Periferias em cena

September 26, 2017 | Autor: Adriana Facina | Categoria: Slums, Favelas, and Shanty-towns, Favelas, Periferia
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Descrição do Produto

Creative Commons Atribuição-Uso não-comercial-Compartilhamento pela mesma licença 3.0 Brasil License.

GRÁFICA E EDITORA RIO DG Produção • Impressão ANDRÉA VICHI Projeto Gráfico • Editoração • Arte-Final CAIO AMORIM • MARIANA GOMES Capa LUCAS GUIMARÃES Ilustração de Capa MARIA REGINA SCAFF Revisão de Textos

Aline Dantas, Marisa S. Mello e Pâmella Passos. Periferias em Cena! - 4º Curso de Formação de Agentes Culturais Populares. Rio de Janeiro, 2012. 152 p.; 23 cm. ISBN 978-85-64089-07-05 Tiragem: 1.000 exemplares. 1ª Edição.

Í N D IC ICE ÍN Prefácio

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Apresentação

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Parte I - O olhar da equipe Periferias em cena no IFRJ! Quando um curso de agentes culturais populares entra na escola técnica

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Adriana Facina, Aline Dantas, Marisa S. Mello, Pâmella Passos e Victor Baetas

Reflexões com a cultura popular: percursos do Periferias em Cena 2011

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Pâmella Passos

Cultura em movimento: uma apresentação da experiência do Curso de Formação de Agentes Culturais Populares 35 Adriana Facina

Práticas Pedagógicas na Educação de Jovens e Adultos: a experiência do curso de Formação de Agentes Culturais Populares 46 Aline Dantas

Administrando com as periferias

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Ane Alves, Danielly Ribeiro e Victor Baetas

Como elaborar e executar um projeto cultural Marisa S. Mello

Um outro olhar é possível. Acreditando e construindo uma comunicação pela diferença, contra a desigualdade. 69 Caio Amorim e Mariana Gomes

O IFRJ na construção de um diálogo entre Cultura e Educação na sociedade Rafael Barreto Almada

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Entrevista com Jefferson Robson Amorim da Silva, Diretor-Geral do Campus Rio de Janeiro do IFRJ 82 Parte II - As Periferias entram em Cena! Políticas Culturais no Brasil. Ousar lutar, ousar vencer. Cultura: direito de todos!

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Antônio Xaolin, Liliane Prohmann e Michel Cantero

Patrimônio Cultural

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Carlos Alberto Cruz de Almeida e Ingrid Couto

Uma Mistura Chamada Cultura: trajetórias de agentes culturais populares em diálogo com a teoria da cultura André Pessoa, Geysa Passos e Maria das Graças

Gestão Cultural

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Carlos Bessa, Marcos Reis e Marta Reis

Produção Cultural

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Cida Mansur e Maryáh da Penha

Economia da Cultura 113 Ana Paula Santos, Joelson Silva e W. Roberto dos Santos

Comunicação Popular na Era Digital 117 Bruno Melo, Genildo Honorato Ernesto e Kirk Russo

Legislações e Atividades Culturais Populares 123 Antônio João Aragoso (Tojão), Dayse Vicente e Rosana Victor

Economia Solidária e Gestão Cultural 130 Renato Ribeiro dos Santos, Tânia Maria Fausto da Silva e Teresa Filomena Magalhães da Cruz

Fomento à Cultura: Leis e Políticas de Incentivo 135 Juliana Pontes Silva e Wladimir Augusto Silva de Souza

Parte III – Caderno de Imagens Periféricas

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A g r a d ec e c emo emos Agrad Ao Ministério da Educação, que financiou o projeto. Ao IFRJ, que acolheu e apoiou a iniciativa. A todas e todos que apoiaram a iniciativa, principalmente OiCult, Revista Vírus Planetário, Instituto Benjamin Constant e Apafunk. Aos professores do curso Adriana Facina, Aline Dantas, Ana Luísa Silva, Caio Amorim, Diogo Vianna, Emerson dos Santos (Fiell), João Guerreiro, Luiz Moncau, Maria Cecília Florence, Mariana Gomes, Marisa Mello, Moisés André Misenbaum, Pâmella Passos, Renata Silêncio, Samuel Araújo Silvio Mello, Simone Nascimento e Victor Hugo Adler Pereira. À equipe administrativa Ane Alves, Danielly Ribeiro e Victor Baetas. Aos alunos Ana Paula Santos, André Pessoa, Antônio João Aragoso (Tojão), Antônio Xaolin, Bruno Melo, Carlos Alberto Cruz de Almeida, Carlos Bessa, Cida Mansur, Dayse Vicente, Genildo Honorato Ernesto, Geysa Passos, Ingrid Couto, Joelson Silva, Juliana Pontes, Kirk Russo, Liliane Prohmann, Marcos Reis, Maria das Graças, Marta Reis, Maryáh da Penha, Michel Cantero, Renato Ribeiro dos Santos, Rosana Victor, Tânia Maria Fausto da Silva, Teresa Filomena Magalhães da Cruz, W. Roberto dos Santos, Wladimir Augusto Silva de Souza, um agradecimento especial.

P r e f á c io io Prefác Luiz Edmundo Aguiar Educador, Dr. em Ciências, Ex-Reitor do IFRJ, Diretor da Escola Nacional de Formação da Educação Profissional, Científica e Tecnológica – SETEC/MEC

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m Convite à Filosofia, Marilena Chauí, cita que foi Hegel e, depois dele, Marx que enfatizaram a Cultura como História. “(...)” O movimento da História-Cultura é realizado pela luta das classes sociais para vencer formas de exploração econômica, opressão social e dominação política. Ao desenvolver a teoria do Materialismo Histórico, Marx afirmou que para sobreviverem, os homens são obrigados a estabelecer inúmeras relações sociais. Estas relações se dão em vários níveis e são necessárias, determinadas e independentes das vontades individuais. Elas, tomadas em sua totalidade, constituem a estrutura econômica da sociedade, sobre a qual se apóiam as formas jurídicas, políticas, sociais e, a partir destas, as próprias consciências e a maneira como os indivíduos encaram o mundo. Daí a afirmação de Marx, segundo a qual “O modo de produção da vida material condiciona o processo da vida social, política e espiritual. Não é a consciência do homem que determina a sua existência, mas sua existência social que determina sua consciência”. Nesta perspectiva, a consciência, os valores humanos e as formas de comportamento são determinados pelas condições materiais e econômicas sob as quais o indivíduo está sujeitado. A hipótese lançada aqui neste livro de que “as favelas ainda são ocupadas por aqueles que aguardam a providência, ou ainda, o comprometimento do Estado”, é sustentada pela afirmação de Marx, segundo a qual, a sociedade divide-se em dois grandes grupos desproporcionais e antagônicos no jogo social: a burguesia e o proletariado.

Este último, marginalizado e desassistido historicamente, tem sido obrigado, muitas vezes, a estabelecer-se em locais desprovidos de tudo. E por razões que lhe são alheias, suas idéias e seus valores culturais são determinados pela classe dominante, uma vez que a maioria dos órgãos de imprensa, a escola e as atividades culturais, são propriedade da burguesia. Desse modo, expostos a uma doutrinação implacável, de um padrão de vida burguês, impossível de ser adotado por toda a população e que gera desigualdade, sofrimento e a busca desenfreada por um padrão de vida quase sempre inalcançável, como se fosse a única maneira de ser feliz, não é de se espantar que muitos indivíduos reproduzam dentro de suas áreas de ação a mesma prática que garante a própria sustentação de uma “elite”, determinada pela exploração do homem pelo homem, sendo que nesse caso, representada pela imposição violenta de bandidos e das polícias de estado. E, mesmo com os processos de pacificação que possam vir a ocorrer, o resgate de valores quase esquecidos, por anos de opressão, é fundamental para o desenvolvimento de um processo socialmente inclusivo. Porém, sem um auto-reconhecimento de seus próprios valores espirituais e culturais, é muito difícil um indivíduo conseguir posicionar-se sobre diversos assuntos da vida moderna, e em consequência, exercer efetivamente sua cidadania. Ter acesso ao conhecimento e à cultura, instrumentaliza o cidadão para que ele possa saber exigir os benefícios da aplicação dessas produções humanas para si próprio e para sua coletividade. O desinteresse pela cultura não é um fato que se auto-determine ou que simplesmente se justifique pela falta de criatividade ou curiosidade “natural” das pessoas, pelas diversas possibilidades de manifestações culturais que as rodeiam. Isto está muito mais ligado a um processo deliberado de alienação e controle do conhecimento e dos bens culturais, na perspectiva da manutenção de um estado de exploração e espoliação, que por séculos se perpetua com a dominação desses saberes por uma minoria exploradora. O ser humano é naturalmente curioso e criativo, o problema é que para satisfazer sua curiosidade e sua criatividade, sem ter que torná-lo capaz de intervir, seus próprios valores culturais lhe são negados. A imposição de valores da classe dominante é um fator de alienação e, portanto de afastamento da sua verdadeira cultura, o que lhe impede de atuar de forma contributiva para o processo de emancipação do indivíduo e da sociedade.

Ao possibilitar ao cidadão das periferias o domínio dos conhecimentos culturais, o curso de formação de Agentes Culturais Populares, que inspirou esse livro, vai para além dos limites impostos pelo capital para o papel de uma escola. Ele socializa o saber sistematizado, e desenvolve capacidades cognitivas e operativas para a atuação no trabalho e nas lutas sociais pela conquista dos direitos de cidadania. Dessa forma, ele efetiva a sua contribuição para a democratização social e política da sociedade. A formação de agentes populares da cultura, com certeza contribui, não apenas para se avançar no processo de popularização cultural, mas também para a qualificação da atividade profissional nessa área. Afinal, aprender sobre os diferentes mecanismos de produção cultural permite traçar paralelos com o desenvolvimento social e econômico do homem moderno. A opção de se desenvolver esse projeto, certamente contribui para a abertura de uma nova etapa no convívio social e na construção de uma nova consciência para as populações em situação de risco social. Se a compreensão da natureza é um anseio do ser humano, a garantia da auto-compreensão da cultura produzida nas periferias, tornou-se um imperativo ético. E atividades como as descritas neste livro, mostram que a cultura é, antes de mais nada, uma atividade criativa que pode e deve ser acessível a todos. A escolha da linguagem e da metodologia utilizada neste projeto, respeitando a opção e o limite de cada um, garantiu a redescoberta de uma conquista da humanidade, surgida num contexto social, político e econômico bem determinados e motivados por razões específicas. Dessa forma, a leitura de Periferias em Cena mostra-se como um fator de transformação social, de busca pela melhoria da qualidade de vida, onde seus frutos, agora com essa publicação, podem ser compartilhados por todos os segmentos sociais. Além de um relevante instrumento que assume seu caráter socializante que nega a alienação, essa comunicação passa a ser um importante instrumento educativo. Fica claro que entre as várias urgências no campo social, há no Brasil a necessidade de se chamar a atenção da sociedade como um todo para a importância das possibilidades culturais em geral e, especificamente àquelas que se mostram requisitos para a melhoria da qualidade de vida, para o desenvolvimento do país e para um caminho de emancipação de nosso povo.

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A p r e s e n taç t a ç, ããoo Apresen

O

presente livro registra o resultado do 4o curso de formação de agentes culturais populares, realizado no IFRJ em 2011 e intitulado Periferias em Cena. A primeira parte do livro apresenta textos da equipe que realizou o curso e de dirigentes da instituição, mais diretamente envolvidos no projeto. Desde a coordenação, passando pela parte pedagógica, administrativa e de consultoria, tanto de comunicação, quanto de produção cultural até os gestores institucionais. Quando as periferias entram em cena, o leitor irá se deparar com os relatos produzidos pelos alunos em grupo, que articularam as temáticas abordadas durante o curso e as suas práticas enquanto agentes culturais populares. Compondo a terceira parte, o Caderno de Imagens Periféricas registra as atividades desenvolvidas ao longo do projeto, como a visita técnica ao Festival de Inverno de Ouro Preto, realizada em julho; o Festival Periferias em Cena, que aconteceu em agosto e a prática de trabalho dos alunos em suas frentes de atuação. O Curso de Agentes Culturais Populares nasceu de uma perspectiva que reúne os elementos: crítica ao elitismo na arte e na cultura, visão da cultura como trabalho criativo, crítica ao mercado e percepção de que é preciso construir políticas culturais democráticas e voltadas às demandas populares. Periferias em Cena teve como principais objetivos a (in)formação e construção de redes de agentes culturais populares, a partir de uma concepção educativa de diálogo com a diversidade, o que é representativo das riquezas que a periferia tem a oferecer. Fica o convite, vem pra periferia você também! Aline Dantas, Marisa Mello e Pâmella Passos.

PARTE I

O olhar da equipe

PERIFERIAS EM CENA NO IFRJ! Quando um curso de Agentes Culturais Populares entra na Escola Técnica 1

Adriana Facina 2 Aline Dantas 3 Marisa S. Mello 4 Pâmella Passos Victor Baetas5

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presente texto tem por objetivo apresentar os caminhos que levaram um curso de extensão, dirigido aos agentes culturais populares, para dentro de uma Instituição tradicionalmente reconhecida por sua formação técnica, em especial na área de Química. Cabe historicizar que o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro (IFRJ) foi criado de acordo com a Lei 11.892, de 29 de dezembro de 2008, mediante a transformação do Centro Federal de Educação Tecnológica de Química de Nilópolis (CEFET Química de Nilópolis-RJ), seguida da integração do Colégio Agrícola Nilo Peçanha, até então vinculado à Universidade Federal Fluminense. A Instituição iniciou suas atividades em 1943 com uma única turma de 24 alunos do Curso Técnico de Química Industrial (CTQI), na antiga Escola Nacional de Química da Universidade do Brasil (atual UFRJ). Em 1946, o CTQI foi transferido para as instalações da Escola Técnica Nacional, hoje CEFET - RJ, onde permaneceu por 39 anos. Em 1959, passou a ser uma 1

Professora Doutora do Departamento de História da UFF e Vice-Coordenadora do curso Periferias em Cena. 2 Mestre em Educação pela UFF, Diretora de Gestão Pedagógica PROET – IFRJ e Coordenadora Pedagógica do curso Periferias em Cena. 3 Doutoranda do Departamento de História da UFF, produtora cultural e consultora em Produção Cultural do curso Periferias em Cena. 4 Professora do IFRJ, Doutoranda do Departamento de História da UFF e Coordenadora do curso Periferias em Cena. 5 Monitor do curso Periferias em Cena e aluno do IFRJ.

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Autarquia Educacional. Entre os anos de 1965 e 2008, a Instituição teve várias denominações, entre elas: Escola Técnica Federal de Química da Guanabara, Escola Técnica Federal de Química do Rio de Janeiro, até chegar a ser, CEFET Química de Nilópolis / RJ. Partindo desse histórico institucional, apresentaremos a trajetória deste curso, possibilitando ao leitor a compreensão de seus percursos. Tendo sua primeira turma em 2008 na Universidade Federal Fluminense (UFF), o curso de agentes culturais populares consolidou-se como um projeto desenvolvido pelo Observatório da Indústria Cultural (OICult) grupo de pesquisas da UFF cadastrado no CNPq, no qual participam pesquisadores do IFRJ e da UFF, sob coordenação da Professora Adriana Facina. Vale ressaltar que tal grupo atualmente vem se apresentando como uma referência estadual e nacional nos debates teórico-práticos sobre Políticas Culturais e Indústria Cultural, principalmente no que tange à cultura popular e as favelas. Após realizar duas turmas no Centro Cultural Laurinda Santos Lobo em Santa Teresa, a equipe do curso decidiu elaborar um projeto que garantisse sua execução no Campus Rio de Janeiro do IFRJ. Tal decisão partiu da identificação de que este é um local central da cidade, pois se localiza ao lado das estações de trem e do metrô, possibilitando assim, o acesso de alunos das mais diferentes comunidades. O Curso de Formação de Agentes Culturais Populares visa capacitar/ qualificar jovens e adultos moradores de espaços populares, sobretudo as favelas na cidade do Rio de Janeiro que desenvolvem atividades no campo da arte e da cultura (artistas e produtores culturais dos campos da música, dança, audiovisual, artes plásticas, artesanato, teatro e “animadores culturais”). A intenção é estimular tais iniciativas e permitir que elas possam se beneficiar de editais de fomento, sendo organizadas no sentido de captar recursos (públicos ou privados), bem como de desenvolver atividades auto-sustentáveis. Com isso, além da formação profissional dos empreendedores culturais das periferias cariocas, será possível dinamizar a economia das referidas localidades, tornando as atividades culturais já | 12 |

desenvolvidas por esses agentes fonte de renda e emprego para a população favelada. Outro objetivo é desenvolver redes culturais nas favelas, no sentido da construção de uma cultura de paz com voz que garanta o respeito à diversidade étnica, de gênero, religiosa, etc. (In)Formação e construção de redes: uma concepção educativa (...) a palavra será sempre o indicador mais sensível de todas as transformações sociais, mesmo daquelas que apenas despontam, que ainda não tomaram forma, que ainda não abriram caminho para sistemas ideológicos estruturados e bem formados. (BAKHTIN, 2004: 41) A epígrafe retirada das reflexões bakhtinianas visa apresentar nossa discussão acerca do que compreendemos como espaços populares, bem como nossa afirmação em relação ao uso do termo “favela” para designálos. Primeiramente, cabe destacar que assumimos como espaços populares os locais economicamente desfavorecidos, marcados por uma ausência de Políticas Públicas de Estado que garantam a criação e manutenção de condições dignas de vida, em suas mais diversas áreas, tais como: educação, saúde, esporte, cultura, habitação, saneamento básico, dentre outras. Em seguida, destacamos nossa opção, sobretudo, política, em utilizar o termo favela, oriundo historicamente do início da República brasileira. Ao retornar da última batalha contra o Arraial de Canudos, os soldados “vitoriosos” passam a abrigar a região que é atualmente conhecida como Morro da Providência, onde aguardavam a providência do Estado. Por terem ocupado um morro denominado favella durante o conflito na Bahia, os “heróis nacionais” acabaram por dar nome à região que ficou popularmente conhecida na época como Morro da Favela, considerada a primeira favela do Rio de Janeiro, datando de 1897. Nossa hipótese é de que as favelas ainda são ocupadas por aqueles que aguardam a providência, ou ainda, o comprometimento do Estado. Tendo | 13 |

passado por um processo de negativização, o termo favela, é considerado, por muitos, como pejorativo, associado muitas vezes à pobreza e/ou violência. Compreendemos, no entanto, que se trata de uma visão preconceituosa que não valida as produções e riquezas de tais espaços. Como destacamos anteriormente, o Periferias em Cena trata-se da continuidade de um processo, cuja turma de formação e capacitação é a quarta, sendo composta por moradores dos espaços populares e cuja primeira turma organizou o Festival Fala Favela. Tal evento, sobretudo, por seu nome, revela um momento de afirmação de uma identidade, recorrentemente deslegitimada e desvalorizada socialmente. É preciso reconhecer que, numa sociedade profundamente marcada pela desigualdade social como é a brasileira, a produção e a fruição cultural nos espaços populares se deparam com uma série de dificuldades. O próprio investimento estatal na cultura acaba, por vezes, reforçando uma lógica excludente e desigual. Um exemplo disso é a grande concentração de equipamentos e bens culturais no centro e na Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro. De acordo com dados da prefeitura, 60% dos teatros públicos encontram-se na Zona Sul e apenas 11% na Zona Norte da cidade. Ainda, 6

segundo a mesma fonte, a Zona Sul concentra 50% dos Centros Culturais . Nas favelas cariocas, praticamente inexistem cinemas, teatros e espaços culturais, bem como escolas de arte, audiovisual, etc. Além disso, o mercado não espelha a diversidade, a dinâmica e a pluralidade da cultura popular, sobretudo nas suas manifestações que não trazem um legado cultural consagrado pelo mercado e pelas elites. Portanto, acreditamos ser necessário criar uma rede cultural voltada à valorização das manifestações culturais e artísticas dos moradores de espaços populares, respeitando sua diversidade. Trata-se de algo imprescindível para a construção de sociabilidades urbanas pautadas por uma lógica democrática e cidadã, capaz de contrapor-se à sociabilidade violenta, enriquecendo a cultura da cidade como um todo, por meio de 6

Apud SOUZA E SILVA, Jailson e BARBOSA, Jorge Luiz. Favela: alegria e dor na cidade. Rio de Janeiro, SENAC, 2005, p. 108-9.

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trocas e circulação de saberes, gostos, valores e práticas culturais. É importante, ainda, destacar a relevância da cultura para a conformação de identidades sociais afirmativas, na contramão da ótica estigmatizante que hoje predomina nos meios de comunicação e em setores da sociedade sobre a população pobre, sobretudo a juventude. Enfatizar o protagonismo juvenil através de cursos, oficinas e produção cultural, estimulando os jovens a criarem representações de mundo e de si mesmos, é fundamental. A afirmação de identidades construídas por meio da diversidade de linguagens artísticas – música, teatro, fotografia, vídeo, artesanato, dança, grafite – pode ser também um caminho para garantir o direito à cidade para os jovens das camadas populares. Desse modo, a cultura pode ser compreendida como política pública social e não apenas como lazer mercantilizado. As favelas devem ser reconhecidas como espaços produtores de cultura e territórios centrais para a construção de uma identidade urbana cidadã, democrática e inclusiva. Outro elemento importante do projeto é a relação das populações faveladas com as instituições de educação pública, que mesmo com a avalanche privatista e neoliberal, conseguiram manter sua qualidade. O acesso dessas populações a tais instituições é ainda bastante restrito, sendo resultado de um processo histórico de desmantelamento da educação pública e da falta de uma política significativa de expansão das vagas no ensino público superior que dê conta da demanda por uma educação de qualidade socialmente referenciada para o conjunto da sociedade brasileira. Somente 1% dos moradores das comunidades populares do Rio de Janeiro chegou à universidade7. Dessa maneira, criar pontes entre as favelas, institutos federais e a universidade é central para que esses possam também dispor de instrumentais teórico-metodológicos que permitam refletir criticamente sobre a sociedade e identificar os desafios a serem superados.

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Idem, p. 117.

O Curso de Formação de Agentes Culturais Populares apresenta-se como uma proposta de constituição de um espaço articulador de uma área da atividade humana que hoje experimenta, em níveis inéditos, o avanço do mercado: a produção cultural. Nos espaços populares, a produção cultural tem sofrido com a falta de uma qualificação que permita aos que trabalham com a cultura disporem de meios de produzir reflexões e alternativas para sobreviver ao massacre do mercado, dominado pelas grandes corporações, bem como para uma produção artística que esteja vinculada, de forma radical, aos desafios vividos por essas populações no seu cotidiano. Segundo Frederic Jameson, a lógica cultural que corresponde ao atual estágio da organização das sociedades capitalistas é o pós-modernismo. No capitalismo tardio, a esfera da mercadoria amplia-se imensamente e a cultura tornou-se um produto a ser consumido cada vez mais avidamente, num processo de estetização radical da realidade. Dizendo de outra maneira, a produção estética encontra-se cada vez mais integrada à 8

produção de mercadorias em geral . Concretamente, tal processo resulta em criações culturais fragmentadas, muitas vezes conformistas, que não portam visões de mundo que permitam aos sujeitos históricos reconstruir sentidos e pensar criticamente sobre a realidade em que se inserem. O caótico, o aleatório, o nonsense apontam para uma perspectiva que apresenta uma condição histórica esvaziada do sentido de processo, sem passado e, portanto, sem um futuro que possa ser transformado. O que existe é um presente incompreensível. Entretanto, não podemos negar a capacidade de resistência dos “de baixo” aos processos de fragmentação e homogeneização das experiências culturais. Uma resistência que reside na necessidade de buscar alternativas para o acesso aos bens culturais, visto que há uma imensa concentração da produção e da distribuição, e no desejo de se elaborar produtos que portem suas visões de mundo e seus estilos de vida9. 8

JAMESON, Fredric. Pós-modernismo: a lógica cultural do capitalismo tardio. São Paulo, Ática, 1996. 9 Para os conceitos de visão de mundo e estilos de vida associados à cultura urbana ver os trabalhos de Gilberto Velho.

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Nesse contexto, as potencialidades criativas da reprodutibilidade técnica encontram-se encapsuladas pelo grande capital, na forma dos conglomerados da comunicação e do entretenimento. De acordo com Dênis de Moraes, “A mídia global está nas mãos de duas dezenas de conglomerados, com receitas entre US$ 8 bilhões e US$ 40 bilhões. Eles veiculam dois terços das informações e dos conteúdos culturais disponíveis no planeta. São proprietários de estúdios, produtoras, distribuidoras e exibidoras de filmes, gravadoras de discos, editoras, parques de diversões, TVs abertas e pagas, emissoras de rádio, revistas, jornais, serviços on line, portais e provedores de internet, vídeos, videogames, jogos, softwares, CDROMs, DVDs, equipes esportivas, megastores, agências de publicidade e marketing, telefonia celular, telecomunicações, transmissão de dados, agências de notícias e casas de espetáculos. “AOL-Time Warner, Viacom, Disney, News, Bertelsmann, NBC-Universal, Comcast e Sony, as oito primeiras do ranking de mídia e entretetenimento, têm idênticas pretensões de domínio: estar em toda parte, a qualquer tempo, para exercer hegemonia.”10 A tarefa de criticar a concentração dos bens culturais e das possibilidades de sua produção e fruição torna-se, nesse cenário, fundamental para projetos culturais que busquem caminhos alternativos a essa lógica. No entanto, ela não deve se limitar a uma negação dessa indústria, mas também incluir a formulação de propostas e iniciativas que possam apresentar alternativas à cultura hegemônica. Para tal, o Curso de Formação de Agentes Culturais Populares pretende congregar artistas e produtores culturais populares, bem como uma instituição pública 10

MORAES, Dênis. “Mídia e poder mundial”. História & Luta de Classes, n.2, 2006, p.9-10.

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federal. O intuito é desenvolver atividades de pesquisa, produção e divulgação cultural voltadas às expressões culturais populares, cuja diversidade e heterogeneidade não estejam centradas apenas nas produções consagradas pela indústria cultural, porém que busquem a novidade e a complexidade dos processos que se situam no universo das classes populares, os quais são fundamentais para o entendimento da cultura como prática viva e dinâmica. Desse modo, torna-se possível articular iniciativas culturais e produções teóricas que apontem de fato para a construção de uma prática cultural popular. Estas ações organizadas são capazes de configurar alternativas para as classes populares de reflexões teórico-práticas, que se orientem em direção a um avanço qualitativo e quantitativo da produção de experiências e aos lugares de fruição da cultura, bem como à possibilidade de democratização do acesso aos processos de elaboração/criação e à distribuição da cultura, entendida em seu sentido mais largo e profundo. É importante ter clareza de que não apontamos para o isolamento ou para a dicotomia entre a cultura produzida nos espaços populares e a cultura produzida e “consumida” em outros espaços. Pelo contrário, a estratégia vai no sentido de construir novos sentidos sobre a cultura e as populações dos espaços favelados, e que estas possam ter acesso a outros bens culturais que lhes são negados devido às profundas desigualdades sociais. Assim, a cultura pode ser compreendida como política pública social e não apenas como lazer mercantilizado. As favelas devem ser reconhecidas como espaços produtores de cultura e territórios centrais para a construção de uma identidade urbana cidadã, democrática e inclusiva. Com base nos escritos de Raymond Williams, entendemos a cultura como parte da produção e reprodução material da vida e não como uma esfera isolada das demais atividades humanas. Desse modo, a cultura é parte da construção social a realidade, informando a cotidianidade das práticas 11

sociais humanas .

