Pequenos Estados e Segurança Regional: o caso da Islândia no Ártico

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Matheus Avelino López

Pós-Graduação em Estudos Estratégicos e de Segurança Globalização e Segurança Pequenos Estados e Segurança Regional: o caso da Islândia no Ártico Prof.ª Dr.ª Alexandra Magnólia Dias

23 de Janeiro de 2015

Pequenos Estados e Segurança Regional: o caso da Islândia no Ártico

Sumário Este trabalho de investigação visa analisar o papel, a influência e as potenciais formas de atuação da Islândia no Ártico, uma vez que se trata de um Pequeno Estado em meio a grandes potências em crescente competição. Para tanto foi preciso investigar o atual contexto geopolítico e estratégico do Ártico, procurando medir os interesses dos principais Estados da região. Viu-se que há uma forte concorrência entre a Rússia e países membros da NATO que estão localizados no Ártico, como Canadá, Dinamarca e Noruega; tal competição, fomentada pelo derretimento do gelo do mar, torna-se visível com o aumento dos investimentos militares desses Estados. O Ártico é, ainda, onde os EUA, aliados da Islândia, estão mais próximos à Rússia. Com o estudo deste cenário, passou-se ao exame dos Pequenos Estados, passando pelas definições e pelas particularidades de seu comportamento, com o fim de abordar o caso islandês; chegou-se à conclusão, finalmente, de que um Pequeno Estado como a Islândia possui o potencial de utilizar seus recursos e capacidades para tornar as relações em sua região mais dinâmica e interdependente. A estratégia, desse modo, pode ser a de aproveitar interesses comuns para protagonizar a criação e o desenvolvimento de organizações regionais de natureza multilateral que visem a cooperação, ao invés de perpetuar antigas relações de antagonismo. O papel dos Pequenos Estados, assim, parece ser muito promissor na construção de um mundo dinâmico e interdependente. Finalmente, conclui-se que tal influência poderá ser exercida pela Islândia na segurança do Ártico, após a investigação dos fatores em análise.

Palavras-chave (5): Ártico, Islândia, Segurança, Estratégia, Pequenos Estados. II

Índice Lista de Abreviaturas………………………………………………...……………………4 Introdução………………………………………………………………………………….5 1. A Geopolítica do Ártico…………………………………..…………….………………7 2. Os Pequenos Estados……………………………….………………………………….12 3. A Islândia no Ártico………………………….………………………………………..14 Conclusão………………………………………………………………………...……….17 Bibliografia…………………………………………………………………………….…18

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Lista de abreviaturas

EUA – Estados Unidos da América; NATO – Organização do Tratado do Atlântico Norte; URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas; ZEE – Zona Económica Exclusiva.

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Introdução

Esta investigação objetiva analisar as estratégias de segurança dos Pequenos Estados em um mundo onde as relações internacionais estão marcadas por uma crescente relação de interdependência entre os atores do sistema internacional; nesse cenário globalizado, alianças e acordos de segurança coletiva tornam-se vitais para a manutenção dos interesses e sobrevivência das pequenas nações. Há, também, o interesse das próprias organizações internacionais nos pequenos Estados, que possuem o intrincado desafio de conciliar seus objetivos nacionais com os das potências que compõem a organização, influenciando significativamente as suas decisões. Para tanto utilizar-se-á, como estudo de caso, a contemporânea relação da Islândia com os Estados vizinhos, procedendo-se à avaliação dos interesses e motivações dos principais atores em uma zona geográfica que tem sido disputada entre as grandes potências globais: o Ártico. O controlo dos recursos naturais e de futuras passagens marítimas parece ser o principal fator que as tem levado a voltar-se a áreas onde somente havia gelo e neve. Como pretende-se provar, a camada de gelo sobre o Oceano Ártico tem diminuído expressivamente nas últimas décadas; tal derretimento pode potencialmente facilitar o acesso a grandes quantidades de recursos na região, o que intensifica antigas disputas territoriais. Conforme demonstrar-se-á, os Estados Árticos não deixam de esconder o valor estratégico que a região possui para a própria defesa nacional: cada Estado tem investido em suas capacidades militares, tanto na produção de navios e submarinos especialmente desenvolvidos para operar no gelo, quanto no treinamento específico de tropas voltadas a atuar no Ártico. É importante destacar, nesse sentido, as já existentes ambições econômicas e geoestratégicas de cada um deles, para que seja possível atestar o claro e crescente valor do Ártico para as potências da região, que aparentemente preparam-se para um eventual conflito. Esta pesquisa também não deixará de lado o antagonismo histórico (e atual) entre alguns dos países do Extremo Norte. É nesse contexto de potências em competição que se insere um pequeno Estado europeu, um país insular que, como se verá, tem desenvolvido a sua própria estratégia nacional para o Ártico: a Islândia. Apesar de terem tido grande avanço em algumas áreas, quão influente pode ser um Pequeno Estado na segurança de uma região marcada por uma corrida armamentista cada vez mais notória, como o é o Ártico? Como a Islândia se comporta em tal contexto, tanto 5

