PEREIRA, M. R. M. \"Quem necessita pede\": As mercês régias e a carreira imperial de um militar letrado luso-brasileiro do século XVIII. In: PEREIRA, M. R. M.; CRUZ, Ana L. R. B. (Org.). Elias Alexandre da Silva Correia. Curitiba: Editora da UFPR, 2014, v. , p. 21-85.

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Apresentação

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“Quem necessita pede”: As mercês régias e a carreira imperial de um militar letrado luso-brasileiro do século XVIII Magnus Roberto de Mello Pereira4

A verdade é o único conceito; que de justiça, deveis a esta História: é o objeto favorito desde a minha infância: ornato sempre unido ao meu caráter, & q hei feito resplandecer a luz do mundo: como a lamina da Luzida espada aos raios do sol. E que melhor sufrágio para um Historiador! A verdade enche o objeto. Quem atreverá a desprezá-la, por não vir enfeitada com frívolos ornatos? Quanto mais simples; mais bela: ela só no teatro do mundo faz: / não digo bem /: deve fazer, o papel mais preciso, & precioso: tudo o mais é bagatela. Elias Alexandre da Silva Corrêa – História de Angola

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lias Alexandre e Silva, mais tarde Elias Alexandre da Silva Correia, foi

um militar luso-brasileiro da segunda metade do século XIX, cuja trajetória de vida se fez no espaço do Atlântico português. Nasceu em alguma parte do Brasil, passou a infância e a primeira juventude em Santa Catarina, permaneceu alguns anos em Portugal, serviu por seis anos em Angola e, por fim, se estabeleceu em São Gonçalo, nos arredores do Rio de Janeiro. Na sua longa carreira militar, foi um dos vitoriosos na campanha de retomada da vila do Rio

4 Professor do Departamento de História da UFPR. Integrante do CEDOPE – Centro de Documentação e Pesquisa de História dos Domínios Portugueses. Pesquisa realizada com apoio do CNPq e da Fundación Carolina.

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Grande, que estava em mãos castelhanas, e foi um dos derrotados na invasão espanhola da Ilha de Santa Catarina, em 1777. Também integrou as forças portuguesas na malfadada primeira tentativa de invasão de Cabinda, na África. Mas antes de tudo, ou no meio disto tudo, ele foi um homem de letras, com incursões pelo mundo da Literatura e também pelo da História, que pretendeu escrever segundo o princípio da verdade, como se observa na epígrafe. Menos verdadeiro é o que aqui será dito sobre ele, que não se propõe a ultrapassar algumas poucas especulações feitas a partir do manancial da documentação que o militar letrado e seu principal mentor deixaram pelos arquivos de Portugal e suas ex-colônias. As origens de Elias Alexandre – seus pais, data e local de nascimento – já renderam longa controvérsia. Foi Camilo Castello Branco o primeiro a dar a notícia de que ele era filho ilegítimo do conselheiro José Mascarenhas Pacheco.5 O famoso escritor português localizou um documento em que o próprio Mascarenhas confidenciava a frei Manuel do Cenáculo a paternidade do filho bastardo: “Não tenho outro descendente mais q.’ aquele filho q. ainda anda com nome de afilhado o qual he Elias Alexandre e Silva”.6 Na historiografia portuguesa, o conselheiro é célebre por ter sido o braço direito de Pombal na repressão aos motins do Porto, em 1757, o que deu azo à criação de uma lenda negra a seu respeito. No Brasil, é mais conhecido por ter criado, em Salvador, a Academia Brasílica dos Renascidos. Nos dois países, foi sempre lembrado por sua repentina e misteriosa prisão, por ordem expressa do Marquês de Pombal, na fortaleza de Anhatomirim, em Santa Catarina. Esse episódio, como se verá, não pertence apenas à biografia do conselheiro, mas também à de seu jovem “descendente”, pois tudo indica que Elias foi criado na fortaleza.

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5 CASTELLO BRANCO, Camillo. Perfil do Marquez de Pombal. Porto: Lopes & Cia., 1900. p. 141. A primeira edição desta obra foi publicada em 1882, em desagravo às comemorações do centenário da morte de Pombal. 6 BME, CXXVII, 2 -4, N.º 3065. Documento 041. Em sua correspondência a Cenáculo, Elias ora chama o conselheiro de padrinho, ora de pai. Ver Documento 022 e Documento 023.

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Quanto a seu nascimento, o próprio Elias Alexandre diz ter nascido no Brasil, sem, no entanto, revelar o local exato. A presença de Mascarenhas na Bahia (1758 a 1759) deve ter levado Castello Branco a supor que Elias nascera em Salvador, o que, desde então, tem provocado controvérsias. De fato, a família do conselheiro estava, há longa data, vinculada à Bahia. José Mascarenhas Pacheco Pereira Coelho de Melo era filho do desembargador João Pacheco Pereira de Vasconcelos, primeiro chanceler da Relação do Rio de Janeiro e encarregado pela instalação do tribunal, em 1752. O desembargador era natural da cidade da Bahia, onde nasceu em fins do século XVII. Apesar de algumas informações em contrário, a documentação sugere que Elias era natural do Rio de Janeiro.7 Uma vez que todas as evidências a respeito são frágeis, o único fato consensual é ter ele nascido no Brasil. No que concerne à data de nascimento de Elias Alexandre, os autores são concordes em apontar, em princípio, o ano de 1753, o que é corroborado por diversas fontes. Uma de suas folhas de serviço afirmava que Elias tinha a “id.e de Vinte e dous Annos, e de Servisso quatro: Sentou praça de Sold.o, em 13 de Janeiro de 1771”.8 Fazendo as contas, chega-se ao ano de 1753. Outras fontes corroboram a data. Isto, no entanto, coloca um outro problema. Se Elias nasceu em 1753, como poderia ser filho do conselheiro, que só chegou ao Brasil em 1758? Esse descompasso transformou-se numa espécie de “enigma histórico” que desafiou quantos trataram de sua biografia. Artur de Magalhães Basto sintetizou as diversas hipóteses que explicariam a divergência das datas. 1ª: êrro na idade atribuida a Elias Alexandre – podendo o êrro partir das declarações dele próprio. [...] 2ª: possibilidade de Mascarenhas ter estado no Brasil em 1753. 3ª: mesmo admitindo que Elias Alexandre nasceu efetivamente no Rio de Janeiro em 1753, - para que tudo jogue certo não é preciso que Mascarenhas tivesse estado nessa data no Brasil: basta, eviden-

7 BNRJ, c.317.6.1, Doc. 34. Documento 081. 8 Id.

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temente e sem contestação, que lá tivesse estado, lá tivesse ido nessa data a mãe...9

Avaliando tais suposições, comece-se por considerar que definitivamente o conselheiro Mascarenhas não esteve no Brasil em 1753. É também frágil a hipótese de que a mãe de Elias tenha vindo grávida para o Brasil, antes do pai. Todavia, a constatação de que seu avô, o desembargador João Pacheco Pereira de Vasconcelos, permaneceu no Rio de Janeiro, entre 1752 e 1755, torna esta história plausível. Nesse caso, a mãe de Silva Correia poderia ter sido alguma agregada, trazida grávida de Portugal, como aventou Clado Lessa.10 Também não pode ser descartada a possibilidade de que o conselheiro tenha tido uma aventura amorosa em sua estada na Bahia, da qual teria resultado um filho, que ele teria trazido consigo para Santa Catarina, quando de sua prisão. Tendo em vista esta hipótese, Lessa tentou elaborar uma explicação para a discrepância de datas. Supôs que, na época, a idade de incorporação militar era 18 anos e que, para efeitos de alistamento nas forças militares da colônia, teria ocorrido uma falsificação da data de nascimento de Elias. A hipótese é fragilizada por alguns detalhes: a idade de incorporação era de 15 anos e é difícil de imaginar que um menino de 13 pudesse passar por um rapaz de 18. Ângelo Calmon avançou ainda uma quarta hipótese. A de que Silva Correia não fosse realmente filho do conselheiro, mas um protegido seu.11 O historiador baiano romanceou a situação supondo-o um carcereiro que foi educado pelo intelectual prisioneiro, a ponto deste assumi-lo como filho. A inspiração para essa trama romanesca vem, evidentemente, de Alexandre Dumas. Há, nessa história, um pouco da conhecida novela A tulipa negra, na qual o intelectual prisioneiro acaba por se apaixonar pela filha do carcereiro. Ou, quem sabe, a inspiração tenha vindo de O Conde de Monte Cristo, em que o ingênuo marinheiro injustamente aprisionado acaba sendo formado pelo abade

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9 BASTO, A. de Magalhães. Porto e Brasil; Figuras e factos da história luso-brasileira. Porto: Manuel Pereira e Cia., 1946. p. 169-170. 10 LESSA, Clado Ribeiro de. Enigma Histórico. Revista Brasileira, v. 7, p. 47-53, 1943. p. 52. 11 CALMON, Pedro. Elias Alexandre e Silva; Um autor setecentista e o seu mistério. Ocidente, v. 6-7, p. 389-391, 1939. p. 391.

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Faria12, seu exótico companheiro de prisão. No entanto, por mais inverossímil que pareça, não é possível ignorar tal possibilidade e adiante voltaremos a ela, pois, para tornar as coisas mais complexas, a documentação indica que Elias tinha um ‘pai oficial’, o qual, inclusive, lhe transmitiu o sobrenome Silva. Legalmente, Elias Alexandre era filho de Luís da Ascensão da Silva, ou seja, não fora registrado nem como bastardo, nem como filho de pater incognitus. Esta informação aparece em um dos muitos documentos disponíveis referentes à sua carreira militar.13 O mesmo documento, no entanto, não menciona o nome da mãe. Mais recentemente, os historiadores Roberto Guedes e Ingrid de Oliveira deram a conhecer uma série de informações contidas nos Arquivos da Arquidiocese de Niterói, que corroboram que Luís de Ascensão (ou de Assunção) da Silva e Freitas, natural da Ilha da Madeira, seria o pai de Elias.14 A novidade é que esses registros trazem o nome da mãe: Ana de Santo Antônio, uma açoriana da Ilha Terceira. Como explicar, então, a confissão do conselheiro ao seu amigo Cenáculo de que não tinha outro descendente além de Elias Alexandre, um filho que passava por afilhado. É preciso levar em conta que, em 1782, quando fez tal confidência, o conselheiro estava doente e vislumbrava a proximidade da morte. Preocupava-se, como é normal, com a transmissão de seus bens ao filho, afilhado, agregado, fosse qual fosse o real vínculo entre ambos. No entanto, existem indícios documentais que tornam a situação algo nebulosa. Era corrente, no período, usar do testamento para acertos de contas com a vida pregressa, tal qual o reconhecimento de filhos bastardos. O receio do castigo divino assim o obrigava. Todavia, contrariando o que seria de se esperar, Mas-

12 O abade Faria era um personagem real. José Custódio de Faria nasceu em Goa e participou da Conjuração dos Pintos, de 1787, um episódio correlato à Conjuração Mineira, de 1789. Mais tarde, mudou-se para a França, onde se envolveu com o mesmerismo. Ficou famoso como um dos principais responsáveis por introduzir a hipnose no Ocidente. 13 BNRJ, c.317.6.1, Doc. 34. Documento 081. 14 GUEDES, Roberto. O cabeça de motim José Dias Vieira, o tráfico e a terrível falta d’água; Luanda, finais do século XVIII. In: _____ (Org.) África: brasileiros e portugueses. Séculos XVI-XVIX. Rio de Janeiro: Mauad X/Antigo Regime nos Trópicos, 2013. p. 113-144. Ver anexos entre as páginas 141 e 144. Por gentileza dos historiadores Roberto Guedes e Ingrid de Oliveira, os mencionados registros paroquiais puderam ser incluídos na presente edição.

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carenhas declarou em seu testamento não ter “descendentes legítimos que por direito meus bens o hão de herdar” e, portanto, podia livremente dispor de suas posses. Nomeou como herdeira universal uma sobrinha, que nada herdou, pois ele acabou a vida praticamente sem nada. A única coisa de que dispunha era a expectativa de retribuição régia por seus serviços, o que o levou a determinar que “Quando chegarem a haver rendim.tos para isso ordeno a dita minha sobrinha e Herdeira q. dé cem mil reis cada anno p.a Seus alimentos a meu affilhado Elias Alexandre e Silva q. he Cavaleiro de Habito da Ordem de Christo e Cap.m de Infantaria do Regimento de Angola”.15 Essa história sofreria, contudo, uma reviravolta. Em um codicilo16, de fevereiro de 1789, Mascarenhas fez uma alteração drástica em seu testamento e simplesmente deserdou Elias Alexandre: “E declaro q. tive justos motivos p.a derrogar tudo quanto dispunha no dito meu Testamento a favor de Elias Alex.e da S.a [f. 207v] Silva Capitão do Regim.to de infantaria do Reyno de Angola e Cavaleiro profeço na Ordem de Christo ficando nesta parte sem Vigor aquelles Legados q. lhe deixava d.o meu Testam.to”.17 A possibilidade de que o conselheiro tivesse deserdado seu único filho é muito remota. É mais fácil de acreditar, portanto, que Elias fosse mesmo um protegido. Os “justos motivos” que tê-lo-iam levado a tanto são desconhecidos, mas é importante perceber que não apenas o “afilhado” foi deserdado. O testamenteiro foi substituído e também foram trocados os beneficiários dos poucos bens que sobravam. Trajes e roupas de cama foram deixados para os últimos servidores que permaneciam à sua volta. O codicilo passa a noção de que o conselheiro sentia-se desamparado. Entre outras coisas, há que ter em

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15 ANTT, Registo Geral de Testamentos, Livro 327, fls. 206-207. Documento 054. 16 Os codicilos são disposições anexas aos testamentos. Ver MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil. São Paulo: Edição Saraiva, 1952. v. 6. Segundo o autor, o objeto dos codicilos são: sufrágios por intenção da alma do codicilante, nomeação e substituição do testamenteiro, perdão de indigno. Além disso, o codicilo é meio idôneo para instituir herdeiro, reconhecer filho ou efetuar deserdações. Apesar de ser considerado disposição de última vontade, não é tido como testamento, logo, o codicilo não tem formalismos, sendo necessário apenas ser feito por instrumento particular ou documento escrito por próprio punho, datado e assinado pelo declarante. 17 ANTT, Registo Geral de Testamentos, Livro 327, fls. 207-208. Documento 055.

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conta que 1789 foi o ano em que Elias Alexandre deixou Angola, retornando diretamente ao Brasil, sem passar por Portugal. Eles não voltaram a se encontrar, pois Mascarenhas faleceu no dia seguinte à inclusão do codicilo em seu testamento. Apesar desse desenlace melancólico e inconclusivo, o que a documentação nos mostra é que Elias Alexandre e Silva e José Mascarenhas Pacheco viveram juntos durante anos, mantendo uma sólida relação interpessoal, que se rompeu pouco antes da morte do conselheiro.

O nome de Elias Além da alteração das disposições testamentárias, existem indícios de que, na época, aconteceu alguma coisa relevante na história pessoal do militar, mas que nos escapa completamente. Note-se que após voltar ao Brasil, Elias acrescentou um Correia ao seu nome.18 Já tive a oportunidade de tecer algumas considerações sobre trocas de sobrenomes, a propósito do naturalista João da Silva Feijó, as quais repito. É preciso lembrar que, naquela época, a não ser em certos casos de sobrenomes nobiliárquicos muito bem estabelecidos, os sobrenomes não passavam de pais para filhos pela linha paterna, como hoje é quase obrigatório. Na maior parte dos casos, o ato do batismo consignava apenas o nome da criança. O sobrenome ia sendo construído ao longo da vida, a partir de estoques de sobrenomes usados pelos integrantes dos agregados familiares a que pertencia o indivíduo ou, inclusive, os dos padrinhos. Mudanças de posição social dentro dos agregados – a morte de um irmão primogênito, por exemplo –; mudanças de locais de residência; aproximações físicas, econômicas ou emocionais com um ou outro ramo familiar; homenagem prestada a alguém ou a

18 O acréscimo ocorreu por volta de 1796. Ver, por exemplo, o arrolamento da correspondência dos vice-reis do Brasil editado nas Publicações do Archivo Publico Nacional. Rio de Janeiro: Imprensa Nacional, 1901. v. 3. Em 1790 (p. 71), o arrolamento ainda se refere ao militar como Elias Alexandre da Silva, já em 1796 (p. 107), como Elias Alexandre da Silva Correia.

