Pensamentos somáticos em Laban e Béziers

July 4, 2017 | Autor: Neila Baldi | Categoria: Dance, Dance Education and Training/somatics, Somatic Education
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PENSAMENTOS SOMÁTICOS DE LABAN E BÉZIERS PARA A DANÇA Neila Baldi Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb) [email protected] Lugares do ser nos processos de desenvolvimento das relações e dos atravessamentos de aprendizagem e composição. RESUMO: O presente texto pretende discutir como os aportes teóricos de Rudolf Laban e de Marie-Madeleine Béziers podem ser pensados sob a perspectiva da educação somática em aulas de dança. As discussões apresentadas são parte da pesquisa de Mestrado “O que há do lado de lá? Carta de um dueto da educação somática com o balé clássico”, desenvolvida no Programa de PósGraduação em Artes Cênicas da Universidade Federal da Bahia (UFBA). Durante um semestre, alunos do curso de Licenciatura em Dança da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb) vivenciaram procedimentos somáticos em aulas práticas de dança, influenciados pelos estudos de Laban e Béziers. De Laban usou-se a categoria Expressividade, enquanto de Béziers foram aplicados procedimentos relativos ao alinhamento – conhecidos como Método Coordenação Motora. Os estudos dos dois teóricos – o primeiro do movimento e a segunda, da fisioterapia – foram aplicados em aulas de dança clássica, a partir da perspectiva de que podem ser considerados como princípios da educação somática os seguintes parâmetros: unidade corpomente, privilégio à informação que vem do corpo, descoberta pessoal, autorregulação, reconhecimento de padrões, corpo saudável e mudança de ritmo. O texto apresenta como ocorreu a aplicação dos conceitos dos dois teóricos, bem como mostra que, apesar de não terem constituído técnicas somáticas, os dois podem ser considerados como pensadores somáticos. PALAVRAS-CHAVE: Educação somática, dança, Laban, Béziers.

INTRODUÇÃO Durante a minha graduação em Dança, minhas aulas de balé – ministradas por Lu Favoreto - tinham como princípios Klauss Vianna e MarieMadeleine Béziers. Os estudos da fisioterapeuta francesa, para mim, tinham lógica com o alinhamento postural do balé clássico. Por isso, já nos meus estágios docentes comecei a utilizar suas teorias em minhas aulas. Vi também, ao longo do curso, na teoria de Rudolf Laban, princípios que me ajudariam em algo que questionava sempre nas aulas de balé: a expressividade. Foi assim que comecei a pesquisar Laban e Béziers.

O presente texto mostra o pensamento somático dos dois, bem como apresenta um modo como seus estudos podem ser aplicados na dança. Os princípios de ambos vêm sendo aplicado por mim em aulas de balé clássico e objeto de análise neste texto é a disciplina Técnica do Corpo II – Dança Clássica, ministrada por mim na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb), no curso de Licenciatura em Dança.

PRINCÍPIOS DA EDUCAÇÃO SOMÁTICA

Apesar de as técnicas e métodos de educação somática terem surgido no início do século XX, apenas nos anos 1970 o filósofo Thomas Hanna percebeu características comuns nas práticas corporais criadas pelos reformadores do movimento e nomeou o campo como somática. Segundo Donna Dragon (2008), Hanna utilizou os termos soma e somático pela primeira

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vez no livro Bodies in Revolt: a primer for somatic thinking (1970), mas foi no artigo The field of somatics, em 1976, que declarou a existência do campo.

A educação somática tem se estruturado, segundo Sylvie Fortin (1999), de maneira diferente pelo mundo. Na Europa, pensando o corpo no qual as estruturas orgânicas nunca estão separadas de suas histórias pulsional, imaginária e simbólica. Já na América1, várias correntes coexistem: fundamentadas no domínio médico, na fenomenologia ou que se aproxima do modelo da pedagogia crítica. Atualmente, podem-se apontar cinco fases: o desenvolvimento dos métodos; a disseminação (até por volta dos anos 1970); o uso

na

terapia,

psicologia

e

artes;

o

desenvolvimento

de

práticas

idiossincráticas e o crescimento de uma comunidade de pesquisa. Segundo a autora, dos anos 1990 em diante começou-se a fazer combinações entre diferentes métodos somáticos. É por isso que, para Fortin (2002, p. 128) somático é hoje “[...] um termo guarda-chuva usado para juntar experiências práticas corporais que privilegiam experiências subjetivas2”. A partir, sobretudo, de Bolsanello (2005), Domenici (2010), Fortin (1999, 2011), Hanna (1986/88), Lima (2010) e Strazzacappa (2009a, 2009b e 2012), posso elencar alguns princípios presentes nestas técnicas - tanto as criadas pelos reformadores, quanto as demais, originadas posteriormente, e que são encontrados nas teorias de Laban e Béziers: privilégio à informação que vem do corpo; descoberta pessoal; autorregulação; reconhecimento de padrões; corpo saudável e mudança no ritmo. 1

