PERFIL TECNOLÓGICO DAS CONSTRUÇÕES DE GRUPOS MANIÇOBEIROS EM SÍTIOS ARQUEOLÓGICOS NO PARQUE NACIONAL SERRA DA CAPIVARA, PI

May 24, 2017 | Autor: M. Gomes de Matos | Categoria: History of construction technology, History of Archeology
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Clio Arqueológica 2016, V31N2, pp. 190-210, SULLASI; FREITAS; MATOS; MAIOR; DOI: 10.20891/ clio.v31i2p183-248

PERFIL TECNOLÓGICO DAS CONSTRUÇÕES DE GRUPOS MANIÇOBEIROS EM SÍTIOS ARQUEOLÓGICOS NO PARQUE NACIONAL SERRA DA CAPIVARA, PI Henry Sócrates Lavalle Sullasi1 [email protected]

Mariana Freitas2 [email protected]

Manuela Xavier Gomes de Matos3 [email protected]

Paulo Martin Souto Maior1 [email protected]

183 RESUMO Descaso, exclusão, sobrevivência e transformação técnica e tecnológica. Esse é, de forma sucinta, o contexto dos grupos maniçobeiros que reocuparam os sítios arqueológicos no Parque Nacional Serra da Capivara entre o final do século XIX e começo do XX. Esses grupos, ao construírem suas habitações nos sítios arqueológicos, atuaram, por um lado, de forma semelhante ao homem pré-histórico, ou seja, ocuparam os locais naturais mais protegidos e, por outro, repetiram processos tradicionais construtivos, como a taipa de mão e a alvenaria de rocha. Entretanto, a precariedade dessas famílias as forçou a adaptarem a matéria-prima do entorno imediato e desenvolverem tecnologia própria. Esse foi o objetivo desta pesquisa: identificar e qualificar os padrões técnicos e tecnológicos construtivos dos grupos maniçobeiros que ocuparam sítios arqueológicos no Parque Nacional Serra da Capivara. Palavras-chaves: Tecnologia construtiva, grupos maniçobeiros, Parque Nacional Serra da Capivara. 1

Departamento de Arqueologia da UFPE. Docente, Programa de Pós-graduação em Arqueologia e Preservação Patrimonial da UFPE. 3 Pesquisadora, Programa de Pós-graduação em Arqueologia e Preservação Patrimonial da UFPE. 2

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ABSTRACT Negligence, survival, and technical and technological transformation. This is, in a synthetic way, the context of the maniçobeiro groups which reoccupied the archaeological sites in the Serra da Capivara National Park during the late nineteenth and early twentieth century. These groups - when constructing their dwellings in the archaeological sites - acted on the one hand in a similar way to prehistoric man, that is: they occupied better protected natural places. On the other hand, they repeated traditional constructive processes like the hand built taipa, and rocks and mud fabrications. However, the families’ precarious survival forced them to adapt the local raw material and to develop their own technologies. This was the objective of the research: to identify and to qualify the technical and technological constructive patterns of the maniçobeiro groups which occupied the archaeological sites in the National Park Serra da Capivara. Keywords: Construction technology, maniçobeiro groups, Serra da Capivara National Park

1. CONTEXTO SÓCIO ECONÔMICO A maniçoba4 é encontrada na Região Nordeste do Brasil, assim como no CentroOeste, e, ao produzir reservas de látex nas raízes de seus caules, foi explorada com fins comerciais pelas indústrias automobilísticas e elétricas entre o final do século XIX e o início do século XX. Esse interesse promoveu, por um lado, um aparente crescimento econômico de algumas cidades. Entretanto, o que se viu e sentiu, seja no Piauí ou, por exemplo, na Amazônia, com o ciclo da borracha, extraída das seringueiras, é que provocou nessas regiões uma concentração de renda e de enriquecimento que nada tiveram de desenvolvimento. No caso da capital paraense, é bem conhecido o período compreendido entre 1870 e 1910, durante o qual a Amazônia foi o maior produtor mundial de borracha. O acúmulo de capital, disfarçado de surto econômico, e aqueles poucos anos de pujança, com teatros de

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Árvore do gênero botânico Manihot, da família das Euforbiáceas. Revista indexada: Latindex www.ufpe.br/clioarq

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ópera mundialmente famosos, chalés importados e mansões suntuosas onde viviam legendários nababos, criaram para a região uma fachada deslumbrante por trás da qual, todavia, persistia um modelo de produção e uma rede de trocas que pouco se diferenciavam das estruturas socioeconômicas do período colonial (BARBOSA, 1993, p. 16). Foi um período efêmero, pois pesquisas de botânicos ingleses lograram finalmente estabelecer uma grande produção de borracha na Ásia, e, como resultado, a Região Amazônica logo perdeu a supremacia no comércio do produto. No Piauí não foi muito diferente.

No Estado do Piauí pode-se dividir a extração da maniçoba em dois momentos: o primeiro vai do final do século XIX até as duas primeiras décadas do século XX, período de crescimento da comercialização do produto, chegando a corresponder a 62% das exportações piauienses, tendo como destinos Inglaterra, Estados Unidos e França (OLIVEIRA, 2014). A segunda fase teve início a partir da década de 40, quando os japoneses dominaram os mercados asiáticos, em virtude da Segunda Guerra Mundial. Os americanos, por essa razão, incentivaram novamente a produção, que permaneceu até a década de 60, mas com baixo retorno financeiro para a economia do Estado. No final do século XIX, a crise política e social em todo o País após a proclamação da República, em 1889, e uma grande seca no Nordeste motivaram o fluxo de migrações ocorridas nesse período. Diante desse contexto e atraídos pela extração da maniçoba, muitos trabalhadores foram para as regiões do Piauí, tanto na primeira como na segunda fase da maniçoba (OLIVEIRA, 2014). O Governo

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Estadual do Piauí sofria, então, com a falta de mão de obra decorrente da abolição da escravatura, em 1888, e vislumbrou que a extração da maniçoba seria uma forma de reestabelecer o trabalho braçal e sem qualificação no Estado. Com o crescimento do comércio externo, o governo piauiense ainda adotou medidas para estimular a produção de maniçoba. Aqueles lavradores que plantassem 10 mil árvores ou mais seriam premiados. O Estado também passou a realizar a arrecadação de impostos de forma mais eficiente, para melhorar os investimentos e favorecer as rotas da maniçoba. Foram estruturadas estradas de ferro para permitir o transporte, perfurados novos poços para obtenção de água e também foram concedidas terras gratuitamente, a fim de solucionar os problemas com o extravio de mercadorias por contrabando e estimular a economia da borracha, (QUEIROZ, 1984).

Na década de 1910, a extração da maniçoba no Piauí começou a entrar em colapso. Alguns trabalhadores atribuíram o fato à má qualidade da borracha produzida, pois alguns maniçobeiros misturavam outros tipos de materiais ao látex, deixando a produção “suja”. A devastação da mata também contribuiu para o colapso. Não se respeitava o período de pausa da planta, que, quando muito extraída, parava de produzir o látex. Finalmente, os conflitos por terras entre os moradores locais e os recém-chegados ainda dificultaram o desenvolvimento dessa atividade econômica. Nesse contexto, alguns sítios arqueológicos foram ocupados e ali alguns grupos construíram estruturas rudimentares, mas com

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peculiaridades. Qualificar e diferenciar essas peculiaridades foi o objetivo maior desta pesquisa.

2. REOCUPAÇÃO DOS SÍTIOS ARQUEOLÓGICOS Diante da boa resistência à seca, o solo da porção sudeste do Piauí era propício ao desenvolvimento da maniçoba. As árvores eram encontradas, principalmente, nas chapadas e serras. Foi na Serra Branca e Serra Talhada que a presença da maniçoba estabeleceu rotas e moradias para os trabalhadores de extração do látex. Sua produção inicial era extensiva e predatória, mas foi também estimulado pelo governo o seu cultivo em fazendas (OLIVEIRA, 2014). Desde o século XIX essas terras vinham sendo utilizadas para atividades de pecuária e de agricultura de subsistência pelas comunidades que habitavam o entorno. Eram terras de ausentes, ou seja, sem proprietários, portanto consideradas de uso comum (LANDIM, 2014).

A ocupação dos sítios arqueológicos pelos chamados grupos maniçobeiros, que hoje estão dentro do Parque, ocorreu de forma gradativa, desde 1897 até 1913. Registra-se ainda que, à medida que as famílias iam chegando à região, optavam pelos melhores maniçobais e melhores locais de moradia. Normalmente, eram escolhidos os locais ocupados pelos “selvagens”: abrigos onde a formação rochosa propiciava a formação de paredes e tetos (LANDIM, 2014). Muitos desses abrigos são sítios arqueológicos com registros rupestres.

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Esses locais foram adaptados como moradias pelas famílias dos maniçobeiros, e alguns permaneceram neles até a década de 1960. Geralmente as casas tinham dois cômodos (quarto e sala), mas verificou-se também que em algumas outras havia pequenos depósitos para armazenar maniçoba, além de fornos de farinha, que ficavam a poucos metros da casa (OLIVEIRA, 2014).

