Volume 2
2º Congresso Internacional de História da Construção Luso-Brasileira Culturas Partilhadas
Editores Rui Fernandes Póvoas João Mascarenhas Mateus
2º Congresso Internacional de História da Construção Luso-Brasileira Culturas Partilhadas Porto, 14-16 Setembro 2016
2 º C I H C L B 2016 LIVRO DE ACTAS Volume 2
Centro de Estudos de Arquitectura e Urbanismo Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto Via Panorâmica S|N 4150-755 Porto PORTUGAL T+351 225 057 100, F +351 226 057 199 www.fa.up.pt www.2cihclb.arq.up.pt
Culturas Partilhadas
I
Livro de actas - 2.º Congresso Internacional de História da Construção Luso-Brasileira Editores: Co-Editores:
Capa: Apoio à produção:
Rui Fernandes Póvoas João Mascarenhas Mateus Clara Pimenta do Vale Joaquim Lopes Teixeira Teresa Cunha Ferreira Rui Tavares Ana Aragão Juliana Costa
Data:
Porto, Dezembro de 2016
ISBN:
978-989-8527-11-0
Os artigos são da exclusiva responsabilidade dos seus autores.
II
2º Congresso Internacional de História e Construção Luso-Brasileira
Comissão Organizadora
Coordenadores Rui Fernandes Póvoas (CEAU/FAUP) João Mascarenhas Mateus (CIAUD/FAUL) Clara Pimenta do Vale (CEAU/FAUP) Joaquim Teixeira (CEAU/FAUP) Nelson Pôrto Ribeiro (UFES) Rui Tavares (CEAU/FAUP) Teresa Cunha Ferreira (CEAU/FAUP)
Secretariado Maria Rodrigues (CEAU/FAUP) Carolina Medeiros (FAUP) Filipa Baltazar Design Gráfico Juliana Costa Carlos Gonçalves
Culturas Partilhadas
VII
Comissão Científica
Coordenadores Mário Mendonça de Oliveira (UFBA) José Aguiar (CIAUD/FAUL) Ana Cardoso de Matos (UÉvora) Aníbal Guimarães Costa (UAveiro) Antonio Becchi (MPIHS) António Sousa Gago (IST) Arnaldo Sousa Melo (ICS/UMinho) Beatriz Mugayar Kühl (USP) Beatriz Siqueira Bueno (USP) Bill Addis (CHS) Clara Pimenta do Vale (CEAU/FAUP) Domingos Tavares (CEAU/FAUP) Eduarda Vieira (EA/UCP) Francisco Barata (CEAU/FAUP) Günter Weimer (UFRGS) Hélder Carita (FCSH/UNL) Helena Cruz (LNEC) Inês Amorim (CITCEM/FLUP) João Mascarenhas Mateus (CIAUD/FAUL) João Pedro Xavier (CEAU/FAUP) João Vieira Caldas (IST) Joaquim Teixeira (CEAU/FAUP) Jorge Tiago Queirós da Silva Pinto (UTAD) José António Bandeirinha (FCTUC) José Raimundo Mendes da Silva (FCTUC)
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Júlio Appleton (IST) Lúcia Rosas (FLUP) Madalena Cunha Matos (FAUL) Manuel Luís Real (CITCEM) Manuel Matos Fernandes (FEUP) Maria do Carmo Ribeiro (ICS/UMinho) Maria Grazia d’Amelio (URTV) Maria Lúcia Bressan (USP) Maria Manuel Oliveira (EA/UMinho) Maria Paula Diogo (FCSH-UNL) Maria Ramalho (DGPC) Marta Oliveira (CEAU/FAUP) Maurizio Berti (UniLúrio) Nelson Pôrto Ribeiro (UFES) Paulo B. Lourenço (DEC/UMinho) Paulo Cruz (EA/UMinho) Pedro Alarcão (CEAU/FAUP) Robert Carvais (CNRS) Rosário Veiga (LNEC) Rui Fernandes Póvoas (CEAU/FAUP) Rui Tavares (CEAU/FAUP) Santiago Huerta (SEHC) Soraya Genin (ISCTE) Teresa Cunha Ferreira (CEAU/FAUP) Vítor Cóias (GECORPA) Vladimir Benincasa (UNESP) Xavier Cortés Rocha (UNAM)
2º Congresso Internacional de História e Construção Luso-Brasileira
VOLUME 2 APRESENTAÇÃO/ PRESENTACIÓN/ PRESENTATION
PÁG.