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alguma causa; tentativas de nobilitação, entre muitos outros, eram motivos para trocas de sobrenomes.19

O que se sabe da biografia de Elias Alexandre mostra que ele era uma pessoa bastante cerebral e meticulosa em suas atitudes. Portanto, não restam muitas dúvidas de que a adoção do sobrenome Correia foi um ato declaratório e pensado. Ficam, porém, duas questões: (1) o que ele pretendia afirmar com isso?, (2) por que a escolha do Correia? Esse designativo não parece pertencer ao estoque de sobrenomes do agregado familiar a que pertencia o conselheiro e, tampouco, ao de Luís da Ascensão da Silva. Quando retornou ao Continente Americano, o militar permaneceu inicialmente no Rio de Janeiro e, mais tarde, radicou-se em São Gonçalo, na altura uma freguesia de Niterói. Nos poucos registros de sua presença na região não há referências a relações de vizinhança, parentesco ou compadrio com nenhum Correia. Da mesma forma, no Desterro, de onde partira para a Europa e África. Quanto ao “enigma” de sua origem paterna, o acréscimo do sobrenome mais complica do que ajuda a solucionar. Na História de Angola, que foi assinada como Elias Alexandre da Silva Correia, diz o autor que seus pais tinham vindo da Europa para o Brasil “por um efeito aventureiro”. Mas a quem se refere? Vir para o Brasil solteiro e a serviço da coroa, como acontecera com o conselheiro, não sugere um casal aventureiro em digressão pela América.20 Por outro lado, à época, pessoas originárias dos Açores e da Madeira dificilmente seriam mencionadas como europeias. Os arquipélagos da Macaronésia eram referidos genericamente como as Ilhas, e eram considerados possessões coloniais, tal como o Brasil ou Angola. Seus moradores eram qualificados como ilhéus e não como

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19 PEREIRA, Magnus Roberto de Mello. João da Silva [Feijó?]: A trajetória de um homem de ciências luso-brasileiro. In: PEREIRA, Magnus Roberto de Mello; SANTOS, Rosangela Maria Ferreira dos. João da Silva Feijó: Um homem de ciência no Antigo Regime português. Curitiba: Editora da UFPR, 2012. Sobre a questão, ver também HAMEISTER, Martha Daisson. O Segredo do Pajé: o nome como um bem (Continente do Rio Grande de São Pedro, c.1735-c.1777). Trabalho (Conclusão de Disciplina) – Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2003. 20 Neste caso, a mãe seria uma portuguesa que também teria vindo para o Brasil. Seria ela a origem do sobrenome Correia?

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europeus. Desta forma, a afirmação não parece indicar nem o caso do alto oficial da administração colonial, nem o do casal vindo das Ilhas. Por fim, perceba-se que a confusão quanto à origem do militar já está expressa em seu nome. Ele sempre assinou como Elias Alexandre e Silva. A preposição ‘e’ confere ao Alexandre a condição de sobrenome. Vez por outra aparece grafado como Elias Alexandre da Silva, mas nesses casos o ‘da’ é de responsabilidade de terceiros. No entanto, quando da assunção do Correia ele passou a chamar-se da Silva Correia, devolvendo ao Alexandre a condição de prenome. Enfim, pode-se até especular se quis ele afirmar outra descendência que não a do conselheiro ou de Luís Silva, oficialmente seu pai?

Ascensão e queda de um magistrado No interior de tantas indagações, e até que apareçam outras evidências que demonstrem o contrário, a hipótese de trabalho mais plausível sobre a origem de Silva Correia é aquela aventada por Ângelo Calmon. Elias deve ter sido ou filho de algum dos criados do conselheiro, ou de algum integrante da guarnição do forte onde ficou prisioneiro. Enfim, o “enigma histórico” de Elias Alexandre não é tanto a paternidade e o local do nascimento, mas as circunstâncias em que se deu o encontro com Mascarenhas, fato determinante de sua vida futura. É preciso, portanto, voltar à romanesca biografia do conselheiro. José Mascarenhas Pacheco nasceu em Faro, no Algarve, em 1720. Seguiu, inicialmente, a carreira militar e, mais tarde, voltou-se para as letras. Estudou direito civil e canônico em Valladolid, na Espanha, e tornou-se magistrado. Quando seu pai, o desembargador João Pacheco Pereira de Vasconcelos, foi designado por Sebastião José de Carvalho e Melo, futuro Marquês de Pombal, para presidir a devassa da revolta popular, ocorrida em 1757, contra a Companhia Geral de Agricultura e das Vinhas do Alto Douro, José Mascarenhas acompanhou-o, na condição de escrivão do processo. As sentenças contra os implicados foram duríssimas e, já na época, foram consideradas desproporcionais aos delitos, como se observa neste relato do comerciante francês Jacome Ratton, para quem ocorrera apenas um alarido popular contra o monopólio concedido à Companhia da venda de vinho a retalho.

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Foi em consequência deste privilegio exclusivo, seguido de augmento no preço, e qualidade arbitraria dos vinhos aquartilhados, que no principio houve huma certa agitação no povo baixo da Cidade do Porto, correndo em bandos pelas ruas, e gritando abaixo a Companhia; mas sem commeterem nenhuma violência, segundo me informarão pessoas de credito, quando estive naquella cidade no fim do anno 1767, cuja agitação, a que deraõ o nome de levantamento do Porto, foi logo applacada pelas sabias providencias do Governador das armas, Joaõ d’Almada, que ao mesmo tempo fazia de chanceler da Relação. Porem este acontecimento foi olhado na Corte, segundo as primeiras, e indiscretas informaçoens, como hum levantamento formal; e logo se mandarão tropas, e os dous Magistrados Mascarenhas pay, e filho, com todos os poderes sobre o civil, e militar. O Dezembargador filho, homem ambicioso de poder, e de caracter perverso, assumio a si toda a autoridade, naõ obstante ter ido em qualidade de ajudante de seu pay, que tinha reputação de douto, e bom; mas de idade avançada, e doente. Encheo o tal filho de medo, e afflicçaõ a todos os moradores do Porto; andava com huma guarda de cavallaria a traz de sí; abrio huma devassa, na qual mostrava todo o empenho de involver pessoas graúdas, para persuadir ao Governo que tinha applacado huma rebelliaõ formal; mas, se implicou algumas, era a opinião geral ser com falsidade. Houveraõ alguns indivíduos condemnados a pena ultima, e outros a açoutes, &c. &c.; fazendo-os primeiro andar pelas ruas em gargalheira, o que encheo aquella Cidade de luto, e fez de huma insignificante agitação hum caso de muito estrondo, com o fim de merecer prémios, e os teve.21

O relato, publicado em 1813, exemplifica a crença geral da época de que Mascarenhas teria sido o principal responsável por transformar uma simples revolta antifiscal promovida por taberneiros em crime de lesa majestade, com o intuito de se autopromover e entrar nas graças de Carvalho e Melo. A sentença que resultou do julgamento dos manifestantes, redigida pelo desembargador, foi impressa em 1758 e transformou-se numa peça literária de sucesso.22

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21 RATTON, Jacome. Recordaçoens de Jacome Ratton: sobre occurrencias do seu tempo em Portugal, durante o lapso de sesenta e tres annos e meio alias de maio 1747 a Setembro de 1810, que rezidio em Lisboa: accompanhadas de algumas sùbsequentes reflexoens suas, para informaçoens de seus proprios filhos. London: H. Bryer, 1813. p. 229. 22 MELO, José Mascarenhas Pacheco Pereira Coelho de. Sentença da alçada: que El Rey, Nosso Senhor mandou conhecer da rebelliaõ succedida na cidade do Porto em 1757, e

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Se a intenção era agradar Pombal, o instrumento utilizado foi extremamente adequado. Homem do iluminismo que era, Carvalho e Melo acreditava no poder da palavra impressa e usou os livros como monumentos instauradores de verdades e memórias.23 Como argumentou o historiador Rui Tavares, “O pombalismo viveu claramente ancorado na criação e rememoração de narrativas que lhe eram muito próprias ou mesmo exclusivas. Pode dizer-se que, [...] às vezes à custa [...] da inflacção de factos aparentemente banais”.24 No episódio do Porto, Mascarenhas valeu-se exatamente dos mesmos expedientes. O prêmio por sua atuação na Revolta dos Taberneiros foi a indicação para juiz executor da fazenda da Bula da Santa Cruzada. Em seguida, foi nomeado para o Conselho Ultramarino e mandado à Bahia, junto com dois

daqual Sua Magestade Fidelissima nomeou presidente Joaõ Pacheco Pereyra de Vasconcellos. Porto: Na Officina do Capitão Manoel Pedro Coimbra, 1758. 23 Ver PEREIRA, Magnus Roberto de Mello; CRUZ, Ana Lúcia Rocha Barbalho da. Ciência e memória: aspectos da reforma da Universidade de Coimbra de 1772. Revista de História Regional, v. 14, p. 7-48, 2009. p. 12. 24 TAVARES, Rui. Lembrar, esquecer, censurar. Estudos Avançados, n. 37, p. 125-154, 1999. p. 145.

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outros conselheiros, com a missão de estabelecer nas colônias americanas um tribunal de Estado e Guerra e uma Mesa de Consciência e Ordem. Todavia, sua tarefa mais importante era tomar as providências necessárias à expulsão da Cia. de Jesus, principalmente o sequestro de seus bens e a substituição, nas aldeias indígenas, dos religiosos da ordem por párocos laicos. A obra pela qual até hoje é lembrado não estava, no entanto, prevista nas instruções que recebera em Lisboa. Em maio de 1759, deu início aos preparativos que levariam à criação da Academia Brasílica dos Renascidos, inaugurada festivamente em 6 de junho do mesmo ano.25 Muito provavelmente o seu objetivo era preencher o vácuo que se anunciava, com a expulsão dos religiosos da Companhia, através da criação de uma instituição laica que congregasse e estimulasse as atividades intelectuais da elite colonial brasileira.26 A glória de Mascarenhas foi, no entanto, fugaz. Na mesma época em que sua famosa Sentença estava sendo difundida entre os leitores portugueses e ele colhia os louros da criação da academia baiana, Carvalho e Melo tomava providências para que fosse “sepultado vivo”. Até hoje são tecidas especulações sobre o motivo de sentença tão dura. No passado predominou a crença de que ele fora punido pelos excessos que cometera no Porto. A nomeação para atuar no Brasil teria sido um disfarce que o conduzira, sem alarde, à prisão.27 Também existe a desconfiança de que ele agira contra os jesuítas com menos afinco do que gostaria Pombal.28 Outro motivo, já apontado por J. Lúcio de Azevedo, foi o convite feito a Mrs. Eléonor Cicile Gujon Disiers, comandante de uma esquadra francesa ancorada em Salvador para participar da Academia

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25 Sobre esta academia há uma vasta bibligrafia. Como síntese mais recente, ver KANTOR, Iris. Esquecidos e renascidos; historiografia acadêmica luso-americana. (17241759) São Paulo: Hucitec, 2004. 26 KANTOR, op. cit., p.119. 27 Há quase cem anos atrás, João Lúcio de Azevedo já chamava de “almas cândidas” aos que acreditavam em tal versão. Ver AZEVEDO, J. Lúcio de. A Academia dos Renascidos da Baía e seu fundador. Revista de Língua Portuguesa, v. 4, p. 17-29, 1922. p. 19 e 28. 28 Os biógrafos do poeta Santa Rita Durão, amigo do conselheiro, dizem que ele é o responsável pela difusão de tal versão. Ver VIEGAS, Artur. O poeta Santa Rita Durão; revelações históricas da sua vida e do seu século. Paris: L’Edition d’Art Gaudio, 1914. Uma síntese dessa hipótese pode ser consultada em FONTES, Henrique. O Conselheiro José Mascarenhas Pacheco Pereira Coelho de Melo. Florianópolis: Livraria Central, 1938. p. 32-37.

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dos Renascidos. A amizade que se havia estabelecido entre Disier, integrante da Academia de Brest, e o conselheiro chegou a ser denunciada à coroa pelo Vice-rei D. Marcos de Noronha.29 Iris Kantor sugere que o enfraquecimento da posição de Mascarenhas também pode ser atribuído a seus vínculos com a Espanha. Ele era integrante da Academia Matemática e Geográfica de Valladolid e convidou diversos intelectuais espanhóis para participarem da Academia.30 Num momento em que cresciam as tensões entre as coroas ibéricas, essa proximidade não era das mais bem vistas. Seja qual tenha sido o real motivo de sua desgraça, o mandado de prisão de Mascarenhas Pacheco foi assinado em Portugal, a 19 de agosto de 1759, e enviado ao governador do Rio de Janeiro junto com instruções diversas sobre como encarcerá-lo. As ordens vindas de Portugal instruíam que assim que chegasse ao Rio de Janeiro ele deveria ser transferido, sob falso pretexto, para Santa Catarina, onde permaneceria detido até ordem contrária de Carvalho e Melo. Enquanto os planos de sua prisão eram urdidos entre Lisboa e Rio de Janeiro, o conselheiro permanecia em Salvador alegando ser ali necessário para dar “continuação de huas Academias, em que fazia a primeira figura”.31 Mascarenhas só chegou ao Rio de Janeiro no dia 28 de dezembo de 1758. As artimanhas tramadas para prendê-lo geraram uma série de lendas a respeito que têm sido propagadas pela historiografia. O relato de Jacome Ratton já afirmava que Mascarenhas, assim que chegou ao Rio, foi encarregado pelo vice-rei32 [...] de passar á Ilha de Santa Catharina, e lá apromptar huma prisaõ, digna de hum homem que tinha abusado, em prejuizo dos povos, da

29 ALMEIDA, Eduardo de Castro e. Inventario dos documentos relativos ao Brasil existentes no Archivo de Marinha e Ultramar de Lisboa. Bahia I. 1613-1762. Anais da Biblioteca Nacional, v. 31, 1913. p. 351. 30 KANTOR, op. cit., p. 151-152. 31 GUALBERTO, Luís Antônio Ferreira. Prisões clandestinas (séc. XVIII), o Conselheiro José Mascarenhas. Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, t. 70, p. 167-208. 1907. p. 194. Documento 095. 32 Nessas visões lendárias é quase sempre o marquês de Lavradio o responsável pela prisão do conselheiro Mascarenhas Pacheco e não o Conde de Bobadela, quem de fato executou a ordem de prisão.

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autoridade, que o Soberano lhe tinha conferido; o que elle promptamente cumprio, segundo a maldade do seu coração; e depois se lhe ordenou que entrasse para ella, na qual jazeo até que sahio pelo perdaõ geral concedido na occasiaõ da Exaltação da Rainha Que Deos Guarde ao Trono.33

Com o correr do tempo, o relato da prisão do conselheiro foi ganhando contornos de conto gótico e o seu suplício passaria a ser narrado com detalhes de perversidade. No dia seguinte, José Mascarenhas apresentou-se ao marquez de Lavradio. O marquez tratou-o com toda a consideração e afabilidade, e mandou-lhe prestar taes honras, que o soberbo desembargador impava de orgulho e de vaidade. Quando chegou a occasião de lhe communicar as ordens que havia racebido ácerca d’aquella missão, o marquez disse-lhe que el-rei ordenava que s. sª partisse para a ilha de Santa Catharina, e ahi presidisse a construcção de uma prisão, que fosse digna do castigo de um grande criminoso, de um homem emfim que tinha enganado el-rei e abusado, em prejuizo do povo, da autharidade que sua magestade lhe tinha confiado.34

Mascarenhas teria executado a tarefa com prazer mórbido e assim que a masmorra ficou pronta chamou o Marquês do Lavradio para exibir com orgulho a sua obra. Segundo contam os contemporaneos era um medonho calabouço subterraneo, que apenas recebia luz e ar por uma piquena fresta, aberta ao rez da abobada que lhe servia de tecto. A tradicção portuense, que nos legou o nome de José Mascarenhas como anathema da execração e do odio publico, accrescenta que a prisão foi construiria nos subterrâneos do antigo castello, á beira mar, e que a maré, quando enchia, a innundava por tal forma, que quem n’ella estivesse, encerrado, era obrigado a conservar-se em bicos de pés e com os dedos das mãos afferrados ás fendas da parede para coaservar a bôca ao lume d’agua e não morrer afogado.35

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33 RATTON, op. cit., p. 230. 34 GAMA, Arnaldo. Um motim há cem anos; chronica portuense do seculo XVIII. Porto: Typogrphia do Commercio, 1861. p. 562-563. 35 GAMA, op. cit., p. 562-563.

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Quando se deparou com a sala de suplício concebida pela “alma perversa” do conselheiro, Lavradio revelou-lhe que era ele próprio o criminoso a quem ela se destinava e mandou prendê-lo incontinente. Na historiografia do século XX, tal lenda foi desacreditada e aparece apenas como curiosidade.36 Todavia, as ordens secretas recebidas por Bobadela mandavam, de fato, que fosse montada uma armadilha para Mascarenhas, que, sob “especiosos pretextos” deveria ser enviado para Santa Catarina, onde seria aprisionado. As ordens, aliás secretas, que o Conde havia recebido da Metropole que se continham na carta regia de 14 de agosto de 1759 eram claras, explicitas e terminantes. Mandava dizer Sua Magestade “que logo que a recebesse fizesse vir a sua presença José Mascarenhas, e usando dos especiosos pretextos da indispensavel necessidade de se promover por pessoal habil os utilissimos estabelecimentos das novas colonias que tinha mandado fazer na ilha de Santa Catharina, e de ser necessaria a sua presença nessa Cidade depois das ultimas ordens que mandou expedir para o sequestro geral de todos os bens, rendas ordinarias e pensões pertencentes aos religiosos jesuitas, lhe intimasse no seu real nome para que passasse á sobredita ilha, na primeira embarcação que se offerecesse, empregando, si necessario fosse, os meios da coacção.37

As ordens régias enviadas por Carvalho e Melo eram extremamente severas. O conselheiro deveria permanecer encarcerado,“não lhe permittindo communicação algua por qualquer cauza, ou pretexto que seja” e todos os seus papéis deveriam ser apreendidos e enviados sob sigilo a Portugal, sem que fossem examinados no Brasil.38 Contudo, nada ocorreu exatamente assim, pois a determinação de manter Mascarenhas Pacheco incomunicável foi entendida de forma bastante elástica. O conselheiro chegou na vila do Desterro em 25 de janeiro de 1759. Em seguida, foi encarcerado no forte de Anhatomirim com toda a entourage que o acompanhava desde o Rio de Janeiro ou da Bahia, para, supostamente,

36 Ver, por exemplo, GUALBERTO, op. cit., p. 170. 37 GUALBERTO, op. cit., p. 172. Documento 092. 38 GUALBERTO, op. cit., p. 193. Documento 092.