em suas relações com as potências que a rodeiam, quanto no modo como se insere em organizações e alianças regionais? Tais questões mostram-se essenciais em um cenário que se aproxima muito da visão realista das relações internacionais, segundo a qual as decisões dos Estados são o elemento central na configuração das relações de poder entre os diversos atores do sistema internacional. O objetivo deste trabalho é, portanto, analisar a estratégia, o papel e a influência da Islândia na segurança do Ártico, investigando a extensão do poder de um Pequeno Estado em meio a grandes potências em um mundo globalizado. Para tal, proceder-se-á ao estudo do contexto geopolítico e geoestratégico do Ártico, dos principais atores e das forças que nesta região operam, analisando a seguir as abordagens teóricas acerca dos Pequenos Estados nas relações internacionais.

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1. A Geopolítica do Ártico

O Pólo Norte consiste, basicamente, em um oceano cercado por uma porção de terra composta por uma longa costa e diversas ilhas. A região em estudo nesta investigação, o Ártico, segundo o National Snow and Ice Data Center (n.d.), é a área acima do Círculo Polar Ártico, o paralelo 66º33’, mas alguns especialistas ainda consideram a zona onde a temperatura no verão não supera os 10 graus Celcius, o que move o Círculo um pouco mais a sul. As grandes potências apenas demonstraram interesse na exploração do Ártico recentemente. Muitas das expedições que foram empreendidas durante o século XIX, por exemplo, resultaram em acidentes que fizeram com que a região fosse considerada insegura para viagem (Guðmundsson, 2010). Isso explica a falta de investimento e incentivo no aproveitamento estratégico e econômico do espaço. Atualmente, os Estados que fazem parte do Conselho do Ártico são o Canadá, Rússia, Suécia, Finlândia, Noruega, Dinamarca, Islândia e EUA; todos possuem parte de seu território e/ou ZEE no Ártico, e desenvolveram, cada um, sua estratégia própria para a região, delineando progressivos interesses e ambições no Extremo Norte (Guðmundsson, 2010). Segundo Robert Huebert (2010), a presença de forças navais na região do Oceano Ártico foi ínfima se feita a comparação com os outros oceanos do mundo; a utilização estratégica do Norte, segundo o autor, teve início na Segunda Guerra Mundial. É importante ressaltar, no entanto, que mesmo durante o conflito, o uso estratégico do Ártico era limitado e pouco sustentável, restringindo-se a prestar assistência a outras regiões do mundo, como o Oceano Pacífico e o Atlântico Norte. Durante o período da Guerra Fria, entretanto, evidencia-se o crescimento da militarização do Ártico, fruto do desenvolvimento tecnológico e da própria localização dos EUA e da URSS, as duas superpotências mundiais em concorrência (Huebert, 2010). Tendo em vista a presença de aviões bombardeiros e submarinos equipados com armas nucleares na região, bem como de bases de mísseis localizadas no terreno, a mantença da dissuasão nuclear dependia da defesa no Ártico, conforme apontam estudos de Kenneth Waltz (1990). Faz-se muito relevante, ainda, destacar as conclusões de Huebert acerca do papel estratégico do Ártico no contexto de dissuasão nuclear que caracteriza a Guerra Fria, na qual, conforme explica o autor: 7