ORGANIZAÇÃO DA ATIVIDADE DA CONSTRUÇÃO E SOCIEDADE
537
Os Profissionais Portugueses na Capitania de Minas Gerais: as Relações Profissionais, no Universo da Construção, na Primeira Metade do Século XVIII Urias, Patrícia
545
El Proceso Constructivo de la Vivienda Colectiva en el País Vasco Durante la Época del Desarrollismo (1960-75) Lizundia, Iñigo; Etxepare, Lauren; Sagarna, Maialen; Uranga, Eneko Jokin
559
Os Contratos de Trabalho e de Empreitada nos Estaleiros de Construção Régios Portugueses nos Séculos XV e XVI Melo, Arnaldo Sousa
567
Aspectos da Construção do Espaço Religioso no Século XVIII em Minas Gerais, Brasil Melo Miranda, Selma
579
Perduração de Culturas Construtivas Tradicionais em Tempos de Progresso. História da Construção em Portugal na Década de 1950 Mascarenhas-Mateus, João
593
A Primeira Idade de Ouro na Construção da Rede de Telecomunicações em Portugal Da Regeneração à Implantação da República Santos, Inês Moreira dos; Vale, Clara Pimenta do
DISSEMINAÇÃO DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO E TÉCNICO 605
Instrumentos Matemáticos e sua Utilização no Campo da Construção Análise de Três Tratados Portugueses Setecentistas Rocha, Ricardo
617
Camadas de História: Um Exemplar do Guia do Engenheiro de Mousinho de Albuquerque Rocha, Ricardo
627
De Ratione Aedificiorum e a Implementação do Sistema Jesuíta de Licenciamento de Edifícios (Séc. XVI – XVIII): O Caso do Colégio de Santarém Gato de Pinho, Inês
641
D. Pedro II e o Impulsionar das Fortificações em Portugal, Angola e Brasil: Regimentos e Aulas de Fortificação Sousa, Ana Teresa de
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XV
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653
O Papel da Engenharia Civil na Modernização da Cidade Brasileira na Segunda Metade do Século XIX: O Caso de Vitória – Espírito Santo Ribeiro, Nelson Pôrto
663
The 1935 ‘Regulamento de Betão Armado’ CODE: Technological, Ideological, and Cultural Implications Delgado, João Paulo; Pinto, Paulo Tormenta
677
Técnicas Construtivas Históricas do Casario da Rua do Catete (Rio de Janeiro) e Algumas Reflexões Sobre Preservação Melo, Carina Mendes dos Santos
691
Formação Profissional dos Trabalhadores da Construção Civil nos Séculos XX e XXI, São Paulo, Brasil O canteiro de Obras e a Emancipação Social Barros, Francisco Toledo; Lopes, João Marcos de Almeida
703
Contributo da Normativa Histórica para a Concepção de um Manual de Utilização e Manutenção da Casa Burguesa do Porto Teixeira, Joaquim; Póvoas, Rui Fernandes
713
Uma Sinopse Estrutural na Era Da Poética Tectónica Oliveira, Filipe X.; Mendes, Pedro
O ESTUDO DA HISTÓRIA DA CONSTRUÇÃO 727
O Museu de Engenharia Civil como Memória Da Evolução Tecnológica Sampaio, Zita
737
An Outstanding Construction Process. The Gulbenkian Foundation buildings (1959-1969) Tostões, Ana
747
Vila Oscarina A Construção Da Residência Luxuosa em Vitória no Início do Século XX Diniz, Luciana Nemer
759
El tratado de Arquitectura Medidas del Romano Y su Utilización en la Construcción de los Conventos Mexicanos del Siglo XVI Terán Bonilla, José Antonio
773
Cadernetas de Campo da Comissão Construtora da Nova Capital: Preservação Digital e Horizontes de Estudo dos Santos, Roberto E.; Fialho, Thiago A.
XVI
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787
Catedral Metropolitana de Campinas: o Emprego da Técnica de Taipa de Pilão em Construções de Grande Porte no Século XIX O Problema da Conservação do Patrimônio Edificado. Farah, Ana Paula; Cachioni, Marcelo
799
Arquitetura Solarenga Rural de Campos dos Goytacazes no Séc. XIX: Uma Análise Histórica e Tipológica. Chagas, Humberto Neto das; Ribeiro, Nelson Pôrto
811
O Léxico Construtivo Luso-Brasileiro nas Edificações do Patrimônio Arquitetônico da UFRJ Borde, Andréa de Lacerda Pessôa; Bellinha, Paulo Roberto Tavares
823
Tipologias Construtivas dos Forros em Estuque Oitocentistas Luso-Brasileiros. Silva, Larissa; Carrasco, Edgar; Vieira, Eduarda
837
O Claustro do Mosteiro de Santa Clara-A-Nova de Coimbra Estudo Arquitectónico do Sistema Hidráulico Implementado com a Reforma Barroca Tavares, Pedro; Salema, Sofia; Pereira, Fernando Baptista
849
Sistemas Auxiliares para la Construcción de las Bóvedas Europeas en el Gótico Primitivo: Características y Evolución Maira Vidal, Rocío
861
El Tribunal del Santo Oficio en la Ciudad de México El arquitecto Pedro de Arrieta y las Sucesivas Adaptaciones del Edificio Cortés Rocha, Xavier
873
Utilizações Construtivas da Cortiça na Arquitetura Tradicional Portuguesa Ferreira, Rui Fontes
881
Telhados de Tesoura e Práticas Construtivas na Goa do Século XVI a XVIII: Os Livros de Obra da Câmara de Goa Carita, Helder
895
Permanências de Técnicas e Partidos Arquitetônicos Tradicionais em Santana do Manhuaçu, MG Benincasa, Vladimir; Alves, Ueslei Domingos
909
Tipologia Arquitectónica dos Conventos Franciscanos Portugueses e Brasileiros: Análise dos Casos de Estudo - Complexo do Seminário Dos Missionários Apostólicos de Vinhais (Portugal) e os Conventos Franciscanos de Olinda, e Sergipe (Brasil) Pires, Helena; Vieira, Eduarda; Afonso, J. Ferrão
921
Entre Arquitetura e Natureza Aspectos da Construção de Núcleos Urbanos Lusobrasileiros Oliveira, Roseline, Flávia Cerullo
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XVII
PÁG.
935
Edifícios Habitacionais Modernistas na Cidade de Tomar e os seus Executantes entre os Anos 30 e 60 do Século XX Moreira, Anabela; Serrano, Inês
949
Último Exemplar da Arquitetura Colonial Portuguesa na Cidade de Curitiba. Uma Análise da Casa “Romário Martins”. Camargo, Arildo; Marcos, Micheline; Miranda, Antonio
CULTURAS PARTILHADAS 961
Contributos de Alfredo de Andrade (1839-1915) para a História da Construção, entre Itália e Portugal: «Memórias Arqueológicas» Ferreira, Teresa Cunha
971
Aspetos Bioclimáticos da Arquitetura Popular Portuguesa Mascarenhas, Jorge; Belgas, Lurdes; Branco, Fernando G.