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Figura 1: Perímetro do Parque Nacional Serra da Capivara com distribuição dos 14 sítios arqueológicos (pontos vermelhos) reocupados por grupos maniçobeiros entre o final do século XIX e começo do XX. Revista indexada: Latindex www.ufpe.br/clioarq

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Os paredões rochosos foram aproveitados como parte das casas, constituindo uma das paredes e até mesmo o teto. Os materiais utilizados foram a rocha, o barro e a madeira de vegetações típicas da região. Nas paredes, utilizavam-se madeira e barro. Nos pisos, terra batida. Segundo Oliveira (2014), quando as cascas de árvores mais resistentes não eram encontradas, as casas eram cobertas com folhas e terra, ou capim, sobre estruturas compostas a partir de linhas, caibros e ripas. Essa relação entre o homem e o meio ambiente permitiu o estabelecimento de um modo de viver próprio dos maniçobeiros, que não existe mais.

3. MÉTODO E CONCEITOS Partindo do princípio de que a tecnologia também é utilizada para satisfazer nossas necessidades de sobrevivência ou de bem-estar (BASALLA, 1990), ao observarmos as estruturas construtivas edificadas pelos maniçobeiros na região do Parque foi possível identificar padrões técnicos e tecnológicos associados à matéria-prima do entorno imediato dos sítios arqueológicos reocupados.

Vale salientar que a construção de habitação não é uma atividade exclusivamente do homem, pois trata-se de um fato técnico também utilizado pelos animais. Tanto o homem como os animais precisam selecionar os melhores materiais, o local e o modo de estruturar um abrigo, ou seja, é uma necessidade a ser suprida dentro do reino animal, a diferença é que o homem é capaz de desenvolver tecnologias para auxiliá-lo nessa tarefa (LEROI-GOURHAN, 1984). Nesse sentido, a escolha desses abrigos indica uma necessidade de proteção em relação ao meio externo, tanto dos homens que ocuparam esses locais em período pré-histórico como dos

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maniçobeiros, que ocuparam os mesmos locais entre os séculos XIX e XX. Passados 5 mil anos, a intenção foi a mesma do homem pré-histórico. O acúmulo de conhecimento, entretanto, indica que, no caso dos maniçobeiros, houve uma adaptação e transformação da matéria-prima, que permitiu qualificar algumas dessas estruturas como produto de posturas tecnológicas.

O conceito de habitação, independentemente da classe social, pode ser considerado uma necessidade fundamental que possui um valor utilitário e familiar, que precisa se adequar ao espaço e aos recursos ao alcance do grupo. A dificuldade econômica fez com que os maniçobeiros procurassem alternativas, e, mesmo em péssimas condições da moradia e salubridade, os abrigos se tornaram a

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melhor opção de moradia.

A habitação é um dos aspectos da atividade humana sobre o qual mais se tem escrito, pois a casa é, ao mesmo tempo, o mais aparente e o mais pessoal de todos os traços étnicos (LEROI-GOURHAN, 1984). O mais aparente por estar presente em qualquer lugar em que existam grupos permanentes e que estabeleçam uma relação com o ambiente; e o mais pessoal por ter em cada grupo características diferentes que refletem a sua própria imagem e personalidade. Assim, descrever e qualificar os padrões técnicos e tecnológicos desses grupos é compreender seu contexto cultural. A partir desse método e desses conceitos, este relatório considerou os abrigos e as construções localizadas na Serra Branca (11 sítios) e na Serra Talhada (3 sítios).

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4. TÉCNICAS DE PESQUISA A partir da análise das estruturas construtivas desses grupos, foi possível identificar aspectos do perfil tecnológico de suas habitações que serviram de apoio à extração do látex da maniçoba. As técnicas utilizadas foram o levantamento gráfico e o processamento de dados em duas etapas:

1ª etapa. Tipos de sistemas construtivos utilizados Um sistema construtivo é o resultado de uma combinação entre materiais construtivos e materiais ligantes e o agenciamento desses materiais entre si, a partir de suas características físicas.

2ª etapa. Detalhamento dos sistemas construtivos O detalhamento é feito a partir da identificação das matérias-primas dos materiais construtivos e das técnicas construtivas utilizadas nas paredes. Assim como na etapa anterior, esses dados são obtidos a partir das características físicas das matérias-primas e do levantamento gráfico.

Atividades da 1ª etapa Levantamento em fontes documentais a) Fontes primárias. Levantamento nos arquivos da Fumdham dos sítios arqueológicos reocupados pelos maniçobeiros (lista de sítios, registro imagético e relatórios). b) Fontes secundárias. Levantamento em livros, dissertações e teses sobre a ocupação maniçobeira no sudoeste do Piauí. Revista indexada: Latindex www.ufpe.br/clioarq

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Levantamento em fontes físicas (levantamento em campo) a) Dados contextuais. Posição e orientação das estruturas nas formações rochosas e informações colhidas sobre o lugar onde estão localizadas.

b) Dados espaciais. Medição, registro e representação do espaço tridimensional das estruturas e contexto. Registro gráfico através de levantamento geométrico e fotográfico das estruturas construtivas edificadas pelos maniçobeiros, considerando os sítios arqueológicos como contexto ambiental das estruturas.

c) Dados dos materiais construtivos. Registro gráfico através de levantamento fotográfico com utilização de escala de 1 metro e coleta de amostras das matérias-primas dos materiais construtivos.

Os registros gráfico e fotográfico evidenciaram as diferentes estruturas existentes nos sítios e seus detalhes, assim como o contexto onde cada um está inserido, para se ter uma visão geral das edificações na sua relação com os abrigos.

A representação do espaço tridimensional das estruturas e do contexto de cada um dos sítios visitados utilizou uma mesma escala gráfica para permitir a comparação entre eles. Os dados físicos coletados em campo permitiram que os sítios e as estruturas fossem ilustrados evidenciando o suporte rochoso e as edificações, em vista superior e corte esquemático. O objetivo foi compreender como se deram o aproveitamento e a ocupação do espaço pelos grupos maniçobeiros.

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A coleta de amostras foi realizada em todas as estruturas construtivas que não sofreram ações de restauro e que, portanto, contavam com os materiais originais, segundo a documentação obtida na Fumdham. Antes da coleta, as superfícies foram limpas com pincel e foi realizada a raspagem de uma fina camada da estrutura para que a amostra não fosse contaminada por outros materiais externos à estrutura. As amostras foram armazenadas em potes higienizados e identificados individualmente com auxílio de etiquetas de campo, para serem levadas ao laboratório.

Atividades da 2ª etapa Identificação das matérias-primas Teve como finalidade obter os dados de composição química e mineralógica dos elementos utilizados e os procedimentos operacionais empregados na sua preparação:

a) Análise macroscópica. Consistiu na observação da superfície do material construtivo, com auxílio de lente, buscando caracterizar os elementos constitutivos a partir de atributos que os agrupem e diferenciem. Foram observados atributos como granulometria, grau de seleção, esfericidade e arredondamento dos grãos, percentagem para o estabelecimento de tipos de materiais e coloração.

b) Análise Química. Fluorescência de Raios X por dispersão de energia (FRX-DE) com equipamento modelo X-MET 5100 da Oxford Instruments.

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O método para quantificar os elementos na amostra foi o Soil_LE_FP, método que determina elementos leves usando parâmetros fundamentais. O tempo de medida foi de 30 segundos. O número de medidas por amostra foi de 3 medidas para cada amostra.

No conjunto de dados obtidos, foi utilizada a análise de componentes principais com a ajuda do software SPSS estatística da IBM.

Descrição dos padrões construtivos Buscou-se compreender os procedimentos operacionais utilizados na edificação. Foram identificadas a espessura das paredes, as características físicas e a disposição dos elementos que compõem a estrutura (alinhamento e nivelamento), para se verificar a utilização de ferramentas.

Análise dos dados Para caracterizar o arranjo dos elementos, identificados na atividade anterior, em grupos (segundo os materiais construtivos e o agenciamento dos materiais) e a análise dos dados desses grupos para verificar suas cadeias operatórias. O ato de produzir pressupõe três conjuntos de dados: a matéria-prima, a mão de obra e os instrumentos. Através desses dados foi possível caracterizar o perfil tecnológico de cada sistema construtivo utilizado pelos maniçobeiros.

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5. CARACTERIZAÇÃO DOS PERFIS TÉCNICOS E TECNOLÓGICOS Para a realização desta pesquisa, foram visitados, em novembro de 2016, 14 sítios no Parque Nacional Serra da Capivara que foram reocupados por famílias de maniçobeiros no final do século XIX e início do século XX. Em cada sítio foram identificados os tipos de estruturas e os seus sistemas construtivos, conforme a Tabela 1. SÍTIO ARQUEOLÓGICO 1. Casa do Alexandre

ESTRUTURAS CONSTRUTIVAS HISTÓRICAS 1 moradia

2. Sítio da Ema do Brás II

1 forno de farinha

3. Sítio do Meio

1 forno de farinha

4. Toca da Igrejinha 5. Toca da Velha Mulata 6. Toca do Firmino 7. Toca do Forno da Serra Branca 8. Toca do João Sabino 9. Toca do Juazeiro 10.

Toca do Marco

1 moradia 1 moradia 2 moradias

Toca do Mulungu I

Alvenaria de rocha

1 forno de farinha

Alvenaria de rocha Taipa de mão com rocha Alvenaria de rocha Alvenaria de rocha Taipa de mão com rocha Taipa de mão com rocha Taipa de mão Taipa de mão com rocha Taipa de mão Alvenaria de rocha Não visível (forno está revestido) Alvenaria de rocha Alvenaria de rocha Alvenaria de rocha

1 moradia 1 moradia 1 moradia 1 moradia

1 moradia 1 forno de farinha

12. 13. 14.