A autora não situa se está se referindo às Américas como um todo, ou à América como sinônimo de Estados Unidos. Mas infere-se que está se referindo à América do Norte. 2 “[...] an umbrella term used to assemble experiential bodily practices that privilege subjective experience” (FORTIN, 2002, p. 128). 3/6

BÉZIERS E A EDUCAÇÃO SOMÁTICA Marie-Madeleine Béziers foi uma fisioterapeuta francesa que, nos anos 1960, junto com Suzzane Piret, desenvolveu estudos sobre a motricidade humana, publicando em 1971 o livro A coordenação motora – aspecto mecânico da organização psicomotora do homem. De Béziers me interessou o estudo de como a estrutura óssea se organiza, quais os seus direcionamentos – e como isso influencia nos músculos, no movimento, na coordenação. Segundo ela, há um movimento espiralado de nossos ossos que provocam torções – entre um elemento e outro. É a partir desses direcionamentos que nos alinhamos ou não. Com o tempo eu descobri que Béziers ia além do osso... Ela entendia o movimento humano a partir do que chama de corpo vivenciado, sem a ruptura de corpo e espírito. Para ela, a partir da coordenação motora, pode-se “[...] compreender o movimento como um todo organizado, capaz de situar-se paralelamente ao psiquismo, com ele e perante ele. Então um poderá ser estudado em função do outro” (BÉZIERS e PIRET, 1992, p. 13). Para as autoras, o movimento tem tanto aspectos mecânicos, como também neurológicos, biológicos e psicológicos, todo gesto é carregado de psiquismo e tanto o psicológico interfere no movimento quanto a motricidade afeta o psiquismo. É por isso que Sandra Gomes (2006) diz que Béziers e Piret são um recorte das “[...] pesquisas e trabalhos em torno do corpo na qualidade de uma unidade sensório-motora, os quais serão englobados nesse território que

se

intitula

educação

somática,

ou

consciência

corporal”

(In:

MOMMENSOHN e PETRELLA, 2006, p. 246). 4/6

Em minha prática docente, uso a teoria de Béziers e Piret como estudos anatômicos em movimento. O aluno primeiro reconhece sua estrutura ósseo-muscular e, a partir de pesquisas de movimento, chega a um dos princípios elencados pelas autoras: o da torção/tensão. É com base nele que meus alunos reconhecem seus desenhos corporais específicos – a falta de arco no pé, o ombro para dentro, a báscula da bacia, etc. Ele compreende, vivenciando, como se dá esta coordenação motora. Trabalho com o reconhecimento dos padrões por parte do aluno. Mas também posso ajudá-lo a reconhecer por meio do toque, indicando o direcionamento ósseo. O PENSAMENTO SOMÁTICO EM LABAN De Laban interessavam-me a Categoria Expressividade (fluxo, espaço, peso e tempo), pois percebia que, a partir da variação dinâmica deles, haveria mudança na expressividade. Interessava-me, em princípio, pesquisar os movimentos com estas variações e o que esta mudança provoca no movimento, na intenção e na expressão. Com o tempo, fui descobrindo que, a partir da combinação dos fatores era possível pesquisar os movimentos codificados do balé clássico e chegar à sua forma espacial. Laban dava-me, portanto, ferramenta não só para trabalhar a expressividade, mas também para pensar metodologicamente o ensino desta técnica. Segundo Rengel (2008), Laban entendia “[...] o corpo como processo de natureza e cultura, juntos”, antecipando “[...] os estudos e descobertas que mais tarde foram feitos, que provam que o corpo não é ‘dividido’” (RENGEL, 2008, p. 7). Em outra obra, a autora é mais enfática e afirma que “em todos os seus escritos deixa claro que quando emprega a palavra ‘corpo’ ou ‘corporal’,

