatismo para a história da filosofia? O que estabelece o pragmatismo à parte de outros movimentos filosóficos? Com este pano de fundo em mente, podemos tomar um posicionamento sobre a questão da natureza do Pragmatismo, e esta posição poderá incluir Frondizi na “família pragmatista”. Ou seja, o Pragmatismo é uma escola de pensamento revolucionária na história da filosofia porque critica o ponto de partida moderno e toma a experiência como o ponto de partida adequado de qualquer investigação filosófica. O insight filosófico, para Pratt (2007), central no desenvolvimento e na história do pragmatismo é metafilosófico – ou seja, sobre como proceder ao fazer filosofia, sobre o seu ponto de partida adequado. De acordo com o Pragmatismo, sob os debates entre escolas opostas na filosofia moderna está um ponto de partida comum que resultou em certas visões da experiência, que por sua vez conduziu a problemas artificiais e insolúveis. A história do Pragmatismo pode ser entendida como a história da crítica de um ponto de partida que foi e continua sendo favorecido na filosofia (PAPPAS, 2011b). Com cada nova articulação do que vem a ser este ponto de partida, há a esperança da sofisticação na detecção e prevenção deste mal na filosofia. Peirce

163   o chamou de “cartesianismo” porque ele o viu em Descarte82. James detectou o ponto de partida moderno no empirismo tradicional e portanto chama por um empirismo mais radical. Mas ao chegar em Dewey, a falha de se conseguir chegar a um ponto de partida adequado é considerado tão comum na filosofia que ele o chama de “a falácia filosófica”. Com Dewey há um diagnóstico mais geral e apropriado do problema. O problema é que os filósofos tendem a favorecer o iniciar com pontos de vista teóricos das coisas, em particular nos quais nós somos os sujeitos ou espectadores de um mundo a ser conhecido. Waal (2007) explica que o Pragmatismo propõe a ideia “radical” de que a filosofia deve começar onde estamos – ou seja, no meio de nossa experiência diária,

concreta, pré-teórica, prática, e continuar a retornar à ela para

confirmação. Se não fosse pelo fato de que a palavra “prática” usualmente significa certo aspeto estreito da experiência, de acordo com os pragmatistas “prática” seria o ponto de partida adequado. Estar e começar na experiência é estar engajado de um modo prático e ativo e não de uma postura teórica, assim como na contemplação “cartesiana” dos objetos da consciência. Se o Pragmatismo é para ser associado com a “primazia da prática”, é somente porque esta contêm a “primazia da experiência” como o ponto de partida, e não porque está comprometida com a importância das razões práticas ou porque sustenta uma certa teoria da verdade e do significado. Pappas (2007) esclarece que nem todo pragmatista clássico americano, contudo, articulou esta questão do ponto de partida de um modo claro e explícito. A maioria destes pragmatistas simplesmente adotou o novo ponto de partida e procedeu em filosofar, como se para experimentar, para ver onde os iria levar, para ver como os problemas antigos poderia ser resolvidos ou dissolvidos. John Dewey foi o mais explícito nesta questão. Através de seus trabalhos filosóficos ele insistiu para prestar atenção na experiência como central (BROWNING, 2011).                                                                                                                 82

Em um artigo publicado em 1905, Peirce comentou: “Filósofos de estirpes bem diversas propõem que a filosofia deve começar de um ou de outro estado de mente no qual nenhum homem, ao menos todos os iniciantes em filosofia, na verdade está. Um propõe que deveríamos começar duvidando de tudo, e diz que só há uma única coisa que não pode ser duvidada, como se duvidar fosse ‘tão fácil como mentir’. Outro propõe que deveríamos começar pela observação ‘das primeiras impressões dos sentidos’ [...] Mas na verdade, só há um estado de mente do qual se pode ‘partir, que é, a próprio estado de mente em que nos encontramos no momento que ‘partimos’ – um estado em que você está carregado com uma massa imensa de cognição já formada, da qual você não pode se despojar se quisesse. (CP 5.416).

164   Essa visão do pragmatismo como centrado na experiência como o ponto de partida pode ser defendida, afirma Pappas (2011) sobre a base dos dois argumentos já sugeridos. Considerando essa visão do pragmatismo, podemos dizer que é então, primeiro, sustentada por uma leitura generosa, aberta, honesta e empática dos textos, em outras palavras, de um esforço de tentar entender os pragmatistas em seus próprios textos. Segundo, assim como é a interpretação mais inclusiva no sentido de que serve para explicar todas as outras interpretações razoáveis. Terceiro, como também é aquela que faz o pragmatismo o movimento mais radical além da filosofia moderna e um recurso promissor ou útil para a crítica do filosofar atual. Quanto a primeira consideração, um texto é, claro, sujeito a uma pluralidade de interpretações razoáveis, e muitos filósofos acabam lendo os seus preconceitos teóricos nos textos. Isto tem ocorrido com frequência com os textos dos pragmatistas. Ao fazer isso, eles tem deixado escapar a reconstrução, pragmatista, radical da filosofia. As outras duas considerações vamos tentar encontrar o respaldo da filosofia de Frondizi, e deste modo oferecendo uma razão para o acolher na família pragmatista ou, no mínimo, oferecer uma razão pela qual os pragmatistas hoje devem ler Frondizi. O Pragmatismo é melhor entendido como um “método” ao invés de uma doutrina ou teoria embasada em certas verdades básicas. Não há, contudo, desacordos importantes entre os estudiosos sobre o método. Uma perspectiva que se tornou comum é a ideia que o Pragmatismo é nada mais do que um método para determinar o significado. As raízes desta visão são as interpretações britânicas do pragmatismo (AYER, 1968), mas foi revisada e promulgada recentemente por estudiosos que trabalham com a epistemologia e a filosofia da linguagem. De acordo com essa explicação a história do Pragmatismo começa com a “máxima pragmática” de Peirce, entendida como um método para determinar o significado dos conceitos, como articulados em seu artigo de 1878 How to Make our Ideias Clear. William James meramente expandiu o máxima pragmática de Peirce para questões mais amplas de moralidade e religiosas e para o seu “tratamento estabanado da verdade” (MARGOLIS, 2006, p. 3, tradução nossa). Dewey revisou este mesmo método, além disso elaborou sobre o falibilismo, as implicações sociopolíticas, e a natureza da inquirição.

165   Algumas citações que evidenciam a argumentação acima seriam: “O pragmatismo é considerado primeiro e antes de tudo uma doutrina do significado” (WAAL, 2007, p. ii [prefácio]). Ou só para constar, como opinião comum, citamos abaixo a definição de pragmatismo pelo site “Wikipédia”: O pragmatismo é uma escola filosófica que se originou no final do século dezenove com Charles Sanders Peirce, que foi o primeiro a declarar a máxima pragmática. Veio à fruição no início do século vinte com as filosofias de William James e John Dewey. A maioria dos pensadores que se descrevem como pragmatistas consideram as consequências práticas ou efeitos reais como componentes vitais tanto do significado e da verdade.83

O problema com essa história é que ela é muito estreita, centrada na filosofia da linguagem e na epistemologia. Nesta história não nenhuma menção do empirismo radical de James ou da insistência de Dewey de tomar a experiência como método. Não temos nenhuma dúvida de quem alguém poderia providenciar evidência textual suficiente para sustentar essa interpretação, mas deixa de fora muita coisa que é poderosa, fundamental, e radical sobre essa tradição filosófica. A visão do Pragmatismo como centrado na experiência é mais inclusiva e interessante. A máxima pragmática sobre os significados dos conceitos, mesmo sendo importantes, são apenas uma das tantas consequências de se tomar a experiência como o ponto de partida. Segue da postura de se tomar a experiência como um método que o significado dos conceitos (inclusive a “verdade”)

necessita

ser

formulado

em

termos

experimentais

e

em

consequências. Bem cedo Dewey já caracterizou o ponto de partida ou método favorecido pelo Pragmatismo em termos do “postulado do empirismo imediato”. Esta é a hipótese de que “as coisas – qualquer coisa, tudo, no uso ordinário ou não-técnico do termo “coisa” – são conforme são experienciados. Portanto, se alguém deseja descrever qualquer coisa de verdade, sua tarefa será dizer o que está sendo experienciado” (DEWEY, 1910, p. 158, tradução nossa). Por isso o modo de um pragmatista encontrar o significado da “verdade” ou de qualquer outro conceito é através da experiência – considerando em sua vida cotidiana o modo como isto “é experienciado”.                                                                                                                 83

Esta definição está em inglês no site: , acessei em 12 maio 2010. [tradução nossa]

166   Em 1956, Risieri Frondizi escreveu no prefácio da segunda edição de seu primeiro livro, El punto de partida del filosofar (1945), “depois de todos estes anos meu compromisso fundamental continua a ser que a experiência é o ponto de partida obrigatório e fonte legítima das teorias filosóficas” (FRONDIZI, 1945, p. 12, tradução nossa). Frondizi não está preocupado só com a história do pragmatismo, ele comenta a questão do ponto de partida de maneiras mais claras e explícitas do que Dewey. No El punto de partida del filosofar, Frondizi oferece um diagnóstico global do que deu errado com a filosofia moderna. Se ao invés de ter começado com dualismos tivéssemos começado com a integridade da experiência “os problemas clássicos de como um sujeito pode conhecer ou estar em relação com um mundo desapareceriam” (FRONDIZI, 1945, p. 102, tradução nossa). O empirismo moderno tinha boas intenções, mas começou com uma teoria sobre a experiência e não com a experiência como ela é vivida. Frondizi pede aos filósofos para fazer um esforço de colocar as suas pressuposições teóricas de lado e treinar um empirismo mais genuíno – isto é, um no qual “não se deixa de fora nenhum setor da realidade. Expor o ser em sua nudez e plenitude é o primeiro objetivo de um empirismo integral”. (FRONDIZI, 1945, p. 8, tradução nossa). De maneira similar a James e Dewey, Frondizi chamou a sua filosofia um “empirismo humanístico” (FRONDIZI, 1986b). A filosofia deve “prestar atenção às coisas como elas se apresentam [...] e não à como são descritas por nossas teorias”. (FRONDIZI, 1945, p. 8, tradução nossa) Frondizi oferece três razões porque a experiência deve ser o ponto de partida da filosofia: (a) A experiência é a realidade mais imediata e neutra com respeito às nossas teorias filosóficas; (b) A experiência é a realidade mais radical no sentido de ser a mais inclusiva, final, e inevitavelmente forçada; (c) Se a filosofia deseja ser empírica e uma inquirição que é profícua e relevante para a vida, deve tomar a experiência como a constante, persistente, e base confiável ou fonte de evidência. (PAPPAS, 2011) A primeira razão, então, é que a experiência é a única coisa que é verdadeiramente dada e imediata. A experiência não é uma pressuposição teórica ou um constructo ou uma conclusão de uma inquirição, pelo contrário, é “o fato efetivo que nós encontramos em nossa busca e aquele que nós estamos mais imediatamente e diretamente familiarizados” (FRONDIZI, 1945, p. 51, tradução nossa). Frondizi não oferece um argumento para sustentar tal afirmação. Ele

