Percepção Musical: Uma Investigação a Partir da Cognição Musical

July 1, 2017 | Autor: Humberto Hama | Categoria: Ear Training, Cognição Musical, Percepção Musical, Psicologia Cognitiva Musical
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Percepção Musical: Uma Investigação a Partir da Cognição Musical

Humberto Akio Hama

RA: 368865

Artigo

UAB/UFSCar, Educação Musical, TCC 2



Coordenadora da disciplina: Prof. Dra. Araceli Hackbarth

Orientadora: Prof. Ms.Valentina Daldegan

Pólo de Osasco

Setembro/ 2013



























"No mundo da audição, os sons não se originam em lugar nenhum"
(Arhein, 1989, p.228)


Percepção Musical: Uma investigação a partir da psicologia cognitiva
musical

Humberto Akio Hama
RA 368865


Resumo. Nesta pesquisa serão investigadas atividades de percepção musical e
de treinamento auditivo, focando sua prática e resultados. Estas serão
fundamentadas a partir de premissas da psicologia e da cognição musical de
modo a refletir sobre as possibilidades de tornarem-se uma prática mais
abrangente em relação ao desenvolvimento geral do músico. O material
investigado será recolhido de livros de psicologia cognitiva musical e
métodos práticos de percepção musical. Será realizado um trabalho de campo
onde serão pesquisadas atividades que tenham a finalidade de averiguar a
possibilidade de inserção de premissas e propostas da psicologia cognitiva
musical no campo da percepção musical, a fim de fornecer material para
reflexão de novas formas de abordagem para o estudo e a prática nesta área.
Espera-se contribuir, assim, para um desenvolvimento real no entendimento
do discurso musical a partir de uma percepção clara, organizada e
consciente dos seus elementos musicais.


Palavras-chave: percepção musical, cognição musical, psicologia da música

Introdução

O estudo da percepção musical e a prática de atividades que treinam a
escuta musical tem fundamental importância no desenvolvimento musical do
músico e estudante de música. Seja qual for a área em ele irá atuar, uma
boa percepção musical fará grande diferença em sua qualidade como músico,
pois esta apresenta-se como peça fundamental na formação geral deste
profissional. Conhecer, identificar e poder estruturar os padrões e
elementos musicais ouvidos num contexto claro de entendimento, permite ao
estudante ou músico, captar o cerne da expressão da música e incorporá-lo
continuamente ao seu conhecimento musical. Enriquece-se assim sua vivência
no meio musical seja ele profissional, amador ou educativo.

Mas, apesar de ser um tema bastante relevante, ainda se nota uma carência
muito grande nos estudantes de música e músicos amadores, e mesmo nos que
já caminham para o profissionalismo, de habilidades que são especificamente
desenvolvidas a partir da prática de atividades de treinamento auditivo.

Percebe-se ainda que estes tipos de atividades não fazem parte, muitas
vezes, da rotina do estudante e nem é tópico abordado na maioria de suas
práticas musicais. Nos grupos musicais há uma forte tendência de se apoiar
no mecanicismo e na partitura em detrimento de elementos perceptivos que
são da maior importância, tanto por propiciarem uma boa musicalidade ao
aluno quanto uma melhor expressão musical do grupo. O mesmo se percebe em
aulas teóricas das diversas áreas musicais. Poucas vezes, em grande parte
dos grupos amadores, a prática é associada a aspectos perceptivos e
cognitivos do material trabalhado.

Durante a pesquisa bibliográfica para este trabalho, percebeu-se que o
material adquirido e coletado acabou por apresentar-se conflitante em
diversos aspectos em suas propostas e que as abordagens a partir da
Psicologia e da Cognição Musical e os métodos práticos de treinamento
auditivo apresentavam diferentes premissas, quando não, contraditórias.

Muitas das abordagens e propostas para o desenvolvimento da percepção
musical, comumente usadas, como metodologias de solfejos e leituras
rítmicas, assim como "decorar" intervalos musicais a partir de trechos de
músicas conhecidas, propiciam um aprendizado que leva a uma apreensão
fragmentada e descontextualizada dos diversos elementos musicais.

Segundo Convington e Lord (1994, p.161) a tendência da maioria destas
metodologias tradicionais, é basear-se numa ideia behaviorista segundo a
qual os elementos são trabalhados separadamente e "gradualmente refinados
na estrutura musical e melhor ancorados em seu lugares."

Continuando, os autores concluem que à medida que elementos musicais, mesmo
que estudados separadamente, "toda a rede gradualmente se desenvolve para
uma unidade bem estruturada de conhecimento". Em verdade, Covington e Lord
(1994) não apresentam esta metodologia como a ideal, mas tampouco negam sua
efetividade no sentido do treinamento auditivo.

Entretanto, apesar das limitações das metodologias práticas, os próprios
autores assumem o fato de que ainda não há uma proposta concreta e efetiva
para estruturar uma pedagogia viável e prática a partir dos estudos de
cognição musical, pois justamente os processos de pesquisa são similares
aos das perspectivas objetivistas das metodologias atuais.

Resumidamente, segundo Covington e Lord (1994, p.163) apontam os principais
problemas das pesquisas cognitivas: "focam comportamentos isolados",
"precisam ser medidas para ter validade científica", "o conhecimento básico
da pesquisa cognitiva é composto de fragmentos de informações" e "pesquisas
cognitivas geralmente envolvem uma situação de treinamento num
microcosmos". Notemos que todos eles são muito similares aos problemas
citados na abordagem behaviorista e objetivista tradicional.

A fim de se reafirmar a necessidade de se associar a pesquisa com a prática
musical, Krumhansl, em seu livro Cognitive Fundations of Musical Pitch,
aponta que sua "investigação foca na parte experimental e científica que
pode ser atribuída bastante diretamente a estruturas musicais
objetivas"(Krumhansl, 1990, p.5). Também afirma que "ao fazer escolhas
sobre o tipo mais fecundo de análise [musical], uma variedade de
considerações devem ser ponderadas"(p.6).