“Os dois lados necessitavam que o outro soubesse que qualquer ataque em sua pátria seria detetado a tempo de lançar-se um contra-ataque. Acreditava-se que tal conhecimento iria fazer com que ambos os lados deixassem de atacar em primeiro lugar; entretanto, para que isso funcionasse, ambos os lados necessitavam da existência de sistemas de observação confiáveis mais ao Norte possível. De tal forma, o Ártico era uma localização estratégica crítica tanto para combater-se uma guerra nuclear, quanto para impedí-la.”1 (Huebert, 2010, p.3) Com o declínio da URSS e o fim da Guerra Fria, no entanto, o Oceano Ártico viuse inserido em um período marcado por política de desarmamento2 (Huebert, 2010, p.3). Entretanto, apesar de ter passado por um tempo de paz e de cooperação, novos fatores compõem o contexto da segurança no Ártico, adicionando-se aos clássicos dilemas de dissuassão nuclear dos tempos da Guerra Fria: as nações da região demonstram uma crescente competição por potenciais reservas de petróleo e gás, além de rotas marítimas e zonas de pesca, que têm-se tornado acessíveis com o derretimento do gelo no mar. Ou seja, as prioridades no Ártico deixaram de ser somente relacionadas ao posicionamento de armas e bases militares, passando a ter uma grande e nova dimensão, que é a clássica afirmação territorial do Estado para aproveitamento econômico, comercial e social. Em matéria publicada no jornal Deutsche Welle, John Blau (2013) destaca a importância das mudanças climáticas nos dilemas de segurança na região, destacando que o gelo no Oceano Ártico, nos últimos anos, atingiu sua menor extensão desde que “satélites começaram a monitorá-lo há mais de quatro décadas”3 (Blau, 2013). Afirma, ainda, que muitos cientistas acreditam que mesmo neste século o gelo derreter-se-á completamente durante o verão. Os Estados Árticos, consequentemente, começam a desejar as potencialidades que tal fenómeno oferece. A Russia, devido à própria distribuição geográfica de seu território, é talvez o Estado mais interessado em afirmar-se no Ártico; o fator energético é fundamental para compreender a importância do Norte para o país: a economia russa começou a recuperar-se no ano de 2002, com o aumento dos preços do gás e petróleo, o que aumentou a possibilidade de desenvolver suas capacidades militares (Huebert, 2010, p.15).

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Tradução livre. Huebert cita a criação do Arctic Military Environmental Cooperation Program (AMEC), pelos Estados Unidos, Noruega e Rússia, que visava o desmantelamento seguro de submarinos russos e depósito de materiais radioativos, e do G-8 Global Partnership Program for the Dismantlement of Russian Submarines, o qual, com objetivos similares, fora criado no âmbito do G8. 3 Tradução livre de “since satellites began monitoring it [Ice in the Arctic Ocean] more than four decades ago”. 2