Toca do Mulungu II Toca do Zé Paes Toca do Salustiano

Taipa de mão Alvenaria de tijolo cerâmico maciço Não visível (forno está revestido) Alvenaria de rocha Alvenaria de rocha Alvenaria de rocha

1 forno de farinha

1 moradia 11.

SISTEMAS CONSTRUTIVOS

1 forno de farinha 1 forno de farinha 1 forno de farinha

Tabela 1: Resumo dos 14 sítios reocupados por grupos maniçobeiros no Parque Nacional Serra da Capivara com identificação de dois perfis técnicos das estruturas construtivas (alvenaria de rocha e taipa de mão). Entretanto, verificou-se, em 4 dos 14 sítios, uma variação local da taipa de mão, a taipa de mão com rocha, realçada em amarelo. Revista indexada: Latindex www.ufpe.br/clioarq

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5.1 Síntese das Técnicas Existentes no Brasil e que se Identificaram nos Sítios Arqueológicos Reocupados Resumidamente, verificou-se que os sistemas construtivos utilizados nas estruturas construtivas históricas dos sítios visitados são oriundos de três padrões básicos: a) Taipa de mão. b) Alvenaria de rocha. c) Alvenaria de tijolo cerâmico maciço (empregada em 1 forno de farinha).5

Dentre os sistemas construtivos utilizados pelos maniçobeiros, pode-se afirmar que são sistemas usuais em todo o Brasil e mesmo em outros continentes. A taipa de mão, por exemplo, também conhecida como pau a pique, tem origem africana. Trata-se de uma estrutura em varas trançadas (árvores e arbustos) fechada com barro que apresenta pouca durabilidade quando sujeita às intempéries. Essa estrutura é ordenada e utiliza as varas de madeira na posição vertical e horizontal, resultando numa espécie de gaiola consistente e rígida, que depois é fechada com o barro. Na sua construção, as quinas da estrutura recebem montantes verticais, como esteios, que são troncos de maior espessura para melhorar sua rigidez. Esses montantes são enterrados em valas individuais e profundas. Os demais montantes verticais são menos espessos e são colocados com distância igual entre si. Estes

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No presente relatório os fornos de farinha não foram detalhados, pois a maior parte deles está revestida com reboco, prejudicando o levantamento e a análise dos dados. Além do mais, a maioria sofreu restauração sem que fossem documentadas as partes reconstruídas. A alvenaria de tijolo maciço foi utilizada apenas em um forno.

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são também enterrados no chão, mas em uma vala única, contínua, e pouco profunda. O conjunto é enlaçado com varas horizontais de menor espessura, e as amarrações são feitas com cipó ou com ramos de outras fibras vegetais. Para conseguir uma melhor rigidez das quinas, os executores fazem uma amarração dos montantes horizontais de cada lateral da estrutura entre si, ao redor dos esteios.

A alvenaria de rocha, por sua vez, também denominada alvenaria de pedra, caracteriza-se pela utilização de material construtivo cuja fonte está localizada nas proximidades da obra. Trata-se de uma estrutura que sobrepõe camadas de rochas, ligadas através de argamassa para possibilitar a edificação de um elemento estável frente às intempéries, com um comportamento monolítico. Na sua construção deve-se seguir uma sequência ordenada: inicialmente devem ser cavadas valas, a serem preenchidas com rochas, argamassa ou mesmo argila até o nível do solo, conformando a fundação da alvenaria. Para a parede, devem-se usar rochas de grandes dimensões na base, dispostas na direção perpendicular ao sentido da parede. Segue-se com o assentamento de camadas de rocha sobre argamassa, posicionando-as a partir da face mais lisa, de maneira que a verticalidade do conjunto seja garantida. A alvenaria resultante pode ou não ser rebocada e pintada. Ressalta-se, ainda, que nesse tipo de estrutura utilizam-se rochas de dimensões variadas e formato irregular e que a espessura da secção transversal das alvenarias está diretamente relacionada à capacidade de suporte que a parede precisa apresentar. Já a alvenaria de tijolo cerâmico maciço é um padrão bem conhecido no Brasil e recorrente desde o período colonial e pode ser encontrado em praticamente todas

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as cidades. Sua variabilidade decorre, basicamente, do tamanho e arranjo dos tijolos e do espaçamento dos rejuntes.

6. LEVANTAMENTO DE CAMPO E ANÁLISE DE MATERIAL 6.1 Sítios Arqueológicos com Estruturas em Taipa de Mão Foram identificados 5 sítios cujas estruturas estão construídas em taipa de mão: Casa do Alexandre, Toca do João Sabino, Toca do Juazeiro, Toca do Marco e Toca do Mulungu I. Como já foi sinalizado, verificou-se, no entanto, que algumas das estruturas construtivas apresentam uma variação nos materiais utilizados no fechamento da gaiola de madeira. Algumas moradias contam com rochas, além do barro, na vedação da estrutura.

198 Sítio Casa do Alexandre O Sítio Casa do Alexandre é um abrigo sob rocha localizado em um baixão, no sopé de uma serra na região da Serra Talhada. O sítio abrange uma área de 15 por 6 metros, a uma altitude de 434 metros acima do nível do mar. A casa construída pelos maniçobeiros foi posicionada encostada ao paredão de rocha arenítica, que passou a servir de fundo e teto da moradia. O suporte rochoso é inclinado, propiciando ainda proteção à estrutura dos efeitos da água das chuvas e do sol.

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Figura 2: Situação atual da estrutura construtiva em taipa de mão do Sítio Casa do Alexandre.

Figura 3: Vista superior e corte esquemático da estrutura construtiva histórica do Sítio Casa do Alexandre. Revista indexada: Latindex www.ufpe.br/clioarq

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Com base nos dados obtidos nas fichas técnicas de cadastro do sítio realizado pela Fumdham em 2000, 2001, 2006, 2008 e 2012 e em entrevistas aos seus funcionários, identificou-se que a estrutura construtiva do presente Sítio pode ter sofrido alterações no material de revestimento. Há registro de que houve reparos na construção em função da perda de material de fechamento, barro, que fazia o recobrimento da gaiola de madeira. Essa ação pode ter prejudicado a sua originalidade construtiva, uma vez que pode haver diferença na origem da matéria-prima, assim como na composição do material construtivo reposto.

Sistema construtivo da estrutura do Sítio A estrutura construtiva edificada no Sítio Casa do Alexandre foi a Taipa de mão, ou seja, uma estrutura de madeira composta por esteios verticais e horizontais recoberta com barro. Como essa estrutura sofreu restauração, especificamente a reposição do material, barro, que a revestia, não foi retirada amostra das paredes, porque sua originalidade poderia estar comprometida.

Sítio Toca do João Sabino O Sítio Toca do João Sabino é um abrigo sob rocha posicionado em frente a uma serra e está localizado na região da Serra Branca. Era um ponto de encontro onde as famílias dos maniçobeiros se reuniam para comemorar as festividades de São João. Abrange uma área de 29 por 6,60 metros, comprimento e largura, a uma altitude de 355 metros. O sítio possui 2 estruturas de moradia, além de um forno de farinha e fogões a lenha. Todas as moradias utilizam o suporte rochoso como parte da estrutura, especificamente as paredes de fundo e o teto. O suporte rochoso

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é inclinado, mas pouco profundo, portanto expõe as estruturas aos efeitos da água das chuvas, que tanto incide diretamente na estrutura quanto escorre pelo paredão.

201 Figura 4: Situação atual da estrutura construtiva em taipa de mão com revestimento de barro e rocha do Sítio Toca do João Sabino.

Figura 5: Vista superior e corte esquemático das estruturas construtivas históricas do Sítio Toca do João Sabino.

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202 Figura 6: Registro feito pela Fumdham em 2012 do Sítio Toca do João Sabino, onde se vê a estrutura de uma das casas parcialmente desmoronada, demonstrando que, na atualidade, a construção não é totalmente original.

A partir do registro fotográfico realizado pela Fumdham — em diversas épocas: 2001, 2002, 2006, 2008, 2009, 2010, 2011 e 2012 —, foi possível identificar que as estruturas mantêm certa originalidade construtiva. A Estrutura 1, no entanto, sofreu alterações parciais, pois foi realizada reconstrução de alguns trechos das paredes sudeste, o que pode ser verificado na figura acima. Observou-se, no entanto, que foram utilizados os mesmos materiais originalmente empregados (madeira, rocha e barro) e a mesma técnica construtiva.

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Sistema construtivo das estruturas do Sítio Originalmente, as estruturas construtivas presentes no Sítio Toca do João Sabino foram edificadas em taipa de mão, mas com o fechamento em barro e rocha. Esse sistema construtivo parece tratar-se de uma variação da taipa de mão. Para a caracterização dessa taipa de mão com rocha, além do levantamento físico — contextual, espacial e dos materiais construtivos — foi realizada coleta de amostra do barro que recobria a gaiola de madeira da Estrutura 2. A amostra de barro foi submetida à análise macroscópica e de FRX para caracterização de atributos comparáveis e verificação composicional, respectivamente.

Material bem selecionado, com grãos que podem ser vistos com auxílio de lupa. Verificou-se a existência de 40% de grãos de granulometria tamanho areia fina, 10% de grãos de coloração escura e 3% de grãos de mica, tamanho areia fina. Apresentava impurezas. Cor: marromclaro.

Figura 7: Análise macroscópica de barro utilizado como revestimento da Estrutura 2, em taipa de mão com rocha, do Sítio Toca do João Sabino.