983
Da Azáfama da Partilha à Transmutação da Terra - A Construção da Casa Bandeiristano no Brasil Colonial (1500-1822) Costa, André; da Silva, Ana
997
Do Lioz à Pedra-Sabão Portais Barrocos no Espaço Luso-brasileiro Pereira Coutinho, Maria João
1009
Flexibilidade na Habitação: Um Estudo Comparativo Cultural De Paris, Sabine Ritter; Lacerda Lopes, Carlos Nuno
1019
A Casa Rural Luso-Brasileira em Santa Catarina: Materiais e Técnicas Construtivas Santos, Fabiano Teixeira dos
1031
As Obras de Saneamento e o Traçado Das Primeiras Avenidas em Lourenço Marques Franco de Mendonça, Lisandra
1045
História da Arquitetura / História da Construção / Construção de Cultura: Uma questão de Método Lopes, João Marcos de Almeida
1057
A história da Construção e a Formação de Arquitetos Restauradores Brasileiros: Notas Sobre a Contribuição dos Cursos de Especialização Italianos nas Décadas de 70 e 80 Freitas, Pedro Murilo Gonçalves de; Tirello, Regina Andrade
1071
Fernando Távora. El Objeto Construido desde la Tectónica de la Construcción Tradicional y la Influencia de Ultramar Fernández Rodríguez; Luisa María
1085
Influências do “Brasil Moderno” na Arquitectura Portuguesa do Pós Segunda Guerra O Bairro dos Ourives em Gondomar Castro, Caio Alexandre Maronese Rodrigues de; Tavares, Maria
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1097
Dos Mucambos aos Bairros de Lata: Um Olhar Transatlântico Inglez de Souza, Diego B.
1109
As Palafitas do Rio Anil: Memória de uma Cultura Construtiva em Vias de Erradicação Silva, Joana; Kapp, Silke
1121
Modernidade, Progresso e Permanência: Infraestruturas de Arquitetura Moderna na Antiga Província Ultramarina de Moçambique Miranda, Elisiário
1135
Desenho e Identidade Mário Bonito: Prédio de Rendimento em Aires Ornelas, Porto Casal Ribeiro, Helder
1145
A Arquitectura Moderna Portuense e a Evolução dos Sistemas Construtivos: Algumas Notas a Partir da Obra de Arménio Losa e Cassiano Barbosa Neves, António
1157
A Mobilidade Dos Engenheiros e a Transferência de Tecnologia Ligada com as Obras Públicas e o Caminho-De-Ferro (século XIX) Cardoso de Matos, Ana
1169
Arquitetura Moderna em Belém (PA): As Principais Obras de Milton Monte Maciel, Patrícia de Lima; Tavares, Rui
1179
As Ruínas da Matriz da Jaguara e a Igreja Inacabada do Rosário dos Pretos em Sabará: Estudo Sobre o Uso de Estruturas Mistas na Arquitetura Religiosa Mineira da Segunda Metade do Século XVIII Dangelo, André Guilherme Dornelles, Brasileiro, Vanessa Borges
1189
A Propagação do Betão Armado em Portugal e as Primeiras Indústrias de Cimento do País. Licordari, Mariangela
1203
Filippo Terzi and 16th-Century Architecture in Italy and Portugal: Research Traditions and New Perspectives Grimoldi, Alberto; Ferreira, Teresa Cunha; Landi, Angelo
1219
Fortalezas Transfronteiriças do Rio Minho Paupério, Esmeralda, Ribeiro dos Santos, Maria Helena, Costa, Aníbal
1233
Habitação urbana no interior do Brasil entre tradição e modernidade Quatro estudos de caso no Estado de Goiás Palazzo, Pedro Paulo, Lemos, Rubiana Cardoso Campos
1245
ÍNDICE DE AUTORES
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XIX
Perduração de Culturas Construtivas Tradicionais em Tempos de Progresso. História da Construção em Portugal na Década de 1950 Mascarenhas-Mateus, João(1)*
[email protected]
(1)
*Centro de Investigação em Arquitetura, Urbanismo e Design, Faculdade de Arquitetura, Universidade de Lisboa
RESUMO O estudo da transição entre as antigas culturas construtivas e a nova cultura do betão armado necessita ainda um aprofundamento amplo que permita entender todos os seus mecanismos incluindo aspetos como a implantação de unidades fabris de cimento Portland, a regulamentação de projetos e obras, a formação de técnicos e operadores, a divulgação do conhecimento ou a organização do trabalho. No entanto, ações sistemáticas de mapeamento da realidade rural portuguesa, como o Inquérito à Arquitetura Popular em Portugal na década de 1950, registam a perduração de culturas construtivas milenares baseadas na cal, na terra e na madeira. Nesse período, de norte a sul do país, o uso do betão armado parecia não ter ainda alterado substancialmente as formas consolidadas ao longo de milhares de anos, de extrair, de processar e de aplicar materiais locais. Trata-se pois de um período histórico único em que as velhas culturas construtivas se encontravam ainda presentes nos territórios. A partir do Inquérito à Arquitetura Popular, o texto pretende reflexionar sobre as realidades construtivas nas zonas rurais onde as culturas milenares pareciam persistir no quotidiano. Palavras-chave: cultura construtiva; história da construção; cimento; betão armado; inquérito à arquitectura popular. ENTENDER A MUDANÇA DE PARADIGMA Fazer a História da Construção em Portugal no século XX implica estudar um período particularmente rico de coexistência e de transição entre culturas construtivas1 , que pode ser analisado de forma sintética em fases bem distintas. A primeira fase, iniciada ainda no último quarto do século XIX, iniciou-se com a introdução do uso Recorda-se a definição de cultura construtiva proposta por Howard Davis: cultura construtiva é um sistema coordenado de conhecimentos, regras, procedimentos e hábitos relativos a um processo construtivo, num dado espaço e num tempo determinado. Cf. Davis, Howard. 2006. The Culture of Building. New York: Oxford University Press, 5. 1
de perfis metálicos normalizados, a industrialização da produção de cal e de produtos cerâmicos bem como a sua distribuição em zonas do interior através das novas redes ferroviárias. Esta primeira transformação teve repercussões localizadas nos grandes núcleos urbanos e nas obras públicas dispersas pelo país. Numa segunda fase, assistiu-se à disseminação da comercialização dos cimentos naturais e do cimento Portland importado num primeiro momento e depois produzido sucessivamente em Setúbal, Cabo Mondego, Alhandra e Leiria. O novo ligante
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Mascarenhas-Mateus, João
Fig. 1 – Exemplo de ficha de catalogação. © Arquivo Ordem dos Arquitetos - IARP/OAPIX.