167   somente apela aos filósofos que sejam honestos sobre a sua experiência, e simplesmente pede aos filósofos que considerem o que em suas experiências são verdadeiramente dados e imediatos ao invés de construído ou o resultado das projeções humanas para o mundo. Para Frondizi a resposta não é o pensamento ou o conteúdo da consciência como Descartes acreditava, mas a experiência vivida. Nenhum filósofo realmente começou no interior de sua consciência, mas em uma determinada situação ou acontecimento em que estão transacionando com outras coisas. O ponto de partida não é um sujeito encontrando um mundo antecedente de objetos. Na verdade, o ponto de partida consiste de um “eu” que é constituído pela sua relação ativa com os objetos. Ou seja, também não há um “eu” anterior a esta interação ativa com os objetos, e a sua natureza depende destes últimos (FRONDIZI, 1945, p. 33, tradução nossa). É digno de ser mencionado que este é o ponto de partida que levou Frondizi a oferecer uma teoria do self muito similar aquela, e tão sofisticada como, do pragmatista Geroge H. Mead. Assim, comenta Pappas (2007), experiência é um processo constituído pelo meu self, minha atividade, e os objetos com o quais esta atividade se preocupa. Uma filosofia geral da experiência deve proceder para estudar cada um desses elementos sem cometer o erro de esquecer que eles são dados como parte de uma totalidade indivisível. Frondizi embarcou neste projeto que culminou em livros sobre o self, valor, e educação. Em The Nature of the Self: A functional Interpretation, Frondizi oferece uma avaliação crítica doa tentativa do filósofo moderno em oferecer uma teoria adequada do self. A filosofia moderna parece nos forçar a escolher entre um self substancial e nenhum self de fato. A disputa entre o atomismo e o substancialismo é devida ao ponto de partida não-empírico onde cada um deles se concentra em um aspecto do self em detrimento do outro. O apelo de Frondizi ao que é verdadeiramente “dado” ou “imediato” pode parecer problemático hoje pois já houveram muitos desafios ao “mito do dado”. De fato, esta é uma das razões pelas quais alguns neopragmatistas, inclusive Richard Rorty e Robert Brandom, pensam que a noção da experiência deveria ser deixada de lado (BRANDOM, 2000). Mas Frondizi não quer dizer que a experiência é “o dado” no sentido de um substrato de um tipo de conhecimento fundacional, nem quer dizer que seja uma experiência “pura” no sentido de algo que está por trás ou não afetado pelas interpretações humanas. Os pragmatistas

168   que defendem a noção de experiência como central as suas filosofias pode se beneficiar com os escritos de Frondizi. Risieri Frondizi clarifica que a experiência não é um “dado” no sentido de um “’fato’ antecedente ou separado de qualquer interpretação” (FRONDIZI, 1945, p. 49, tradução nossa). Mas a negação de um ponto de partida “puro” não implica que não existam coisas que são dadas em nossa experiência imediata do mundo e que é fútil proceder em nossas investigações filosóficas se atender a elas. Dewey, assim como Frondizi, é bem claro quanto a isto. Dewey esclarece que o apelo pragmatista a experiência imediata não é experiência pura no sentido de algo que poderíamos chegar somente se nos despojássemos de nossas “bagagens” conceituais ou culturais (DEWEY, 1925a, p. 40 ). Como organismos sociais e culturais nós sempre confrontamos uma situação com um caráter (conjunto de hábitos, emoções, crenças) que até certo ponto determina o conteúdo do que é dado não-reflexivamente e presente em nossas vidas. Nós crescemos em uma certa sociedade com uma linguagem, e no processo nós adquirimos hábitos conceituais e perceptuais que podem determinar o que nós experienciamos diretamente. Mesmo assim, nós experienciamos coisas em sua qualidade de “dado” bruta em uma situação. É para essa experiência vivida que precisamos ser fieis, a despeito de como esse dado possa estar condicionado pelo caráter ou contexto histórico-cultural. A extensão desse condicionamento é uma questão em aberto e não crítica ao uso do método. Sendo um empirista genuíno, todas as nossas teorias e todas as nossas linguagens estão vinculadas inextricavelmente as nossas experiências, não experiências puras mas a integralidade qualitativa contextual que cada uma de nossas situações vividas proporcionam. A experiência é também um ponto de partida adequado para uma filosofia empírica porque para dar sentido ao seu caráter empírico necessita haver uma base pré-teórica que pode funcionar como o chão natural para julgar ou avaliar teorias concorrentes sobre a experiência. Frondizi explica: A realidade que nós encontramos não pode ser a conclusão de uma cadeia do nosso raciocínio mas o nós encontramos imediatamente enquanto vivemos [...] Vai ser então livre de pressuposições e expectativas teóricas pois nós não almejamos encontrar na experiência o que nós estamos impondo a ela, mas o que realmente está lá. (FRONDIZI, 1945, p. 33, tradução nossa)

169   Sem a possibilidade de apelar para alguma coisa fora de nossas teorias não há base para ser empírico. Isso não significa que é fácil ser empírico. Precisamos ser cautelosos em evitar a tentação de descrever a experiência diária como o uso de termos que pressupõe a verdade de nossa teoria apreciada. Nós não devemos confundir o que encontramos com o que nós queremos encontrar na experiência. A segunda razão é que a filosofia assume que a investigação filosófica ocorre na experiência e tem nela o seu ponto de partida, entendida como o conteúdo subjetivo da consciência na mente. A alternativa a este ponto de partida subjetivo é comumente um “ponto de vista arquimediano” ahistórico e objetivo ou “a perspectiva do Olho de Deus”. Muitos filósofos pós-modernos tomam estes dois pontos de vistas ou pontos de partidas como ilusórios porque a investigação filosófica está sempre na história, ou em uma cultura, ou em uma linguagem, ou em uma sociedade. Mas de acordo com Frondizi nenhum destes contextos constituem o contexto ultimo no qual estamos quando filosofamos. Como Peirce insistiu, “nós começamos, onde nós estamos”, e isto é sempre em uma situação. Todas as realidades discutidas pelos filósofos, inclusive a linguagem, esquemas conceituais, e cultura, estão na experiência. Frondizi diz, “a experiência é a realidade, ou fato, última pois todos os outros fatos e formas da realidade são encontradas na experiência como seus elementos e partes”. (FRONDIZI, 1945, p. 85, tradução nossa) Isto torna a experiência a realidade mais radical no sentido de ser inclusiva, última, e uma realidade inevitavelmente forçada. José Ortega y Gasset faz a mesma afirmação quando ele declara que “minha vida” é a raiz de toda as realidades, no sentido de que elas – qualquer uma delas – para ser realidade para nós necessita de algum modo se fazer presente, ou ao menos anunciar a si mesma, no interior dos limites abalados de nossa própria vida. (ORTEGA y GASSET, 1957, p. 47, tradução nossa).

O ponto aqui não é que não existam nenhumas possíveis realidades fora da experiência, mas que mesmo se houvessem não há modo algum para nos depararmos com elas exceto através de nossa experiência delas. Os filósofos não podem sair de suas “situacionalidade” (“sua pele”). A experiência é ponto de partida porque é onde começamos, queira ou não. A este respeito Frondizi acredita que há algo forçado e obrigatório sobre a experiência. Nenhum filósofo

170   jamais começou fora da experiência; é por isso que a experiência é “o ponto de referência obrigatório para a teoria filosófica” (FRONDIZI, 1945, p. 12, tradução nossa). Ao decidir sobre a metafilosofia – ou seja, como proceder ao fazer filosofia – a escolha não é entre começar na ou fora da experiência mas entre modos de proceder em seu interior. A experiência é sempre nosso ponto de partida (assim como, o ponto do meio e o ponto final) porque não podemos escapar dela. A diferença entre ser empírico ou não na investigação é na verdade a escolha entre afirmar ou negar o caráter das coisas como elas se apresentam em nossa vida diária prática. Filósofos tem negado com frequência o contexto experiencial prático de suas próprias investigações e tomando os produtos de suas inquirições como substitutos da experiência vivida. O pré-teórico (Dewey chama de “experiência primária”) é o nível mais primitivo porque engloba o teórico e porque é onde as coisas estão presentes em suas qualidades brutas e diretas de “dado” (givenness) e de “estar-aí” (thereness). E com este nível que necessitamos iniciar e regressar em uma inquirição guiada experimentalmente. A terceira razão, estritamente falando, quando Frondizi e Dewey reivindicam que a experiência é o ponto de partida eles também estão dizendo que ela é o ponto de retorno. De outro modo, a filosofia falharia em ser produtiva. Frondizi acredita que retornar a experiência para posterior confirmação de conclusões teóricas é necessário para a filosofia reivindicar legitimidade como investigação e é relevante para a vida ordinária. A mesma realidade na qual nossas inquirições estão embutidas é também a fonte de orientação e evidência. É por causa de que a experiência sofre mudanças que os filósofos necessitam nunca cessar de retornar para posteriores confirmações de suas hipóteses. Esse retorno constante à experiência é o que impede a filosofia de se tornar uma especulação ociosa ou arbitraria. Frondizi explica que a experiência é “a realidade que os filósofos necessitam sempre manter em vista, para nunca se perder em suas abstrações teóricas criadas e problemas”. (FRONDIZI, 1945, p. 85, tradução nossa) Quando a filosofia tomo como seu ponto de partida abstrações teóricas e dualismos, que não são parte da experiência imediata de ninguém, normalmente acaba em problemas filosóficos insolúveis que são óbices para a inquirição, ou com conclusões que possuem pouca relevância para a vida diária. Frondizi não

171   pode apresentar-se mais harmônico com o espírito do pragmatismo do que quando ele declara que os filósofos devem “retornar mais uma vez ao ponto de partida, eles precisam tentar alcançar e apelar à realidade que serve como apoio para as suas construções teóricas”, (FRONDIZI, 1945, p. 8, tradução nossa) de outro modo “a filosofia se tornaria um jogo intelectual estéril que retirado ou indiferente às preocupações e problemas inevitáveis da vida humana”. (FRONDIZI, 1945, p. 8, tradução nossa) Concluindo, na filosofia de Frondizi nós encontramos razões claras e persuasivas do por que a experiência é o ponto de partida adequado para a filosofia. Se esta perspectiva sobre o ponto de vista é o que é fundamental, revolucionário, e digno de ser recuperado sobre o Pragmatismo, então Frondizi poderia ser incluso como um pragmatista Latino-Americano, ou ao menos como um aliado próximo. Poderia se argumentar que os pragmatistas não são os únicos na história da filosofia que tentaram defender ou viver pelo compromisso metafilosófico geral com a experiência vivida. Entretanto, poderia se argumentar que os pragmatistas se destacam na história da filosofia em sua tomada da experiência vivida como o ponto de partida, de tal modo que seria justificado chamar alguém um “pragmatista” ou contribuinte da “tradição pragmatista” se aderir a este modo de se fazer filosofia. Poderíamos, contudo, utilizar uma abordagem mais inclusiva e usar o rótulo de “filósofos da vida” para incluir pagmatistas e filósofos Latino-Americanos, especialmente aqueles influenciados por Ortega y Gasset, que adotam a mesma metafilosofia geral. A despeito de quais rótulos são apropriados, não há dúvidas que aqueles que estão expandindo o Pragmatismo hoje podem aprender muito com a leitura dos escritos de Risieri Frondizi. A defesa da experiência de Frondizi e a descrição que ele faz é original e complementar aquelas de James e Dewey. Se o trabalho de Frondizi sobre a natureza do self e dos valores for conduzida do mesmo ponto de partida que o Pragmatismo, então seria interessante comparar e contrastar as teorias resultantes com aquelas dos pragmatistas clássicos. Por exemplo, como sugere Pappas (2007), uma análise sistemática e cautelosa e comparação entre Frondizi e Dewey sobre valores, ou entre Frondizi e Mead sobre o self, pois estas ainda não foram realizadas.