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WILLIAMS, Raymond. Marxismo e literatura. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1979.

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Nas favelas cariocas, essa dimensão material da cultura pode ser percebida de modo claro. A despeito do baixo investimento estatal e privado, existe nesses espaços extensa produção cultural. Bailes funk, ensaios de escola de samba, folia de reis, rodas de samba, eventos de hip hop, grafitagem, aulas de break e dança funk, shows são parte do seu cotidiano cultural. Tudo isso confirma a idéia proposta por autores como Lícia Valladares que apontam para as favelas não só como lugar da pobreza e da miséria, mas sobretudo, espaço de mobilidade social, de diversidade e de resistência à desi12

gualdade social . Decorre daí a importância de fortalecer e articular essa produção no sentido de torná-la alternativa econômica e também de vida para as populações faveladas. O curso é formado pelas temáticas listadas abaixo, compreendo um total de 70 horas dedicadas à articulação entre conhecimento e prática cultural:

Duração/ horas Comunicação popular 2 Economia da cultura 2 Economia e gestão popular 4 Gestão cultural 2 Introdução à produção cultural 2 Informática básica (Word, Power point, Excel) 4 Informática para internet (e-mail e twitter) 4 Informática para internet (blogs e sites) 4 Marketing cultural 2 Patrimônio cultural 2 Políticas culturais 2 Prática (oficinas e produção da intervenção cultural) 28 Produção de artigos 8 Projeto cultural 4 Teorias da Cultura 2 Total de horas 70 Disciplina

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VALLADARES, Licia do Prado. A invenção da favela. Do mito de origem a favela.com. Rio de Janeiro, FGV, 2005.

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Dialogando com as diversidades: a riqueza cultural das periferias Diversidade. Esse conceito que pode ser utilizado para definir o que é a periferia. E como o curso é direcionado aos moradores dessa área, a diversidade entre os inscritos não poderia ser diferente. O curso recebeu inscrições de várias partes da cidade e do estado do Rio de Janeiro: Zonas Norte, Sul, Oeste, Centro da Cidade, da Região Serrana (Petrópolis) e da Região dos Lagos (Rio das Ostras). Recebeu-se, inclusive, inscrição vinda do estado de São Paulo, da cidade de Sertãozinho. A diversidade entre os inscritos não se restringe à região onde eles moram, ela se apresenta também na idade dos candidatos, que varia de 18 anos (a idade do candidato mais novo que se inscreveu) a 62 anos (idade da candidata mais velha a se inscrever), evidenciando que a idade, especialmente quando se trata de adultos e idosos, não se apresenta como impedimento para a busca de formação continuada para a produção de cultura. O processo de seleção do curso Periferias em Cena apresentou-se como um momento singular para identificar essa diversidade. A dinâmica ocorreu por meio de entrevista coletiva em que os candidatos respondiam questões pertinentes às suas pretensões com o curso, tais como: a) as ações a serem desenvolvidas na comunidade em que atuam e b) estratégias a serem utilizadas para multiplicar e socializar o conhecimento obtido ao longo do curso. Pretendia-se identificar o envolvimento, engajamento, capacidade de iniciativa e articulação dos candidatos a partir de sua possível participação no curso. Pode-se perceber a diversidade também na área de atuação dos candidatos. Diferentes campos da cultura e da produção cultural, sejam elas no teatro, na área do funk, artes plásticas, no uso da cultura como reabilitação para dependentes químicos, na área do turismo, cinema, música, entre outras, foram apontadas pelos candidatos como áreas em que estão inseridos profissionalmente. O relato das iniciativas e ações gerou resultados que extrapolaram os objetivos definidos pela coordenação do curso, pois possibilitou a troca de | 20 |

experiências entre os candidatos, o conhecimento das ações desenvolvidas nas diferentes comunidades da periferia e, sobretudo, favoreceu a criação de uma rede de contatos que ocorreu nos bastidores e durante as entrevistas. Neste último caso, a interatividade durante os relatos das ações desenvolvidas no decorrer da entrevista permitiu que os candidatos percebessem a semelhança entre as suas atividades e que poderiam potencializar e fortalecer iniciativas até, então, realizadas de forma isolada e fragmentada, bem como socializar e aproximar comunidades que se distanciam geograficamente, mas que se assemelham no que diz respeito à realidade de abandono no tocante ao aparato cultural. Cabe destacar que, apesar da falta de preparo técnico para concorrer aos editais na área da cultura, o pouco recurso e, em muitos casos, a baixa escolaridade, por exemplo - relatados durante as entrevistas - não impossibilitou a iniciativa individual e/ou coletiva pelos candidatos de desenvolverem ações de cultura em diversas comunidades do Rio de Janeiro em que o poder público não se faz presente. Portanto, pode-se afirmar, a partir desse diálogo inicial com os diferentes sujeitos oriundos da periferia, que a atividade cultural realizada, o local de moradia e a idade dos candidatos se aproximam e que por meio do curso Periferias em Cena buscam melhorar suas práticas e organizar de forma mais qualificada ações de cultura em suas comunidades. Nesse sentido, o curso, ao propor a formação de multiplicadores de conhecimento no âmbito das artes e da cultura, possibilitará com que mais sujeitos sejam contemplados por iniciativas culturais, criando, desta maneira, uma grande rede de ações com a finalidade de divulgar, vivenciar, socializar e fortalecer a cultura popular. O impacto do curso nessas comunidades, bem como o conhecimento mais aprofundado da realidade da periferia já pode ser notado: por meio de email recebido por um candidato de 59 anos, quem, ao saber que fora selecionado para participar do curso, relata um pouco de sua comunidade e a importância do curso para si:

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“Sou morador da Rocinha desde meu nascimento. Rocinha é uma favela/bairro encravada entre a montanha denominada Morro Dois Irmãos, Bairro da Gávea, Bairro de São Conrado e a Floresta da Tijuca e ainda tem o mar bem pertinho. Muito Legal morar aqui. Uma favela boa, com gente boa e com suas mazelas, como qualquer outra favela. Quero enviar minhas congratulações a todos e todas e dizer que estou muito feliz em iniciar este Curso de Extensão ao lado de pessoas que ainda não conheço e que para mim será uma agradável surpresa conhecer cada um de vocês. Boa sorte e bons estudos a todos e todas.” Veja abaixo, graficamente, a diversidade cultural do curso, quanto à idade, sexo, escolaridade e área da cidade onde se mora:

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(In) Conclusão Não é possível avaliar o resultado final desta experiência, pois ela está em construção, tanto do ponto de vista mais geral do curso, que se encontra em sua quarta edição, quanto especificamente a sua realização no IFRJ, que é inédita. Em relação às outras experiências já desenvolvidas, são uma importante referência, tanto sob os aspectos positivos quanto negativos. Uma ação continuada permite o desenvolvimento da cidadania ativa e criativa onde a cultura não é apenas algo que diverte e emociona, mas que nos permite agir e pensar. A atividade cultural é composta por uma abrangente e diversa cadeia produtiva, onde cada um dos agentes possui um papel comple| 23 |

mentar e fundamental. O curso de agentes culturais populares atua por meio de investimento na capacidade criativa e na formação das pessoas, para que elas sejam capazes de transformar o seu cotidiano e se reconhecer como sujeitos culturais, seja do ponto de vista simbólico ou econômico. O andamento do curso e os seus resultados podem ser acompanhados através do http://periferiasemcena.wordpress.com/. Participe.

BIBLIOGRAFIA ADORNO, Theodor. “A indústria cultural”. In: COHN, Gabriel (org.). Theodor Adorno. São Paulo, Ática, 1986 (Col. Grandes Cientistas Sociais). _______________. Indústria cultural e sociedade. São Paulo, Paz e Terra, 2002. ALVITO, Marcos. As cores de Acari. Uma favela carioca. Rio de Janeiro, FGV, 2001. BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo, HUCITEC, 2004. CAMPOS, Andrelino. Do quilombo à favela. A produção do “espaço criminalizado” no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil, 2007. CEVASCO, Maria Elisa. Dez lições sobre estudos culturais. São Paulo, Boitempo. 2003. EAGLETON, Terry. A idéia de cultura. São Paulo, Unesp. 2005. ELIAS, Norbert. O processo civilizador. Uma história dos costumes. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 1990. FACINA, Adriana. Literatura e sociedade. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2004. FREIRE Filho, João. Reinvenções da resistência juvenil: os estudos culturais e as micropolíticas do cotidiano. Rio de Janeiro, Mauad, 2007. HALL, Stuart. Da diáspora. Identidades e mediações culturais. Belo Horizonte, Ed. UFMG, 2003. JAMESON, Frederic. Pós-modernismo. A lógica cultural do capitalismo tardio. São Paulo, Ática, 1996. KELLNER, Douglas. A cultura da mídia. Bauru, EDUSC, 2001. MARTIN-BARBERO, Jesús. Dos meios às mediações. Comunicação, cultura e hegemonia. Rio de Janeiro, Editora UFRJ, 2006. MEDEIROS, Janaína. Funk carioca: crime ou cultura? O som dá medo. E prazer. São Paulo, Editora Terceiro Nome, 2006. MORAES, Dênis. Planeta mídia. Tendências da comunicação na era global. Campo Grande, Letra Livre. 1998. ___________. “Mídia e poder mundial”. História & Luta de Classes, n.2, p. 5-16, 2006. SANTOS, Milton. Por uma outra Globalização: do pensamento único à consciência universal. Rio de Janeiro, Record, 2006. SILVA, Thomaz Tadeu da (org.). Identidade e diferença. A perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis, Vozes, 2000. SORJ, Bernardo & GUEDES, Luís Eduardo. Internet na favela: quantos, quem, onde e para quê? Rio de Janeiro: Gramma, 2005.

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REFLEXÕES COM A CULTURA POPULAR: percursos do Periferias em Cena 2011

Pâmella Passos

Começando a conversa...

E

ste capítulo não será muito diferente dos demais ao longo do livro. Nestas poucas páginas não pretendo aprofundar nenhum conceito, tão pouco apresentar teses e teorias. O objetivo aqui é compartilhar uma experiência de aprendizado e também de ensino. Tratase da atuação como coor-denadora do projeto de extensão “Periferias em Cena: Curso de Agentes Culturais Populares”.

Gerido dentro de um grupo de pesquisas, o curso de agentes culturais populares era uma experiência prática de pesquisa. Nós, estudiosos do Observatório da Indústria Cultural, não queríamos mais ficar apenas em nossas salas com livros e artigos que falam da cultura popular e da Indústria Cultural. Nossa perspectiva era atuar nesses espaços, dando corpo aquilo que conhecíamos como conceito. E assim, nasce a primeira turma do curso, financiada pelo edital Proext 2008 do MEC. Semanalmente, numa sala da Universidade Federal Fluminense (UFF) algo diferente acontecia. Não eram apenas “favelados” que estavam na Universidade, era um espaço de troca e debate entre as culturas e cotidianos das comunidades cariocas e as teorias acerca da produção e da indústria cultural. Este foi o tom do curso que em 2011 chega a sua 4ª turma no Campus Rio de 13

Janeiro do IFRJ . As aulas não eram unilaterais, os diversos colaboradores do curso apresentavam o conteúdo teórico das aulas abrindo o espaço para 13

Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro.

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debate e troca com aqueles que mesmo sem uma capacitação formal já atuam na produção cultural das periferias. Dessa forma, o curso Periferias ocupou uma sala do IFRJ de abril a agosto de 2011. Era apenas um encontro semanal, mas de presença tão forte que todos começaram a perguntar, se interessar e querer contribuir com o projeto. Assim, envolvidos e envolvendo, passaram a participar de outros eventos na Instituição, realizaram visitas técnicas às cidades históricas de Minas Gerais (as visitas técnicas são prerrogativa dos cursos regulares) participaram do Arraiá, ofereceram cursos e oficinas no tradicional evento do Campus e muito mais. Enfim, provaram que tinham muito a mostrar e a contribuir. Dessa maneira, o que denominados aqui de ensino formal, não apenas compreende, mas se rende aos saberes das periferias. Articulando ensino, pesquisa e extensão, a 4ª turma Periferias em Cena, também apoiada pelo Proext, agora na edição 2010, articulou, de maneira intensa, as três área de atuação da instituição. Seus desdobramentos vão muito além de uma turma formada que atuará como multiplicadores. A realização desse curso num contexto de expansão do IFRJ, com novos Campi em favelas cariocas, proporciona importantes reflexões acerca do ensino que queremos proporcionar nesses locais, recorrentemente, vistos como perigosos. Assim, o que originalmente brota da extensão, encontra frutífero diálogo com o ensino (novos cursos a serem pensados e propostos) e com a pesquisa (importante demanda de investigação sobre e com a cultura popular). Isso é coisa de historiador? A pergunta acima é algo que tem acompanhado meu cotidiano de professora de história e ser coordenadora do curso Periferias em Cena, aumentou ainda mais a recorrência desta indagação. A priori, identificados com fontes, documentos, narrativas..., os historiadores passam pelo imaginário social como aqueles que analisam os processos históricos. Mas estes também não deveriam intervir em tais processos? | 27 |

Cabe, então, retomar a Marc Bloch em sua definição do ofício do historiador, que é ser sujeito e objeto da história, como todos nós. Assim, não apenas analisando, mas construindo as ações dos Homens ao longo do tempo, o historiador pesquisa e faz história. Logo, compreendo que o desafio do historiador, sobretudo, do historiador do tempo presente é reconhecer-se como analista de seu tempo, porém também como sujeito dessa história viva. É desse modo que devemos compreender que as teorias nos ajudam a entender a realidade, todavia que nem sempre elas têm todas as respostas: aí surgem as inovações. Exemplificando essa nossa visão, trazemos um trecho de Rubens Alves sobre o saber científico: “Você já pensou na semelhança que há entre os cientistas e os pescadores? O pescador está diante das águas do rio. Ele sabe que nas funduras daquelas águas nadam peixes que não são vistos. Mas ele quer pegar esses peixes. Se as malhas forem largas, peixes grandes. Se forem apertadas, vêm também os peixes pequenos... O cientista está diante do mar chamado “realidade”. Ele também quer pescar peixes. prepara então suas redes chamadas “teorias”, lança-as no mar e pesca seus peixes. Note: com suas redes o pescador pesca peixes. Não pesca o rio... Imagine que ele olha para as nuvens e deseja pescá-las. Para isso suas redes não chegam. O laboratório de um cientista são as redes que ele lança no mar da realidade para pescar conhecimento. (ALVES, 2007. P.9) 2007. Lançando diversas redes, procuramos experienciar a história, para, então, analisando-a, compreendê-la. Ou seja, é no decorrer do movimento histórico que podemos observar as relações que se constroem nos grupos, comunidades sociedades.

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Partindo desse pressuposto e adotando a máxima “Tamo junto e misturado” embrenhamo-nos pelos universos das produções culturais populares. Assim, conhecemos e aprendemos muitas coisas. Nesse processo, buscamos apresentar como as teorias e técnicas podem servir de instrumento para a mudança social, para a emancipação. Quem ensina sempre aprende! A riqueza da “Família Periferias” A turma Periferias 2011 poderia dar um novo Rap das favelas. O mapa a seguir mostra como a “Família Periferias” estava espalhada pelo Rio de Janeiro.

Levando seus aprendizados e realidades vividas, o mosaico da turma 2011 ensinava o que é diversidade cultural a todos aqueles que pisavam no laboratório 206 para ministrar aula. Ana Paula, André, Xaolin, Tojão, Cida, Bruno, Carlos Bessa, Carlinhos BTR, Dayse, Genildo, Geysa, Hannah, Ingrid, Joelson, Juliana, Kirk, Lili, Marcos, Maria das Graças, Marta, Maryáh, Michel, Renato, Rosana, Tânia, Teresa , Roberto, Wladimir (Mad) e porque não, Sabrina e Sólon, quem tiveram que sair do barco antes do porto final, cotidianamente comprovavam a teoria de que quem ensina sempre aprende. | 29 |

De abril a agosto (tempo do curso presencial) foram muitas histórias. Risos, choros, desentendimentos, amizades, perdas de alguns, chegada de outros. Enfim, VIVEMOS esta experiência e formamos, de fato, uma família. Criamos nossas próprias redes com tramas muito diversas, tentando, dessa forma, pescar o máximo possível, abrindo-nos à mudança. (...) a palavra será sempre o indicador mais sensível de todas as transformações sociais, mesmo daquelas que apenas despontam, que ainda não tomaram forma, que ainda não abriram caminho para sistemas ideológicos estruturados e bem formados. (BAKHTIN, 2004: 41) A citação retirada das reflexões bakhtinianas almeja apresentar nossa discussão acerca do que compreendemos como espaços populares, bem como nossa afirmação em relação ao uso do termo “favela” para designálos. Primeiramente, cabe destacar que assumimos como espaços populares os locais economicamente desfavorecidos, marcados por uma ausência de Políticas Públicas de Estado que garantam a criação e manutenção de condições dignas de vida, em suas mais diversas áreas, tais como: educação, saúde, esporte, cultura, habitação, saneamento básico, dentre outros fatores. Em seguida, destacamos nossa opção, sobretudo, política, em utilizar o termo favela, oriundo historicamente do início da República brasileira. Ao retornar da última batalha contra o Arraial de Canudos os soldados “vitoriosos” passam a abrigar a região que é atualmente conhecida como Morro da Providência, lá eles aguardavam a providência do Estado. Por terem ocupado um morro denominado favella durante o conflito na Bahia, os “heróis nacionais” acabaram por dar nome à região que ficou popularmente conhecida na época como Morro da Favela, considerada a primeira favela do Rio de Janeiro, datando de 1897. Nossa hipótese é de que as favelas ainda são ocupadas por aqueles que aguardam a providência, ou ainda, o comprometimento do Estado. Tendo | 30 |

passado por um processo de negativização, o termo favela, é considerado, por muitos, como pejorativo, associado muitas vezes à pobreza e/ou violência. Compreendemos, no entanto, que se trata de uma visão preconceituosa, a qual não valida as produções e riquezas de tais espaços. Afirmar o termo favela é afirmar uma história, uma resistência e também uma compreensão de que o Estado tem uma responsabilidade de promoção e não apenas de contenção nesses espaços populares. Conclusão: “Por isso sou, favela!” “Tudo que a favela me ensinou, tudo que lá dentro eu aprendi, vou levar comigo a onde eu for, vou na humildade procurando ser feliz”14 Os versos dos MC's Junior e Leonardo sintetizam a experiência do curso Periferias em Cena. Além de ensinar, aprendi muito em todo este processo. Novos olhares sobre acessibilidade, cromoterapia, música, teatro, artes plásticas e o maior aprendizado: na diversidade e no caos também produzimos. Quantas vezes para decidir simplesmente a cor da camisa oficial ficávamos horas debatendo. Era a realidade de pessoas que não se calavam e que estavam dispostas a dar e construir suas opiniões. Ufa! O curso foi ótimo, o festival um sucesso. Agora fica a expectativa do impacto deste livro e do Fórum Periferias em Cena, espaço semestral em que debateremos temas relacionados às culturas das Periferias. A Família Periferias veio a reforçar minha certeza de que as favelas cariocas são formadas, essencialmente, por uma cultura de alegria, vida e não violência. Assim, em tempos onde um discurso de pacificação se 15

afirma, termino parodiando o samba Nomes de favela de Paulo César Pinheiro. “O galo continua cantando no Canta Galo, a água corre na Cachoeirinha, os meninos pegam manga na Mangueira e ainda se fazem muitas juras de amor no Juramento. Eu, que também não sou do tempo das 14

MC Júnior e Leonardo. Pra sempre favela. Ver letra completa nos anexos.

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armas acredito e construo uma paz com voz e sem medo, pois como diz o MC Liano e Abel Luiz em sua música Chega da Favela Chorar.16

BIBLIOGRAFIA ADORNO, Theodor. “A indústria cultural”. In: COHN, Gabriel (org.). Theodor Adorno. São Paulo, Ática, 1986 (Col. Grandes Cientistas Sociais). _______________. Indústria cultural e sociedade. São Paulo, Paz e Terra, 2002. ALVITO, Marcos. As cores de Acari. Uma favela carioca. Rio de Janeiro, FGV, 2001. BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo, HUCITEC, 2004.

ANEXOS PRA SEMPRE FAVELA MC Junior e MC Leonardo

Tudo que a favela me ensinou, Tudo que lá dentro eu aprendi, Vou levar comigo a onde eu for, Vou na humildade procurando ser feliz Mesmo com tanta dificuldade Tantos preconceitos que eu já sofri Só quero cantar a liberdade Esse é o trabalho do MC Levar a voz das comunidades Aonde o nosso Funk atingir Pois o favelado de verdade Vai ser favelado mesmo se sair dali. Refrão: Por isso sou favela Eu fui e sempre serei favela Sei que na favela a chapa é quente Pois lá já perdi vários irmãos Por isso o nosso papo é diferente 15

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Letra completa da música em anexo. 16 Letra completa em anexo

Sem apologia crime, droga ou facção Pregamos a união das favelas Sabemos a força que todas elas juntas têm Por isso que vou em todas elas Vou sem simpatia sem descriminar ninguém E são tantas as comunidades Pena não ter tempo de falar todas aqui Mas vai um abraço na humildade De de 2 favelados Junior e Leonardo MCs Refrão

NOMES DE FAVELA Paulo César Pinheiro

O galo já não canta mais no Cantagalo A água já não corre mais na Cachoeirinha Menino não pega mais manga na Mangueira E agora que cidade grande é a Rocinha! Ninguém faz mais jura de amor no Juramento Ninguém vai-se embora do Morro do Adeus Prazer se acabou lá no Morro dos Prazeres E a vida é um inferno na Cidade de Deus Não sou do tempo das armas Por isso ainda prefiro Ouvir um verso de samba Do que escutar som de tiro Pela poesia dos nomes de favela A vida por lá já foi mais bela Já foi bem melhor de se morar Mas hoje essa mesma poesia pede ajuda Ou lá na favela a vida muda Ou todos os nomes vão mudar

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CHEGA DA FAVELA CHORAR MC Liano e Abel Luiz

Quanto tempo, na Favela, não existe mais esperança Eu te confesso não consigo mais lembrar do meu sorriso de criança. Amedrontado, o morador, sai pro trabalho sem saber se vai voltar Isso... aqueles que se humilham como escravos para poder trabalhar Povo heróico que tenta viver a vida em condições surreais, E a classe alta acompanhando a favela em manchetes de jornais Se vê um Negro, um Mendigo ou Menino de Rua pedindo esmola Já sai voado, entra em seu carro blindado pra proteger sua sacola. Refrão: Chega da favela chorar, Chega de ver nossos amigos, no chão, agonizar, Perder sua vida por causa de opressão, Também quero meu direito de poder ser cidadão. Pra seu governo, também tenho meus direitos, mas eu sou discriminado Se estou sozinho, nas favelas, sou suspeito, ou, então pobre-coitado Sem ter transporte, saúde, educação... como ter dignidade? Se o desejo do governo que eu elejo é me ver fora da cidade. Homens-de-preto mancham as ruas de sangue pegam arrego e vão embora Será que é esse o conceito de justiça que se ensina nas escolas. E o que resta é uma mãe desesperada sem saber o que fazer, Pedindo a Deus, ajoelhada, em oração, não deixe o meu filho morrer. Refrão

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CULTURA EM MOVIMENTO: uma apresentação da experiência do Curso de Formação de Agentes Culturais Populares Adriana Facina

"A arte popular é mito e sonho, mas também é protesto, pois o comum das pessoas tem sempre alguma razão para protestar." (Eric J. Hobsbawm, História Social do Jazz)

N

ão são poucos os que pensam que a cultura e a arte são coisa para uma pequena elite de entendidos ou privilegiados. Sejam como artistas ou como pessoas de bom gosto, os membros do “mundo da arte e da cultura” são, muitas vezes, vistos como seres humanos especiais, dotados de talento e sensibilidade, que a maioria de nós não possui. Desse modo, esse seria um mundo à parte, inacessível à maioria das pessoas muito envolvidas na dura tarefa de ganhar a vida e sem tempo para os refinamentos dos prazeres estéticos. Podemos dizer que essa é a concepção burguesa da cultura e que, apesar de ter surgido no século XVIII, é ainda muito presente na sociedade contemporânea.