A partir de premissas como essa, o presente artigo propõe a investigação
crítica de propostas e atividades extraídas de uma diversidade de materiais
a fim de criar uma associação entre as áreas de percepção e cognição
musical, de maneira que, dentro desta diversidade de atividades de
treinamento auditivo e percepção, selecionem-se propostas que possam
contribuir para uma compreensão mais efetiva do discurso musical.

Foram pesquisadas com este propósito atividades que buscam inserir novos
elementos no formato tradicional das aulas de percepção, cujo problema,
segundo Covington e Lord (1994, p.159) é a "ênfase em eventos musicais
isolados do seu contexto natural" e o foco específico em aspectos de ritmo
e altura e uma "virtual exclusão dos outros aspectos." Os autores citam a
dificuldade para o estudantes descobrirem conexões com outros temas do
currículo musical, já que o treinamento auditivo é "trabalhado num ambiente
de aprendizagem diferente e isolado de contextos musicais reais".

Sendo a proposta deste projeto investigar as metodologias, a fim de
entender como estes materiais auxiliam o músico no entendimento do discurso
musical e na sua prática musical, é necessário, portanto, que se contemple
as duas perspectivas – as perceptivas e as cognitivas – encontrando pontos
em comum em ambas as abordagens, visando, então, propiciar o
desenvolvimento de um conhecimento musical mais completo durante o estudo
de música.

Pretende-se investigar os materiais buscando, como propõe Sloboda (2008,
pág.viii), "quebrar as barreiras da interdisciplinaridade". Será uma busca
por fundamentar metodologias práticas de percepção e treinamento auditivo —
que apresentam pouca explanação teórica, pois são frutos de um
conhecimento adquirido através da prática contínua —, com reflexões sobre o
processo cognitivo que se desenvolve a partir desta prática. Para Sloboda
(2008, p.ix) a importância desta busca fica evidente em sua afirmação de
que "Os músicos perceberão que a psicologia cognitiva tem algo a oferecer
para ajudar na compreensão das bases mentais de suas capacidades."

Por esta razão, apesar do material investigado ser composto de atividades
práticas e objetivas, buscaremos também trazer à tona diversos aspectos da
cognição e psicologia musical para fundamentá-las e ou contrastá-las.
Enfim, devemos atentar que a prática tecnicista tem sido predominante no
ensino da música e fatores pertinentes à percepção musical e que pertencem
à área do estudo da cognição musical e da psicologia da música são por
vezes deixados de lado e tem sua importância minimizada para o estudo
prático.

Sloboda (2008, p.4) comenta duas razões que levam o estudo da música
"diretamente aos domínios das psicologia": que " a maioria das nossas
respostas à musica são aprendidas" e que "nossas respostas emocionais [à
música] não devem ser explicadas simplesmente em termos de
condicionamento".

Krumhansl também aponta para a tendência geral que se tem de procurar
respostas nas investigações da psicologia para melhor compreender o
processo de ensino aprendizagem em música. A autora afirma que
"especialidades tradicionalmente preocupadas com o desenvolvimento musical
– musicologia, teoria musical, etnomusicologia e educação musical – tem
mostrado crescente interesse em entender os processos psicológicos
subjacentes ao comportamento musical." (Krumhansl, 2000, p.159).

A partir das explanações teóricas da psicologia cognitiva musical
investigou-se a questão das qualidades dinâmicas e tendências dinâmicas das
notas, tema abordado por diversos autores da área da cognição e da
psicologia da música como Zuckerkandl (1956), Krumhansl (1990), Arheim
(1999) e Downling(1986). Zuclerkandl (1956, p.37) aponta que desde a
primeira nota de uma composição já há uma "atividade dinâmica" devido à
"promessa do todo" que esta nota "carrega dentro de si mesma".

Associou-se estes conceitos com algumas metodologias e propostas que
trabalham atividades práticas de percepção, como Performance Ear training,
de Mixon e One Note Ear Training, de Arnold. São métodos práticos com
poucas explanações teóricas, cujas atividades podem ter seu embasamento
explicado a partir do ponto de vista da psicologia cognitiva da música.

Outro elemento para o qual buscou-se associar a prática a questões
investigadas na psicologia cognitiva foi o ritmo. Alguns pesquisadores e
autores modernos de materiais práticos para a percepção musical propõem
certas abordagens que contemplam também premissas pesquisadas na cognição
musical e na psicologia da música em relação ao ritmo.

Entre eles estão Gramani (1900) e Donelian (1998), que propõem um estudo da
percepção musical e do ritmo, especificamente, em que há integração entre
elementos que são de vital importância no estudo da psicologia cognitiva da
música, como a métrica e os agrupamentos rítmicos. Os autores apresentam
atividades que buscam integrar estes elementos de maneira que se propicie
um desenvolvimento da percepção musical associada à estrutura do todo
musical.

Por fim, investigou-se a possibilidade de se inserir os conceitos
pesquisados no uso de métodos práticos criados a partir de novas
tecnologias e que, muitas vezes, apresentam ferramentas objetivistas de
atividades de percepção. No entanto, algumas destas ferramentas podem ser
usadas buscando-se atentar para aspectos que são por muitas vezes
investigados na psicologia cognitiva da música.

Em um trabalho de campo, com um grupo de 4 a 7 participantes, sendo eles
alunos com faixa etária entre 11 e 13 anos, foram aplicadas algumas das
atividades a fim de recolher dados e informações que complementassem esta
pesquisa bibliográfica. As atividades visaram apresentar algumas ideias
extraídas de metodologias práticas de percepção musical associando-as com
investigações do campo da psicologia cognitiva musical.