  172   CONSIDERAÇÕES FINAIS O ponto de partida deste trabalho consistiu em identificar e descrever conexões filosóficas e epistemológicas entre a filosofia Latino-Americana, representada por pensadores como Ingenieros, Vaz Ferreira, Pedro Zulen, Anísio Teixeira, Risieri Frodizi, e o Pragmatismo clássico representado por Charles S. Peirce, William James e John Dewey. Para chegar na descrição dos diálogos e influências entre a filosofia Latino-Americana e o Pragmatismo trilhamos um caminho reflexivo que nos impôs a necessidade de esclarecer pontos fundamentais

que

constituem

o

background

onde

essas

conexões

se

concretizam. Primeiro abordamos a noção de uma filosofia Latino-Americana a partir da necessidade de uma critica às demarcações epistemológicas lançadas pela filosofia e epistemologia moderna européia. Um caminho trilhado também pela filosofia do Pragmatismo. Nesse ponto questionamos as demarcações fixas e estáticas, que em si hierarquizam o saber filosófico (em seu sentido amplo), impostas pelas vertentes universalistas. Seguindo as argumentações de Nucettelli (2002, 2010), Gracia (2008, 2010), Mendieta (2003) optamos por uma definição de filosofia Latino-Americana que acolhe também o pensamento reflexivo, filosófico, pré-colombiano. Posição essa defendida também por León-Portilla (1963) e Maffie (2007, 2010). Esse posicionamento caminha coerente com a postura epistemológica do Pragmatismo, como evidenciado neste trabalho, especialmente nas obras de William James e John Dewey. Podemos também ver essa postura como eixo central de todo o trabalho de Richard Rorty, especialmente em suas obras Philosohpy and the Mirror of Nature (1979), Consequences of Pragmatism (1982), Contingency Irony and Solidarity (1989), e em sua coletânea de artigos de quatro volumes, os Philosophical Papers (1991a,1991b, 1998, 2007), onde argumenta contra a Filosofia Moderna e sua consequente Epistemologia, propondo como alternativa uma filosofia edificante, que “deshierarquiza” as diferentes e distintas produções culturais, introduzindo-as na grande “coversação da humanidade”. Com esse plano de fundo conceitual e disposicional focamos nossos olhos no desenvolvimento do pensamento americano distiguindo três possíveis versões

173   de sua origem, a versão da fronteira, da genialidade e das experiências vividas. Seguindo principalmente a tese de Scott L. Pratt (2002, 2004) concluímos que a versão da experiência vivida não invalida as outras duas versões, mas permite novos ângulos de visão permitindo uma abordagem mais inclusiva. Nessa versão da origem da filosofia americana, e também do Pragmatismo, identificamos quatro compromissos

centrais

da

filosofia

Americana,

especialmente

como

representados pelos trabalhos dos Pragmatistas clássicos, argumentando que podem também ser encontrados nas perspectivas filosóficas dos povos Nativos do Nordeste e podem ser rastreados através de uma história de contato transcultural até o trabalho de importantes pensadores Americano-Europeus. Pois, ao considerarmos uma concepção de experiência que não é somente abstrata mas antes enraizada em dificuldades, alegrias presentes, preocupações, e surpresas, então para entender a experiência americana e como ela incide sobre a filosofia é examinar também a variedade de pontos de vistas e vozes que desenvolvem um papel em seu caráter contínuo. Essa postura e sempre tomada diante da complexidade da experiência vivida. Ao descrever os princípios da interação, pluralismo, comunidade e crescimento, os reconhecemos como representantes de uma tradição filosófica americana distinta. Esses são tanto elementos envolventes de suas perspectivas filosóficas quanto reconhecidamente distintos da maioria da tradição filosófica européia. Não quer dizer que, como visto neste trabalho, alguma filosofia européia não compartilhe esses princípios. Em vez disso, afirmamos que esses princípios, reunidos, formam uma base filosófica coerente no pensamento americano cuja genealogia, sustentada por Pratt (2002, 2004) e Wilshire (2000), pode ser rastreada desde as tradições indígenas da América, através de outras tradições americanas de resistência, e no interior do pragmatismo clássico. Nesta pesquisa descrevemos que muitos grupos Nativo-Americanos demonstravam compromissos com a interação, o pluralismo, a comunidade, e o crescimento. Os nativo-americanos confiavam na “lógica do lugar” para combater a crescente hegemonia cultural européia americana e incursões geográficas. A identidade de um povo e o conhecimento do mundo, para eles, estão enraizadas em um particular contexto geográfico e cultural. Os nativo-americanos tentaram deixar claro para os europeu-americanos que a saúde de suas comunidades em um mundo cada vez mais diverso não era simplesmente dependente do fato de

174   terem seus próprios lugares; a saúde dessas comunidades dependiam do fato de terem seus próprios lares. Esse conceito de “lugar” e de “lar” foi entendido por muitas mulheres europeu-americanas e por intelectuais afro-americanos, que também entendiam a opressão sofrida pelos nativo-americanos, como Addams (1916), Child (1845) e Du Bois (2007). Ou seja, a epistemologia, como os nativoamericanos sempre afirmaram, é condicionada pelo lugar de um povo no mundo. Independentemente da razão, os pragmatistas clássicos reconheciam isso. Como os tradicionalistas nativo-americanos, eles reconheciam que o lugar poderia até mesmo ter um impacto ontológico. Os lugares que “habitamos” podem moldar quem nós somos e como nós agimos, ou no mínimo, eles podem trazer um impacto em nossa percepção de nós mesmos e dos outros. Considerar essa perspectiva é considerar uma filosofia que pode ajudar sociedades a negociar a diversidade. Enquanto a diversidade aumenta, o valor potencial do pragmatismo aumenta também. Foi possível, neste trabalho, descrever alguns aspectos em que o pensamento Nativo-Americano se assemelha ao pensamento Pré-Colombiano, Andino e Azteca. Consideramos que, para a filosofia Andina a atividade de reciprocidade humana é uma parte integral e uma força integradora no cosmos. Os seres humanos são no mundo e do mundo, o que certamente expressa o compromisso com o princípio da interação. Referente a filosofia Nahua, afirmamos que ela apresenta a tlamatiliztli (“sabedoria” ou “conhecimento”) pragmaticamente, em termo de equilíbrio e prosperidade humanas, como sustenta Maffie (2010). Ou seja, concluímos que Tlamatiliztli é ativo, criativo, prático, concreto, situacional, e performativo – não é passivo, abstrato, teórico, representacional, ou contemplativo. Assim, a epistemologia Nahua não adota objetivos semânticos como a verdade pela própria verdade, a descrição correta, ou a representação acurada. A filosofia Nahua concebe a verdade em termos de autenticidade, genuinidade, e bom-enraizamento no, e divulgação não-referencial do, teotl – não em termos de correspondência, atinência, ou representação (contra a maioria da filosofia ocidental). E essa posição entra em perfeita harmonia com tanto com o Pragmatismo quanto com o Neopragmatismo. Consideramos também, neste trabalho, que as filosofias pré-colombianas Aztecas, assim como as filosofias Andinas vistas anteriormente, conceberam modos de ser-humano-no-mundo que enfatizavam o fato de que os humanos são

175   ambos no mundo e do mundo como também a necessidade dos humanos de viver em equilíbrio com o mundo. Isso torna evidente a centralidade da experiência vivida como o ponto de partida do filosofar Nativo Sul-Americano. Nesse aspecto se diferenciam daquelas concepções de ser-humano-no-mundo proposta pelas principais filosofias ocidentais seculares e religiosas. Estas últimas tipicamente vêem os humanos como no mundo mas não desse mundo, e se referem à natureza como algo para ser explorado para o auto-engrandecimento do humano. Contudo, as filosofias do ocidente provam serem crescentemente insustentáveis na face de um colapso ambiental catastrófico. Os pensadores do Ocidente fariam bem se re-examinassem criticamente os seus preconceitos filosóficos assim como engajar em um diálogo com as filosofias pré-colombianas. O reconhecimento dessas conexões das filosofias nativas nas Américas com os princípios que são centrais ao Pragmatismo possibilta o background necessário para identificar e descrever os diálogos, as influências e confluências entre os pragmatistas clássicos e filósofos Latino-Americanos. Assim, vimos que Dewey teve a oportunidade de ensinar estudantes e professores fazendo especialização vindo de toda parte do mundo. Ele aparentemente infundiu neles o desejo de melhorar as suas respectivas sociedades através de seus sistemas escolares nacionais. Seu exemplo de interesse e respeito para seus estudantes aparentemente encorajou esses futuros professores a fazer o mesmo com seus alunos. Quando eles retornaram aos seus lares, principalmente no Chile e México, seus ex-alunos introduziram seus próprios alunos às ideias e práticas de Dewey. Consideramos mais importante ainda, o fato que Dewey comunicava sempre aos seus estudantes que as suas ideias estavam embasadas em sua próprias experiências educacionais e seriam verificáveis nas deles. Ainda sobre Dewey, ressaltamos também nesta pesquisa, que a influência, tanto na Espanha quando na América Latina, de José Ortega y Gasset (18831955), que estava familiarizado com os últimos trabalhos filosóficos vindos da Alemanha, propulsou a influência de Dewey para mais longe. Isso evidenciamos nesta pesquisa pois relatamos que todos dos filósofos que traduziram as quatro principais obras de Dewey em filosofia geral eram, de alguma maneira, ex-alunos de Ortega.