Acontece que arte e cultura são trabalho humano e, como tal, são parte da produção e reprodução material da vida. Não existe ser humano sem cultura, pois é ela que nos torna humanos, que nos faz ultrapassar a vida experimentada como simples busca pela satisfação de necessidades básicas e nos permite sonhar, criar, nos comunicar. Como dizem os Titãs, a gente não quer só comida, a gente quer também diversão e arte. Tem uma reflexão de Marx em sua obra intitulada O Capital que diz mais ou menos assim: a diferença entre a melhor abelha e o pior arquiteto é que este tem de projetar o que vai realizar com seu trabalho. Ou seja, o trabalho criativo humano é capaz de moldar o mundo aos seus sonhos e desejos, coisa | 35 |

impossível para o animal que apenas reproduz suas determinações biológicas de sobrevivência. Entretanto, entender a cultura como trabalho criativo também é adotar uma postura crítica em relação à sua mercantilização. A indústria cultural transforma a arte e a cultura em mercadoria visando obter lucros e criar mecanismos de controle social, tentando criar conformismo e alienação. Hoje, a maior parte da produção de entretenimento e notícias está na mão de apenas seis grandes grupos internacionais. Isso é uma ameaça à diversidade cultural, sobretudo àquelas culturas que dificilmente podem se moldar às regras do mercado, seja porque se baseiam em práticas tradicionais pouco abertas às inovações, seja porque a mercantilização da vida elimina as práticas sociais que lhes dão significado. Podemos dar como exemplo o choro, um tipo de música instrumental cujo elemento principal é a execução ao vivo, com improvisações e outros elementos difíceis de serem assimilados e reproduzidos em escolas, partituras ou meios midiáticos. Como os espaços de sociabilidade onde ocorriam as rodas vem se retraindo na cidade do Rio de Janeiro devido a vários fatores (morte de seus organizadores mais velhos, especulação imobiliária, políticas do tipo choque de ordem, transformações nas formas de lazer popular, violência armada etc.), o tipo social chamado chorão, músico formado nesses espaços, está desaparecendo. (ver Abel| Luiz, “O choro na rede: ampliando a visibilidade e o protagonismo?” Comunicação apresentada no Seminário Internacional Música Independente no Contexto PósCrise, UERJ, 2011) O papel do Estado, através de políticas culturais democráticas e verdadeiramente populares, é fundamental para evitar essas mortes culturais e também para permitir que o trabalho criativo possa existir independemente dos ditames do mercado e da lógica aprisionadora da cultura de minorias. Para isso, é preciso discutir as estratégias de atuação pública, garantir a participação popular na destinação das verbas da cultura e não resumir as políticas culturais ao atendimento das demandas do grande mercado cultural que reivindica patrocínios, isenções fiscais e verbas para | 36 |

eventos milionários em detrimento de ações que poderiam ter muito mais impacto na sociedade a médio e longo prazo. O projeto Curso de Agentes Culturais Populares nasceu de uma perspectiva que reúne esses elementos: crítica ao elitismo na arte e na cultura, visão da cultura como trabalho criativo, crítica ao mercado e percepção de que é preciso construir políticas culturais democráticas e voltadas para as demandas populares. Nossa idéia era construir coletivos de agentes culturais que atuassem em favelas e periferias, áreas pouco assistidas pelo poder público no campo da cultura, buscando produzir reflexões críticas sobre seu campo de atuação e criar demandas capazes de pressionar o poder público no sentido de garantir equidade na distribuição de recursos. Foi durante o trabalho de campo que realizei em 2008 e 2009 para meu pósdoutorado que percebi que havia nas favelas inúmeros artistas e produtores culturais que realizavam. O tema da pesquisa era Música e Sociabilidade Popular do Rio de Janeiro e me concentrei no estudo da cultura funk. É impossível entender o funk sem realizar trabalho de campo nas favelas cariocas, local no qual o gênero é produzido e onde constrói identidades, sobretudo juvenis. Durante o período de trabalho de campo, o contato com artistas, produtores culturais e lideranças comunitárias das favelas me fez perceber que havia uma dinâmica cultural intensa nesses territórios, mas com pouco ou nenhum apoio público ou privado para a realização dessas atividades. O potencial dessas atividades como geradoras de emprego e renda, bem como para a construção de identidades positivas e expectativas de vida não se realiza plenamente devido a uma série de distorções na destinação das verbas públicas e privadas para a cultura. Constatada essa realidade, idealizei, em conjunto com os membros do Observatório da Indústria Cultural (OICult), grupo de pesquisa que coordeno na UFF, um projeto voltado à capacitação desses agentes culturais no sentido de habilitá-los a disputar editais de fomento, incluir suas atividades em leis de incentivo cultural e captar recursos para as mesmas sem a intermediação de ONGs ou de profissionais especializados. | 37 |

Assim, além de ampliar o potencial e o impacto dessas iniciativas, eles poderiam garantir sua autonomia e gerar uma demanda capaz de pressionar politicamente o poder público a ampliar a destinação dos recursos para a cultura em espaços populares. Outro objetivo era o da troca de experiências entre agentes culturais com a perspectiva da construção de redes de produtores culturais de favelas. O projeto foi contemplado com o edital PROEXT Cultura de 2008/2009, voltado aos projetos de extensão universitária ligados às iniciativas culturais. Os primeiros três meses do projeto (janeiro a março de 2009) foram dedicados a apresentar, divulgar e debater a proposta em algumas comunidades e em organizações ligadas à cultura popular. Atuamos mais diretamente nos complexos de Acari e do Morro do Estado, na favela da Rocinha, no complexo da Maré. Assim, reunimos uma equipe gestora do curso de formação e recebemos indicações de vagas para entidades parceiras, como o Observatório de Favelas, a APAFunk (Associação dos Profissionais e Amigos do Funk), entre outros. Após os referidos três meses em que atuamos sem nenhum recurso, somente na base do trabalho voluntário, construímos um blog http:// culturanauff.blogspot.com/ e através dele divulgamos as inscrições para o curso. Recebemos as inscrições exclusivamente pelo blog e, para nossa surpresa, tivemos quase 200 inscritos. Isso implicou um redimensionamento das vagas, pois havíamos previsto 30 educandos apenas. Decidimos ampliá-las para 45, sendo 15 ouvintes e 30 fixos, o que se mostrou uma decisão acertada devido à evasão. A equipe de coordenação do curso decidiu realizar a seleção com base numa ficha que era preenchida pelos candidatos e, após o exame destas, entrevistamos os pré-selecionados. Nosso critério fundamental foi: a diversidade: geográfica, de gênero, ramo de atividade (artes plásticas, música, dança, etc.), idade, escolaridade. Conseguimos formar uma turma bastante heterogênea, o que demonstra a complexidade da cultura nas favelas e espaços populares. Nossos educandos eram provenientes da Baixada Fluminense, Areal, complexos da Maré, do Alemão, de Acari, | 38 |

favela da Rocinha, Sepetiba, Cidade de Deus, Pereirão, entre outros. Tivemos ainda um rapper de Foz do Iguaçu, conexão criada a partir do historiador Danilo Ribeiro, pesquisador de favelas daquela cidade e membro do OICult. As aulas do curso iniciaram-se em 30 de abril com uma palestra do professor Adair Rocha, então representante do Ministério da Cultura no Rio de Janeiro, e com uma atividade que denominamos “Apresente-se com sua arte”, na qual os educandos e a equipe do curso se apresentavam por meio de alguma expressão artística ou cultural. Tivemos poesia, cordel, contação de histórias, fotografia, samba, rap, funk, dança, brincadeiras, num encontro que emocionou a todos e iniciou a construção de laços de solidariedade no grupo. Como o evento foi aberto a qualquer pessoa, tivemos a presença de uma professora de História do ensino médio e fundamental de uma escola pública próxima ao Complexo do Alemão que levou seus alunos. Todos os que estavam presentes foram convidados a se apresentar e, segundo ela, foi a primeira vez que se ouviu seus alunos dizerem que eram moradores de favela. Até então, todos moravam em Olaria, Bonsucesso, Inhaúma. Depois de ouvir os educandos do curso dizerem, com orgulho, que pertenciam a tal ou tal comunidade, os adolescentes sentiram-se encorajados a assumir essa identidade, reconstruindo-a num sentido positivo. Segundo a professora, isso foi muito importante para as suas turmas. Durante três meses, as aulas foram semanais, contando com professores especialistas em temas como Teorias da Cultura, Gestão Cultural, Políticas Culturais, elaboração de Projetos Culturais. Na segunda parte das aulas, que duravam ao todo 4 horas, realizamos oficinas com artistas e produtores culturais que compartilhavam suas experiências. Recebemos as contribuições de Guti Fraga, coordenador artístico do grupo Nós do Morro, dos compositores Ratinho e Aluísio Machado, do fotógrafo Maurício Hora, entre outros. Criamos um sistema de avaliação das atividades pela turma a cada aula e obtivemos uma excelente resposta. Os educandos foram muito participativos.

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No entanto, contamos com grandes dificuldades. Os recursos demoraram a chegar à universidade e tardaram mais ainda a serem liberados pela burocracia da UFF. Não recebemos materiais que foram pedidos quando da liberação da primeira parcela da verba, tais como gravadores de MP4, importantes para a etapa do levantamento inicial nas favelas e para registro das aulas do curso, e resmas de papel, o que inviabilizou a distribuição do material didático preparado especialmente para o curso pelos professores convidados. Cadernos, canetas, pastas de elásticos só chegaram a nossas mãos depois de finalizadas as aulas. Os bolsistas ficaram com suas bolsas atrasadas e tiveram de arcar com despesas geradas pelo seu trabalho no curso. E o pior, os valores relativos ao transporte dos educandos só foram pagos na antepenúltima aula do curso, o que inviabilizou a presença de muitos alunos nas aulas e aumentou a evasão no curso. A última fase do projeto, a que encontrou mais obstáculos, foi a fase prática, que consistia na elaboração coletiva de um projeto cultural nos moldes da Lei Rouanet e na produção do I Festival Cultural Fala Favela na UFF, Niterói, que se realizou no dia 19 de novembro. A concepção do festival foi elaborada pelo grupo e houve debates, oficinas, apresentações artísticas e o encerramento com uma festa-show produzida pelos educandos. Todos os artistas que se apresentaram eram do curso ou das organizações/trabalhos em que os educandos atuavam. O palco foi dividido entre funkeiros, boys, rappers, repentistas, sambistas, chorões, um coral sacro de música afro, circo, grafiteiros, etc. Na etapa de produção, a turma organizou encontros presenciais e trabalhou por meio de lista de emails. A nossa maior preocupação foi com a demora na liberação das verbas, que já se encontravam na universidade, contudo, exigiam uma série de memorandos, conversas com setores diversos, o que nos enredou numa burocracia desgastante e absurda. Caso os recursos não chegassem a tempo, corríamos o risco de ver o festival inviabilizado e, com isso, interrompido o processo de formação dos agentes culturais populares em sua etapa final. | 40 |

A verba total do projeto era de 30 mil reais. Na realização do festival Fala Favela foram gastos cerca de 5 mil reais, o que incluiram: material para grafitagem de uma parede do Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, passagem dos artistas, alimentação, aluguel de som e iluminação, confecção de camisetas para a produção, material de divulgação e produção do CD com músicas dos próprios educandos (gravação e mixagem em estúdio, arte gráfica e prensagem de 100 cópias). A entrada era franca e tivemos um público bem diversificado com cerca de 500 pessoas ao todo: estudantes e professores universitários, moradores de favelas, artistas, políticos, trabalhadores em geral. Para a maioria dos educandos do curso, apesar da sua larga experiência como agentes culturais, era a primeira vez que participavam da organização de um evento com verba pública, feito com “tanto dinheiro”. Alguns, como o poeta Severino Honorato, morador de Sepetiba, atuavam como agentes culturais há 30 anos (no caso dele, sobretudo, organizando bibliotecas comunitárias e atividades relacionadas à divulgação da leitura e produção escrita) e poucas vezes puderam contar com programas governamentais de fomento. O perfil comum a todos os 30 educandos que chegaram à etapa final do curso era o de, na sua autodefinição, “gente que faz muito com pouco”. Todos exerciam, em algum nível, trabalho voluntário, desenvolvendo atividades sem verba, que não o próprio bolso, ou somente com verbas esporádicas. Durante o curso, três educandos tiveram seus projetos contemplados com o edital de pontos de cultura de 2009 e começaram a ter contato com as intricadas redes da burocracia estatal. Entre os artistas, poucos viviam exclusivamente de sua arte, tendo que desenvolver outras atividades laborais, fixas ou temporárias, para garantir a sobrevivência. A motivação principal, portanto, para a atuação na área da cultura não era econômica, existencial e, por vezes, política, caracterizando uma militância cultural que vinculava na prática cultura e cidadania. Quando debatíamos a democratização da cultura, a maioria entendia tal processo como algo mais do que a construção de equipamentos culturais | 41 |

na periferia, nos territórios em que habitavam e realizavam suas atividades. Tampouco restringiam a democratização da cultura à realização de eventos como shows, espetáculos e outros no estilo Viradão Cultural ou Conexões Urbanas, nesses mesmos espaços. Parece claro que para esses agentes culturais, reunidos no projeto democratização da cultura é, antes de mais nada, democratização ao acesso às verbas públicas destinadas à produção cultural. Sua demanda é pela possibilidade do desenvolvimento de suas atividades de modo mais consistente e autônomo através do apoio público. E o apoio público é visto como fundamental para isso. Este permitiria, por exemplo, a independência em relação às “mecenas” que exigem em troca apoio político em campanhas eleitorais (políticos) ou transferência de direitos autorais (empresários musicais). Parece claro que para nossa pequena amostra a política de editais é um avanço nesse sentido e que sua ampliação deveria ocorrer no sentido de aperfeiçoá-la na direção de uma igualdade de condições entre os pequenos produtores que “fazem muito com pouco” e aqueles indivíduos ou instituições dotados de sólida estrutura e capacidade de articulação política e que acabam por tornar a disputa muito desigual. E é importante que se diga que tal demanda não diz respeito somente a manifestações e expressões culturais que reivindicam preservação contra a lógica do mercado e a modernização capitalista da sociedade brasileira. Ela é apresentada, no nosso microcosmo, sobretudo pelos representantes de uma cultural urbana contemporânea que acreditam que teriam condições de sobreviver no mercado se sua lógica não fosse tão predatória para os artistas populares (como no caso do funk). Para tais agentes culturais, com modesto apoio financeiro e respaldo público, suas atividades poderiam ser a realização dos seus sonhos de viver do trabalho artístico e cultural de modo digno. Para eles, e isso ficou claro no Curso, a principal dificuldade é a elaboração escrita dos projetos, exigida em quase todos os editais. Além da dificuldade de base, relacionada à baixa escolaridade ou a uma escolarização precária (como no exemplo daqueles que não conseguem se expressar por escrito mesmo tendo diploma do ensino médio), há também a barreira da | 42 |

linguagem dos editais. Compreendê-los não é tarefa fácil, por vezes, nem mesmo para professores universitários. No Curso, realizamos uma oficina para a elaboração do projeto do I Festival Cultural Fala Favela, mas não conseguimos concluí-lo. Para os educandos, parecia muito mais fácil “por a mão na massa”, realizar aquilo que eles já sabiam fazer, produzir cultura, do que escrever um projeto adequado às regras para captação de recursos ou disputa de editais. Este é um desafio que está colocado para as políticas de dotação de verbas baseadas em editais. Se, por um lado elas são reconhecidas como avanço na distribuição mais equitativa nas verbas públicas para a cultura, por outro se fixam em formatos burocráticos tradicionais que dificultam o acesso de quem realiza atividades relevantes e de impacto, mas que não dominam tais códigos. Por vezes, tal dificuldade será resolvida na associação com ONGs ou produtores culturais, o que pode implicar em remodelagem dos projetos originais, com concessões de diversos tipos, ou mesmo na destinação de recursos financeiros para o pagamento de profissionais especializados em elaborar projetos. Esta última pode ser algo viável em produções que envolvem grandes orçamentos, mas isto não é o caso da maioria dos projetos que são desenvolvidos no âmbito do grupo que estamos tratando. Outra possibilidade é a reunião desses agentes culturais em coletivos que, de modo solidário, reúnem-se para elaborar projetos. A partir da experiência do Curso, alguns grupos se formaram. Mas, parece claro que há dificuldades na formação espontânea desses coletivos por diversos motivos. Primeiramente, os agentes culturais populares, em geral, são pessoas assoberbadas de trabalho, sobretudo as mulheres. Têm empregos regulares ou precários, desenvolvem sua arte, organizam eventos, cuidam da casa e filhos, militam em diversas frentes. A dificuldade de agenda para a elaboração de trabalhos de mais longo prazo é enorme, pois todos são absorvidos pelas “imediatezas da vida”, a dinâmica da sobrevivência orgânica e cultural. Em seguida, vêm também as dificuldades das políticas territoriais das favelas, a falta de espaços para reuniões, os gastos com deslocamentos, entre outros. A propósito, durante uma das oficinas um | 43 |

dos educandos do curso disse, acertadamente, que a maior política de democratização da cultura e com impacto mais imediato seria a redução significativa dos preços das passagens no transporte público. Tais dificuldades de organização coletiva são amenizadas pela construção de redes virtuais. Mas ainda assim, reina a precariedade. A maioria dos nossos agentes não possui computador conectado à internet em suas residências, tendo de utilizar os espaços de lan houses, ONGs, locais de trabalho para se comunicar, produzir e divulgar suas atividades. A navegação da internet é algo que “os de baixo” vem democratizando a força, reinventando formas de acesso, a despeito dos altos preços praticados no Brasil. Portanto, formação de tais redes, essenciais para o empoderamento político desses agentes nas discussões e disputas necessárias à democratização da cultura, depende de condições e incentivos que só podem ser conquistados com políticas públicas. Um dos funks cariocas mais famosos, intitulado Rap da Felicidade, tem um verso que diz “Se eles lá não fazem nada faremos tudo daqui”. Creio que este verso traduz o espírito da atuação desses agentes culturais, os que “fazem muito com pouco”, nos termos nativos. Traduzindo: mesmo na lógica da precariedade, suas atividades culturais, as mais variadas, continuarão sendo realizadas. No caso do Curso de Formação de Agentes Culturais Populares, mesmo com todas essas dificuldades, várias foram as conquistas do projeto. Um dos nossos objetivos mais importantes era o de consolidar uma rede de agentes culturais populares que pudesse atuar como um coletivo e, assim, compartilhar saberes, unir esforços e, sobretudo, organizar suas atividades de modo que elas pudessem gerar mais impacto nas comunidades, inclusive econômico. E essa rede, bem como sub-redes, estão já em pleno funcionamento. Tanto em projetos elaborados em conjunto, quanto em participações de indivíduos ou grupos nos eventos e atividades uns dos outros. Assim, o rapper compõe uma música com o sambista, o professor de artes circenses leva seus alunos a um evento de funk e hip hop e por aí vai. | 44 |

Muitos dos agentes tornaram-se gestores de pontos de cultura. Outros já coordenavam ONGs e instituições que foram reestruturadas a partir da experiência do curso. Houve a organização de eventos conjuntos, como feiras literárias e mostras de artes. Outras turmas vieram, no Centro Cultural Laurinda Santos Lobo e agora no IFRJ, sob a coordenação da professora Pâmella Passos, e a rede só faz ampliar. São os agentes culturais populares contrariando a lógica individualista e competitiva da produção cultural burguesa, rompendo as cercas dos latifúndios culturais que destinam verbas públicas milionárias a poucos, em detrimento de muitos que poderiam fazer realmente a diferença. São esses os artistas, crias das favelas e periferias, que fazem brotar hoje as principais vanguardas artísticas de nosso país. É gente quem, ao mesmo tempo em que faz arte, inventa o amanhã. Essa capacidade de organizar a cultura mesmo em condições precárias nos fez desenvolver reflexões sobre políticas culturais e sobre o impacto que ações do Estado poderiam ter se interagissem com mais regularidade com esses agentes culturais. Ações culturais organizadas desse modo possuem muita repercussão nas favelas. Não no sentido de que “a cultura salva”, que a arte ou a cultura seriam panacéias para os males sociais, inclusive o desemprego e a precarização do mundo do trabalho. Mas sim porque a cultura constrói identidades, significados, sentidos para a existência, perspectivas de futuro que são fundamentais para a formação dos seres humanos como um todo e, mais especialmente, para seres humanos que são vistos como menos humanos, sobre os quais pesa o estigma da pobreza criminalizada. Modestamente, o Curso de Formação de Agentes Culturais Populares buscou contribuir nesse processo, afirmando coletivamente o direito humano à cultura como o direito tão humano a sonhar.

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PRÁTICAS PEDAGÓGICAS NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS: a experiência do curso de Formação de Agentes Culturais Populares Aline Dantas

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tualmente, apresenta-se como um desafio pensar em propostas pedagógicas que busquem favorecer o dialogo entre os saberes/conteúdos formais da escola e os saberes construídos e vivenciados anteriormente por sujeitos jovens e adultos – os quais não tiveram a oportunidade de escolarização e formação profissional no dito “tempo certo”. Este texto busca participar dessa discussão, compartilhando compreensões e algumas práticas pedagógicas experimentadas ao longo do curso de extensão “Periferias em Cena: Curso de Formação de Agentes Culturais Populares” desenvolvida no campus Rio de Janeiro do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro (IFRJ).

A Perspectiva da Formação Continuada Nosso objetivo principal com o curso de Formação de Agentes Culturais Populares foi qualificar jovens e adultos moradores de espaços populares, sobretudo, favelas na cidade do Rio de Janeiro, que desenvolvessem atividades no campo da arte e da cultura. Nesta perspectiva, pensar numa proposta pedagógica voltada para jovens e adultos que efetivamente dialogasse com seus saberes e fazeres, nos demandou fazer escolhas A primeira foi assumir que estávamos propondo um curso de EJA diferente da perspectiva muito recorrente em que esta modalidade é concebida somente como alfabetização e aumento de escolaridade para aqueles que não o fizeram no chamado “tempo certo”, ou seja, numa perspectiva exclusivamente compensatória. | 46 |

No entanto, mediante o avanço das concepções neste campo do conhecimento, a EJA passa assumir o sentido do direito e do aprender ao longo da vida, concepção assumida na V Conferência Internacional de Educação de Adultos, pela Declaração de Hamburgo, na qual o Brasil é signatário. Nesse sentido, optamos por assumir uma ação pedagógica fundamentada nestes princípios, ou seja, da educação continuada. Nesta concepção, segundo PAIVA (2009), as práticas pedagógicas realizadas com jovens e adultos, com distintos níveis de escolaridade, parte da premissa de que a aprendizagem é a base de estar no mundo de sujeitos, que por esses processos educativos melhor respondem as exigências de produzir a existência e as identidades; participar de redes culturais e sociais; exercer a democracia, práticas cotidianas de participação e resistência, etc. Sem dúvida, essa concepção melhor dialogava com as nossas convicções e, assim, buscamos uma proposta de qualificação profissional mais adequada aos sujeitos jovens e adultos que formaram a família periferias.

O cotidiano do curso Periferias em Cena: o desafio de experimentar algumas práticas pedagógicas com jovens e adultos Nosso desafio principal foi o de pensar propostas metodológicas/práticas para o desenvolvimento da 4ª edição do curso de Agentes culturais populares que fossem coerentes com a concepção de educação continuada - que adotamos como norteadora da nossa ação - e que melhor se adequassem ao perfil dos candidatos inscritos. Começamos pelo processo de seleção. Esse momento apresentou-se como singular, pois por meio das fichas de inscrição dos candidatos, identificamos que se tratavam de sujeitos bem diversos, especialmente quanto à idade, sexo, escolaridade e local de moradia. Como o curso pretendia qualificar jovens e adultos moradores de espaços populares, sobretudo de favelas na cidade do Rio de Janeiro, que desenvolvessem atividades no campo da arte e da cultura, não poderíamos | 47 |

pensar em processos seletivos tradicionais que considerassem o nível de escolaridade, por exemplo. Que critérios adotar? Que tipo de seleção adotar? Optamos pela realização de entrevista coletiva, com questões norteadoras pertinentes às pretensões com o curso, tais como: a) as ações a serem desenvolvidas na comunidade em que atuam e b) estratégias a serem utilizadas para multiplicar e socializar o conhecimento obtido ao longo do curso. Com esta proposta metodológica, buscou-se identificar o envolvimento, engajamento, capacidade de iniciativa e articulação dos candidatos a partir de sua possível participação no curso. Ou seja, optou-se em valorizar a experiência e atuação na área cultural dos sujeitos. Pode-se perceber também a diversidade na área de atuação dos candidatos. Diferentes campos da cultura e da produção cultural sejam elas no teatro, na área do funk, nas artes plásticas, no uso da cultura como reabilitação para dependentes químicos, na área do turismo, cinema, música entre outras, foram apontadas pelos candidatos como áreas em que estão inseridos profissionalmente. O relato das iniciativas e ações gerou resultados que extrapolaram os objetivos definidos pela coordenação do curso, pois possibilitou a troca de experiências entre os candidatos, o conhecimento das ações desenvolvidas nas diferentes comunidades da periferia e, sobretudo, favoreceu a criação de uma rede de contatos, o que se consolidou ao longo de todo o curso. Neste último caso, a interatividade durante os relatos das ações desenvolvidas no decorrer da entrevista, que também se deu ao longo do curso, permitiu que os candidatos percebessem a semelhança entre as suas atividades e que poderiam potencializar e fortalecer iniciativas até, então, realizadas de forma isolada e fragmentada, bem como socializar e aproximar comunidades distantes geograficamente, mas que se assemelham no tocante à realidade da escassez de políticas culturais. O segundo desafio foi pensar numa organização curricular que buscasse superar a superioridade do saber teórico sobre o prático, sobretudo pelo | 48 |

público a ser atendido. Frequentemente, as propostas curriculares voltadas à EJA são organizadas com semelhança às propostas que se destinam às crianças, “fundamentadas em modelos idealizados de atividade pedagógica e dos processos de aprendizagem dos que a ela serão submetidos. Do mesmo modo que são idealizados os objetivos escolares, que desconsidera experiências, interesses e modos de estar no mundo de jovens e adultos” (OLIVEIRA, 2009, p.105). Nessa perspectiva, propomos-nos ao desafio de fugir desse modelo, apesar das disciplinas estarem previamente definidas. Partindo do pressuposto que “(...) dizer algo a alguém não provoca aprendizagem nem conhecimento, a menos que aquilo que foi dito possa entrar em conexão com os interesses, crenças, valores ou saberes daquele que escuta” (OLIVEIRA, 2009, p.98), utilizamos como estratégia, fazer a seleção e a abordagem dos conteúdos, relacionando-as com as práticas desenvolvidas, interesses, necessidades e expectativas dos alunos, a partir de seus relatos no processo de seleção e ao longo do curso. Assim, foi possível propor ações específicas como, por exemplo, a produção da Cartilha de Elaboração de Projetos, com orientações sobre como elaborar projetos na área cultural, que foi motivada, sobretudo, a partir da sinalização do grupo quanta a falta de conhecimento e preparo para a elaboração de projetos. Outra estratégia utilizada para manter o diálogo com os estudantes ocorreu por meio de fichas de avaliação entregues ao final de cada aula. Nelas, os alunos apontaram dificuldades e satisfações relativas à metodologia adotada, adequação da linguagem e do conteúdo aos interesses de cada aluno. Além disso, ficávamos em regime de plantão no dia das aulas para que os alunos apontassem dificuldades e problemas do curso. A partir desse retorno tínhamos dimensão dos acertos e questões a serem superadas no tocante às questões pedagógicas e infraestrutura. Durante o processo de formação dos alunos, percebemos que nosso objetivo pedagógico não podia se limitar a levar somente os saberes formais. Nesse sentido, identificamos que os alunos precisavam vivenciar | 49 |

atividades práticas na área da cultura e, a partir disso, estruturamos um cardápio cultural com ida dos alunos a peças de teatro, musicais e festivais. A visita ao Festival de Inverno de Ouro Preto e Mariana (evento com diversificada oferta de atividades, mostras, oficinas, shows), por exemplo, buscou proporcionar a vivencia, bem como a oportunidade prática de avaliar a realização de um evento de grande impacto e proporção no âmbito da cultura. Como estratégia pedagógica, também propomos ao grupo, enquanto produtores culturais, a responsabilidade pela condução do 4º Festival Periferias em Cena. Esta ação, já prevista no projeto do curso e edições anteriores, apresentou-se como trabalho de conclusão do curso, colocando em evidência seus talentos, produções e as manifestações culturais que fazem parte de seus cotidianos. Diante da rede de solidariedade, conhecimento e aprendizagem que se criou a partir do curso, propomos-nos a um desafio final: manter esta rede em conexão por meio do Fórum Permanente de Agentes Culturais Populares.

Tecendo algumas considerações: Os sujeitos reconhecem os aprendizados que se formam na sua prática cotidiana, e seus saberes entrelaçam-se com outros de diferentes ambientes sociais. E, assim, permitem a construção de uma imensa rede de conhecimentos que passam a ressignificar frente aos saberes de outros sujeitos, sem que, com isso, tenham de abandonar sua “rede de relações de aprendizagens para que novas tessituras de conhecimento tenham lugar” (PAIVA, 2002, p. 16). A interação entre os diferentes sujeitos, de diferentes gerações e com saberes construídos em diversos espaços e tempos, possibilitou a riqueza do processo de aprendizagem. O curso, ao propor formar multiplicadores de conhecimento no âmbito das artes e da cultura, possibilitou com que mais sujeitos fossem contemplados por iniciativas culturais, criando uma grande rede de ações com a finalidade de divulgar, vivenciar, socializar e fortalecer a cultura popular. | 50 |

Portanto, pode-se afirmar que por meio do curso Periferias em Cena - a partir deste diálogo com a diversidade e a diferença - estes sujeitos buscam não só melhorar suas práticas e organizar de forma mais qualificada ações de cultura nas periferias e favelas, como também colocar em cena as manifestações culturais e conhecimento produzido nas periferias e favelas da qual são oriundos.

