Pensamento Sensorial: Eisenstein, cinema, perspectiva e antropologia

May 25, 2017 | Autor: M. Gonçalves | Categoria: Sergei Eisenstein
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Pensamento Sensorial: Eisenstein, cinema, perspectiva e Antropologia1

Marco Antonio Gonçalves (PPGSA-IFCS-UFRJ)

Artigo originalmente publicado em inglês na revista Vibrant(2013) 9(2):160-183 com o título "Sensorial thought: cinema, perspective and Anthropology". Resumo: O conceito de “pensamento sensorial” formulado por Eisenstein para dar conta da lógica do discurso cinematográfico o leva a propor diálogos fecundos com a Antropologia de sua época, especificamente com a formulação de Lévy-Bruhl sobre o modo de operar a “mentalidade primitiva”. Eisenstein procura traçar um paralelo entre a linguagem cinematográfica e o modo como se manifesta o pensamento primitivo que se apóiam no princípio de não-contradição, na ideia de simultaneidade do ‘eu’ e do ‘outro’, nos processos de metonimização como modo de intensificar a experiência sensorial. Esta sensorialidade produz uma determinada ‘perspectiva’, um engajamento entre espectador/personagem. Ao aproximar Cinema e Antropologia, Eisenstein produz uma potente reflexão sobre os conceitos de imagem, alteridade, perspectiva e sensorialidade. Palavras-Chave: Eisenstein, imagem, alteridade, perspectiva, pensamento sensorial.

A intenção deste artigo é refletir sobre as relações entre pensamento e imagem problematizando as concepções de perspectiva e pensamento sensorial formulados por Eisenstein2. Eisenstein ao abordar a lógica do discurso cinematográfico propõe um diálogo fecundo com a Antropologia tomando como interlocutor Lucien Lévy-Bruhl, mais especificamente sua formulação sobre o modo como opera a “mentalidade primitiva”. Ao buscar relações entre a linguagem cinematográfica, entendida como um modo de pensamento, e o modo como se manifesta a ‘mentalidade primitiva’ reflete sobre o princípio de não-contradição, a ideia de simultaneidade do ‘eu’ e do ‘outro’ que engendra uma complexa percepção de alteridade e processos de metonimização como modo de intensificar a experiência sensorial. Ao colocar em relação o Cinema e a Antropologia, Eisenstein produz uma potente reflexão sobre os conceitos de imagem, alteridade, perspectiva e sensorialidade. Neste sentido, o artigo parte das contribuições originais formuladas

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Uma primeira versão deste artigo foi apresentada no seminário Imagem e Antropologia realizado pelo PPGSA-UFRJ e agradeço aos colegas Clarice Peixoto, Sylvia Caiuby Novaes, Rubem Caixeta de Queiroz e Rose Hikiji. Uma segunda versão foi apresentada no PPGAS-UFRGS no âmbito do BIEV, agradeço aos comentários de Cornélia Eckert e Ana Luiza Carvalho da Rocha. 2 Utilizo um conjunto de textos de Eisenstein escritos na década de 1930 que aparecem reunidos em A Forma do Filme (2002): “Fora de Quadro”, “Dramaturgia da forma do filme”, “A quarta dimensão do cinema”, “Métodos de montagem”, “Sirva-se”, “A forma do filme: novos problemas”. 1

por Eisenstein procurando situá-las no debate da antropologia contemporânea que tem como centro de reflexão as imagens. Eisenstein enfatiza que o cinema reforça uma lógica do pensamento operar por um modo sensorial apoiado nos processos de metonimização. O pensamento sensorial, por sua vez, é o responsável pela experiência do cinema, qual seja, a adoção de uma determinada ‘perspectiva’, o que permite o espectador se identificar com o que se passa na tela, no filme. A relação entre ‘pensamento sensorial’ e a produção de uma ‘perspectiva’ permite problematizar o significado que ‘imagem’ assume para o Cinema e para Antropologia.

ARTE E SENSORIALIDADE Iniciemos por uma conceituação de “arte” formulada por Eisenstein para nos aproximarmos sobre o modo como opera o pensamento cinematográfico. “Arte” é definida pelo seu duplo aspecto, o de alegoria (apresentação de um mundo) e o de explicação sobre o mundo (Eisenstein, 2002:123). Na percepção estético-conceitual de Eisenstein não há uma separação entre a produção do conhecimento nas artes e nas ciências, sobretudo as humanas, uma vez que o artista produz alegorias sobre o mundo ao mesmo tempo que o explica revelando, assim, este duplo caráter de produtor de conhecimento e produtor de alegorias sobre o mundo3. Para Eisenstein, a “forma do filme” não apresenta, necessariamente, um conteúdo4. Esta primeira questão é exemplificada demonstrando que a estrutura dos romances de Cooper, autor que exaltava, no início do século XIX, os feitos dos colonizadores contra os índios norte americanos, é a mesma, num sentido inverso, do romance policial usado por Hugo ou Balzac e que ambas tratam, inequivocamente, de histórias de fugas e perseguições (Eisenstein, 2002:124). Neste sentido, Eisenstein está interessado em provar que o chamado discurso interior, o discurso propriamente cinematográfico, o das obras de arte, tem uma estrutura formal diferente quando comparado ao discurso articulado. Enfatiza que ambos os discursos tem uma sintaxe, um fluxo e, portanto, são informados por leis gerais que os comandam e os estruturam. O discurso interior (o cinematográfico, artístico) baseia-se em processos de pensamento construídos por uma estrutura sensorial da imagem não sendo regido portanto pela mesma formulação lógica da linguagem articulada (Eisenstein, 2002:125).