Qualidades Dinâmicas das Notas

Dentro desta proposta, iniciaremos discutindo sobre o conceito de
"qualidades dinâmicas das notas". Propor uma sensibilização para as
"qualidades dinâmicas" que as notas possuem em relação à tônica é abordar a
questão do estudo dos intervalos não apenas decorando a distância entre
duas notas, mas vivenciando e discutindo as propriedades das notas em
relação a uma estrutura mais abrangente, que seria o centro tonal.

Foram usadas como referências para ordenar, inicialmente, o estudo da
percepção dos intervalos algumas experiências cognitivas descritas por
Krumhansl (1990) em seu livro Cognitive Foudantions of Musical Pitch o qual
apresenta uma explanação sobre suas experiências abordando as relações
entre as notas (graus) e o centro tonal. A autora propôs uma série de
escutas nas quais os alunos (músicos e não músicos) responderam se gostaram
ou não da nota final do trecho tocado e também opinaram sobre as
características das notas finais.

Partiu-se da ideia de que todas as notas (em relação ao grau de uma escala)
estão ligadas a uma base estável. Esta base seria o "centro gravitacional"
do sistema e poderia ser tratada por Tônica ou Centro Tonal que seria a
área de maior estabilidade dentro do sistema tonal e com o qual todos os
graus estariam conectados de maneira intensa. Esta conexão é o ponto de
partida para se explorar uma nova forma de perceber os intervalos musicais.
Seria o que Zuckerkandl (1956) conceitua como "Qualidade Dinâmica das
Notas".

Este conceito foi associado, principalmente, às metodologias de Mixon
(1998) e Arnold (1999), a fim de problematizar, enriquecer e fundamentar, a
partir uma outra ótica, as atividades de treinamento auditivo propostas.
Foram trazidas também ideias, para complementar as explanações teóricas, de
autores como Arhein (1989), tensões e forças que agem em um sistema tonal e
Downling (1986), tendências dinâmicas e estabilidade. Na atividade 1,
iniciou-se investigando as características dinâmicas das notas finais de
diversos trechos musicais.

Segundo Krumhansl (1990), no capítulo de seu livro intitulado "Hierarquia
Tonal":


"Um contexto tonal designa uma nota como a mais central. Todas as outras
notas possuem funções específicas com respeito a esta nota, em termos de
seu parentesco com a tônica e ponto de referência secundário estabelecido
pela tônica".
(KRUMHANSL, 1990, p.18)

Para Zuckerkandl:


"As notas de nosso sistema tonal são eventos num campo dinâmico, e cada
nota, assim como ela soa, proporciona determinada expressão para a exata
constelação de forças presente num ponto do campo, na qual esta nota esta
situada. Ouvir música significa ouvir ações entre forças."
(ZUCKERKANDL, 1956, p. 37)

E por fim, Arheim coloca que:


"... a relação dos vários diapasões ao nível da tônica é totalmente
dinâmico e constitui um fonte perceptiva fundamental da expressão musical.
Não é uma simples questão de distância mensurável a partir da tônica, mas
de tensão gerada pelo poder de atração da base."
(ARHEIM, 1989, p.229)


Atividade 1: Foram tocados pequenos trechos para os alunos, construídos a
partir da notas diatônicas da escala maior. Os alunos julgaram se a última
nota do trecho tocado soou de maneira estável ou não. Avaliaram se a última
nota tocada conclui a ideia musical ou se teve a impressão de que existe
ainda a necessidade de uma continuidade no discurso musical.

Estas notas finais foram analisadas a partir de diferentes contextos
melódicos, mostrados a seguir. Foram averiguados os graus de estabilidade
proporcionados pelas notas finais, quando estas foram pontos de
estabilidade dentro da escala maior como a tônica, terça e quinta. Foram
apresentados trechos com notas cromáticas de forma descendente ou
ascendente, mas sempre finalizando em notas diatônicas. Exemplos dos
trechos tocados usando graus conjuntos:


FIGURA 1 – Exemplos de trechos tocados para atividade 1.


Percebeu-se que diferentes contextos proporcionam uma maior diversidade de
impressões que uma frase musical pode causar a partir da estrutura
construída (a, b, c, d). Também foi debatido com os alunos o grau de
"expectativa" gerado, (Meyer, 1956, Zuckerkandl, 1956) quando a nota final
não foi um grau estável e sim graus que proporcionam uma impressão de
instabilidade e a necessidade de se completar a ideia musical (a, b, c, d,
f, h). Exemplos de observações que foram feitas durante as conversas com os
estudantes:

- Finalizar o trecho em um grau estável, tendo como nota anterior um grau
de aproximação, descendente, ascendente e cromático, proporciona uma
sensação maior de estabilidade do que quando a nota final não é precedida
por um grau conjunto.

- Alterar o tempo de duração das notas anteriores à última nota tocada no
trecho também intensifica a sensação de estabilidade da nota final.

- Notas anteriores podem alterar o sentido de notas finais. No caso do
exemplo h) o cromatismo anterior proporcionou maior estabilidade à nota
final que não é uma nota estável em relação ao centro tonal.

Foram tocados diversos trechos criados no momento e se teve bastante
liberdade para discutir a impressão causada por estas notas finais, a fim
de que se desenvolvesse nos alunos uma percepção musical crítica e
reflexiva.

Os trechos musicais foram construídos dentro da extensão de uma oitava,
proporcionando assim dois polos de estabilidade, pois segundo Arheim (1989,
p.233) "todos os sons da escala estão sujeitos à influência dos dois polos
opostos, e a proporção entre as duas atrações é um determinante da dinâmica
do som".

Ao fim da atividade, então, classificou-se com os alunos as notas
diatônicas, seus graus de estabilidade e suas características dinâmicas.
Apesar de alguns alunos apresentarem a opinião de que perceberam de forma
clara apenas a tônica como forte centro de estabilidade, concordou-se em
seguir a hierarquia estabelecida nas investigações cognitivas.