BIBLIOGRAFIA OLIVEIRA, Inês B. Organização curricular e práticas pedagógicas na EJA: algumas reflexões. In: PAIVA, Jane, OLIVEIRA, Inês B.(org.). Educação de Jovens e Adultos. Petrópolis, RJ: DP et Alii, 2009. p. 96-107. PAIVA, Jane. Os sentidos do direito à educação para jovens e adultos. Petrópolis, RJ: DP et Alii, 2009. ______. Onde a luta ensina: olhos de aprendiz no movimento social. In: Teias. Revista da Faculdade de Educação. n. 6. Rio de Janeiro: UERJ / Faculdade de Educação, jul./dez. 2002. p. 9-19.

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ADMINISTRANDO COM AS PERIFERIAS Ane Alves Danielly Ribeiro Victor Baetas

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ou Danielly Ribeiro e trabalhei no curso como auxiliar administrativa duas vezes por semana. Adorava a correria das quartas e sextas-feiras, que davam prazer porque sabia que estava construindo, colaborando e aprendendo com a cultura e experiência que cada aluno, professor e colaborador traziam consigo. Foi muito bom trabalhar onde se põe em prática o que acredito e defendo. Cultura para mim é representar e mostrar a realidade, a vida, por isso, o curso Periferias em Cena gerou-me expectativas positivas desde o início. Sua proposta era surpreendente e de grande importância, potencializar a intenção de construir e aprimorar a realização de projetos culturais que contribuam socialmente, intelectualmente e financeiramente com a população das favelas. Cada aula era uma expectativa; diferentes professores; com temas e didáticas interessantes, sempre dando um show à parte. Mostrando que a cultura está presente em todos nós sem discriminação, raça, gênero ou cor. Na visita técnica a Ouro Preto, a turma Periferias em Cena mostrou mais uma vez o que existe dentro das favelas do Rio de Janeiro e provou que cultura como diz Adriana Facina é “parte da produção e reprodução material da vida e não algo que paira acima dos conflitos sociais, das questões econômicas e políticas. A cultura é parte de nossa vida material, pois nos expressamos no mundo através dela.” Todos demonstraram sua arte, seus ideais e seu valor. Participaram do Festival de Inverno no palco principal e mostraram porque são agentes populares culturais. Dividiram suas experiências, ensinando que apenas | 52 |

com muita flexibilidade e escuta conseguimos construir conhecimento em grupo. Provaram que o estímulo de cada um a perguntar, a criticar, a criar, articulando o saber popular mediados pelas experiências de vida, da sua realidade e do mundo, forma a consciência de viver democraticamente. Também mostraram que saber ouvir e respeitar, mesmo sem concordar com a posição e opinião do outro, é fundamental e produtivo para todo mundo. Muitos discriminam, mesmo sem conhecer, a produção cultural que vem das favelas que é economicamente pobre, porém, muito rica em produções e valores culturais. Nossos alunos, na maioria favelados, foram além de discussões críticas, chegaram à prática, que começaram a adquirir por conta de seus projetos e apenas continuaram a adquirir com o curso. Hoje tocam os projetos que já tinham quando entraram no curso e elaboram outros, com criatividade, conhecimento, gerando novos desafios. Com o curso tive certeza que cultura não é só um produto ou construção cultural, mas também relações, diversas maneiras de pensar a realidade e expor o que se sente e pensa. As trocas de experiências desse curso deixaram bem claro que não existe cultura sem uma parcela do meio social, porque o próprio pensar é impregnado de fatores e substâncias histórico-sociais, os quais operam na formação cultural e implicam aceitação implícita de costumes e valores.»

Valeu família Periferias em Cena! Já no meu caso, eu, Victor Baetas, que fui monitor do curso, penso que essa (con)vivência que tive com toda essa galera do “Periferias em Cena!” durante esse tempo foi muito produtiva, e não tenho dúvida nenhuma que será uma experiência multidisciplinar que vou levar comigo para sempre. Logo eu, que era (e ainda sou) um aluno do curso Técnico em Química Industrial do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro (IFRJ, onde as aulas do curso foram ministradas), estava | 53 |

entrando numa área que não tem nada a ver com o que eu estudo, que é a da Produção Cultural. Mas até então, beleza. Todas as quartas-feiras, desde o dia 06 de abril desse ano, das 13h às 18h, estava eu lá, acompanhando a todas as aulas com a turma. Conforme o tempo foi passando, fui me acostumando a essa rotina, e na minha humilde opinião, apesar de ser o monitor do curso, acabei virando um aluno também, pois eu me sentava bem no canto da sala, pra não atrapalhar ninguém, e havia vezes, que os professores que iam dar as aulas, achavam que eu era um aluno também, e até que eu particularmente, me sentia como um aluno, tanto é que quando tinha dúvidas, eu perguntava, até porque como dizem os professores (os meus pelo menos dizem isso), - “A sua dúvida pode ser a dúvida de todos!”, mas como a turma era fera e estava sempre atenta ao que o professor estava falando, acho que essa afirmação não se aplicava a eles. Mas ainda assim, eu perguntava! Enfim, ao longo desse tempo fui me identificando com a turma e essa experiência, que no início eu sentia meio “com um pé atrás” por conta de ser uma área desconhecida pra mim, passou a se tornar uma coisa prazerosa. Toda quarta-feira, conforme os alunos iam chegando, eles vinham falar de uma forma bem calorosa comigo, que mesmo se eu estivesse em um dia que nada estava indo bem, saberia que o dia não seria um dia perdido, pois estaria ali com pessoas que estavam interessadas em aprender, e algumas delas vinham de longe, outras do trabalho, somente para aprender mais e com isso, eu de uma forma bem pequena, estaria contribuindo para tal, e consequentemente me sentia gratificado por estar ali, sabe? Por isso eu, de alguma forma, sentia-me melhor ali. Uma coisa que não posso deixar de falar é sobre as baixas que a turma sofreu, com a saída de alguns alunos, e isso já não foi um momento muito legal do curso, pois eu particularmente queria que todos os 30 alunos que foram selecionados para estar ali, naquela sala todas as quartas, deveriam se formar, pois eram merecedores de estar naquele ambiente, no entanto, por consequências da vida, isso não foi possível. Mas fazer o quê, paciên| 54 |

cia… Apesar de a convivência ter sido menor com esses que saíram, espero que saibam que de alguma forma, já fazem parte desse momento que passei na minha vida. Outra coisa que não poderia deixar de citar como um dos momentos mais marcantes do curso, com certeza foi a visita técnica às cidades históricas de Ouro Preto, Mariana e Congonhas! Cara, com certeza absoluta, foi um dos melhores fins de semana da minha vida (apesar de na semana da viagem, ter reprovado de período) e a experiência que dentro da sala de aula naquela altura já estava sendo fantástica, melhorou umas 1000 vezes. Ainda mais eu, que nunca tinha viajado pra fora do estado do Rio de Janeiro, conheci lugares que não esperava conhecer nem tão cedo, como a mina do Chico Rei, que foi um dos momentos mais emocionantes da viagem, o Museu da Inconfidência, as igrejas, as vielas das cidades históricas, o coraçãozinho S2 Restart… Foi uma viagem simplesmente sensacional, com pessoas sensacionais e que será um mais um dos momentos que passei com vocês do curso, que levarei comigo pra todo o sempre. Outro lugar que fui também por conta do curso, e não sonhava ir tão cedo também, foi Salvador, na Bahia, onde fui apresentar um trabalho sobre o “Periferias em Cena!” no Encontro de Estudos Multidisciplinares em Cultura (ENECULT) na Universidade Federal da Bahia, juntamente com a Pâmella, e que apesar de não ter todos juntamente conosco (somente o Wladimir “Mad” e a Juliana, dois alunos do curso que também foram a esse evento e que estiveram comigo nessa aventura pela Bahia) foi muito gratificante também, pois acima da sensação de andar de avião pela primeira vez e de estar em um lugar que tinha vontade de conhecer há muito tempo, como Salvador, estava ali apresentando e representando a turma, o que convenhamos, foi uma “responsa”, que eu tenho o maior orgulho de ter tido. E eis que chegou o final do curso, com o Festival Periferias em Cena… A prova final dos alunos, que veio somente para coroar todo esse trabalho e finalizar com chave de ouro, toda essa caminhada de praticamente quatro meses em sala de aula, onde toda a produção do mesmo feita por todos os alunos e que vamos combinar: Eles deram SHOW e fizeram um evento | 55 |

sensacional (Apesar de toda a pré-produção ter sido muito trabalhosa). Finalizando, acho que de uma forma resumida, essa foi a minha experiência no curso “Periferias em Cena!” e daqui pra frente, tudo o que eu tenho a fazer, é desejar muito sucesso pra todos os alunos e eu, que era apenas o monitor do curso, que era (e ainda sou) apenas um aluno de Química no meio da Produção Cultural, possa assistir a muitas e muitas produções de vocês! Agora eu vou parar de falar, pois ainda tem mais gente pra esse capítulo! Fui. Sou Ane Alves, produtora cultural. A experiência com o Curso Periferias em Cena se deu a partir de minha entrada como estagiária de produção da Coordenação de Extensão do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro – Campus RJ. O Projeto Periferias em Cena já havia sido aprovado pelo edital e estava na fase de divulgação, abertura de inscrições, contratação de pessoal e compras de equipamentos, sendo esses os primeiros movimentos efetivos para o início do projeto. Logo começamos a receber as inscrições que foram feitas por email e de forma presencial. Cuidei de todo o processo referente a essa fase: recebimento das inscrições e documentação, contato com os candidatos, recebimento de currículos para o funcionário administrativo do projeto, pesquisa de preço para compras de equipamento, abertura de processo para compra de equipamentos, organização da aula inaugural, etc. Minha participação efetiva no projeto foi até a aula inaugural, pois nessa fase a funcionária administrativa já tinha sido contratada. Foi um trabalho basicamente administrativo, mas totalmente necessário para que o curso acontecesse. Esses meses de trabalho me proporcionaram momentos de muito prazer. Pude conhecer pessoas interessadas em aprender com humildade e garra. O grupo que se formou foi exatamente o proposto nos objetivos do projeto, ou seja, pessoas que já faziam algum tipo de produção em suas comunidades e queriam aprender mais. A união foi a premissa dessa turma. Aos poucos, de 30 pessoas des| 56 |

conhecidas foram sendo construídos relacionamentos, que os tornou numa coisa só. Podemos perceber essa comunhão na viagem que fizemos para Ouro Preto na ocasião do Festival de Inverno, em maio de 2011, que serviu para unir mais ainda os laços de amizade duradouros. Acredito muito em projetos desse nível, com verdadeiro teor cultural e comprometido com a grande massa de pessoas que produzem e fazem acontecer em suas bases, com vontade e perseverança. Projetos como esses, desprovidos de preconceitos, receitas prontas, dão subsídios para que aconteçam ações permanentes e são fundamentais para uma prática cultural efetiva. Um exemplo disso foi o interesse pelo projeto durante a exposição feita pela coordenadora Pâmella Passos, no Encontro Nacional de Produção Cultural – ENECULT, em Salvador nesse mesmo ano. Tive o privilégio de participar de um debate lotado de pessoas do Brasil inteiro interessadas em saber todos os detalhes do projeto. Desejo que desse curso saiam projetos que façam a diferença nessas comunidades e que permitam dias mais belos e esperança no que virá.

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COMO ELABORAR E EXECUTAR um projeto cultural Marisa S. Mello

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sse texto procura contribuir para a formulação, formatação e execução de projetos culturais, e é direcionado aos agentes culturais populares que fazem parte do curso de extensão Periferias em cena, que está ocorreu no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Rio de Janeiro (IFRJ), sob a coordenação de Pâmella Passos, de abril a agosto de 2011. Como produtora cultural, atuo na área de artes visuais, realizando principalmente exposições e publicações. Creio que esse material está muito impregnado por essa experiência, portanto, aviso aos navegantes, cada área tem suas demandas específicas, e nem tudo o que está escrito aqui nos exemplos se aplica a qualquer projeto cultural, de qualquer área. Inclusive porque muitas vezes é preciso escrever o mesmo projeto em diferentes formatos. Mas creio que é possível generalizar e utilizar os exemplos, pelo menos para inspiração. Vou utilizar nos exemplos, especificamente, o projeto da exposição Cartazes Cubanos, que participei como gestora, cujo proponente era a produtora onde trabalho, que se chama Automatica Produção Contemporânea. O projeto, realizado de dezembro de 2010 a junho de 2010, teve como principal produto uma exposição de cartazes de artistas cubanos. O projeto foi realizado com recursos da Caixa Econômica Federal, através de seu edital de ocupação dos espaços, e aconteceu na Caixa Cultural, no Distrito Federal. Aprendi a fazer projetos lendo projetos antigos, já realizados, observando o seu formato e aplicando para uma nova situação, com as modificações necessárias. Mas onde mais aprendi foi com a experiência prática. Em cada projeto elaborado e realizado, aprendemos uma lição. Por isso todas as etapas são muito importantes. Desde o planejamento, formatação do projeto, execução, até a prestação de contas e avaliação crítica do projeto, | 58 |

sempre fundamental para que possamos fazer melhor, aproximando cada vez mais as pessoas do universo da criação artística, para que possam ser produtoras, e não apenas consumidoras de cultura. Vamos ao que interessa. O termo projeto carrega o sentido de organizar ideias, pesquisar, analisar e desenhar uma proposta de ação articulada com a realidade; um projeto cultural realiza um produto, demora certo tempo para torná-lo viável e executá-lo, numa sequência de atividades, sempre relacionadas ao cronograma, que organiza as atividades no tempo. A viabilidade, portanto, é um elemento central. O projeto é fundamental, pois é nele onde será feito o planejamento de todos os passos para tornar possível o seu principal objetivo. Criar e realizar um projeto supõe muitos processos que devem estar combinados. O primeiro deles é definir o principal produto; o que pretende realizar. Exemplos: exposição, peça de teatro, filme, festival, festa, show, festival, disco, pesquisa, estudo, etc. O projeto deve ter sempre um produto principal, ainda que você produza outros, e neste caso, podem ser chamados de produtos secundários. Exemplo: uma exposição pode ter um livro como produto secundário. O segundo desafio é avaliar o contexto onde o projeto se insere e quais impactos irá gerar para os envolvidos, tanto aos profissionais, como ao público. O terceiro desafio é verificar a viabilidade do projeto. Antes de colocar um projeto em prática, é preciso verificar se o grupo pode fazer o que propõe. Para isso é importante levar em consideração os aspectos de viabilidade econômica, social, política, técnica, ambiental, de gênero e étnico-cultural, considerando o custo total do projeto. Verifique se a soma dos recursos de que dispõe, mais o que poderá captar, cobre os custos do projeto. Certifique-se quais são as pessoas, os grupos e as instituições que apóiam o projeto. Se houver obstáculos políticos ou legais, preveja ações para superá-los. Explicite as técnicas que serão utilizadas e considere se o grupo dispõe dessas tecnologias. Analise se o projeto agride o meio ambiente. | 59 |

Analise se há algum padrão cultural que pode dificultar a realização do projeto, seja ele na relação homem com mulher, seja ele nas relações étnicoraciais ou culturais. Tente prever tudo o que pode acontecer, para que você possa orientar suas ações. Dicas: Procure avaliar os recursos disponíveis, tanto materiais quanto humanos. Frequente outros eventos na sua área e preste atenção em como foi organizada a produção, as qualidades e defeitos, e aproveite essas informações em seus próprios projetos. É importante que as pessoas envolvidas no projeto participem diretamente da fase de elaboração para que, pensando conjuntamente, apareçam soluções criativas e sustentáveis para sua viabilidade. As questões que forem aparecendo devem ser registradas para que possam ser utilizadas na fase seguinte. Entre os temas debatidos devem estar uma clara definição da atividade cultural que desejam realizar, opções de local e data, público, produtos culturais resultantes do projeto, equipe, divisão de tarefas, etc. A redação é um momento de exercício de síntese do processo anterior. Nele, é melhor contar com poucas pessoas do grupo. Tudo o que foi produzido anteriormente deve ser agrupado em um roteiro que demonstre, de modo objetivo, o que será realizado.

Vamos aos principais itens de um projeto: A identificação do projeto deve conter o título, segmento cultural, período de realização e local. Título é o nome do projeto, que expressa sua ideia central. É bom que seja curto, claro e objetivo. Os títulos de projetos em continuação devem ter a edição identificada. Exemplo: o título da exposição é Cartazes Cubanos (trata-se de exposição de cartazes produzidos por artistas cubanos). O subtítulo Um olhar sobre o cinema mundial (informa que são cartazes de filmes de diversos países). Segmento Cultural - pede-se a especificação dos segmentos artísticos envolvidos: artes visuais, dança, circo, música, artesanato, edição de livros, etc. | 60 |

Exemplo: A exposição Cartazes Cubanos enquadra-se na área das artes visuais (A área das artes visuais é extremamente ampla. Abrange qualquer forma de representação visual, ou seja, cor e forma, como cartazes, pintura, instalação, performance, escultura, fotografia, e muitos outras linguagens artísticas). Período de realização ou duração são as datas previstas para o início e o final da execução do projeto, se possível, dia e mês. Exemplo: O projeto cartazes durou 6 meses, de 01 de dezembro de 2010 a 31 de junho de 2010 (para executar todas as etapas – pré-produção, produção e pós-produção). Locais de realização trata, primeiro, do(s) município(s) no(s) qual(is) se realizará(ão) a(s) atividade(s) e depois das salas, teatros, palcos, museus, espaços de execução do projeto em cada município envolvido. Exemplo: Caixa Cultural – Distrito Federal (Galeria Vitrine). Endereço: Galeria Vitrine – SBS Quadra 4 – Lote ¾, Anexo ao edifício Matriz da Caixa. Distrito Federal – Brasília. O proponente é o responsável pelo projeto e pode ser pessoa física ou pessoa jurídica. Em ambos os casos, é preciso ter um currículo ou texto que apresente esta pessoa, no caso de pessoa física ou empresa, no caso de pessoa jurídica. O documento mais importante de pessoa física é o CPF e de pessoa jurídica o CNPJ, que são os números pelos quais os governos e patrocinadores identificam os proponentes. Em todos os projetos, propostos por pessoa física ou jurídica, há um responsável quem assina o projeto e disponibiliza seus dados e documentos. Mas é importante que todos os envolvidos o(a) ajudem a conduzir o projeto até o final, ou seja, até a avaliação e prestação de contas. Identifique os componentes da equipe do projeto, sem os quais o projeto não seria viável, sejam eles empresas prestadoras de serviço ou profissionais, indicando sua área de atuação no projeto. Essa lista com os nomes dos participantes do projeto intitula-se ficha técnica, e deve ser divulgada nos materiais que serão preparados (folders, folhetos e livros) e no(s) dia(s) de realização do projeto. Prepare uma ficha técnica onde | 61 |

estejam os nomes e as funções de todas as pessoas envolvidas no projeto. No início do projeto, você pode não ter escolhido ainda os profissionais com que vai trabalhar, então pode colocar a definir (exemplo: revisão de textos – a definir), mas já fica claro que este profissional é importante para o projeto. Com base nela, faça uma lista de contatos de todas as pessoas envolvidas no projeto. Sugestão: coloque o nome e sobrenome, função que exerce no projeto, e os contatos, telefone, endereço e endereço eletrônico (email). Quando estiver realizando o projeto, no momento do evento, procure também recolher informações sobre o público, pelo menos nome e contato, para que você possa ir criando uma mala direta de contatos, para onde você envie sempre a divulgação de seus projetos. Dica: se você trabalha no ramo cultural e realiza vários projetos, é bacana ter uma agenda de contatos que contenha as mesmas informações das fichas técnicas, juntando todos os projetos. Por exemplo: você vai levantando contatos de empresas que realizam aluguel de equipamentos. Na hora de você realizar um projeto, pode olhar na sua agenda e fazer o orçamento com os profissionais que já conhece. Isso facilita na hora de negociar valores e prazos. Apresente uma sinopse do projeto – resumo (com 5 a 10 linhas) do que o projeto propõe realizar; apresente o que pretende realizar, ou seja, qual seu principal produto, onde deseja realizar este projeto, quando e resumidamente como. Exemplo: Este projeto tem por objetivo principal realizar a exposição Cartazes Cubanos – um olhar sobre o Cinema Mundial, na Galeria Vitrine da Caixa Cultural DF, de 01 de dezembro de 2009 a 30 de maio de 2010. A mostra conta com 68 cartazes de mais de 20 artistas cubanos. Os temas dos cartazes são filmes para cinema que foram feitos em diversos países. O projeto conta ainda com alguns produtos secundários: a publicação de um catálogo com textos e imagens da mostra, palestra com dois dos artistas cubanos representados na exposição, workshop de cartazes com o curador e os artistas e programa educativo. A exposição tem entrada franca e classificação livre (para todas as idades).

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Justificativa é a parte onde se deve apresentar a importância do projeto cultural apresentando, seja em relação ao desenvolvimento cultural, salientando os benefícios que o projeto trará para a produção e difusão da cultura, suas características, como originalidade, inovação estética, excelência, qualidade; seja quanto à importância para a sociedade, referindo-se ao modo como o projeto trata de dar resposta a questões como memória, patrimônio simbólico, a democratização do acesso à cultura, a integração com outros agentes e criadores, a proximidade com seus públicos, a oferta de alternativas qualificadas de lazer, etc. Devem-se caracterizar também os beneficiários diretos e indiretos e grupos que têm interesses em relação ao projeto. Exemplo: Os cartazes expostos foram produzidos pelo ICAIC – Instituto Cubano de Arte e Indústria Cinematográfica – órgão governamental produtor de filmes nacionais e distribuidor de filmes estrangeiros em Cuba. Este Instituto há 50 anos promove a confecção de cartazes artísticos para a divulgação de filmes naquele país. Mesmo possuindo uma enorme variedade de estilos, os cartazes da mostra apresentam forte unidade e coerência. São assinados e, apesar do rigor formal, revelam um grande caráter inventivo, que permitiu a renovação da linguagem do cartaz de cinema, criando uma escola que é referência para artistas plásticos do mundo inteiro. Embora contratados por uma instituição governamental, que fornece toda a infra- estrutura, os designers cubanos possuem liberdade de expressão. As influências recebidas resultam em designs autênticos, que revelam uma saudável “antropofagia cultural”, em alguns casos, irônica. A realização das oficinas de criação artística pretende possibilitar ao público o acesso às questões de natureza prática que envolvem a imagem. A abordagem didática da ilustração relacionada à confecção de um cartaz de cinema abre uma possibilidade de instrumentalizar o aluno em sua prática cotidiana e formação humanística. Apesar do bloqueio econômico-cultural no período de criação destas peças gráficas, a exposição revela um permanente intercâmbio, com a presença | 63 |

de filmes de várias nacionalidades, inclusive de diretores brasileiros como Glauber Rocha, Leon Hirszman e Julio Bressane. É uma oportunidade de levar ao público brasileiro, de todas as idades e origens sociais, elementos da rica cultura cubana. Os objetivos representam a finalidade do projeto em questão, identificando as motivações principais do projeto, apontando os resultados esperados com a sua realização. Listar objetivamente o que pretende realizar, de preferência em tópicos. Pode ser dividido em objetivos centrais e objetivos específicos. Metas são objetivos quantificáveis que permitam a avaliação do projeto ao seu final: ações a desenvolver, bens culturais a produzir, público a mobilizar, etc. Exemplo: Objetivos da exposição cartazes cubanos. Este projeto tem por objetivo principal realizar a exposição Cartazes Cubanos – um olhar sobre o Cinema Mundial, na Galeria Vitrine da Caixa Cultural DF, de 01 de dezembro de 2009 a 30 de maio de 2010. Abordar as manifestações da arte gráfica e estudar esse meio de comunicação visual, mais especificamente dos cartazes e sua influência na sociedade urbana; Divulgar a escola cubana de cartazistas, em que as possibilidades gráficas são exploradas com liberdade de imaginação; Habilitar o aluno para o entendimento da forma plástica relativa à composição visual para a construção de uma imagem filmográfica; Vivenciar a experiência do desenho a partir do uso prático da percepção (exposição), enquanto possibilidade de apreensão e construção imagética; Promover o intercâmbio artístico/cultural entre os dois países. Descrever os meios e ações que se pretende desenvolver para realizar as metas e alcançar os objetivos. Apresentar as etapas do projeto e as ações | 64 |

correspondentes com as datas de início e fim previstas para cada uma delas. Trata-se, aqui, de planejar o modo de desenvolvimento do projeto. Planeje uma data de início e término do projeto. Defina os meses em que acontecerão as atividades preparatórias, de execução e de avaliação, construindo um cronograma de atividades. As contrapartidas são os recursos financeiros, bens ou serviços investidos pelo proponente para a execução do objeto. Neste item deve constar, por exemplo, distribuição gratuita de ingressos para um determinado público, equipamentos que você irá utilizar Exemplo: se for você mesmo a registrar com fotos o evento, esta pode ser uma contrapartida. Contrapartida social refere-se aos benefícios que o projeto traz para a sociedade. Ele pode vir junto com as justificativas ou como um item separado. Exemplo: O projeto prevê realização de um programa educativo; realização de workshops e palestras gratuitas, disponibilização do livro para download gratuito na internet. Acessibilidade são as medidas que o projeto prevê para facilitar o acesso aos portadores de necessidades especiais. Exemplos: rampas de acesso, elevadores, textos em braile, áudio-livro, entre outros. O Plano Básico de Divulgação deve indicar as peças gráficas impressas e digitais que serão utilizadas na divulgação do projeto, onde este material será distribuído e a quantidade prevista para cada peça, além das especificações técnicas destas peças (tamanho, tipo de papel, número de cores, etc.) O Plano Básico de Distribuição dos produtos culturais deve informar quem é o público-alvo de seus produtos culturais. Em geral, nos projetos com patrocínio, público ou privado, deve-se destinar os produtos culturais, como livros, CDs, ingressos, a um conjunto de beneficiários. Por exemplo, 1 livro, com tiragem de 1000 exemplares, pode ser distribuído da seguinte maneira: uma cota para o patrocinador (caso haja – em geral, os patrocinadores solicitam um percentual do material produzido), uma cota para divulgação (imprensa, profissionais do meio, etc), uma cota para os membros da equipe do projeto, uma cota de doação para instituições | 65 |

culturais (bibliotecas, escolas, instituições culturais, etc), entre outras cotas possíveis. Se o projeto pretende vender ingressos ou produtos, como livros e Cds, cuja venda também deve ser indicada desde o projeto, com valores possíveis, inclusive. Exemplo: o projeto prevê a comercialização de 20% dos Cds (total de 1000 exemplares), a R$ 10,00 cada, totalizando uma arrecadação de R$ 2.000,00. Deve-se identificar para onde serão destinados os recursos. Muitas vezes, os patrocinadores, públicos ou privados, pedem um retorno pelo apoio ao projeto, chamado de retorno ao patrocinador. Em geral, pedem uma cota das pecas gráficas e que seu nome e logomarca sejam mencionados em todas as peças gráficas. Combine este retorno antes de iniciar o projeto para que não tenha surpresas no caminho. O orçamento deve ser apresentado em planilha que se constituirá em um anexo obrigatório. Calcule o custo da equipe de trabalho, a infraestrutura e o material necessário. De preferência, converse com os profissionais; explique resumidamente o que o projeto pretende realizar. Tire dúvidas, mostre projetos, desenhos (caso seja o caso), planta dos espaços culturais, procure certificar-se que o profissional compreendeu sua função, realize testes. Preveja os testes no orçamento também. Combine o tempo de duração de cada serviço ou tarefa. Faça o possível para registrar todos os processos, principalmente combinações sobre valores e prazos. Peça aos profissionais para elaborarem uma proposta, que indique estes valores e prazos, de preferência por escrito. Se tiver acesso a internet, envie mensagens (e-mails) com estas informações. A maioria dos projetos precisa de algum recurso financeiro para tornar-se realidade. O financiamento de projetos culturais pode ter diversas formas de financiamento, e estas podem andar combinadas. É importante identificar as fontes de financiamento do projeto com o valor da participação de cada uma delas e o percentual sobre o total do projeto. Os projetos que produzirem bens ou serviços comercializáveis devem fazer constar a previsão das receitas com a venda de ingressos, CDs, livros, CDROMs, etc. | 66 |