3 Esta questão nos reenvia às idéias de Lévi-Strauss(1964) sobre a função da mitologia, enquanto forma potente de estetização do mundo e, ao mesmo tempo, explicação sobre este mundo. Deste modo, cinema e mitologia se aproximam no pensamento de Eisenstein. 4 Esta concepção da 'forma do cinema' aproxima Eisenstein da linguística estrutural produzida por seus compatriotas que fundaram o Círculo Linguístico de Praga, cuja ênfase é posta na forma, no aspecto estrutural da produção de uma língua que não estaria emanando nenhum conteúdo, ou seja, é na relação formal entre os pares de oposição fonêmica que a língua ganha estrutura. 2

A questão central é a de demonstrar que este pensamento sensorial, através do qual o cinema se estrutura, aproxima-se do chamado pensamento primitivo que estaria, para Eisenstein, associado às formas do pensar artístico. A idéia de aproximar a percepção cinematográfica ao pensamento sensorial faz equivaler o cinema às representações primitivas que operariam, também, através deste mesmo modo de pensar, um pensar através da sensorialidade. Para tanto, Eisenstein apropria-se dos escritos de Lévy-Bruhl procurando explicar que esta forma de pensar através de imagens equivale à forma sensorial baseada na metonímia, o que designa de pars pro toto, da parte ao todo. Qualifica, assim, a metonímia como a figura de linguagem que mais exerce intensidade sobre os sentidos. Exemplifica esta percepção a partir de uma cena célebre de seu próprio filme em que usou a metonímia para intensificar a sensorialidade: “o monóculo do médico em o Encouraçado Potemkim está firmemente gravado na memória de qualquer pessoa que viu o filme. O método consistiu em substituir o conjunto (o médico) por uma parte (o monóculo) que desempenhou o papel do médico e o desempenhou com muito mais intensidade sobre os sentidos do que se teria conseguido com o reaparecimento do cirurgião. (…) O monóculo, assumindo o lugar do cirurgião, não apenas preenche completamente seu papel e lugar, mas o faz com enorme aumento sensorial-emocional da intensidade da impressão.” (Eisenstein, 2002:126-7). CINEMA E “PENSAMENTO PRIMITIVO” Eisenstein aproxima o chamado pensamento primitivo e o cinema, uma vez que ambos enfatizam a metonímia como o modo de apresentar seu pensamento sobre o mundo em oposição ao modo metafórico, percebido como um modo de pensar em que as relações são estabelecidas sem grande intensidade sensorial-emocional. Esta formulação sobre o modo de pensar a partir da metonímia nos reenvia à questão de como o cinema e as manifestações artísticas em geral estariam mais do lado da metonímia do que da metáfora. Portanto, para Eisenstein, há um valor na metonímia: a intensificação da apreensão sensorial produzida pelo efeito de sinédoque. Eisenstein procura demonstrar que as chamadas 'formas primitivas de pensamento' são ajuizadas a partir da lógica corrente no pensamento ocidental que se baseia na metaforização do mundo. Eisenstein recorre ao clássico exemplo apresentado por Lévy-Bruhl em “As funções mentais das sociedades inferiores” quando evoca o dado, originalmente, evocado por Karl von den Steinen5 à propósito dos Bororo e das araras. Eisenstein compreende do seguinte modo tal fenômeno: “ … um ser humano, apesar de ser ele mesmo e de estar cônscio de si mesmo como tal, simultaneamente se considera também uma outra pessoa ou coisa, e mais, se considera tal coisa, de 5

Karl Von den Steinen foi um antropólogo alemão que fez duas expedições ao Brasil Central cruzando com os Bororo em sua primeira expedição em 1888 e autor da célebre frase “os bororo são araras...” que produziu inúmeros comentários e reflexões e tornou-se, por isso, uma das célebres frases da antropologia que desafiava as interpretações lógicas do pensamento.

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modo igualmente definido, concreto e material. (…) Note-se que de modo algum [os Bororo] querem dizer que se tornarão estes pássaros após a morte, ou que seus ancestrais foram estes pássaros reais. Não se trata de uma questão de identidade de nomes e relações; eles querem dizer uma identidade total simultânea de ambos” (Eisenstein, 2002:129). E conclui do seguinte modo:: “Não importa quão estranho e incomum isto possa parecer, é porém possível citar, a partir da prática artística, várias instâncias que soariam iguais, quase palavra por palavra, à idéia dos Bororo sobre a existência dupla simultânea de duas imagens completamente isoladas e diferentes e, contudo, reais” (Eisenstein, 2002:129). Recorramos, agora, ao próprio Lévy-Bruhl: "... que sejam de uma vez homens e animais...sob a forma humana, eles são também animais, e sob a forma animal eles são também homens... o homem-leopardo...quando se veste da pele do leopardo, não está disfarçado, com se diz, neste animal. Ele é verdadeiramente um leopardo, sem cessar de ser homem... ele é de uma vez um e duplo, como o homem-leopardo dos nagas, como o homem-tigre da península Malásia. E, por uma consequência natural, o homem não poderá rejeitar a responsabilidade daquilo que o animal tiver feito”. (Lévy-Bruhl,1927:204). Crocker (1977), debruçando-se sobre o mesmo problema meio século depois, dá sinais de que existe algo de menos entre as araras e os Bororos, e evoca novamente as questões que LévyBruhl levantou. Não se trata de metáfora, trata-se de uma sinédoque ou metonímia. Goldman(1991) formula a questão do seguinte modo: "O problema, o que diz respeito ao pensamento de Lévy-Bruhl, é que a noção de metáfora implica, queiramos ou não, um pressuposto bastante perigoso, a saber, que ao afirmar algo, os "nativos" estariam na verdade dizendo outra coisa. Ou seja, tudo se passa como se a noção de metáfora fosse uma nova versão daquilo que Talal Asad(1986:149-51) pensa ser uma velha pretensão da antropologia e das ciências humanas em geral, a de detectar o implícito das outras culturas e dos outros homens. Coisa que o próprio Crocker não deixa de sugerir inadvertidamente, ao mostrar como Lévy-Bruhl poderia deixar de apelar justamente para o conceito de metáfora, o fato de que para os Bororo a relação só pode ser literal e auto-evidente. É esse de fato o nó do problema, sendo que a originalidade de Lévy-Bruhl ao tratar dele é exatamente ter renunciado à pretensão de querer explicá-lo..."(1991:409). Eisenstein procurando entender este fenômeno da simultaneidade lança mão de outros exemplos evocando a auto-sensação do ator durante a encenação que produz uma relação entre 'eu' e 'ele' nos mesmos moldes Bororo, que em ultima instância engendra um problema clássico da simultaneidade do 'eu' e 'não-eu'. Cita o depoimento da atriz Serafima Birman, dirigida por em Ivan, o terrível, para esclarecer o modo de pensar sensorial dos Bororo análogo, portanto, ao modo de pensar dos atores: a atriz diz que no momento que a criança pára de falar em terceira pessoa sobre si 4

mesma, como demonstra a passagem da frase do tipo 'Ana quer andar' para 'quero andar', é análogo ao momento em que o ator pára de falar de seu personagem como 'ele' e diz 'eu': “quando realmente este novo 'eu' não é o 'eu' pessoal, do ator, mas o 'eu' da sua imagem...” (Eisenstein, 2002:130). Vejamos o modo como muitos atores tratam deste 'devir' outro, esta

