Pensar o que é política

July 25, 2017 | Autor: Marion Brepohl | Categoria: História Contemporânea (Século XIX e XX)
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Apontamentos sobre noções de política a partir de Hannah Arendt – O que é política? Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998.

Marion Brepohl março de 2015 Trata-se de uma obra póstuma, composta de fragmentos re-trabalhados por Ursula Ludz1, escritos de Hannah para um livro a ser intitulado O que é política, mas que no entanto não se finalizou. Tema central: as guerras, revoluções e violência e hj (eu) a tecnologia fazem com que a política perca seu sentido? Tem a política algum sentido? No entretempo da redação destes fragmentos, Hannah finalizava O totalitarismo, A violência e A condição humana. Daí serem estes fragmentos, também como que uma ponderação sobre os temas dos livros mencionados ZITAT

As guerras e as revoluções e não o funcionar de governos parlamentares e aparatos de partido formam as experiências políticas deste século. (século XX) hj – os lobbies, a corrupção e o pensamento único do econômico em última instância e a governança que entende a política como administração Por isto a pergunta O que é política? Inicia a resposta a esta pergunta, contrariando Aristóteles, para quem o homem é um animal político. Política não é inerente ao homem, ela não nasce no homem, mas apenas entre os homens. Um pequeno parêntesis, o que é inato no homem: o que vem do homem e que ele transmite de forma mais ou menos natural:

o laborar, o fabricar, o pensar e também justamente o amar. O laborar, que se define por estar o indivíduo em estado de abandono, exercendo uma atividade de esforço físico; (aí, é o senso de necessidade que prevalece, levando o homem a organizar-se para a alimentação, auto-proteção, reprodução da espécie); o fabricar, em um estado de isolamento, um momento de criação de objetos e obras de arte e se baseia na violência (sobre a natureza); 1

Texto originalmente escrito em alemão

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o pensar, que se dá quando o indivíduo se encontra em estado de solidão, que no entanto experimenta o diálogo consigo mesmo e absorve as impressões alheias; sorve do passado pela memória e projeta o futuro por sua capacidade de imaginação2 e, finalmente o amar, que consiste no estar junto um com o outro, todavia excluindo o mundo, separando-se dos outros.3 Para Arendt, no laborar as pessoas sempre estão isoladas e acossadas por inquietações e angústias, no fabricar estão sozinhas na liberdade da espontaneidade e inspiradas pela obra como uma criação, e no amor „há reciprocidade real que se baseia na necessidade um do outro. Ser uma pessoa quer dizer imediatamente carecer de (outra) pessoa.“4 No amor alguém carece um do outro, enquanto na pluralidade se é prescindível dos outros. „No caso do amor, procura-se a pessoa adequada, no caso da pluralidade, tem que contar-se com o „inadequado“, o estranho, o diferente. A diferença fundamental está entre o precisar, que decorre de nossa condição heterossexual, ou pelo menos assim está preestablecida, e por outro lado a dependência um do outro, que reside na pluralidade. Sendo assim, conclui Arendt, que laborar, pensar e amar são „os três modi de uma mera vida humana, dos quais nunca poderá nascer um mundo, pois são atividades inerentemente adversas ao mundo, isto é anti-políticas.“5

Já não é assim no agir, donde surge a política, que não nasce portanto no homem, mas nasce entre os homens; não aquele de quem carecemos, mas dos nossos adversos, por vontade, e não pela necessidade Arendt faz questão de diferenciar este agir (ação, fundação, início de algo novo), da política encetada pela administração de uma sociedade, que no contexto em que escreve O que é política? e A condição humana era um atributo dos burocratas (wellfarestate). Administração pública, suas estratégias e suas mentiras,6 , não são ação mas se parecem com ela, pois a mentira , tanto quanto a vontade de agir, têm um denominador comum, a imaginação.

Parêntesis – A Mentira na política 2

sobre a faculdade da imaginação, ver: CASTORIADIS. A instituição imaginária da sociedade.1982 3 Hannah Arendt, Denktagebuch, Muenchen 2002, p. 459 – minha tradução 4 ibd., p. 203f. 5 ibd., p. 493 6 Ver ARENDT, Hannah. A mentira na política in: Crises da república

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1. propaganda de marqueteiros 2. assessores para resolver problemas. Experts, homens muito inteligentes que criam teorias para o futuro (prognósticos, cenários, programas, etc), tornando-se insensíveis aos fatos, e mentem para si mesmos – o burocrata.7 3. Ideologia, na acepção do senso comum, que, segundo Marx, é o ocultamento do real