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tratar das missões que a coroa lhe confiara. O grupo era composto por, pelo menos, 10 homens. Sobre esses acompanhantes dizia, em 1772, o governador Francisco de Souza Menezes: “Constame q’ já sahirão cinco, quatro brancos e hu preto, antes de eu vir para este governo e morreu mais hNJ na prizão depois que cheguei a esta Ilha”.39 Contudo, neste mesmo ano, ainda viviam com ele dois escreventes e mais alguns escravos remanescentes. Quando enviou Mascarenhas à Ilha de Santa Catarina, o Conde de Bobadela procurou assegurar os meios necessários ao transporte e sobrevivência do grupo e entre as determinações do governador estava a permissão de que “paisanos” fossem autorizados a irem até o forte vender os suprimentos necessários. Em suas ordens, Bobadela fala explicitamente sobre o Ministro e “sua familia”.40 Considerando que fora o próprio Gomes Freire de Andrade quem mandara Mascarenhas à Ilha de Santa Catarina e que, portanto, tinha uma noção exata de quem o acompanhava, pode-se supor a presença de mulheres e crianças no grupo, entre as quais, quem sabe, Elias Alexandre, que então teria 5 anos de idade. Além de seus acompanhantes, o conselheiro trazia consigo uma biblioteca, a qual não foi confiscada junto com seus papéis. Em seu testamento, ele se refere explicitamente à “minha Livraria q. me acompanhou em desoito Annos de prizões incomunicaveis”.41 Assim, Mascarenhas tinha a seu dispor a biblioteca e dois escreventes, configurando a continuidade de um núcleo típico de quem continuava a exercer atividades administrativas. Não é de estranhar, portanto, que tenha prosperado a tradição de que Mascarenhas fosse o governador de fato de Santa Catarina. Gualberto refere-se ao mito, registrado pelo cronista Gonçalves dos Santos Silva, [...] de que todos os dias, ao anoitecer, [o governador Francisco de Souza Meneses] partia num escaler com as petições e negócios, que de madrugada voltavam resolvidos e com muitos despachos; e também do preso empregar ali o dia a ensinar a ler e a escrever aos soldados da guarnição daquela fortaleza, do que muitos se aproveitaram, e que

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39 GUALBERTO, op. cit., p. 206. Documento 106. 40 GUALBERTO, op. cit., p. 196. Documento 097. 41 ANTT, Registo Geral de Testamentos, Livro 327, f. 206v. Documento 054.

ainda, em 1829, encontrou alguns dos que tinham apprendido com Mascarenhas, sendo ao tempo, um desses officiais, já brigadeiro.42

Um manuscrito do início do século XIX já afirmava que o governador Francisco de Souza Meneses fora “guiado pelo prezo Jozé Mascarenhas (que se gabou de ter governado a Ilha sete annos)” e que o mesmo havia organizado, em 1768, o Regimento de Infantaria de Linha de Santa Catarina.43 É possível que tradição fosse mais do que um mito, pois, de fato, Mascarenhas gabava-se de ter governado a capitania. Em carta a Cenáculo, referia-se ao seu período de prisão na ilha como “meu triste Governo”.44 Afirmava, também, que fora de sua responsabilidade o restabelecimento do regimento em que Elias iniciou a sua carreira militar. Outra atividade do conselheiro era alfabetizar os soldados da guarnição do forte de Anhatomirim. Alguns de seus alunos chegaram a ocupar altos cargos militares.45

Um militar de carreira Os documentos mais antigos disponíveis a tratarem explicitamente de Elias Alexandre e Silva são aqueles que se referem à sua folha corrida militar, os quais permitem delinear alguns aspectos de sua biografia. Ele sentou praça no Regimento de Linha de Santa Catarina, a 13 de janeiro de 1771. Se, de fato, nasceu em 1753, teria aproximadamente 18 anos. Independente da verdadeira data de seu nascimento, o ano de 1753 ficou assim oficializado e toda a documentação disponível o corrobora. A ascensão de Elias Alexandre na carreira militar foi meteórica. Em apenas 9 meses, galgou sucessivamente os postos subalternos, de soldado a sargento. Isso pode ser creditado ao fato de Elias ter sido formado na “escola” criada pelo conselheiro na fortaleza de Anhatomirim. Ele não foi o único caso

42 GUALBERTO, op. cit., p.186. 43 Memória Histórica da Província de Santa Catharina, relactiva ás pessoas que a tem governado. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina, v. 2, 1953. p. 5. 44 BME, CXXVII, 2 -4, Nº 3065. Documento 041. 45 GUALBERTO, op. cit., p. 186 e FONTES, op. cit., p. 51.

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de sucesso, como vimos. Mas, também mostra o quanto seus patronos eram fortes. As coisas parecem que eram feitas sob medida para manter o jovem sobre a tutela de Mascarenhas, desde o restabelecimento da unidade militar a que foi incorporado ao fato de ele ter sido destacado para a guarnição da ilha prisão. Na fortaleza de Santa Cruz, Elias tornou-se responsável por dar instruções militares a mais de 150 recrutas. Por coincidência, entre as obras do conselheiro consta um manuscrito, hoje desaparecido, intitulado Evoluções militares para instruções do mais ignorante soldado. 46 Não seria arriscado supor que o manuscrito tenha sido composto com o intuito de auxiliar o pupilo na tarefa de disciplinar a tropa do Desterro. Em março de 1774, vamos encontrar o jovem militar atuando fora da fortaleza, pois recebera o encargo de alistar a população masculina das freguesias de São Miguel da Ilha e de São José, com vistas à criação das milícias de Infantaria e Cavalaria em Santa Catarina.47 Ele também se tornara responsável por providenciar o embarque de lenha para a Colônia do Sacramento.48 A passagem ao oficialato propriamente dito não foi tão célere. Promoções nesse nível não eram de responsabilidade do governador local. Passavam pela aprovação do Vice-rei, no Rio de Janeiro, quando não eram decisões tomadas diretamente na metrópole colonial. Na época, a real situação de Mascarenhas dava azo a um festival de denúncias ao Vice-Rei do Brasil. O Marquês do Lavradio as repassava a Pombal e, ao mesmo tempo, procurava pressionar o governador de Santa Catarina Francisco de Sousa de Menezes. Este, por sua vez eximia-se de qualquer culpa, afirmando que desde que assumira o governo vira o prisioneiro uma única vez. Atribuía os problemas ao sargento-mor Pedro da Costa Marim, responsável direto pela guarda do conselheiro. Por fim, em 1774, já no quadro dos conflitos com a Espanha e a ameaça de invasão de Santa Catarina, Pombal ordenou que Mascarenhas Pacheco fosse transferido de Anhatomirim para a Fortaleza de São José da Ilha das Cobras, no Rio de Janeiro.

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46 MACHADO, Diogo Barbosa e FARINHA, Bento José de Souza. Summario da Bibliotheca Lusitana. Lisboa: Na Officina de Antonio Gomes, 1786. v. 2, p. 394. 47 BNRJ, c.317.6.1, Doc. 16. Documento 069. 48 BNRJ, c.317.6.1, Doc. 18. Documento 071.

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Há nisto tudo certo jogo de cena. Com a transferência, Lavradio queria punir e enquadrar o conselheiro, ou trazê-lo para perto de si? A segunda hipótese parece mais plausível, se considerarmos que, simultaneamente, Elias Alexandre também foi transferido para o Rio de Janeiro. Na capital da colônia, o jovem militar recebeu uma série de benefícios, muito longe daquilo que era de se esperar que ocorresse com o filho ou pupilo de um prisioneiro político. Por determinação do Vice-Rei, foi finalmente promovido a alferes. Desde então Silva Correia passaria a insinuar, em sua correspondência, proximidade com o Marquês do Lavradio. Outro benefício que recebeu foi a permissão para frequentar o curso de artilharia que existia na cidade. O ensino militar foi reorganizado no Rio de Janeiro em 1738, com a criação de uma Aula de Artilharia, sob a responsabilidade do engenheiro José Fernando Pinto Alpoim.49 Complementando o aprendizado de teoria e prática de artilharia, os alunos recebiam lições de aritmética, geometria, trigonometria e de fortificação. A duração total do curso era de 5 anos, mas os graduados não recebiam o título de engenheiros, mas de artilheiros, uma vez que o curso era de Artilharia. De qualquer modo, Elias Alexandre não alcançou nenhum desses títulos, pois esteve no Rio de Janeiro somente entre agosto de 1774 e dezembro de 1775. Como ele mesmo afirmou, estudara apenas o “q.to lhe permitio os movim. tos

da guerra do R.o grande do Sul”, quando Lavradio mandou-o de volta ao sul.50

Após breve período em Santa Catarina, partiu para a capitania de São Pedro, onde chegou em fevereiro de 1776, a tempo de participar da retomada da vila do Rio Grande, que desde 1763 estava sob domínio espanhol. Durante os combates, a embarcação na qual ia Elias, comandando um destacamento, foi danificada e acabou dando à costa, encalhada entre duas fortificações inimigas. Segundo algumas versões do ocorrido, o alferes, conseguiu obter lanchas com o comando militar português para fazer o transbordo, salvando-se a tropa, o armamento e mais petrechos.51 O relato do 49 CARDOSO, Maria Luiza. Aulas públicas militares na América Portuguesa antes do período pombalino. p. 18. http://www.buscatematica.net/artigos/engenharia.pdf 50 BNRJ, c.317.6.1, Doc. 9. Documento 064. 51 AHU, Angola, Caixa 65, D59. Documento 010.

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comandante do barco não dá todo este destaque à atuação de Elias.52 Após este incidente, Silva Correia e seus comandados passaram à nau capitania, o Real Paquete, e participaram da segunda leva de ataque a Rio Grande, em 1º de abril de 1766. Os comandantes espanhóis, percebendo que não conseguiriam conter o avanço português, ordenaram a retirada. A vila do Rio Grande foi ocupada, sem combate, no dia seguinte.53 Desde então, era previsto que haveria uma reação espanhola, o que desencadeou os preparativos para a defesa das áreas em disputa. A Ilha de Santa Catarina sempre foi considerada um dos postos estratégicos da expansão portuguesa em direção ao sul e, portanto, um alvo prioritário das retalhações espanholas. Em dezembro de 1776, Silva Correia voltou a Santa Catarina, onde foi encarregado de fortificar preventivamente a região de Santo Antônio da Ilha, “por ser habil, e com bastante instrucção de Geometria, tendo dado a conhecer grande aplicação ao desenho, e algum estudo da Artilharia”.54 Coube a ele comandar a defesa de um dos baluartes que ali então foram construídos.

Plano de la Ysla y Puerto de Santa Cathalina - 177655

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52 RIHGB, v. 255, 1962. p. 262-264. Documento 108 e Documento 109. 53 QUEIROZ, Maria Luiza Bertuline. A vila do Rio Grande de São Pedro. 17371822. Rio Grande: Editora da Furg, 1987. p. 127. 54 BNRJ, c.317.6.1, Doc. 19. Documento 072. 55 CANTO, Manuel Christovan del. Plano de la Ysla y Puerto de Santa Cathalina, 1776. Library of Congress

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Apesar de os portugueses saberem com grande antecedência que partira da Espanha uma forte esquadra com destino ao Brasil meridional, os preparativos militares de defesa demonstrar-se-iam insuficientes e ineficazes.56 A imensa esquadra enviada pela Espanha chegou às imediações da Ilha de Santa Catarina em 15 de fevereiro de 1777, quando foi avistada pela esquadra portuguesa, comandada pelo almirante irlandês Robert MacDowal. A esquadra espanhola era composta por 7 navios de 70 canhões, 2 de 60 canhões e mais uma centena de embarcações de todo tipo e tamanho, totalizando 920 bocas de fogo. A tropa embarcada era composta de 5.148 marinheiros, 1.308 fuzileiros navais e 9.383 soldados de terra.57 A dimensão das forças espanholas provocou uma onda de pânico entre as defesas luso-brasileiras, que se retiraram atabalhoadamente de suas posições, provocando a debacle geral do poder defensivo de Santa Catarina. Os espanhóis desembarcaram na enseada de Canasvieiras, norte da ilha, na noite de 23 para 24 de fevereiro, e foram sucessivamente conquistando território sem encontrar a menor resistência. Uma após as outras, as forças portuguesas fugiram, desertaram ou se entregaram sem luta aos invasores. O regimento em que atuava Elias, que era comandado pelo coronel Fernando Gama Lobo Coelho, foi o único a esboçar a intenção de defender a capital, enfrentando os espanhóis.58 Por fim, este corpo militar também bateu em retirada para a margem esquerda do Rio do Cubatão, já no continente, onde se reuniram as forças portuguesas, completamente derrotadas. Relata Elias que “em Fevereiro de 1777, Se retirou com o Seu Regimento para o Campo do Cubatão, aonde infelizmente Se convencionou ficar tudo prezioneiro de 56 A Invasão Espanhola de Santa Catarina, em 1777, foi fartamente explorada na historiografia brasileira, desde o século XIX. Mais recentemente, foram elaborados alguns trabalhos acadêmicos sobre o tema. Com exemplos das duas situações, ver COELHO, Manoel Joaquim d’Almeida. Memoria historica da Provincia de Santa Catharina. Florianópolis: Typ. Desterrense de J. J. Lopes, 1856. PIAZZA, Maria de Fátima Fontes. A invasão espanhola na Ilha de Santa Catarina. Brasília: UNB, 1978. (Dissertação de mestrado em história) FLORES, Maria Bernadete Ramos. Os espanhóis conquistam a Ilha de Santa Catarina: 1777. Florianópolis: Editora da UFSC, 2004. 57 Sobre a dimensão das forças espanholas ver COELHO, op. cit., p. 28, FLORES, op. cit., p. 14-15. 58 Ver FLORES, op. cit., p. 60.

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guerra e regressar a Officialidade e funccionarios civiz, e Ecclesiasticos a esta Capital [Rio de Janeiro]”.59 Refere-se ele à decisão tomada pelos integrantes do conselho de guerra, de renderem-se e entregarem-se como prisioneiros. Foi pactuando com os espanhóis que as tropas subalternas permaneceriam em poder das forças invasoras enquanto a oficialidade militar, civil e eclesiástica seria libertada, com o compromisso de não mais pegar em armas. Os próprios espanhóis levaram esses oficiais para o Rio de Janeiro, onde chegaram em 8 de abril de 1777. O desastre militar gerou imediata reação por parte do Vice-rei do Brasil, que instaurou sindicância para punir os responsáveis. O alvo foi o conjunto dos altos oficiais que optaram pela rendição, enquanto os oficias menos graduados, que não participaram do conselho de guerra, foram poupados. Além disto, Lavradio sempre insistiu que MacDowall era um dos principais culpados pela derrota portuguesa.60 Apenas uma semana depois da chegada dos vencidos ao Rio de Janeiro, o Marquês do Lavradio convocou Elias Alexandre e mais 5 oficiais subalternos e os mandou de volta a Santa Catarina, com ordens de organizarem uma “guerrilha” ou “pequena guerra” contra os espanhóis. Atesto que sendo Ajudante General das Ordens do Ill.mo e Ex.mo Vice Rey, que então era deste Estado o Senhor Marquez do Lavradio, mandou hir a sua prezença Elias ALexandre da Silva Correa, então Alferes no Regimento da Ilha de Santa Catharina, que Oito dias antes havia chegado da sua Praça invadida pelos Hespanhoes, e lhe determinou, e a mais sinco Officiaes Subalternos da mesma Ilha, voltassem a ella por terra, dispondo no seo transito as paradas que os inimigos havião interrompido, e sustado a comunicação do Rio Grande do Sul fizessem conduzir em Segurança as Cartas do Serviço dirigidas de huma a outra parte expulsassem do Continente fronteiro a dita Ilha os inimigos alli postados em guardas a Armazens de mantimentos em dispersas patrulhas, e outras deligencias uteis á sua

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59 BNRJ, c.317.6.1, Doc. 9. Documento 064. 60 Ver CONCEIÇÃO, Adriana Angelita da. “... vou nesta occazião á prezença de V. Ex.a ...”; A prática da escrita de cartas, entre Portugal e a América portuguesa, na segunda metade do século XVIII. In: PEREIRA, Magnus R. de M. et al. (Orgs.). VI Jornada Setecentista; Conferências e comunicações. Curitiba: Aos Quatro Ventos, 2006. p. 68-78.