Ficou definido então, para a continuidade da realização das propostas, que
a tônica apresenta claramente a característica de forte centro de
estabilidade dentro da escala diatônica. A terça maior e quinta justa se
apresentam como centro de estabilidades secundários e a sétima, segunda,
quarta e sexta como notas instáveis dentro do centro tonal.

Atividade 2: Da mesma forma e com a mesma finalidade, foram propostos
debates, descrições e análises para um trecho todo e não apenas para as
notas finais, observando os aspectos das qualidades dinâmicas das notas,
como nos seguintes exemplos:

FIGURA 2 – Exemplos de trechos tocados para atividade 2



"No exemplo a) as notas Fá e Ré destoam claramente como um grau instável em
relação à tônica, sente-se uma estabilidade na nota mi, uma pequena
instabilidade na nota Fá e a conclusão estável na nota Dó."

"No exemplo b) e c) nota-se a diferença em um trecho terminado em um forte
centro de estabilidade, no caso a tônica e terminado em grau mais instável
(nota lá, sexto grau da escala)."

"No exemplo d) há um claro jogo de tensão e resolução entre as duas notas,
sendo uma claramente a tônica, pois é colocada como nota final na resolução
da frase apresentando grande estabilidade e a outra a sétima maior pois
apresenta uma tensão, onde se percebe claramente a necessidade de resolução
meio-tom acima." E assim por diante, a partir das diversas frases que foram
tocadas.

O intuito destas primeiras atividades é desenvolver no estudante a
sensibilidade para as diferentes qualidades dinâmicas, os diferentes graus
de atração ou graus de tensão de um grau de uma escala em relação à tônica.



One Note Ear Training


A partir de Arnold (1999), em sua metodologia "One Note Ear Training",
apresenta-se uma abordagem similar às teorias das tensões em relação ao
centro tonal e qualidade dinâmicas das notas. Suas ideias partem do
princípio de que "todas as 12 notas tem um som único em relação à uma
tonalidade e este único som precisa ser memorizado" (Arnold 1999, p.11). O
autor propõe uma série de atividades que abordam a percepção e memorização
destes sons e entende a percepção dos graus da escala como unidades ligadas
ao centro tonal, os quais geram tensões específicas e únicas em relação a
este centro.

A terceira proposta, descrita a seguir, é feita a partir destas ideias
(Arnold, 1999, p. 9), nas quais o autor afirma que "o importante é aprender
como cada nota soa em relação a um centro tonal e não a distância entre
duas notas". Esta premissa é corroborada por Krumhansl (1990), Arheim
(1989), e Zuckerkandl (1956) e dá continuidade à investigação das
qualidades dinâmicas das notas, sendo a referência agora o centro tonal em
forma de cadência.

Atividade 3: a primeira parte desta atividade foi apresentada em forma de
desafio para os alunos, os quais foram incitados a tentar permanecer
cantando a nota dó enquanto foi tocado no teclado as cadências I IV V I,
iniciando-se na tonalidade de Dó Maior e seguindo o ciclo das quintas. A
ideia é que permanecer apenas na nota dó enquanto as cadências vão sendo
tocadas através dos ciclos das quintas faz com que a nota seja percebida em
todas suas possibilidades de tensões nas doze tonalidades.

Aqui houve a necessidade de se tocar repetidamente a nota dó ao teclado
para que os alunos não mudassem de nota quando da sobreposição da nota dó
com determinadas tonalidades, pois há uma tendência de se alterá-la em
semitom ascendente ou descendente a fim ajustá-la à alguma nota estável e
consonante conforme a cadência tocada — como, por exemplo, quando a
cadência estiver sendo tocada em Si Maior tende-se a abaixar meio-tom a
nota para se ajustar com a tônica, em Lá Maior tende-se a subir meio-tom
para ajustar com a terça maior, em Fá# maior tende-se a subir meio-tom para
se ajustar com quinta justa e assim por diante.

Como a intenção da atividade é apresentar as características de cada
intervalo a partir de sua relação com o centro tonal, esta foi realizada de
maneira que os alunos conseguissem permanecer na nota dó, a fim de perceber
a diversidade de relações que a nota pode ter diante das doze tonalidades.
No entanto, para fins de desenvolvimento e treinamento auditivo, o ideal é
que o aluno permaneça na nota dó, em contraste com as doze tonalidades, sem
ajuda do teclado.

Atividade 4: Em continuidade às atividades propostas a partir da mesma
metodologia, foram trabalhados os graus, a partir de sua relação com a
tônica, em cada tonalidade a fim de memorizar sua qualidade dinâmica em
relação ao centro tonal. Então foi pedido aos alunos que, juntamente com o
professor, cantassem determinados intervalos a partir de cada cadência
tocada no ciclo.

Iniciou-se com a tônica. Os alunos cantaram a tônica de todas as
tonalidades acompanhados pelas cadências sendo tocadas no ciclo das
quintas. De início foram trabalhadas as notas de mais fácil memorização e
entoação e também de características mais estáveis. Após a tônica os alunos
cantaram a terça maior, quinta justa, quarta justa e assim por diante
juntamente com as cadências nas doze tonalidades. O objetivo foi que o
aluno memorizasse o som da nota, ou qualidade dinâmica da nota em relação
ao centro e conseguisse entoá-la a medida em que as cadências fossem
modulando.

A atividade deve ser feita de maneira gradativa, já que o reconhecimento
dos graus dentro da cadência tocada não se apresenta como uma atividade de
fácil realização no nível básico do estudo de percepção. Fez se o uso do
teclado apenas em momentos que foi necessário auxiliar os alunos a
lembrarem da nota a ser cantada.

É importante observar que o autor (Arnold, 1999) aponta que as notas não
devem ser ouvidas como melodias, pois a intenção da atividade é que o aluno
perceba as características de determinado intervalo em relação ao centro
tonal. Cada intervalo pedido é cantado em forma de nota longa em contraste
à cadência tocada a fim de que haja um sensibilização para as
características de determinado intervalo dentro de um contexto tonal.