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está querendo significar ‘todos’ os aspectos do corpo” (RENGEL, 2006, p.129). Em Domínio do Movimento, Laban (1978) diz que as causas do fracasso na realização de certas sequências de esforço são tanto mentais quanto físicas. Em outro momento, ele faz uma comparação relativa à estrutura anatômica das pessoas que lhe confeririam tendência de movimento, mas acrescenta que as qualidades emocionais e mentais também influenciam nestas tendências. CONSIDERAÇÕES FINAIS Em Domínio do Movimento, Laban diz que, “há duas causas fundamentais que obstruem um fácil domínio do movimento: inibições de ordem física e de ordem mental” (LABAN, 1978, p. 194). Ele e Béziers, portanto, comungam de um pensamento somático, apesar de Márcia Strazzacappa (2012) afirmar que Laban não definiu, nem sistematizou uma técnica corporal de educação somática, mas que suas pesquisas serviram de sustentação para o desenvolvimento posterior dessas técnicas, como é o caso dos Bartenieff Fundamentals™. Do mesmo modo, os estudos de Piret e Béziers não constam sistematizados como técnicas de educação somática, mas vêm sendo utilizados por profissionais da dança e serviram de base para o Método GDS.

Teoricamente, então, os dois teriam originado técnicas ou

métodos somáticos. Em minhas pesquisas, tenho usados nas aulas de dança os dois a partir da perspectiva somática.

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BIBLIOGRAFIA BÉZIERS, Marie-Madeleine.PIRET, Suzzane. A coordenação motora: aspecto mecânico da organização psicomotora do homem. São Paulo: Summus Editorial. 3ª Ed. 1992 BOLSANELO, DEBORA. Educação somática: o corpo enquanto experiência. Motriz, Rio Claro, v.11, n.2, p.99-106, mai./ago. 2005 DRAGON, Donna A. Toward embodied education, 1850s-2007: historical, cultural, theoretical and Methodological Perspectives Impacting Somatic Education in United States. Tese (Doutorado). Temple University. Philadelphia, 2008. DOMENICI, Eloisa. O encontro entre dança e educação somática como uma interface de questionamento epistemológico sobre as teorias do corpo. ProPosições, Campinas, v. 21, n. 2 (62), p. 69-85, maio/ago. 2010. FORTIN, Sylvie. Nem do lado direito, nem do lado avesso: o artista e suas modalidades de experiência de si e do mundo. In: WOSNIAK, Cristiane. MARINHO, Nirvana. O avesso do avesso do corpo – educação somática como práxis. Seminários de dança 4. Joinville: Nova Letra, 2011. ______ Living in movement. Development of somatics practices in different cultures. Journal of Dance Education. Volume 2, Number 4, p. 128-136, 2002. ______. Educação somática: novo ingrediente na formação prática em dança. Cadernos do GIPE-CIT, Salvador, n. 2, p. 40-55, fev. 1999. GOMES, Sandra. A aranha baba e tece a teia ao mesmo tempo, Sandra Lucia Gomes, do livro da (In: MOMMENSOHN, Maria. PETRELLA, Paulo (org). Reflexões sobre Laban, o mestre do movimento. São Paulo: Summus editorial, 2006. HANNA, Thomas. What is somatics? Somatics: Magazine-Journal of the Bodily Arts and Sciences, volumes 4-6, 1986/88. Disponível em: < http://somatics.org/library/htl-wis4.html> Acesso em 06 out. 2013 LABAN, Rudolf. Domínio do movimento. São Paulo: Summus editorial, 1978. LIMA, José Antônio. Educação somática: diálogos entre educação, saúde e arte no contexto da proposta da Reorganização Postural Dinâmica. Campinas, 2010. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade Estadual de Campinas. RENGEL, Lenira. Fundamentos para análise do movimento expressivo. In: MOMMENSOHN, Maria. PETRELLA, Paulo (org). Reflexões sobre Laban, o mestre do movimento. São Paulo: Summus editorial, 2006. ______. Os temas do movimento de Rudolf Laban. São Paulo: Annablume, 2008.

STRAZZACAPPA, Márcia. Educação somática e artes cênicas: princípios e aplicações. Campinas: Papirus, 2012. ______. As técnicas de educação somática In: BOLSANELLO, Débora Pereira (org). Em pleno corpo – educação somática, movimento e saúde. Curitiba: Juruá Psicologia, 2009b. ______. Educação somática: princípios e possíveis desdobramentos. Repertório – Teatro e Dança, Salvador, ano 12, número 13, 2009.2 (a)

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