associado às novas patentes de betão armado na última década do século XIX, auxiliado por legislação específica e objecto de ensino especializado será usado na realização dos equipamentos públicos do Estado Novo e em alguma construção serial de núcleos urbanos, nos anos que se estenderão até ao final da Segunda Guerra Mundial. É, no entanto, no período pós-bélico que se assistirá à afirmação sistemática do betão armado não tanto como cultura construtiva emergente, mas já como cultura que se pretende única. Será nesta terceira fase - que se prolongará até aos anos 1980 sob diversos condicionantes sociopolíticos e económicos – que as actividades de culturas construtivas milenares que até aí tinham coexistido, serão levadas a níveis residuais, depois de
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contaminações sucessivas ocorridas durantes as duas primeiras fases referidas 2. Mas em que consistiam essas culturas construtivas que na última fase foram definitivamente enjeitadas e às quais hoje chamamos de tradicionais, populares ou vernáculas? Para responder a esta questão, a maioria das disciplinas históricas, apesar das grandes transformações pós-modernistas de método, tem ainda hoje tendência a analisar somente os processos que levam à afirmação das inovações tecnológicas, das vanguardas ou dos regimes políticos, económicos e Cf. Mateus, João Mascarenhas. 2016. “Work in Progress: Current research in construction history. From lime to Portland cement. Construction History and building cultures in contemporary Portugal”, Construction History – International Journal of the Construction History Society. University of Cambridge: Construction History Society, Vol. 31, nº1, ix-x. 2
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Perduração de Culturas Construtivas Tradicionais em Tempos de Progresso. História da Construção em Portugal na Década de 1950
culturais, numa postura que encontra ecos na visão progressista e marxista da História. Contudo, para compreender os complexos e lentos mecanismos de transformação de culturas, importa analisar este problema não só na perspectiva da “cultura vencedora”, neste caso a do betão armado, mas também na perspectiva das “culturas vencidas”, ou seja da pedra e cal, da terra e da madeira. Interessa pois para a História da Construção em Portugal, analisar estas últimas culturas construtivas eclipsadas pelas novas tecnologias, procurando fontes de estudo menos comuns que se estendem desde os inquéritos socioeconómicos até a estudos no campo da etnografia, da geografia humana e da antropologia. É neste contexto, que se apresenta de particular pertinência a releitura do material produzido pelo Inquérito à Arquitetura Popular em Portugal, realizado pelo Sindicato Nacional de Arquitetos e determinado pelo Decreto Lei nº 40.349 de Outubro de 1955, cujos resultados foram publicados em 1961. Segundo aquele diploma legal, o levantamento deveria ser “uma tarefa de cuidadosa investigação das disposições construtivas patentes nos documentos arquitectónicos de todas as épocas existentes no nosso território metropolitano”, para obter um repositório de “tradições da arquitectura nacional” em que as novas soluções “não deverão deixar de apoiar-se”. Em oposição às intenções oficiais do regime, integradas na defesa de um “espírito” nacional da arquitectura portuguesa, muitos arquitectos usarão o inquérito como um manifesto demonstrativo da pobreza das regiões rurais e da falta de salubridade de muitas construções tradicionais, à semelhança do que já tinha acontecido com o Inquérito à Habitação Rural, da década de 1940. Apesar das múltiplas leituras socioculturais e políticas que têm vindo a ser produzidas sobre o Inquérito de 19553 , interessa ao presente texto ana Cf. Prista, Marta Lalanda. 2016. “A memória de um inquérito na cultura arquitectónica portuguesa” In Actas do Iº Colóquio Internacional Arquitetura Popular, 3-6 Abril 2013, edited by Município de Arcos de Valdevez, 273-288. (consultado em 3.05.2016). Daquelas imagens, cerca de duas mil encontram-se digitalizadas e disponíveis em http://www.oapix.org.pt/. 4
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Fig. 2 – Forno de cal em laboração, Portel, Évora (Esq.). Venda de cal no mercado de Leiria (Dir.). © Arquivo Ordem dos Arquitetos - IARP/OAPIX.
Povoamento”5 , os temas “Materiais e Técnicas Construtivas” e “Aspectos (construtivos) da vida quotidiana” que mais interessam à presente análise são apresentados de forma diversa para as zonas 3, 4, 5 e 6, e não o são de todo, infelizmente, para as zonas 1 e 2. O relatório final é também por isso o resultado de seis olhares diferentes que filtram a realidade observada e que se traduzem em seis memórias distintas. Para as zonas 1 e 2, o olhar circunscreve-se ao do compêndio de arquitectura e ao do etnógrafo que observa as relações entre o meio natural e os costumes. Registam-se aspectos estilísticos, artefactos com características excepcionais, combinações particulares de materiais a partir da observação das superfícies, das volumetrias e das texturas. Observa-se a formação dos aglomerados, “o que é” que neles está construído, “de que são feitos”, Gomes, Francisco Portugal e. 2016. “Crítica à «Grelha CIAM» e «Arquitetura Popular em Portugal” In Actas do Iº Colóquio Internacional Arquitetura Popular, 3-6 Abril 2013, edited by Município de Arcos de Valdevez, 467-481. (consultado em 3.05.2016). 5
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“como se usam” e procura-se relações causa-efeito entre o construído e os recursos naturais, a paisagem e as condições socio económicas das populações. Para as zonas 3, 4 e 5 os resultados são mais ricos e abrangentes. Na verdade, procuram entender também a praxis quotidiana de “como se constrói”, “como se fizeram ou se fazem” esses manufactos imóveis, desvelando a arquitectura nos processos que a fazem nascer e confundir-se com a paisagem que lhe fornece a maioria dos recursos para a sua materialidade. Trata-se de uma atitude crítica consciente do relativismo da metodologia adoptada e que tem já em conta as profundas alterações introduzidas pelas tecnologias da modernidade. Veja-se a este propósito, o que se propõe na introdução dos resultados da zona 3: Dessas zonas arquitectonicamente diferenciadas, que no mapa anexo se situam sem rigor de contornos – quase impossíveis de definir – (…) publica-se o levantamento
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Perduração de Culturas Construtivas Tradicionais em Tempos de Progresso. História da Construção em Portugal na Década de 1950
Fig. 3 – Aparelhando “agulhas de passar”, Estrada da Guarda a Vilar Formoso (Esq.). Construção de uma parede de cantaria, Covilhã. (Dir.). © Arquivo Ordem dos Arquitetos - IARP/OAPIX.