possibilidade de

transformação baseada na simultaneidade entre coisas distintas, ao assumirem nas formas coloquiais dos ensaios teatrais as seguintes frases: ' já não sou eu'; 'agora sou fulano de tal'; 'veja, estou começando a ser ele'. Estes exemplos evocados por Eisenstein enfatizam uma espécie de fusão sensorial do 'eu' e do 'outro' que passa a ser uma espécie de 'imagem' do 'eu' que a partir desta percepção não admite mais contradição. Eisenstein vai ainda mais longe ao afirmar que esta percepção sensorial é um modo do pensamento proceder que contagia mesmo o espectador que passa a adotar uma perspectiva, isto é, o espectador não é capaz de matar o vilão (embora o deseje) porque tem justamente em mente esta dualidade unida do personagem mas, ao mesmo tempo, pode rir, chorar uma vez que 'esquece' de forma parcial que faz parte de uma representação. Este estado, portanto, da emoção do espectador que se liga por sua vez a do ator-personagem seria, por assim dizer, um dos elementos comuns da linguagem artística e do chamado pensamento primitivo ou sensorial que permite 'tomar' ou 'adotar' uma outra perspectiva. Pois a perspectiva e o acesso a ela é justamente o estabelecimento da não-contradição, no sentido de poder viver ou sentir este pensamento sensorial como não-contradição, regido por uma lógica que faz com que penetremos em outros mundos e em outros seres. Neste sentido, o cinema oferece esta possibilidade de 'tomar' uma determinada perspectiva o que coincide, segundo a insistência de Eisenstein, com o pensamento primitivo que depende e acentua esta possibilidade sensorial do mundo afirmando um modo de pensar baseado em outras conexões e fluxos que se assemelham ao modo artístico propriamente dito de pensar. Eisenstein lança mão de outros exemplos como o dos bosquímanos, retirado do livro de Wundt (1928), demonstrando como a forma que os próprios bosquímanos formulam suas relações com os brancos em seu próprio discurso contrasta, e muito, com o modo que Wundt interpreta e traduz este pensamento bosquímano. A versão bosquímana, segundo Eisenstein, estaria mais próxima de um roteiro cinematográfico no sentido que descreve as ações como cênicas e orientadas a partir desta forma de pensar sensorial: “Bosquímano vai lá, corre para o homem branco, homem branco dá tabaco, bosquímano vai fumar, vai encher bolsa de tabaco, homem branco dá carne, bosquímano vai comer carne, levanta, vai para casa, vai feliz, vai cuidar ovelhas homem branco, homem branco vem e bate bosquímano, bosquímano grita alto dor, bosquímano foge homem branco, homem branco corre atrás de bosquímano, bosquímano depois outro, outro pastoreia ovelhas, bosquímano todos partiram”. Vejamos, agora, a versão de Wundt sobre a versão bosquímana: “ O bosquímano foi no início recebido gentilmente pelo homem branco a fim de que 5

apascentasse as ovelhas dele; depois o homem branco maltratou o bosquímano; ele fugiu, enquanto o homem branco pegou outro bosquímano, que passou pela mesma experiência” (Eisenstein, 2002:131). Eisenstein nos diz que na versão bosquímana podemos encontrar o embrião do roteiro cinematográfico que se baseia nesta fórmula de pensar o mundo sensorialmente, encaminhando a ação de um ponto de vista diferente seguindo, portanto, uma narrativa ancorada na imagem. Esta imagética da narrativa que empresta este aspecto sensorial ao narrado é, justamente, o que permite a outras pessoas (como os espectadores) tomar a perspectiva da ação quando passam a 'viver' esta formulação dos bosquímanos como se fosse sua própria formulação. A narrativa bosquímana, para Eisenstein, equivale literalmente à montagem da 'seqüência clássica de perseguição' norteamericana. Em outro ensaio, “Fora de quadro” de 1929, Eisenstein, trata de uma questão que lhe é cara, a escrita japonesa, língua que se dedicou a entender e falar de forma fluente. Percebe de modo análogo que a escrita japonesa opera pelo que denomina 'pensamento imagístico' em que a imagem ganha mais evidência na forma do pensamento se expressar em relação a escrita. Demonstra como o elemento mais importante do cinema, na sua percepção, a montagem, domina a cultura visual japonesa através da escrita, não apenas em sua forma mas em seu conteúdo. Eisenstein reconhece a importância da categoria de hieróglifos japoneses conhecida por huei-i, isto é, copulativos para a compreensão da essência do modo de pensar através das imagens. Na escrita japonesa o resultado da combinação de dois elementos produzem não a soma de 'imagens' mas um novo conceito imagético que é expresso no ideograma. Vejamos alguns exemplos: a junção da imagem para água somada à imagem de um olho dá origem a um novo ideograma que significa chorar; a imagem de um cachorro somado à imagem de boca, significa latir; a imagem de uma boca somada à imagem de um pássaro significa cantar. Neste sentido, o processo de criação do ideograma japonês é o mesmo da montagem cinematográfica que cria a partir da 'cópula' novas significações. Assim, mais uma vez a tese de Eisenstein estaria demonstrada, qual seja, de que o cinema faz parte do pensamento e opera como opera o pensamento: a linguagem do cinema é a linguagem do pensamento regido pelas mesmas leis. Do mesmo modo Eisenstein pensa o haikai: ao gerar um pensamento imagístico, produz um efeito imagístico sensorial que combina símbolos antagônicos apresentados pelos ideogramas que são a plena expressão de 'palavras-imagens' quando acentuam aspectos sensoriais mas não por isso menos conceituais. É neste sentido que Eisenstein afirma que: “[os haikai] são frases de montagem”(Eisenstein, 2002:38). Nos diz, ainda, que a recepção do haikai é de crucial importância, uma vez que a recepção agrega um partilhar de perspectiva o que, por sua vez, produz uma qualidade emocional. Neste sentido, as mesmas estratégias do processo de construção do ideograma 6