O projeto pode ser financiado com recursos próprios, ou seja, o proponente arca com as despesas. Pode ser financiado com recursos públicos, através de editais, etc. Os editais possuem regras próprias e em geral fornecem um serviço de informação ao proponente. Leia o texto das regras com muita atenção e abuse do serviço de informação. Se tiver uma dúvida, esclareça, pois, que muitas vezes, pode-se perder um edital por apenas um pequeno detalhe. Pode ser financiado através de incentivo fiscal. Para tal, é necessário aprovar o projeto com a instância de governo competente: prefeituras, governos estaduais e governo federal, através das leis de incentivo à cultura. A lei federal de incentivo a cultura é a Lei Rouanet; a lei estadual do governo do Estado do Rio de Janeiro é a chamada Lei do ICMS (Imposto sobre a circulação de mercadorias) e a lei municipal, a chamada Lei do ISS (Imposto sobre serviços). Pode ser financiado com recursos privados. Um terceiro investe recursos diretamente em seu projeto. Existem muitos editais públicos e privados que financiam projetos culturais e é extremamente importante pesquisar tais editais, para ver se o projeto em questão pode se encaixar em algum deles. Pode-se, por exemplo, colocar no www.google.com.br, as palavras-chave: editais, música, rio de janeiro; editais, artes visuais, Rio de Janeiro ou acompanhando blogs, sites e outras espaços que acompanhem este calendário. Devem ser anexados todos os documentos e informações que o proponente considere essenciais para a compreensão e avaliação do projeto. Mostre imagens sobre o seu projeto, forneça informações sobre o grupo artístico que irá se apresentar, etc. Por exemplo: crie uma versão ilustrada do projeto, com imagens e informações complementares, para apresentar aos envolvidos (equipe, financiadores, etc); mande os currículos dos membros da equipe de forma resumida; matérias de jornal, etc. Execução é o momento de realização do projeto, ou seja, de implementar e adaptar todos os itens que antes foram planejados. Procure registrar as | 67 |

combinações com os artistas e profissionais envolvidos no projeto. É importante formalizar as relações. Ou seja, se você está realizando, por exemplo, um show de artista, é importante ter uma carta do artista informando que está ciente que o proponente irá realizar aquele projeto. É o que chamamos de carta de anuência. Exemplo de texto para carta de anuência de artista, para inscrição do projeto Cartazes Cubanos, na Lei de Incentivo à Cultura – Rouanet. Use de forma adaptada, incluindo o nome do projeto e a função do participante. Referência: Projeto Cartazes Cubanos CARTA DE ANUÊNCIA Ao Ministério da Cultura. Prezados senhores: Através da presente, eu, ___________(nome do artista)___________, RG ___________________________, CPF __________________, Passaporte _____________________ enquanto detentora dos direitos autorais das obras a serem expostas, declaro meu conhecimento e anuência em relação ao projeto de exposição intitulado Cartazes Cubanos, proposto pela Automatica Produção Contemporânea Ltda, para a Lei Rouanet de Incentivo à Cultura. Local e data _________________(assinatura)___________________ (nome do artista)

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UM OUTRO OLHAR É POSSÍVEL. Acreditando e construindo uma comunicação pela diferença, contra a desigualdade Caio Amorim Mariana Gomes

Experiência do Periferias em Cena

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ara nós, Caio e Mariana, editores da revista Vírus Planetário, foi um grande prazer participar dessa 4ª edição do curso de formação de agentes culturais popular, até porque participamos das outras edições do curso. É algo muito gratificante poder estar presente com os alunos do curso, que são lideranças comunitárias e agentes multiplicadores em favelas e periferias. Acreditamos que o diálogo presente em todas as nossas participações foi essencial para crescermos enquanto veículo e pessoas; aprofundar o debate sobre comunicação – mostrar que é possível realizar uma mídia de esquerda, combativa pela justiça social, estreitar os laços com lideranças comunitárias.

Um dos exemplos foi o Repper Fiell, aluno da segunda edição do curso e liderança comunitária do morro Santa Marta, com quem mantivemos o contato e temos firmado algumas parcerias como o livro de sua autoria entre outros. Outro exemplo foi o poeta popular Severino Honorato, com quem também vemos mantendo uma parceria. Essa experiência do 4º curso foi especialmente interessante para nós, pois além do debate sobre democratização da comunicação, disputa de hegemonia de opinião pública, concessões e outros pontos importantes no que tange a comunicação – debate levantado pela exibição do curta “Levante sua voz” – realizado pelo Coletivo Intervozes -, conseguimos também levar para os participantes do curso noções mais práticas, como algumas dicas de diagramação. | 69 |

Com o aparato do laboratório de informática e um computador para cada aluno, pudemos realizar uma oficina de diagramação e passar algumas instruções rápidas de uso dos programas Indesign (utilizado para diagramação) e Photoshop (utilizado para edição de imagem). Como afirmamos na primeira aula teórica, é necessário disputarmos a opinião pública para uma visão de mundo igualitária e que quebre preconceitos com as mesmas ferramentas que as mídias de grande porte utilizam, com produtos visualmente bonitos que chamem a atenção para o conteúdo, em se tratando de publicações impressas. O mesmo pode-se dizer dos outros meios de comunicação: rádio, televisão, site etc. Pensando nisso, podemos pensar um pouco mais sobre comunicação no Brasil e no mundo, em iniciativas de democratização da comunicação como a revista Vírus Planetário, que construímos a partir de 2008, e do Curso Periferias em Cena, que visa democratizar e multiplicar o debate de uma cultura e comunicação mais democráticas.

Democratizar a Comunicação Falar sobre comunicação no Brasil e em qualquer parte do mundo não é tarefa fácil. Existem muitos tabus e muitas questões a serem identificadas e resolvidas pela sociedade no que diz respeito ao direito à comunicação. Essas questões não podem ser respondidas se não levarmos em conta o sistema em que vivemos. O capitalismo, sistema vigente em quase todo o mundo, foi revelado pelo filósofo alemão Karl Marx, que afirma, como princípio básico, que a história da humanidade é a história da luta de classes. Sendo assim, como em tudo que rege a sociedade, a história da comunicação se confunde, também, com luta de classes. Por um lado, para muitos intelectuais marxistas a luta de classes por si só explicaria todo e qualquer processo, reduzindo espaços importantes como a comunicação e a cultura a um simples reflexo da base econômica, incapaz de influenciar nas dinâmicas social, econômica e política. Do outro lado estão os chamados culturalistas, para os quais a cultura é que seria determinante em toda e qualquer dinâmica. Segundo esta visão, muitos problemas contemporâneos resultantes de diversos fatores (históricos, | 70 |

culturais, sociais, econômicos etc.) se reduziriam a apenas uma justificativa: a cultura. Ambas as concepções apresentam problemas. Uma por admitir que a cultura e a comunicação estariam acima das determinações materiais da sociedade e, portanto, em um estágio superior, de “elevação” do ser humano; a outra por enxergar a cultura como campo secundário da vida. A visão que preferimos adotar, não se prende a nenhuma das concepções anteriores. Inaugurada pelos estudos culturais, a noção de que a cultura é espaço onde as disputas que transformam o mundo acontecem, é a que nos vale. Baseados, então, neste conceito, entendemos a comunicação como parte essencial dessa “arena de disputas”, conceito criado pelo antropólogo Stuart Hall. E é em meio a essa arena de disputas que o oligopólio dos meios de comunicação torna-se o principal inimigo. Com os sistemas de comunicação no Brasil sob o controle de cerca de 11 famílias, como garantir a diversidade e a democracia? Com a comunicação e, principalmente, o jornalismo a serviço das empresas e do lucro, como podemos ter certeza de que os fatos relatados estão à serviço da população, e não de uma minoria? Para consolidar esta disputa pelo direito à comunicação, o discurso tornase ferramenta fundamental. É ele que concretiza a disputa de hegemonia, e a comunicação é a arena onde essa disputa acontece no cotidiano, seja através da mídia, da opinião pública, das práticas cotidianas. O discurso é sempre carregado de ideologia e faz com que gire a roda das disputas cotidianas. Sem entender esta premissa, não podemos analisar o jornalismo hegemônico, que tem seu próprio discurso e, nele, sua própria ideologia, e é deste direito de significar, de expor aos indivíduos o seu discurso, que nasce a disputa, a contra-hegemonia. Se por um lado, devemos pensar a comunicação como um dos principais tentáculos dos donos dos meios de produção capitalistas, não podemos ignorar que também na comunicação há a luta de classes, representada pela batalha da contra-hegemonia. Consideramos os meios de comunicação de esquerda como uma alternativa contra-hegemônica ao que temos no cenário brasileiro de concentração da informação. | 71 |

O mito da imparcialidade E é nesse meio que surge, em meados do século XX, a idéia de que os meios de comunicação devem ser “neutros”, “absolutos”, “sensatos”, “detentores da verdade dos fatos”. Tudo isso desemboca no conceito de imparcialidade, plantado pela mídia hegemônica até os dias de hoje. Devemos notar que essa é mais uma estratégia para consolidar o discurso de perpetuação do capitalismo como o único sistema possível e viável; de incentivo ao conformismo da população, criando “verdades” como a de que “nenhum político presta” ou de que “não adianta se mobilizar, pois nada mudará”. Analisando com um pouco mais de cuidado a mídia comercial no Brasil e no mundo, percebemos que ela está longe de ser imparcial. Acreditamos que o conceito de imparcialidade jornalística não passa de um mito. É humanamente impossível ser imparcial não só no jornalismo, mas em qualquer área de conhecimento onde os sujeitos se expressam através das palavras. Primeiro porque somos seres humanos, temos emoções, sentimentos, visões de mundo, formações diferentes, e invariavelmente, por mais que sempre busquemos “ouvir os diversos lados de uma história”, estaremos, mesmo que nos mínimos detalhes, colocando os fatos e as opiniões colhidas de alguma maneira. Esse conjunto de ideias sugere uma determinada interpretação. Isso não deve ser considerado um demérito, embora os meios de comunicação comerciais tentem reproduzir esse pensamento. Todos temos o direito de ter e expressar nossas opiniões. O problema está em esconder esse fato e travestir discursos hegemônicos de “imparciais” quando, na verdade, as opiniões estão ali. A revista Vírus Planetário surgiu em 2008, inspirados em alguns exemplos positivos de mídia alternativa como a revista Caros Amigos (lançada em 1997), o jornal Brasil de Fato, fundado em 2003 por movimentos sociais. Encorajados por essas iniciativas, entre muitas outras, como o jornal Fazendo Media, entendemos que é possível realizar um meio de comunicação contra-hegemônico. Mas o que mais nos motivou foi a idéia de produzir uma revista que reunisse características de zines, quadrinhos, | 72 |

o humor irreverente presente na revista Bundas, na Mad etc. Essas idéias aliadas a um jornalismo sério, crítico e denso, como o da revista Caros Amigos, do jornal Brasil de Fato e do Fazendo Media. Com a perspectiva de aliar humor e crítica social e sob o lema “Neutro nem sabonete, nem a Suíça”, nasce o primeiro número da revista Vírus Planetário, em maio de 2008, no Rio de Janeiro. A publicação surgiu com o desejo de alguns estudantes universitários de criar um espaço para debater a sociedade através de diversos olhares e perspectivas sobre os mais variados temas como política, cultura e mídia. A iniciativa resultou na criação de um projeto de comunicação independente, apartidário e sem fins lucrativos, integrado por recém-formados, estudantes e professores universitários. O objetivo é produzir de forma irreverente e bem-humorada, conteúdo informativo sobre os fatos no Brasil e no Mundo de forma a contribuir com a produção de conhecimento, com o interesse público e com o bem comum da sociedade. A linha editorial da revista é pautada, essencialmente, pela democratização da comunicação, pelos direitos humanos e pelo fim das desigualdades sociais. Desde então, doze edições foram lançadas, e, atualmente, a revista tem periodicidade bimestral. Apesar de estar mais concentrada no Rio de Janeiro, onde está o Conselho Editorial, a Vírus Planetário conta com colaboradores em São Paulo, Distrito Federal, Mato Grosso do Sul e Santa Catarina. Em nosso primeiro editorial, anunciamos nosso estilo; usar primeira pessoa do singular, assumir nossa parcialidade, afinal “Neutro nem sabonete, nem a Suíça.” Somos, sim, parciais, com orgulho de darmos voz a pessoas excluídas e de batalharmos contra as mais diversas formas de opressão. O homem é o vírus do homem e do planeta. Daí vem o nome da revista, que faz a provocação de que mesmo com a humanidade destruindo a Terra e sua própria espécie, acreditamos que, com mobilização popular, uma sociedade justa em que haja felicidade para todos e todas é possível. Rimos de nossa própria desgraça e, sempre que possível, gozamos com a cara de alguns algozes do povo. O bom humor é necessário para enfrentarmos | 73 |

com alegria as mais árduas batalhas do cotidiano. A revista em si, além das reportagens, tem as seguintes seções: Entrevista INclusiva, que é a entrevista principal da edição; Bula Cultural, que é onde indicamos e contraindicamos eventos, bandas, exposições, shows etc., e também colocamos críticas de cultura em geral; Colunas de Owaldo Munteal e Adriana Facina; “O que pensa a grande imprensa?” - é onde abordamos algum tema que a grande mídia tenha falado da forma como quer e nós desconstruímos a ideia colocada; Passatempos Virais, que são os joguinhos de humor e política; “O sensacional repórter sensacionalista”: é uma sátira ao jornalismo sensacionalista, o objetivo é satirizar colunas e notícias reais da grande mídia através de um personagem fictício.

“Jornalismo pela diferença, contra a desigualdade” O processo de comercialização das notícias criou uma indústria de comunicação perversa que tem por objetivo final o lucro. A Sociedade da Informação nada mais é do que um novo estágio do capitalismo em que a produção de conhecimento enquadrou-se numa grande linha de montagem, na qual ideias e o próprio conhecimento são transformados em produtos. O poder econômico dos grandes conglomerados de comunicação alcançou proporções astronômicas, permitindo aos poucos grupos que dominam esse mercado definir e influenciar questões políticas de acordo com interesses comerciais. Há, então, uma descaracterização de qualquer possibilidade de democracia nos meios de comunicação. Acreditamos que o nosso maior mérito seja a união do jornalismo sério e sisudo com o humor irônico, charges e quadrinhos que possam chamar a atenção do leitor quem normalmente não se interessaria pelos assuntos abordados. Acreditamos que, muitas vezes, embora o papel na formação de pessoas mais politizadas seja fundamental, as mídias de esquerda falam para quem já tem um pensamento parecido, ou para “os iguais”. Queremos também atrair quem não está muito ligado ao debate político – “vítimas” do desencantamento político, sejam universitários ou moradores de favelas e periferias. Com as cotas compradas por sindicatos, | 74 |

entidades e organizações, conseguimos chegar a favelas, ocupações semteto, e outros projetos sociais. É nesses lugares em que estão as pessoas que mais desejamos atingir! Procuramos produzir reportagens, artigos e entrevistas que sejam capazes de promover o debate sobre a justiça social – ou a falta dela – no Brasil e no mundo, com a perspectiva de transformar a sociedade. A convicção de que a função social do comunicador deve falar mais alto que o anúncio publicitário nos uniu. Consideramos que a comunicação seja um dos principais, senão o principal, método de politização e disputa pela construção desse outro projeto de sociedade que tanto almejamos. Obviamente, consideramo-nos contra-hegemônicos, inclusive pelas extremas dificuldades que passamos para produzir a Vírus Planetário. A falta de dinheiro e muitas "batidas de porta na cara" devido a nossa linha editorial muito bem definida são fatores que dificultam. Mas acreditamos no gás da juventude e que esta pode ser protagonista nas lutas políticas, tendo a comunicação como arma. Notamos cada vez mais os jovens movimentando suas escolas, os lugares onde vivem, seja com jornais, revistas, rádios comunitárias (que a grande mídia sempre faz questão de deslegitimar). Temos consciência de que atuar no campo da comunicação é uma tarefa árdua, mas não fugimos da raia. Fizemos a opção de não guardar nossas ideias numa gaveta de uma bela mesa sendo explorados em grandes redações, como a maioria dos estudantes de comunicação sonha fazer. Preferimos enfrentar as dificuldades e conviver com pessoas que lutam como a gente, ao nosso lado. Sabemos que a comunicação é estrategicamente ignorada pelos governos. Nossa luta não é apenas contra o capitalismo e as grandes empresas midiáticas, mas também contra os governos e o ministério das comunicações que até o momento só fazem piorar a legislação e deixar de lado o direito humano garantido pela constituição deste país, que é a livre comunicação. Uma tarefa que temos com a Vírus Planetário que nos é muito cara é lutar incansavelmente por um mundo mais justo, pelo respeito às diferenças, | 75 |

pelo fim das desigualdades e pelo alcance da liberdade dos seres humanos, que só se dará, e disso temos certeza, na luta diária. Luta essa que também passa pela comunicação, seja pela representação, seja pela disputa de hegemonia, seja pelo direito de (re)significar. A revista também se apresenta enquanto objeto de politização de jovens que se identificam com o projeto. Aos poucos, vamos politizando não só os leitores (e sempre os convidamos para o debate, e não queremos que saiam repetindo palavras de ordem por aí) como os próprios membros da revista. Acreditamos que devemos propor múltiplas visões sobre a realidade e que estes devem ser capazes de humanizar e revolucionar o mundo ao nosso redor. Queremos enfatizar nossas semelhanças através da diversidade e da comunicação em busca da união entre as pessoas. Não temos por objetivo impor uma visão de mundo aos leitores, e sim estimular o conhecimento de diferentes olhares e a reflexão.

LINKS ÚTEIS Download do filme Levante sua voz: http://tinyurl.com/bt9v9rs Assistir filme Levante sua voz online: http://vimeo.com/7459748 Apostila com instruções de uso do Indesign: http://www.megaupload.com/?d=L9J3012W Dicas Indesign: http://tinyurl.com/7ktb5lj Tutoriais Photoshop: http://www.photoshoptotal.com.br/tutoriais-de-photoshop/ Gimp - Programa software livre alternativo ao photoshop –– download gratuito: http://www.baixaki.com.br/download/the-gimp.htm Scribus - Programa software livre alternativo ao Indesign – download gratuito: http://tinyurl.com/6vqrlxy Revista Vírus Planetário: www.virusplanetario.com.br

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O IFRJ NA CONSTRUÇÃO DE UM DIÁLOGO entre Cultura e Educação na sociedade 17

Rafael Barreto Almada

O

brasil enfrentou nos últimos anos diversos momentos políticos essenciais para suas transformações e crescimento como nação. Inicialmente o país viveu décadas de um crescimento concentrador de renda e de poder, encabeçado pelo sociólogo Fernando Henrique Cardoso, que representava um bloco conservador que governou o Brasil na década de noventa e nos primeiros anos deste século. O país vivia constantemente mergulhado em crises inflacionárias ou de endividamento, incapaz de criar bases sólidas para financiar um desenvolvimento duradouro, que combinasse crescimento, democracia e bem-estar social. Em seguida, foi governado por forças progressistas comprometidas com um projeto nacional de desenvolvimento popular, democrático e soberano que governaram o Brasil de 2003 até 2010, encabeçado pelo metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva na Presidência da República. Este dois governos, um representado pela direita neoliberal e outro por forças de esquerda progressista, foram primordiais na consolidação de uma nação marcada por um enfrentamento políticoideológico que permeou a questão de política pública de cultura, geração de renda, relação com a população de baixa renda e pela questão da educação técnica e tecnológica no país. Dessa forma, a Política Cultural nestes últimos anos do Governo Lula foi direcionada na consolidação do Sistema Nacional de Cultura, com pactos progressivos com estados e municípios, fortalecendo o Plano Nacional de Cultura, integrando políticas de financiamento e estimulando práticas participativas na gestão cultural. Outro grande avanço que se pode 17

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Pró-Reitor de Extensão do IFRJ

destacar é a criação e implementação de mecanismos de financiamento para estabelecer acesso cultural, como forma democrática de acesso da população aos bens e serviços culturais, e as articulações com as ações governamentais em educação, cultura e comunicação, reconhecendo e apoiando a diversidade cultural do país. Em consonância com esse crescimento, o país experimenta, neste último quinquênio, o crescimento significativo da Educação Profissional, Técnica e Tecnológica, representado pela criação dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia nos estados e pela permanente expansão da Rede. Centros de excelência na construção do conhecimento técnico e tecnológico, os Institutos Federais procuram ser catalisadores das políticas públicas nacionais, aliando ensino, pesquisa e extensão, em uma perspectiva indissociável das necessidades da sociedade por melhor capacitação profissional, acesso à educação de qualidade e construção de cidadania e participação sociopolítica, em especial de seus setores mais pobres. Assim, unindo os avanços na política cultural do país e pela política nacional de expansão de educação profissional e tecnológica surgem os Institutos Federais de Educação Ciência e Tecnologia que, através de um projeto específico e único, propõem na verticalização de suas ações a possibilidade de participar de forma essencial nas transformações desta sociedade, atuando por meio de ações de inclusão social nos Estados da Federação. A sinergia resultante de tais políticas é, simultaneamente, pressuposto e resultado de uma estratégia de desenvolvimento que opera com base na incorporação progressiva das famílias no mercado produtor e consumidor pela qualificação profissional e acesso aos sistemas públicos de educação. No Rio de Janeiro, o Instituto Federal visualiza as mudanças sociais, estruturais e econômicas, majoritariamente, promovidas por eventos internacionais que acontecerão na cidade e pelas políticas estaduais voltadas a uma agenda social, que compreendem um conjunto de iniciativas prioritárias, com ênfase: nas transferências condicionadas de renda | 78 |

associadas às ações complementares; no fortalecimento da cidadania e dos direitos humanos; na cultura e na segurança pública; sendo a prioridade a parcela da sociedade mais vulnerável, que são os moradores de favelas e comunidades no Estado. O Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro (IFRJ) foi criado de acordo com a Lei 11.892, de 29 de dezembro de 2008, mediante a transformação do Centro Federal de Educação Tecnológica de Química de Nilópolis (CEFET Química de Nilópolis-RJ). Originalmente, a Instituição iniciou suas atividades em 1943 com uma única turma de 24 alunos do Curso Técnico de Química Industrial (CTQI), na antiga Escola Nacional de Química da Universidade do Brasil (atual UFRJ). Em 1946, o CTQI foi transferido para as instalações da Escola Técnica Nacional, hoje CEFET - RJ, onde permaneceu por 39 anos. Em 1959, passou a ser uma Autarquia Educacional. Entre os anos de 1965 e 2008, a Instituição teve várias denominações, entre elas: Escola Técnica Federal de Química da Guanabara, Escola Técnica Federal de Química do Rio de Janeiro, até chegar a ser, CEFET Química de Nilópolis / RJ. O IFRJ é constituído atualmente pelos campi Duque de Caxias, Nilópolis, Paracambi, Nilo Peçanha - Pinheiral, São Gonçalo, Volta Redonda, Realengo e Maracanã (estes últimos na cidade do Rio de Janeiro), e pelos campi avançados Arraial do Cabo, Engenheiro Paulo de Frontin e Mesquita, e atua nos diferentes níveis e modalidades da educação profissional, desde a qualificação inicial do trabalhador, passando pelo Ensino Técnico de Nível Médio, Graduação Tecnológica, Bacharelado, Licenciatura, até a PósGraduação de Lato e Stricto Sensus. A Instituição realiza, também, trabalho de inclusão social nas áreas da educação de jovens e adultos; de populações marginalizadas e portadores de necessidades específicas; atividades de extensão acadêmica em várias áreas do saber visando à inovação tecnológica, à divulgação e à popularização da ciência. Estas ações são coordenadas pela Pró-Reitoria de Extensão Pró-reitoria de Extensão do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro (PROEX-IFRJ).

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A PROEX, em sinergia política com as transformações social e econômica vivenciada pelo setor cultural e educacional do Brasil, propõe a partir de programas, projetos e ações, interagir com a sociedade em torno de cada Campus do IFRJ, gerando esse novo modelo de extensão, que vai além de sua compreensão tradicional de disseminação de conhecimentos (cursos, conferências, seminários), prestação de serviços (assistências, assessorias e consultorias) e difusão cultural (realização de eventos ou produtos artísticos e culturais). Dessa forma, este foco da PROEX aponta para uma concepção de instituição de ensino em que a relação com a população passa a ser encarada como a oxigenação necessária à vida acadêmica. Os problemas fundamentais a serem enfrentados pela sociedade brasileira são a concentração da renda e riqueza, a exclusão social, a baixa criação de emprego e as barreiras para a transformação dos ganhos de produtividade em aumento de rendimentos da grande maioria das famílias trabalhadoras. Assim, o IFRJ contribui com as políticas públicas de cultura e passa a ser um ponto importante de transformação extremamente necessário, para gerar as condições de erradicação da pobreza, do analfabetismo, melhoria da qualidade de vida e da geração de renda. O Curso de Formação de Agentes Culturais Populares foi essencial para que jovens e adultos moradores de territórios populares, principalmente de favelas na cidade do Rio de Janeiro, que já realizam alguma atividade na área cultural (artistas e produtores culturais dos campos da música, dança, audiovisual, artes plásticas, artesanato, teatro e “animadores culturais”) possam através de novas tecnologias e práticas otimizar suas intervenções culturais nos locais onde moram. Desta forma este curso de formação permite que estes moradores possam, através de uma formação qualificada, beneficiar-se de técnicas, procedimentos e conhecimento suficientes para competir em condições iguais por editais de fomento e recursos (públicos ou privados), bem como desenvolver atividades autossustentáveis em suas comunidades, estimulando de forma primordial o desenvolvimento destas localidades. O IFRJ identificando a necessidade da formação profissional da população | 80 |

envolvida em ações culturais em territórios excluídos socialmente na cidade do Rio de Janeiro contribui e estimula a continuidade e realização destas ações nessas localidades indicando a inserção de uma formação acadêmica que respeita as diferenças, estimula o potencial criativo da cultura, valoriza as pessoas e as histórias destas comunidades. Essa ação é resultado de um investimento do Ministério da Educação em conjunto com demais ministérios do Governo Federal, na proposta de continuidade de um projeto desenvolvido pelo grupo de pesquisa Observatório da Indústria Cultural (OICult) grupo de pesquisas da UFF, contemplado pelo edital PROEXT 2008 e que, na nova roupagem que ganha com a associação ao IFRJ, desenvolve projeto contemplado pelo edital PROEXT 2010, tornando-se uma referência estadual e nacional nos debates teórico-práticos sobre Políticas Culturais e Indústria Cultural do grupo de pesquisas Educação Profissional integrada à Educação de Jovens e Adultos (IFRJ/CNPq). A PROEX agradece a toda equipe envolvida no projeto e se orgulhou dessa primeira turma do Curso de Formação de Agentes Culturais Populares no IFRJ, pois além da diversidade cultural de cada um dos alunos envolvidos, o conjunto de participantes fez uma junção de energia em foco para uma construção coletiva de aprendizagem e exemplo de relação interpessoal, que só ratifica a política acertada do Ministério de Educação na expansão educacional no Estado do Rio de Janeiro. Assim contribuindo para valorizar a formação cidadã associada à formação acadêmica, gerando milhões de cidadãos participativos aptos para constituir uma cidadania que possa tomar em suas mãos o desenvolvimento econômico, político e cultural do país.