Feita esta distinção, voltemos à pergunta: O que é política? Primeiro, importa ressaltar que esta pergunta deriva, em Hannah, de duas experiências, a primeira, claro, mais importante: o Totalitarismo – que já é uma desgraça em si, mas foi mais além: deixou suas heranças, como a manipulação das massas, a propaganda de massa, o armamentismo, o racismo, governo dos corpos, etc. Pela fraude, pela manipulação, pela violência (quer instrumental, quer física, quer verbal, nós, que não somos políticos profissionais: deixamo-nos levar pelos preconceitos Aqui, interessante observação da parte de Arendt, pois ela positiva a atitude do preconceito,o que denomina como PRECONCEITOS SOBRE Para enfrentar sua própria pergunta, outra pergunta aparentemente singela: Já que hoje em dia política é desprestigiada devido aos políticos profissionais, e que nós a entendemos, ao fim e ao cabo, a partir de um preconceito, que pode ser assim resumido: – política= engodo, é necessário perguntar-se: O que é preconceito? Os diversos preconceitos são eficientes, por vezes perigosos, mas existem sempre e são orientados à coisa social pura. Trata-se de um pedaço de uma experiência do passado com o qual (re) conhecemos um fato (visto também como repetição), Portanto, um fato previsível, uma vez que o homem moderno (sem ação) se comporta como peça de uma máquina (historicismo), ou dentro de uma estrutura (marxismo) condicionadora, reeditando permanentemente o passado.8 Donde Psicologia e Sociologia são as ciências reinantes, áreas de conhecimento mais ilustrativas de como hoje, estuda-se o homem, ou seja, a partir de seus previsíveis comportamentos.

Quanto à política, prossegue: 7 8

Mentira na Política in: Crises da república, p. 7. e seguintes Was ist politik? Minha tradução

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Preconceito não deve ser banido da terra, não é uma mentira sobre O preconceito é inerente à vida da sociedade. No século XX, os preconceitos nasceram do fato de que se entende a política como relação entre ESTADO e SOCIEDADE, ou seja, entre governantes e governados,9 o que, no limite, levou ou à dominação total, ou no pós guerra – ao governo gerido burocraticamente, este, pior que a tirania, porque não é um governo de um contra todos, mas de um ninguém (precisamente, um bureau) contra todos. Um ninguém que no entanto governa o mundo Ou porque estamos decepcionados com os partidos políticos – que assaltam o poder estatal por interesses privados e mesquinhos, em nome do povo – poder que levou Lord Action a afirmar: o poder corrompe, o poder absoluto corrompe absolutamente. O preconceito parte, portanto, de um passado fragmentado – sempre ocultando algo,10 enquanto que o juízo parte de critérios e é prospectivo

Por isso, embora os preconceitos inspirem nossa opinião, preconceito não é o mesmo que juízo Juízo aqui para Hannah: juízo estético conforme Kant, que é a matriz do julgar, a mais política de todas as faculdades políticas.11

Ela repete e não repete o subtítulo: Tem a política algum sentido ainda? Com este advérbio, ela pretende , claramente, diferenciar o que foi política e o que está sendo política Retoma a experiência desde a Antiguidade, como o faria n ´A condição Humana Na Antiguidade, o sentido da política é a liberdade. Para Hannah também.

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em outros textos, Arendt insiste que a política pode até acontecer nesta relação governantes/governados, mas não se restringe aí ou aí é apenas resultado dela. Do ponto de vista antropológico, o lugar da política, para Arendt, é o debate entre homens (ver A condição humana e correspondências com Jaspers) 10 Por ex. preto no Brasil não gosta de trabalhar, de fato, porque em sua experiência de trabalho era sinônimo de escravidão. Esta explicação, o não trabalho como resistência, não está posta no preconceito. Ficamos só com um não gosta que realmente existiu, mas não a motivação nem se trata de uma condição permanente 11 Fragmento 3 a do livro O que é política?

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Já entre os modernos, com o Estado, um Estado que monopolizou a violência de forma tal, que ela se transformou em seu subsistema, uma máquina de violência à revelia do população pagadora de impostos. Tal máquina não é só infernal, mas ela está ao abrigo dos olhares públicos. Com ela, política reduziu-se em dimensão, tornando-se a relação entre governantes e governados No Imperialismo, com a organização da burocracia colonial e do serviço secreto No Totalitarismo, com a Ideologia e o Terror12 Nos regimes liberais, ex., EUA, o governo e os serviços de inteligência.

Sendo assim, política como liberdade da máquina, da engrenagem, como estar-se livre da engrenagem, pode ser traduzida por MILAGRE

E o que é milagre? Não o sobrenatural, o sobre-humano (do alemão, milagre é WUNDER = Surpresa, admiração, maravilhoso Um acontecimento novo que a princípio não (re) conheço, como no preconceito. Ao contrário, isto me surpreende, porque imprevisto, dizendo respeito à nossa aptidão para o agir Agire, do latim – desencadear um processo Par tanto, como na polis – o convívio humano entre homens livres - (livres para que pudessem usufruir do ócio) se dava porque eles eram capazes de viver livres da necessidade, do fazer ordinário e cotidiano para falar sobre Mas esta liberdade não tinha vínculos com o lazer, ou prazer sensorial, como hoje em dia. Era, sim, uma liberdade que exigia estar livre da necessidade, exigindo porém em troca uma disposição à aventura, ao risco. Abrir mão do conforto da família, correr riscos para realizar um feito glorioso – o que exigia CORAGEM Liberdade para, além da coragem, emitir opiniões e agir in concert (com os outros) amigos e companheiros dignos de confiança.13 Outro parêntesis – Para os filósofos, o problema, o problema de todos falarem, é que se podia recair no engano, no erro, nos interesses mesquinhos. Logo, os que eram melhores, restavam pouco na coisa política e sim na coisa acadêmica, usufruindo da liberdade acadêmica. A academia era, pois, uma coisa da minoria. Na expressão de Weber, poderíamos acrescentar – os especialistas em política, e desta minoria, aristeis ou oligarcas, surgiria o embrião do governo. Na Grécia, os melhores. A partir de Agostinho, os bons. Entre os tecnoburocratas, os eficientes com respeito a fins (Zweckrational) 12