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203

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Concentração (ppm)

300000 250000

Rejunte

200000 150000 100000 50000 0 Si

Al

Fe

K Ti Ca Elementos químicos

Zr

Sr

Gráfico 1: Histograma apresentando composição da amostra, resultado da análise de FRX realizada no barro utilizado como revestimento da estrutura de taipa de mão com rocha do Sítio Toca do João Sabino.

Toca do Juazeiro O Sítio Toca do Juazeiro é um abrigo sob rocha localizado na região da Serra Branca. O sítio abrange uma área de 8,90 por 3,50 metros, de comprimento e largura, e está distante cerca de 20 metros da estrada de acesso. A toca foi a antiga moradia de duas famílias durante a extração da maniçoba. Possui dois cômodos (sala e quarto) dentro de um abrigo natural, onde o suporte rochoso é inclinado. O formato da toca possibilitou que fosse construída apenas uma parede frontal para se ter uma moradia. O paredão serviu de paredes laterais direita e esquerda, parede de fundo e de teto da casa. O sítio conta ainda com um depósito, posicionado também dentro de uma toca, mais de menor dimensão, tanto na profundidade quanto na altura. No caso da estrutura de moradia, a parede edificada foi Revista indexada: Latindex www.ufpe.br/clioarq

204

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posicionada na entrada da toca, ficando exposta aos efeitos da água das chuvas, que tanto incide diretamente na estrutura quanto escorre pelo paredão.

205 Figura 8: Situação atual da estrutura construtiva 1, em taipa de mão com rocha, do Sítio Toca do Juazeiro.

Figura 9: Vista superior e corte esquemático das estruturas construtivas históricas do Sítio Toca do Juazeiro.

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206 Figura 10: Situação atual da estrutura construtiva 2, em alvenaria de rocha, do Sítio Toca do Juazeiro.

Com base no registro fotográfico realizado pela Fumdham em diversas épocas — 2001, 2004, 2006, 2011, 2013 e 2014 —, foi possível identificar que não houve desgaste nas estruturas de moradia e de depósito ao longo dos anos capaz de prejudicar a originalidade construtiva das estruturas.

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207 Figura 11: Registro da estrutura construtiva sendo utilizada por remanescentes de famílias de maniçobeiros, arquivo da Fumdham.

Sistema construtivo das estruturas do Sítio As estruturas construtivas presentes no Sítio Toca do Juazeiro foram edificadas em dois sistemas construtivos diferentes: a moradia foi construída em taipa de mão, mas com o fechamento em barro e rocha; e o depósito, em alvenaria de rocha. Esse sistema construtivo de taipa de mão com rocha configura uma variação da taipa de mão. Para auxiliar nessa caracterização, além do levantamento físico — contextual, espacial e dos materiais construtivos — foi realizada coleta de amostra da rocha e do barro utilizados como fechamento da Estrutura 1. A amostra de barro foi submetida à análise macroscópica e de FRX Revista indexada: Latindex www.ufpe.br/clioarq

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para caracterização de atributos comparáveis e verificação composicional, respectivamente; e na amostra de rocha foi feita análise de FRX.

Material muito bem selecionado, com grãos que podem ser vistos com auxílio de lupa. Verificou-se a presença de menos de 1% de grãos de quartzo de granulometria tamanho areia fina e 1% de grãos de mica de tamanho não mensurável. Cor: bege médio.

Figura 12: Análise macroscópica de barro utilizado como revestimento da estrutura de taipa de mão com rocha do Sítio Toca do Juazeiro.

208

350000 Concentração (ppm)

300000 Rejunte 250000 200000 150000 100000 50000 0 Si

Al

Fe K Ti Zr Elementos químicos

Sr

Rb

Gráfico 2: Histograma apresentando composição da amostra, resultado da análise de FRX realizada no barro utilizado como revestimento da estrutura de taipa de mão com rocha do Sítio Toca do Juazeiro.

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Toca do Marco

209

Figura 13: Situação atual da estrutura construtiva em taipa de mão com rocha do Sítio Toca do Marco.

Figura 14: Vista superior e corte esquemático da estrutura construtiva histórica do Sítio Toca do Marco. Revista indexada: Latindex www.ufpe.br/clioarq

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O Sítio Toca do Marco é um sítio de pintura rupestre, com pinturas não reconhecíveis, de formato geométrico. Localizado na região da Serra Branca, abrange uma área de 13 por 6 metros de dimensão (comprimento e largura) e está situado a uma distância de 100 metros da estrada de acesso. Pela sua condição de abrigo sob rocha, foi reocupado pelos maniçobeiros entre o final do século XIX e o início do século XX. A estrutura construída nesse período foi posicionada encostada ao paredão de rocha, que passou a servir de fundo da moradia, e, como o suporte rochoso é inclinado, funcionou também como teto. Essa situação em relação ao suporte rochoso propiciou uma certa proteção contra os efeitos causados pelas intempéries, apesar de que, pelas manchas que se verificam no suporte, a água das chuvas deve escorrer pelo paredão, provocando algum dano à

210

estrutura.

Com base no registro fotográfico realizado pela Fumdham em 2009, foi possível identificar que uma das paredes da estrutura construtiva existente no Sítio sofreu desmoronamento e que não houve reconstrução da mesma. As estruturas edificadas nesse período estão em péssimas condições de conservação, mas os remanescentes mantiveram a originalidade construtiva.

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211 Figura 15: Registro feito pela Fumdham em 2009 no Sítio Toca do Marco, onde se vê que uma parede da estrutura era maior que na atualidade, demonstrando que a construção não foi reconstruída, mantendo sua originalidade.

Sistema construtivo das estruturas do Sítio A estrutura construtiva existente no Sítio Toca do Marco foi edificada em dois sistemas construtivos diferentes: uma das paredes foi construída em taipa de mão, mas com o fechamento em barro e rocha; e a outra parede, em alvenaria de rocha, mas sem utilização de argamassa. O sistema construtivo da taipa de mão com rocha configura uma variação da taipa de mão. Além da caracterização feita com o levantamento físico — contextual, espacial e dos materiais construtivos —, foi realizada coleta de amostras da rocha e do barro utilizados como fechamento da parede em taipa de mão com rocha. A amostra de barro foi submetida à análise Revista indexada: Latindex www.ufpe.br/clioarq

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macroscópica e de FRX para caracterização de atributos comparáveis e verificação composicional, respectivamente; e na amostra de rocha foi feita análise de FRX.

Material muito bem selecionado, com grãos que podem ser percebidos com auxílio de lupa. Identificou-se a presença de menos de 1% de grãos de cor escura. Cor: bege médio.

Figura 16: Análise macroscópica de barro utilizado como revestimento da estrutura de taipa de mão com rocha do Sítio Toca do Marco.

212 350000 Concentração (ppm)

300000 Rejunte

250000 200000 150000 100000 50000 0 Si

Al

Fe

Ti

K

Ca

Zr

Sr

Cu

Elementos químicos

Gráfico 3: Histograma apresentando composição da amostra, resultado da análise de FRX realizada no barro utilizado como revestimento da parede de taipa de mão com rocha do Sítio Toca do Marco. Revista indexada: Latindex www.ufpe.br/clioarq

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Toca do Mulungu I

213 Figura 17: Situação atual de estruturas construtivas em taipa de mão e taipa de mão com rocha do Sítio Toca do Mulungu I.

Figura 18: Vista superior e corte esquemático da estrutura construtiva histórica da Toca do Mulungu I. Revista indexada: Latindex www.ufpe.br/clioarq

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O Sítio Toca do Mulungu I é um abrigo sob rocha com 28 metros de extensão localizado em um baixão na região da Serra Branca. Foi descoberto em 1973 pela Fumdham e se caracteriza por ser um sítio de pintura rupestre. Junto com os sítios Mulungu II, III, IV, compõe um complexo de sítios de pintura onde foram registradas figuras geométricas e zoomorfos. No final do século XIX e início do século XX, foi reocupado pelos maniçobeiros, que construíram três casas. As estruturas utilizaram o paredão rochoso como fundo das moradias. Por ser vertical com inclinação suave, as edificações não puderam contar com o abrigo para servir de coberta, acredita-se, portanto, que contavam com cobertas próprias. Com base nos registros fotográficos realizados pela Fumdham em diversas épocas — 1996, 1998, 2012, 2014 — e nos relatos dos antigos moradores da região, verificou-se que o sítio passou por uma revitalização e que duas das casas edificadas pelos maniçobeiros foram reconstruídas. A partir de escavações arqueológicas, o piso das estruturas foi evidenciado e as paredes foram, então, refeitas. Em apenas uma das estruturas, a única que não foi reconstruída, a Estrutura 3, foram identificados elementos da base da parede, logo acima da fundação, que podem ser considerados pertencentes à estrutura original.

Sistema construtivo das estruturas do Sítio Nas moradias edificadas no Sítio, podem ser identificados dois dos sistemas construtivos utilizados pelos maniçobeiros em toda a região: taipa de mão e alvenaria de rocha, e ainda a variação taipa de mão com rocha. No entanto, nas Estruturas 1 e 2, esses sistemas não são os originais. Na terceira estrutura, no

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entanto, foram encontrados restos da base de uma parede composta por rochas e barro, que pelo seu arranjo sugerem uma estrutura construída em taipa de mão com rocha. Para caracterização dessa última estrutura, foi realizada coleta de amostra de barro e de rocha. A amostra de barro foi submetida à análise macroscópica e de FRX para caracterização de atributos comparáveis e verificação composicional, respectivamente; e na amostra de rocha foi feita análise de FRX. Material moderadamente selecionado, com grãos que podem ser vistos com auxílio de lupa. Observou-se que há presença de 1% de grãos de quartzo de granulometria tamanho areia média, mas que há 25% de grãos não identificados de granulometria tamanho areia fina e 20% de grãos de cor escura de tamanho areia fina. Cor: marromclaro.