Fig. 4 – Fabrico de tijolo, Cuba, Beja (Esq.). Fabrico de telha, Martinacha, Sobral de Monte Agraço (Dir.). © Arquivo Ordem dos Arquitetos - IARP/OAPIX.
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Mascarenhas-Mateus, João
Fig. 5 – Construção de taipa, Alfundão, Ferreira do Alentejo (Esq.). Fecho de Abobadilha, Moura, Beja (Dir.). © Arquivo Ordem dos Arquitetos - IARP/OAPIX.
(…) de particularidades de edifícios que se julgaram mais representativas do carácter da Arquitectura local, sínteses necessariamente sumárias pois (…) não a representam na diversidade das soluções e aspectos duma Arquitectura que, felizmente, não repete esquemas estereotipados; e necessariamente tendenciosas, pois excluem aspectos que já hoje predominam em muitas terras, marcadas com o selo do eclectismo e da confusão desta nossa época de profundas alterações6.
Quando se apresenta a zona 4, destaca-se a importância fundamental dos materiais básicos para qualquer cultura construtiva e os fenómenos de desaparecimento, permanência ou adaptação das culturas tradicionais face ao betão armado:
A nenhuns condicionamentos a Arquitectura regional está mais vincadamente sujeita à penúria do povo e aos materiais de construção. Uma na limitação das soluções, outros na sua efectivação7.
As formas puras da construção de madeira (…) começam a rarear. Dão cabo delas o aparecimento de novos materiais, sedutores da facilidade da construção e discutíveis disposições de ordem administrativa. Nalgumas povoações (…) a construção de casas de madeira, ou mesmo a reparação das já existentes, está proibida8. Por toda a Zona, o betão substitui os antigos métodos de vencer os vãos e suportar cargas em pilares e superfícies (…) só na área da Arquitectura lenhosa a transição foi fácil pela noção de estrutura Nuno Teotónio Pereira, António Pinto de Freitas e Francisco Silva Dias. 2004. “Zona 4” In Arquitectura Popular em Portugal edited by Sindicato Nacional dos Arquitectos (4ª ed.), Vol. 2, 55. Lisboa: Ordem dos Arquitectos. 7
Keil do Amaral, José Huertas Lobo e João José Malato. 2004. “Zona 3” In Arquitectura Popular em Portugal edited by Sindicato Nacional dos Arquitectos (4ª ed.), Vol. 1, 242. Lisboa: Ordem dos Arquitectos. 6
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Idem, 69-70.
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que a madeira incutiu aos operários – as escoras, os pilares ou as vergas, conservando sensivelmente as dimensões da madeira, são construídos no novo material duma forma espontânea e certa9. Na zona 5, dá-se a primazia aos aspectos operativos da arquitectura em relação aos aspectos estilísticos: Pelo que respeita à habitação do Alentejo (…) estamos em crer que o seu tipo de construção é o resultado de uma longa evolução que os séculos foram modelando (…) mas talvez mais condicionada pelas circunstâncias (…) do que por influências de carácter erudito, advindas directamente de teorias arquitectónicas ou técnicas particulares de construir10.
São estas atitudes metodológicas que procuram a integração da arquitectura com os processos construtivos que vão permitir fotografar não apenas manufactos construídos ou detalhes de edificações mas registar também a extracção dos materiais básicos, o seu processamento, transporte, comercialização e montagem. Os textos de síntese elaborados para as zonas 3, 4, 5 e 6, completados pelas imagens e fichas de catalogação, permitem dar assim também uma inovadora visão histórica-construtiva dessas regiões do país, porque estão conscientes da sua contaminação pelas novas tecnologias e do risco do desaparecimento das antigas formas de construir. Para o ilustrar, e apesar dos levantamentos se concentrarem essencialmente nas culturas construtivas tradicionais, a introdução de elementos de nova cultura do betão armado em edifícios construídos tradicionalmente não passa despercebida nalgumas, poucas, imagens do Inquérito 11. Idem, 77.
9
Idem, 142.
10
Nas imagens disponíveis online no Arquivo IARP da Ordem dos Arquitetos é possível encontrar as seguintes: portas e janela com verga de betão armado na Covilhã (PT-OA-IARP-CTB11
O REGISTO DAS CULTURAS CONSTRUTIVAS MILENARES A leitura do Inquérito obriga a uma consulta simultânea dos dois volumes impressos e ilustrados do relatório mas também das imagens não impressas e das respectivas fichas descritivas12. Neste contexto, o estudo das realidades construtivas nas zonas rurais em Portugal, entre1955 e 1960, obriga a conhecer: 1 – as regras de concepção e os critérios prévios à implantação das construções; 2- os métodos e os utensílios de extracção e processamento dos materiais básicos (a pedra, a argila, a cal, a terra, a madeira, a palha); 3 – os procedimentos técnicos e mecânicos de montagem das alvenarias, das taipas e das estruturas de madeira; 4 – as técnicas de revestimentos usadas para proteger e assegurar a durabilidade das edificações. A partir destes critérios que aqui propomos, é possível fazer uma nova leitura da informação recolhida pelos vários autores do Inquérito mas desta vez com o objectivo de identificar claramente as referidas regras, princípios, materiais, técnicas, utensílios e máquinas determinantes para o estudo da História da Construção em Portugal. Importa, contudo, referir que com o material digital disponível13 e para as zonas 1 e 2, não há inexplicavelmente, referências explicitas a processos construtivos. Tal não acontece, contudo, nas restantes zonas. De facto, na zona 3, foi feito o mapeamento dos usos dos materiais correntes de construção. Des-CVL14-048/49), acrescento de lage de betão para acesso ao varandão de casa em S. Mamede de Este, Braga (PT-AO-IARP-BRG-BRG44-001), casa de madeira com escada em betão na Costa de Lavos, Figueira da Foz (PT-OA-IARP-CBR-FIG06-004), algeroz de betão na Vieira, Marinha Grande (PT-OA-IARP-LRA-MGR02-005) e armadura para laje de cobertura em Benafim, Loulé (PT-OA-IARP-FAR-LLE00-021). 12 Foi consultada a quarta edição do Inquérito (publicada pela Ordem dos Arquitetos em 2004, em 2 volumes) e as imagens digitalizadas disponíveis no site OAPIX.