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Segurança, e Sussistencia, lhes vedassem a Comunicação de estranhos confidentes, e os generos, comestiveis que lhes administravão. Induzissem as tropas inimigas á dezerção, e os auxiliassem nella. Os hostilizassem Sucessivamente no seo novo domicilio: em huma palavra lhes fizessem a pequena guerra [...]61

Esse episódio é praticamente desconhecido da historiografia. Silva Correia conta que atuou na condição de guerrilheiro infiltrado em Santa Catarina durante 8 meses, até que ali chegou a notícia de que fora assinado o tratado de Santo Ildefonso e os espanhóis se retirassem. Voltou então ao Rio de Janeiro para participar da devassa da rendição. Elias foi inocentado de qualquer responsabilidade e, segundo relatou Gaspar José de Matos Ferreira e Lucena, Coronel do Regimento de Dragõens do Rio Grande, o Vice-rei “se deo por muito satisfeito” com a atuação dele na guerra.62 De fato, a sua participação nos conflitos com os espanhóis deve ter agradado as autoridades metropolitanas. Enquanto o mais alto oficialato foi severamente punido, com penas que incluíam baixa com infâmia, prisão perpétua e forca, Elias Alexandre recebeu, em 1780, o Hábito de Cristo. A concessão da mercê régia descarta a afirmação de Clado Lessa de que Elias Alexandre era mulato63, pois receber o Hábito de Cristo implicava em demonstrar junto à Mesa da Consciência e Ordens que seus antepassados não tinham “vício de sangue”. Pessoas com ascendência africana estavam in limine excluídas. Seguramente Elias não receberia o Hábito declarando-se filho bastardo do conselheiro Mascarenhas. Foi, portanto, na condição de filho de Luís de Assunção da Silva e Ana de Santo Antônio que ele recebeu a mercê, o que implica em que o casal não era de origem muito baixa, pois era preciso provar também que seus familiares não tinham “vício mecânico”. A documentação indica que Elias cumpriu ambos os requisitos pois a “Ordem habilitou sua pessoa diante dos Deputados da Mesa da Consciencia e Ordens, e Juiz Geral dellas; e porque me Constou tem todas as circunstancias dos Interrogatorios”.64

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BNRJ, c.317.6.1, Doc. 21. Documento 074. Idem. LESSA, op. cit., p. 52. BNRJ, c.317.6.1 Doc. 3. Documento 058.

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O ano de 1777, foi um ano de viragem tanto para Correia, quanto para o conselheiro Mascarenhas Pacheco, assim como para todo o mundo português.65 Com a morte do Rei D. José, subiu ao trono Maria I, o que significou a queda do todo poderoso Marquês de Pombal e a redenção de diversos de seus inimigos políticos, entre eles o Conselheiro, cuja ordem de soltura foi assinada pelo ministro Martinho de Melo e Castro em 25 de abril do mesmo ano. Decisão surpreendentemente rápida pois D. José morrera havia exatamente um mês. Ilm. e Exm. Sr.: Sua Magestade he Servido que v. Ex. mande pôr na sua inteira Liberdade a José Mascarenhas Pacheco Pereira, que se acha preso na ilha das Cobras, fazendo-lhe insinuar se pode transportar para este Reino, quando quizer, mas não entrar em Emprego algum, sem nova ordem da mesma Senhora. Deus Guarde a V. Ex. Palacio de Nossa Senhora da Ajuda, em 25 de abril de 1777. Martino de Mello Castro. Sr. Marquez do Lavradio.66

Como se observa, na ordem de soltura enviada ao Vice-rei, o ministro acenava com a possibilidade de que Mascarenhas Pacheco pudesse voltar ao Reino, mas impedia que ele fosse reincorporado ao serviço da coroa. De fato, começam imediatamente os preparativos para o seu retorno a Portugal, mas não sozinho, pois em seguida tiveram início as gestões para que Elias Alexandre também seguisse para a Europa. A partir deste período é possível acompanhar um padrão específico na escrita de Silva Correia: o de eterno credor de mercês da coroa. Em seus constantes requerimentos, ou mesmo em suas obras com pretensões literárias, ele se encarrega de propalar os próprios méritos para, em seguida, apresentar a conta. “Na ocasião em que os Espanhóis atacaram a Ilha de Santa Catarina se houve o suplicante Com valor e zelo”,67 o que tê-lo-ia colocado na posição de credor da mercê régia. Esta era a sua expectativa e com base nela solicitou

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65 Concordo com a noção que hoje predomina na historiografia, de que a viradeira não representou uma ruptura com a maioria das políticas pombalinas. Todavia, não podemos esquecer que houve um rearranjo na alta cúpula de governo, com a anistia de alguns personagens e a queda em desgraça de outros tantos. 66 Apud GUALBERTO, op. cit., p. 190. 67 AHU, Angola, Caixa 65, D59. Documento 010.

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licença de um ano para ir a Lisboa continuar os estudos e tratar de outros assuntos privados, ou seja, acompanhar Mascarenhas. A autorização foi assinada em Portugal em novembro de 1778.68 Aqui há um problema em relação a datas, pois Elias já se achava em Lisboa desde 24 de outubro de 1778. Isto pressupõe alguma forma de permissão anterior dada por alguém do mais alto escalão administrativo. Embora não haja menções a respeito na documentação disponível, necessariamente deve-se considerar que sem a mão do Marquês do Lavradio o deslocamento à sede do império teria sido impossível.

A nau dos mortos-vivos Silva Corrêa descreveu os detalhes de sua viagem entre o Rio de Janeiro e Lisboa numa obra intitulada Relação ou notícia particular da infeliz viagem da náo de Sua Magestade Fidelissima, Nossa Senhora da Ajuda e São Pedro de Alcantara69, interessante opúsculo que traz muitos detalhes sobre a travessia do Atlântico no século XVIII. Trata-se, na realidade, de uma versão tardia dos relatos de tragédias navais que, desde o século XVI, tornaram-se populares em Portugal, ganhando a condição de gênero literário autônomo.70 O interesse por esse tipo de narrativa fora reavivado com a publicação, entre 1735 e 1736, da coletânea organizada por Bernardo Gomes de Brito, sob o título de História Trágico-Marítima.71

68 AHU, Santa Catarina, Caixa 4, D278. Documento 006. 69 SILVA, Elias Alexandre e. Relação ou notícia particular da infeliz viagem da náo de Sua Magestade Fidelissima, Nossa Senhora da Ajuda e São Pedro de Alcântara, do Rio de Janeiro para a Cidade de Lisboa neste presente anno. Lisboa: Regia Officina Typografica, 1778. Documento 110. A mencionada nau também foi usada na careira da Índia. Ver LAPA, José Roberto do Amaral. A Bahia e a carreira da Índia. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1968. p. 341. 70 Ver VELOSO, Mariza. Leituras Brasileiras; Itinerários no Pensamento Social e na Literatura. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1999. 71 BRITO, Bernardo Gomes de. Historia Tragico-Maritima; Em que se escrevem chronologicamente os Naufragios que tiverão as Naos de Portugal, depois que se poz em exercicio a Navegação da India. Lisboa: Congregação do Orotorio, 1735-1736.

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Em mais de um momento, Elias Alexandre buscou caracterizar-se como leitor voraz: “Os livros me prestão ferteis encantos de q’ a imaginação se nutre”, diria.72 Em sua biblioteca, ou mais provavelmente na do conselheiro Mascarenhas, deveria constar a obra de Gomes de Brito, ou, se não, reedições de cordéis com esta modalidade de narrativa. Na Relação da infeliz viagem da nau Ajuda, até o título remete aos cordéis quinhentistas de naufrágios. A estrutura da obra reproduz, exatamente, o padrão textual de tais narrativas. Há uma parte introdutória, em que o autor se apresenta e explica o porquê da viagem e da publicação do relato. A seguir, desenrola-se a descrição da viagem propriamente dita, na qual estão inseridas as sucessivas catástrofes que se abateram sobre a nau. É nesta parte que ganha força o ritmo deste padrão literário português, típico dos séculos XVI e XVII, em que se alternam acelerações e acalmias, tal como no fluxo marinho. “Os grandes, e desordenados balanços, que de cada vez ameaçavão a morte, fazião não poderem socegar os móveis, que misturados com a gente, se despedaçavão nas amuradas”, relatava Elias.73 Maria Angélica Madeira sintetiza extremamente bem esta modalidade literária. Se a primeira seqüência do relato preocupa-se em fornecer informações sobre a conjuntura política, ora de Portugal ora das colônias, sobre o tempo e alguma circunstância especial na partida, sobre a formação da armada e seus dirigentes, a seqüência seguinte - a tempestade e o naufrágio - apresenta-se como dotada das estratégias do discurso ficcional, altamente estilizado, codificado, o que leva o leitor a ter a consciência de estar lidando com uma convenção literária forte e arcaica do medo e da morte. De fato, o caráter repetido e seriado desse fragmento levou-me à constatação de que se trata de um dos tropos retóricos mais tradicionais e elevados da literatura ocidental, constando da ekphrasis dos oradores gregos. A fórmula da descrição compreende: a leitura de sinais da natureza que prepara a seqüência da tempestade; a luta entre os elementos - a “discórdia elementar”; a luta do barco contra os ventos e as ondas; o desastre e outros trabalhos; o naufrágio: a morte da nau que, em geral, quebra-se antes

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72 HA, v. 1, p. 16. Documento 111, p. 286. 73 SILVA, Relação, p. 40. Documento 110, p. 262.

de ir ao fundo; cenas de afogamento e morte; salvamento em alguma praia deserta ou pântano.74

No caso da Ajuda não houve um naufrágio propriamente dito e a nau, destroçada, chegou a Lisboa. O texto termina com uma outra fórmula usual, descrevendo a tripulação, em procissão de pés descalços, dirigir-se à igreja de Santos-o-Velho para entregar a vela grande prometida a Nossa Senhora da Bonança, caso o navio fosse poupado. Para além da percepção do vínculo com o padrão geral da literatura sobre catástrofes marítimas, o opúsculo de Elias Alexandre pode ser abordado segundo um outro aspecto que é frequentemente negligenciado pelos estudiosos. Ele nos mostra que estas viagens transcontinentais eram momentos privilegiados de interação do oficialato civil, religioso e militar. Para que se tenha uma ideia, no caso em questão foram 216 dias de viagem entre o Rio de Janeiro e Lisboa. Deste total, 157 gastos na travessia propriamente dita, entre Salvador e a capital do império. Mais de meio ano, portanto, de convívio intenso, o que levava ao estabelecimento de laços de amizade e, muitas vezes, de inimizade. A publicação deste pequeno livro por Silva Correia insere-se claramente na sua estratégia pessoal de ascender rapidamente na carreira militar. Novamente o uso do livro como um instrumento para fins determinados, como era próprio da época. Com o propósito de agradar a certas camadas estratégicas, ele não deixa de citar nominalmente todas as pessoas de alguma importância com quem manteve contato. Quando descreve sua permanência em Salvador, busca insinuar proximidade com as figuras mais destacadas que então se encontravam na cidade: o governador da Bahia, Manuel da Cunha Menezes; seu irmão recém-nomeado governador de Goiás, Luís da Cunha Menezes; o governador cessante de Goiás, José de Almeida Vasconcelos Soveral de Carvalho, futuro barão de Mossâmedes e visconde da Lapa; e José de Vasconcelos de Almeida, nomeado governador de Moçambique. A sua estratégia de pôr-se no texto familiarmente

74 MADEIRA, Maria Angélica. Notícia sobre a História Trágico-Marítima. Biblioteca on-line de Ciências da Comunicação. Disponível em: .

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com seus superiores hierárquicos pode ser percebida exemplarmente em alguns segmentos, como o da narração do embarque para Lisboa: No dia assima dito [27 de julho de 1778], e determinado embarcárão pelas nove horas da manhã, no Escaler do Governo, o sobredito General Almeida, o Conselheiro Macarenhas, o reverendo Padre Manoel da Cunha Pacheco, e o Alferes Elias Alexandre e Silva, accompanhando-os os dous Illustrissimos Irmãos Generaes desta Capitanía, e da de Goyaz, concorrendo a maior parte da Nobreza da Terra, de que muitas pessoas se achárão á meza, que muito bem servida, e igualmente delicada deo o Commandante da Náo a horas de jantar.75

Elias e o Conselheiro deveriam ter ido diretamente do Rio para Lisboa, no navio Prazeres. No entanto, haviam trocado de embarcação no Rio de Janeiro, para a nau Ajuda, com o intuito de permitir que José Mascarenhas se encontrasse em Salvador com José de Seabra da Silva, seu amigo de infância, que ali aportara proveniente de Angola. Ao chegarem à Bahia, souberam porém que Seabra já havia partido em frota armada pelos comerciantes da cidade. Se o plano tivesse dado certo, a Ajuda teria sido uma espécie de nau do retorno dos mortos-vivos. Entre os mais famosos exilados pombalinos constavam, justamente, José de Seabra da Silva e o conselheiro José Mascarenhas Pacheco Pereira Coelho de Melo. Além da narrativa de viagem, Elias aproveitou o opúsculo para publicar uma ode em homenagem o conselheiro, a qual era assinada por um “Anonymo amante da Patria”. 76 Não se fatigue a débil fantasia: O Nome, o grande Nome, já se entoa Do Famoso Pacheco: a monarquia Alegre o apregoa Cidadão Immortal; e não se esquece Das Coroas triunfaes, que lhe offerece.

Não foi a Mascarenhas Pacheco, no entanto, que Elias Alexandre dedicou seu livro, mas a José Seabra da Silva, uma das figuras centrais do go48

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75 SILVA, Relação, p. 16. Documento 110, p. 249. 76 SILVA, Relação, p.67-72. Documento 110, p. 279.

verno de Pombal e o mais famoso dos seus desterrados.77 Nunca se soube exatamente o motivo de sua repentina desgraça. Suspeita-se que tivesse tomado conhecimento de um plano armado por Pombal e D. José para tirar D. Maria da linha sucessória, passando a coroa diretamente a D. José, neto do rei. Teria deixado vazar informações a respeito e acabou preso e condenado ao exílio em Pungo-A-Ndongo, em Angola. Para um europeu, isto equivalia à pena de morte, dada a insalubridade do clima da região. Todavia, Seabra sobreviveu e, após indultado, voltaria ao alto escalão do governo. Em 1783, foi nomeado para presidir o Tribunal da Junta do Código78, responsável por atualizar as Ordenações, tornando-se Ministro do Reino, em 1788.

As delícias da Corte São poucos os rastros documentais da presença de Elias da Silva Correia em Portugal. Contudo, quando escreveu sua História de Angola, ele próprio se encarregou de fazer uma breve apreciação deste período de sua vida. Nascendo Americano Portuguez por hum effeito aventureiro, q’ conduzio meus Pays da Europa áquelle distante clima, aonde o Comercio desta Costa tem espalhado a triste noticia da assolação, que aqui padece a humanidade, me nutri, desde o berço, do horror q’ communica este fronteiro conthinente: Com tudo: A existencia de 4 annos em Lisbôa, escoada docemente á vista dos amados Soberanos, a q.m a fiel, e san educação paternal me havião feito consagrar-lhes a pureza do meu amor, respeito, & Lealdade: as delicias da Corte: Custumes mais polidos, & sadios, q’ ao mesmo tempo me encantavão os olhoz; & alimentavão o pençamento; me fizerão conceber os dez.os de servir aos Soberanos, & a Patria entre povos desconhecidos, cujos custumes pertendia analyzar com os que já havia visto. O officio militar me abria a estrada para ir ao cumplemento do meu doble dezígnio / isto hé /; instruirme do mundo; & adquirir no Servisso Real o accesso dos postos, & estimação dos homens condecoradoz, & bem nascidos; &

77 Sobre a relação entre clientelismo e dedicação de livros no período, ver: DENIPOTI, Cláudio e PEREIRA, Magnus Roberto de Mello. D. João e a Casa Literária do Arco do Cego (1799-1801). História Unisinos, v. 17, 2013. p. 255-269. 78 BME, CXXVII, 2 – 4. Documento 053.

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assim me dava a esperança de subir a hum bem somente imaginado; a pezar do cruel sofrimento de hum mal assaz sabido.79

Traduzindo livremente seu linguajar um tanto pretensioso, podemos dizer que Correia buscava caracterizar-se como “um bom e leal português” que nascera no Brasil por mero acaso, devido a “um efeito aventureiro” da vida dos pais, apresentando a sua estada em Portugal como um retorno à pátria original. Durante os 4 anos em que viveu em Portugal, Elias não recebia soldo e nem contava tempo de serviço na carreira militar, conforme estabelecido em sua licença. Não se sabe, portanto, com que recursos viveu “as delícias da Corte”. Na época, o conselheiro aparentemente lutava por obter uma reparação pelos longos anos de cárcere. Todavia, pode-se imaginar que ambos recebessem algum tipo de suporte da rede de parentela e amizades de Mascarenhas Pacheco, como era próprio nas sociedades clientelares do Antigo Regime. O conselheiro parecia vagar de uma quinta a outra, ora na de sua irmã, ora na de algum amigo. Elias, por vezes, aparece circulando neste mesmo ambiente. Na correspondência a Cenáculo, percebe-se que Mascarenhas agia como mentor da carreira de Silva Correia. O seu propósito era conseguir a transferência do protegido para Portugal em definitivo. No entanto, apareceu uma proposta vantajosa para que ele fosse para Angola. Conta o conselheiro, que a iniciativa coube ao ministro Martinho de Melo e Castro, que teria mandado Pedro Álvares de Andrade convidar Elias.80 Se aceitasse, ele seria promovido a capitão, no posto de Sargento-mor de Luanda. Após seis anos na África, poderia retornar ao Brasil, mantendo a sua patente de capitão. Quase nas vésperas do embarque para Angola, Mascarenhas Pacheco descobriu que seu pupilo poderia obter as mesmas promoções, no mesmo prazo, sem a necessidade de servir na África. Apesar disto, Silva Correia, teria optado pelo serviço militar em Angola, o que o conselheiro atribuiu a um “caso de brio”.81 Ou seja, a separação entre ambos não ocorreu por necessidade mas por um ato de vontade do militar. Consolado com a partida de Elias Alexandre, Mascarenhas

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79 HA, v. 1, p. 14. Documento 111, p. 285. 80 BME, CXXVII, 2 -4, Nº 3065. Documento 041. 81 BME, CXXVII, 2 -4, Nº 3065. Documento 041.

pediria a Cenáculo que usasse sua rede de influência para obter proteção para seu protegido. O comandante do navio para Angola era um dos filhos da Condessa de Ficalho, Isabel Josefa de Breyner, a quem pedia que intercedesse para que Elias recebesse “um bom cômodo e distinção na viagem” e todos os favorecimentos possíveis no Rio de Janeiro, por onde passaria o navio, e em Luanda. Pedia também que fosse feito esforço para aproximar Silva Correia dos futuros governantes de Angola, que seguiam na mesma nau. Insistia com o amigo Bispo que os favores a Elias eram como que os feitos ao próprio Mascarenhas: “Suponha VExa meu S.r que Sou Eu mesmo o qe vou embarcado pa emgola”.82

No Serviço Real o acesso dos postos83 O propósito explícito de Elias Alexandre era galgar postos na carreira militar, e para isso contava com a ‘assessoria’ do conselheiro, mas é preciso ressalvar que ele não era um dissimulado. O único reparo que podemos fazer as suas declarações sobre essa questão diz respeito à ordem das coisas. Afirmava pretender “adquirir no Serviço Real o acesso dos postos, & estimação dos homens condecorados, & bem nascidos”. Toda a documentação mostra que havia uma inversão de ordem em seu modus operandi. Ele foi um bajulador de homens “bem nascidos”, buscando-lhes a estimação com vista ao “acesso dos postos”. No entanto, a abordagem deste tipo de padrão de comportamento não tem por objetivo discutir supostas falhas de caráter em um indivíduo específico, estigmatizando-o. A adulatio era, de fato, de um padrão corrente nas relações patrono-cliente em que as pessoas da época estavam imersas.84 O que 82 Idem. 83 O presente segmento é uma versão corrigida de meu artigo PEREIRA, Magnus Roberto de Mello. Rede de mercês e carreira: o “Desterro d’Angola” de um militar luso -brasileiro (1782-1789). História: Questões & Debates, n. 45, p. 97-127, 2006. Quando o escrevi, meu foco era a História de Angola. Na época, tinha apenas um vago conhecimento daquilo que imaginava ser um suposto vínculo entre Elias Alexandre da Silva Correia e o conselheiro Mascarenhas Pacheco. Dei, portanto, pouco valor ao fato, um engano que procurei corrigir no presente texto. 84 HESPANHA, António Manuel. La Gracia del Derecho; Economía de la cultura en la Edad Moderna. Madrid: Centro de Estudios Constitucionales, 1993. p. 169.