Concentração (ppm)

Figura 19: Análise macroscópica de barro utilizado como revestimento da estrutura de taipa de mão com rocha do Sítio Toca do Mulungu I. 350000 300000 250000 200000 150000 100000 50000 0

Rejun…

Si

Al

Fe

K Ti Ca Elementos químicos

Zr

Sr

Gráfico 4: Histograma apresentando composição da amostra, resultado da análise de FRX realizada com barro dos restos da base original de uma parede da Estrutura 3, do Sítio Toca do Mulungu I.

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Análise de componentes físico-químicos dos sítios com taipa de mão com rocha No gráfico abaixo, observam-se os elementos constituintes dos rejuntes dos sítios Toca do João Sabino, Toca do Marco, Toca do Juazeiro e Toca do Mulungu I, onde há estruturas construídas pelos maniçobeiros em taipa de mão com rocha. A comparação dos histogramas demonstra que em todas as amostras a presença de silício (Si), elemento que pode estar associado à presença de areia, e de alumínio (Al), provavelmente associado à presença de argila, é dominante, e, de uma maneira geral, os elementos assessórios são os mesmos, com pequena variação nas suas quantidades: ferro (Fe), potássio (K), titânio (Ti) e cálcio (Ca). Deve-se registrar apenas que, na amostra do Sítio Toca do Juazeiro, a proporção entre Si e Al é um pouco diferente da proporção entre esses elementos nas demais amostras. E ainda que a presença dos elementos K, Ca, Ti e Fe pode estar associada ao mineral mica.

Toca do João Sabino

400000

Toca do Marco

Toca do Juazeiro

Toca do Mulungu I

Si Al Fe Ti K Ca Zr Sr Cu

Si Al Fe K Ti Zr Sr Rb

Si Al Fe K Ti Ca Zr Sr

Rejunte 200000

0 Si Al Fe K Ti Ca Zr Sr

Gráfico 5: Comparativo dos histogramas das amostras de barro dos sítios Toca do João Sabino, Toca do Marco, Toca do Juazeiro e Toca do Mulungu I para evidenciar a semelhança entre os elementos constituintes, seus quantitativos e a proporção entre eles.

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6.2 Sítios Arqueológicos com Estruturas em Alvenaria de Rocha Foram identificados 6 sítios com estruturas construídas em alvenaria de rocha: Toca da Igrejinha, Toca da Velha Mulata, Toca do Firmino, Toca do João Sabino, Toca do Juazeiro e Toca do Mulungu I. Os três últimos também contam com estruturas em taipa de mão, por isso já foram apresentados no item anterior. Verificou-se apenas que parte da estrutura do Sítio Toca do Juazeiro era edificada em alvenaria de rocha sem argamassa, também conhecida como alvenaria de pedra seca, ou alvenaria insossa.

Toca da Igrejinha O Sítio Toca da Igrejinha é um sítio de pinturas rupestres que foi descoberto em 1983 pela Fumdham. Está localizado na região da Serra Branca e abrange uma área de 157 metros de comprimento por 10,5 metros de largura, posicionado a 472 metros de altitude em relação ao mar. O Sítio foi reocupado pelos maniçobeiros entre o final do século XIX e o início do século XX, onde edificaram estrutura de moradia, servindo também como ponto de encontro para orações. No período da maniçoba, os trabalhadores levavam os santos para a edificação, que passou a ser conhecida como Igrejinha, a fim de rezar por alguma dificuldade. A estrutura foi construída encostada no paredão rochoso arenítico, utilizado como fundo e teto.

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Figura 20: Situação atual da estrutura construtiva em alvenaria de rocha com rejunte do Sítio Toca da Igrejinha.

Figura 21: Vista superior e corte esquemático da estrutura construtiva histórica do Sítio Toca da Igrejinha.

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Com base nos registros fotográficos realizados pela Fumdham em diversas épocas —2005, 2006, 2007, 2011 e 2012 —, verificou-se que a estrutura construtiva do Sítio sofreu alterações. Foi realizada reconstrução parcial em cada uma das três paredes, utilizando, no entanto, o material original (rocha e barro) e a mesma técnica construtiva.

219

Figura 22: Registro feito pela Fumdham em 2012, onde se vê a estrutura parcialmente desmoronada, demonstrando que, na atualidade, a construção não é totalmente original.

Sistema construtivo das estruturas do Sítio A estrutura construtiva edificada no Sítio Toca da Igrejinha foi a alvenaria de rocha, ou seja, uma estrutura formada pela disposição de camadas de rocha, de formato e tamanho irregular, sobre argamassa, formando um monolítico. Para auxiliar na sua caracterização, foi realizada coleta de amostra de barro e de rocha Revista indexada: Latindex www.ufpe.br/clioarq

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de trecho não reconstruído. A amostra de barro foi submetida à análise macroscópica e de FRX para caracterização de atributos comparáveis e verificação composicional, respectivamente; e na amostra de rocha foi feita análise de FRX.

Material muito bem selecionado, com grãos que podem ser vistos com auxílio de lupa. Verificou-se a presença de 50% de grãos não identificáveis de granulometria tamanho areia fina e de 1% de mica de tamanho não mensurável. Não apresentava impurezas. Cor: marrom-acinzentado.

Figura 23: Análise macroscópica de barro utilizado como ligante da estrutura de alvenaria de rocha do Sítio Toca da Igrejinha.

Concentração (ppm)

350000 300000

Rejunte

250000 200000 150000 100000 50000 0 Si

Al

Fe

K

Ti

Ca

Zr

Sr

Elementos químicos

Gráfico 6: Histograma apresentando composição da amostra, resultado da análise de FRX realizada no barro utilizado como ligante entre as rochas da alvenaria do Sítio Toca da Igrejinha. Revista indexada: Latindex www.ufpe.br/clioarq

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Toca da Velha Mulata

221 Figura 24: Situação atual da estrutura construtiva em alvenaria de rocha com rejunte do Sítio Toca da Velha Mulata.

Figura 25: Vista superior e vista frontal da estrutura construtiva histórica do Sítio Toca da Velha Mulata.

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Figura 26: Registro feito pela Fumdham, em 2011, do Sítio Toca da Velha Mulata, onde se vê a estrutura de uma das casas parcialmente desmoronada, demonstrando que, na atualidade, a construção não é totalmente original.

O Sítio Toca da Velha Mulata é um abrigo sob rocha com pinturas e gravuras rupestres descoberto em 2001 pela Fumdham. Está localizado na região da Serra Branca, a uma distância de 300 metros da estrada de acesso. O sítio foi reocupado pelos maniçobeiros, que ali construíram estruturas para servir de moradia e de fogão a lenha. A moradia foi posicionada encostada ao paredão rochoso, que serviu não apenas de parede de fundo, mas de teto. No entanto, a pouca profundidade do abrigo não ofereceu grande proteção à edificação, que ficou, de certa maneira, exposta aos efeitos da água das chuvas, que tanto incide diretamente na estrutura quanto escorre pelo paredão.

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A partir do registro fotográfico realizado pela Fumdham em diversas épocas — 2011 e 2012 —, verificou-se que as estruturas construtivas do Sítio Toca da Velha Mulata sofreram alterações. Foi realizada reconstrução de parte da estrutura, utilizando, no entanto, o material original (rocha e barro) e a mesma técnica construtiva.

Sistema construtivo das estruturas do Sítio A estrutura construtiva edificada no Sítio Toca da Velha Mulata foi a alvenaria de rocha, ou seja, uma estrutura formada pela disposição de camadas de rocha, de formato e tamanho irregular, sobre argamassa, formando um monolítico. Para auxiliar na sua caracterização, foi realizada coleta de amostras de barro e de rocha. A amostra de barro foi submetida à análise macroscópica e de FRX para caracterização

de

atributos

comparáveis

e

verificação

composicional,

respectivamente; e na amostra de rocha foi feita análise de FRX.

Material muito bem selecionado, com grãos que podem ser percebidos com auxílio de lupa. Verificou-se a presença de 50% de quartzo de tamanho areia fina. Não apresentava impurezas. Cor: Marrom Claro.

Figura 27: Análise macroscópica de barro utilizado como ligante da estrutura de alvenaria de rocha do Sítio Toca da Velha Mulata.

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350000

Concentração (ppm)

300000 Rejunte

250000 200000 150000 100000 50000 0 Si

Al

Fe

K

Ti

Zr

Sr

Elementos químicos

224 Gráfico 7: Histograma apresentando composição da amostra, resultado da análise de FRX realizada no barro utilizado como ligante das rochas da estrutura construtiva do Sítio Toca da Velha Mulata.

Toca do Firmino O Sítio Toca do Firmino é um abrigo sob rocha que está localizado na região da Serra Branca. Foi ocupado pelos maniçobeiros entre o final do século XIX e o início do século XX. A Estrutura 1 foi construída entre duas rochas sobrepostas, aproveitando o espaço do abrigo natural. O suporte rochoso, inclinado e baixo, serviu de parede de fundo e de teto da nova moradia. A Estrutura 2, por sua vez, é um pouco mais ampla, pois está apoiada no paredão alto e pouco inclinado, que serviu de fundo.

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Figura 28: Situação atual da estrutura construtiva 2 em alvenaria de rocha do Sítio Toca do Firmino.

