PerformaDifusão - Laboratório Conceitual

July 22, 2017 | Autor: Braulio Neves | Categoria: Conceptual Art, Open Source, Creative Economy, Cyber Activism
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PerformaDifusão - Laboratório Conceitual1 Bráulio de Britto Neves Oficina para o programa “Interações Florestais” Terra uma, Cataguazes, junho de 2008 Desde o final dos anos 1960 se fala em participação do espectador: foi a era do happening. Depois de dez anos de espetacularização de propostas radicais – fazer da experiência vivida objeto estético – volta-se recentemente ao assunto, agora sob os termos da performance e da "estética relacional". Aquela pesquisa artística que apareceu para por em cheque o fetichismo do mercado de objetos de arte, junto com a tutela governamental sobre as instituições (museus, escolas, financiamento de pesquisa), foi novamente reabsorvida. A estratégia da dessubstancialização das obras e da desindexação do circuito (tornando qualquer espaço-tempo passível de ser transformado em contexto de expressão artística) foi uma das lições que o mercado aprendeu com os artistas. Vamos levantar os olhos um pouco: entre 1970 e 1990, o mercado financeiro aprendeu com a economia real que o valor não está em investimentos individuais, mas em tendências gerais, ou seja, na dinâmica das relações de troca de bens e serviços mais do que em bens e serviços específicos (cujos valores variam de modo menos previsível do que índices econômicos). A era dos derivativos é a era da "estética relacional". A commodificação de tudo que se possa medir e transformar em "produto financeiro" distende-se na transformação de todas as relações intersubjetivas que se possa representar em objeto estético. Indexado institucionalmente como arte, as experiências estetizadas tem seu acesso artificialmente escasseado pelos expertos, que passam a controlar o acesso. Os eventos que o estetismo relacional apresenta como arte são uma forma especial de derivativos financeiros, porque seu valor de troca pode ser absolutamente arbitrário.

Enquanto isso, porém, continuamos a gostar de nossos obsoletos desenhos, gravuras, sonetos, filmes e picadeiros. Continuamos a experimentar outras perspectivas de relação com pessoas, lugares e momentos, usando nossas câmeras e gravadores para que se abram aos olhos dos públicos presentes e futuros, atuais ou imaginários. Ainda desempenhamos nossas orgias sensoriais e perceptivas só porque gostamos da experiência de realizá-las e de compartilhá-las com pessoas que gostam de se espantar com a vida. Teimamos em hospedar os companheiros de produção de arte nas nossas casas, partilhar nossos espaços de trabalho. O "coletivo de arte", mesmo depois de transformado em um badge-tag-flag emergente para os especuladores da arte, permanece uma metáfora para desfrutarmos da criação por mentes coletivas. Até quando vamos ficar lamentando que a prática da arte, mesmo tendo sentido próprio, não consegue se realizar nas circunstâncias do neoliberalismo sem que este sentido seja transformado em um valor de uso dependente do valor de troca?

Entre os praticantes de novas formas de criação - que não ousam intitular Arte, mas, “apenas bricolagem” - vem surgindo procedimentos que corporificam conceitos novos na teoria da arte. Eles se distinguem de anteriores pela circunstância de não serem de modo algum apropriáveis pela 1 Britto Neves, Bráulio. “PerformaDifusão, laboratório conceitual” [2008]. In: Ponto Florestal - arte, vídeo e ecologia, 01/2008, Capítulo, ed. 1, Terra Una, Nexo Cultural, pp. 4, pp.42-45, 2008. Também disponível em , acesso em 1jun2011;

2/3 espetacularização especulativa da arte (que é quando o fascismo alcança o nível de abstração máximo, como estética). Em compensação, podem ser utilizados para a formulação de exigências prefigurativas autonomistas (quando o propósito revolucionário se atualiza na escrita de si coletiva), através da política artística.