Consultado online no site http://www.oapix.org.pt até 30 de Abril de 2016. 13
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Mascarenhas-Mateus, João
Fig. 6 – Moldagem de adobes e adobeira, Rio Maior. © Arquivo Ordem dos Arquitetos - IARP/OAPIX.
Fig. 7 – Moinho de alvenaria em construção, Bufarda, Peniche (Esq.). Construção do madeiramento de um telhado, Santos, Santarém (Dir.). © Arquivo Ordem dos Arquitetos - IARP/OAPIX.
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Perduração de Culturas Construtivas Tradicionais em Tempos de Progresso. História da Construção em Portugal na Década de 1950
Fig. 8 - Colocação de ripado de cana, Alte, Loulé (Esq.). Assentamento de telhas, Selmes, Vidigueira (Dir.). © Arquivo Ordem dos Arquitetos - IARP/OAPIX.
Fig. 9 – Mulheres a caiar, Benfica do Ribatejo, Almeirim (Esq.).Caiação em Almeirim (Dir.). Arquivo Ordem dos Arquitetos - IARP/ OAPIX.
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Mascarenhas-Mateus, João
creveu-se a extração e os tipos de talhe de blocos de granito ilustrados com fotografias de pedreiras na região entre a Guarda e Vilar Formoso (fig.3), em Nelas e Canas de Senhorim14. Identificou-se a origem dos calhaus rolados graníticos para paredes15, indicou-se a origem da cal importada de Cantanhede, referenciaram-se os métodos de construção das alvenarias de granito (fig.3) e de xisto16 e dos lajedos de granito17. Foi descrita a serração manual18 e mecânica da madeira de pinheiro, a realização de soalhos, varandas e tectos, a fabricação manual de telhas cerâmicas, a execução de telhados de madeira19 e os telhados de palha20. Na zona 4, foi descrita a extracção e o corte de blocos de calcários brandos ou tufos com consequente elevação de alvenarias21, o fabrico de blocos de adobe22 (fig.6), a produção de tijolos furados23, Keil do Amaral, José Huertas Lobo e João José Malato. 2004. “Zona 3” In Arquitectura Popular em Portugal edited by Sindicato Nacional dos Arquitectos (4ª ed.), Vol. 1, 278. Lisboa: Ordem dos Arquitectos. 14
Recolha de calhaus rolados no Paul, Covilhã. Idem, 282.
15
Guincho de madeira na região entre a Guarda e Vilar Formoso. Cf. Keil do Amaral, José Huertas Lobo e João José Malato. 2004. “Zona 3” In Arquitectura Popular em Portugal edited by Sindicato Nacional dos Arquitectos (4ª ed.), Vol. 1, 278-282. Lisboa: Ordem dos Arquitectos. 16
Idem, 283.
17
Serração manual em Vila Mendo de Tavares, Mangualde. Idem, 284.
18
Fabrico de telhas no Sabugal. Idem, 286. Fabrico telhas na estrada da Malpica, Castelo Branco, fotografia PT-OA-IARP-CTB-CTB13-038/39. Conclusão de um telhado em Nelas, Canas de Senhorim, fotografia PT-AO-IARP-VIS-NLS01-033. 19
Construção de telhados de colmo em Relva, Castro Daire e em Bigorne, Lamego . Cf. Keil do Amaral, José Huertas Lobo e João José Malato. 2004. “Zona 3” In Arquitectura Popular em Portugal edited by Sindicato Nacional dos Arquitectos (4ª ed.), Vol. 1, 234, 287. Lisboa: Ordem dos Arquitectos. 20
Extração e corte de blocos de tufo nos arredores de Pernes, Santarém e montagem dos mesmos, Arneiro. Idem, 59. 21
a produção dos fornos de cal24, a execução de um moinho em alvenaria de pedra em Peniche (fig.7), a montagem de palheiros na Tocha e em Mira, a construção da estrutura de madeira dos telhados (fig.7)25, a colocação de telhados de colmo26, o comércio da cal aérea viva em Leiria27 (fig.2) e caiações no Montijo e em Almeirim28 (fig.9). Na zona 5, foram descritos os processos de construção em taipa ilustrados com um conjunto de quinze fotografias das várias fases de preparação da massa de terra, apiloamento entre taipais com medidas normalizadas (fig. 5) e reboco final29. Idêntica descrição foi feita para as várias fases de fabricação de tijolo (fig.4) e tijoleira (extracção, amassamento, moldagem e cozedura, registo das dimensões)30 e para um forno de cal em laboração, em Portel31 Fornos de cal em Pataias, Alcobaça, nos arredores de Minde, Alcanena e nos arredores de Santarém. Cf. Keil do Amaral, José Huertas Lobo e João José Malato. 2004. “Zona 4” In Arquitectura Popular em Portugal edited by Sindicato Nacional dos Arquitectos (4ª ed.), Vol. 2, 88-89. Lisboa: Ordem dos Arquitectos. 24
Construção do madeiramento de um telhado em Santos, Santarém, foto PT-AO-IARP-STR-STR00-021. 25
Execução de telhados de colmo em Alfarim, Sesimbra. Cf. Keil do Amaral, José Huertas Lobo e João José Malato. 2004. “Zona 4” In Arquitectura Popular em Portugal edited by Sindicato Nacional dos Arquitectos (4ª ed.), Vol. 2, 72. Lisboa: Ordem dos Arquitectos. 26
Mercado (venda de cal) em Leiria, fotografias PT-OA-IARP-LRA-LRA12-003 e PT-OA-IARP-LRA-LRA12-021/22. 27
Caiações de fachadas no Montijo. Cf. Keil do Amaral, José Huertas Lobo e João José Malato. 2004. “Zona 4” In Arquitectura Popular em Portugal edited by Sindicato Nacional dos Arquitectos (4ª ed.), Vol. 2, 73. Lisboa: Ordem dos Arquitectos. Caiações em Almeirim, fotografia PT-OA-IARP-STR-ALR01-005. Mulheres a caiar em Benfica do Ribatejo, Almeirim, fotografia PT-OA-IARP-STR-ALR01-006. 28
As várias fases de construção de paredes de taipa no Alfundão, Ferreira do Alentejo. Cf. Keil do Amaral, José Huertas Lobo e João José Malato. 2004. “Zona 5” In Arquitectura Popular em Portugal edited by Sindicato Nacional dos Arquitectos (4ª ed.), Vol. 2, 154156. Lisboa: Ordem dos Arquitectos. 29
Fabrico de tijolos e tijoleiras em Galveias, Ponte de Sôr e em Cuba, Beja. Idem, 158-162.