Figura 29: Vista superior e corte esquemático das estruturas construtivas históricas do Sítio Toca do Firmino.

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A partir do registro fotográfico realizado, em 2014, por Elizabete Buco para o livro de Ana Stela de Negreiros, foi possível verificar que as estruturas construtivas sofreram alterações. Foi realizada reconstrução parcial da Estrutura 1, utilizando-se o material original (rocha), mas uma outra técnica, a alvenaria de rocha seca, ou seja, alvenaria sem argamassa.

Rejunte 1: Material muito bem selecionado, com grãos que podem ser vistos com auxílio de lupa. Verificou-se menos de 1% de quartzo de granulometria tamanho areia média e 5% de mica tamanho areia fina. Não apresentava impurezas. Cor: bege-claro.

Rejunte 2: Material pouco selecionado, com grãos que podem ser percebidos com auxílio de lupa. Verificou-se a presença de 7% de quartzo de granulometria tamanho areia grossa, 10% de grãos de quartzo tamanho areia média e 7% de mica tamanho areia fina. Apresentava impurezas. Cor: avermelhada.

Figura 30: Análise macroscópica de duas amostras de barro utilizadas como ligante da Estrutura 1, de alvenaria de rocha, do Sítio Toca do Firmino.

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Concentração (ppm)

400000 350000

Rejunte 1

300000

Rejunte 2

250000 200000 150000 100000 50000 0 Si

Al

Ti

Fe

K

Zr

Sr

Ca

Elementos químicos

Gráfico 8: Histograma apresentando composição das amostras, resultado das análises de FRX realizadas no barro utilizado como ligante das rochas da Estrutura 1 do Sítio Toca do Firmino.

Material muito bem selecionado, com grãos que podem ser percebidos com auxílio de lupa. Verificou-se menos de 1% de grãos escuros não identificáveis e 5% de mica de tamanho não mensurável. Não apresentava impurezas. Cor: bege médio.

Figura 31: Análise macroscópica da amostra de barro utilizada como ligante da Estrutura 2, de alvenaria de rocha, do Sítio Toca do Firmino.

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Concentração (ppm)

350000 300000

Rejunte

250000 200000 150000 100000 50000 0 Si

Al

K

Fe

Ca

Ti

Sr

Zr

Elementos químicos

Gráfico 9: Histograma apresentando composição da amostra, resultado da análise de FRX realizada no barro utilizado como ligante das rochas da Estrutura 2 do Sítio Toca do Firmino.

Análise de componentes físico-químicos dos sítios com alvenaria de rocha No gráfico abaixo, observam-se os elementos constituintes dos rejuntes dos sítios Toca da Igrejinha, Toca da Velha Mulata e Toca do Firmino (Estruturas 1 e 2), onde há estruturas construídas pelos maniçobeiros em alvenaria de rocha. A comparação dos histogramas demonstra que em todas as amostras a presença de silício (Si) e de alumínio (Al), elementos provavelmente associados à presença de areia e de argila, respectivamente, é dominante, assim como nas amostras das estruturas construídas em taipa de mão com rocha. Observou-se ainda que os elementos acessórios são semelhantes e aparecem em quantidades também semelhantes: ferro (Fe), potássio (K), titânio (Ti), cálcio (Ca), da mesma maneira que nas estruturas construídas em taipa de mão com rocha. Deve-se registrar ainda que, na amostra do rejunte 2 na Estrutura 1 da Toca do Firmino, a proporção entre Revista indexada: Latindex www.ufpe.br/clioarq

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Si e Al é diferente da proporção entre esses elementos nas demais amostras: há menos areia e mais argila do que nas outras amostras. Finalmente, ressalta-se que a presença dos elementos K, Ca, Ti e Fe pode estar associada à presença de micas no rejunte. Toca da Igrejinha 400000

Toca da Velha Mulata

Toca do Firmino Estrutura I

Toca do Firmino Estrutura II

Rejunte 1 Rejunte 2

300000 200000 100000 0 Si Al Fe K Ti Ca Zr Sr

Si Al Fe K Ti Zr Sr

Si Al Ti Fe K Zr Sr Ca

Si Al K Fe Ca Ti Sr Zr

Gráfico 10: Comparativo dos histogramas das amostras de barro dos sítios Toca da Igrejinha, Toca da Velha Mulata e Toca do Firmino (Estruturas 1 e 2) para evidenciar a semelhança entre os elementos constituintes, seus quantitativos e a proporção entre eles.

7. DETALHAMENTO DOS PERFIS TÉCNICOS DAS ESTRUTURAS CONSTRUÍDAS NOS SÍTIOS REOCUPADOS NO PARQUE Como já foi citado, durante o levantamento dos sítios reocupados pelos maniçobeiros e das estruturas por eles edificadas foram identificados dois sistemas construtivos: taipa de mão e alvenaria de rocha. No entanto, verificou-se que algumas das estruturas em taipa de mão utilizavam também a rocha como revestimento, juntamente com o barro. Essa variação não é citada na bibliografia corrente sobre o tema, sugerindo tratar-se de um sistema construtivo particular utilizado por um grupo de emigrantes nordestinos, numa terra de clima seco, com vegetação de caatinga, num contexto socioeconômico de descaso, exclusão e sobrevivência.

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7.1 Perfil Técnico da Taipa de Mão Utilizada pelos Grupos Maniçobeiros

Figura 32: Sistema construtivo em taipa de mão construída a partir de montantes verticais e horizontais, em madeira, recobertos com barro.

A técnica da taipa de mão empregada pelos maniçobeiros na construção das estruturas de moradia no sudoeste do Piauí utilizou os mesmos materiais construtivos e procedimentos operacionais tradicionalmente usados. Foram edificadas casas com varas de madeira, em forma de gaiola, amarradas entre si com o auxílio de fibras vegetais e recobertas, manualmente, com barro retirado das redondezas do Sítio.

Para a descrição mais detalhada da aplicação dessa técnica, tão tradicional e mundialmente popularizada, no sudoeste do Piauí, optou-se por apresentar a estrutura construtiva histórica do Sítio Toca do Alexandre. A escolha se justificou pela verificação de uma certa originalidade da estrutura. Apesar de ter sido objeto

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recente de restauração, verificou-se pelos registros fotográficos da Fumdham e visita ao Sítio que a estrutura da gaiola permaneceu original. As ações de restauro parecem ter se limitado à colocação de eventuais arames de metal na amarração das varas, em substituição à fibra vegetal, e à reposição manual do barro em alguns pontos da estrutura.

No levantamento físico da casa, verificou-se que os montantes verticais e horizontais utilizados na conformação da gaiola apresentam padronização das peças segundo seu diâmetro e sua hierarquização estrutural. No entanto, observouse ainda que as varas não são retilíneas, algumas são curvadas e mesmos tortuosas. Essa situação pode ser explicada pela oferta de matéria-prima, uma vez que a região integra o bioma da Caatinga, onde as árvores são tortuosas em função das condições ambientais de extrema estiagem por tempos prolongados. Quanto aos diâmetros dos montantes, observam-se as seguintes medidas: a) Montantes verticais. Esteios – madeira com diâmetro que varia de 8 a 10 cm. b) Montantes verticais – madeira com diâmetro que varia de 5 a 6 cm. c) Montantes horizontais – madeira com diâmetro que varia de 1 a 2 cm.

Deve-se registrar ainda que, na configuração da gaiola, os esteios foram colocados nos vértices da estrutura e nas marcações das portas externas e internas; os outros montantes verticais foram posicionados com distância igual entre eles ao longo dos panos de parede; e, finalmente, os montantes horizontais também foram colocados com espaçamentos iguais, mas com menor distância, para permitir que o barro não se desprendesse da estrutura. Essa maneira de confeccionar a gaiola é Revista indexada: Latindex www.ufpe.br/clioarq

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necessária para se alcançar a consistência e rigidez esperadas. Quanto às distâncias dos montantes verticais entre si e os montantes horizontais entre si, seguem as medidas utilizadas pelos maniçobeiros:

a) Distância entre os montantes verticais – varia de 20 a 30 cm, b) Distância entre os montantes horizontais – varia de 10 a 20 cm.

A partir desses dados, pode-se inferir que, na estrutura do Sítio Toca do Alexandre, a padronização no posicionamento das varas apresentou uma margem de tolerância, entre a menor e maior medida, elevada. Diferentemente da padronização utilizada no diâmetro das varas. Essa condição pode ser indicativa da ausência de instrumentos de medição ou gabaritos ou da falta de habilidade do construtor, por exemplo.

De uma maneira geral, observa-se que a taipa de mão reproduzida pelos maniçobeiros no sudoeste do Piauí se equipara àquela técnica milenarmente empregada em todo o mundo. Como já foi citado, materiais construtivos e procedimentos são equiparáveis, qualquer diferença pode estar relacionada à qualidade da mão de obra e disponibilidade de matéria-prima e instrumentos.

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7.2 Perfil Tecnológico da Taipa de Mão com Rocha Utilizada pelos Grupos Maniçobeiros

Figura 33: Sistema construtivo local em taipa de mão com rocha, construída a partir de montantes verticais e horizontais, recoberta com barro e rocha.