vão reger no Japão um modo de pensar que se encontra expresso simultaneamente na poesia haikai, na produção da máscara e na gravura que tem por característica geral tomar traços isolados (imagens) para produzir algo novo como um conceito: o ideograma, a máscara ou a gravura. O que coincide com a própria lógica da montagem no cinema: tomar elementos isolados para colocá-los em um fluxo de significação que, por sua vez, gera esta qualidade emocional, esta forma de exercer o pensamento sensorial. Quando tomamos elementos isolados e os ordenamos, construímos, nas palavras de Eisenstein, uma combinação de “monstruosas incongruências (…) sob [um] ponto de vista” (Eisenstein, 2002:40). Então, ponto de vista é justamente uma possibilidade de se situar em uma perspectiva, a partir justamente desta 'cópula', combinação de elementos isolados que gera e produz uma nova percepção através do fluxo do pensamento sensorial. É por este motivo que Eisenstein insiste que o 'realismo' nas artes, concebido enquanto modo de harmonizar estas incongruências e como forma de reforçar paralelos entre a imagem mental e o mundo está longe de ser a 'correta percepção do mundo', uma vez, que se resume “simplesmente a uma função de uma determinada forma de estrutura social” e não há um modo natural e congruente do pensamento proceder. Deste modo, o cinema e o pensamento sensorial, seriam justamente esta forma incongruente do pensamento proceder porque se efetiva a partir de um modo copulativo, criando em toda a sua potência as 'monstruosas incongruências”. É, também, por isso que Eisenstein vai definir a montagem como colisão, como conflito: a idéia de cópula gerando novos conceitos faz com que as colisões produzam simultaneidades em que 'eu é outro', base de uma possibilidade de aceder a uma perspectiva. Esta forma do pensamento proceder é para Eisenstein o modo, propriamente dito, do pensamento cinematográfico. A montagem sugere uma adesão da percepção ao juntar imagens que produzem outras imagens que não estavam no plano da imagem do filme mas no plano da imagem do pensamento. Este é o caso descrito por Bazin (1985:66 apud Menezes, 2005:100,n.49) sobre a enquete realizada após a exibição do filme “O bebe de Rosemary”(Roman Polanski) quando os espectadores descreviam o rosto monstruoso do bebe que jamais apareceu na tela do cinema e foi apenas sugerido pela seqüência da montagem. Eisenstein compara, ainda, esta forma sensorial ao modo como o poeta escreve: a associação do fluxo de palavras na construção do poema, apoiado numa escrita imagética que se baseia na mesma lei da criação por ele denominada como 'formas primitivas do processo de pensamento'. Poesia e cinema manifestam a mesma qualidade do pensamento, qual seja, a de propor uma imagem do mundo. Eisenstein exemplifica: ao invés de falarmos “uma velha vivia lá e então...” preferimos dizer “Era uma vez uma velha que vivia dentro de um sapato” (Eisenstein, 2002:132). Esta forma de propor uma imagem do mundo faz toda diferença na possibilidade de percepção deste mundo por outrem o que reforça a analogia entre o chamado pensamento primitivo e o cinematográfico. Eisenstein, neste mesmo texto, faz uma crítica a Lévy-Bruhl, ao demonstrar como ele 7

restringiu esta forma do pensamento proceder aos chamados primitivos não percebendo que esta formulação do pensamento estaria relacionada, nas próprias palavras de Eisenstein, “para o ser humano de qualquer tipo de pensamento socialmente determinado, não importa o estado que ele possa estar” (Eisenstein, 2002:134). Afirma, ainda, que existe um 'deslizamento continuo' entre as formas 'mais elevadas de ordem intelectual' e as chamadas 'formas primitivas do pensamento sensorial' de modo que: “ Os limites entre os tipos é móvel e é suficiente um impulso emocional não muito forte para que uma pessoa extremante lógica, circunspecta, de repente reaja em obediência à nunca adormecida armadura interna do pensamento sensorial e às normas de comportamento dela derivadas.” (Eisenstein, 2002:134). Assim, o chamado pensamento sensorial, não é uma forma primitiva, mas uma forma de pensamento. E para provar tal relação, Eisenstein nos fornece um exemplo simples e contundente: “Quando uma garota a quem você foi infiel rasga 'de ódio' sua foto em pequenos pedaços, destruindo assim o 'traidor perverso', por um momento ela restaura a operação mágica de destruir um homem pela destruição de sua imagem (baseada na primitiva identificação entre imagem e objeto)” (Eisenstein, 2003:134). Eisenstein nos reenvia à mesma questão formulada por Latour (1994) em seu livro “Jamais fomos modernos” quando ressalta a potencialidade e possibilidade do pensamento sensorial surgir 'fora de quadro', ou seja, a crítica de Eisenstein coincide com a percepção de Latour quando este critica, justamente, o modo como a modernidade se institui a partir da crença de zonas ontológicas distintas criando o que seria a 'atitude moderna': a divisão entre humanos e não-humanos, sujeitos e objetos, ciência e não-ciência. Portanto, enquanto definimos estas práticas como separadas é o que garante a crença de que somos modernos. Porém, é no momento em que se afirma uma simultaneidade destas ontologias é que a definição de modernidade passa a introduzir determinados híbridos, para usar a linguagem de Latour, que denunciam sua própria crença. Neste sentido, o modo sensorial produzido pelo cinema na argumentação de Eisenstein coincide com o modo dos primitivos formularem seu pensamento sobre o mundo, construindo híbridos, simultaneidades, o que permite por em evidencia um pensamento que insiste em construir uma rede baseada em séries heterogêneas de elementos (atores) que podem ser animados, inanimados, humanos e não-humanos que estão conectados como um fluxo e estabelecendo novas significações6. Esta forma do pensamento proceder sensorialmente produz, como salientou Eisenstein, “monstruosas incongruências” que estando na base do pensamento cinematográfico encontram-se, também, na base de muitas reflexões contemporâneas da Antropologia como as propostas por Gell (1998) a propósito do caráter de signo indiciático da fotografia que borra as fronteiras entres as 6 Latour reconhece a importância do conceito de Rizoma, concebido por Deleuze e Guattari(1995) em que qualquer 'ator' se conecta com qualquer 'ator', não tendo um princípio e um fim determinado. 8

zonas ontológicas que procuram separar sujeito e objeto; o sentido de metonímia, o que toma a parte pelo todo na magia simpática de Frazer (1978), retomado por Taussig (1993). Neste contexto, o que deve ser ressaltado é menos formas de pensamento ou perspectivas substanciais e mais possibilidades de construções de 'frames' (Lagrou, 2011), em que determinadas formas de pensamento ganham sentido a partir de contextos específicos. Eisenstein ao procurar ultrapassar esta falsa antinomia entre um modo lógico-intelectual versus um modo sensorial do pensamento proceder acrescenta que é justamente na arte, incluindo-se o cinema, que se percebe esta dissolução que caminha para uma tensão que é constitutiva e que constitui a definição de arte: o poder de manifestar esta 'unidade dupla' do pensamento proceder seja pelo modo sensorial, seja pela intelectuação, uma vez que a obra de arte se fundaria nesta tensão entre forma e conteúdo: “Uma virada em direção ao lado lógico-temático torna a obra seca, lógica, didática. Mas pressionar demais o lado das formas sensoriais do pensamento... é igualmente fatal para a obra: ela fica condenada ao caos sensorial... Apenas na interpretação 'duplamente unida' dessas tendências reside a verdadeira unidade formada pela tensão da forma e conteúdo”. (Eisentein, 2002:136).