176   Vimos também que Dewey foi um autor que esteve diretamente envolvido na educação durante grande parte do século vinte no Brasil. Interessant notar que o ponto de partida do pragmatismo no Brasil ocorreu através dos trabalhos de John Dewey. Seus trabalhos que são mais conhecidos pelos brasileiros são aqueles que lidam com temas educacionais. É exatamente nesse contexto que Anísio Teixeira, então o Diretor da Educação do Distrito Federal, engajou-se em difundir os conceitos de Dewey (PAGNI, 2008). Além de publicar artigos em periódicos educacionais, em 1934 ele escreveu o livro Educação progressiva, que foi claramente influenciado pelas ideias de Dewey. Em 1936 a tradução do livro de Dewey Democracy and Education foi publicada. Teixeira o havia preparado com a ajuda de Godofredo Rangel, que em 1933 traduziu a primeira versão de How We Think, publicada originalmente em 1910. Nesta mesma época foi publicada uma tradução do Reconstruction in Philosophy. Entretanto, após o Golpe Militar o Pragmatismo no Brasil ficou quase sem expressão no cenário filosófico e educacional. Observamos, não obstante, que desde as últimas décadas do século vinte, filósofos brasileiros tem voltado a sua atenção para Dewey. Inclusive, a filosofia e educação tem sido áreas com uma relação bem próxima por que filósofos tem começado a lidar com temas educacionais e por que educadores tem compreendido que a filosofia é indispensável para a educação. Esse, consideramos, tem feito surgir trabalhos que expressam uma nova, rica e dinâmica situação. Obras específicas da filosofia de Dewey tem aparecido, e essas publicações indicam um levantar de uma nova geração de educadores-filósofos e filósofos-educadores, consistindo de um universo de professores cujos cursos preparam professores de vários níveis de ensino. No caso do filósofo José Ingenieros, ao comparmos seu pensamento como o de Ralph W. Emerson, afirmamos que ambos, enfatizavam a importância da experiência. Ingenieros acreditva que deveríamos ser guiados pela experiência, e que esta é sempre o ponto de partida. Ele compartilhou com Emerson a importância de ser experimental na vida e evitar o dogmatismo, o que resulta em uma paralisação das ideias que nunca muda. Ou seja, Ingenieros tinha uma abordagem pragmática da ética no sentido em que ele reconhecia que os homens precisam da moralidade como uma ferramenta para viver em sociedade. As éticas de Ingenieros e Emerson são muito similares. Para esses dois filósofos, não há,

177   em última instância, uma forma única e absoluta de perfeição, pois tudo está sempre evoluindo e o perfeccionismo é definido em termos de experiência. Concluímos que Ingenieros não é uma mera sombra de Emerson, desde que por sua própria conta ele revolucionou muitos aspectos da Filosofia Latino-Americana e introduziu várias ideias originais no discurso filosófico, contudo as conexões e influências entre esses pensadores são evidentes. Consideramos que no início do século vinte, a influência do Pragmatismo no Peru tinha duas fontes diferentes: Bérgson e William James, e os escritos de Pedro Zulen sobre as origens do Pragmatismo e o neorealismo americano. Quando os filósofos em Peru começaram a ler Bergson no início do século vinte, liderados por Alejandro Deustua, eles também estavam sendo influenciados pelo pragmatismo. Um bom exemplo de como o Pragmatismo influenciou os filósofos peruanos, por meio de Bergson, é esta citação do El nuevo absoluto, de Mariano Ibérico: “Bergson provou que a atividade intelectual é essencialmente utilitarista e voltada para a prática” (IBERICO, 1926, p. 14). Contudo, descrevemos que os filósofos peruanos também experimentaram influência pragmatista diretamente de William James. Ele foi lido e comentado por Javier Prado, Mariano Iberico, Jorge Polar, e Víctor Andrés Belaúnde. No caso especifico de Pedro Zulen vimos que em sua obra Del neohegelianismo al neorealismo, ele tenta integrar aquelas mesmas noções e as distintas visões que acabaram lhe influenciando em seu desenvolvimento filosófico. Essas visões são principalmente o neohegelianismo de Bradley, o neohegelianismo de Royce com elementos pragmatistas, e o pragmatismo de Peirce. Concluímos que a própria visão de Zulen é um tipo de idealismo seguindo as linhas de Bradley e Royce, com elementos pragmatistas, ainda que as intuições de Zulen foram inspiradas em Peirce e Royce, e a despeito do fato de que o seu valor é precisamente que eles nos ajudam a superar a dicotomia entre o realismo metafísico e o idealismo, Zulen retorna à posições idealistas com traços pragmatistas. Ao explorarmos as conexões entre o filósofo uruguayo e educador Carlos Vaz Ferreira e o Pragmatismo consideramos que ele foi um dos primeiros latinos que leu sobre o pragmatismo. Em 1909 Vaz Ferreira publicou El Pragmatismo, o primeiro livro em espanhol dedicado ao pragmatismo. A despeito do caráter crítico de suas obras, James era de fato um dos filósofos favoritos de Vaz; sua presença

178   no pensamento de Vaz é reconhecida em vários lugares. Consideramos, nesta pesquisa que o pensamento de Vaz Ferreira está muito próximo dos problemas e abordagens características do pragmatismo norte-americano. Por exemplo, em seu reconhecimento de certas tendências positivas do pragmatismo, Vaz mostra um profundo acordo que subjaz os desacordos com James. Vaz compartilha com James a ideia de que a organização e o controle são obtidos com um alto custo: os sistemas racionais e classificações somente dividem o continuum, simplificam o complexo, e reduz o ilimitado à um tamanho prático, perdendo portanto as riquezas da realidade. Assim como na ideia de que os sistemas racionais e classificações lingüísticas precisam ser vistos como ferramentas que são muito úteis como guia para abordar a realidade, mas muito perigosos se tomados como substitutos para ela. Além disso, observamos nesta pesquisa que a noção de psiqueo, usada por Vaz, mostra a afinidade dele com as ideias de William James e Henri Bergson. De um lado, o termo psiqueo de Vaz aproxima-se da ideia de um “fluxo do pensamento” de James, pois ambos se opõem à uma concepção descontínua do pensamento que emerge de uma identificação errônea do pensamento com a linguagem. Assim, o entendimento de Vaz do papel da razão no espírito humano implica a existência de uma pluralidade de modos de conhecimento, e também a sua distribuição por diversos níveis que correspondem a graus diferentes de racionalidade. Concluímos

que

a

ocasional

inimizade

de

Vaz

em

relação

ao

“pragmatismo” é na verdade uma reação contra o voluntarismo e relativismo de James. Vaz está preocupado que a crítica de James da certeza racional conduz ao extremo oposto. Vaz, assim, propõe um caminho intermediário, o que ele pro vezes chama de “Pragmatismo bom”, e as vezes de “Ceticismo bom”. Isso está em perfeita harmonia com o espírito do pragmatismo clássico, que de acordo com Jaime Nubiola possui três aspectos centrais: anti-cartesianismo, falibilismo, e pluralismo (NUBIOLA, 2001). Por último, ao observar a filosofia de Risieri Frondizi e suas conexões com o pragmatismo consideramos que foi provavelmente o filósofo Latino-Americano com vínculos pessoais mais fortes com a filosofia na América do Norte. Em seu livro El punto de partida del filosofar, Frondizi oferece um diagnóstico global do que deu errado com a filosofia moderna. Se ao invés de ter começado com dualismos tivéssemos começado com a integridade da experiência “os problemas

179   clássicos de como um sujeito pode conhecer ou estar em relação com um mundo desapareceriam” (FRONDIZI, 1945, p. 102, tradução nossa). Observamos que de maneira similar a James e Dewey, Frondizi chamou a sua filosofia um “empirismo humanístico”. Encontramos também na filosofia de Frondizi razões claras e persuasivas do por que a experiência é o ponto de partida adequado para a filosofia. Todas essas aproximações, observadas neste trabalho, que manifestam conexões profícuas entre pensadores Latino-Americanos e Pragmatistas caracteriza um, gradual mas certo, ambiente mais pluralístico na filosofia que está se desenvolvendo e que abre a possibilidade de redescobrir as vozes e pensamentos as vezes deixados de lado da grande “conversação da humanidade”. Seria de fato um erro pensar no desenvolvimento do Pragmatismo e da filosofia Latino-Americana como totalmente isoladas uma da outra. Isto é, pudemos ver nesta pesquisa, ainda que de maneira limitada, que há pontos de intersecção entre desenvolvimentos lineares na história das tradições filosóficas, e que estudar estes pontos de intersecção pode render importante lições. Como, por exemplo, que no diálogo entre as tradições de pensamento nas Américas manifesta-se a preocupação com a experiência vivida prática, considerada a fonte e o ponto de partida para todo o filosofar. Além disso, nesse diálogo se constitui a concepção do indivíduo como um todo orgânico e ativo em relacionamentos sociais e a importância da educação se torna evidente como um processo para viver no presente e transformar a sociedade em uma direção democrática.

  180   REFERÊNCIAS ABREU, Jaime. A atualidade de John Dewey, Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, v. 34, 1960, p. 8. ABOULAFIA, Mitchell. Habermas and Pragmatism. London: Routledge, 2002. ADDAMS, Jane. The Long Road of Woman’s Memory. New York: Macmillan, 1916). ______. A modern lear. In: ELSHTAIN, Jean Bethke (Ed.). The Jane Addams reader. New York: Basic Books, 2002. p. 163-176. AGOSTI, Héctor Pablo. Ingenieros, ciudadano de la juventud. [S. l.]: Juarez Editor, 1975 AGUAYO QUEZADA, Sergio. El panteón de los mitos: Estados Unidos y el nacionalismo mexicano. Ciudad de México: Grijalbo, 1998 ALLATSON, Paul. Key terms in Latino/a cultural and literary studies. Malden: Blackwell, 2007. AMARAL, M. Nazaré de C. P. Dewey: filosofia e experiência democrática. São Paulo: Perspectiva, 1990. ANDREOLI, M. (Comp.) Ensayos sobre Vaz Ferreira. Montevideo: Facultad de Humanidades y Ciencias de la Educación, 1996. ARDAO, Arturo. La filosofia en el Uruguay en el siglo XX. Buenos Aires: Fondo de Cultura Económica, 1956. ______. Introducción a Vaz Ferreira. Montevideo: Barreiro y Ramos, 1961. ______. Historia y evolución de las ideas filosóficas en América Latina. Proceedings of the IX Inter-American Congress of Philosophy, I, p. 61-69, 1979. ÁVILA, Arthur Lima de. E da Fronteira veio um pioneiro: a frontier thesis de Frederick Jackson Turner. (1861-1932). Dissertação de Mestrado, UFRGS, Porto Alegre, 2006. Disponível em: . Acesso em: 08/07/2011. AYER, Alfred Jules. The origins of pragmatism: studies in the philosophy of Charles Sanders Peirce and William James. London: Macmillan, 1968. AZEVEDO, Fernando de. A cultura brasileira. São Paulo: Melhoramentos, 1958.

181   ______. Na pesquisa das raízes de uma instituição, Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, v. 42, p. 18-26. 1964 BAGÚ, Sergio. La vida exemplar de José Ingenieros. Buenos Aires: Editorial Universitária de Buenos Aires, 1963. BALDWIN, Deborah J. Protestants and the Mexican Revolution: Missionaries, Ministry, and Social Changes. Urbana: University of Illinois Press, 1990. BARBOSA, Ana Mae. Recorte e colagem: influências de John Dewey no ensino da arte no Brasil. São Paulo: Autores Associados/Cortez, 1982. BASAVE, Augustín. Significación y sentido del pragmatismo norteamericano, Dianoia, n. 18, p. 251-272. 1972. BASSO, Keith H. Wisdom Sits In Places: landscape and language among the Western Apache. Albuquerque: University of New Mexico Press, 1996. BECKETT, Samuel. Molloy. Trad. Ana Helena Souza. São Paulo: Globo, 2008. BERGSON, Henri. Essai sur les données immédiates de la conscience. Paris: Alcan, 1889. Disponível em: . Acesso em: 06 de jun. 2010. BERMAN, Gregório. José Ingenieros: el civilizador, el filosofo, el moralista. Buenos Aires: Editorial M. Gleizer, 1926. BERNARD, Carmen; GRUZINSKI, Serge. História do Novo Mundo. Trad. Mary Amazonas Leite de Barros. São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 2006. v. 2. BERNDTSON, Arthur. Vaz Ferreira, Carlos. In: EDWARD, Paul (Ed.). The Encyclopedia of Philosophy. London: New York: Macmillan, 1967. BERSTEIN, Richard. Pragmatism, pluralism and the healing of wounds. Proceedings and Addresses of the American Philosophical Association, v. 63, n. 3, nov. 1989, p. 5-18. Disponível em: . Acesso em: 15 set. 2010. BETANZOS, J. de. Narrative of the Incas. Austin: University of Texas Press, 1996. BETZ, John. John Dewey and Paulo Freire, Transactions of the Charles Peirce Society, v. 28, 1992, p. 107-126. BEUCHOT, M. The history of philosophy in colonial México. Washington, DC: The Catholic University of America Press, 1996.