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As investidas da Rússia em direção ao Ártico são palpáveis: em 2014, o governo russo criou um comando naval para o Norte, que, segundo a agência de notícias estatal da Rússia, Sputnik News (2014a), estará sediado acima do Círculo Polar Ártico, e será o centro das atividades militares na região. De acordo com outra matéria da agência, “Russia also revealed its plans to build at least 13 airfields and 10 radar stations in the Arctic to ensure country's military security and to strengthen its political and economic position in the Arctic”4 (Sputnik News, 2014b). Percebe-se, de tal forma, o interesse russo no Ártico - é nesta região que o país está mais próximo à zona de influência da NATO. Enquanto a Rússia, por seu lado, projeta suas forças armadas em direção aos territórios que reclama no Ártico, o Canadá também concentra-se em exercitar sua soberania em seus territórios nórdicos. Em 2009, o governo canadiano publicou um documento chamado Northern Strategy5 (Huebert, 2010, p.7) , no qual deixa clara a importância do Ártico para as questões de segurança nacional do Canadá, prevendo a construção e aquisição de diversos aparelhos bélicos e de vigilância, com o fim de assegurar o suporte militar às atividades econômicas na região (Huebert, 2010). Em verdade, o Canadá irá estabelecer novas forças árticas no seio de suas forças armadas, com capacidade para combate (Huebert, 2010, p. 22). O Canadá, em cooperação com a Dinamarca e Estados Unidos, está a trabalhar na exploração do fundo do Oceano Ártico, com o objetivo de mapear e definir a extensão das plataformas continentais de cada país, uma prova que poderia reforçar as reivindicações que visam o aumento de seus respectivos mares territoriais (Guðmundsson, 2010, pp.7172). A Rússia insere-se na corrida, tendo investido em expedições que, inclusive, geraram forte propaganda doméstica, além de servir para enviar mensagens simbólicas aos Estados que estão a concorrer nesta competição por territórios no Ártico: em 2007 uma bandeira russa fora fincada no fundo do mar, a 4.200 metros abaixo do Pólo Norte (Mandraud, 2014). A exploração canadiano-dinamarquesa6 do fundo do Oceano Ártico concentra-se mais veementemente na plataforma continental da Groelândia; as pretensões territoriais

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“A Rússia também revelou planos para construir ao menos 13 pistas de descolagem e 10 estações de radares no Ártico, com o fim de garantir a segurança militar do país [Rússia] e fortalecer sua posição política e econômica no Ártico”. (Tradução livre). 5 “Estratégia para o Norte”. (Tradução livre). 6 A política dinamarquesa para o Ártico é resultado de decisões tomadas pelo governo autônomo da Groelândia e pelo governo central, em Copenhaga. A Dinamarca em si não possui mais territórios no Ártico, com exceção da Groelândia, que, apesar de deter grande autonomia, não possui soberania.

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dos dois países entra em choque com o território que a Rússia reclama para si7 (Guðmundsson, 2010, p.65). De acordo com Huebert (2010, pp.9-12), a Dinamarca, apesar de não se destacar por deter capacidades militares significativas8, atualmente investe em uma refinada capacidade para combater no Ártico. É importante destacar, antes de mencionar a atuação dos EUA no Ártico, que Canadá, Dinamarca e Noruega são Estados-membros da NATO, uma aliança militar que, segundo Duffield, Michota e Miller (2008, p.300), “was clearly a response to the growing threat that appeared to be posed by the hostile ideology and military power of the Soviet Union9”. Os autores ainda observam que a aliança fora confeccionada “para manter os russos fora, os americanos dentro, e os alemães por baixo10”, deixando clara a pretensão dos EUA em projetarem poder na Europa, limitando a influência da URSS. Recentemente, vê-se que a zona de predomínio da NATO abrange países vizinhos à Rússia; e, conforme já mencionado, é no Ártico que o maior país do mundo encontra-se verdadeiramente próximo de grandes potências militares como o Canadá e seu antagonista histórico, os EUA. Portanto, se o Ártico é vital para a política externa da Rússia, não deixará de o ser para o seu maior rival. Huebert caracteriza a superpotência mundial como uma “potência ártica relutante11” (2010, p.19). É importante observar, entretanto, que os EUA possuem um planeamento estratégico altamente abrangente e detalhista para a sua política no Ártico. Vale ressaltar também que o governo norte-americano não desativou as antigas bases árticas dos tempos da Guerra Fria (Huebert, 2010, p.20), o que demonstra o valor estratégico que a região possui para Washington. Nota-se, assim, que no contexto do Ártico prevalece a cooperação e a ausência de conflitos armados; porém, conforme a concorrência entre as potências da região aumenta, a desconfiança entre os países parece crescer. É forçoso ressaltar, ainda, que as mais relevantes potências árticas estão, ao mesmo tempo, dentre as maiores potências mundiais: Canadá, Estados Unidos e Rússia estão mais próximos do que jamais estiveram.