PERSPECTIVA, DESCENTRAMENTO E CONHECIMENTO SENSORIAL A convenção da perspectiva é um modo de fazer coincidir as imagens mentais sobre o mundo com as próprias formas de representação pictórica sobre este mundo (Flores, 2007:20). Esta forma de pensar engendra uma percepção de que o mundo exterior é passível de ser captado por um sujeito que o capta em forma de representação produzindo, portanto, um modo realista de apresentação do objeto, um modo neutro, objetivo e ilusionista. Eis as bases da geometria clássica e seu esforço por impor uma perspectiva (Flores, 2007:20). Esta discussão trazida para o cinema engendra um paradoxo: embora o cinema registre o 'real' de modo indiciático não tem a capacidade da pintura de imprimir sobre o mundo esta forma de perspectivação. Este fato pode ser ilustrado a partir da inspiração impressionista exercida no cinema, em seus fundadores, os irmãos Lumière, que filmavam o real a partir desta percepção pictórica do mundo como atesta as comparações feitas por Ramond (2005) em sua reflexão sobre o impressionismo e o nascimento do cinematógrafo. Esta reflexão a partir das imagens, tanto do cinematógrafo quanto da dos pintores impressionistas, procura demonstrar as coincidências estéticas entre ambos. As imagens que tratam da intimidade, da modernidade (ruas, movimentos, aglomerações), as imagens ao ar livre, as estações de trem e os vagões, são constitutivas desta percepção estética da qual o cinema nasce sob este olhar impressionista do mundo. A relação do cinema com o impressionismo fez o cinema escapar do 'gabinete de curiosidades' e ir ao mundo, como fizeram os impressionistas que deixaram seus ateliês e pintaram o mundo em movimento diante de seus olhos, construindo 'a arte do realismo poético', noção mesma que ultrapassa o cinema e vai ao encontro de 9

uma atitude estética de uma época que como disse Stendhal, ao definir o romance moderno, produziu uma situação de situar o olho, a câmera, a pintura no coração da realidade (Ramond, 2005:166)7. As primeiras imagens produzidas por Lumière marcam uma determinada forma de perspectiva já consagrada pelo impressionismo. Portanto, o modelo de Lumière não era o ‘real’, o mundo que ele via através da lente da máquina que operava mas sim o impressionismo, a pintura, que era um movimento que valorizava a luz, o momento, o evento, o ar livre, as cenas da vida cotidiana. As cenas registradas por Lumière e as pinturas da época se organizam pela mesma concepção estética, o mesmo enquadramento. Por mais que os aparatos tecnológicos produzam transformações importantes no modo de apreensão do mundo é, também verdadeiro, que realizamos e atualizamos no mundo formas de pensar por meio de aparatos tecnológicos – e não o contrário e, assim, retornamos ao mesmo problema de Lumière: olhava o mundo com o mesmo olhar dos impressionistas, o mesmo olhar de Monet, Manet, Degas e Renoir, com uma diferença notável, realizava isso por meio de uma máquina. Há uma idéia corrente(Jakobson (1970), Berger (1972)) de que a câmera, 'câmera- olho', 'a máquina-olho', produz imagens que descentram a perspectiva pois o que se vê depende de um tempo e um espaço que se fixa na imagem. Em contraste com o descentramento proposto pela máquina temos a perspectiva clássica, a renascentista, que engendra “ uma perspectiva central que, para além da obtenção de um espaço homogêneo e infinito, ressalta a obrigatoriedade de um ponto de vista único e fixo” (Flores, 2007:62). Assim, tanto o pintor como o espectador vê a pintura através de um 'furo', a partir de um ponto de vista determinado. Se na perspectiva da pintura renascentista tudo convergia para um ponto infinito, o espectador sendo o centro, a câmera de filmar propõe justamente que não há centro. Esta questão foi formulada por Comolli(2008 apud Queiroz e Guimarães, 2008:47) ao pensar sobre a importância da câmera-olho para Vertov(1983). A relação entre câmera e olho (máquina-olho do cinema), que por ser, justamente, máquina engendra uma capacidade subjetiva, isto é, ‘não-objetiva’ como é comumente pensado. Para Comolli(2008) a visão é crucial para a percepção no cinema e o espectador percebe que estando cego passa a ver o mundo de outrem, o que significa compreender e sentir através desta 'emoção' e desta 'ilusão' proposta pelo cinema. Enfatiza-se, assim, um caráter subjetivo de um conhecimento que 'procede das emoções',

7 E aqui a antropologia também se transforma sob esta mesma influência de se situar no coração da realidade a partir do deslocamento do corpo e do olho do antropólogo que nesta condição assume a forma do etnógrafo. Lembremos aqui das expedições que Boas empreende a partir de 1886 e que Haddon e Rivers empreendem ao Estreito de Torres em 1888, esta ultima associada definitivamente à produção de imagens em movimento e relacionada ao cinema emergente. Ver análise que Grinshaw (2001) empreende sobre as imagens produzidas pela expedição e a comparação que faz entre a produção do conhecimento antropológico neste momento e o estilos cinematográficos. 10

conectando, de uma só vez imagem e conhecimento através dos sujeitos do cinema: quem filma, os filmados e o espectador. Deste modo, a perspectiva, o modo de olhar no cinema, engendra um conhecimento imagético ancorado numa forma particular de conhecer que, retomando mais uma vez Eisenstein, diríamos, agora, conhecimento sensorial8. Neste sentido, é interessante notar que o impressionismo é por si só um modo de descentrar a visão, pois é o expectador que vai formar a imagem das cores. As cores não são misturadas mas colocadas puras, lado a lado, pois dependem do espectador para formá-las. Esta nova percepção coloca no espectador a produção da perspectiva e não no quadro em si, em que, agora, o espectador, percorre as sensações que estão lá sugeridas do mesmo modo que no cinema o espectador exercita o seu olhar sobre a imagem9. Penso, entretanto, que o que está posto na fotografia, no cinema e no impressionismo é um modo de atribuir uma forma cultural de apreender o real que não reside na objetividade da câmera e na captação das imagens do 'real', mas em padrões pictóricos, ou em geral estéticos, que exprimem de certo modo formas de olhar e de se apropriar do mundo esteticamente. Flores argumenta que a pintura egípcia tem uma perspectiva horizontal que não estabelece um ponto de vista único, mas uma multiplicidade de pontos de vista “exigindo por parte do espectador, uma tal atividade do olhar, cuja mobilidade do olho se faz primordial” (2007:29). Uma percepção do cinema como forma de descentramento de perspectiva e pensamento sensorial é explicitada por um nativo Kaxinauá quando exposto às imagens cinematográficas, comparando-as ao fluxo de imagens que tinha acesso quando ingeria a bebida ayahuasca, em suas 8