182   BLAU, Joseph L. Men and Movements in American Philosophy. New York: Prentice-Hall, 1952. Disponível em: . Acesso em: 04/06/2011. BOLÍVAR, A; DOMINGO, J.; FERNÁNDEZ, M. La investigación biográfica: narrativa en educación – enfoque e metodologia. Madrid: La Muralla, 2001. BOMENY, Helena. Os intelectuais da educação. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003. BRANDOM, Robert B. (Ed.) Rorty and his critics. Maldem, Massachusetts: Blackwell, 2000. BRICKMAN, William W. John Dewey’s Foreign Reputation as an Educator. School and Society, v. 70, p. 257-265, Oct. 22, 1949. BROWNING, Douglas. Dewey and Ortega on the Starting Point. In: PAPPAS, Gregory Fernando (Ed.). Pragmatism in the Americas. New York: Fordham University Press, 2011. p. 135-154. BURKHART, L. M. The slippery earth: Nahua-Christian dialogue in sixteenthcentury México. Tucson: University of Arizona Press, 1989. CALLOWAY, Colin Gordon. New worlds for all: Indians, Europeans, and the remaking of early America. Baltimore: JHU Press, 1998. CAMPOBASSI, José S. Ley 1420. Buenos Aires: Gure, 1956. ______. Laicismo y catolicismo en la educación pública argentina. Buenos Aires: Gure, 1961. ______. Ataque y defensa del laicismo escolar en la Argentina. Buenos Aires: Gure, 1964. CAMPOS, Aníbal de. El problema de la creencia y el intelectualismo de Vaz Ferreira. Montevideo: Universidad de la República, 1959. CARNOY, Martin. Educational Reform and Social Transformation in Cuba, 19591989. In: CARNOY, Martin; SAMOFF, Joal. Education and Social Transformation in the Third World. Princreton: Princepton Universtiy Press, 1990. p. 153-208. CARRASCO, D. (Ed.). The Oxford encyclopedia of Mesoamerican cultures: the civilizations of México and Central America. [S. l.]: Oxford University Press, 2001. 3. v. CASTELLANOS, Juan Mario. Pensamiento revolucionario de José Ingenieros. San José: Editorial Univeristaria Centro Americana, 1972.

183   CASTRO, Martha de. Estudio crítico de las ideas pedagógicas de John Dewey. La Habana: Imprenta Ninon, 1939. CASTRO-GÓMEZ, Santiago. The challenge of postmodernity to Latin American philosophy. In: LANGE-CHURIÓN, Pedro; MENDIETA, Eduardo (Eds.). Latin America and postmodernity: a contemporary reader. Amherst, N.Y.: Humanity Books, 2001. p.123–154. CASTRO-KLARÉN, Sara (Ed.). A companion to Latin American literature and culture. Malden: Blackwell, 2008. CHILD, Lydia Maria. Letters from New York, 2nd series, letters XII and XIII. New York: C. S. Francis & Co.,1845. CLARK, Meri L. The emergence and transformation of Positivism. In: NUCCETELLI, Susana; SCHUTTE, Ofélia; BUENO, Otávio (Eds.). A companion to Latin American Philosophy. Oxford: Blackwell, 2010. p. 53-67. CLASSEN, C. Inca cosmology and the human body. Salt Lake City: University of Utah Press, 1993. CLEZA DE LÉON, P. de. El señorio de los Incas: 2a parte de la cronica del Perú. Lima: Instituto de Estúdios Peruanos, 1967. COBO, B. Inca religion and customs. Trad. Roland Hamilton. Austin: University of Texas Press, 1990. COHEN, Morris Raphael; COHEN, Felix. American Thought: A Critical Sketch. New York: Transaction, 2009. COLDEN, Cadwallader. The history of the five Indian nations. 3. ed. London: Lockyer Davis, J. Wren, e J. Ward, 1755. 2. v. CORONIL, Fernando. Beyond occidentalism: toward nonimperial Geohistorical Categories, Cultural Anthropology, 11, n. 1, p. 51-87, Feb.1996. CORREAS, Edmundo. Sarmiento and the United States. Gainesville: University of Florida Press, 1961. COSTÁBILE, Helena. La ideia de razón en Vaz Ferreira, Anales de Enseñanza Secundaria, Montevideo, año 3, n. 4, p. 12-17, 1993. CRAWFORD, William Rex. A Century of Latin American Thought. Cambridge: Harvard University Press, 1961 CRUZ VÉLEZ, Danilo. Ortega y Gasset y el destino de América Latina. Fundacíon Banco de Boston, 1983.

184   CUFFARO, Harriet K. Experimenting with the world: John Dewey and the early childhood classroom. New York: Teachers College Press, 1995. CUNHA, Célio da. Educação e autoritarismo no estado novo. São Paulo: Cortez/Autores Associados, 1989. CUNHA, Marcus Vinicius da. A educação no período Kubitschek: os centros de pesquisas do INEP, Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, v. 72, p. 175195. 1991. ______. John Dewey, the other face of the brazilian New School, Studies in Philosopgy and Education, v. 24, p. 455-470. 2005. ______; COSTA, Viviane da. John Dewey, um comunista na Escola Nova Brasileira, História da Educação, v. 24, p. 119-142. 2002. DANTAS, Andréa. A gestão de Lourenço Filho no Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos e a Organização da Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos: o impresso como dispositivo de assessoria técnica, Educação em Foco, v. 7, 2003, p. 153-172. DEWEY, John. Philosophy and American National Life. In: BOYDSTON J. The Middle Works: 1899–1924. Carbondale: Southern Illinois University Press, 1976– 1983. vol. 3. (Publicação original 1905) ______. The Postulate of Immediate Empiricism. In: BOYDSTON J. The Middle Works: 1899–1924. Carbondale: Southern Illinois University Press, 1976–1983. vol. 3. (Publicação original 1910) ______. Democracy and Education. In: BOYDSTON, J. The Middle Works: 1899–1924. In: BOYDSTON, J. Carbondale: Southern Illinois University Press, 1981–1990. v. 9. (Original publicado em 1916). ______. Pragmatic America. In: BOYDSTON J. The Middle Works: 1899–1924. Carbondale: Southern Illinois University Press, 1976–1983. vol. 13. (Publicação original 1922) ______. Experience and Nature. In: BOYDSTON, J. The Later Works: 1925– 1953. Carbondale: Southern Illinois University Press,. 1981–1990. v. 1. (Original publicado em 1925a). ______. The Development of American Pragmatism. In: BOYDSTON J. The Later Works: 1925–1953. Carbondale: Southern Illinois University Press, 1981–1990. vol. 2. p. 3-21. (Publicação original 1925b) ______. Foreword to Paul Radin’s Primitive Man as Philosopher. In: BOYDSTON, J. The Later Works: 1925–1953. Carbondale: Southern Illinois University Press, 1981–1990. v. 3. (Original publicado em 1927).

185   ______. The quest for certainty: a study of the relation of knowledge and action. In: BOYDSTON, J. The Later Works: 1925–1953. Carbondale: Southern Illinois University Press,. 1981–1990. v. 4. (Original publicado em 1929). ______. Context and Thought. In: BOYDSTON, J. The Later Works: 1925–1953. Carbondale: Southern Illinois University Press, 1981–1990. v. 6. (Original publicado em 1931). ______. Ethics. In: BOYDSTON, J. The Later Works: 1925–1953. Carbondale: Southern Illinois University Press, 1981–1990. v. 7. (Original publicado em 1932). ______. Philosophy. In: BOYDSTON, J. The Later Works: 1925–1953. Carbondale: Southern Illinois University Press, 1981–1990. v. 8. (Original publicado em 1934) ______. Logic: the theory of inquiry. New York: Henry Holt and Company, 1938a. ______. Democracy and Education in the World Today. In: BOYDSTON, J. The Later Works: 1925–1953. Carbondale: Southern Illinois University Press, 1981– 1990. v. 13. (Original publicado em 1938b) ______. Between Two Worlds. In: BOYDSTON, J. The Later Works: 1925–1953. Carbondale: Southern Illinois University Press, 1981–1990. v. 17. (Original publicado em 1944) ______. Reconstruction in Philosophy. In: BOYDSTON, J. The Later Works: 1925–1953. Carbondale: Southern Illinois University Press, 1981–1990. v. 12. (Original publicado em 1948). DICKSTEIN, Morris (Ed.). The revival of pragmatism: new essays on social thought, law, and culture. [S. l.]: Duke University Press, 1998. DIERKSMEIER, Claus. Krausism. In: NUCCETELLI, Susana; SCHUTTE, Ofélia; BUENO, Otávio (Eds.). A companion to Latin American Philosophy. Oxford: Blackwell, 2010. p. 110-127. DOCKSTADER, Frederick J. Great North American Indians: profiles in life and leadership. New York: Van Nostrand Reinhold, 1977. Disponível em: . Acesso em: 20 maio 2011. DONOSO, Anton. The Influence of John Dewey in Latin America. Inédito, datilografada, 1994. 26 p. Disponível em: . Acesso em: 10 set. 2010 DONOSO, Antón. John Dewey in Spain and in Spanish America. In: PAPPAS, Gregory Fernando (Ed.). Pragmatism in the Americas. New York: Fordham University Press, 2011. p. 19-39.

186   DU BOIS, W. E. B. Darkwater. Mineola, NY: Dover Publications, 1999. ESTUDIOS DE CULTURA NÁHUATL. Ciudad Universitaria: Instituto de Investigaciones Históricos, Universidad Nacional Autónoma de México, 19452011. ISSN 0071-1675. Disponível em: . Acesso em: 05 de ago. 2011. DURAN, Jane. Vasconcelos, pragmatism and the Philosophy of México, APA Newsletter on HIspanic/Latino Issues in Philosophy I, n. 1, p. 82-84, 2001. DURRUTY, Matilde Vaz Ferreira de. Recuerdos de mi padre: los últimos días de mi padre. Montevideo: Monteverde, 1981. DUSSEL, Enrique D. América Latina: Dependencia y liberación. Buenos Aires: Fernando García Cambiero, 1973. _____. Método para una filosofía de la liberación: Superación analéctica de la dialéctica hegeliana. 3. ed. Guadalajara: Editorial Universidad de Guadalajara, 1991. _____. Praxis latinoamericana y filosofía de la liberación. Bogotá: Editorial Nueva América, 1983. DUTRA, Luiz Henrique de A. Epistemologia da aprendizagem. Rio de Janeiro: DP&A, 2000. DUTRA, Luiz Henrique de A. Oposições filosóficas. Florianópolis: UFSC, 2005. ECHEVARRÍA, Sara Vaz Ferreira de. Carlos Vaz Ferreira: vida, obra, personalidad. Montevideo: División Publicaciones y Ediciones de la Universidad de la República, 1984. EMERSON, Ralph Waldo. Nature: adresses, and lectures. Boston, Cambridge: James Munroe and Company, 1849. EPSTEIN, Ervin H. The Perils of Paternalism: the imposition of Education on Cuba by the United States. American Journal of Education, v. 92, p. 1-23, 1987. FERRATER MORA, José. Peirce’s conception of architectonic and related views, Philosophy and Phenomenological Research, v. 15., n. 3, , p. 351-359. Mar. 1955. ______. Dicionário de filosofia. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2004. v. 1. FISCHER, Kirsten; HINDERAKER, Eric (Eds.). Colonial American History. Malden: Blackwell, 2002. FISHMAN, Stephen M.; McCARTHY, Lucille. John Dewey and the Challenge of Classroom Practice. New York: Teachers College Press, 1998.