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A região reclamada pela Dinamarca inclui o Pólo Norte, onde a Rússia fincou sua bandeira em 2007. Rob Huebert menciona o fato de a Dinamarca ter sido derrotada pela Alemanha em poucos dias durante a Segunda Guerra, mas destaca-se, atualmente, por ter uma pequena, porém moderna capacidade militar; o autor destaca o fortalecimento das forças navais, que possuem a singularidade de combater no Ártico (2010, p.9). 9 “[O tratado que originou a NATO] era claramente uma resposta à crescente ameaça que parecia representar a ideologia hostil e o poder militar da União Soviética.” (Tradução livre). 10 Tradução livre de “keep the Russians out, the Americans in, and the German down.” 11 “Reluctant Arctic power”, em tradução livre. 8

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Em meio a tais potências nota-se um Estado pequeno, que não possui qualquer força armada. Antes, porém, de analisar a atuação política da Islândia no Ártico, é necessário compreender as singularidades dos pequenos Estados, bem como as igualmente particulares formas que encontram para garantir seus interesses.

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2. Os Pequenos Estados

Em suas relações internacionais, os Pequenos Estados comportam-se de forma especial. A priori, suas decisões limitam-se pela menor disposição de recursos, população e extensão territorial, tornando-os potencialmente mais vulneráveis ou menos capazes de lidar com desafios de segurança. Tradicionalmente, os estudos sobre Pequenos Estados recorrem ao tamanho das populações para definir a dimensão dos países; entretanto, como observa Guðmundsson (2010, p.32), outras variáveis precisam ser levadas em conta. De fato, estudos mais recentes têm buscado definições mais amplas, que abrangem fatores econômicos, políticos, e geográficos, por exemplo. Tom Crowards (2002) utiliza três variáveis objetivas; segundo o autor, a análise conjunta de população, território e receita nacional é o suficiente para indicar o tamanho do Estado. Teorias recentes concordam em apontar que a população de um Pequeno Estado não supera os 1.5 milhões de habitantes (Crowards, 2002, p.145). Há definições mais clássicas, que incluem também populações com menos de 10 milhões de habitantes (Guðmundsson, 2010, p.33). De qualquer forma, não parece haver uma circunscrição clara com relação à extensão territorial ou receita nacional de um Estado; afinal, estes critérios são potencialmente relativos à região em que dado país se encontra. O Uruguai, por exemplo, possui um território pequeno, se comparado aos demais países da América do Sul. Tal extensão territorial, por outro lado, é superior à da Coreia do Sul12, e pouco inferior à do Reino Unido. Ainda assim, o Uruguai comporta-se como um país pequeno, a Coreia do Sul é reconhecida potência asiática, e o Reino Unido ainda é considerado uma potência global. Consequentemente, os estudiosos também adicionam um fator subjetivo ao conceito de Pequeno Estado: o próprio comportamento do Estado, além do reconhecimento interno e externo de seu tamanho (Guðmundsson, 2010, p.33). Ou seja, o fato de o Estado ser percebido como Pequeno por seus vizinhos e pelo seu próprio governo, sem deixar de analisar também suas decisões nas relações internacionais. O fator populacional, sem embargo, não perde sua relevância: na comparação entre Uruguai, Coreia do Sul e Reino Unido, sabe-se que os uruguaios são pouco mais de 3

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República da Coreia.