É interessante notar que o autor ressalta a importância de se atentar para
aspectos que são também investigados a partir das premissas da cognição
musical, como, por exemplo, "grau de parentesco com a tônica" (Krumhansl,
1990), "eventos em um campo dinâmico" (Zuckerkandl, 1956) e "tensão gerada
pelo poder de atração da base" (Arheim, 1989).

A prática desta atividade deve ser contínua para que se desenvolva a
percepção dos alunos para a questão das qualidades dinâmicas das notas. O
reconhecimento dos intervalos não se faz apenas através de se decorar o som
característico entre a distância de duas notas, mas sim através de uma
familiarização com suas características dinâmicas em relação ao centro
tonal.

Quando percebemos determinado intervalo isolado de um contexto harmônico,
não há como percebermos as mesmas características dinâmicas de quando o
percebemos dentro de um contexto harmônico. Como já citou Arnold (1999)
perceber um intervalo de dó-mi (terça maior) em relação à uma tonalidade de
dó maior é diferente de perceber o mesmo intervalo em relação à tonalidade
de sol maior ou fá maior e em cada tonalidade diferente perceberemos de
maneira diferente o mesmo intervalo de dó-mi, pois este intervalo em cada
tonalidade possui características dinâmicas diferentes em relação a ela.


Tendências Dinâmicas


O segundo tópico aborda a relação entre graus instáveis dentro da escala
diatônica que tendem a resolver em graus vizinhos mais estáveis. Esta
relação será tratada por Tendências Dinâmicas das notas. Agora as
qualidades dinâmicas das notas serão investigadas a partir das relações das
notas com seus graus vizinhos e não de sua relação com o centro tonal.

Considera-se os graus diatônicos instáveis a segunda maior, que tende a
resolver na tônica, a quarta justa que tende resolver na terça maior, a
sexta maior que tende a resolver na quinta e a sétima maior que tende a
resolver na tônica, oitava acima.

O livro tido como referência para este capítulo e que se apresenta como uma
metodologia prática de treinamento auditivo, foi o Performance Ear
Training, de Donovam Mixon (1998) e aborda a questão das tendências
dinâmicas no capítulo do livro nomeado "Tendency Tones".

Neste capítulo Mixon (1998, p.46) explora possibilidades práticas para
desenvolver a percepção dos graus que tendem para outros graus
secundariamente estáveis: as tríades. Segundo o Zuckerkandl (1956, p. 35)
"devido a sua grande estabilidade, a terça e a quinta servem, para os graus
adjacentes, especialmente os descendentes, como o mais próximo ponto de
suporte." Arhein (1989, p.232) também cita a tríade como "novas plataformas
de equilíbrio" e como sendo "a maneira mais segura de subir pelo espaço da
escala."

Este grupo de atividades apresenta de início uma prática básica para
desenvolver a percepção das tendências dinâmicas de certos graus
diatônicos. Esta prática, entretanto, abre possibilidades bastante diversas
de elaboração de atividades para o estudo de percepção musical e análises
musicais, já que "atividades dinâmicas (tensão) e descanso são termos
relativos, porque os sistemas tonais são geralmente hierárquicos: notas que
são graus com tendências ativas em um nível podem ser graus substantivos em
outro nível e vice-versa." (Krumhansl, 1990, p. 20)

Sendo assim, praticando e cantando exercícios que abordam a interação de
forças dinâmicas entre os graus da escala, busca-se tornar o estudante
sensível para se perceber tendência que tem certas notas de resolverem em
graus próximos mais estáveis dentro da estrutura melódica.

Atividade 5 : A proposta inicial trabalhou basicamente graus instáveis e
sua conclusão, uma tendência natural, para os graus mais estáveis. Propomos
aqui a realização da atividade inicial, na qual canta-se usando a técnica
de dó móvel, em todas as tonalidades através dos ciclos das quintas e
quartas, as seguintes notas:


FIGURA 3. Tendency Tones (Mixon, 1998, p. 48)

A sequência de notas deve ser cantada até se atingir um bom grau de
afinação e segurança no seu entoar. Outra indicação do autor foi a de se
permanecer tocando a tônica ao piano para não se perder a referência do
centro estável para a percepção das qualidades dinâmicas das notas tocadas.


Aqui também percebe-se a harmonia da proposta com as pesquisas cognitivas.
Krumhansl (1990, p.16) afirma que "na maioria dos casos, a tônica é
enfatizada tanto melodicamente como ritmicamente; ela soa com relativa
frequência e com longa duração; e tende a aparecer no começo e no fim nas
mudanças das principais frases e momentos de tensão rítmica."

Foi também acrescentado o grau de quarta aumentada com tendência para o
quinto, o qual não se apresenta como um grau diatônico mas como uma nota
estrangeira à escala maior. Entretanto, percebe-se claramente também sua
forte característica dinâmica tendendo para quinto grau. Esta inclusão foi
retirada do livro Performance Ear Training, de Donovan Mixon (1998), que
foi referência para esta atividade.

A atividade inicialmente se apresentou de maneira simples para o estudante
com certa vivência musical e, após certo período praticando, não houve
dificuldade em se entoar a sequência de notas de maneira precisa.

Para a quinta atividade foram usadas também duas estratégias a fim de
otimizar a apreensão e ajudar em possíveis dificuldades que possam surgir
para se entoar a sequência de notas propostas. As estratégias tem como
objetivo sanar possíveis dificuldades na prática do exercício e também
interiorizar mais efetivamente as relações entre os graus. Voltamos então à
sequência de notas estipuladas para se estudar os graus estáveis e
instáveis na escala diatônica:



FIGURA 4. Tendency Tones (Mixon, 1998, p. 48)


Estratégia 1: foi pedido ao aluno para cantar a primeira nota (si), e
depois tocou-se a nota ao piano para conferir a afinação. Ainda tocando-se
a primeira nota, repetidamente em pulsos lentos, foi pedido ao aluno para
pensar, imaginar e entoar a segunda nota (do). Passou-se a tocar ao piano,
então, a segunda nota, a qual está sendo cantada, a fim de conferir a
afinação novamente. E assim por diante passando por toda a sequência de
notas. Iniciava-se a partir da primeira nota de novo quando o aluno não
conseguia manter a afinação, estando em qualquer lugar da sequência.