187   FLORES, Ruben. John Dewey and the Legacy of Mexican Pragmatism in the United States. In: PAPPAS, Gregory Fernando (ed.), Pragmatism in the Americas. Fordham University Press, 2011. FRANKLIN, Benjamin. The Writings of Benjamin Franklin: 1777-1779. V. 8. 1780-1782. Charlstone, SC: Nabu Press, 2010. FREITAS, Luiz Carlos de Carvalho Teixeira de. Who were the inca? São Paulo: Biblioteca24horas, 2009. FRONDIZI, Risieri. El punto de partida del filosofar. Buenos Aires: Losada, 1945. ______. Is there an Ibero-American philosophy? Philosophy and Phenomenological Research, v. 9, p. 345-355, 1949. ______. Panorama de la filosofia Latino Americana Contemporanea. In: FRONDIZI, Risieri. Ensayos filosóficos. Ciudad de México: Fondo de Cultura Econômica, 1986a. ______. Bosquejo de mi filosofia: El empiricismo como humanismo. In: FRONDIZI, Risieri. Ensayos filosóficos. Ciudad de México: Fondo de Cultura Econômica, 1986b. GANDINI, Rachel. Intelectuais, estado e educação: Revista brasileira de estudos pedagógicos (1944-1952). Campinas: Unicamp, 1995. GAOS, José. Prólogo del traductor. In: DEWEY, John. La experiencia y la naturaleza. Ciudad de México: Fondo de la Cultura Económica, 1948. GARCÍA, Mario Silva. En torno a la libertad y el determinismo. Montevideo: Edición del Instituto Jung, 1989. GEBRAN, Philomena. As Sociedades Andinas: uma historiografia particular da América Latina. Rio de Janeiro: E-papers, 2004. GEYER, Denton Loring. The pragmatic theory of thruth as developed by Peirce, James and Dewey. University of Illinois, 1914. Disponível em: . Acesso em: 08 ago. 2010 GHIRALDELLI JÚNIOR, Paulo (Org.). O que é filosofia da educação? Rio de Janeiro: DP&A, 1999. GRACIA, Jorge J. E. Latinos in America: philosophy and social identity. Oxford: Blackwell, 2008. ______. The search for identity: Latin America and its philosophy. In: ______. Hispanic/Latino identity: a philosophical perspective. Malden, Mass.: Blackwell,

188   1999. p. 130-158. ______. Identity and Latin American Philosophy. In: NUCCETELLI, Susana; SCHUTTE, Ofélia; BUENO, Otávio (Eds.). A companion to Latin American Philosophy. Oxford: Blackwell, 2010. p. 253-268. GRAHAM, John T. A Pragmatist Philosophy of Life in Ortega y Gasset. Columbia: University of Missouri Press, 1994. GOMEZ, Manuela Alejandra. Rediscovering the philosophical importance of jose ingenieros Thesis College station: Texas A&M University May 2006, 56 f. ______. Rediscovering the Philosophical Importance of José Ingenieros: a bridge between two worlds. Saarbrunken: VDM Verlag, 2008. ______. The Neglected Historical and Philosophical Connection Between José Ingenieros and Ralph Waldo Emerson. In: PAPPAS, Gregory Fernando (Ed.), Pragmatism in the Americas. Fordham University Press, 2011. GUAMAN POMA de AYALA, F. Nueva corónica y buen gobierno. Caracas: Fundacion Biblioteca Ayacuch, 1980. GUEDES-PINTO, Ana Lucia. Memorial de Formação: Registro de um Percurso. [S.l.: s.n.], 2004. GULDBERG, Horacio Cerutti. Filosofia de la Liberación Latinoamericana. 3. ed. México: FCE, 2006. HALLOWELL, Alfred Irving. Culture and Experience. Philadelphia: University of Philadelphia Press, 1955. Disponível em: . Acesso em: 30 set. 2011. HALLOWELL, Alfred Irving. American anthropology, 1888-1920: papers from the American anthropologist. Trad. Frederica de Laguna. [S. l.]: University of Nebraska Press, 2002. HEGEL, Georg W. F. Lectures on the Philosophy of World History. Trad. H. B. Nisbet. Cambridge: Cambridge University Press, 1975. (google books) HICKMAN, L. A.; ALEXANDRE, T. M. (Eds). The essential Dewey. Bloomington: Indian University Press, 1998. 2. v. HOOKWAY, Christopher. Pragmatism. In: ZALTA, Edward N. (Ed.). The Stanford Encyclopedia of Philosophy, Spring, 2010. Disponível em: . Acesso em: 18 dez. 2010.

189   HOROWITZ, Irving Luis. Carlos Vaz Ferreira: a review of his Collected Works, The Hispanic American HIstorical Review, v. 40, n. 1, p. 63-69, 1960. Disponível em: . Acesso em: 23 de fev. 2011. HORTA, Silvério Baia. O Hino, o sermão e a ordem do dia: Regime autoritário e a educação no Brasil. Rio de Janeiro: UFRJ, 1994. HURTADO, Guillermo. Balance y perspectivas de la filosofia latinoamericana. ÉNDOXA: series Filosóficas, UNED, Madrid, n. 12, p. 359-378, 2000. HURTADO, Guillermo. Two models of Latin American Philosophy, Journal of Speculative Philosophy, v. 20, n. 3, p. 204-213, 2006. IBERICO, Mariano. Una filosofia estética. Lima: Sanmarti y Ca., 1920. ______. El nuevo absoluto. Lima: Minerva, 1926. ______. La unidad dividida. Lima: Compañía de impresiones y publicidad, 1932. ______. La aparícion: ensayos sobre el ser y el aparecer. Lima: Imprenta Santa Maria, 1950. ______. Estudio sobre la metáfora. Lima: Casa de la Cultura, 1965. INGENIEROS, José. Hacia una moral sin dogmas. Buenos Aires: Editorial Losada, 1947. ______. Las fuerzas Morales. Buenos Aires: Rueda,1950. ______. La evolución de las ideas argentinas. Buenos Aires: Editorial Futuro, 1961. (Publicação original em 1918-20) ______. El hombre medíocre. Ciudad de México: Editorial Azteca, 1963. IVIE, Stanley D. A comparison in Educational Philosophy: José Vasconcelos and John Dewey. Comparative Educational Review, v. 10, 1966, p. 404-417. JAMIL CURY, Carlos Roberto. Ideologia e educação brasileira: católicos e liberais. São Paulo: Cortez/Autores Associados, 1984. JAMES, Henry (Ed.). The letters of William James. Boston: The Atlantic Monthly Press, 1920. 2 v. Disponível em: . Acesso em: 20 de abr. 2011 JAMES, William. The Will to believe: and other essays in popular philosophy. New York: Longmans Green, 1897.

190   ______. The Varieties of Religious Experience. New York: Longmans, Green and Co, 1902. Disponível em: . Acesso em: 04 maio. 2010. ______. The Principles of Psychology. New York: Dover, 1950. 2. v. ______. Pragmatism. In: KUKLICK, Bruce (Ed.). Writings, 1902-1910. New York: Library of America, 1987a. p. 479-624. ______. Some problems of philosophy. In: KUKLICK, Bruce (Ed.). Writings, 19021910. New York: Library of America, 1987b. p. 979-1106. ______. Philosophical conceptions and practical results. In: GOODMAN, Russell B. (Ed.). Pragmatism: critical concepts in philosophy. New York: Taylor & Francis, 2005. p. 59-74. ______. Essays in Radical Empiricism. New York: Cosimo, 2008. KALNICKÁ, Zdenka. Metphors in pragmatist texts: what can they reveal about their values? In: RYDER, John; VISNOVSKY, Emil (Eds.). Pragmatism and values: the Central European Pragmatist Fórum. Amsterdam: New York: Rodopi, 2004. v. 1, p. 73-82. KALVELAGE, John. Paulo Freire and Dewey’s legacy, Edcentric, v. 27-28, 1974, p. 33-38. KAN, Sergei; STRONG, Pauline Turner; FOGELSON, Raymond (Eds.). New perspectyives on native North America: cultures, histories, and representations. Lincoln: University of Nebraska Press, 2006. KNAB, T. J. The dialogue between earth an sky: dreams, souls, curing and the modern Aztec underworld. Tucson: University of Arizona Press, 2004. KNAUSS, Paulo (org). Oeste Americano: 4 ensaios de História dos Estados Unidos da América de Frederick Jackson Turner. Niterói: EDUFF, 2004 KUSH, Rodolfo. América Profunda. Buenos Aires: Ed. Bonum, 1986. KUSH, Rodolfo. El pensamiento indígena y popular en América. Buenos Aires: Ed. Hachete, 1977. LEMME, Paschoal. Memórias. São Paulo: Cortez, 1988. LEÓN-PORTILLA, Miguel. Aztecs thought and culture: a study of the ancient Nahuatl mind. Trad. J. E. Davis. Norman: University of Oklahoma Press, 1963. ______. Fifteen poets of the Aztec world. Norman: University of Oklahoma Press, 1992.

191   ______. La filosofía náhuatl: estudiada en sus fuentes. Ciudad de México: UNAM, 2006. LOCKHART, Washington. Vaz Ferreira o el drama de la razón. In: BRANDO, Oscar (Ed.). El 900. Montevideo: Cal y Canto, 1999. p. 320-323. LOKENSGARD, Ken. Native american pragmatism. A review of Scott L. Pratt, Native Pragmatism: Rethinking the Roots of American Philosophy, Bloomington: Indiana University Press, 2002. Journal for Cultural and Religious Theory, 4.3, August, p. 66-74, 2003. Disponível em:< www.jcrt.org/archives/04.3/lokensgard.pdf>. Acesso em: 13 de mar. 2010. LOVEJOY, Arthur Oncken. The Thirteen Pragmatisms and Other Essays. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 1963. LOURENÇO FILHO, Manuel Bergstrom. Antecedentes e primeiros tempos do INEP, Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, v. 42, p. 8-17, 1964. MACKINNON, Barbara. American philosophy: a historical anthology. Albany, NY: SUNY Press, 1985 MAFFIE, James. The centrality of nepantla in conquest-era Nahua philosophy. The Nahua Newsletter, 44. 11-31, 2007. ______. Pré-columbian philosophies. In: NUCCETELLI, Susana; SCHUTTE, Ofélia; BUENO, Otávio (Eds.). A companion to Latin American Philosophy. Oxford: Blackwell, 2010. p. 9-22. MALVASIO, Daniel. Sobre el pragmatismo de William James en la óptica de Vaz Ferreira. In: ANDREOLI, Miguel (Comp.). Ensayos sobre Carlos Vaz Ferreira. Montevideo: Facultad de Humanidades y Ciencias de la Educación, 1996. p. 217225. MAÑACH, Jorge. Dewey y el pensamiento Americano. Madrid: Taurus Ediciones, 1959. MARGOLIS, Joseph. Introduction. In: SHOOK, John R.; MARGOLIS, Joseph (Eds.). A Companion to Pragmatism. Malden, MA: Blackwell, 2006. p. 1-10. WAAL, Cornelis de. On Pragmatism. Belmont, CA: Wadsworth, 2007. MARKOWITZ, Harvey. American Indians. Pasadena: Salem Press, 1995. 3. v. MARTI, O. Is there a Latin American philosophy?. Metaphilosophy, v.1, p. 46-52, 1983. MARTÍNEZ, Izaskun. William James y Miguel de Unamuno: una nueva evaluación de la recepción del pensamiento pragmatista en España. (Tese de Doutorado) Universidad de Navarra, 2007. Disponível em:< http://www.unav.es/gep/TesisDoctorales/TesisMartinez.pdf.