Queiroz & Guimarães (2008) enfatizam, também, este caráter perspectivo do cinema a

partir da ênfase posta no documentário, pois seria neste gênero de filme que o cinema proporciona uma alteração de perspectiva plena, ou seja, tanto o espectador, quanto os filmados como o próprio diretor sairiam desta experiência sensorial imagética alterados. Queiroz & Guimarães exploram esta noção de alteração em termos de 'Devir-Outro' ou 'Devir-Filmado' (2008:36). Neste sentido, esta possibilidade de experimentar diferentes perspectivas ou assumi-las diante do cinema, vivê-las como alteração seria a essência mesma do documentário.

9 Segundo Menezes (1997:340) os impressionistas estariam ainda ligados às regras gerais da representação da perspectiva oriundas do renascimento uma vez que tratavam de um espaço físico, objetivo e exterior. É apenas com Cézanne, que começa a desorganização dos esquemas tradicionais da representação (Menezes, 1997:341). 11

palavras: “Filme é como as visões da ayahuasca. As imagens são parecidas. Mas fazer um filme, que trabalho! Com o nosso cipó10 é muito simples!”11. Esta questão evoca que as linguagens do cinema do mesmo modo que a da ayahuasca são, por assim dizer, sensoriais o que permite em sua essência uma descentralização do sujeito, uma simultaneidade que produz a proliferação de pontos de vista, no sentido que Deleuze (2005:175) conceitua o ‘perspectivismo’. Deleuze (2005:185) formula a questão do descentramento a partir da célebre fórmula de Rimbaud, válida para o cinema que estabelece sensorialmente a simultaneidade: ‘Eu é outro’: “...as perspectivas ou projeções são o que não é nem verdade nem aparência, e com tal revolução de perda dos centros, por um lado o centro se tornava puramente ótico, o ponto se tornava ponto de vista.”(Deleuze, 2005:175). Sobre o pensamento cinematográfico, encontramos em um texto de Jakobson ([1933]1970) as mesmas preocupações de Eisenstein. Jakobson nos diz que o cinema seria ao mesmo tempo, na simultaneidade, signo e objeto. Decorre deste fato que o problema da realidade e da ilusão é a própria essência do discurso fílmico. Num exemplo, Jakobson desvenda esta faceta do cinema: “O cão não reconhece o cão pintado, visto que a pintura é essencialmente signo – a perspectiva pictórica é uma convenção... O cão late para o cão cinematográfico...” (1970:155). Esta capacidade de situar-se, de assumir uma perspectiva, de tomá-la como 'realidade' é a dualidade que o cinema instaura, a 'dualidade unida' ou 'unidade dupla' de que nos falava Eisenstein. A conceituação de Benjamim (1996:170) ajuda, também, a compreender que o cinema nos possibilita aceder a outras perspectivas uma vez que seu produto não é mais a ‘coisa-em-si’ mas as imagens das coisas. Para Benjamim (1996:189) a questão central é como o mundo é representado pela câmera: “a compreensão de cada imagem é condicionada pela seqüência de todas as imagens anteriores” e não mais de sua depedência em relação às ‘coisas do mundo’. Uma vez que a imagem não tem um sentido intrínseco está sempre referida a uma outra imagem, no cinema não há a possibilidade de objetificação da imagem pois a cadeia significante não pára, desobjetificando a imagem o cinema desrealiza o real. Xavier (2003:31-57) explora esta conceituação da perspectiva no cinema demonstrando que existe uma identificação entre o aparato cinematográfico e o olho o que, por sua vez, favorece uma “identificação do meu olhar com o da câmera, resultando daí um sentimento de presença do mundo 10

Ayahusca é a liana ou cipó, Banisteriopsis caapi, usada como o principal ingrediente na preparação da bebida que ganha o mesmo nome, consumida pelas populações nativas do noroeste amazônico, incluindo aí Brasil, Peru e Colômbia. 11 Filme Nawa Huni: regard indien sur l’autre monde de Patrick Deshayes e Barbara Keifenhein, CNRS, França, 1986. 12

emoldurado na tela”. É esta concepção de identificação que permite a Xavier empreender a seguinte formulação: “O olhar do cinema é um olhar sem corpo”. Esta percepção resume a idéia de que no cinema há 'participação', isto é, o espectador participa de um mundo imaginário podendo aderir às imagens sem limites corporais, não precisando estar lá, simula este estar lá nas imagens e assim pode se entregar ao cinema (Xavier, 2003:37). Xavier enfatiza esta submissão ao ponto de vista do outro como condição de adentrar no mundo proposto pelo cinema. É justamente pelo fato do espectador não estar situado ou ancorado no mundo é que pode

ver o mundo de outra

perspectiva, participar daquele mundo. A idéia de participar ganha, aqui, uma dimensão conceitual que nos reenvia ao próprio conceito formulado por Levy-Bruhl, qual seja, o de participação que implica a idéia de simultaneidade, de não contradição, da metonímia, do eu ser outro, tão bem apreendida pela percepção de Eisenstein. Este “olho sem corpo”, esta participação, é a entrada numa experiência sensorial expressiva que torna aquele mundo plausível. Vemos um rebatimento direto entre esta concepção de perspectiva proposta pela experiência sensorial do cinema com a conceituação de perspectivismo proposta por Viveiros de Castro (2002) e pela noção de ponto de vista proposta por Lima(1996). Se para os ameríndios o corpo engendra o ponto de vista, a perspectiva depende justamente de aderir a uma forma corporal, de ser outro (ter outro corpo) e poder, assim, daquele corpo ver o mundo. Se o efeito do cinema é produzir um olho sem corpo, quando nos retira a corporeidade ordinária, podemos assumir, apenas pelo olhar, múltiplas perspectivas através da tela em que o nosso olhar pode, então, encarnar em corpos outros: humanos, animais ou objetos. A ausência corporal induzida pelo cinema quando concentra toda a atenção no olhar promove uma fusão mimética entre o olho e a câmera condição mesma que garante esta capacidade de assumir múltiplas perspectivas. Enfatiza-se, assim, o lugar central do sujeito na construção do cinema, seja documentário, seja ficcional. O sujeito, portanto, as imagens do sujeitos (leia-se seus corpos), implica desde Platão (1999a, 1999b)12, em verdade e engano e, neste sentido, pode-se dizer que o ponto de vista emerge com a posição de sujeito na tela, produzida no encontro de quem filma e de quem é filmado, rebatendo-se sobre o espectador que tenta, desesperadamente, também enquanto sujeito da recepção, dar conta desta dimensão de acompanhar e adotar possibilidades de outras perspectivas que no cinema estão definitivamente encarnadas em corpos. Este plano demonstra a importância da dimensão do problema da perspectiva, da adoção de um ponto de vista entre os múltiplos pontos de vista apresentados. O cinema se materializa através de corpos que enunciam discursos e esta corporeidade seria a infra-estrutura mesma da condição cinematográfica (coincidindo, assim, com o preceito do perspectivismo, Viveiros de Castro, 2002): se existem sempre corpos, existem por sua 12 A imagem, pela sua essência dual, por se confundir com o que ela representa muitas vezes é associada à magia, ao encantamento, aos mitos (Caiuby Novaes, 2008; Joly, 2009). 13