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Entrevista com Jefferson Robson Amorim da Silva Como gestor de uma unidade que realizou um projeto de emancipação social como o Periferias em Cena, como você compreende o papel do IFRJ? O papel das instituições federais de formação profissional, em nosso caso Instituto Federal, e que destaco: mantidas com recursos públicos, deve sempre estar em consonância com as políticas públicas voltadas ao atendimento das reais demandas sociais. Programas, projetos e ações que estejam comprometidos com o empoderamento das populações fragilizadas social e economicamente devem ser priorizados. Mas não pode nem deve ser um paliativo para a falta de efetividade das políticas de acesso. Faço questão de ressaltar, todos independente de sua condição social e econômica, independente de seus pré-requisitos de formação precisam ter as mesmas oportunidades de acesso as escolas públicas, gratuitas, laicas e de qualidade. Seja para aumento de escolaridade, formação profissional, formação continuada, especializações, enfim seja qual for a sua necessidade ela precisa ser atendida. Fazer isso de forma democrática significar primar pelas garantias de acesso e permanência que ainda são desafios a serem superados. Acredito que o poder de interferência da Escola pode levar a sociedade a superar a desigualdade social se e quando sua condução política, administrativa e pedagógica estiver a serviço de todos, e podendo ser acessados por todos, para que as oportunidades de crescimento pessoal, profissional e intelectual possam se dar de forma não estratificante e segmentária, como infelizmente conhecemos.

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Em sua visão, qual o papel de um curso como este na conjuntura de expansão da Rede Federal, em especial no caso do IFRJ com novos Câmpus em favelas e periferias como Complexo do Alemão, e Cidade de Deus, São João de Meriti e Belford Roxo? Por muito tempo a escola foi vista como um feudo onde o conhecimento estava encastelado para atender às elites. O mundo globalizado coloca-nos com o desafio e a possibilidade de novas interfaces. O conhecimento não é necessariamente gerado de fora para dentro. A queda dos muros precisa ser um canal de diálogo e retroalimentação onde os conhecimentos trazidos pelos alunos, possam ser potencializados. Sabemos que na superação das dificuldades cotidianas, essas comunidades geram conhecimento, tecnologias sociais e um sem número de possibilidades de produtos e serviços potenciais para economia criativa. O emprego de carteira assinada não pode ser única possibilidade para um contexto tão amplo em possibilidades de geração de emprego e renda. Sediar a escola em territórios, comunidades, favelas ou qualquer outra forma de designação significa precordialmente estabelecer relação com a diversidade e diminuir a distância (abismo) que existe entre a academia e as pessoas que estão a margem dos processos sociais. Essa não é uma construção com discursos políticos, compromissos externos. A aproximação com as pessoas, o respeito ao seu conhecimento, a preocupação com a preservação da cultura e identidade do grupo são as premissas de uma parceria real. A efetividade só se dará se a forma de acesso desses grupos não for por concurso (prova) altamente excludente como o que conhecemos. A expansão garante aproximação física, funcionar com eles e para eles vai demandar muito mais do que salas, laboratórios e bons profissionais da educação. Interação, respeito às diferenças, valorização dos indivíduos, respeito ao conhecimento tácito e | 83 |

visão humanitária estão na lista do que considero essencial para que haja êxito nos novos Campi. Eles têm muitas expectativas e nós muito trabalho a fazer! Quem sabe não nos ensinam um pouco. Nossos Doutores e Mestres podem se surpreender com capacidade de geração e efetivação de idéias desse novo público. Complexo do Alemão, e Cidade de Deus, São João de Meriti e Belford Roxo estão prontos para nos receber. Uma dívida social que finalmente será resgatada pelo poder público. E nós? Estamos prontos? Quantos na instituição se preparam para atuar nesses novos contextos? Temos a visão inclusiva, social e humanitária necessárias? Serão Campus sem muros? Quem será selecionado para o trabalho? Pensou-se em concurso com perfil voltado a captar colaboradores na própria comunidade? Já superamos internamente nossos pré-conceitos? São algumas reflexões que deixo como contribuição.

Sabendo que atualmente o Campus Rio de Janeiro possui um perfil tecnológico e um público discente de classe média, como você na condição de Diretor-Geral avalia o impacto da realização deste curso no Campus? Considero que uma escola deve ser o espaço de circulação de conhe-cimento, todo tipo, todas as áreas, todos os segmentos sociais tem por direito a livre participação em espaços públicos. E este é um espaço público. Todos crescem e amadurecem em processos como esse. Estávamos todos em formação, todos crescemos e aprendemos com a circulação de um grupo de identidade tão diversificada e ao mesmo consolidada. O perfil pode ser tecnológico, porém o espaço é de formação humana. | 84 |

Por último, que mensagem você como gestor público oriundo das classes populares gostaria de deixar aos alunos do Periferias em Cena? Como gestor público incentivo a plena participação social de todos. Minha trajetória de vida é um exemplo de que com determinação e trabalho podemos alcançar muitas coisas. Os rótulos, contingências financeiras, e todo o tipo de dificuldade que a classe operária, o proletariado trás como legado não é um limitante. Podemos muito se acreditamos em nosso potencial e investimos no futuro. Superação é algo que conheço e um lugar de onde posso falar, pois precisei superar muita coisa para chegar até aqui. Sempre me lembro do que recebi como investimento, sim, porque estudar em escola pública é investimento, a educação. Agora devolvo a sociedade o que recebi dando a oportunidade para que outros possam edificar suas vidas como pude edificar a minha. Levem esse compromisso, sejam multiplicadores e contribuam com a construção de uma sociedade mais justa e igualitária. Acredito em vocês!

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PARTE II

As Periferias entram em Cena!

POLÍTICAS CULTURAIS NO BRASIL Ousar lutar, ousar vencer. Cultura: direito de todos! Antônio Xaolin Liliane Prohmann Michel Cantero

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o descobrimento do Brasil, com a eliminação da cultura indígena e cultura negra, até a neo-modernidade pop roquenrol, o acesso à cultura sempre foi negada aos pobres e oprimidos. É como se todos tivessem que subir escadas em cadeiras de roda. Ousar lutar pela democratização da cultura, ousar vencer, é dever de todo cidadão. O tema proposto instiga a reflexão sobre o nosso papel como produtor cultural. Ou ainda, como fomentador de cultura em um país que parece ignorar a importância disso. Se vem da iniciativa privada o desejo de difusão através de apoio a projetos, pode apostar que o interesse de retorno de imagem e financeiro se sobrepõe a qualquer outro motivo. E então surge a necessidade de discutir sobre as ações do governo voltadas para políticas públicas culturais. No entanto, cabe começar esta análise com um caso de sucesso patrocinado e fundamentado no apoio de empresas privadas. Até agora foram seis edições. E é certo que mais seis virão em breve. Antes de analisá-las, vale pontuar esse fato: o Rock in Rio, como marca, alterou seu conceito inicial, que moveu a realização da primeira edição, em 1985, para se tornar o maior evento comercial e musical do mundo. As edições e as já compradas futuras não deixam negar a intenção de manter viva uma máquina que trabalha em parceria com o mercado, que rege e é regido pelo sistema e que criou uma empresa pseudo chamada de festival. Roberto Medina, publicitário, dono da maior empresa de publicidade do Brasil, empresário, filho do também empresário Abraham Medina, leva | 87 |

pela primeira vez à América do Sul o que havia de mais pop – e rock – na música internacional. Junta aos nomes importantes da cena brasileira e cria, no Rio de Janeiro, o primeiro e maior festival de rock para grandes públicos num espaço próprio com capacidade para 1,5 milhões de pessoas. A primeira edição do festival acontece no início do ano de 1985. Roberto Medina monta um espaço voltado para o acontecimento. A Cidade do Rock é construída para abrigar não só o maior palco do mundo, mas também um público cinco vezes maior que o que esteve em Woodstock, em 1969. O produtor traz e une aos artistas brasileiros astros do rock internacional como Iron Maiden e Scorpions que, pela primeira vez, visitariam o Brasil. Foram dez dias de evento e a repercussão marcou para sempre o rumo daquele festival que nasceu com a intenção de viver por uma noite, mas há dezesseis anos está no hall dos maiores de todos os tempos. A segunda edição do Rock in Rio vai ao ar seis anos depois da primeira e não acontece na Cidade do Rock, que é destruída por ordem do então governador do Rio de Janeiro, Leonel Brizola. Roberto Medina leva Prince, Santana, New Kids on the Block, Guns e um público de 700 mil pessoas ao Maracanã. O festival ainda mantém o intuito de levar o rock ao Brasil. É em 2001 que o Rock in Rio legitima a questão da marca. O Festival volta a Cidade do Rock, já remodelada para abrigar “apenas” 250 mil pessoas, e traz consigo a frase que passa a reger o evento: Por um Mundo Melhor. A ideia de criar uma causa para a existência do Rock in Rio o torna mais comercial, mais vendável. As três últimas edições do festival acontecem em 2004, 2006 e 2008. Não mais no Rio de Janeiro. O Rock in Rio segue para Lisboa e Madrid, confirmando a questão do nome associado à uma marca. Mantém o valor de mega evento. E afirma e reafirma – tantas forem as edições internacionais ou nacionais – a condição de empresa, que vende cultura. Volta ao Rio de Janeiro em 2011, ano corrente. Acreditamos que o Rock in Rio cria uma mentalidade nas pessoas incomum aos outros eventos de música. Faz com que a ida ao Festival tenha mais valor do que o artista que se apresenta. | 88 |

O Rock in Rio criou uma causa para se manter vivo, ou talvez para se vestir. Ou talvez para se proteger. Ou talvez para crescer ainda mais. E talvez para tudo isso junto. O Rock in Rio vira uma marca. Vira um evento. Perde a causa maior, a causa que deveria reger tudo no que diz respeito às políticas culturais, nesse caso, ligadas à música: a vontade de difundir música, levar e trazer cultura, promovê-la, pelo prazer de mantê-la viva, mostrando a cara de um povo, integrando povos. O Rock in Rio passa a investir na ideia de integrar marcas, logo integrar o mercado, associar estilos às marcas, pessoas às marcas, sons às marcas. Desaparece o valor da música. Aliás, a música passa a ter a responsabilidade apenas de definir públicos, logo se torna mais fácil definir intervenções por meio de propaganda. As marcas e os músicos viram instrumentos para a propaganda. Os valores são invertidos. A música define o público. A música se relaciona com a marca. O público é submetido às marcas. As marcas trabalham na formação de públicos. Sob utilização da propaganda, nua e crua, escancaradamente exposta, um público cada vez maior se interessa pelo Rock in Rio. E não mais pelo carrochefe que deveria ser a música exclusivamente. Agora passa a ser o entretenimento, ligado a empresas que nada tem a ver com linha de lazer. Mas de tão poderoso que o Rock in Rio é, consegue até alugar uns artistas pops para tocarem como música de fundo, num festival de marcas. Quando sobra tempo para o descanso entre uma fila à espera de um sofá inflável vermelho de uma operadora de telefonia e um passeio na tirolesa, Steve Wonder e Metallica estão prontos para tocar, enquanto você come e bebe sem nem, talvez, ter fome. Ao discutir sobre a influência do Rock in Rio na construção da indústria musical, atenta-se para a questão das políticas públicas culturais. Observase que festivais de massa, ou eventos de grande visibilidade são, em geral, financiados por empresas privadas. Qual a responsabilidade do governo na produção de eventos culturais dedicados a população - aqueles viabilizados com os impostos pagos pelo próprio povo? A discussão sobre acessibilidade encontra espaço, uma vez que a necessidade de se repensar | 89 |

estruturas e formas de incentivo estão cada vez mais em voga? Entre 16 e 18 de outubro de 2008, aconteceu no Rio de Janeiro, a Oficina Nacional de Indicação de Políticas Públicas Culturais para Inclusão de Pessoas com Deficiência, uma promoção da Secretaria da Identidade e da Diversidade Cultural do Ministério da Cultura (SID/MinC) em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), do Ministério da Saúde, e apoio da Caixa Econômica Federal (CEF). A oficina, que adotou o lema “Nada sobre Nós Sem Nós”, foi destinada a artistas, gestores públicos, pesquisadores e agentes culturais da sociedade civil e teve por objetivo indicar diretrizes e ações para a construção de políticas culturais de patrimônio, difusão, fomento e acessibilidade para pessoas com deficiência. O evento seguiu, portanto, a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (PD), que considera que estas devem participar ativamente das decisões relativas a programas e políticas que lhes dizem respeito diretamente. O objetivo principal desta oficina foi promover políticas públicas relativas às pessoas com deficiência como agentes produtores e consumidores de cultura. Algumas ações foram tomadas e deste encontro surgiu o relatório de políticas públicas Nada sobre nós sem nós (tema já consagrado no movimento das pessoas com deficiência e que serviu de lema para o Dia Internacional da Pessoa com Deficiência em 2004 – comemorado aos 3 de dezembro). As ações e seus desdobramentos abordados neste relatório servem de base para qualquer gestor de cultura que tenha interesse em desenvolver políticas culturais de qualidade para todos. Nós Produtores Culturais temos que ser facilitadores da inclusão em nossas produções, garantindo acesso e oportunidades para as pessoas, promovendo assim, uma política de acessibilidade e inclusão cultural que por anos não existiu. Hoje, em qualquer edital cultural, a acessibilidade é relevante para a seleção de projetos. Os proponentes têm por lei o dever de propiciar acesso digno a todas as pessoas, honrando o erário público para que a produção | 90 |

cultural contemplada, por essa verba, não seja exclusiva a um setor e inacessível aos demais contribuintes, além de cumprir com leis como a Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência. Urge que os produtores promovam discussões e se mobilizem a fim de ampliarem sua visão sobre as PD, como fomentadores e apreciadores de cultura. O que vemos são as maiorias das produções despreocupadas com esse público, as que atentam para a questão só têm a ganhar, um ótimo exemplo é a peça UM AMIGO DIFERENTE – de Marcos Nauer - que esteve em temporada estendida no teatro Oi Futuro no Flamengo – RJ – as apresentações aos sábados e domingos às 11h não intimidava o público, o teatro ficou lotado e nem todos da fila conseguiram entrar. Esta produção é um exemplo de acessibilidade devido a técnicas como a LIBRAS, a audiodescrição, material em Braille, etc. Infelizmente não conta com inclusão de artistas com deficiência nesta produção, mas é um bom referencial de acessibilidade. As PD representam um segmento social e cultural de extrema importância mundial e algumas dessas fazem ou fizeram sucesso pelo seu destaque, podemos citar entre vários: Frida Kahlo, pintora (poliomielite), Vincent Van Gogh, pintor (dislexia), Stevie Wonder, cantor (cegueira), e até mesmo Abraham Lincoln, um dos presidentes dos EUA (Síndrome de Marfan). Todos têm direito à cultura e é dever do Estado promover e incentivar ações, as PD não podem ser excluídas dessas ações e é dever dos produtores culturais promoverem acesso e inclusão, e todos temos que cobrar por esse acesso coletivo, fazendo com que seja comprida acima de tudo a Constituição Federal no seu artigo 215 que diz: O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais. Salientamos que todas as ações, sejam individuais ou coletivas, públicas ou privadas, que tratem de questões relativas às PD, não podem deixar de lado os principais interessados nessa discussão e planejamento, eles próprios são os melhores consultores de ações a seu favor. Daí o lema das | 91 |

pessoas com deficiência NADA SOBRE NÓS SEM NÓS. Vimos que leis existem, algumas produções a cumprem, outras a mascaram, a maioria ainda não se sensibilizou com uma realidade de mais de 24,5 milhões de Pessoas com deficiência no Brasil (Censo 2000 IBGE). Mas acreditamos que estamos caminhando para uma integração maior de todas as classes periféricas de nossa multiplicidade cultural. Se caminharmos para trás na linha do tempo, veremos que cultura sempre foi negada às comunidades, favelas e periferias. Tempos modernos, tempos de lutas, tempos de conquistas. Agora é hora de avançar e lutar para que o acesso à cultura seja direito de todos. Há muito tempo ouvimos falar em cultura pública, mas sempre observamos que somente o cinema proporcionava um acesso mais democrático a esse bem. O teatro, o balé, as orquestras musicais, as grandes óperas e muitas outras formas de cultura sempre estiveram fora do alcance da população. Um lance estranho, parecendo que a cultura só podia ser usufruída por uma parcela endinheirada da população ou por uma elite que pode pagar qualquer preço. Desde pouco tempo, talvez há uns 10 anos, a forma de acesso à cultura tem mudado. A importância dada às pessoas que trabalham com cultura nos bairros, nas favelas e nas periferias têm, de alguma forma, facilitado para que o acesso à cultura seja mais bem compreendido e assimilado pelo poder público. Um projeto promissor é o Vale Cultura, uma forma de o trabalhador poder ir ao teatro, ao cinema, levar a família ao balé ou a música clássica e poder melhor entender que a cultura é um bem de todos e para todos. Outro espaço que muito bem dimensiona a necessidade do trabalhador e sua família de adquirir cultura são os espaços criados nas comunidades, favelas e periferias que são os Pontos de Cultura, as Bibliotecas Mais Cultura, já implantadas na Rocinha, Manguinhos e Niterói, onde a família pode usufruir da Vídeoca, da Dvdteca, e da biblioteca, onde jovens e adultos se misturam e apreciam um bom livro e têm acesso ao computador. Inclusive, nesses espaços, há também auditório para apresentação de peças teatrais, cinema e música. Um bom começo para que os | 92 |

moradores das comunidades, favelas e periferias possam ter acesso aos bens culturais da cidade. Um incentivo interessante ao acesso à cultura e à educação cultural é o projeto Periferias em Cena, coordenado pela professora Pâmella Passos, realizado no IFRJ-Instituto Federal do Rio de Janeiro, antiga Escola Técnica Federal de Química, no Bairro Maracanã, Rio de Janeiro. Esse curso de extensão é muito importante para jovens e adultos vindos das comunidades, favelas e periferias que não tiveram oportunidade de acesso à cultura. Com seus talentos e criatividade espontâneos, encontram formas de trocar saberes e experiências. É um curso que deveria ser ministrado em outras universidades e ter continuidade e até mesmo implantado nas comunidades, favelas e periferias. O momento presente favorece aos mais empobrecidos um acesso negado ao longo de anos: o prazer de aprender cultura, praticar cultura e usufruir dos bens culturais da cidade e, com muita luta, surge as Periferias em Cena deixando de ser coadjuvantes para ocuparem o papel principal. Abram-se as cortinas, aplausos para os direitos!

PATRIMÔNIO CULTURAL Ingrid Couto Carlos Alberto Cruz de Almeida

Introdução

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patrimônio cultural está associado a um conjunto de valores, como beleza, antiguidade, identidade, estética, curiosidade, entre outros, os quais foram agregados nos últimos séculos. Hoje em dia, o patrimônio pode ser compreendido como mais um recurso à disposição das comunidades para o seu desenvolvimento.

Essa concepção de patrimônio como um recurso econômico, capaz de gerar emprego e renda, está associada ao crescimento do turismo e à necessidade das pessoas em conhecerem cada vez mais a diversidade cultural das regiões, dos territórios nacionais e de todo o planeta. O patrimônio cultural é considerado, atualmente, como um conjunto de bens materiais e não materiais, que foram legados pelos nossos antepassados e que, em uma perspectiva de sustentabilidade, deverão ser transmitidos aos nossos descendentes, acrescidos de novos conteúdos e novos significados, os quais, provavelmente, deverão sofrer novas interpretações de acordo com novas realidades socioculturais. O patrimônio cultural é composto por elementos tangíveis e intangíveis – tradições, língua, artesanato, dança, gastronomia, vestimenta, manifestações religiosas, objetos e materiais históricos, arquitetônicos etc. – tanto passado quanto do presente, os quais, no seu conjunto, caracterizam um agrupamento social, um povo, uma cultura. (DIAS, 2006). O patrimônio cultural constitui o testemunho da história, aquilo que restou de antigas sociedades e que nos possibilita compreender a relação entre esses bens – material ou não – e o contexto sociocultural em que | 94 |

foram criados, os valores simbólicos que tinham e o modo de vida da comunidade. (DIAS, 2006).

Uma futura Guia e atual agente cultural: o olhar de Ingrid A partir do exposto acima, é necessário que eu, Ingrid, fale da maravilhosa viaje que fiz nesse curso. Lá eu pude ver e viver o verdadeiro Patrimônio Cultural, tudo que passei desde o inicio desse curso, para mim é um Patrimônio intangível, pois tenho aprendido várias culturas da periferia o que é muito importante. Na periferia existe muita gente boa que mesmo sem ter muita oportunidade procura crescer e se desenvolver. A viagem foi sensacional! O que eu senti em Ouro Preto, com esta minha nova rede de amigos, não há nada do mundo que possa pagar. Voltei de lá renovada, com mais força para lutar aqui no Rio de Janeiro. Ao chegar à mina do Chico Rei, senti que minha vida a partir dali iria começar a mudar, e isso aconteceu mesmo, começou já na parte de fora, quando eu fui jogar uma moeda no rio para fazer meu pedido e meu querido amigo Joelson pegou na minha mão, passando mais força para minha pessoa. Ali eu sabia que apesar desse mais novo e grande amigo que ganhei no curso não saber o pedido que eu estava fazendo, mesmo assim, me passou forças e fez o pedido junto comigo. Quando entrei na mina fiquei um pouco em pânico daquele lugar tão apertado e quente, portanto senti que ali todas as minhas forças estavam sendo revigoradas e que eu precisava ir até o fim com meus amigos. E continuei lá dentro..., fui entrando em lugares apertados, mas vivendo cada momento. Enfim, nos achamos num lugar “acolhedor” para pararmos e sentirmos de verdade as nossas forças revigoradas. Aquele momento que vivemos foi indescritível acredito que não só para mim, mas para todos nós que paramos lá dentro (André, Pâmella, Lili, Vitor, entre outros amigos que não irei lembrar agora o nome de todos, que lá estavam comigo) para refletir o que nossos antepassados passaram lá. No momento em que eu sai da mina, senti que tudo que havia de ruim | 95 |

junto da minha pessoa tinha ficado lá dentro e que agora eu era uma nova pessoa. Isso foi só o começo da minha viajem, mal sabia eu que Deus tinha preparado muito mais para que eu pudesse voltar como uma nova pessoa... No domingo fui com o Roberto, Marcos, Geysa, Marta, Jamaica e mais outros amigos, atrás de um sensacional guia de turismo que o Roberto e o Marcos haviam conhecido no dia anterior eu só não imaginava que o Sr. Jésus (o guia de turismo), que era um homem tão simples e de um conhecimento indescritível, poderia me fazer voltar à história, mas não foi só voltar e sim fazer com que eu sentisse como se tivesse na época onde tudo começou em Mariana. Não aguentei com tanta sabedoria de uma pessoa que precisei me sentar no chão e ficar á vontade para ouvi-lo. Muito emocionei-me com o Sr. Jésus, tirei-o como exemplo para o meu trabalho, já que estou para tirar minha carteira de Guia de turismo, sempre que eu estiver estudando sobre um lugar para contar a história, irei me lembrar desse magnífico homem, humilde e de um conhecimento que nem todos os guias têm.

Quando o patrimônio é vivido: a experiência de Carlinhos BTR No início do curso eu estava fazendo só para aumentar minha grade curricular, sem interesse em atuar na área, até então. Vivia naquele momento uma rotina que o sistema me propôs, uma vida programada pelo cotidiano de milhares de brasileiros. Trabalhando de segunda a sexta, como um operário de uma sociedade fazendo sempre a mesma função e aceitando aquilo para minha vida. Já tinha esquecido o meu potencial de mudar as coisa e fazer cada dia único para minha vida. Não era mais o garoto de 15 aos 19 anos com uma disposição de mudar a realidade da minha comunidade, trazer a cultura que outrora só alguns de nos tínhamos acesso. Essa chama do garoto estava se apagando com o passar dos anos e foi se transformando em um homem - máquina que só fazia o que lhe ordenava o | 96 |

seu programador. Comecei então o curso Periferias em Cena pelo IFRJ, lá encontrei novos amigos, ou melhor, irmãos de periferia. Lá encontrei guerreiros que com toda dificuldades estavam dispostos a se sacrificar pelo seu ideal. Lá vi que iria encontrar o combustível para reacender a chama do garoto sonhador que tinha como objetivo trazer e levar a cultura de sua comunidade para todo Brasil. Mas mesmo assim faltava o “renovo”, o batismo. A chama que antes se encontrava quase se extinguindo estava acendendo mais não por completo. Até o dia 08 de julho de 2011, o dia da viajem as cidades históricas de Minas. Ouro Preto foi o lugar que me renovou por completo... No dia 09 de julho de 2011, fomos conhecer seus principais pontos históricos e lá conhecemos a mina de Chico Rei. Eu não estava querendo entrar na mina, mas sentia algo me chamando como o canto das sereias que atraem os pescadores para o fundo do mar (risos). Então, escutando o chamado do interior da mina eu adentrei e desbravei a mina de Chico Rei cada passo que dava para dentro da mina sentia que o homem que vivia conforme as ordens do sistema ia saindo. E quando comecei o caminho de volta a saída da mina, eu voltava a ser o garoto com disposição de mudar minha comunidade trazer cultura e expor a cultura da minha periferia para o Mundo. Por onde entrei eu sai, mas não sai do mesmo local de onde entrei, agora eu sou um homem com a disposição do garoto e com a capacitação que o curso Periferias em Cena me deu. Agora sei como fazer e tenho a disposição para isso. Já voltei a participar de projetos em prol da minha comunidade e adjacências. Hoje faço parte de uma grande rede de produtores culturais que são meus Irmãos de Periferia. Levarei esses meus companheiros por toda minha vida, pois são pessoas com quem posso contar e que eles podem contar comigo também.

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Conclusão Ao contarmos um pouquinho do que vivemos nesses dois dias espero que você que está lendo este livro entenda o porquê do Curso Periferias em Cena ter sido tão especial para quem fez. Tenho certeza de que todas as pessoas que fizeram esse curso e souberam aproveitar tudo que nós foi dado, e agora estão mais do que prontos para serem um Agente Cultural Popular e fazer vários festivais maravilhosos como o nosso que foi um sucesso. O que fez o nosso festival ser maravilhoso, não foi estar lotado (e infelizmente não estava), mas nós podermos demonstrar que tudo o que aprendemos VALEU A PENA, que apesar de todos os problemas, somos vitoriosos! 19

Os autores deste capítulo são moradores do Complexo do Alemão , recentemente alvo de muitas reportagens que falam dos “problemas da região”. Mas e suas histórias? Seus locais belos, que sim, também existem. Suas riquezas? Este patrimônio somos nós, moradores, que devemos preservar e divulgar, afinal, toda a nossa história pode ser considerada Patrimônio Cultural, basta ser bem “vivida”, ter um bom conteúdo e sabermos como passar adiante, tudo o que vivemos. Afinal, sempre temos que ter em mente o que valorizamos e o que queremos preservar.