192   MATO, Carlos. Pensamiento Uruguayo: la época de Carlos Vaz Ferreira. Montevideo: Fundación de Cultura Universitaria, 1995. McDERMOTT, John J. The Culture of Experience: Philosophical essays in the American Grain. New York: New York University Press, 1976. McDERMOTT, John J. The drama of possibility: experience as philosophy of culture. New York: Fordham Univ. Press, 2007 MEDIN, Tzvi. Ortega y Gasset en la cultura hispanoamericana. Ciudad de México: Fondo de Cultura Económica, 1994. MEDINA, José. Pragmatism and Ethnicity: Critique, Reconstruction, and the New Hispanic. Metaphilosophy, 35 ,(1-2), p. 115-146. 2004 ______. Pragmatic Pluralism, Multiculturalism, and the New Hispanic. In: PAPPAS, Gregory Fernando (Ed.), Pragmatism in the Americas. New York: Fordham University Press, 2011. p. 199-226. MENDIETA, Eduardo. Latinamericanismo, modernidad, globalización: prolegómenos a una critica postcolonial de la razón. In: CASTRO-GÓMEZ, Santiago; MENDIETA, Eduardo (Eds.). Teorías sin disciplina: latinamericanismo, poscolonialidad y globalización en debate. Mexico, San Francisco: Porrua: the University of San Francisco, 1998. p. 169–205. ______. Which Pragmatism? Whose America? In: YANCY, George. Cornel West: a critical reader. Malden: Wiley-Blackwell, 2001. p. 83-104. ______ (Ed.). Latin American Philosophy: currents, issues, debates. Bloomington: Indiana University Press, 2003. MIGNOLO, Walter. Dussel’s Philosophy of Liberation: ethics and the geopolitics of knowledge. In: ALCOFF, Linda Martín; MENDIETA, Eduardo (Eds.). Thinking from the underside of history: Enrique Dussel’s Philosophy of Liberation. Lanham, Md.: Rowman & Littlefield, 2000. p. 27–50 ______ (Ed.). Capitalismo y geopolítica del Conocimiento: el eurocentrismo y la filosofía de la liberación en del debate intellectual contemporâneo. Buenos Aires, Durham, N.C.: Ediciones del Signo: Duke University Press, 2001. p.9–53. MILLA VILLENA, Carlos. Ayni: semiótica andina de los espacios sagrados. Lima: Asociación Cultural Amaru Wayra, 2004. MIRÓ-QUESADA, F. El sentido del movimiento fenomenológico. Lima: Librería e imprenta D. Miranda, 1941. ______. Despertar y proyecto del filosofar latinoamericano. México: FOndo de Cultura Econômica, 1974.

193   MONARCHA, Carlos. Lourenço Filho e a Biblioteca de Educação. In: ______ (Ed.). Lourenço Filho: outros aspectos, mesma obra. Campinas: Mercado de Letras, 1997. MOREIRA, Carlos Otávio Fiúza. Entre o indivíduo e a sociedade: um estudo da filosofia da educação de John Dewey. Bragança Paulista: EDUSF, 2002. MUMFORD, Lewis. The Golden Day: A Study in American Experience and Culture. New York: Boni and Liveright, 1926. Disponível em: . Acesso em: 17/07/2011. NAGLE, Jorge. Educação e sociedade na primeira república. Rio de Janeiro: DP&A, 2001. NASSIF, Ricardo. John Dewey. Humanitas, Tucumán, v. 1., p. 417-419, 1953. NASSIF, Ricardo; CIRIGLIANO, Gustavo E. G. En el centenario de John Dewey. Buenos Aires: Universidad de la Plata, 1961. NEPOMUCENO. Eric (Org.). Coleção Darcy no Bolso. Brasília: UNB, 2010. 10. v. NÉRICI, Imídeo. Educação e tecnologia. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1973. NIETZSCHE, Friedrich Wilhem. Além do bem e do mal: ou prelúdio de uma filosofia do futuro. [S. l.]: Hemus, 2004. NUBIOLA, Jaime. Pragmatismo y relativismo: una defensa del pluralismo, Themata Revista de Filosofía, v. 27, p. 49-57, 2001a. ______. La recepción de Dewey en españa y Latinoamérica. Utopía y Praxis Latinoamericana, v. 6, n. 13, jun., 2001b, p. 107-119 NUBIOLA, Jaime; ZALAMEA, Fernando. Peirce y el mundo hispânico: lo que C. S. Peirce dijo sobre España y lo que el mundo hispánico ha dicho sobre Peirce. Pamplona: Eunsa, 2006. NUBIOLA, Jaime; PALOMA, Pérez-Ilzarbe (Eds.). Pragmatismo Hispánico, Anuário Filosófico, v. XL/2, 2007. NUCCETELLI, Susana. Latin American thought: philosophical problems and arguments. Boulder, CO: Westview Press, 2002. NUCCETELLI, Susana. Latin American Philosophy. In: NUCCETELLI, Susana; SCHUTTE, Ofélia; BUENO, Otávio (Eds.). A companion to Latin American Philosophy. Oxford: Blackwell, 2010. p.

194   OLIVEIRA, Nythamar de. Phenomenology. In: NUCCETELLI, Susana; SCHUTTE, Ofélia; BUENO, Otávio (Eds.). A companion to Latin American Philosophy. Oxford: Blackwell, 2010. p. 156-169. ORTEGA y GASSET, José. El hombre y la gente. Madrid: Revista de Occidente en Alianza Editorial, 1957. ______, José. Obras Completas. Madrid: Revista de Occidente, 1946-1947. v. 14. PAGNI, Pedro. Anísio Teixeira: Experiência reflexiva e projeto democrático. Petrópolis: Vozes, 2008. PAPPAS, G. F. Frondizi, Risieri. In: John Shook (Ed.). Dictionary of modern American philosophers. Bristol, UK: Thoemmes Press, 2005. ______. El punto de partida de la filosofia en Risieri Frondizi y el pragmatismo, Anuário Filosófico, v. 40, n. 2, 2007. ______. Introduction. In: PAPPAS, Gregory Fernando (Ed.). Pragmatism in the Américas. New York: Fordham University Press, 2011a. p. 1-18. ______. Was Risieri Frondizi a Hispanic Pragmatist? In: PAPPAS, Gregory Fernando (Ed.). Pragmatism in the Americas. New York: Fordham University Press, 2011b. p. 156-169. PARRINGTON, Vernon L. Main Currents in American Thought. New York: Harcourt, Brace & World, 1927. 2 v. Disponível em: . Acesso em: 20/07/2011. PAUL, Catherine Manny. Amanda Labarca H., Educator of the Women of Chile: The Work and Writings of Amanda Labarca H. in the Field of Education in Chile, Their Importance and Their Value in the Progresso of Education in Chile. (tese de doutorado - 1967). Centro Intercultural de Documentación, 1969. PEIRCE, Charles Sanders. The collected papers of Charles Sanders Peirce. Vols. I-VI. In: HARTSHORNE, C.; WEISS, P. (Eds.). Cambridge: Harvard University Press, 1931-1935. ______. The Essential Peirce: Selected Philosophical Writings, Volume 1 (18671893). Ed. Nathan Houser and Christian Kloesel. Bloomington: Indiana University Press, 1992. v. 1. ______. The Essential Peirce: Selected Philosophical Writings, Volume 2 (18931913). Ed. Peirce Edition Project. Bloomington: Indiana University Press, 1998. v. 2. PENELAS, Federico. The First Rortians in Argentina: Eduardo Rabossi and Alicia Páez, Inter-American Journal of Philosophy, v. 2, n. 1, p. 35-45 June, 2011.

195   PEREDA, C. Latin American philosophy: Some vices. Journal of Speculative Philosophy, v. 3, p. 192-203, 2006. PÉREZ-ILZARBE, Paloma. Vaz Ferreira as a Pragmatist : The Articulation of Science and Philosophy. In: PAPPAS, Gregory Fernando (Ed.). Pragmatism in the Americas. Fordham University Press, 2011. PERRY, Ralph Barton. The thought and character of William James. Nashville: Vanderbilt University Press, 1996. POLAR, Jorge. Confesión de un catedrático. Arequipa: Tipografia Cuadros, 1928. PORTER, Noah. Appendix I: Philosophy in Great Britain and America. In: UBERWEG, Friedrich. History of Philosophy. Trad. George S. Morris. New York: Charles Scribner’s Sons, 1894. v. 2, p. 349-459. Disponível em: . Acesso em: 09/07/2011. PRATT, Scott L. Pragmatism: rethinking the roots of American Philosophy. Bloomington: Indiana University Press, 2002. ______. Knowledge and action: American epistemology. MARSOOBIAN, Armen T.; RYDER, John (Eds.). The Blackwell guide to American philosophy. Malden: Blackwell, 2004. p. 306 – 324. PRESCOTT, William Hickling. History of the conquest of Peru: with a preliminary view of the civilization of the incas. Paris: Baudry's European Library, 1847. 2 v. PUTNAM, Anna Ruth. Introduction. In: ______. (Ed.). The Cambridge Companion to William James. Cambridge: Cambridge University Press, 2005. p. 1-10. POPP, Jerome A. Naturalizing Philosophy of Education: John Dewey and the Post-analytic Age. Carbondale: Southern Illinois University Press, 1998. QUINTANILLA, Pablo; ESCAJADILLO, César; OROZCO, Richard Antonio. Pensamiento y Acción: La filosofía peruana a comienzos del siglo XX Lima: Instituto Riva Agüero, 2009. QUINTANILLA, Pablo. Pedro Zulen and the Reception of Pragmatism in Peru. In: PAPPAS, Gregory Fernando (Ed.), Pragmatism in the Americas. New York: Fordham University Press, 2011. p. 112-119. RANDOLPH, Bourne Silliman. War and the Intellectuals: collected essays, 19151919. Indianapolis: Hackett Publishing Co, 1999.