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nos interessa é analisar, a partir deste caso específico, alguns aspectos da carreira da camada militar à qual ele pertencia. Por tratar-se de um letrado, Elias Alexandre da Silva Corrêa legou um conjunto de documentos que facilitam a tarefa. A circulação intercolonial do alto oficialato régio já vem chamando a atenção de alguns historiadores. Personagens mencionados por Elias, tais como os governadores Manuel da Cunha Menezes, seu irmão Luís da Cunha Menezes ou José de Almeida Vasconcelos Soveral de Carvalho, faziam parte de certos agregados familiares da nobreza portuguesa, a quem era entregue a administração das colônias. Ora governavam uma capitania da América, ora da África. Aqueles que se destacavam, ou sobreviviam, já que a mortalidade deles no ultramar era altíssima, podiam aspirar a se tornarem vice-reis do Brasil ou da Índia, ou a atuarem no Conselho Ultramarino ou na Casa de Suplicação de Lisboa, ou, ainda, a ocuparem altos cargos no governo do reino. Estudando a administração colonial portuguesa, a historiadora Maria de Fátima Silva Gouvêa sintetizou situações deste tipo: O conhecimento acumulado nos diferentes estágios desse exercício administrativo consubstanciou uma forma singular de governar o Império. De um lado constituia-se uma elite imperial, recrutada no interior da alta nobreza, cujos grupos familiares vinham dando provas de uma íntima associação com a Coroa na implementação e defesa de sua soberania em ocasiões chave como a Restauração portuguesa. Davam provas de sua dedicação par com os interesses mais caros da nova dinastia, disponibilizando recursos de suas casas, constituindo laços entre si. Definia-se, dessa forma, um núcleo mais coeso de interesses em redor da governabilidade imperial portuguesa. De outro, consubstanciava-se um conjunto de estratégias, bem como uma memória, dedicadas ao exercício desse governo, viabilizadas pelo acúmulo de informações e pela constituição de uma visão mais alargada do Império como um todo, ambos produzidos pela circulação desses homens nos altos postos administrativos nas regiões ultramarinas.85

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85 GOUVÊA, Maria de Fátima. Poder político e administração na formação do complexo atlântico português (1654-1808). In: FRAGOSO, João; BICALHO, Maria Fernanda; GOUVÊA, Maria de Fátima. (Org.). O Antigo Regime nos trópicos: a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001. p. 308.

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Este raciocínio descreve com perfeição a forma de atuar dos integrantes da elite governativa. Elias, de alguma forma, fazia parte deste grupo, já que o conselheiro dele participava. No entanto, a sua condição de ilegítimo ou de simples pupilo limitava o alcance de suas pretensões, uma vez que isto o rebaixava na hierarquia social portuguesa. A sua forma de agir nos dá, portanto, algumas pistas para abordarmos outros grupos participantes da gestão do império, mas que ocupavam posições inferiores. Era o caso de certos letrados (administrativos, judiciários e religiosos) que integravam uma crescente burocracia colonial. Era, também, o caso de muitos militares. Com a elite governante, esses segmentos sociais compartilhavam da circulação intercolonial e, em decorrência da mesma, a visão alargada de império apontada por Gouvêa (2001). Tenho mencionado, em outras ocasiões, o exemplo de um militar de Goa, o qual, tal como Elias Alexandre, buscava ascender na carreira. Declarava-se estar disposto a ser transferido para Moçambique ou para Minas Gerais, se necessário. Situações como estas dão-nos algumas pistas para a compreensão do quadro mental/espacial desta camada do oficialato colonial. Todavia, se ela compartilhava da visão alargada do império, era desprovida do poder de que estavam investidos religiosos e letrados, em especial aqueles que desempenhavam funções judiciárias. Uma vez que estavam secularmente assentados na administração, estes últimos costumavam zelar, ao limite da insanidade, por suas parcelas de poder e pelos benefícios delas advindos, não hesitando em entrar em conflito aberto com a nobreza que ocupava os altos cargos de governo. O ouvidor de Benguela, Rafael José de Souza Corrêa Melo, outro brasileiro que naquele momento estava em serviço em Angola, não hesitava em apontar o dedo acusador a esses agregados familiares que dominavam os altos cargos coloniais. Os Condutores do Governo das Colônias, em comum, deveriam ter mais instrução, e virtudes políticas, maiores conhecimentos públicos. Os Governadores deveriam ter se habilitado para estas comissões delicadas com outras mais lições que as dos seus títulos dominiais, e genealógicos. Quem, sem culpa ignorasse perfeitamente seu segundo Avô, e não ignorasse o jogo dos Interesses públicos os expedientes vantajosos da sua Nação, e enfim, a parte mais útil da Filosofia prática, acomodada a um sistema de Governo; ajuntando ainda o maior

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dom da Natureza, um coração modesto, deveria disputar estes empregos, e mesmo preferir para eles a uma dura estupidez ilustre.86

Já os militares que ocupavam os postos baixos e intermediários constituíam um caso especial, uma vez que não contavam com a parcela de reconhecimento e poder que a tradição conferira aos letrados e religiosos. A inserção dessas pessoas na estrutura militar era bastante complexa. A carreira das armas era tanto o lugar de criminosos e de condenados ao exílio,87 como o espaço tradicional da nobreza. A meritocracia, à qual aspiravam figuras como Elias, funcionava até certo patamar. Em outro nível, a corporação reproduzia a rigidez da estrutura social do Antigo Regime. Veja-se, por exemplo, o caso do tenente do mar Francisco de Souza Coutinho, que participou nas operações militares de Cabinda, junto com Silva Correia. Tratava-se simplesmente de um dos filhos de D. Francisco Inocêncio de Souza Coutinho, ex-governador de Angola. Era, portanto, irmão de D. Rodrigo de Souza Coutinho, futuro administrador máximo do império colonial. Mais uns anos (1789) e D. Francisco Custódio assumiria o governo da capitania do Pará. Elias Correia jamais poderia aspirar a uma carreira semelhante. Para conseguir que os seus méritos fossem recompensados, aqueles que não provinham de famílias ilustres ou contra os quais pesavam outros ‘defeitos’ de origem, como a bastardia, precisavam construir vínculos com as redes parentais da elite governante. Os historiadores anglo-saxões Thornton & Miller, referindo-se à História de Angola diriam que “o seu manuscrito deve, assim, num certo sentido, representar uma das mais longas e elaboradas petições ao favor real jamais dirigidas à corte de Lisboa”.88 Os mesmos historiadores acusam os catálogos de governadores de Angola, categoria na qual se insere

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86 MELO, Rafael José de Souza Correa. Memória. 1786. AHU. Angola, cx. 71, D60. Sobre este ouvidor ver GONÇALVES, Patrícia Bertolini. Iluminismo e administração colonial; Angola vista por brasileiros no século XVIII. In: PEREIRA, Magnus R. de M. et al. (Orgs.). VI Jornada Setecentista; Conferências & comunicações. Curitiba: Aos Quatro Ventos, 2006. p. 481-490. 87 A “escórea da plebe desterrada”, nas palavras de Elias. HA, v. 1, p. 15. Documento 111, p. 280. 88 THORNTON; MILLER, op. cit., p. 27.

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parte da história escrita por Elias Alexandre, de serem “interpretações grosseiras próximas da distorção aberta e elogios hagiográficos de protetores aristocratas feitos por humildes e suplicantes”.89 A historiografia mais recente tem reagido a este tipo de abordagem acusatória apropriando-se de algumas noções derivadas de um ensaio do antropólogo Marcel Mauss90, dos anos 1920. Categorias como dom, dádiva ou mercê vêm sendo utilizadas para explicar alguns mecanismos internos do funcionamento de certas sociedades não-contemporâneas, entre elas a do Antigo Regime europeu.91 Pedir, conceder ou receber mercês, não eram ações isoladas ou distorções, mas atos que se inseriam em cadeias de obrigações recíprocas inerentes ao próprio funcionamento daquelas sociedades. Estudando as ordens militares lusas, a historiadora Fernanda Olival pensou Portugal do Antigo Regime como uma cadeia de mercês.92

89 THORNTON; MILLER, op. cit., p. 54. Em outro momento, brinquei com este mesmo fragmento apontando que se tratava de um comentário anglo-saxão sobre o “outro”: o agente colonial latino. Isto porque esses autores se esquecem (ou desconhecem) que esses documentos coloniais portugueses, que foram alvo deste tipo de abordagem valorativa, possuem as mesmas características dos textos de mesma natureza produzidos nos demais países europeus do período. Ver PEREIRA, Magnus Roberto de Mello. Brasileiros a serviço do Império; a África vista por naturais do Brasil, no século XVIII. Revista Portuguesa de História, Coimbra, v. 33, p. 153-190, 1999. 90 MAUSS, Marcel. Ensaio sobre a dádiva. Lisboa: Edições 70, 1988. 91 O economista Karl Polanyi já chamava atenção, na década de 1940, para o fato de que o liberalismo econômico do século XIX construiu um mito historiográfico sobre o mercado que nos levou a acreditar que a compreensão das economias dito primitivas era irrelevante para o entendimento das “motivações e mecanismos das sociedades civilizadas”. p. 64-65. Ele atribui a Weber o pioneirismo desta crítica à historia da economia. Polany se refere a uma teoria do dom “a longo prazo, todas as obrigações sociais são reciprocas, e seu cumprimento serve melhor aos interesses individuais de dar-e-receber”. (p. 66). Todavia, seus raciocínios não são derivados da leitura de Mauss, mas de outros antropólogos – Malinowski e Thurnwald. POLANIY, Karl. A grande transformação. Rio de Janeiro, Campus, 2000. Mais recentemente a historiadora Natalie Z. Davis popularizou o tema na historiografia anglo-saxã. Ver: DAVIS, Natalie Zemon. The gift in sixteenth-century France. Madison: The University of Wisconsin Press, 2000. 92 OLIVAL, Fernada. Um rei e um reino que viviam da mercê. In: _____. As ordens militares e o estado moderno; Honra, mercê e venalidade em Portugal (1641-1789). Lisboa: Estar, 2001. p. 15-38.

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O desterro d’Angola A ida de Alexandre Elias da Silva Correia para Angola, como voluntário, insere-se na lógica de sua busca de ascensão na carreira militar. Como já foi visto, ele ficaria definitivamente com o posto de capitão após 6 anos de serviço na África.93 Todavia, ele pretendia mais e apresentou requerimento, anexando histórico de seus serviços, solicitando o posto de Sargento-mor do 1º Regimento de Angola.94 Não foi atendido em suas pretensões. A falta de retribuição imediata de seu suposto sacrifício, o qual tê-lo-ia colocado na condição de credor de uma mercê, fez com que Silva Correia se sentisse injustiçado. Iniciava-se desfavoravelmente “O desterro d’Angola, q’ tanto se fás sensivel, quanto hé mais extenso”.95

Luanda em 175596

Elias dirigiu-se àquela porção africana do Império Colonial Português num momento da conjuntura regional que a historiografia indica ser particularmente delicado. Tal como ocorrera no Brasil, a baixíssima presença feminina entre os colonos portugueses, criara na África elites coloniais mestiças. Segundo Thornton e Miller:

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93 AHU, Angola, Caixa 65, D66 e em diversos outros documentos. Documento 011. 94 AHU, Angola, Caixa 65, D59. Documento 010. 95 HA, v. 1, p. 13. Documento 111, p. 284. 96 MENEZES, Guilherme Joaquim Pais de. Vista de parte da Cidade de S. Paulo de Assumpcão do Reyno de Angola, terminada entre as Igrejas, Fortificaçoens, e mais partes seguintes, 1775. AHU, Col. Cartografia, Ms.VII CM. Nº256/257.

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estes “portugueses” angolanos ou luso-africanos, eram comerciantes de escravos, contrabandistas, ocupavam cargos médios e baixos na burocracia civil, militar e eclesiástica da colônia, e constituíam o equivalente mais próximo de uma aristocracia agrária local. Em certo sentido eram uma comunidade à parte, formada pelos residentes nativos de pele morena da colônia...97

Ideologicamente, a elite luso-angolana construiu em sua autoimagem a noção de que Angola era um lugar de feitos de armas, tal como as colônias do Oriente. Seus integrantes eram, portanto, guerreiros conquistadores. Na prática, no século XVIII, eles ainda se mantinham vinculados a atividades militares, por conta do tráfico de escravos, sua razão econômica de ser. Alguns historiadores consideram que, desde a metade do setecentos, a coroa dedicava-se a tentar reduzir os poderes desta elite local mestiça. Se pensarmos que estava em curso uma tendência geral de centralização administrativa, própria do iluminismo em geral e mais particularmente em países governados por déspotas esclarecidos, como era o caso de Portugal, não há como negar o fenômeno das tentativas de diminuição de poderes das elites locais em geral, fossem das colônias, fossem da metrópole. De fato, no nível dos discursos dos governadores e outros altos funcionários, observa-se um conjunto de propostas e mesmo de práticas que tendencialmente apontam nessa direção. Todavia, existem diversas questões que permanecem abertas. A primeira, diz respeito a se, de fato, houve uma política coerente e explícita nesta direção. Thornton & Miller consideram como evento decisivo neste processo de substituição das elites luandenses por quadros mercantilistas a deposição do clã local do coronel João Monteiro de Morais, nomeando portugueses em seu lugar. A Monteiro costuma ser atribuída uma das principais versões dos catálogos de governadores de Angola. A historiadora Catarina Madeira Santos procurou entender a segunda metade do século XVIII, períodos josefino e mariano, como o momento em que se assiste a uma espécie de reinvenção da elite instalada em Luanda.

97 THORNTON; MILLER, op. cit., p. 15.

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A verdade é que, no gabinete pombalino, se projectou converter Angola numa colónia de povoamento, em tudo semelhante ao Brasil, tendo para isso sido desencadeado um conjunto muito completo de reformas, incluindo uma reeducação e reconversão sociais. A injecção de novos elementos nos quadros da administração, engenheiros e militares de carreira; a fundação da Aula de Geometria e Fortificação, em Luanda, no ano de 1769, visando a formação de jovens engenheiros, brancos e mulatos; a circulação de objectos culturais, livros, panfletos e cartas pelas vias atlânticas; e a vulgarização de novos instrumentos intelectuais e quadros mentais, desencadearam a produção de argumentos e objectos culturais originais. A elite parece confundir-se com a geração – a geração de 60 – uma vez que, sob o ponto de vista ideológico, e apesar de todas as formas de “bricolage” engendradas ao nível individual, se verificam fracturas abruptas no discurso. 98

Mesmo que concordemos com este ponto de vista, fica ainda por esclarecer se o que observamos é uma “política” coerente. Isto porque sabemos que uma coisa são os discursos de cunho iluminista dos governadores de Angola, desde D. Francisco Inocêncio Souza Coutinho, outra, é a posição de Martinho de Mello e Castro, que ocupou ininterruptamente a Secretaria de Estado dos Negócios da Marinha e Ultramar, entre 1770 e 1795. Sua política para Angola, se é que se pode falar nesses termos, defendia um realismo rasteiro. Ele fazia pouquíssimo caso das propostas modernizantes dos governadores coloniais. Mesmo o governo ilustrado de D. Francisco Inocêncio de Souza Coutinho era visto com reservas.99 Ele chamou de “quimérica empresa” a tentativa de criar uma fundição de ferro em Nova Oeiras.100

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98 SANTOS, Catarina Madeira. A Geração de 1760 em Angola: entre dois mundos, uma identidade em gestação (1750-c.1800). Ver resumo em: . 99 Desde os seus períodos de governo, Francisco Inocêncio, em Angola, e o Morgado de Mateus, em São Paulo, tornaram-se figuras paradigmáticas de governadores coloniais esclarecidos. Interessante notar que ambos envolveram-se em projetos de estabelecer fundições. No século XX, o principal responsável pela atualização do mito Souza Coutinho foi DELGADO, Ralph. O governo de Souza Coutinho em Angola. Stvdia, n. 6, p. 19-56. jul.1960; e n. 7, p. 49-86. jan.1961. 100 Ver AMORIM, Maria Adelina. A Real Fábrica de Ferro de Nova Oeiras. Clio, v. 9, p. 189-216, 2003.