22
Produção de blocos de adobe em Rio Maior, Costa de Lavos. Idem, 64.
30
Interior de fábrica de tijolos furados na Asseiceira, Tomar, fotografia PT-OA-IARP-STR-TMR02-004.
31
23
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Forno de cal próximo de Portel, Évora, fotografia PT-OA-IARP-EVR-PRL00-002/004 .
2º Congresso Internacional de História e Construção Luso-Brasileira
Perduração de Culturas Construtivas Tradicionais em Tempos de Progresso. História da Construção em Portugal na Década de 1950
(fig.2). Foram identificados os tipos de aparelhos nas paredes de alvenaria, nos pavimentos térreos e em elevação. Foram fotografadas as pedreiras do Guadiana, em Pedrogão32. Analisou-se com detalhe a construção de abobadilhas, desde o pormenor da colocação dos tijolos, passando pela execução dos arranques, pela disposição sem cimbre (fig. 5), pela composição das argamassas, pelas dimensões dos vãos, chegando à enumeração das formas geométricas mais comuns33. Descreveu-se a utilização do granito, do xisto, do calcário e do mármore34. O uso das madeiras de castanho, carvalho, pinho e eucalipto foi ilustrado com a serração de um grande tronco numa rua de Castelo de Vide35. Foi registada a imagem de telhados em construção mostrando os forros de cana36 e a colocação das telhas de canudo sobre forro de madeira. Fotografou-se um forno de cal em laboração37 e uma mulher alcandorada de uma escada a caiar, em complemento da descrição das actividades de revestimento de edifícios38. Por fim, para a zona 6, no subcapítulo “Materiais e Processos de Construção”, foram mapeados os materiais mais usados na região. Foram ainda
Pedreiras do Guadiana em Pedrogão, Vidigueira, fotografias PT-OA-IARP-BJA-VDG01-003/007. 32
Fases de construção de abobadilhas. Cf. Keil do Amaral, José Huertas Lobo e João José Malato. 2004. “Zona 5” In Arquitectura Popular em Portugal edited by Sindicato Nacional dos Arquitectos (4ª ed.), Vol. 2, 163-167. Lisboa: Ordem dos Arquitectos. 33
Pedreiras em Estremoz, Vidigueira, Vila Viçosa e Viana do Alentejo. Idem, 168. 34
Serração de tronco na vila de Castelo de Vide. Idem, 171.
35
Construção de telhado em Moura, Beja. Idem, 173.
36
Forno de cal em Portel, Évora, fotografias PT-OA-IARP-EVR-PRL00-002/004. 37
Mulher a caiar, em Oriola, Portel. Cf. Keil do Amaral, José Huertas Lobo e João José Malato. 2004. “Zona 5” In Arquitectura Popular em Portugal edited by Sindicato Nacional dos Arquitectos (4ª ed.), Vol. 2, 175. Lisboa: Ordem dos Arquitectos. 38
registados o fabrico e a aplicação de tijolos, de adobes e manilhas39. As dimensões das tijoleiras foram registadas em Loulé e o fabrico das telhas em Taipas, Silves40. A execução da taipa ilustrou-se com fotos tiradas no Monte das Pitas em S. Bartolomeu de Messines41. O trabalho das pedreiras de calcários foi fotografado em Clarianes, Loulé e na Nave, Monchique42. A execução de pavimentos com ladrilhos cerâmicos sobre vigas de madeira foi registada em Porches, Lagoa43. Para os aparelhos de tijolos em abóbadas deram-se exemplos em Estói, Fuseta, Portimão, Boliqueime e Faro 44. Os aparelhos das tijoleiras nos pavimentos foram assinalados em Alcoutim, Mértola e S. Brás de Alportel 45. A execução de ripados de cana foi fotografada em Alte, Loulé 46 (fig.8). Documentou-se a construção de telhados de colmo com fotos de Monte Gordo, Alcácer do Sal e Águas de Moura47. Por fim, fotografaram-se ainda alguns fornos de cal em Espiche, Lagos. Manufactura, fabrico e forno de tijolos furados, na Agoxa, Portimão, fotografias PT-OA-IARP-FAR-PTM00-009a/009b/010/01 1/013a/013b/014/015. Manilhas no Pinhal, Albufeira, fotografias PT-OA-IARP-FAR-ABF00-012/015. Moinho de barro no Pinhal e pessoal da construção de uma casa, Albufeira, fotografia PT-OA-IARP-FAR-ABF00-012/014. Secagem de tijolo ao sol no Pinhal, Albufeira, fotografias PT-OA-IARP-FAR-ABF00-010/013. Fabrico de adobe, nas Quatro Estradas, Loulé, fotografia PT-OA-IARP-FAR-LLE00-037. 39
Fabrico de telhas nas Taipas, Silves. Cf. Keil do Amaral, José Huertas Lobo e João José Malato. 2004. “Zona 6” In Arquitectura Popular em Portugal edited by Sindicato Nacional dos Arquitectos (4ª ed.), Vol. 2, 295. Lisboa: Ordem dos Arquitectos. 40
Idem, 296-297.