Origens do totalitarismo Para que ou por que falar? Porque falar sobre implica sempre o outro - e falando com o outro, compreendemos 13

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Essa tradição (governantes e governados) se acentua, é re-significada e talvez até pervertida nos tempos modernos, sendo o atributo dos governantes: proteger a livre produtividade da sociedade e a segurança do indivíduo em seu âmbito privado. Para tanto, carece do monopólio da força. Mas ainda assim, a liberdade permanece como a outra herança, porquanto tanto na forma monárquica quanto na republicana, o governo é controlado, senão que pelo menos vigiado pelos governados Essa tradição se perdeu nos dias atuais, porquanto a força e a violência, fosse para garantir a vida nua14 ou a liberdade, desencadeia um novo processo em que força e poder passam a estar relacionados, precisamente porque interativos. Onde o Estado tem poder, ele organiza mais eficazmente a força. E onde a força é potencializada, mais facilmente se organiza o poder.

Entretanto, Não ocorreu aos tempos modernos que os próprios meios de força [monopolizados pelo Estado] poderiam tornar-se produtivos, ou seja, aumentar tanto ( e mais ainda até) quanto as outras forças produtivas da sociedade; isto porque para ela, a verdadeira esfera do produtivo coincidia com a sociedade e não com o Estado.15 Este aumento dos aparatos / instrumentos de violência nas mãos do Estado, cujo objetivo era ironicamente reduzir a violência – e não reduziu, em alguns casos aumentou coincide com a intensificação da eficácia da IDEOLOGIA Da violência bruta – guerra de extermínio (Inicia estas considerações com a Bomba de Hiroshima)

Da ideologia, que é a perversão de uma teoria, o acúmulo de poder nas mãos dos governados

A guerra, uma vez que potencialmente de extermínio, ficou impraticável agora, a não ser que queiramos, a partir do exemplo de Hiroshima, correr o risco de destruir o planeta

Cf Hannah – Com a bomba de Hiroshima – o mortal pôde matar o mortal

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ver Giorgio Agambem in Homo sacer Refere-se aqui ao armamentismo, associação privado/estatal + automação p. 81 de O que é política? 15

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Porquanto Guerra não é mais, como antes ( o recorte vai desde Roma antiga até meados do XIX, quando se inicia o imperialismo), guerra entre povos que disputam um determinado território e, com ele, sistema de crenças, tradições, etc) mas Guerra passou a contar com uma enorme possibilidade de extermínio. Esse fator tecnológico é importante e não apenas, é lógico, tecnológico...16 Primeiro porque os mísseis inteligentes afastam o Ato de olhar entre os beligerantes. Mata-se à distância, pelo computador. Segundo, porque na medida em que se pode exterminar o adversário, abre-se o horizonte para se destruir o espaço intermédio entre o um e o seu diferente (guerra total), no limite, para a devastação da terra. Com a bomba atômica, a velha tradição romana, onde se fazia a guerra (suspendia-se o político) para que depois, se pudesse realizar, pela lei, os tratados de paz – que se constituíam num novo começo, já no século XX, a implementação e ampliação dos meios/ aparelhos de violência17, ameaçam transformar a vida num deserto

Exatamente por isso e contra isso que o agir, a política, é urgente/necessária. Na política.... que tem de medir 18

O que coloca e ou desencadeia o agir (atuar) Honra , nas monarquias Virtude, na República Medo, nas tiranias Para Hannah, ainda: Glória , em Homero Liberdade, em Atenas (querer conversar) Igualdade/justiça , se reconhecemos a igualdade, perfectibilidade e dignidade humana Frase final: KANT – Durante a guerra não deve acontecer nada que torne impossível uma paz posterior – hoje isso se inverteu e vivemos numa paz na qual tudo pode acontecer para tornar possível uma guerra

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idem Violência para Hannah tem como principal característica o seu caráter instrumental. Não é o ódio quem a produz, mas o arsenal de que se dispõe para dominar o outro. 18 O que é política?, p. 127 17

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O que pensar, diante destas reflexões, sobre os acontecimentos recentes, como as ações terroristas, o fim do wellfarestate, a globalização e a mundialização? Da corrupção sistemática e das guerras moleculares empreendidas contra os trabalhadores clandestinos, também conhecidos como imigrantes ilegais? Qual o sentido da política? O que é público, o que é privado? O que é governo hoje? Respondendo a esta pergunta, respondemos o que é política?

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