vez subjetividades, perspectivas. Isto é, modos particulares de ver o mundo corporeificados em imagens. Resulta desta condição, a dependência do personagem, central no 'dar a ver' as imagens do cinema. O personagem no cinema nasce já descentrado do que seria o humano propriamente dito, uma vez que o personagem (daquele de quem vamos adotar uma perspectiva), pode ser uma montanha, um pinguim, um espírito, um objeto, um homem, uma mulher. O que devemos reter aqui é a potência da criação do 'personagem' no cinema, uma capacidade de assumir uma perspectiva e transferí-la para outrem para que possa, nesta nova condição, vivenciar esta forma de ver o mundo. Cândido (2007:54) nos chamou atenção para a importância da corporeificação do personagem na narrativa do romance, seu processo de subjetivação, uma vez que este parecer 'vivo' é que permite a aceitação da ‘verdade’ da trama através do romance. A categoria de verossimilhança aqui é essencial para se compreender o ponto de vista de um personagem e do modo como podemos aderir a sua perspectiva. Cândido enfatiza, em suas palavras, este 'modo-de-ser', o que seria por definição sua qualidade perspectiva, a capacidade de engendrar uma subjetividade a qual podemos aderir. Aportamos à questão denominada como 'efeito de realidade' ou 'efeito de real', que funda a partir de uma identificação entre o que o espectador vê e o que existe no mundo. Uma crença, por assim dizer, que permite estabelecer um 'juizo de existência', comum à representação ocidental desde o renascimento que submete toda representação a uma intenção realista (Aumont, 2005:81). Entretanto, vemos que a relação de empatia ou identificação do espectador com o que se passa nas imagens projetadas na tela, não é da ordem simplesmente da crença de que existe algo no real que dá sentido ao que se vê, ou que poderia ser real porque pode existir no mundo, como se as imagens que se vê na tela fossem os objetos concretos do mundo e que por si só pudessem evocar a idéia e a certeza de que são de algum modo ‘reais’. O que parece ser fundamental para a compreensão da identificação entre o espectador e o que se passa na tela é mais da ordem da adoção de uma perspectiva do que um 'efeito de realidade': tomada de um ponto de vista que coincide com o ponto de vista dos personagens e que permite ao espectador uma entrada no mundo do outro, na simultaneidade de que nos fala Eisenstein. A base do 'pensamento sensorial' é esta possibilidade de realizar a identificação e adoção de um ponto de vista mesmo que as imagens que se apresentam na tela estejam muito distantes de uma representação realista, daquilo que existe no mundo como parâmetro da própria existência do espectador. A etnoficção rouchiana (Gonçalves, 2008) nos fornece bons exemplos deste tipo de adoção de perspectiva, uma vez que sabemos desde o começo que a narrativa auditiva está descolada da visual e que a auditiva ganha sentido a partir da visual ao mesmo tempo que dá sentido a visual. Neste caso não são as coisas do mundo que estão informando a 'crença' na imagem pois os espectadores de Moi, un noir ou de Jaguar, adere ao ponto de vista do 14

narrador mesmo que este ponto de vista seja contradito pelas imagens que surgem na tela. É neste sentido que o cinema engendra a problemática da perspectiva. Perspectivas plurais, pois no cinema adotamos muitas perspectivas simultaneamente e aí novamente encontramos a 'percepção sensorial' que nos reenvia a esta forma de exercer a relação com as imagens em que o ponto de vista estará sempre referido à coincidência entre o olho do produtor e o olho do espectador, encarnado no corpo do personagem que ao enfatizar uma intenção propicia uma adesão a um ponto de vista (Aumont, 2005:112). Bazin (1983) apresenta a idéia da imagem como

reduplicação do mundo, como uma

necessidade de ilusão, uma imagem 'concreta e essencial'. O pensamento de Bazin sobre imagem se apóia numa determinada concepção de mímeses que busca uma perfeita analogia ao real. A questão crucial é que a própria mímeses, seu ato, instaura a crítica à própria concepção de possibilidade de representação do real (Taussig, 2003; Benjamim, 1979). Observa-se, mais uma vez, a crença no modo como a objetiva do cinema produz mimeticamente uma imagem objetiva do real. Na verdade, o que se passa é mais uma adoção de perspectiva do que necessariamente uma percepção de analogia absoluta entre o que se vê na tela e o real uma vez que sabemos que é através das perspectivas dos personagens que temos acesso à realidade do cinema que só pode ser acedida a partir de um ponto de vista emocional-sensorial. Assim, quando entramos na imagem, adotamos uma perspectiva e vivenciamos esta percepção de uma forma corporal, pois emprestamos o nosso olho a um corpo que vê o mundo de uma determinada forma. É deste ponto de vista que os personagens-sujeitos exploram a multiperspectivação do mundo pois cada personagem é uma 'espécie' sobre a qual nosso olho de espectador adere. Portanto não é da ordem do 'realismo' que as imagens do cinema são capazes de produzir uma identificação, mas da ordem de sua apreensão sensorial que podemos produzir uma perspectiva e penetrar em seres e mundos. Esta questão do realismo aparece de modo instigante nos estudos estéticos de Lukács (2009) ao enfatizar que o realismo marxista não é cópia da realidade e nem caricatura mas sobretudo fabulação, criação do real com as suas contradições, seus 'inconciliáveis'. Deste ponto de vista o que está em jogo na construção do real não é simplesmente uma cópia ou algo parecido mas uma forma de colocar na própria representação do real um princípio que não permite recriá-lo de forma esquemática uma vez que as perspectivas são sempre 'inconciliáveis', pontos de vista diferenciados (classes sociais, de seres, de indivíduos, de objetos) que 'dão a ver' mundos distintos. Lukács reflete sobre esta questão do seguinte modo: “a estética marxista, que nega o caráter realista do mundo representado através de detalhes naturalistas... considera perfeitamente normal que as novelas fantásticas de Hoffman e de Balzac representem momentos culminantes da literatura realista, porque nelas, precisamente em virtude da representação fantástica, as forças essenciais são postas em especial relevo.” (2009:107). 15