Estratégia 2: estimula os alunos a desenvolverem a memória musical. Os
alunos cantaram o primeiro grupo de notas (si-do), imaginam o segundo grupo
(ré-do), cantam o terceiro (fá-mi) e assim por diante por toda a sequência
de maneira cíclica e invertendo a ordem, num segundo momento, das notas que
são imaginadas e as cantadas.


FIGURA 5. Estratégia 2 – Ouvido Interno


Atividade 5: O autor propõe que se inicie a mesma sequência de notas a
partir dos outros graus e não começando apenas do si para o dó. Permanece-
se ainda soando a tônica (dó) ao fundo. Os alunos devem ser capazes de
entoar a sequência de notas trabalhada a partir dos diversos graus de
aproximação para os graus estáveis e também dos ciclos das quartas.

Esta apresentou um certo grau de dificuldade e foi realizada dentro das
possibilidades dos alunos, sem, entretanto, conseguir ser completada de
maneira satisfatória, pois haveria necessidade de mais prática para sua
realização.

Enfim, o objetivo final das atividades 3 e 4 foi desenvolver a percepção
das tendências dinâmicas das notas, tanto as estáveis como as que tendem
para estas. Segundo a própria indicação do autor (Mixon 1998, p.49) os
alunos devem lembrar-se "de cantar lentamente" e ouvirem "as qualidades
tonais de cada nota em relação ao baixo sustentado." Nota-se aqui grande
afinidade do autor com as premissas cognitivas.

FIGURA 6 – Atividade 5


Neste caso, a atividade foi feita algumas vezes com auxílio do professor e
também com auxílio do teclado e percebeu-se a necessidade de um estudo
diário contínuo a fim de se poder realizá-las com precisão e acuidade para
que se possa dar continuidade à proposta da metodologia. Para fins de
desenvolvimento da percepção musical, a atividade deve ser feita sem
auxílio do teclado e apenas usando da memória musical.

Além de exercitar e desenvolver a percepção musical para elementos que são
gerais e estão presentes nas estruturas melódicas em diversos estilos
musicais, as atividades que desenvolvem a percepção para as qualidades e
tendências dinâmicas das notas contemplam as investigações na psicologia
cognitiva da música que abordam questões relativas às tensões,
estabilidade, instabilidade e outros conceitos intrínsecos na percepção do
som e do discurso musical.


Rítmica

Por fim abordou-se a questão do ritmo, que também tem sido muito
investigada na psicologia cognitiva musical atualmente, apesar do certo
descaso durante muito tempo com este elemento musical por esta área.
Abordaremos a questão a partir de premissas como a questão dos
"agrupamentos" rítmicos e outras como explanações teóricas sobre a questão
do pulso e da métrica.

A primeira referência de método com propostas alinhadas com a psicologia
cognitiva foi o método rítmica de Eduardo Gramani (1999). Nas suas
atividades práticas é possível perceber as bases das premissas cognitivas
associadas à percepção do ritmo.

Gramani (1999) em sua proposta de estudos rítmicos aborda uma prática que
pode ser associada aos conceitos de métrica e agrupamentos rítmicos,
componentes investigados no campo da psicologia e da cognição. Segundo
Krumhansl (2000, p.162) "ritmo é o produto das complexas interações entre
estes dois componentes."

Como métrica a autora refere-se à "alternância regular de acentos com um ou
mais pulsos fracos em um padrão periódico (correspondente ao compasso)." Já
os agrupamentos, a autora define como "organização de eventos em grupo" e
"não necessariamente devem ser periódicos ou coincidir com a estrutura
métrica."

Em sua primeira série de atividades, Gramani apresenta exercícios que
contrastam justamente estes dois elementos: uma linha rítmica com batidas
regulares e outra que prioriza a construção de agrupamentos. As linhas
rítmicas são dissociadas umas das outras e a linha constante não coincide
com a linha dos agrupamentos.

Nas atividades é dado um valor rítmico mínimo representado na semicolcheia.
Iniciam-se as atividades com uma linha inferior com o valor de uma colcheia
repetindo-se regularmente, de acordo com a figura abaixo.


FIGURA 7 – (Gramani, 1999, p. 19)

Percebe-se que as acentuações e os pulsos fortes raramente encontram-se ou
coincidem nas mesmas batidas, o que cria uma dualidade perceptiva que se
distingue entre métrica e grupos rítmicos. Segundo Gramani (1999, p.12) o
objetivos destas propostas é "criar novas associações, frutos da
dissociação das já existentes, visando assim conseguir uma visão global do
acontecimento musical."

A metodologia de Gramani se apresenta inteiramente como uma diversificação
desta proposta inicial na qual vão se alterando os valores dos padrões
regulares na linha rítmica inferior e criando-se novas propostas
construtivas nos agrupamentos rítmicos superiores.

Na mesma linha das atividades de Gramani, temos as atividades de "solfejo
integrado" propostas por Donelian (1992) que consistem na proposta de
execução de duas linhas musicais paralelamente, podendo ser duas linhas
rítmicas ou uma linha rítmica e uma melódica. O autor usa de células
rítmicas construídas a partir de quiálteras de tercinas sobre dois tempos.
Um complexo jogo rítmico é criado entre as duas linhas a partir de
prolongamento de determinada nota ou a inserção de pausas na estrutura das
tercinas em dois tempos. Neste modelo poucas notas e batidas são
coincidentes com o pulso musical, o que exige uma noção muito bem
desenvolvida deste pulso. Cada atividade deve ser praticada diversas vezes,
inicialmente com o uso do metrônomo e playbacks e posteriormente apenas com
voz e percussão de membros.