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e segurando o dito Sargento Mor, que deste Estabelecimento revoltariam as maiores vantagens, as quais igualmente asseveravam os Ofícios de Dom Francisco Inocêncio; e com estas persuasões, se lhe mandaram dar aqui todos os Instrumentos, Ferramentas, e Materiais que julgou necessários: tomaram-se Oficiais Fundidores, Ferreiros, e de outros Ofícios, para irem com ele, deu-se-lhe enfim tudo o mais que lhe padeceu pedir para o dito Estabelecimento, e tudo metido a bordo de uma Nau de Guerra, partiu deste porto à testa de toda esta condução: o resultado porem dela, foi uma grande e inútil Despesa feita pela Real Fazenda; e a impraticabilidade de se formar em Angola o dito Estabelecimento, pelas dificuldades que se encontravam na sua execução, o que se devia ter previsto, e examinado antes que ele se prepusesse;

Percebe-se que ele procurou livrar D. Francisco Inocêncio, jogando a culpa nas costas do sargento-mor Manuel Antônio Tavares, emissário e braço direito do Governador e o autor de outra versão dos catálogos de governadores de Angola. Entretanto, o texto deixa claro que Melo e Casto considerava, não sem razão, que a tentativa de estabelecer uma fundição em Angola tinha sido um ato de voluntarismo mal planejado. Comentando uma carta em que o governador Mossâmedes dizia que a gente da Madeira, do Alentejo e do Algarve não prestava para a colonização, o ministro aproveita para deixar explícitas e marcadas as suas posições conservadoras: [...] é com Gente da Ilha da Madeira, com a que se manda do Brasil, como foram duas Companhias, uma de Artilharia, outra de Infantaria, alem dos Sentenciados a Degredo; e com os que também daqui vão degradados; e os Naturais Brancos, Pardos e Pretos do País, sempre se povoou, sustentou, e defendeu esta Conquista.

Resumidamente, ele considerava que Angola sempre fora assim e assim deveria continuar. Isto não é exatamente a fala de alguém que pretende reinventar a elite angolana, transformando a colônia em algo semelhante ao Brasil. Deste modo, fica difícil sustentar a ideia de que a nomeação de Elias Alexandre da Silva Correia deu-se num momento de substituição dos quadros da elite local, como defendem Thornton e Miller ou como se pode inferir de Madeira Santos. É fato que a mesma documentação que indicava a provisão do oficial luso-brasileiro determinava a aposentadoria compulsória do coronel João

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Monteiro de Morais, dos seus filhos, os capitães Nuno Monteiro de Morais e Joaquim Monteiro de Morais, e mais a do seu ajudante de ordem o tenente-coronel João Miguel Ornelas de Vasconcelos, do capitão de cavalaria Antonio de Basto Teixeira e do tenente de cavalaria Manoel Pereira Basto. A razia continuava com a ordem de dar baixa, sem provento, ao tenente de infantaria Manoel de Ornelas e Vasconcelos, ao alferes granadeiro Antônio Matoso de Andrade e ao alferes Feliciano José de Almeida Araújo. Simultaneamente, eram providos nos cargos de comando diversos oficiais enviados de Lisboa, entre os quais Elias Alexandre, no posto de ajudante do Regimento de Infantaria, com a patente de capitão.101 O documento nomina todo um clã da elite local luso-angolana que havia entrado em desgraça, por algum motivo específico que desconhecemos. Este tipo de situação não era incomum e se reproduzia por todo o Império, sem que possamos afirmar categoricamente que estivesse em curso uma política geral de substituição de elites. É mais plausível que estivesse em curso uma das constantes batalhas entre agentes da coroa e elites coloniais que eram provocadas pelos mais diversos motivos, que iam da antipatia pessoal, passava pela disputa de poder e, mais frequentemente, tinham por pano de fundo a participação no botim colonial, fosse ele obtido na legalidade ou na ilegalidade, diga-se, corrupção e contrabando. Veja-se o exemplo de conflitos deste tipo em São Tomé e em Cabo Verde que acabaram na condenação à pena de morte e execução de parte da elite local.102 Pouco tempo depois, sobreviventes desses mesmos clãs voltavam a receber benesses variadas da coroa, inclusive altos cargos de governo. No caso em questão, a coroa agiu com brandura, limitando-se a demitir alguns integrantes da elite angolana de seus cargos na milícia. No entanto, esta notícia chegou a Luanda no momento mais impróprio possível. Morrera o governador José Gonçalo da Câmara Coutinho, que estivera em conflito aberto com este segmento da elite local angolana e era o responsável pelas demissões. Em seu lugar, havia assumido um triunvirato composto pelo bispo, pelo ouvidor e, justamente, pelo coronel João Monteiro de Morais.

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101 AHU, Angola, Caixa 65, D58. Documento 009. 102 Tratei alguns aspectos deste tipo de disputa em PEREIRA, Magnus Roberto de Mello. Um jovem naturalista num ninho de cobras, a trajetória de João da Silva Feijó em Cabo Verde em finais do século XVIII. História: Questões & Debates, n. 36, p. 29-60, 2002.

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Além de destituir todo o comando militar de Angola, a ordem vinda de Lisboa mandava prender o ouvidor. Do triunvirato, sobrava, portanto, apenas o bispo. Os outros dois integrantes foram substituídos pelo novo comandante militar, o coronel Pedro Álvares de Andrade, e pelo ouvidor Francisco Lobão Machado Peçanha, que chegaram a Luanda em “a 22 de Maio de 1783, e sem formalidades, entrarão no Governo de q’. o Escriptor sendo testemunha, adquirio bastante sustancia para nutrir a sua penna nos miudos detalhes”.103 Elias viajara com ambos, na fragata Graça, entre Lisboa e Luanda. No entanto, os esforços do conselheiro Mascarenhas, de aproximar seu pupilo dos novos mandatários de Angola não parecem ter surtido efeito. Os eventuais vínculos estabelecidos no trajeto não deram mostras de terem sido fortes o suficiente para levarem o militar a apresentar uma leitura favorável à atuação desses oficiais superiores em Angola. Isto, de certa forma, alivia a percepção que temos de que Silva Correia era um simples adulador “dos homens condecorados, & bem nascidos”. Havia, de fato, uma seleção em suas alianças. Não bastava ser superior hierárquico para contar com sua simpatia. Os integrantes do triunvirato que o acompanharam na viagem foram apresentados de maneira quase caricata. A pretensão do ouvidor era “figurar de erudito: não havia ciência, ou Arte, q’ lhe fosse desconhecida”. Já a mania do Coronel “era prodigalizar-se em tracto aparatozo”.104 Elias costuma ser apontado como um detrator da elite angolana. O historiador José Carlos Venâncio chega mesmo a referir-se a uma suposta “repulsa de Corrêa pela sociedade crioula”.105 No entanto, os capítulos da História de Angola em que trata do período em que ali viveu não são, exatamente, um libelo contra a elite regional. Ao contrário do que ocorre com seus superiores imediatos, Elias era até simpático a certos integrantes da elite angolana. O coronel João Monteiro de Morais, o patriarca militar deposto, foi tratado com brandura e sua participação no governo de Angola, com alguma simpatia. “O Coronel reduzido aos dictames de huma politica idoza, era civilmente compen103 HA, v. 2, p. 79. Documento 111, p. 608. 104 Idem. 105 VENÂNCIO, José Carlos. A economia de Luanda e hinterland no século XVIII; um estudo de sociologia histórica. Lisboa: Editorial Estampa, 1996. p. 30.

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çado: a sua probidade lhe atraia estimaçoens; e o parentesco de quase meia Cidade excitava a alegria em metade do Povo.”106 Demonstra-se um pouco consternado com a tragédia pessoal que se abateu sobre este alto representante da elite angolana, atribuindo a sua morte aos desaires sofridos naquele momento. “Recebendo duplicados golpes com o seu imprevisto destino, com o do Filho, e com o de alguns afeiçoados súbditos, faleceu destas penetrantes feridas”.107 Dois meses depois de ter chegado a Angola, Elias partiu com uma expedição enviada a Cabinda, com vistas a construir uma fortificação que deveria garantir o monopólio português do comércio de escravos na região. Estava em jogo o acesso à navegação do rio Congo. Esta foi uma das mais aparatosas campanhas militares portuguesas em Angola do final do século XVIII, e um dos mais retumbantes fracassos. Foram enviados, apenas nesta primeira leva, 5 embarcações com 380 militares, 10 cavalos e 26 canhões, além de 67 artífices e 116 negros serventes para construção e consertos do forte.108 É interessante perceber, em alguns detalhes do texto de Corrêa, o quanto estava longe a profissionalização dos efetivos militares. Conta Elias que “não houve um só oficial, que deixasse de levar um maço de miçangas para tentar alguma fortuna no Comércio”.109 Aquilo que era para ser uma breve campanha eternizou-se face à tática do Mambuco, o régulo da região, que se utilizou de ações contraditórias, que desconcertavam os portugueses, com vistas a impedir as suas pretensões. Era de interesse do régulo a manutenção do livre comércio negreiro. A expedição terminou melancolicamente em junho de 1784, quando o que sobrara das tropas portuguesas rendeu-se a uma recém chegada fragata francesa: “evacuarão os Portuguezes Cabinda socorridos por caridade com mantimentos: dietas: botica, e agoa, q’. lhes administrarão os Francezes [...]”.110 A seguir, os recém-

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106 HA, v. 2, p. 76. Documento 111, p. 607. 107 HA, v. 2, p. 78-79. Documento 111, p. 608. 108 HA, v. 2, p. 80. Documento 111, p. 609. 109 Idem. 110 HA, v. 2, p. 108. Documento 111, p. 632. Cabinda só se tornou protetorado português pelo tratado de Simambuco, de 1875.

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-chegados demoliram a fortaleza mal-começada e queimaram o acampamento português, com medo de contágio com a peste que ali grassava.111 Elias não assistiu pessoalmente os últimos lances da débâcle da malfadada expedição a Cabinda. Ele havia voltado a Luanda com o coronel e governador Pedro Álvares de Andrade, onde chegou em 1 de janeiro de 1783, após 10 dias de viagem por mar. 112 Depois deste início um tanto aventuresco, Elias permaneceu por longo período em Luanda. A sua condição de letrado levou-o quase que naturalmente a assumir a responsabilidade pela papelada de seu Regimento e a escrita do Livro Mestre para o governador Mossâmedes, tornando-se, portanto, um oficial vinculado à burocracia governativa.113 Este tipo de atividade garantiu-lhe o acesso à documentação de cunho militar e civil da colônia. A amizade pessoal com Joaquim José da Silva, naturalista da coroa e secretário de governo, deve ter-lhe franqueado o acesso ao acervo da Secretaria de Estado de Angola, o principal arquivo da colônia. A partir desta situação privilegiada, Elias Alexandre pode tomar contato com as fontes que permitiram a escrita de sua História de Angola, que em sua parte mais extensa é uma revisão dos Catálogos de Governadores, cuja escrita foi corrente naquela colônia.

A História de Angola Há uma diferença notável entre o Índico e o Atlântico, no que concerne à escrita da história nas colônias portuguesas. No Oriente, a coroa patrocinou a elaboração de grandes crônicas oficias, a exemplo do que, desde a Idade Média, ocorria em Portugal. Para que se tenha uma ideia da importância dada à escrita das histórias oficiais da presença portuguesa no Oriente, basta

111 Provavelmente era escorbuto e não a peste, como imaginaram os franceses. 112 Conta que dá o coronel Pedro Álvares de Andrade, dos sucessos ocorridos sobre os interesses de novo estabelecimento de Santa Maria de Cabinda desde o primeiro dia até o último de seu comando. 5/11/1783 a 21/12/1783. In: Angolana (1783-1883). v. 1 Luanda: Instituto de Investigação Científica de Angola, 1968. p. 1-13. 113 AHU, Angola, Caixa 69, D64. Documento 012.

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lembrar que o cronista João de Barros foi agraciado com uma parcela de capitania hereditária no Brasil, em recompensa por seus serviços. Nada disto ocorreu na porção atlântica dos domínios portugueses. Nesta região, ao lado da crônica jesuítica, emergiriam histórias regionais militantes, escritas pela iniciativa individual de alguns colonos letrados. Desde o século XVII, essas histórias foram campos de batalha entre as elites regionais e a administração central do Império. A obra maior do período é a História geral das guerras angolanas, de Francisco de Oliveira Cadornega, na qual aparece a narrativa das lutas entre colonos e nativos, imbricada aos conflitos entre colonos e agentes da metrópole. No Brasil, durante o século XVII, inicia-se também a escrita destas histórias locais ou regionais, cujo fundo é eminentemente político. No Maranhão, Manuel Guedes Aranha, integrante da elite municipal de São Luís, escreveu o Papel político sobre o Estado do Maranhão, relato militante dos conflitos entre a população indígena, o governo central português, as ordens religiosas e as câmaras municipais da região. Da mesma forma que Cadornega, Elias inclui em seu texto um catálogo de governadores.114 De certa maneira, esses catálogos eram uma tentativa de enquadramento das narrativas históricas ao modelo das crônicas dos reis medievais. Angola foi a colônia onde a tradição da escrita de catálogos de governadores encontrou maior desenvolvimento. Nesta colônia, durante o século XVIII e a primeira metade do XIX, foram elaboradas diversas versões dessa modalidade historiográfica. Cada uma retomava as versões anteriores, acrescentando partes relativas aos governos subsequentes, que eram reavaliados segundo pontos de vista ora favoráveis à coroa e seus agentes, ora aos colonos luso-angolanos. Entre as diversas versões dos catálogos há uma atribuída ao coronel João Monteiro de Morais115, que foi um dos principais líderes das fa-

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114 Na sequência, aparece a Relação histórica e política dos tumultos que sucederam na cidade de S. Luís do Maranhão, de Francisco Teixeira de Morais, apresentando uma versão muito parcial da revolta de Beckman. Ver RODRIGUES, José Honório. História da história do Brasil. Rio de Janeiro: Cia. Editora Nacional, 1969. p. 86-88. Também, RIHGB, t. 57, parte. 1, p. 5-163. 115 Catálogo dos Governadores do Reino de Angola; com huma previa noticia do principio da sua conquista, e do que nella obrarão os governadores dignos de memória. Lisboa: Academia Real das Sciencias, 1826. A atribuição do texto a Monteiro foi proposta por BRÁSIO, António. (Org.). Monumenta Missionária Africana. Lisboa: Agência Geral do Ultramar, 1973. p. 576.

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mílias tradicionais luso-angolanas da segunda metade do século XVIII. Esta crônica, segundo os historiadores Thornton & Miller, conteria uma visão parcial, pró-elite regional e anti-interesses mercantis metropolitanos.116 Outra é de autoria de Manoel Antônio Tavares, de origem portuguesa, que foi para Angola acompanhando o governador D. Francisco Inocêncio de Souza Coutinho. Tavares constituiu família em Luanda e ali permaneceu por décadas. De certa forma, ele também pode ser incluído no grupo social da elite luso-angolana, apesar de não ser nem natural da colônia nem mulato, como a maior parte de seus integrantes. No entanto, as versões de ambos são tomadas como representativas dos interesses conflitantes entre a metrópole, defensora das casas mercantis portuguesas, e da elite colonial angolana, que se aferrava a uma forma de militarismo arcaico, herdado dos séculos anteriores.117 Estudar os catálogos apenas a partir da dicotomia metrópole versus colônia é, no entanto, um procedimento reducionista, como pode ser percebido quando abordamos a versão dos catálogos de autoria do luso-brasileiro Elias Alexandre da Silva Corrêa. Thornton & Miller afirmaram que a visão deste militar era uma idiossincrasia pessoal, uma vez que o mesmo não se encaixava no esquema bipolar que adotaram para explicar a história angolana do período. A noção de texto idiossincrático nasce da percepção de uma suposta especificidade do narrador: alguém de fora do quadro binário colônia angolana X metrópole, por tratar-se de um luso-brasileiro. O texto de Silva Corrêa pode ser singular, dada a sua extensão, mas não é escrito a partir de uma idiossincrasia, uma vez que luso-brasileiros em Angola existiam em quantidade. De fato, a sua História de Angola expressa, além do ponto de vista idiossincrático do autor, como é de natureza de qualquer texto, uma visão luso-brasileira da África. Todavia, mais do que isto, ela traz o ponto de vista de um oficial de baixa patente envolvido na construção de uma carreira de âmbito multirregional no interior do Império Colonial Português.

116 THORNTON, John K.; MILLER, Joseph C. A crónica como fonte, história e hagiografia; o Catálogo dos Governadores de Angola. Revista Internacional de Estudos Africanos, Lisboa, n. 12-13, p. 9-55, jan.-dez. 1990. 117 Embora lembrem que se trata de uma esquematização redutiva, Thornton & Miller nunca se afastam desta leitura.