41
Idem, 300-301.
42
Idem, 302-303.
43
Idem, 304-306.
44
Idem, 307.
45
PT-OA-IARP-FAR-LLE02-001
46
Cf. Keil do Amaral, José Huertas Lobo e João José Malato. 2004. “Zona 6” In Arquitectura Popular em Portugal edited by Sindicato Nacional dos Arquitectos (4ª ed.), Vol. 2, 308-309. Lisboa: Ordem dos Arquitectos. 47
Culturas Partilhadas
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Mascarenhas-Mateus, João
CONSIDERAÇÕES FINAIS A história da consolidação da indústria do betão armado em Portugal não pode ser feita sem ter em conta a história das culturas construtivas que aquela acabou por eliminar ou por conduzir a expressões residuais. De facto, para a análise da perduração de culturas como as da pedra, cal, tijolo, adobe, taipa ou madeira, e tal como demonstrado ao longo deste texto, revela-se fundamental a leitura atenta dos resultados do Inquérito à Arquitetura Popular em Portugal, realizado nos anos 1950. Apesar das claras diferenças de metodologias adoptadas pelas várias equipas responsáveis pelo levantamento, a informação recolhida constitui um “instantâneo” único e incontornável do período em que a indústria do cimento consolidava o controlo total da actividade da construção. Por essa razão, o inquérito constitui um repositório excepcional de práticas essenciais milenares pouco alteradas pelas novas tecnologias da era do progresso. A releitura do Inquérito unicamente na perspectiva da História da Construção permite entender a lenta mudança de paradigma das culturas construtivas, em Portugal no século XX, considerando a resiliência das culturas construtivas ditas tradicionais. Por outro lado, esta análise, que sistematiza a recolha de práticas tradicionais em tempos de progresso com a preocupação de cobrir todo o território continental português, demonstra,
de forma inequívoca, que este levantamento é também uma proposta de Atlas da História da Construção em Portugal para aquele período histórico. Em 2010, Didi-Huberman na apresentação da exposição “Atlas — ¿Cómo llevar el mundo a cuestas?” no Museu Reina Sofia de Madrid, afirmou: Atlas, finalmente, deu o seu nome a uma forma visual de conhecimento: ao conjunto de mapas geográficos, reunidos num volume, geralmente, num livro de imagens, cujo destino é oferecer aos nossos olhos, de maneira sistemática ou problemática – inclusivamente poética, com risco de ser errática, quando não surrealista – toda uma multiplicidade de coisas reunidas por afinidades electivas, como dizia Goethe.
O Inquérito à Arquitetura Popular Portuguesa, enquanto atlas e memória de culturas hoje desaparecidas, fez crónica quando registou um tempo histórico e fez História da Construção, consciente de que aquilo que observava e registava, haveria de pertencer rapidamente ao passado. APOIO Trabalho desenvolvido no âmbito do Programa Investigador FCT. AGRADECIMENTOS À Dra. Rosa Azevedo da Ordem dos Arquitetos pela disponibilização das imagens da base OAPIX.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Mateus, João Mascarenhas. 2014. Etnografía y arquitectura en la exposición del mundo portugués de 1940, In Cine y Representación – Re-producciones de mundos en reconstrucciones fílmicas, edited by Francisco Salvador Ventura, 385-402. Paris: Université Paris-Sud.
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Mateus, João Mascarenhas. 2013. “Culturas Construtivas em Portugal e no Brasil. Contributos para uma Análise Diacrónica» In Anais I Congresso Internacional de História da Construção Luso-Brasileira / I International Congress on Luso- Brazilian Construction Proceedings organized by Nelson Porto Ribeiro [CD ROM]. Rio de Janeiro: PoD Editora , 13 p.
2º Congresso Internacional de História e Construção Luso-Brasileira
Perduração de Culturas Construtivas Tradicionais em Tempos de Progresso. História da Construção em Portugal na Década de 1950
Mateus, João Mascarenhas. 2012. “Culturas construtivas tradicionais, a condição do tempo e as duas memórias de Bergson”, Pós - Revista do Programa de Pós-Graduação em Arquitetura e Urbanismo da Faculdade de Arquitetura da Universidade de São Paulo, n.31, 231-237. São Paulo: USP. Mascarenhas-Mateus, João. 2012. “Ethnographic Studies and their Contribution to Construction History in Portugal” In Nuts & Bolts of Culture Construction History, Technology and Society, edited by Robert Carvais, André Guillerme, Valèrie Nègre, Joel Sakarovitch, 11-20. Paris: Picard. Nuno Faria et al. 2016. Os inquéritos [à fotografia e ao território]. Paisagem e povoamento. Guimarães: A Oficina, CIPRC.
Prista, Marta Lalanda. 2016. “A memória de um inquérito na cultura arquitectónica portuguesa” In Actas do Iº Colóquio Internacional Arquitetura Popular, 3-6 Abril 2013, edited by Município de Arcos de Valdevez, 273-288. https://sites.google.com/site/ coloquioarquitecturapopular/actas-coloquio-internacional-de-arquitectura-popular (consultado em 3.05.2016). Sindicato Nacional dos Arquitectos. 2004. Arquitectura Popular em Portugal (4ª ed.). Lisboa: Ordem dos Arquitectos.
Culturas Partilhadas
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