196   RIBAS, Wanderson Ka. Resistência, valorização e resgate da tradição cultural andina. Cadernos de História, Belo Horizonte, v.10, n. 13, 1o sem. 2008. p. 4755. Disponível em: . Acesso em: 03 de jul. 2011. RIBEIRO, Darcy. O dilema da América Latina: estruturas de poder e forças insurgentes. 2. ed. : Ed. Vozes, 1978. RIBEIRO, Darcy. As Américas e a civilização: processo de formação e causas do desenvolvimento desigual dos povos americanos. São Paulo: Companhia das Letras, 2007. ROBINSON, Emily. Is Dewey’s educational Vision Still Viable?, Review of Research, v. 18, p. 335-381, 1992. ROIG, A. A. Los krausistas argentinos. Puebla: Cajica, 1969. ROMERO BARÓ, José María. Filosofía y ciencia en Carlos Vaz Ferreira. Barcelona: Promociones y Publicaciones Universitarias, 1993. ______. Carlos Vaz Ferreira (1872-1958). Madrid: Ediciones del Orto, 1998. ROMERO, Oscar. ¿Criticones? ¡No! Espírito crítico, ¡Sí!. In:______. Monseñor Romero: El pueblo es mim profeta. San Salvador: Equipo de Educación Maiz, 1984. ROMO, Ana Paola. La educación democrática em John Dewey: una propuesta pedagógica de transformación social em México. 2006. Tese de Doutorado – Universidad de Navarra. Disponível em: Acesso em: 25 de maio. 2011. RORTY, Richard M. Philosophy and the Mirror of Nature. Princeton: Princeton University Press, 1979. ______. Consequences of Pragmatism. Mineapolis: University of Minnesota Press, 1982. ______. Contingency, irony, and solidarity. Cambridge: Cambridge University Press, 1989. ______. Objectivity, Relativism and Truth: Philosophical Papers I. Cambridge: Cambridge University Press, 1991a. ______. Essays on Heidegger and Others: Philosophical Papers II. Cambridge: Cambridge University Press, 1991b.

197   ______. Truth and Progress: Philosophical Papers III. Cambridge: Cambridge University Press, 1998. ______. Philosophy as Cultural Politics: Philosophical Papers IV. Cambridge: Cambridge University Press, 2007. ROSENTHAL, Sandra B. Speculative pragmatism. Amherst, MA: University of Massachusetts Press, 1986. ______. Charles Peirce’s pragmatic pluralism. Albany: State University of New York Press,1994. ______. News from Abroad. The Journal of speculative philosophy, New Series, v. 14, n. 1, p. 62-66, 2000. ROSENTHAL, Sandra B.; BOURGEOIS, Patrick L. Pragmatism and phenomenology: a philosophic encouter. Amsterdam: John Benjamins Publishing Company, 1980. ROTHEN, José Carlos. O Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos: uma leitura da RBEP, Revista Brasileira de Estudos Pedagocios, v. 86, p. 190, 2005. RUSSELL, Bertrand. Professor Dewey’s “Essays in Experimental Logic”. In: MORGANBESSER, Sidney (Ed.). Dewey and his Critics: Essays from the Journal of Philosophy. New York: Journal of Philosophy, 1977. (Artigo original de 1919). ______. História do pensamento ocidental. Trad. Laura Alves e Aurélio Rebello. Rio de Janeiro: Ediouro, 2004. ______. Dewey’s new logic. In: ______. The basic writings of Bertrand Russell. [S. l.]: Taylor & Francis, 2009. v. 10. (Artigo original de 1939). SABINA, Elvira Martín. Algunas experiencias del sistema educacional cubano en la búsqueda de su pertinência y calidad. In: International Congress of Latin American Studies, XXII, 2000, Universidad de Havana. SÁENZ, Moisés. Renacimiento de la educación Mexicana: doctrinas y hechos. In: CASTILLO, Isidoro (Ed.). México y su revolución educativa. 2. ed. Ciudad de México: Académica Mexicana de la Educación, Editorial Pax-Mexico, 1968. SÁENZ, Moisés. El pueblo era la escuela e la escuela era el pueblo. In: FUENTES DÍAZ, Vicente; MORALES JIMÍNEZ, Alberto (Eds.). Los grandes educadores mexicanos del siglo XX. Ciudad de México: Editorial Altiplano, 1969. p. 329-336. SÁENZ, Mario (Ed.). Latin American Philosophy and Globalization. Lanham: Rowman & Littlefield, 2002. SANDSTROM, A. R. Corn is our blood: culture and ethnic identity in a contemporary Aztec Indian village. Normam: University of Oklahoma Press, 1991.

198   SANTAYANA, George. The genteel tradition in American Philosophy. In: ______. The genteel tradition: nine essays. Lincoln, Nebraska: University of Nebraska Press, 1998 (Publicação original 1912). p. 37-64. SAVIANI, Demerval. Pedagogia histórico-crítica: primeiras aproximações. Campinas: Autores Associados, 1991. SCHNEIDER, Herbert W. A History of American Philosophy. New York: Columbia University Press, 1946. Disponível em: . Acesso em: 10 de maio 2010. SCHUTTE, Ofélia. Cultural Identity and Social Liberation in Latin American Thought. Albany: State University of New York Press, 1993. SCHWARTZMAN, Simon; BOMENY, Helena; COSTA, Vanda. Tempos de Capanema. São Paulo: Paz e Terra/FGV, 2000. SEIGFRIED, Charlene Haddock. William James’s Radical Reconstruction of Philosophy. Albany: State University of New York Press, 1990. ______. Pragmatism and Feminism. Chicago: London: University of Chicago Press, 1996. SHOOK, John R.; MARGOLIS, Joseph (Eds.). A Companion to Pragmatism. Malden, MA: Blackwell, 2006. SLEEPER, R. W. The necessity of pragmatism: John Dewey's conception of philosophy. Champaign: University of Illinois Press, 2001. SMITH, John E. The Spirit of American Philosophy. London: Oxford University Press, 1963. ______. The Spirit of American Philosophy. London: Oxford University Press, 1983. ______. America’s Philosophical Vision. Chicago: University of Chicago Press, 1992. SMYTH, Richard A. Reading Peirce reading. Lanham: Rowman & Littlefield, 1997. STRONG, Alejandro. Dewey and Martí: Culture in Education. In: PAPPAS, Gregory Fernando (Ed.), Pragmatism in the Americas. Fordham University Press, 2011. STUHR, John. Genealogical Pragmatism: Philosophy, Experience, and Community. Albany: State University of New York Press, 1997.

199   SIMÉON, Rémi. Diccionario de la lengua náhuatl o Mexicana. Trad. Josefina Oliva de Coll. 13. ed. México: Siglo XXI, 1994. STEELE, Paul; ALLEN, Catherine J. Handbook of Inca Mythology. Santa Barbara: ABC-CLIO, 2004. TEDLOCK, D. Popol Vuh: the definitive edition of the Mayan book of the dawn of life and the glories of gods and kings. New York: Simon & Schuster, 1985. ______. Breath on the mirror: mythic voices and visions of the living Maya. Albuquerque: University of New México Press, 1997. THAYER, H. S. Meaning and Action. Indianapolis: Hackett Publishing, 1981. TOCQUEVILLE, Alexis de. Democracy in America. Trad. George Lawrence. New York: Harper and Row, 1969. 1-2 v. TODOROV, Tzvetan. The conquest of America: the question of the other. Trad. Richard Howard. New York: Harper & Row, c. 1984. TORREGROSA, Marta. Peirce en el Diccionário de Filosofía de José Ferrater Mora, Anthropos, n. 212, 2006, p. 183-185. TRIGO, Benigno (Ed.). Foucault and Latin America: appropriations and deployments of Discoursive Analysis. New York: Routledge, 2001. TURNER, Frederick Jackson. The frontier in American History. New York: Dover, 1996. VARGAS, Manuel. Crossing the Borders of Philosophy: some thought on the 14th Interamerican Congress. APA Newsletter on HIspanic/Latino Issues in Philosophy, v. 99, 2000, p. 217-219. VAZ FERREIRA, Carlos. El Pragmatismo. Montevideo: Tipografía de la Escuela Nacional de Artes y Oficios, 1909. ______. (1908). Conocimiento y Acción. Montevideo: Cámara de Representantes de la República Oriental del Uruguay, 1963a. ______. Obras de Carlos Vaz Ferreira. Montevideo: [Cámara de Representantes de la República O. del Uruguay], 1963b. 25 v. : ill., ports., facsims. ______. Tres filósofos de la vida: Nietzsche, James, Unamuno. Buenos Aires: Losada, 1965. VIDAL, Diana; CAMARGO, Marilena. A imprensa periódica e a pesquisa histórica: estudos sobre o Boletim de Instrução Pública e a Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, v. 80, p. 81-92, 1992.

200   VIDAL, Vera; CASTRO, Susana de (Orgs.). A questao da verdade: da metafisica moderna ao pragmatismo. Rio de Janeiro: 7letras, 2006. WAAL, Cornelis de. Sobre o pragmatismo. Sao Paulo: Loyola, 2007. WALLERSTEIN, Immanuel The Modern World-System, vol. I: Capitalist Agriculture and the Origins of the European World-Economy in the Sixteenth Century. New York/London: Academic Press, 1974. ______. The Modern World-System, vol. II: Mercantilism and the Consolidation of the European World-Economy, 1600-1750. New York: Academic Press, 1980. ______. The Modern World-System, vol. III: The Second Great Expansion of the Capitalist World-Economy, 1730-1840's. San Diego: Academic Press, 1989. ______. World-Systems Analysis: An Introduction. Durham, North Carolina: Duke University Press, 2004. WEST, Cornel. The American Evasion of Philosophy: A Genealogy of Pragmatism. Madison: University of Wisconsin Press, 1989. WILSHIRE, Bruce. The primal roots of American philosophy: pragmatism, phenomenology, and Native American thought. Univesity Park: Pennsylvania State University Press, 2000. ______. The breathtaking intimacy of the material world: William James's last thoughts. In: PUTNAM, Anna Ruth (Ed.). The Cambridge Companion to William James. Cambridge: Cambridge University Press, 2005. p. 103-124. XAVIER, Libânia Nacif. O Brasil como laboratório: educação e ciências sociais no projeto do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais. Bragança Paulista: EDUSF, 1999. XAVIER, Maria do Carmo (Ed.). Manifesto dos pioneiros da educação: um legado educacional em debate. Rio de Janeiro: FGV, 2004. YANKELEVICH, Pablo. México, país refugio: la experiencia de los exilios en el siglo XX. Ciudad de México: Plaza y Valdes, 2002 ZALAMEA, Fernando. Bibliografía Peirceana Hispánica (1883-2000). In: NUBIOLA, Jaime; ZALAMEA, Fernando. Peirce y el mundo hispânico: lo que C. S. Peirce dijo sobre España y lo que el mundo hispánico ha dicho sobre Peirce. Pamplona: Eunsa, 2006. ZEA, Leopoldo. Pensamiento positivista latinoamericano. Caracas: Fundacion Biblioteca Ayacuch, 1980. v. 2 ______. El pensamiento latinoamericano. Barcelona: Ariel. ZIRIÓN QUIJANO, A.; VARGAS GUILLÉN, G. (Eds.). Fenomenologia en América Latina. Bogotá: Universidad de San Buenaventura, 2000.

201   ZULEN, Pedro. La filosofia del error, Contemporáneos, v. 1, n. 1, p. 9-11, 1909a. ______. La crisis filosófica contemporánea, Contemporáneos, v. 1, n. 3, , p. 118, 1909b. ______. La filosofia de lo inexpresable: bosquejo de una interpretación y una crítica de la filosofia de Bergson. Lima: Sanmartí, 1920. ______. Del neohegelianismo al neorealismo: estudio de las corrientes filosóficas en Inglaterra y los estados Unidos desde la introducción de Hegel hasta la actual reacción neorealista. Lima: Imprenta Lux de E. L. Castro, 1924.    

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.