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Entre Angola e Brasil Diferentemente do que se pode dizer da grande maioria dos autores do passado, pode-se afirmar que a percepção que Silva Correia tinha de Angola era sistêmica. É verdade que, em diversas passagens, ele dispara farpas isoladas contra os diferentes personagens que compunham o panorama humano da colônia. No entanto, quando ele se propõe a examinar algum assunto com mais vagar, o que aparece é uma visão equilibrada que busca trazer à tona todas as variáveis em jogo. Nessas ocasiões, a Angola descrita por Elias deixa de ser o resultado dos vícios isolados dos indivíduos para se tornar a Angola possível na conjuntura daquele momento. No que diz respeito às atividades econômicas, às quais dedicou todo um capítulo, ele buscou entender o como e o porquê da ação dos personagens em jogo. Thornton & Miller afirmam que a primeira parte do texto do militar luso-brasileiro é dedicada a descrever em pormenor as dificuldades da colônia na década de 1780: “essas dificuldades, segundo o seu ponto de vista, tinham muito a ver com ávidos e ignóbeis comerciantes de Lisboa”.118 Este é um ponto de vista que simplifica em demasia os propósitos do autor. Para Elias, tratava-se de um sistema no qual todos eram simultaneamente vilões e vítimas. Sua explicação da ruína da colônia se inicia por uma fábula moral, que tem por personagem justamente o pequeno comerciante dos sertões, o qual pretenderia agir como homem honrado119. Todavia, ele aprende rapidamente que é impossível obter algum lucro desta forma e começa a adotar procedimentos escusos, mas nem assim prospera. Por fim, completamente endividado, entra numa espécie de jogo do gato e do rato com seus credores portugueses e brasileiros. Jogo no qual todos saem perdendo. Os capitais dos credores transformam-se em dívidas incobráveis espalhadas pelos sertões africanos. O mal teria origem na própria forma e funcionamento do mercado local. Um capitalista – o aviante – entregava mercadorias, a juros exorbitantes, a um pequeno comerciante – o aviado – para que este fosse ao sertão negociá-las

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118 THORNTON; MILLER, op. cit., p. 26. 119 HA, v. 1, p. 32 e ss. Documento 111, p. 299.

a troco de produtos exportáveis: escravos, cera ou marfim. Estes comerciantes do sertão eram desterrados miseráveis que não tinham outra saída a não ser a de submeter-se a esta atividade para escapar da “pobreza mendicante”. No entanto, não havia saída possível, pois “quem seria o honrado, e estabelecido Agente, q’. se expuzesse ao trabalho, ás inquietaçoens; e as disgraças novas?”120 As casas comerciais portuguesas são acusadas de aviltarem os preços de suas mercadorias ao inundarem o mercado com uma quantidade de produtos acima do que ele absorve. Elias não comungava das ideias econômicas de parcela expressiva da intelectualidade luso-brasileira do período, em especial dos oriundos da Coimbra pombalina, que assumiam os pressupostos smithianos da nascente economia-política, entre eles o dos benefícios da autorregulação do mercado. Para o militar, o bom mercado seria aquele dominado e regulado pelas grandes casas comerciais portuguesas. Assim, ao contrário do que insinuam Thornton e Miller, Silva Corrêa critica essas casas não por explorarem Angola mas por não conseguirem estabelecer uma ordem neste mercado, a qual seria benéfica a essas mesmas empresas. Ele tinha uma visão profundamente elitista e contra a economia de livre-mercado. Em decorrência, detestava a atuação dos pequenos empreendedores, independentemente de suas origens. Se os comerciantes do sertão eram um desastre, pior eram os brasileiros que desembarcavam em Luanda, seguindo as rotas do tráfico negreiro. Arrancados do Brasil, pelos estímulos da cobiça multidão de grosseira gente, dispostos a sofrer em Taberneiros os desconcertos os vis contribuidores da sua riqueza, transformam em Tabernas as duas terças partes dos edifícios da cidade: algumas ornadas com uma só pipa de aguardente. [...] Cada Taberna, atrai um monopólio de marchetados furtos, compensados por bagatelas, q’ convidam os negros á rapina. É um receptáculo de penhores, que a mísera populácia sacrifica à extrema necessidade em que permanece, sem jamais os resgatar. [...] A sua multidão esgota em um instante a carga de pequeno navio do Brasil; mas longe de produzir forças a algum comercio ativo, se assemelham á multidão de formigas, que em um dia devoram as vastas folhas e uma árvore; e quando cada uma tem disposto em celeiros a sua provisão tudo se evapora á hostil esfregação de um pé.121 120 HA, v. 1, p. 31. Documento 111, p. 299. 121 HA, v. 1, p. 40-41., p. 304-305.

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Correia considerava esses pequenos traficantes e taberneiros figuras nocivas a Angola, comparando-os a formigas “que um dia devoram as vastas folhas de uma árvore”, sem nada deixar no país, pois “os lucros voltão para o Brazil”.122 Percepção interessante, pois mostra o brasileiro em Angola como uma imagem especular daquela que se tinha do português no Brasil: o brasileiro como comerciante explorador, disposto a qualquer expediente para engordar os seus lucros, só pensando em poupar e voltar enriquecido para sua terra natal. Tais comentários demonstram cabalmente que se o texto de Elias contém uma visão luso-brasileira de Angola isto não significava um alinhamento automático com os nascidos no Brasil.123 A “brasilidade” de seu discurso emergia de uma outra forma. Tal como se observa nos relatos dos diversos brasileiros que estiveram na África, naquele período, ele era acometido de uma espécie de saudade gastronômica.124 São os alimentos utilizados em Angola que desencadeiam as referências à terra natal. “Os cocos de palmeira a que no Brasil chamam dendê”, a “ginguba ou amendoim do Brasil”. Ele nos conta que os angolanos “reduzem o milho a uma bebida fermentada”, mas que “no Brasil se tem apurado melhor esta bebida”. Referindo-se à produção de mandioca em Angola, dirá que “O Aypim do Brazil hé mais gostozo, não obstante ser da mesma especie; mas não da mesma qualidade”.125 O aipim não “sabe melhor”. Ele simplesmente “é mais gostoso”, como diria qualquer brasileiro hodierno, para espanto dos portugueses. Os itens que ele aponta como os principais na mesa angolana são os mesmos do Brasil: culturas ameríndias; como os amendoins, feijões, mandioca e milho; preparadas com o dendê africano.

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122 HA, v. 1, p. 41. Documento 111, p. 305. 123 Mesmo as suas amizades com outros brasileiros eram seletivas. Ele apreciava o secretário e naturalista Joaquim José da Silva e nutria antipatia pelo já mencionado ouvidor de Benguela, Rafael Melo. 124 Já tive a oportunidade de abordar esta questão em PEREIRA, Magnus. R. M. Um Brasil imperfeito; ou de como a África foi vista por Brasileiros em finais do século XVIII. In: Anais da V Jornada Setecentista. Curitiba: Cedope, 2003. Disponível em: . 125 HA, v. 1, p. 138. Documento 111, p. 368.

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Da Mandioca apodrecida n’agoa, formão hNJa massa dura, e azeda, extremamente insipida, aos mimozos paladares; más de hum gosto exquizito para os Nascionaes a que chamão Quicóanga. O Gasto hé consideravel. Os pretos a preferem á farinha. As Quitandeiras lhe dão a forma de huma bolla, q’. dividem em talhadas deametráes. No Brazil chamão a esta raiz apodrecida; e q’. exalla hum cheiro desgradavel; Mandiosa Puba; más trabalhando a sua azeda massa, ao ponto de maior perfeição, e fineza. Compoem com manteiga, ovos e assucar, hNJa especie de Pão de Ló de especie, e grato sabôr, a q’. dão o nome de Manaoê.126

O Brasil também aparece nos textos de Elias quando o assunto é escravidão. Ele partilhava com uma importante parcela dos autores luso-brasileiros do período a noção de que a escravidão era um mal necessário, porém finito. Antecipava o dia em que as minas de ouro tivessem secado, as baleias acabado e as terras vissem diminuir a fertilidade e que a coroa abolisse a escravidão, como já fizera em Portugal. Finalmente, no Brasil iria “comessar hum estabelecimento mais solido, servindo por individuos jornaleiros ao uso da Europa.” Segundo o autor, a “pouca população do Brazil, não pode ainda prestar meios a esta solidez;” mas não deixava de lembrar que o sistema permanecia, em parte, pelos interesses fiscais da coroa.127 Entretanto, mais do que pensar a escravidão em relação ao Brasil ele a pensou em relação a Angola, a começar pela descrição da organização agrária da colônia. Os arimos, as fazendas angolanas, estavam na mão de proprietários absenteístas que as deixavam sob a responsabilidade de alguns maculuntos (capatazes). A posição de um dono de arimo era a de um pequeno potentado africano, senhor nominal das terras a quem se devia prestações em tributo ou trabalho. A propriedade dessas terras por europeus e luso-brasileiros não chegava sequer a alterar a típica divisão de trabalho africana. “O costume dos sertões isenta os homens dos rudes trabalhos da enxada, e do machado. As mulheres cultivam as terras, enquanto os pais, maridos ou parentes tecem tangas, vão à guerra, ou à caça das feras”. Tudo indica a existência de uma espécie de pacto consensual entre as partes envolvidas. Os produtos agrícolas eram levados pelos “escravos” à cidade, que, como contrapartida, recebiam recompensas do 126 HA, v. 1, p. 139. Documento 111, p. 368. 127 HA, v. 1, p. 62. Documento 111, p. 319.

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senhor. Note-se aqui a sobrevivência de mais um sistema tradicional de dádivas. Anualmente, o proprietário fazia uma visita ao arimo, ocasião em que dava uma festa a seus cativos (ou súditos?). A posição destes senhores era negociada, pois só eram reconhecidos como tal enquanto se mantivessem dentro dos limites previstos no costume. “Qual seria o Senhor tão ouzado, e imprudente, q’. não cedesse á vontade dos escravos, e se irritasse contra o voluntario trabalho dos seus braços?”128 As proprietárias mulheres aparecem no relato de Elias ainda mais submetidas a esse pacto consuetudinário com a sua suposta escravaria. “Se casam a escolha do marido é sua; contanto que seja aprovado por esta ociosa escravatura: do contrário a deserção é o seu recurso ordinário”. Silva Correia rejeitava os sistemas produtivos angolanos tendo como contraponto, não explícito, a fazenda escravista brasileira. É com a noção de que Angola poderia ser semelhante ao Brasil que ele tece inúmeras críticas ao tráfico de escravos, dado o efeito desagregador que teria sobre a economia local. Apesar de tolerar a escravidão, ele insistia no prejuízo que o tráfico causava à colônia angolana. O prejuizo commum da população de Angola, hé a cegueira do negro comercio dos captivos. A nociva ordem, q’ presentemente o fás chanceller, hé hum contagio, q’. vai grassando; mas os effeitos malignos de hum contagio são tanto menos temiveis, quanto mais extenso. A duração do mal fás esquecer o surdo damno com q’. debilita, e consume. Contaminados deste prejuizo despreza-se o interesse permanente, para adoptar os momentaneos, quaze sempre extirpados por assaltos disgraçados. Tal hé o systema do povo Angolense fasendo-se dependente de socorros estranhos para a conservação da propria vida: sustentando assim a mizeria, que o apersegue em periodos incertos; e os interesses de outros paizess, q’. lhe administrão os generos da 1a. nececidade.129

Aqui quem fala é o luso-brasileiro e, simultaneamente, não o é. Do ponto de vista historiográfico, este tipo de discurso nos incita a romper com o ponto de vista dicotômico a partir do qual costumamos pensar as histórias regionais e outros textos escritos no período colonial, sobretudo no século XVIII. Na região do Índico, os luso-indianos de Goa e, na África, os bra-

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128 HA, v. 1, p. 113. Documento 111, p. 350. 129 HA, v. 1, p. 160. Documento 111, p. 385.

sileiros foram guindados à condição de cogestores do Império, a quem eram atribuídos cargos administrativos subalternos e intermediários: militares de média e baixa patente, médicos e cirurgiões, burocratas e naturalistas, advogados e ouvidores. A partir desta posição, muitos se tornam prolíficos estudiosos do mundo colonial português. Eles assumem a sua posição na estrutura administrativa do Império e exercitam uma visão operativa de mundo própria do ideário iluminista. Desejam todos agir sobre as realidades regionais nas quais foram inseridos por força de suas missões, transformando-as ou, pelo menos, tentando preservá-las de certos males como o tráfico de escravos. Não é, portanto, de estranhar a frequência com que aparecem esses discursos em que brasileiros colocam o Brasil na condição de responsável pela desgraça de Angola. Fala mais alto, neste momento, o oficial da coroa, que se propõe a pensar o melhor para aquela colônia na qual está em serviço.

De volta à carreira Após um período de certo conformismo em relação ao andamento de sua carreira militar, o que se pode atribuir a um ambiente desfavorável a alianças, Silva Correia volta ao assunto, dada uma súbita mudança de conjuntura. Passado o conturbado período de interinidade do triunvirato, chega a Angola, em 1784, o novo governador, o Barão de Mossâmedes. Esse título escondia José de Almeida Vasconcelos de Soveral e Carvalho, que Elias conhecera em Salvador.130 O ex-governador de Goiás, companheiro de Elias na travessia do Atlântico, fora alçado a Barão e era agora o governador de Angola.131 Há nisso tudo um golpe de sorte. Todavia, como já se dizia naquela época, quem planta colhe e as bajulações escritas de Elias demonstravam sua eficácia. O Barão tornar-se-ia o principal defensor dos propósitos de Correia de alcançar promoções e seu apoio começaria logo após sua chegada a Angola. Vago o

130 SILVA, Relação. p.15. Documento 110, p. 249. 131 O seu primo irmão, Manoel de Almeida Vasconcellos, iria sucedê-lo no mesmo cargo.

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posto de Major (Sargento-mor) do Regimento, Mossâmedes, como quem não quer nada, encarrega-se de sugerir o nome de Elias Alexandre. Nesta certeza vejo dois Capitães do mesmo Regimento de Infantaria, muito capazes deste acesso, e nem quero faltar em render-lhe justiça, nem expor a paixão particular o meu juízo. São os concorrentes Elias Alexandre Silva, e João Ribeiro de Souza: O primeiro veio com o Coronel no exercício de Ajudante do Regimento, e não só continua a servir bem este posto, mas faz toda a escrituração do Livro Me , e foi em diligência a Cabinda e Molembo: V. Sra tem a seu favor a antiguidade da Praça, o passar de Tenente do Regimento de Penamacor ao imediato acesso de Capitão para Angola onde sem se eximir do trabalho do Regimento, tem a seu cargo todo o da secretaria, que poucos poderão desempenhar; e não tendo em vir para África a vantagem do outro que em Alferes, foi feito por Sua Majestade Capitão, sem esta graça lhe prescrever o tempo de seis anos, para se verificar a patente em que veio graduado o seu Competidor.132

O aparente golpe de sorte escondia, na realidade, uma armadilha. Mossâmedes não contava com a simpatia do Ministro Martinho de Mello e Castro, administrador máximo das colônias. Uma longa carta enviada pelo ministro a Manoel de Almeida Vasconcellos, primo-irmão e sucessor do barão no mesmo cargo, é uma das mais contundentes críticas feitas a um administrador colonial de que tenho conhecimento.133 Os argumentos que são apontados como favoráveis a Elias Alexandre, naquele momento, devem ter produzido o efeito inverso. Preterido em suas pretensões, o oficial volta à carga e, no início em 1786, escreve a Mello e Castro, da forma mais direta possível: Meu Snr. Quem necessita pede. É este um axioma que me deve desculpar o ser tão importuno na presença de V. Exa. Está vago neste meu Regimento o posto de Sargento mor, a que eu aspiro desde esta Corte [...]134

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132 AHU, Angola, Caixa 69, D64. Documento 012. 133 A carta está transcrita em ANGOLANA, op. cit., p. 24-55. 134 AHU, Angola, caixa 71, D10. Documento 014, p. 128.

Em anexo, havia certidões de Mossâmedes, do ouvidor e de quem mais ele imaginasse contar com as simpatias de Lisboa. Tudo em vão. Mais uma vez ele foi preterido em suas pretensões. O estudo do caso deste militar luso-brasileiro nos ensina algumas das estratégias utilizadas na busca do reconhecimento por seus serviços e dos frutos advindos deste reconhecimento. O próprio Elias encarrega-se de dizer que seu caso é generalizável: “Os meus Aventureiros Companheiros soletrando o meu mesmo alfabétto decifrão comigo a futura consolação de sermos regressados á Corporaçoens mais brilhantes: esta hé a esperança commNJa este hé o fim premeditado”.135 Dito de outra forma, observa-se que existiam determinadas práticas que eram adotadas com vistas à inserção na cadeia de dádivas. Percebe-se, por exemplo, que alguns integrantes da camada intermediária do oficialato militar ofereciam-se para uma dose de sacrifícios, como a de apresentar-se como voluntário para locais considerados inóspitos, como era o caso de Angola. Mas, ao fim e ao cabo, nem assim a promoção era garantida pois permaneciam sob o arbítrio dos integrantes da elite governativa das colônias. Fazia parte do jogo textual em que Elias estava envolvido acentuar ao máximo a descrição do sacrifício dado antecipadamente, carregando nas tintas ao descrever as dificuldades e riscos nas guerras do sertão. Mencionava, portanto, com insistência, os “perigos q’. a natureza do payz, de comum acôrdo com os inimigos, lhes prestão a cada dia; & do Laurel com q’. saem coroados: premio quaze unico dos seus trabalhos, pela indiferença com q’. são sabidos, & desprezados dos q’. tem na mão a balança da equidade para os compensar”.136 A explicitude dos textos de Elias nos deixa antever fragmentos da rede de mercês ou dádivas na qual ele próprio estava inserido. De longe, tendemos a teorizar esta rede em termos de uma abstração: um modo de ser de uma sociedade. No entanto, Elias movia-se em uma rede muito concreta, construída na sua trajetória de vida. Ainda que endereçada ao estado, ou a Sua Majestade, sua correspondência dirigia-se provavelmente a pessoas reais e conhecidas. Quem estava no comando era, talvez, o ex-governador, seu comandante,

135 HA, v. 1, p. 15. Documento 111, p. 285. 136 HA, v. 2, p. 175. Documento 111, p. 688.

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ou ainda o companheiro de navegação de uma demorada travessia marítima. Eram eles os responsáveis por conceder ou negar benesses.