R EFERÊNCIAS Dias, Reinaldo - Turismo e patrimônio Cultural – recursos que acompanham o crescimento das cidades – São Paulo: Saraiva – 2006. 257p. Site: http://www.iepha.mg.gov.br/sobre-cultura-epatrimonio-cultural

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Favela da zona norte carioca, ocupada pela Polícia em novembro de 2010.

UMA MISTURA CHAMADA CULTURA: trajetórias de agentes culturais populares em diálogo com a teoria da cultura André Pessoa Geysa Passos Maria das Graças

A

ntropólogos, sociólogos, cientistas, humanistas e todo tipo de pensadores e historiadores durante séculos deram a palavra cultura inúmeras definições e vertentes em sentido lato ou estrito, cada grupo dentro de sua ótica. Entendemos como cultura uma mistura de tudo que vemos, ouvimos, falamos, modificamos, fazemos ou deixamos de fazer de uma forma material, imaterial, moral, intelectual, artesanal, sensorial, verbal, escrito, falado etc. A cultura é dinâmica e pulsa em constante renovação e perpetuação. Nesse sentido, elegemos como estratégia, fazer um relato de nossas experiências e trajetórias, na tentativa de mostrar que o nosso modo de vida é evidenciado, propagado e registrado pela cultura através dos tempos, ou seja, o que vivenciamos e as expressões que dão sentido a esse modo de vida é cultura. 20

Arte registrada no DNA

Partindo do princípio exposto anteriormente, percebo que estou impregnada de cultura e assim estive minha vida inteira, minha criação foi muito simples, mas sempre vivi e convivi com a arte. Meu avô era um negro violinista da orquestra sinfônica de João Pessoa, naquela época um negro tocando violino era muito raro e os músicos não recebiam 20

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Relato da Agente Cultural Geysa Passos.

pagamento para tocar, tendo por profissão a alfaiataria que não deixa de ser uma forma de arte. Casou-se com uma senhora branca de olhos claros, aumentando ainda mais a mistura. Dessa união veio minha mãe, negra, cantora lírica e tendo por profissão enfermeira. Casou-se também com um branco locutor de rádio, e por profissão professor de refrigeração do SENAI. Desses nasci, nem branca nem preta, pelo menos na cor da pele, mas com toda miscigenação no corpo e na alma. Casei-me com um negro, meu primeiro filho Daniel que toca violão e cavaquinho, que tem por profissão analista de sistemas. Tive uma menina Isabel que faleceu com quatro messes e depois do seu falecimento me separei, fiquei com meu filho. Alguns anos depois casei-me novamente e não satisfeita, com outro negro, na qual tive um casal de gêmeos, Danielle atriz e por profissão artesã, Marcus iluminador, ator e por profissão mecânico de aeronaves. Depois veio a caçula Giselle, cantora, atriz estudante de direito e futura Juíza. Novamente separada fui a luta e trabalhei muito, pois afinal, tinha uma tropa para sustentar. Terminei meu ensino médio após vinte e cinco anos sem estudar, fiz vários cursos na área de saúde e até trabalhei nessa área. Mas não acredito em acaso e a cerca de onze anos atrás, depois de ajudar na produção de um espetáculo de dança contemporânea, no qual minhas filhas participaram, fui convidada a atuar na paixão de Cristo em Vista Alegre junto com meus filhos (as meninas como atriz e o menino como iluminador). Esse evento é grandioso e assistido por mais de quinze mil pessoas. Conta com cento e cinquenta atores no palco que são integrantes da comunidade. Comecei, desde então, minha participação como atriz, ainda sem fala, mas no ano seguinte fui premiada com um personagem e assim venho participando da mesma todos os anos. Após minha primeira participação fui convidada a atuar no musical infantil junto com meus filhos. Alguns anos depois, eles desistiram da profissão e eu não parei mais. Hoje sou atriz profissional, atuando em teatro, TV e curta-metragem e também dirigindo e produzindo alguns espetáculos. Mas eu queria mais, por isso resolvi estudar. Passei para a graduação em Produção Cultural no IFRJ-Nilópolis, mas ainda assim eu queria mais, pois desde menina escrevo contos, crônicas, poesias, e até me atrevi a escrever | 100 |

alguns esquetes e peças de teatro (que agora estou me preparando para produzir, não só os espetáculos, mas também o livro que terá um pouco de tudo que escrevi). E toda esta preparação, começa aqui com o curso Periferias em Cena, onde venho me capacitando para concretizar meus projetos de vida. Este curso, para mim, apresenta-se como um espaço de troca de saberes acadêmicos e da cultura trazida pelos alunos que são oriundos de periferias. Assim como eu, cada um com suas experiências e suas vivencias diárias, buscam mostrar o seu valor e seu potencial na área da produção cultural, apesar das adversidades vivenciadas na periferia e nas favelas. E este potencial existe, pulsa, grita e rola solta em todos os becos e ruelas. Rola também na pista, não só nos bailes funks da vida, mas no hip-hop, nos grupos de teatro ali formados, na música cantada e instrumental, na dança, no futebol, na capoeira e nos esportes em geral, pois a periferia é repleta de tudo, é repleta de gente, gente essa que só quer um lugar ao sol pata mostrar todo seu talento, sua arte e sua capacidade de produzir cultura. Nesse sentido, sendo a cultura um bem intangível, o seu aprendizado pelos indivíduos, nos seus respectivos grupos, acontece pelos mais diferenciados métodos. É um aprendizado lento e constante de maneira não explícita. Em um Estado-nação, esse processo é direcionado pelas instituições promovidas por este Estado, tais como: família; escola; mídia; polícia; forças armadas, etc. O Estado-nação moderno pressupõe uma homogeneidade cultural. Nas sociedades denominadas por “tribais” este processo é comunitário e em sua maioria se dá com uso da oralidade. Um provérbio africano diz: “É necessário toda uma tribo para se educar uma criança.”

Cultura e periferia: os dilemas de um artista21 Negro, nascido em Duque de Caxias, filho de uma família humilde, o mais velho de três irmãos, recebi uma criação muito rigorosa no que tange aos valores éticos e morais. Hoje em dia, cumprir o que é obrigatório virou virtude. Eletricista de berço, sempre senti uma inquietação muito grande em relação ao observar o processo de exploração dos trabalhadores assa21

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Relato do Agente Cultural André Pessoa.

lariados. E pude perceber isso na lavanderia que trabalhei aos quatorze anos, nos primeiros quinze minutos de empregado. Via meu pai chegar para fazer um serviço de manutenção na caldeira ou na parte elétrica, resolver o problema em uma hora ou duas e receber o equivalente ao que eu receberia em um semestre. Então decidi ser eletricista também, mas só pude fazer isso aos dezesseis anos de idade, quando entrei no SENAI, mas acabei cursando refrigeração. Nessa época desenvolvi muito minha percepção. Por não querer ler livros para não ter a possibilidade de ter meu pensamento influenciado por outros, passei a ler pessoas, de maneira criteriosa, observando pessoas que não conhecia. Nesse momento, tomava esta informação como verdade. Essa relutância em ler é fruto de um trauma que teve origem na primeira série, onde minha professora, no primeiro dia de aula, após se apresentar (não me lembro se eu disse que não sabia escrever ou se escrevi com uma letra muito feia), ela me pegou pelo braço e me voltou um ano, desde então sempre obtive a nota mínima em português. Quando ia estudar, copiava toda matéria duas vezes. Na minha família a arte não era vista como profissão ou algo que pudesse ser praticada por um de nós enquanto meio de vida. A arte pulsa no indivíduo e é uma inquietação. Sempre senti esta inquietação, sempre executei meus serviços de eletricista, mas para atender a minha inquietação artística, desenhava e pintava quando tinha tempo, mas a pressão cultural me impedia de buscar e desenvolver esse meu lado artístico. Eu poderia fazer meus desenhos, minhas pinturas, mas devido à cultura da sobrevivência, nem cogitaria em fazer um curso de pintura ou desenho, pois isso não era visto como profissão. Mais adiante, aos trinta anos, como profissional em eletricidade predial autônomo e reconhecido, um dos meus maiores prazeres era corrigir projetos elétricos, e não ganhava nada a mais por isso. Esta atividade aprendi de maneira auto-didata, pegava livros de engenharia elétrica nas livrarias de shoppings, onde eu podia ler sem ter que comprar, sempre buscando as definições de Leis, nunca os cálculos e assim encontrei uma forma de calcular os circuitos de forma muito eficaz. Nesse momento, conheci minha esposa, socióloga, professora, comple| 102 |

tamente comprometida com as questões étno-raciais, e depois de inúmeras e intermináveis conversas ela finalmente me convenceu por A + B que eu deveria voltar a estudar, fazer faculdade, mas eu não quis, preferi fazer o curso técnico em eletrotécnica, e no ano seguinte ingresso para cursar física na UFF. Ainda impregnado por essa cultura hegemônica que elitiza profissões, que elitiza saberes, que diz que seu lugar é fazendo este ou aquele trabalho, dizendo que a cultura erudita é melhor que a popular, completamente embasada no modelo europeu. Mas quem somos nós, nós brasileiros, a junção de povos de origens diversas, indígenas que foram invadidos por forças bélicas melhor equipadas, com poderosas doenças nunca vistas por essas bandas, provocando a morte de milhões. Negros comprados nos mercados de escravos, vendidos por outros negros inimigos em suas terras e portugueses detentores deste poderio bélico. Nossos antepassados africanos escravizados em sua diáspora, obrigados a darem várias voltas na árvore do esquecimento no entreposto de venda última parada antes de serem lançados ao mar - portando apenas suas vestes. Mas suas memórias não se apagaram, e tudo que temos hoje é fruto desta resistência, da transmissão de conhecimentos através da oralidade e da circularidade, presentes profundamente na cultura africana, quando nós da periferia chamamos nossos amigos para comemorarmos algo em nossas casas estamos revivendo nossos laços com nossa terra mãe. Ao falar de velho mundo nos referimos ao continente europeu, afinal de contas neste continente se afirma através do poderio bélico e da posse da pena que escreve a história, a antiga Grécia, a poderosa Roma. Mas não podemos nos esquecer da mãe do velho mundo, a África, onde toda essa aventura chamada humanidade começou, de onde a cultura teve início.

Aprendizagem e Cultura: algumas impressões do Curso Periferias em Cena22 O curso Periferias em Cena foi um curso muito importante, eu, que já havia feito teologia, não sabia quase nada sobre cultura, ouvi, vi e aprendi e vou continuar aprendendo. Porque foi esse incentivo que recebi durante o 22

Relato da Agente Cultural Maria das Graças.

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curso: sempre avançar e nunca desanimar. A cada dia de aula era uma experiência única, um grande aprendizado. Os professores, jovens, mas com muita sabedoria no assunto, muita segurança nas suas matérias. Meus amigos cada um fortalecendo seus projetos suas profissões, demonstrando muito amor no que eles fazem. Mesmo sem entender muito, esforçava-me. Passei por momentos difíceis como a perda do meu 1º neto, tive que ficar no hospital com minha filha, mas não desisti do meu objetivo, que é de aprender cada vez mais. Era ótimo quando cada um contava suas conquistas. Isso é bom, pois nos ajuda a continuar tentando, gostaria de ter tido essa oportunidade quando jovem, mas tudo bem, pois agora é chegada a minha vez. Por esse motivo, aproveitei cada momento e estou muito feliz. Tive a chance de conhecer cidades históricas em Minas Gerais, e para mim foi a realização de um sonho. Lembro-me de cada detalhe: ao entrarmos em Congonhas já comecei a me sentir muito importante, era uma estudante turista fazendo pesquisa e conhecendo a história dos nossos antepassados, pessoas que derramaram seu sangue em prol de uma liberdade. Pisei em ruas de pedras, vi muros de pedras e casas artesanais, trabalhos feitos por mãos negras e com suor do sofrimento desumano; as igrejas lendárias lindíssimas, que contam o passado de um povo que viveu na riqueza e outros no sofrimento e miséria. Aprendi que cultura é aprender a passar para aos outros o que você aprendeu. Quando se vive em um país rico em cultura, eu faço parte dessa diversidade cultural, sou metade índia e metade negra, sou neta de índia e sou neta de negro e com os meus conhecimentos quero ajudar minhas crianças a amar cada vez mais o nosso Brasil.

GESTÃO CULTURAL Carlos Bessa Marcos Reis Marta Reis

E

ste artigo abordará um pouco sobre a vivência na favela e suas dificuldades de promover oportunidades de acesso à cultura para as pessoas menos favorecidas. Também discutiremos a importância do trabalho do gestor cultural e de suas produções voltadas a um público da periferia valorizando e fazendo com que novos talentos tenham o reco-nhecimento dos seus trabalhos. A experiência de agente social nas comunidades sempre teve um olhar de contribuição para formação em cidadania, muitas das vezes com ações assistencialistas, por falta de conhecimentos e oportunidades. Porém, sempre houve a ideia de trasformar e proporcionar uma vida melhor para as pessoas, principalmente os jovens perdidos na violência urbana. Nesse contexto, havia um questionamento interior que nos apontava para uma pergunta, como aproveitar os talentos culturais já existentes? Com tantos artistas na favela, por que alimentar a idéia de uma cultura esportiva, como se os meninos ou meninas de favela fossem obrigados a ser bons no esporte, no futebol, vôlei, basquete ou atletismo? Por fim, esquece-se de ressaltar e fomentar outras formas de promover cultura e outros talentos da nossa própria cultura popular. Observa-se, neste caso, um elementar descaso dos governos que durante décadas só garantiu investimento a cultura dos grandes produtores e megas eventos, nos aprisionando numa efervescência cultural restrita a festas de épocas e pré-agendadas pelo calendário anual, porém, após uma nova transformação da política cultural, com um olhar diferenciado, de inclusão da cultura territorial, como um patrimônio relevante da sociedade brasileira, os centros das periferias estão tendo oportunidade de | 105 |

contribuir com a democratização da cultura nas favelas para as pessoas que não possuem a oportunidade de frequentar grandes eventos. Hoje as instituições governamentais estão percebendo que, através da cultura da favela, é possível minimizar a violência e garantir acesso de novos talentos que muitas das vezes geram lucro com seus eventos para o Estado. Não podemos deixar de citar como exemplo, as grandes produções do “funk carioca” que hoje realizam uma revolução cultural e recebem o reconhecimento de um bem cultural das favelas. Este atual investimento do governo é a garantia de mais produção, geração de renda, evolução para novos talentos. Agora os agentes sociais, aproveitando este momento, estão também se transformado em agentes culturais, produtores e gestores e através de cursos de extensão e capacitações estão aprendendo a lidar, preservar, produzir e estimular um dos bens mais importantes do ser humano: a cultura. A Gestão cultural na favela, muitas vezes, ocorre de forma empírica, contando apenas com o saber popular, que passa de geração a geração, de boca aboca, pois as lideranças locais - agentes sociais, pouco sabem sobre este conhecimento cientifico. A gestão cultural é uma profissão que deve esta comprometida com uma cultura democrática, com compromisso de criar produções com diversidades e garantir o acesso a todos, no entanto, o maior desafio é capacitar este público que já vem desenvolvendo ações culturais desde sempre, promovendo sua cultura regional, entre outras. E o maior desafio dos novos gestores e produtores populares está em adquirir este saber cultural e se instrumentalizar para que possam promover a cultura da periferia, assim como capacitar profissionais comunitários a fim de completar esse ciclo, que consiste em criar e gerir projetos culturais com propriedade, rompendo com o paradigma de profissionais recreadores culturais. As favelas, periferias, guetos, são o berço da cultura popular, cultura da dança, teatro, funk, Hip Hop, música regional, carnaval, artesanato, capoeira, artes plásticas, orquestras, corais, dentre tantas outras expressões da cultura, nossas favelas da um show de talentos. | 106 |

No entanto, como pode a criatura ser mais importante do que o criador? Assim, tem sido por longos anos a fio. A negação do gestor da cultura popular é evidente, isto se explica na não capacitação de moradores das favelas, e guetos, pessoas comuns, impossibilitando-os de tornarem-se grandes produtores culturais, para gerir sua própria cultura local. Afinal se os julgamos menos importantes que sua bagagem cultural - não há necessidade de investimento neste seguimento da sociedade. O que não e verdade. Esta é a lógica do poder público e da sociedade elitista que ao longo da história vem negando a cultura produzida nas periferias. Que, diga-se de passagem, não são mais e nem menos importantes que os agentes culturais, que de forma empírica vão desenvolvendo seus shows e espetáculos, promovendo em sua comunidade a cultura e consequentemente o lazer. E que vem sendo plagiada pela sociedade capitalista, pelo mercado elitista, que com uma nova roupagem promovem seus shows e eventos à custa da cultura que eles mesmos discriminam como exemplo o funk para “playboy”. Retomando ao tema gestão de projetos culturais, pode-se afirmar segundo AVELAR (2008, p.52) que a gestão cultural “Implica em implementar normas, planos, projetos, estabelecer estruturas, alocar recursos humanos, financeiros, materiais e principalmente, empenhar criatividade e capacidade de inovação para atingir tais objetivos de forma eficiente”. Nessa perspectiva do fazer cultural, o gestor, pode trabalhar tanto na área de projetos, de captação ou até mesmo na coordenação geral dos espaços e ou ações. Esta formação deve prever o amplo acesso a livros, obras de arte e espetáculos dos mais variados estilos. Na gestão cultural, o gestor compromete-se a gerar a autosustentabilidade cultural, entre o mercado e o desenvolvimento socioeconômico, possibilitando o aumento do público no acesso aos produtos de bens culturais. Nesse aspecto, o gestor cultural torna-se um agente cultural e ao mesmo tempo gestor social, pois como agente do desenvolvimento da cultura, agregado ao desenvolvimento socioeco| 107 |

nômico, busca através deste recorte sociocultural a melhoria da qualidade de vida, assim como promover a acessibilidade à cultura, permitindo que a Gestão cultural e a social andem lado a lado. Partindo deste principio, pode-se afirmar que a experiência da gestão cultural na favela precisa romper com o paradigma de que a cultura da favela é para a favela. Há muito tempo que as diversas expressões culturais, tais como hip hop, capoeira, funk, carnaval dentre outras formas de culturas, já romperam a barreira da classe social e são recursos de lazer acessível para todas as classes sociais. Felizmente, através do curso de extensão oferecido pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia (IFRJ) têm-se uma prova viva, da abertura dos conhecimentos e dos horizontes dos alunos. Líderes comunitários e agentes sociais, que através deste curso, buscam uma capacitação como agentes culturais, com a finalidade de desenvolver ações concretas no campo cultural. Através deste curso tem-se a chance de conhecer as técnicas e a participação na construção de redes culturais, gerando informações valiosas para os futuros gestores de projetos de desenvolvimento da cultura. A partir de então, entendemos que a gestão cultural é uma profissão que deve esta comprometida com uma cultura democrática, com compromisso de criar produções com diversidade e garantir o acesso a todos, este é o desafio dos novos gestores e produtores populares.

REFERÊNCIAS AVELAR, Rômulo. O avesso da cena: notas sobre produção e gestão cultural. Belo Horizonte: DUO Editorial, 2008. http://www.gestaocultural.org.br/livros-online-economia-da-cultura.asp (acessado em 28 de junho de 2011).

PRODUÇÃO CULTURAL Cida Mansur Maryáh da Penhã

A artista plástica

C

aramba!!!! Fiquei super feliz de saber que estou tendo a honra de iniciar o livro com este capítulo. PRODUÇÃO CULTURAL, é algo que já vinha realizando entre tantos eventos que trabalhei, apresentações em empresas com dinâmicas interativas, encontros e entre mil coisas que a gente, como artista faz ao mesmo tempo. É que percebi que no Periferias em Cena, estava me encontrando, capacitando e sendo orientada para daqui para frente fazer produção cultural com mais saber de conteúdo.

Então vamos lá! Produção cultural não é difícil, é trabalhoso, é o que percebi ao iniciar a prática de escrever projetos, algo que estou adorando de fato e me envolvendo cada dia mais. É tarefa de inúmeros compromissos, com tragetórias por metas para um planejamento, onde todos os objetivos do seguimento determinado sejam alcançados com maior número de acertos possíveis. UFA!! Isto não é fácil, e digo sempre como artista plástica, curadora, colunista de arte, e agora uma agente cultural, nossa!!!! A Capacitação do Periferias em Cena, foi de grande complemento em minha vida e vai ficar como um marco. E como digo sempre: “Sofro com a arte, mas não vivo sem ela”. Produzir cultura pode ser trabalhoso, e por muitas vezes nem acontecer o reconhecimento pela cultura que se desenvolve, mas é isso que eu quero para minha vida. Então, será sempre um prazer, fazer acontecer. E o curso Periferias em Cena fez esta abordagem, muito bem. Vou continuar colocando minhas ideias em prática, e buscar sempre os parceiros do curso, que viraram minha grande família, onde trocamos informações para realizar nossos sonhos, mesmo tendo cada um seu | 109 |

segmento da arte diferente a realizar, mesmo que sejamos diferentes.” Por que é na diversidade que nos completamos.” OK?? A apresentação da ideia tem que sair do mesmisse, inovar, tem que ser muito boa, mas tem que ser bem escrita e vice versa, tem que ser empolgante e convincente, esta será a parte mais importante de um projeto social,ambiental e/ou cultural. Adorei isto!!!.... E desafiador!!!! E a planilha orçamentária, que é a que me dá mais dor de cabeça, literalmente, mas é enriquecedora, pois se aprende muito com ela. É pelo projeto que o parceiro/investidor ou tomador de decisão poderá compreender de maneira rápida e objetiva a proposta integral do projeto para a produção cultural. Assim, ser claro e objetivo, e ter a idéia bem descrita num conjunto de atividades interrelacionadas e coordenadas, com a finalidade de alcançar objetivos, será a meta. Estar dentro dos limites estipulados de tempo e recursos, tambem é fundamental e de muito trabalho, muito mesmo. Produção cultural é produzir com qualidade, responsabilidade adequando a proposta escolhida para atender a um determinado público-alvo em foco, com empenho e postura pulverizando outros públicos, beneficiando-se com amplitude em diferentes setores de determinadas localidades pré-estabelecida, atendendo às demandas com conteúdo de saber em território pesquisado. Produzir cultura é equivalente à geração de muito trabalho com excelência para superar também imprevistos, manobras e situações diversas. Embora tendo em vista que se deve produzir solução para todas as necessidades do projeto elaborado em questão, que serão muitas, mas que fazem parte da vida de qualquer mortal. Desafios, dificuldades diversas, provações e achar as soluções, serão uma constante em nossos trabalhos ou pelo menos buscar orientação com parceiros da área em questão se utilizando de experiências que tivemos ao longo da caminhada. A partir destas atuações culturais com seriedade é que atingiremos as pessoas de diferentes saberes, atingindo a um ciclo de novos contatos sociais com visibilidade, o que será ótimo. | 110 |

A cromocientista e muito mais Segundo Maryáh, entre outras contribuições da produção cultural, haverá também a otimização da saúde fisiológica, emocional e mental, onde se produzirá uma alteração química orgânica positiva, possibilitando uma qualidade de vida, através dos diversos segmenos artísticos dentro da cultura. Lembro-me de que a dedicação com todos os itens relevantes de um projeto devem ter em comum algumas diretrizes, como conteúdo de excelência, foco como já dito e a preocupação com todas as questões que envolvem suas dimensões, critérios, deveres e obrigações acordadas. Tópicos relevantes, dos quais não me esquecerei, podem transformar minhas idéias em um projeto: O resumo e objetivo, proposta, elaboração e planejamento, gestão e planilhas de atividades e orçamento, justificativas, os resultados esperados e os anexos que comprovem quem sou, e o que faço como um agente cultural. A produção cultural requer administração da gestão de recursos, marketing, relação entre metas estabelecidas a serem cumpridas, gerenciamento de contatos, contratos e documentos de prestação de contas. E é claro, utilizar-se de experiências tendo sempre opções, para tomadas de medidas em casos de imprevistos que são comuns, mas não devem acontecer, entende? Assim sendo, a concretização do projeto é a realização de sonhos bem elaborados e planejados para uma realidade dura, mas prazerosa. São ideias colocadas em prática onde se é possível alcançar princípios sonhados por um idealizador com pé no chão. Portanto, mãos a obra, este é um exercício contínuo, para alcançar uma produção cultural com excelência de conteudo e colocar todo o trabalho em prática, que aqui no Periferias em Cena aprendemos, será uma experiência nova a cada perfil de um projeto.

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Duas mulheres costurando histórias... Eu, Cida Mansur, costurando com Maryá da Penhã, somos mulheres dinâmicas que buscamos capacitação no Periferias em Cena. Amamos a arte e o bem estar. Sempre fazemos cultura com as cores e movimentos, sejam elas com som, imagem, entre outras. Cor, forma e luz são nossas afinidades, temos experiências diferentes, obtidas pela nossa dedicação. De corpo e alma é a forma como vivemos neste mundo diversificado. Pintando ou refletindo, apresentando ou curando será sempre a meta de nossa vida, e com o curso Periferias em Cena, descobrimos que estamos no caminho certo para otimizar a vida com os olhares curiosos dos expectadores.

ECONOMIA DA CULTURA Ana Paula Santos 23 Joelson Silva 24 W. Roberto dos Santos 25

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economia da Cultura surgiu na década de 60 nos Estados Unidos, por um querer da cultura e não da economia. Trazida por uma dificuldade dos teatros, salas de conserto e outros cenários culturais, em se manter proporcionalmente com o mesmo orçamento das empresas automobilísticas da época; que por se beneficiar de tecnologia em suas atividades, contratavam um número menor de pessoas. É bem verdade que numa peça de teatro ou até mesmo num conserto, não há reduções no elenco, mesmo precisando da tecnologia para sua Economia. (ANA CARLA FONSECA, 2011 ) No Brasil, diante da necessidade política, foi decreta a primeira lei voltada à Cultura no país, denominada como Lei Sarney, a lei dos incentivos fiscais, que durante a década de 80 patrocinou peças teatrais e personalidades do meio artístico, possibilitando a realização de atividades culturais para um público seleto, numa prestação de contas sem muitas exigências. Até então não se falava em Economia da Cultura, um avanço tardio entre 2003 e 2004, pelo então Ministro Gilberto Gil, que inicia a discussão no país, possibilitando então o assunto mais acessível nos veículos em jornais, internet e revistas. É muito importante percebermos que a Economia da 23

Agente cultural, educadora, atua com produção cultural administrativa e arte-educação. Integrante da Aliança pela Misericórdia no Alemão e da Candeeiro Produção Cultural. 24 Agente socioeducacional cultural, desenvolve atividades de aperfeiçoamento e qualificação profissional. 25 Educador social na ONG Con-tato desenvolvendo atividades esportivas, e na localidade Borda do Mato, no Complexo do Andaraí, treinador de futebol com crianças e adolescentes de ambos os sexos.