Exemplos:



a) Solfejo integrado – Rítmico


FIGURA 8 – Donelian (1998, p.4)


b) Solfejo integrado – Rítmico e melódico


FIGURA 9 – Donelian (1998, p. 59)


Segundo Donelian (1992, p. 52) estas atividades permitem "integrar olhos,
cérebro, escuta e voz para funcionar de maneira integrada e sincronizada" e
também "percutir múltiplas linhas rítmicas permite a sua mente permanecer
no centro do balanço entre as várias partes, sem identificar com nenhuma em
particular". Esta proposta corrobora a premissa de Krumhansl (1990, p.3)
de que "Escutando música, nós ouvimos os sons, não como unidades isoladas e
desconectadas, mas integradas em padrões. Nossa experiência perceptiva vai
além do registro sensorial de eventos musicais isolados."


Novas tecnologias



Foi proposto, enfim, aos alunos, paralelamente às atividades, praticarem
atividades do software Aurália e do site Theta's Music Trainer, que
permitem desenvolver habilidades de tocar de ouvido e a trabalhar a
musicalidade, através da imitação, reconhecimento e entoação de notas.

Este material permite aos estudantes uma prática acessível e funcional de
treinamento auditivo. É composto de atividades objetivas, de pergunta e
resposta e na qual a evolução do aprendizado baseia-se em respostas de erro
e acerto. No entanto, aqui a proposta é realizar as atividades a partir de
uma abordagem que contemplasse algumas das premissas investigadas na
psicologia cognitiva musical.

Segundo Freire (2010, p.9) "no trabalho de percepção musical, a imitação é
uma ferramenta fundamental para o processo de aprendizagem":



"Na abordagem de Edwin Gordon (1997), o autor estabelece o processo de
imitação de padrões melódicos e padrões rítmicos como elemento fundamental
da aprendizagem a partir da qual serão estabelecidos os procedimentos de
instrução musical."

(FREIRE, 2010, p.9)





Foi pesquisado o software Aurália que apresenta ferramentas práticas de
reconhecimento, produção e imitação de ritmos, escalas, acordes e
intervalos. Muitas destas ferramentas prezam o desenvolvimento da
musicalidade através de atividades de "tocar de ouvido", ou seja a
percepção e a reprodução imediata do objeto percebido, que podem fazer
referência aqui à questão da memória musical.

Segundo Freire (2010) há diversos autores que investigam as propriedades da
memória musical e sua importância para o desenvolvimento musical. O autor
cita a classificação de quatro tipos de memória — a sensorial, a
operacional, a de curto prazo e a de longo prazo — e investiga a
propriedade destas no desenvolvimento musical.Também a questão da imitação
e memorização é associada às investigações sobre "a qualidade de recepção e
memória musical" (Drahan, 2008). Aqui abordaremos algumas atividades e sua
pertinência com outros aspectos da cognição musical.

Através das atividades de imitação e reconhecimento dos elementos musicais,
pode-se buscar contemplar a premissa cognitiva na qual o ouvinte organiza
naturalmente o material sonoro percebido em estruturas que podem ser,
segundo Krumhansl (1990, p.4), "um limitado número de classes de notas" e
"unidades métricas regulares". E a partir de "padrões simples de contorno
melódico e grupos rítmicos se facilita a formação de maiores unidades
perceptivas." (Krumhansl, 1990, p.5). Segundo a autora:



"A construção da música reflete certas intuições sobre a capacidade do
ouvinte de internalizar relações existentes entre os eventos que soaram o
que leva em conta predisposições para organizar alturas e tempos em
estruturas particulares."
(Krumhansl, 1990, p.4)


Entre as diversas atividades que são apresentadas através destes meios
trabalhou-se com algumas propostas que trabalham questões rítmicas
abordadas nas pesquisas cognitivas:

1) Atividade de reconhecimento de pulso: são tocados trechos musicais sem
indicação de pulso e o aluno deve, apertando a tecla "espaço", identificar
e percutir o pulso na tecla.

2) Imitação do ritmo com pulso e sem pulso: há dois modelos deste tipo de
atividade. Um presente no software "Aurália" e outro no freeware "GNU
solfeje". No primeiro se faz a imitação de um ritmo dado. Este ritmo pode
ser apresentado através de uma linha rítmica ou mesmo melódica. É dado um
pulso inicial e também se mantém uma batida marcando o pulso durante a
apresentação do ritmo e a imitação deste pelo aluno, que o faz também
usando a tecla espaço. No segundo modelo proposto presente no freeware GNU,
é dado o pulso inicial apenas. Não há pulso na apresentação do ritmo e nem
no momento da imitação pelo estudante. Há aqui um aumento no grau de
dificuldade da realização das atividades pois há maiores possibilidades de
imprecisão rítmica sem a presença do pulso.

Segundo investigações feitas por Dowling (1986), o pulso é o recurso que
faz com que seja possível a existência de toda a complexa estruturação
rítmica produzida musicalmente. Na pesquisa, o autor aponta que "Monahan
sugere que um padrão de batidas estáveis servem como uma estrutura
cognitiva com a qual se julga e produz padrões ritmos precisos." e "Povel
sugere que um padrão de batidas estáveis serve como um quadro cognitivo
para o qual o ouvinte estrutura o tempo musical." (p.186)

3) Reconhecimento de métrica: é apresentado um trecho melódico ou rítmico,
no qual o ritmo é caracterizado através de acentuações de determinadas
notas ou batidas seguidas de outras mais fracas. O estudante deve
reconhecer a métrica musical.