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milhões, os sul-coreanos são cerca de 50 milhões, e a população do Reino Unido ultrapassa os 60 milhões, segundo informações do CIA Factbook (CIA, n.d.). Finalmente, os estudos sobre Pequenos Estados procuram explicar como e por quais razões o comportamento dos pequenos Estado difere-se dos demais; tal terefa é de extrema importância, tendo em vista que visa explicar um dos fatores subjetivos mais especiais dos pequenos Estados, que é o comportamento deles. Um motivo, aponta Guðmundsson, é a necessidade do pequeno Estado de fazer o uso ideal de seus meios, já que normalmente não dispõe de grande quantidade de recursos. Não é possível, assim, disperdiçar recursos com projetos que apenas irão trazer benefícios limitados. Isto confere maior importância ao desenvolvimento de uma estratégia abrangente e inclusiva no que diz respeito à segurança do Estado (Guðmundsson, 2010, p.34). Ou seja, o pequeno Estado precisa abordar múltiplos objetivos em sua estratégia, de forma a fazer o melhor uso possível de seus recursos limitados: por exemplo, pouca mãode-obra, pequena extensão de terreno arável, ou poucos recursos hídricos, energéticos, etc. O pequeno Estado tem uma carência maior de estratégia do que outros Estados. Tal necessidade é ainda maior atualmente, devido à própria complexidade das questões de segurança. Booth e Wheeler apontam que as próximas décadas verão uma perigosa convergência de riscos, caso ações coletivas sensíveis não sejam tomadas para evitá-lo. Os autores afirmam que fatores como terrorismo, proliferação de armas, mudanças climáticas, migrações, choques civilizacionais, etc. serão responsáveis por uma nova era de incerteza para a sociedade humana (Booth e Wheeler, 2008, p.143). Os pequenos Estados tendem a buscar dinâmicas de grupo para resolver as demandas de sua estratégia, utilizando o poder de Estados parceiros, de alianças e de instituições para satisfazer seus objetivos (Guðmundsson, 2010, p.34). Têm, assim, experiências, estratégias e soluções valiosas para os desafios do Século XXI, que requerem cada vez mais ações coletivas. Para aproveitar os benefícios da integração econômica, o Uruguai, por exemplo, lidou com interesses conflitantes entre o Brasil e a Argentina; a Bélgica, por sua vez, teve iniciativas vitais para a convergência dos interesses de França e Alemanha. E a Islândia, nação em estudo nesta investigação, foi um dos Estados fundadores da NATO.

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3. A Islândia no Ártico

A Islândia, apesar de ser uma pequena ilha, muito próxima ao Ártico e com apenas 317 mil habitantes (CIA, n.d.), possui um papel estratégico significativo na política internacional, que começou na Guerra Fria. Logo em 1949 tornou-se um dos membros fundadores da NATO, apesar da tradicional política de neutralidade (Sigurðsson, 2012, p.32); o país declarou, entretanto, que não haveria um exército islandês, tornando-o o único membro da NATO a não possuir forças armadas (Guðmundsson, 2010, p.88) até hoje. Apesar de não contribuir com forças armadas tradicionais, a Islândia desempenhou um papel geoestratégico muito importante para o sistema de defesa norte-americano, servindo como posto de observação e monitorização de submarinos soviéticos e bombardeiros de longo alcance (Guðmundsson, 2010, p.88). O papel da Islândia no sistema de defesa dos EUA já é um exemplo de comportamento típico de pequeno Estado: os islandeses conseguiram explorar um recurso valioso que possuem: sua posição geográfica. A Islândia aproveitou-se do fato de estar no Atlântico Norte, entre os EUA e a Europa, próxima ao Ártico, região que, como visto, era essencial para as relações entre os norte-americanos e a URSS; o país conseguiu lugar na NATO e proteção militar de seus aliados, mesmo sem possuir um exército. Também recebeu, como aponta Guðmundsson (2010), assistência financeira, logística e estrutural dos EUA. Com o fim da Guerra Fria, porém, a Islândia perdeu a relevância que possuía para a estratégia dos EUA. Como a Rússia já não apresentava grande ameaça aos objetivos norteamericanos, as principais bases militares da superpotência na Europa foram desativadas, inclusive a base de Keflavik (Guðmundsson, 2010, p.88), que era a principal base dos EUA na Islândia. A defesa da Islândia, sem embargo, continuou sob responsabilidade de seus aliados da NATO, que realizam operações de vigilância em seu espaço aéreo. Para a Aliança Atlântica, contar com a Islândia como Estado-membro significa ter maior coesão em sua área de influência no Ártico, uma vez que trata-se do território que está entre a Europa e a América do Norte. Assim, há uma área de predominância da NATO que extende-se do Alaska à fronteira entre Noruega e Rússia, e a Islândia é o Estado-membro que garante a continuidade dessa zona de influência. Percebe-se, de tal forma, que à medida em que a Rússia avança sua presença no Ártico, maior torna-se a importância da Islândia no âmbito da NATO. A priori, o papel do 14