A partir do levantamento de campo e com base na bibliografia consultada, percebeu-se que esse padrão construtivo é uma solução local derivada da taipa de mão convencional. Dentro desse modelo local, foram edificadas casas com varas de madeira, em forma de gaiola e amarradas entre si com o auxílio de fibras vegetais, seguindo o padrão convencional. Entretanto, em vez do recobrimento com barro, esse perfil tecnológico utilizou rochas argamassadas com barro. Como não foram encontrados registros documentais sobre a utilização desse sistema construtivo em outros lugares, acredita-se que tenha sido uma alternativa local às técnicas

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tradicionalmente empregadas (taipa de mão e alvenaria de rocha), em função de alguma limitação, por exemplo ambiental ou econômica. Um aspecto que conota o uso dessa tecnologia é o fato de ela ter sido aplicada em locais de mais exposição às intempéries, ou seja, para construções que precisavam ser mais resistentes principalmente às chuvas e à água que escorria pelo paredão. Enquanto o barro, quando submetido aos efeitos da água das chuvas, se desmancha, se desprendendo da gaiola, a rocha resiste aos efeitos da água, permanecendo inerte. Pode-se sugerir, portanto, que uma estrutura em taipa de mão com rocha, produzida pelos maniçobeiros no sudoeste do Piauí, necessita de menos manutenção do que uma estrutura em taipa de mão convencional.

234 Para a descrição dessa tecnologia, optou-se por apresentar a estrutura construtiva histórica do Sítio Toca do João Sabino. Esse sítio conta com duas estruturas: uma delas foi restaurada parcialmente, mantendo os mesmos materiais e técnicas construtivas; a segunda casa, por outro lado, manteve o bom estado de conservação, como pode ser observado nos registros fotográficos da Fumdham ao longo dos anos e na visita ao Sítio. Essa estrutura permaneceu, portanto, original. A partir do levantamento físico da Estrutura 2, observou-se que as peças de madeira que compõem a gaiola — esteios, montantes verticais e horizontais — apresentaram uma certa padronização. O diâmetro das peças foi padronizado segundo a sua função, e o seu posicionamento nos panos de parede obedeceu a uma hierarquização estrutural. Assim como nas peças da taipa de mão, as varas de

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madeira utilizadas para compor a estrutura são curvadas e tortuosas, característica da vegetação arbórea da Caatinga. Quanto aos diâmetros dos montantes, observam-se as seguintes medidas:

a) Montantes verticais. Esteios – madeira com diâmetro que varia de 7 a 8 cm. b) Montantes verticais – madeira com diâmetro que varia de 4 a 6 cm. c) Montantes horizontais – madeira com diâmetro que varia de 1,6 a 2,4 cm.

As medidas encontradas nesse sistema construtivo são semelhantes àquelas da taipa de mão. Percebe-se, no entanto, que os montantes horizontais apresentam uma medida ligeiramente menor. Já o montante horizontal apresenta uma medida um pouco maior, como pode ser observado pela tabela abaixo. Essa diferença pode estar relacionada a uma necessidade estrutural do conjunto edificado ou, simplesmente, à oferta de matéria-prima.

Peças

Taipa de mão Diâmetro De 8 a 10 cm

Taipa de mão com rocha Diâmetro De 7 a 8 cm

Montantes verticais

De 5 a 6 cm

De 4 a 6 cm

Montantes horizontais

De 1 a 2 cm

De 1,6 a 2,4 cm

Montantes verticais. Esteios

Tabela 2: Diferença e variação de dimensões entre os montantes das construções de taipa de mão e taipa de mão com rocha. A variabilidade pode indicar oferta de matéria-prima ou diferença entre os projetos de estrutura, por exemplo.

Deve-se registrar ainda, da mesma maneira que se costuma fazer com a taipa de mão, na configuração da gaiola para a taipa de mão com rocha os esteios são Revista indexada: Latindex www.ufpe.br/clioarq

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colocados nos vértices e portas externas e internas da estrutura; os outros montantes verticais são posicionados com distância igual entre eles; e os montantes horizontais também são colocados com espaçamentos iguais, de menor distância. Essas distâncias também seguem uma padronização, com uma tolerância maior entre a maior e menor distância:

a) Distância entre os montantes verticais – varia de 33 a 45 cm. b) Distância entre os montantes horizontais – varia de 16 a 18 cm.

Os espaçamentos entre os montantes, nos dois sistemas, apresentam diferenças que podem estar relacionadas ao material utilizado para o recobrimento da gaiola. Na taipa de mão, os vazios entre os montantes não poderiam ser grandes, para garantir que o barro aderisse à gaiola e não se desprendesse. Já na taipa de mão com rocha, os vazios tinham que permitir a inserção de rochas e a colocação de argamassa para possibilitar a união desses elementos.

Peças Montantes verticais Montantes horizontais

Taipa de mão Distância entre eles De 20 a 30 cm

Taipa de mão com rocha Distância entre eles De 33 a 45 cm

De 10 a 20 cm

De 16 a 18 cm

Tabela 3: Diferença e variação de dimensões da distância entre montantes das construções de taipa de mão e taipa de mão com rocha. A variabilidade na distância entre os montantes verticais pode estar relacionada aos materiais utilizados no fechamento. No fechamento com barro, a distância é menor e mais regular, no fechamento com rocha e barro, a distância é maior e mais irregular, pois as rochas usadas são irregulares.

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Esses dados, juntamente com a visualização de uma parede edificada com esse sistema construtivo, evidenciam os procedimentos operacionais para a construção de tal estrutura. Ou seja, após a confecção da gaiola, tem-se início a colocação de unidades de rocha sobrepostas, empilhadas, ligadas através de argamassa dentro de cada espaço retangular, delimitado pelos montantes verticais e horizontais, sem amarração entre si. As rochas devem ser cuidadosamente escolhidas, com comprimento e altura equivalentes ao espaço onde será assentada.

Com os procedimentos acima descritos, essa técnica poderia, por um lado, propiciar o uso de rochas com dimensões padronizadas e, consequentemente, o alinhamento das camadas, mas, por outro lado, a ausência de amarração entre as rochas aumentaria a solidez do conjunto.

O levantamento de campo, no entanto, revelou que não houve padronização no tamanho das rochas utilizadas na Estrutura 2 do Sítio Toca do João Sabino. A tolerância entre a menor e maior medida é muito elevada, seja para o comprimento, seja para a altura das rochas. Verificou-se, por outro lado, o uso de fragmentos de rocha de menor tamanho para complementar espaços que ficaram vazios. Uma consequência direta dessa não padronização das rochas é a grande variação entre as medidas dos rejuntes verticais e horizontais e a falta de alinhamento entre as camadas de rocha.

Dimensão das rochas: a) Comprimento das rochas – varia de 10 a 40 cm. b) Altura das rochas – varia de 2,30 a 11,50 cm. Revista indexada: Latindex www.ufpe.br/clioarq

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Dimensão dos rejuntes: c) Distância vertical entre as rochas – varia de 0 a 4,50 cm. d) Distância horizontal entre as rochas – varia de 0,80 a 8,50 cm. Com base nos dados obtidos na Estrutura 2 do Sítio Toca do João Sabino, assim como na técnica da taipa de mão observada no Sítio Toca do Alexandre, constatou-se que a padronização no posicionamento das varas apresentou uma margem de tolerância, entre a menor e maior medida, elevada. Diferentemente da padronização utilizada no diâmetro das varas. Constatou-se ainda que não houve padronização das dimensões das rochas utilizadas, não propiciando o alinhamento entre as camadas. Essa condição, assim como na taipa de mão, pode ser indicativa da ausência de instrumentos de medição ou gabaritos ou da falta de habilidade do construtor. Do ponto de vista do desenvolvimento tecnológico, essa variação técnica, da taipa de mão, não parece ter agregado qualidades mecânicas à estrutura, ou seja, não parece ter aumentado sua solidez estrutural. Normalmente a solidez é o resultado da combinação entre a qualidade da matéria-prima, existência de amarração entre os elementos construtivos e construção da parede em prumo. A presença da rocha, por outro lado, parece ter contribuído para a durabilidade do conjunto frente à água das chuvas, que precisaria de menor manutenção.

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7.3 Perfil Técnico da Alvenaria de Rocha Utilizada pelos Grupos Maniçobeiros

Figura 34: Sistema construtivo em alvenaria de rocha com rejunte em barro do Sítio Toca da Igrejinha.

Figura 35: Sistema construtivo em alvenaria de rocha com rejunte em barro do Sítio Toca da Igrejinha, onde não se observa padrão de matéria-prima nem modulação na sua paginação. Revista indexada: Latindex www.ufpe.br/clioarq

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A técnica da alvenaria de rocha empregada pelos maniçobeiros na construção das estruturas no sudoeste do Piauí utilizou os mesmos materiais construtivos e procedimentos operacionais tradicionalmente usados. Foram edificadas casas pela sobreposição de camadas de rochas, ligadas através de argamassa de barro, possivelmente retirado das redondezas do Sítio.

Para a descrição mais detalhada da aplicação dessa técnica, tão tradicional e popularizada, foi selecionada a estrutura construtiva histórica do Sítio Toca da Igrejinha. A escolha se justificou pela verificação da originalidade de algumas partes da estrutura. A construção foi objeto de restauração, no entanto verificou-se pelos registros fotográficos da Fumdham e por visita ao Sítio que algumas partes da estrutura permaneceram originais.

No levantamento físico da estrutura, verificou-se que as rochas utilizadas não apresentavam padronização das suas dimensões, comprimento e altura. Há uma grande tolerância entre a maior e menor medida. Também se verificou uma grande variação entre as medidas dos rejuntes verticais e horizontais. E, apesar de ter amarração entre as rochas, não há padrão do transpasse, as rochas se entrelaçam de 2,40 a 10,70 cm. Esses dados evidenciam a falta de projeto de alvenaria.