Os procedimentos de autonomia artística são formas pelas quais os artistas agem sobre a dimensão conceitual de sua produção de modo tão idiossincrático quanto na dimensão sensorial e material. "Arte conceitual", foi o nome que os especuladores da arte usaram para representar os primeiros experimentos que os produtores de arte realizaram nessa direção. A representação funcionou para estancar a criação dentro da produção de mercadorias. Nenhuma arte existe sem a dimensão conceitual: é possivel haver expressão pictórica sem o conceito de campo pictórico? Qual expressão cenica seria possível sem a imantação simbólica do espaço-tempo como cena? Existe cinema sem a transformação simbólica da percepção em expressão audiovisual? Vejo três (por vício pragmaticista?) estratégias básicas de operar sobre os conceitos que sustentam a manifestação da arte: licenciamento, documentação e produção de circuitos públicos. Vamos a elas: - No licenciamento a dimensão conceitual da produção é inscrita, como paratexto, nas próprias enunciações artísticas. É ela que estabelece, através dos códigos jurídicos, quem, em que momento e lugar, pode fazer o que com o trabalho de arte, e para quem. Abre-se campo para a poética das regras para apreciar (ou participar), reproduzir, comerciar, ou produzir derivações de uma produção artística desencadeadora. Enquanto não muda a legislação sobre os direitos sobre obras intelectuais, o criador que renunciar a manifestar o regime de autoria permite que outros se apropriem dos frutos de seu trabalho que fica esquecido ao relento do "domínio público". Aquele que apenas assinar seus produtos, embora garanta que será reconhecido como enunciador, submete-se às regras "todos os direitos reservados" que fazem com que seu esforço ganhe circulação pública como uma commodity. Mas aquele que escolher entre "licenças livres" (há muitas, muitas delas!) que já existem, já começa a bricolar com as formas de apropriação pública "alguns direitos reservado" de sua arte, mas não aproveita o licenciamento como matéria de expressão artística. Finalmente, o produtor de arte que inventa licenças de uso para seus trabalhos faz da apropriação pública seu mármore, seu palco, seu nanquim, sua fita magnética. Mas para isso, vai ter que se haver com as outras duas estratégias. - Documentação é o conjunto de práticas que traduzem os conceitos que governam os processos pelos quais a produção dos artistas é transposta para enunciações públicas. Essas representações (vestígios, documentos, documentários) são os signos realmente existentes que fazem com que a experiência das produções artísticas possa se expandir no tempo e no espaço, corporificar-se como enunciações artísticas. Para escolher o método conceitualmente mais congruente com seus propósitos, o artista deve estudar a história do documentário (ou, mais amplamente, dos "jogos de saber" envolvidos na documentação artística) para examinar como é cada conjunto retórico do cinema documentário articula sua estilística com os ethoi prevalecentes ou minoritários, em cada lugar e período. Nesse caso, através da história do "documentário poético" confrontamos - sob vários disfarces terminológicos - os mesmos dilemas: o que é mais importante, a experiência artística ou a sua documentação? É possível evitar que o registro da experiência artística comprometa a liberdade que sua efemeridade traz? Se a documentação for mesmo criativa, não ocupa o lugar do trabalho artístico? Todas essas são falsas questões, que tem um e o mesmo pressuposto: de que é possível dissociar os fenômenos da arte e da esfera pública.

3/3 Sem apreciação pública, não há arte, no máximo, há diletantismo. Invertendo o raciocínio, se a arte só se realiza como enunciação pública, logo trabalhos artísticos são tão mais consistentes quanto fazem dos parâmetros da representação pública matéria para sua exploração poética. Se não são transpostos para alguma forma narrativa, a experiência dos trabalhos artísticos se fragmenta entre reminiscências pessoais, perdendo a capacidade de continuar intrigando seus públicos. Muito embora o desempenho poético em presença seja insubstituível, não é para competir com ele que o documentamos. É para que, contra o escasseamento artificial da arte, possa desencadear outros desempenhos em presença, de modo que sua apreciação não seja realizada como privilégio. Finalmente, se uma enunciação documentária é poética, será exatamente para acentuar o sentido poético do seu objeto, fazendo com que surjam outras aisthesis através das sucessivas mudanças de contexto de interpretação. - "Publicização" (ou “publipoética”) é o termo que descreve as práticas artísticas que tomam a constituição de públicos como matéria de expressão poética. A esfera pública política nunca foi unitária e homogênea, mas desde sempre formada na confrontação entre espaços de visibilidade pública de diferentes estrutura e composição social. Portanto, os espaços públicos em que se realizam as enunciações artísticas são conflituosamente polifônicos. A exploração da enunciação artística como meio de construção prefigurativa de públicos "autônomos" (ou, em outros termos, "esferas públicas proletárias", "contrapúblicos", "circuitos autodependentes", "heterogêneos") é o traço distintivo daquelas práticas artísticas que deliberadamente buscam coerência com formas pós-capitalistas de existencia social. Os experimentos com esta forma de expressão, que não começaram com as performances antihierárquicas dos estóicos, tampouco vão terminar nos festivais Next5Minutes. Trata-se do seguinte: quando o artista estipula uma licença de uso que inova em algum aspecto a apropriação social do seu trabalho, usa de estratégias de documentação para fazer com que a enunciação artística que ele desencadeia propicie laços entre as pessoas, que passam formar o público deste trabalho. Quando isto ocorre, o artista pode projetar os processos pelos quais essa teia de relações intersubjetivas e "interobjetivas" se desenvolva em certa direção. É óbvio que os planos nunca são realizados tal como concebidos... é o que torna as proposições estéticas tão atraentes para a pesquisa artística: planos servem, fundamentalmente, para que as pessoas compartilhem suas esperanças. Concretamente, os procedimentos de publicização tendem a resultar de experiências de encontros pessoais, onde afetos compartilhados resultam em acordos informais de apoio mútuo na produção, disseminação e crítica entre pares. À medida em que se tornam costumeiros, o trabalho solidário vai trazendo a superposição entre redes de relações pessoais dos envolvidos. Em algum momento, conceitos, experiências vividas e (sempre) afetos são reciproca e reflexivamente reconhecidos pelas pessoas, inicialmente estranhas umas para as outras. Neste momento, elas se tornam um público. Quanto mais intensamente esses laços são constituídos em processos de deliberação coletiva sem a submissão à lógica de acumulação (de mérito, de capital, de poder), mais são originais, portanto, mais autônomo o (contra-)público é. Donde: produzir para o "circuitão" é sempre reproduzir clichês conceituais - por mais que os produtos seja sensorial ou perceptualmente instigantes.

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