país parece tornar-se muito similar ao que desempenhava durante a Guerra Fria. Entretanto as questões de segurança atuais no Ártico não mais limitam-se (somente) a assuntos militares, e as tradicionais políticas de dissuasão armamentista não são mais a origem de tensões que surgem, desta vez, das mudanças climáticas. Simon Dalby (2008, p.260) afirma que a segurança internacional requer cooperação em face à mudança climática, e não as antigas estratégias de rivalidade geopolítica que costumavam ser o núcleo dos estudos de segurança. É nesse espaço para cooperação que a Islândia pode atuar. O país, segundo Guðmundsson (2010, p.92), apesar de não se mostrar hábil para lidar com segurança militar, desenvolve-se muito bem em questões de segurança civil, demonstrando estratégias para lidar com várias ameaças, desde erupções vulcânicas à poluição no mar. Além de possuir experiência na prevenção de ameaças climáticas, a Islândia tem desenvolvimentos na utilização de energia renovável (Katz, 2013). De qualquer forma, um país de pequenas dimensões, com uma base econômica estreita, não pode sobreviver sem uma extensiva cooperação internacional (Sigurðsson, 2012, p.31). Assim, pode-se afirmar que a cooperação é tão importante para a Islândia quanto o é para os seus vizinhos árticos. Nesse sentido, a estratégia principal da Islândia para o Ártico é a cooperação regional pelo Conselho do Ártico. A política islandesa visa centralizar todas as questões de segurança ambiental e humana no Conselho, para que este torne-se o principal fórum de discussões na região (Guðmundsson, 2010, p.98-99). Assim, a Islândia busca institucionalizar a cooperação e integração regional do Ártico no Conselho, reunindo todos os países e organizações internacionais da região em um único fórum. O degelo do Ártico mostrou-se substancial para a segurança da região, e para a Islândia não parece sê-lo diferente. Em verdade, a ameaça ambiental é apontada como um dos maiores riscos para a segurança da Islândia (Guðmundsson, 2010, p.100), já que acidentes com navios nucleares ou na estração de petróleo podem contaminar as águas islandesas, prejudicando a indústria da pesca. É vital, assim, fortalecer o papel das instituições regionais e da cooperação, afim de evitar qualquer conflito entre as potências do Ártico; a Islândia, como país detentor de tecnologia e interessado em cooperar com os grandes vizinhos, possui a capacidade de fazê-lo. Dentre os demais Estados Árticos, os da NATO encontram na Islândia um território aliado que pode deter a influência da Rússia na região, e com este aliado precisam cooperar; os russos, por seu turno, podem buscar a assistência islandesa na segurança de atividades de extração de petróleo, pesca e circulação de navios, e assim 15

conseguir uma melhor convivência com o Canadá e os EUA, por exemplo. Para a Islândia, a melhor opção parece ser a de protagonizar um Conselho do Ártico mais abrangente e menos sujeito às rivalidades entre os países da NATO e a Rússia.