São muitas as investigações sobre métrica no campo da cognição musical. Em
seu artigo Rhythm and Pitch in Music Cognition, Krumhansl (2000) faz uma
revisão sobre as diversas investigações feitas nesta área e aponta sobre a
forte tendência na percepção musical de se estruturar o ritmo metricamente.
Podemos citar, nas experiências por ela realizadas, os principais
resultados obtidos:

1) "Experimentos têm mostrado que reproduções rítmicas mais precisas foram
encontradas em padrões que induziam mais prontamente a uma grade temporal."
As premissas para se avaliar a grade temporal ideal foram selecionadas a
partir de uma "descrição mais econômica", que é obtida a partir de
estruturas nas quais "há mais elementos que podem ser mapeados dentro da
grade" e "menos pontos na grade sem elementos correspondentes em
sequência."

2) Ouvintes, sendo músicos ou não músicos, julgam fragmentos ou trechos
musicais a partir de uma hierarquia métrica.

Percebe-se que a autora se fixa em pontos relevantes da psicologia para
compreender a forma que os dados musicais são processados cognitivamente.
Além do aspecto racional e matemático, sendo estes o entendimento lógico da
estrutura musical e do aspecto prático e documental, sendo este o registro
e a disposição da música graficamente, a investigação cognitiva busca
sobrepor estes aspectos, que muitas vezes podem se apresentar como
barreiras ao desenvolvimento da musicalidade por não levar em consideração
o processo de como a mente decodifica a informação musical, mas apenas o
seu entendimento racional.



Considerações Finais

As investigações na área da psicologia cognitiva da música se apresentam
nos dias atuais bastante desenvolvidas e diversos paralelos podem ser
traçados com a prática da percepção musical, fundamentando atividades e
buscando uma proposta ideal para esta área e que contemple ambas as
perspectivas.

As premissas investigadas na psicologia cognitiva musical podem dar
embasamento teórico para o estudo de percepção musical e servem para
orientar os caminhos desenvolvidos nas metodologias práticas a fim de se
elaborar propostas mais abrangentes no estudo desta disciplina. Associá-las
ao estudo de percepção musical passa a ser um desafio no qual o objetivo
maior é criar uma ponte entre as duas áreas de estudo a fim de propiciar
uma apreensão mais completa do conteúdo do currículo musical.

Em relação ao trabalho de campo, faz-se notar que as atividades iniciais de
escuta foram trabalhadas de forma introdutória pois os alunos que
participaram do trabalho de campo quase não tinham conhecimento de teoria
musical. Sendo assim, foi uma maneira de se familiarizar com os conceitos
que viriam a ser trabalhados posteriormente.

Nas atividades seguintes há a prática musical. No entanto, praticar de
maneira contextualizada não significa praticar fazendo música ou realizando
atividades com música como no caso das danças circulares, por exemplo. Pode
ser feito contemplando uma perspectiva que imitaria uma situação real como
a de identificar intervalos dentro de um contexto harmônico e não
isoladamente.

Devemos atentar também que esta pesquisa está associada às aulas de
percepção musical em sala de aula e contemplaria atividades específicas
desta disciplina visando, no entanto, integrar elementos com um embasamento
teórico mais consistente para fundamentar as atividades de percepção
musical, baseando-se nas investigações cognitivas.

Há, ainda, diversos conceitos e ideias que não foram citados na presente
pesquisa mas que permitem uma grande abertura na estruturação e
desenvolvimento da percepção musical e também a possibilidade de se
trabalhar a percepção do discurso musical a partir das premissas
cognitivas.

Estas premissas auxiliam a mensurar as atividades e selecionar quais
abordam de maneira abrangente e contextualizada a percepção musical e quais
focam o estudo dos elementos musicais isoladamente, trazendo poucos
benefícios para o desenvolvimento musical. Servem, então, como um filtro
para se avaliar a efetividade das propostas apresentadas nas diversas
metodologias nesta área.

Estas investigações podem também servir como parâmetro para a elaboração e
produção de materiais didáticos que abordem o estudo da percepção musical a
partir do estudo dos processos cognitivos associados à nossa percepção do
discurso musical.

Conceitos como "presente" e "andamento psicológico" (Downling, 1986),
"similaridade", "proximidade", e "boa continuação" (Krumhansl, 1990,
Deutsch, 1982 e Meyer, 1956), e ideias como superposição das estruturas do
tetracórdio e da tríade e suas relações com as qualidades dinâmicas das
notas, ascendência e descendência das escalas e sua relação aos dois polos
de estabilidade (Arheim, 1989), e outros materiais investigados pela
psicologia cognitiva podem ser inseridos e reafirmados dentro do contexto
do estudo de percepção musical.

Enfim, trabalhar a escuta a partir de novas perspectivas é uma forma
justificada de buscar uma maior compreensão do processo de captação do
discurso musical. Sendo assim, dentro da possibilidade do escopo deste
trabalho, a pesquisa buscou aprofundar-se no entendimento das estruturas
musicais, a partir de novas premissas, para ajudar a trazer à tona outra
abordagem do estudo de percepção musical e do treinamento auditivo,
analisando propostas modernas do estudo de percepção musical.

Ao analisar as propostas, metodologias e atividades levando em consideração
a forma que mente processa a informação musical, além do entendimento
racional, e buscando-se uma aproximação com as investigações cognitivas da
percepção musical, procura-se auxiliar o músico e educador na seleção mais
adequada de um material didático que minimize os efeitos de propostas que
acabam por fragmentar a apreensão do conteúdo musical, trazendo poucos
benefícios para o desenvolvimento musical, e para o entendimento do
discurso musical.

Criando-se este "filtro" ao se averiguar a viabilidade das propostas
didáticas para o ensino da música, o educador vai proporcionar ao aluno um
desenvolvimento musical equilibrado, sem estimular o tecnicismo e ao mesmo
tempo priorizando a busca da consciência dos elementos musicais que formam
o todo da estrutura musical, de maneira integrada e contextualizada, além
de permitir um embasamento teórico mais consistente para se explicar as
inter-relações entre os elementos musicais percebidos.




Referências Bibliográficas:


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Intuição e Intelecto na Arte. São Paulo, SP : Livraria Martins Fontes
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