Do mesmo modo Lukács também critica a impassibilité flaubertiana, uma espécie de 'mosca na parede' para o cinema documental, que evocando seu papel de neutralidade pretende ser objetivo, isto é, sem perspectivação do mundo. Lukáks (2009:108) denuncia esta impossibilidade da arte ser neutra uma vez que a subjetividade na arte constrói sua objetividade, daí concepção de neutralidade é ilusória, sempre há uma tomada de posição do olhar, do artista. Bill Nichols comparou a etnografia ao desejo pornográfico, uma vez que ambos procuram uma certa coerência narrativa na representação do Outro: “os espectadores precisam ser capazes de fantasiar sua participação no espetáculo como quem o controla...” ( Russell, 1999:33-34; Nichols, 1991: 218). Assim, a perspectiva daquele que vê o filme pornográfico ou lê a etnografia, assume o ponto de vista de quem o controla, daí a possibilidade da excitação sexual ou de tornar 'vivas' as pessoas e os eventos descritos pelo etnógrafo. Bill Nichols vai além dizendo que no filme pornográfico há uma sobredeterminação absoluta da parte comandando o todo e aí reside o impacto sensorial das imagens. Se a etnografia, mediada pela escrita, não produz a mesma capacidade sensorial não estaria distante deste desejo de conhecer o outro, de 'penetrar' no seu mundo com 'maestria' e controle a partir de uma narrativa que produz esta sensação de controle que propicia ao leitor das etnografias a sensação de que ele mesmo pode adentrar naquele mundo e compreendê-lo. Macdougall (2006:13) define que um filme é, literalmente, construído por corpos: a sensação de presença em um filme não é uma ilusão mas 'uma alucinação que é real' em seus efeitos. Macdougall chama atenção também (2006:20-23) para as implicações da dimensão do cinema, de sua projeção e do modo como criamos intimidade com os corpos que estão na tela, acrescentando que o close-up seria esta forma mais íntima de estabelecer relação com os corpos do cinema, momento que estamos próximos de suas faces. Ressalta, portanto, não apenas a questão do corpo, mas a questão da face como o modo do cinema criar esta identificação e como este corpo ou parte dele produz uma agência no sentido de proporcionar ao espectador uma proximidade e intimidade com o personagem. Assim, o close-up, a face, tomando aqui a linguagem de Eisenstein, seria a percepção sensorial por excelência, uma vez que a face é a condensação metonímica que nos afeta sensorialmente. Macdougall (2006:23-24) resgata a discussão de que quando as pessoas vêem uma partida de futebol ou jogos de sinuca podem mover seus corpos como respostas aos movimentos dos corpos que estão projetados (e isso acontece em muitos outros momentos projecionais) o que demonstra um contato pessoal real com as imagens projetadas. Neste sentido, afirma que a imaginação cinematográfica proporciona uma conversão quando o corpo do espectador assume o corpo dos objetos e seres apresentados na tela (2006:26). Esta sensação do espectador é derivada da imagem excedente que o cinema cria em relação à observação normal. Assim, este excesso da imagem, esta proximidade, nos permite adentrar em outra perspectiva, de tomar a perspectiva de um objeto ou de um corpo no filme quando criamos esta relação de 16

proximidade. E neste sentido, os objetos e os corpos passam a ser signos de si mesmos. Esta possibilidade de tornar-se signo de si mesmo é que produz a ‘verdade’ do cinema e através desta 'verdade' é que podemos 'encorporar' um ponto de vista, quando justamente o cinema atribui um excesso de agencia as coisas e aos corpos (o detalhe, a proximidade, a câmera excedendo nosso olho).

Conclusão O que parece crucial nas argumentações de Eisenstein é o fato de que se o cinema faz parte do mundo, não tem uma autonomia, uma independência em relação ao mundo. O cinema existe porque faz parte de um pensamento que está no mundo e, neste sentido, o cinema não é um filme mas uma forma do pensamento se apresentar. Portanto, a comparação entre os chamados primitivos ajuda a enquadrar o modo do cinema expressar um pensamento baseado no recurso da metonímia como forma privilegiada de montar o fluxo da narrativa, que aceita a simultaneidade, que induz a não-contradição do fluxo imagético e que segue leis próprias do pensamento: o modo sensorial deste pensamento se apresentar. Poderíamos aqui levar ainda mais longe esta formulação de Eisenstein sobre o modo sensorial do cinema apresentar seu mundo que guarda uma relação direta como a concepção de ‘modernidade’ proposta por Latour (1994).

O cinema se desenvolve

justamente a partir dos progressos da ciência e seria o filho dileto da industrialização, porém um filho que devolve uma imagem que insiste em produzir ‘híbridos’, ‘monstruosidades’. A experiência do cinema resguardaria, assim, esta potência de entrar em um espaço do pensamento que aposta nas metonímias, na simultaneidade, propondo aos espectadores a possibilidade de se situar a partir de outra perspectiva em que as zonas ontológicas são forçosamente borradas. Deste modo, a experiência do cinema seria uma espécie de proclamação de que ao menos naquele espaço e naquele tempo “jamais seremos modernos”. Alexandre Astruc (2002), crítico e diretor de cinema francês, num artigo de 1948 intitulado “Sobre o plano do pensamento”, nos apresenta a idéia de plano em seu duplo sentido, ligando de uma só vez cinema e pensamento. Astruc nos adverte que o cinema um dia 'vai se libertar desta tirania do visual, da imagem pela imagem... do concreto e aí poderá ser um meio de escritura tão desenvolta e sutil como a da linguagem escrita” (88). Astruc (2008:88) cita uma frase de Orson Welles que condensa sua percepção de cinema como modo de pensamento. Orson Welles diz: “O que me interessa no cinema é a abstração”. Astruc, do mesmo modo que Eisenstein, queria ver o dia em que o cinema não dependeria mais de filmes para existir pois ele é, acima de tudo, um modo de pensamento que tem rebatimentos em muitos outros modos de pensar e é nesta dimensão que parece ser interessante e produtivo a relação entre Cinema e Antropologia. 17

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