Dimensões das rochas a) Comprimento da rocha – varia de 12 a 42 cm. b) Altura da rocha – varia de 2,20 a 12,50 cm.

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Dimensões dos rejuntes a) Distância vertical – varia de 1,30 a 5,20 cm. b) Distância horizontal – varia de 0 a 7,00 cm. O levantamento também evidenciou que não se utilizaram rochas de maior dimensão na base da estrutura nem houve o seu posicionamento perpendicular à parede. A estrutura edificada pelos maniçobeiros também não dá evidências da utilização de instrumentos, como nível e linha. As camadas não foram dispostas em nível e não houve uso de prumo no agenciamento do material construtivo, apesar de que a parede não aparenta estar desaprumada.

A partir desses dados, pode-se inferir que, na estrutura do Sítio Toca da Igrejinha, não houve projeto de alvenaria, haja vista a ausência de padronização do material construtivo e dos procedimentos construtivos. Essa condição pode ser indicativa, por exemplo, da ausência de instrumentos ou da falta de habilidade do construtor.

No entanto, de uma maneira geral, observa-se que a alvenaria de rocha reproduzida pelos maniçobeiros no sudoeste do Piauí se equipara à técnica popular, uma vez que produziu uma estrutura com um comportamento monolítico. Como já foi citado, materiais construtivos e procedimentos são equiparáveis, qualquer diferença pode estar relacionada à qualidade da mão de obra e disponibilidade de matéria-prima e instrumentos.

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8. COMPARAÇÃO DOS REJUNTES Para complementar o detalhamento dos perfis técnicos e tecnológicos dos sistemas construtivos das moradias construídas pelos maniçobeiros no Parque, a fim de diferenciar suas cadeias operatórias, foi necessário realizar análises comparativas entre os rejuntes dos diferentes perfis.

Lembrando que o ato de produzir pressupõe três conjuntos de dados: a matériaprima, a mão de obra e os instrumentos e que para os três perfis construtivos a mão de obra e os instrumentos disponíveis eram semelhantes, foi necessário conhecer com mais propriedade a matéria-prima e os procedimentos operacionais para preparação dos materiais construtivos para um maior detalhamento dos perfis técnicos e tecnológicos encontrados.

Com relação às matérias-primas utilizadas nos diferentes perfis (rocha, madeira e barro), a rocha e a madeira não receberam tratamentos diferenciados. A rocha que estava disponível no entorno no sítio era utilizada, e a vegetação arbórea e arbustiva existente nas redondezas era transformada em varas. Diferentemente, os rejuntes utilizados em cada perfil, apesar de utilizar argila e areia disponíveis no entorno, eram o resultado de uma mistura entre esses materiais, cuja proporção atendia a diferentes objetivos. No caso do rejunte para a taipa de mão, o barro deveria ser mais plástico. Segundo Bruno, uma argamassa de terra para preenchimento e revestimento precisaria ser argilosa para poder garantir a plasticidade e trabalhabilidade necessárias, mas deveria contar ainda com minerais, como o quartzo, cuja função seria diminuir os efeitos da retração da

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argila

durante

a

secagem,

evitando

fissuras

e,

consequentemente,

o

enfraquecimento do revestimento (2006). O objetivo da comparação dos rejuntes dos diferentes perfis construtivos foi verificar se haveria diferentes misturas entre esses materiais (areia e argila) e ou a adição de outros minerais.

8.1 Análise Comparativa Macroscópica dos Rejuntes da Taipa de Mão com Rocha e Alvenaria de Rocha A partir das análises macroscópicas, foi possível verificar que as amostras de barro retiradas dos sítios Toca do Firmino (Rejunte 2 da Estrutura 1) e Toca da Velha Mulata apresentam a maior quantidade de grãos de quartzo visíveis com auxílio de lupa, 7% e 50%, respectivamente. Ambas as estruturas foram construídas em alvenaria de rocha, e o barro foi utilizado como rejunte. A maior presença de quartzo nesse tipo de rejunte, em detrimento da sua menor quantidade no barro das estruturas de taipa de mão com rocha, sugere que o sedimento utilizado para unir as rochas na alvenaria é mais arenoargiloso. Por sua vez, o barro utilizado para fechamento da gaiola de madeira na taipa de mão com rocha seria mais plástico, mais argiloarenoso. Foi percebido ainda, na observação com lupa, que as amostras de barro das estruturas de alvenaria de rocha contam com a presença de mica em maior quantidade. Essas amostras das estruturas em alvenaria de rocha apresentam entre 5 e 7% de mica, enquanto que, nas amostras da taipa de mão com rocha, quando há a presença de mica, esta não ultrapassa os 3%. A presença de mica poderia Revista indexada: Latindex www.ufpe.br/clioarq

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estar relacionada à quantidade de minerais existentes nos barros, sugerindo que os barros mais arenoargilosos teriam maior quantidade de mica. Por outro lado, observou-se que, nas amostras de barro das estruturas em taipa de mão com rocha, há a presença de grãos visíveis em lupa de coloração escura, com tamanho inferior a 0,5 mm. A concentração de grãos escuros nessas amostras varia de 10% a 20%, enquanto que, nas amostras de argamassa da alvenaria de rocha, a concentração é menor que 1%. A análise macroscópica, no entanto, não conseguiu identificar qual o mineral constituinte dos grãos escuros.

8.2 Análise Comparativa por FRX dos Rejuntes da Taipa de Mão com Rocha e Alvenaria de Rocha Cada histograma mostrado acima apresenta os resultados do quantitativo das concentrações dos elementos químicos observados em cada rejunte de cada sítio analisado. A partir desses dados, podemos comparar o quantitativo de Si (silício), por exemplo, e podemos afirmar que os rejuntes dos sítios Toca da Velha Mulata e Toca do Firmino (Estrutura 1, rejunte 2) possuem as maiores concentrações de Si, o que está associado à presença de quartzo. Portanto, podemos inferir que esses dois sítios têm maior quantidade de quartzo (SiO2). Os outros elementos, como o Al (alumínio), devem estar associados à presença de argilas, basicamente Al2O3.2SiO2.H2O. Ao comparar as concentrações de Al, podemos observar, por exemplo, que os sítios Toca do Juazeiro e Toca do Firmino (Estrutura 1, rejunte 1) contêm concentrações de Al acima de 150.000 ppm, o que indica uma presença maior de argilas nesses dois rejuntes. Revista indexada: Latindex www.ufpe.br/clioarq

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A presença do elemento K (potássio) está associada, muito provavelmente, à presença de micas: muscovita (KAl2 (AlSi3O10) de cor branca ou cinza e/ou biotita (K(Mg,Fe)3(OH,F)2(Al,Fe)Si3O10)),

observadas

também

nas

análises

macroscópicas. Ao observarmos os valores das concentrações de K, podemos afirmar que existe maior quantidade desse elemento no rejunte do Sítio Toca do Firmino (Estrutura 2), o que indicaria uma maior concentração de mica nesse rejunte.

Assim, a composição que resultou nos rejuntes, de taipa de mão com rocha e da alvenaria de rocha, revelou que os grupos de maniçobeiros utilizaram os materiais de forma a atender diferentes exigências morfológicas dos sítios. Nos sítios mais expostos à água da chuva, optou-se por edificar moradias em taipa de mão com rocha. Nesses casos, na composição areia x argila, a quantidade de quartzo (areia) utilizada foi menor que a quantidade desse mesmo material usada em construções de alvenaria de rocha. Isso se justificaria pela necessidade de uma maior plasticidade do rejunte na taipa de mão, que pode ser alcançada quando se utiliza uma menor quantidade de areia.

9. CONCLUSÕES As moradias utilizadas pelos grupos maniçobeiros para reocupar os sítios arqueológicos no Parque Nacional Serra da Capivara repetem três padrões técnicos convencionais (taipa de mão, alvenaria de rocha e alvenaria de tijolo maciço), porém, em decorrência de exigências ambientais (proteção contra a

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chuva e contra as águas que escorrem pelos paredões dos abrigos), verificou-se o aperfeiçoamento de um perfil tecnológico que gerou uma solução local: a taipa de mão com rocha. Cabe salientar que não foram localizadas referências dessa tecnologia, ou modelos semelhantes que empregassem a taipa e a rocha, em obras de referência, entre as quais destacamos OLIVER, 2006; STEELE, 2009; VELLINGA, 2007.

A qualificação desse perfil tecnológico foi possível através da identificação dos sistemas construtivos, ou seja, o resultado do agenciamento entre materiais construtivos e materiais ligantes e ainda do detalhamento dos sistemas construtivos a partir da identificação das matérias-primas dos materiais construtivos e das técnicas construtivas. Assim, podemos resumir que suas características são: a) Estrutura da gaiola é igual à estrutura da gaiola da taipa de mão convencional. b) A composição do rejunte, ou seja, argila (elemento plástico) e areia (elemento antiplástico), demostra uma preocupação com a plasticidade, típica da taipa de mão convencional. c) A introdução da rocha como material de vedação elevou a resistência da taipa de mão à água de chuva, uma vez que esse tipo de construção convencional é menos resistente. Portanto, a rocha imprimiu um caráter de maior durabilidade. d) Esse tipo de solução (taipa de mão com rocha) foi utilizado em locais mais expostos, ou seja, menos protegidos da água de chuva. Vale salientar que essas estruturas foram construídas sobre paredões rochosos, pelos quais, em períodos de chuva, há uma maior quantidade de água que escorre, e, portanto, a pedra foi o material local mais adequado.

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