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Conclusão

Conclui-se, assim, que apesar de ser um Pequeno Estado entre grandes potências mundiais, a Islândia possui diversas oportunidades no Ártico; a região, que está a tornar-se cada vez mais acessível para o aproveitamento econômico de seus recursos, tem atraído a atenção de países como Canadá, EUA e Rússia, bem como de outros membros da NATO. Estes países não escondem suas rivalidades e tentativas de expandir-se em direção ao norte. A Islândia, seguindo o exemplo de outros Pequenos Estados, pode atuar como protagonista no fortalecimento de um Conselho do Ártico mais dinâmico e inclusivo, um fórum de discussão com potencial de ser a organização regional central no Ártico. Viu-se que a Islândia também possui experiência no desenvolvimento e aplicação de políticas de segurança ambiental, uma capacidade que pode ser vital para previnir ameaças que podem decorrer das atividades econômicas e das conflitualidades no Ártico. Este estudo de caso utilizou o método da pesquisa bibliográfica, buscando referências de especialistas nos estudos de segurança do Ártico, incluindo pesquisadores islandeses. Utilizou-se informações de notícias publicadas em jornais de destaque no mundo, para demonstrar fatos atuais da política internacional no Ártico. Finalmente, recorreu-se ao referencial teórico de especialistas na teoria da segurança e das relações internacionais. Alfim, parece necessário que os Pequenos Estados busquem utilizar seus recursos e capacidades para tornar as relações entre seus “grandes vizinhos” mais dinâmica e interdependente. A estratégia, assim, pode ser a de aproveitar este espaço comum para protagonizar a criação e o desenvolvimento de organizações regionais de natureza multilateral que visem a cooperação, ao invés de perpetuar antigas relações de antagonismo. O papel dos Pequenos Estados, nesse sentido, é muito promissor na segurança de um mundo global, dinâmico e interdependente.

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Bibliografia Blau, J., 2013. A new Cold War in the Arctic? Deutsche Welle, [online] 12 de Dezembro. Disponível em: [Acessado em 20 de Janeiro de 2015]. Booth, K., e Wheeler, N., 2008. Uncertainty. Em: P. D. Williams, ed. 2008. Security Studies: an Introduction. Nova Iorque: Routledge. C.10. Central Intelligence Agency, 2014. The World Factbook, [online] Disponível em: [Acessado em 20 de Janeiro de 2015]. Crowards, T., 2002. Defining the Category of ‘Small’ States. Journal of International Development, 14, pp. 143–179. Dalby, S., 2008. Environmental Change. Em: P. D. Williams, ed. 2008. Security Studies: an Introduction. Nova Iorque: Routledge. C.18. Duffield, J., Michota, C., e Miller, S., 2008. Alliances. Em: P. D. Williams, ed. 2008. Security Studies: an Introduction. Nova Iorque: Routledge. C.20. Guðmundsson, J. A. 2010. Iceland’s Arctic Strategy. Security Challenges and Opportunities. MA. Universidade da Islândia. Huebert, R., 2010. The Newly Emerging Arctic Security Environment. Calgary: Canadian Defence and Foreign Affairs Institute. Katz, C., 2013. Iceland Seeks to Cash in on its Abundant Renewable Energy. Yale Environment 360, [online] Disponível em: [Acessado em 20 de Janeiro de 2015]. Mandraud, I., 2014. Russia prepares for ice-cold war with show of military force in the Arctic. The Guardian Weekly, [online] 21 de Outubro. Disponível em: [Acessado em 20 de Janeiro de 2015]. National Snow and Ice Data Center, n.d. What is the Arctic? [online] Disponível em: [Acessado em 20 de Janeiro de 2015]. Sigurðsson, G. O. 2012. The Development of Icelandic Foreign Policy. From National Interest to Idealism? BA. Universidade da Islândia. Sputnik News, 2014a. Rusia estrena el Mando Estratégico Unido del Ártico. Sputnik News, [online] 2 de Dezembro. Disponível em: [Acessado em 20 de Janeiro de 2015].

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