O retorno ao Brasil No início de 1789, Silva Correia completou seis anos de serviço na África. Conforme pactuado quando de sua ida para Angola, retornou ao Brasil. No ano seguinte, ele já aparece efetivado na tão acalentada patente de capitão, incorporado ao Regimento de Granadeiros do Rio de Janeiro.137 Imediatamente ele exercita novas aspirações. “Já em 29 de Junho de 1790, satisfeitas as suas aspirações de tantos anos, pedia a Martinho de Melo e Castro a patente de coronel e comandante do corpo auxiliar da Ilha de Santa Catarina”138, no que, mais uma vez, não foi atendido. Com a extinção da unidade em que estava destacado, em 1794, passou para o Primeiro Regimento do Rio de Janeiro.139 A seguir, foi transferido para São Gonçalo como recrutador e acabou se estabelecendo na região.140 Foi ali que ele alcançou um dos sonhos há tanto acalentado, mas fora da tropa regular. O Conde de Rezende, vice-rei do Brasil, considerou que foram “differentes cazualidades para a Sua inculpavel preterição nos Regimentos em que servio”, que bloquearam a ascensão de Elias Alexandre.141 Em outubro de 1796, ele acabou por sair da tropa de primeira linha e tornou-se Sargento-mor das milícias de São Gonçalo. Nesta freguesia, Elias atingiu o ápice de sua carreira. Em 1808 foi promovido a tenente-coronel e a seguir a coronel, de milícias porém.142 Foi neste período de sua vida que Elias Alexandre criou vínculos com a região de São Gonçalo e ali constituiu família. Ele obteve uma sesmaria e se

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137 BNRJ, c.317.6.1, Doc. 9. Documento 064. 138 MÚRIAS, Manuel. Nota Prévia. In: CORRÊA, op. cit., p. xii. 139 Neste período, vamos encontrá-lo morando na Rua da Misericórdia. Almanaque da Cidade do Rio de Janeiro para o Ano de 1794. Anais da Biblioteca Nacional, v. 59, n. 1, 1937. p. 300. 140 BNRJ, c.317.6.1, Doc. 9. Documento 064. 141 BNRJ, c.317.6.1, Doc. 26. Documento 079. 142 O documento que melhor descreve a sua trajetória militar é BNRJ, c.317.6.1, Doc. 9. Documento 064.

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estabeleceu como proprietário rural, muito provavelmente na região de Itambi. A documentação fornece raros indícios de sua situação. Todavia, graças a um conflito vicinal, existe o registro de uma queixa feita por Elias ao Intendente de Polícia do Rio de Janeiro, na qual afirma: [...] que elle se vê perseguido, e insultado há muito tempo por hum homem paizano, Felis da Cunha Pinto, q.’ com dispotismo pasmôzo faz irrupçoens sobre terras, q.’ o Sup.e possue, destrôe as suas plantaçoens, maltrata os seus escravos, deita fogo ás suas cazas, ameaça os Seus rendatarios, induz a q.’ não paguem a renda, rouba os fructos, q.’ o Sup.e tem feito cultivar [...]143

Assim, a longa trajetória de Elias da Silva Correia vai de uma sesmaria que ele ganhou quando estava na Vila do Desterro, abandonada em favor da carreira militar, a outra sesmaria situada num Desterro mais ao norte, o de Itambi, onde acabou se estabelecendo. Elias termina seus dias na condição de proprietário rural, de escravos, arrendatário de terras e detentor da patente de coronel, a mais alta das milícias. Quanto à sua família, os registros mostram que ele se casou com Balbina Domiciana Rosa. Ela era filha de Manoel Joaquim de Souza Xavier144, o sargento-mor do Regimento de Granadeiros onde servira Elias Alexandre, e de mãe “incógnita”, o que caracteriza uma situação de bastardia. Rosa, a sua primeira filha, nasceu em 1802 e foi batizada na Capella de Nossa Senhora do Desterro, um templo privado situado numa das grandes fazendas da Região, a de Ipiiba Grande, o que já indica os vínculos estabelecidos com a elite regional. A data do nascimento da filha mostra que ele se casou tardiamente, próximo aos 50 anos de idade. No ano seguinte nasceu seu primeiro filho homem, Manoel Marçal Correia e Silva, e, em 1811, Mariana, ambos batizados na matriz de Itaboraí. A documentação assinala que ele teve mais dois filhos homens: Luiz Gonzaga Cordes e Silva e João Paulo Correia e Silva. Os registros eclesiásticos mostram também que Elias teve uma filha natural, Maria Vitória Correia da Silva, anterior ao seu casamento. Esta filha

143 BNRJ, c.395.27.1. Documento 084. 144 Almanaque, op. cit., p. 298.

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casou-se com o capitão José Ferreira de Mello e lhe deu diversos netos na mesma época em que ele estava tendo seus próprios filhos. O que se pode deduzir, a partir dessas datas, é que Maria Vitória, ainda que fosse primípara em 1804, quando do batismo de seu filho João, dificilmente teria nascido no Brasil. O mais provável é que ela fosse natural de Angola e que o militar a tenha trazido consigo quando retornou ao Rio de Janeiro. A constatação de que ambos moravam na mesma localidade e de que Elias Alexandre compareceu ao batismo dos netos sugere que havia proximidade entre ambos. Indícios, enfim, de que ele foi o responsável pela criação dessa filha, já que os registros paroquiais não mencionam a presença ou o nome da mãe. A documentação eclesiástica também nos dá pistas sobre o meio social em que ele circulava. O que se observa, quer nos batismos de filhos e netos, quer naquele em que participou como padrinho, é que Silva Correia buscou vincular-se basicamente a pessoas oriundas do Reino e das Ilhas.145 Os nascidos no Brasil eram raros em suas relações de compadrio. A proximidade com os ilhéus é tal que um vigário chega a indicar ter ele nascido na Ilha da Madeira. De qualquer forma, desconsiderando esse provável engano, tais registros não fazem menção ao seu local de nascimento, que continua misterioso. Curiosamente, os vigários deixam consignadas as origens dos pais de Elias Alexandre, mas não a dele própria. No que confere à qualificação dos integrantes de sua rede de compadrio, nota-se, por motivos óbvios, o predomínio de militares de linha e de milícia. Nela também estão presentes figuras regionais de peso, que carregam sobrenomes ilustres, como Manoel Antunes de Azeredo (mais provavelmente Azevedo) Coutinho, grande proprietário na região de Tapocorá, e o conhecido médico Manoel Bernardes Pereira da Veiga, futuro Barão de Jacutinga. O próprio vigário de São Gonçalo, o Padre Antonio Vicente Rodrigues Pereira de Amorim, foi padrinho de um de seus netos.146

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145 GUEDES, op. cit., p.142. 146 PIZARRO, José de Sousa Azevedo. Memórias históricas do Rio de Janeiro, e das provincias annexas á jurisdicção do vice-rei do estado do Brasil. Rio de Janeiro: Imprensa Regia, 1820. v. 3, p. 20.

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Pedidos Finais No período final de sua vida, Elias Alexandre já não pedia tanto para si, mas para seus familiares. Seu objetivo era conseguir que as mercês que recebera fossem transmitidas a seus descendentes. Os serviços prestados à coroa, que o tornavam merecedor de mercês régias eram, além de sua longa carreira militar, a participação em “combates de fogo, dous no R.o grande e hum em Cabinda, allem do risco de ir Servir a Costa d’Africa voluntariam.e”.147 Silva Correia supunha que “por ley”, seu tempo de atuação na tropa de linha conferir-lhe-ia o direito a um Hábito de Aviz. Pretendia, assim, que o mesmo fosse transformado em Hábito de Cristo, o qual seria concedido a seu filho homem mais velho, o tenente de milícias Manoel Marçal Correia e Silva. Mercês que lhe foram negadas.148 Mais tarde, mudou de pretensão. Passou a pretender que a coroa comutasse o Hábito de Cristo que recebera ainda jovem em uma comenda e que seus três filhos, Manoel Marçal Correia e Silva, Luiz Gonzaga Cordes da Silva e João Paulo Correia e Silva, fossem agraciados com a Medalha da mesma Ordem. A busca por mercês régias não se limitava ao lado masculino da família. Elias preocupava-se também com que mulher e filhas fossem providas: P. a V. Mag.de se Digne em attenção aos referidos Serviços e os mais que houver de fazer em sua vida, conferir a sua M.er e filhas com sobrevivencia a ultima hua penção que a Real Grandeza de V. Mag.e foi servido dar-lhe em plena remuneração, ou a Propriedade do Officio de Segundo Tabelião, e seus annexos da Real Villa da Praya.

Essas tentativas aparentemente foram todas infrutíferas. Todavia, Silva Correia conseguiu romper com folga os limites que lhe eram impostos pela sua condição social. A ruptura extendeu-se a seus filhos. Manuel Marçal, o primogênito, integrou-se à elite regional fluminense com propriedades na região de São Gonçalo, mas mantinha uma casa urbana no Rio de Janeiro. Como era padrão, fez carreira nas milícias. Em maio de 1820, foi promovido

147 BNRJ, c.317.6.1, Doc. 11. Documento 066. 148 BNRJ, c.317.6.1, Doc. 10. Documento 065.

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a capitão do Sétimo Regimento de Infantaria.149 Além disso, participou de diversas irmandades e era conselheiro da Imperial Sociedade Amante da Instrucção, criada por D. Pedro I, em 1829.150 Elias Alexandre conseguiu também que seu segundogênito, Luiz Gonzaga, iniciasse carreira Marinha. Nelson Wernek Sodré já chamou atenção para o fato que, desde o século XVIII, a Marinha era muito mais elitizada do que as tropas terrestres.151 Desde a vinda da Família Real para o Rio de Janeiro, o acesso à Armada era feito através da Academia dos Guardas-Marinhas, também transferida para o Brasil. A Academia aceitava alunos “paisanos” que a frequentavam por méritos escolares. Todavia, esses paisanos, ainda que formados, não se tornavam oficiais da Marinha. Para entrar, de fato, na força naval era preciso, ainda durante o curso, tornar-se aluno militar: o Aspirante à Guarda-Marinha. No entanto, tornar-se aspirante não era fácil, uma vez que a legislação era restritiva e exigia do aluno a comprovação de origem fidalga, ou de que o pai ocupava os mais altos cargos da primeira linha da hierarquia militar. Ao estudar os processos de admissão dos Aspirantes152, o historiador Carlos André Lopes da Silva deparou-se com a petição de Silva Correia, coronel de Milícias agregado ao Regimento de Infantaria n. 7, que tinha “a honra de o offerser a V.M.I. p.a entrar na honroza carreira desta Arma” seu filho Luiz Gonzaga Cordis da Silva. 153 Os auditores da Marinha unanimemente reconheceram que o candidato se encontrava nas “circunstancias da Lei no que pertence á parte paterna.” Segundo Lopes da Silva, “a interpretação dos lentes sobre a extensão daquele privilégio para os altos oficiais das tropas de 2ª

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149 Gazeta de Lisboa, n. 182, 1820. p. 3. 150 Almanak administrativo, mercantil e industrial do Rio de Janeiro, v. 8, 1851. p. 244. 151 SODRÉ, Nelson Werneck. História Militar do Brasil. São Paulo: Expressão Popular, 2010. p. 170. 152 SILVA, Carlos André Lopes da. Os aspirantes e guardas-marinha do primeiro reinado: Heranças e talentos na profissionalização nos quadros da Marinha imperial. In: XXVIII Simpósio Nacional de História. Natal: ANPUH, 2013. 153 Requerimento do coronel de Milícias Elias Alexandre da Silva Corrêa para assentar seu filho, Luiz Gonzaga Cordis da Silva, como aspirante, anexo ao oficio de Francisco Maria Telles a Luiz da Cunha Moreira, 15 fev. 1823. XM60-“Documentos e Ofícios da Academia de Marinha, 1808-1820-1828”, SM-NA. Apud SILVA, op. cit., p. 8.

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linha era, provavelmente, compartilhada pelo imperador, já que Luiz Gonzaga foi nomeado aspirante em fevereiro de 1823”.154 Contudo, o filho não correspondeu ao esforço paterno. No ano seguinte, Luís Gonzaga desligou-se da Academia dos Guardas-Marinhas. Enfim, Elias Alexandre da Silva Correia era reconhecidamente um integrante da elite luso-brasileira, sem qualquer mácula racial ou social que impedisse os seus passos ou os de seus descendentes. De retribuição concreta, além de ter sido agraciado com uma sesmaria e os mais altos postos da milícia, conseguiu obter uma tença de R 200$000, que ele considerou “diminuta á graduação do seu pôsto”.155 Todavia, ele continuou um insatisfeito, almejava mais mercês régias e subir mais. Sem se dar por vencido, entrou com processo na justiça, e o levou até a suprema instância, na tentativa de ver os seus supostos direitos reconhecidos.156 Acabou por se tornar um caso de jurisprudência quanto à retroação dos efeitos das leis.157 O que se observa, portanto, é que Silva Correia, apesar de ter uma origem que aparentemente jogava contra suas pretensões, conseguiu galgar, através de sua carreira militar, a escala social própria da sociedade em que viveu. Mas, para isso, não bastavam seus feitos de armas, que, convenhamos, não foram tantos assim. Apesar de não ter cursado a Universidade de Coimbra, como fizeram diversos outros luso-brasileiros do período, ele teve uma educação privilegiada que lhe foi proporcionada por Mascarenhas Pacheco. Ademais, o conselheiro parece ter sido mentor em outro aspecto da constituição de suas práticas de vida, em especial a capacidade de tecer tramas de relações pessoais favoráveis às suas pretensões. Elias também soube usar instrumentos adequados para a construção de sua rede, como o livro, incluindo a prática da dedicatória e a menção às pessoas corretas. Outro instrumento de escrita a que recorreu com frequência foi 154 Luiz Gonzaga Cordis da Silva (assentamentos). AM-DPHDM, LM GM 1807-1839, f. 41v. Apud SILVA, op. cit., p. 8. 155 Documentos com que instruio o seu Relatorio a Assemblea geral Legislativa do Imperio do Brasil. Rio de Janeiro: Typographia Imperial, 1829. p. 14. Ver também BNRJ, c.317.6.1, Doc. 36. Documento 083. 156 Ver BRASIL. Parlamento. Câmara dos Deputados. Annaes, Volume 1, Parte 2: Tipographia do Imperial Instituto Artistico, 1878. p. 186. 157 Ástrea, n. 458, 11 ago. 1829. p. 2248.

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o atestado. Ao longo da vida foi acumulando documentos que comprovassem a versão escrita que ele próprio construiu de sua vida. Por vezes isso chama atenção pelo inusitado das situações em que demandava por comprovantes. Quando da invasão espanhola de Santa Catarina, as forças luso-brasileiras derrotadas e desmoralizadas se aglomeravam no Cubatão, onde, inclusive, parece ter havido fome. No meio de todo esse desastre, Elias não hesitou e pediu um atestado sobre a sua atuação ao coronel Fernando da Gama Lobo Coelho, seu comandante.158 No meio do caos em que se transformara o fortim português em Cabinda, ele também não titubeou em requerer um atestado ao seu superior.159 Em suma, Silva Correia era um homem de letras. Não se pretende com isso afirmar nada sobre os seus dotes de escritor, mas remeter ao fato de ter sido ele fruto da disseminação da capacidade moderna do uso das letras no dia a dia, para além de certos grupos especializados ou da alta elite. É justamente o fato de Elias Alexandre ser dado às letras, diferentemente da maioria de seus companheiros de farda, que permite ao historiador seguir as suas marcas e construí-lo como personagem, construção da qual ele é cúmplice. O aparecimento de uma camada de militares letrados de baixa e média patente nas colônias é um fenômeno típico da segunda metade do século XVIII. As tentativas de profissionalizar a gestão do império, a crença na educação e a disseminação de livros impressos irão contribuir para a difusão das letras. Figuras como Tiradentes ou como Elias Alexandre fazem parte desta camada emergente que ainda não foi pensada como um grupo coerente por nossa historiografia. Não podemos, contudo, esquecer que não estamos nos referindo a um fenômeno “brasileiro”, uma vez que seu âmbito se estende às demais colônias portuguesas, que com Portugal formavam um todo por onde esta camada se movimentava.

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158 BNRJ, c.317.6.1, Doc. 19. Documento 072. 159 BNRJ, c.317.6.1, Doc. 22. Documento 075.

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Elias Alexandre da Silva Correia Um militar brasileiro em Angola

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