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Cultura está baseada nas relações entre Governo, Mercado e nós da sociedade civil; quem, ao considerarmos a Economia da Cultura, temos que entender tais relações com outros cenários da economia, reconhecendo a responsabilidade individual e coletiva que podem ser trabalhadas de forma integradora. Estudar cultura e economia é perceber suas relações entre turismo, moda, relações internacionais, ciência e tecnologia, artes visuais e educação, numa viagem que trás inúmeras possibilidades para entendermos como investimentos em cultura, de fato são investimentos e não despesas. Como compreender dentro da cadeia econômica do audiovisual, da música, do artesanato, onde estão os problemas? Por que nossos produtores, criadores, e-commerce, não conseguem sobreviver disso? Onde estão os grandes gargalos que falamos em economia, considerando que cada gargalo seja uma oportunidade de negócio. Como as empresas de distribuição podem aproveitar esta problemática, resolvendo o problema da cultura e ao mesmo tempo movimentando o mercado da distribuição, hoje ainda muito falho para nossa economia. Lembrando que a mesma pode contribuir com a imagem do Brasil entre os Estados e no Exterior, em função disso, alavancar o turismo e a circulação de produtos culturais brasileiros. Hoje, como chega o livro em sua mão? E um CD? Como chega o artesanato do Pará? Infelizmente a internet ainda é difícil de encontrar nas favelas, e a classe pobre que pode utilizar deste recurso vem transpassando a TV ao computador. Um artesão que não mostra seu trabalho, um compositor que não tem suas músicas gravadas, um artista visual que não mostra sua obra, portanto são obras que não atingem seu potencial de consumo. Sob o enfoque econômico, é um fluxo incompleto, encerra-se em si. Não circula, portanto, não chega aos outros. Isso é insustentável para qualquer bem ou serviço da economia, pois, o que é consumido estimula a oferta, para a cultura é muito pior, porque os bens e serviços culturais que não circulam deixam de transmitir suas mensagens e seus valores. (ANA CARLA FONSECA, 2006) Podemos também afirmar que em nenhum setor econômico é possível | 114 |

uma produção de impacto, quando não há capacitação de agentes produtivos moradores das periferias, subúrbios. A Elite tem a técnica, mas a Periferia tem uma essência única e porque não podemos igualar estas diferenças sob o olhar cultural. Nossa produção cultural é em sua maioria, autoditada, legitimamos-nos produtores culturais das periferias. Nesse movimento a Universidade Fluminense do Rio de Janeiro, criou o Curso de Formação de Agentes Culturais Populares, neste ano desenvolvido pela área de Extensão do Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ), que tinha como objetivo principal contribuir para a formação de novas redes e não tão menos importante, ser um facilitador para a formação de agentes culturais, possibilitando a formação de projetos para editais de cultura. A instituição forneceu ao grupo selecionado, conforme critérios exigidos, salas de aulas informatizadas, professores atuantes no crescimento da economia da cultura, com a perspectiva da qualidade no apoio ao conhecimento prático e teórico na área de produção cultural. Através de aulas teóricas, visita técnica a Ouro Preto e visitações a teatro e centros culturais Investimento este que permitirá melhor qualificação para nós que produzimos ações culturais dentro de nossas periferias. Vale lembrar também as empresas, que no início não estavam preparadas com o mercado cultural, faltava um entendimento, a efetivação das relações. Hoje as mesmas começam a dialogar com o mercado cultural, visando um retorno de imagem em contrapartidas sociais e culturais dentro de suas estratégias. Ampliando nosso entendimento que cultura é economia e ambas não se fazem em isolado. A postura das empresas foi sendo observada no mercado, como formas de identidade. “Sendo garantia de privilégio ao capital, o ativismo cultural embora sem sistemas de indicadores, hoje é a vitrine do Governo a força da mudança, só pode vir de outro lugar, e é onde nós queremos estar.” Nós, como agentes culturais, compartilhamos da alegria do avanço em | 115 |

elementos culturais, não segundo os ditames políticos mas sobretudo como afirmação da nossa identidade como povo brasileiro que resistiu através de jongos, capoeira, cantigas de roda e folias de reis, que não ficaram para trás. Hoje, soma a estas e tantas outras manifestações como funk, hip-hop, pagodes e rodas de samba, sendo responsáveis em manter ritmos, personalidades que fizeram história dentro da periferia.

REFERÊNCIAS KRAYCHETE, Gabriel. Economia dos Setores Populares: Sustentabilidade e Estratégias de Formação. São Paulo: Oikos Editora, 2007. LINS, Cristina. Indicadores Culturais: possibilidades e limites - As bases de dados do IBGE. Rio de Janeiro, 2006 – Estatísticas Culturais Governo da Cultura REIS, Ana Carla & MARCO, Katia. Economia da Cultura. Ideias e Vivências. Rio de Janeiro: Editora Livre, 2009. GORDEN, Pierre - Dominação Simbólica - Economia dos bens simbólicos.

COMUNICAÇÃO POPULAR na Era Digital Bruno Melo 26 27 Genildo Honorato Ernesto 28 Kirk Russo

Pense Diferente

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er diferente não significa ser bizarro, tosco, mal interpretado! Ser diferente é ser você mesmo inversamente proporcional ao próximo. Mas e se você for herói para sua gente, suas raízes, suas origens e ao mesmo tempo ser impregnado de um anti-heroísmo pelos "mocinhos" da historia?

E se todos os dias lhe oferecessem uma maçã recheada de "Olá, boa noite cinderela!! " para fazer calar sua voz, pensamentos… Esvaziando- lhe o PODER. O poder de não poder se calar, poder de mudar o entorno, poder de não perder o mínimo para não ficar vazio. Poder de criar redes, integrar ideias… Poder de simplesmente poder; eu posso, nós podemos, vós… PODEIS!!! Macunaíma era um herói sem caráter. Caráter esse que depende do ponto de vista de quem ver. Se lutar contra a aculturação é sinônimo de ausência de caráter… seja bem vindo você é mais um anti-herói. A periferia não pode ser calada. Não podemos aceitar os "boa noites" do cale-se! Fazer silêncio na hora marcada? - Ao badalar das zero horas nem o galo pode

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Estudante de turismo e fotógrafo. Técnico de reabilitação em dependência química e psicoterapeuta. 28 Ator, diretor e produtor teatral e cinematográfico.

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cantar. Uma ditadura "branca" se faz presente no ausente. Epicuro preferia o prazer de uma boa comida à abundância de diversos pratos. A periferia não deseja abundância, deseja o necessário para viver a abundância do prazer. Somos dia-a-dia empurrados para a margem. Mas e daí? Foi às margens do rio Ipiranga que a nossa independência foi proclamada. Periferias, façamos o mesmo!! Ser periferia não é o mesmo de ser comunidade, é algo muito maior. No dicionário, periferia significa estar ao entorno de algo maior. Eu discordo!!! Pois depende do contexto do que é ser maior. Se esse maior for relativo à inferioridade do entorno sobre o meio, isso é elitismo. Com isso, o maior não seria tão maior... e sim inchaço. O maior está em mim, está em você. O agravante é não sabermos disso. Mais uma vez Epicuro dizia "Que ninguém hesite em se dedicar a filosofia quando jovem, nem se canse de fazêlo depois de velho, porque ninguém jamais é demasiado jovem ou demasiado velho para alcançar a saúde do espírito" (Carta sobre A Felicidade - Meneceu). Para Epicuro o principal bem da vida é o de pensar, refletir… Pois “para quem está velho cabe sentir-se rejuvenescido e ao jovem envelhecer sem medo das coisas que estão por vir” (Carta sobre A Felicidade - Meneceu). A reflexão leva-nos questionar, a não aceitar pensamentos mecanizados. Quando pensamos, adquirimos discernimento para filtrar informações adulteradas de falsas e/ou meias verdades. Somos levados a ter uma visão sagaz para objetivar nossas ideias em meio a opiniões formatadas (opiniões em série - mecanizadas). Para vivermos uma "Primavera Árabe" ou nos dirá o tempo, a nossa Primavera verdeamarela (oxalá que assim seja), não falta pouco, mas também não falta muito. Estamos no meio. Paralelo a isso, amadurecemos conforme o cenário. Cenário este que, cada vez mais, incorpora as vozes esquecidas, "marginalizadas", amordaçadas pelo elitismo deste país. As redes sociais deram um "BOOM" a uma palavra chamada INTEGRAÇÃO. Essa palavrinha 29

Epicuro: Epicuro de Samos, foi um filosofo grego. O propósito da filosofia para Epicuro era atingir a felicidade, estado caracterizado pela aponia, a ausência de dor (física) e/ou imperturbabilidade da alma. Do livro: “Carta sobre Epicuro”, Editora Unesp, Ed. bilíngue, grego/português, tradução de Álvaro Lorencini e Enzo Del Carratore, 1997, SP. Enviado por: Lau Siqueira.

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gera pânico e medo em muitos ditadores "avulsos" que andam por aí. Possivelmente (pois o autor de Eclesiastes é incerto), o rei Salomão diz em Eclesiastes 4:12 parte "b" do versículo (Bíblia Sagrada), “O cordão de três dobras não se rompe tão depressa". Paralelamente a esse versículo colocamos a integração que vemos acontecer de forma sólida nas redes sociais. A comunicação popular na era digital tem se tornado uma ferramenta de muita valia para dar voz a periferia. Vemos um caso muito interessante acontecer no Oriente Médio, onde jovens cansados de lavar o fardo opressor da ditadura nas costas se integraram e lutaram para por fim a uma repressão de anos. Isso nos leva a uma reflexão bastante relevante. Não basta somente ser integrado, pois esta é uma questão muito maior. Temos que falar uma só língua, ter um só espírito; ser um só povo. Não agir de boca, não ficar apenas no falar. O verbo é PRATICAR! Nossa bandeira carrega uma frase muito forte quando diz – “Ordem e Progresso”. Porém, quando olhamos para o abismo da desigualdade social do nosso país essa frase fica manchada pelo descaso elitista que preenche os quatro cantos dessa terra. Terra de muitos e terra de poucos... Essa música retrata com fidelidade em que vive a periferia, o desdenho dos governantes para com nossa gente. Gente como nós, como você. Gente carente de educação, do básico para viver. Gente que como a gente sofre de rouquidão de tanto falar e não ser ouvido. Impunidade?! “É uma cegueira branca!” disse José Saramago em “O ensaio sobre a cegueira”. O interessante na música é analisar a fala da mãe que externa a inocência com que ela conta a sua história e a do seu filho, que vê no roubo uma saída para sobreviver. Até quando ficará adormecida periferia. “Desperta, desperta tu que dormes.” Pois é chegada a nossa hora.

Comunicação na era da comunicação? Todos os dias, aproximadamente às seis horas da manhã, Flávio escuta o grito de um homem anunciando a venda de seu gás pela favela: “Olha o gáááás”. Sua fala repete-se ao longo de todo o seu percurso. Às vezes, quando o sono domina os sentidos de Flávio, ele tem a impressão de ouvilo, como um disco arranhado preso na mesma faixa, na mesma frase: | 119 |

“Olha o gáááás”. Logo em seguida, respeitando o tempo e o espaço do primeiro vendedor, o vassoureiro também anuncia a sua chegada: “vaaaassoureiroooo”. Não tarda muito e a Kombi das frutas e outro caminhão de gás berram seus produtos através de seus megafones. Ainda na cama, Flávio escuta os barulhos dos chinelos e sapatos, que sobem e descem a ladeira, acompanhados de “bom dia fulano”, “que jogão ontem beltrano”. Sorrisos, cantos e às vezes até brigas. O bêbado volta a casa balbuciando, o guerreiro vai trabalhar ouvindo sua música, o gari cantarola ao som da piaçava no asfalto, o cachorro ladra, mas não morde e o carteiro pergunta o endereço pretendido. Não há dúvida, a favela acordou e se comunica! A comunicação está presente em nossas vidas e a todo o momento fazemos o uso dela. A fala, elemento primordial da comunicação, por muito tempo foi o único instrumento de comunicação nas favelas. Ainda assim, foi oprimida pela ocupação marginal e pelo estado, que por muito tempo negligenciou os apelos dos moradores. Como se estes, não tivessem conteúdo para se comunicar com o mundo “lá fora”. Buscando espaço para difundir a verdadeira informação, surgiram às rádios comunitárias, os jornais de bairro e as diversas manifestações de comunicação visual. Alternativas para que se garanta o direito de expressão, opinião e pensamento dos moradores de áreas populares. Mas ainda enfrentamos dificuldades para se falar e principalmente para se fazer ouvir. A questão toda é: a população está preparada para conhecer a verdade que esses canais trazem consigo? Nós, por exemplo, por muito tempo, estivemos envolto em uma camada espessa que não percebíamos, éramos manipulados pelas informações vindas de uma única e exclusiva fonte midiática. Fomos induzidos a ter desejos consumistas, através da teledramaturgia e a limitar nossas opiniões e atitudes, pois ficávamos confinados ao que a “telinha” nos dizia todos os dias: “Plin Plin”. | 120 |

Felizmente, em algum momento, encontramos um Morpheu imaginário que nos oferece a pílula vermelha, a pílula da libertação e da verdade. 30

Como acontece com o personagem Neo, em Matrix . Basta apenas ouvir (e entender) o que é dito por alguns pensadores populares pelo mundo, através das diversas redes sociais e outros canais de comunicação. Saímos, então, da caverna em que me nos encontrávamos e pudemos ver o mundo com os nossos próprios olhos, tal como verdadeiramente ele é. Assim como nós, através da internet, milhares de pessoas, de diversas camadas sociais, encontraram a verdade maquiada pela grande mídia manipuladora. Graças a um botão, que para nós é revolucionário: “Compartilhar”. As informações espalham-se como um vírus e dá o direito ao receptor de se expressar publicamente (virtualmente), o que antigamente era restrito apenas às salas de estar e encontros políticos entre amigos. Mas, da mesma forma que nos comunicamos com facilidade, tornamosnos escravos das nossas próprias criações tecnológicas. A dependência pela inovação na comunicação tornaram-nos consumidores ávidos de smartphones, ipeds, ipods, notebooks e outros aparelhos que ainda irão surgir. Substituindo muitas vezes a própria fala, o primeiro elemento básico da comunicação. Estamos, aos poucos, abandonando as velhas fórmulas, como o ato de escrever uma carta e substituindo-os por meios virtuais. Não nos lembramos da última vez em que endereçamos uma carta escrita a punho a alguém. Mas nos lembramos de quando recebemos nossa primeira carta de amor e que guardamos até hoje. Diferentemente das mensagens de texto que precisamos apagar para dar lugar a outras novas mensagens. É preciso entender e aceitar o que a comunicação na internet nos proporciona. O bom uso deste veículo pode impulsionar levantes, como os que têm acontecido pelo mundo. O Brasil, seguindo a risca sua cultura secular, aguarda um chamado de uma liderança popular. Mas quem será a porta voz da nossa revolução? 30

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Filme The Matrix – 1999 - Warner Bros.

Um dos problemas que identificamos na internet, sobretudo no Brasil, e que se geram muitos pensadores e críticos, mas ao mesmo tempo, deixa-os passivos e os transformam em meros reclamadores virtuais. Fala-se muito e faz-se muito pouco. Enquanto esperamos o Messias (virtual?) surgir aqui no Brasil, continuemos a falar por todos os meios disponíveis e acessíveis, pois, certamente, em algum lugar, essa voz vai ecoar e culminará em alguma mudança. E assim continuamos repetindo as falas, incansavelmente, como o homem do gás. Até que o homem que dorme, desperte do seu sono profundo.

BIBLIOGRAFIA PAIS, Custódia. Internet: o milagre da era digital ou a ameaça da bomba informática? Editora: Instituto Politécnico de Viseu. NEWS, globo. Vídeo sobre ciência e tecnologias. Programa Espaço Aberto. INTERCOM – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação. Comunicação Digital. Do livro: Carta sobre Epicuro, Editora Unesp, Ed.bilíngue, grego/português, tradução de Álvaro Lorencini e Enzo Del Carratore, 1997, SP. Enviado por: Lau Siqueira.

LEGISLAÇÕES E ATIVIDADES Culturais Populares Antônio João Aragoso (Tojão) Dayse Vicente Rosana Victor

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ó conseguimos deitar no papel os nossos sentimentos, a nossa vida. Arte é sangue, é carne. Além disso, não há nada. As nossas personagens são pedaços de nós mesmos, só podemos expor o que somos". (Carta de Graciliano Ramos à irmã Marília, aprendiz de ficcionista, em 23.11.49).

Introdução Somos três pessoas focadas no universo cultural, de segmentos diferentes. Em conexão entre nós, tentando dividir neste capitulo experiências que vivenciaram novas e antigas emoções que nos fizeram sorrir e chorar e, sobretudo, ressaltar os valores culturais de cada um, acumulados nesta longa jornada. Nossas memórias vão tomar um sentido literário, em que ficção irá se misturar com as lembranças. Não é tarefa fácil! De um modo bem simples convido o leitor à mergulhar neste universo de narrativas espontâneas, por três pessoas com o mesmo objetivo: Semear a cultura. 31

A busca de sintonia entre legislação e o Funk

Para realização de um evento, como um BAILE FUNK, precisamos arrumar, é claro, o local, de preferência um local que tenha alvará de funcio31

Relato do Agente Cultural Antonio Aragoso (Tojão).

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namento, para após o cumprimento das exigências do corpo de bombeiros, informar local, data, atrações, quantidade de público e outros, à Policia Militar e a Policia Civil. Além disso, é preciso cumprir algumas resoluções que no Rio de Janeiro (Resolução Seseg Nº 013 de 23 de janeiro de 2007Regulamenta o decreto nº 39.355, de 24 de maio de 2006, que dispõe sobre a atuação conjunta de órgãos de segurança pública, na realização de eventos artísticos, sociais e desportivos, no âmbito do Estado do Rio de Janeiro, e dá outras providências). Em caso de local sem alvará de funcionamento é um pouco diferente, pois tem que cumprir as exigências do corpo de Bombeiros, pedir autorização para a Policia Militar e a Policia Civil, com no mínimo de 20 dias de antecedência do dia do evento e aguardar a autorização. No caso de negativa da autorização, eles nunca mandam por escrito e sempre mandam no último horário, do último dia útil antes do evento, impossibilitando a não realização do evento. Em meu caso, fui preso por fazer baile funk em um clube no município de Três Rios –Rio de Janeiro. Enquanto eu estava acabando de tomar banho, 6 (seis) PMs entraram no vestiário e perguntaram: “Você que é o Tojão? Sim sou eu!. É você que vai fazer o baile funk hoje? Sim sou eu! Você está preso! Não cometi nenhum crime! Mas meu comandante mandou te prender”. Coloquei uma roupa e partimos à delegacia. Chegando lá, a delegada não aceitou a minha prisão e mandou me soltar, dizendo: “ele não cometeu crime algum”. Por medida de segurança, não voltei ao clube, pois tinha pressentido que algo ruim iria acontecer e aconteceu. Os PMs voltaram ao clube (o baile tinha começado) agrediram, jogaram gás de pimenta e expulsaram a todos que estavam lá. Começou uma nova luta por mudanças na lei que impossibilitava a realização de bailes Funk. Juntei-me ao MC LEONARDO da Associação de Profissionais e Amigos do FUNK (APAFUNK) e começamos uma longa caminhada para alterar esta lei. Conseguimos essa mudança e, além disso, conseguimos aprovar a lei nº 5543/2009 que reconhece o Funk como cultura. Nesta caminhada com a APAFUNK, conheci vários amigos que me convidaram a participar do curso de Agentes Culturais Populares, ofertado pelo IFRJ, campus Maracanã. Sem saber direito como seria este curso, fiz a inscrição e fui | 124 |

aprovado. No primeiro dia de aula, uma surpresa: uma pessoa que há muitos anos não via me perguntou: “você é o Tojão? Sim, sou eu! você se lembra de mim? Eu não! Eu sou o MAD do rap do sonho. Putz é mesmo, caramba, cara, como você tá? tô bem, graças a Deus! No curso, tivemos vários momentos importantes, mas o que mais me marcou foi a visita técnica ao Festival de Inverno Ouro Preto e Marina em Minas Gerais. Visitamos museus, igrejas e a Mina do Chico Rei que muito nos emocionou. Antes de entrarmos na Mina, conhecemos um pouco sobre sua história. Em alguns locais da Mina tivemos que obrigatoriamente andar muito agachado e quanto mais nós entravamos mais arrepio. Voltando, encontrei o meu amigo MAD, que estava sentado em uma das esquinas da Mina. Estava com minha câmera e filmei o amigo dando um testemunho exclusivo. Nas caminhadas pela cidade (cada ladeira!), minhas pernas estavam que não aguentavam mais, mesmo assim foi muito show esta viagem com os demais colegas do curso de Agentes Culturais Populares. Atualmente, estou aprendendo muito mais sobre cultura, projetos e muito mais, além de estar preparando o meu projeto MUSEU DO FUNK.

Saber ouvir é o alicerce para desenvolvimento de atividades culturais 32 Há poucos dias, via-me sufocada por textos sobre cultura popular, na vontade de fazer um trabalho claro, explicativo e envolvente. Tornei-me um aliado da internet (ou net para declarar afinidades, mais modesta parte tão perdida eu estava. E até consegui traçar simples linhas! Melhor dizer, teclar. Naquele texto havia todas as informações necessárias, porém a frieza de um iceberg. Até que por fim, ouvi algo que queria muito ter ouvido e feito, mas estava receosa, pois detestaria me tornar exibida perante os amigos. Diante desta proposta de autonomia na escrita, quero dividir com meus 32

Relato da Agente Cultural Rosana de Oliveira Victor.

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amigos, a minha passagem cultural na área de educação. Sempre fui um tanto inrreverante nas minhas loucuras culturais, na juventude transformei meu quarto de doze metros quadrado em sala de dança. E para variar, eu tinha quarenta alunas, meus pais ficavam loucos com tantos saltos, piruetas entre colchões e armários. Com certo tempo já não era suportável. Como salvação, fui trabalhar num CIEP em Duque de Caxias, Animadora Cultural. Que felicidade! Afinal o que faz um animador cultural? Novas dúvidas, novos medos, mais jamais desanimar, e fui fazer o que realmente gostava e fazia bem feito, dar aula de dança. Aos sábados lá estava eu, na comunidade divulgando o trabalho. JAZZ para jovens adultos e terceira idade. Não foi fácil, mas chegamos a cem alunas. Ganhei espaço, sala e fui parar na reunião de professores, onde ouvia sussurros do tipo: quem é ela? O que ela faz? Ela anima festinha se veste de palhaço? O nó na garganta e as palavras na boca trasbordando todo conhecimento imaginário e um segundo grau incompleto em Técnico em Química, levantando a bandeira da cultura popular. Ufa, foi difícil mais consegui apoio e novos amigos. Naquela minúscula salinha embaixo de uma escada entre garrafas pet, latinhas e papel crepom eu começava a tecer minhas teias. Ensaios, captação de alunos, como diria, os alunos mais indisciplinados eram meus aliados, engajados em fazer acontecer no GP201 e CIEP 118. Veio o Primeiro festival Cultural das Escolas Estaduais de Duque de Caxias. Meu grupo estava presente e sabedor da responsabilidade. Primeiro lugar em Poesia, Primeiro lugar em Dança. E a alegria de ver a felicidades dos vencedores. Um aluno negro, quinze anos, gordo, tímido, declamando. E um grupo de meninas de doze e treze anos que cantavam, dançavam e tocavam instrumentos, entre elas apenas dois meninos fortalecendo o grupo. E devo dizer que por fim já não participavam de eventos como concorrentes, pois já éramos atração, convidados especiais. Infelizmente aos dezoito anos, um dois meninos faleceu de leucemia e uma das meninas ainda vejo nos becos da prostituição na ilha do governador. Mas como tudo gira e não pira, resolvimontar a primeiro festival de teatro no colégio, doze grupos | 126 |

participantes formados por alunos do ensino médio, a maioria estava com dificuldades em leitura. Veio a apresentação, sucesso total e novas portas se abriram na unidade escolar. Os alunos sempre sugeriam as nossas atividades abordando temas atuais. E assim surgiu a primeira exposição de desenhos dos alunos, que por sinal eram de uma perfeição. Havia um jovem de dezesseis anos que adorava traçar figuras eróticas. Ele já era o mal elemento da escola, e assim foi encaminhado para animação cultural, mais uma vez com carinho, respeitando a individualidade. Expliquei que não poderia expor aqueles desenhos, mas queria muito ver outros tipos... E assim ele apresentou uma nova linguagem de desenho de os super heróis. Daí pude realizar o evento. Por ser um numero muito grande de turmas, estávamos sempre fazendo atividades culturais variadas. Folia de reis, teatro abordando cultura Africana, danças, desfile de moda. Dever cumprido dentro do que propus! E fui parar numa creche! Novamente perdida, mais surpreendida por um livro de cabeceira não tanto formal “Alfabetização Sem Segredo Brasil Tropical Região Sudeste" Viajei, mergulhei enlouqueci e criei... Trabalhei no carnaval, fiz máscaras representando os personagens das revistas em quadrinhos e cada turma contava a historia dos personagens. Copa do Mundo, fiquei enlouquecida de idéias e consegui autorizarão para levar as quatro turmas a uma quadra, a creche era pequena. Como não me entrego ao tédio e comodismo, estava na hora de coisas diferentes, resolvi levar para aquelas crianças de um ano a seis anos de idade o jongo o maculele, samba de roda, boi do Piauí, Tambor de crioula, capoeira, o navio negreiro. Claro, muitos professores ficavam em dúvidas sobre as atividades e eu sempre pronta a explicar. As miçangrinhas (era como eles chamavam as miçangas) faziam parte de confecções de pulseiras colares e pregadeiras, porém o apoio a credibilidade foi fator decisivo para todos os trabalhos que realizei de animação cultural na área da educação. Mais não poderia me esquecer de apresentar a música popular, então veio "Toquinho cd a arca de Noé". Criei o projeto To fraco, o desenho de divulgação era uma galinha Dangola, pois o pio dela é to fraco to fraco. Expliquei aos meus pequeninos que embora ela | 127 |

fosse muito bonita, reclamava por não ter cultura,,educação. Queridos, ficou lindo! E espero um dia tornar a trabalhar este tema.

Cada dia de nossa vida é um novo dia, onde temos a chance de fazer tudo igual ao anterior, ou tudo diferente, tudo depende da nossa vontade33 Nasci em 1961, na cidade do Rio de Janeiro, criada em Austin – Nova Iguaçu – RJ, baixada fluminense, muitos denominavam como “roça”, devido à distância da grande cidade do Rio. Posso dizer que tive uma infância maravilhosa, pois tínhamos muita paz, tranquilidade, contato com a natureza... Muitas brincadeiras como: pique esconde enpinar pipa, amarelinha, andar de bicicleta, algumas brincadeiras que hoje já foram extintas, e nossos filhos não conheceram... Na escola, sempre me destaquei nas aulas de arte. Meu pai, Sr. Marinho, negro, magro, vistoso, sempre foi fanático por uma casa muito cheia, com muita comida, bebida... Sem falar das festas que sempre terminavam em samba. Samba de roda na minha casa nunca faltou um pandeiro, umas cuícas..., sem falar na improvisação de uma caixinha de fósforo, uma tampa de panela... Meu tio Sr. Djalma era compositor da Beija-Flor de Nilópolis, Bloco Arame de Ricardo. Vivia sempre cantarolando um dos seus sambas e como sempre tinha seus acompanhantes para aprender e defender no dia da grande disputa. Bom, assim nunca mais saí do samba. Comecei a trabalhar na UFRJ no Fundão em 1981, devido à grande distância tive que mudar de residência, fomos morar em Anchieta- RJ. Em 1987 casei-me e tive dois filhos, não parei as minhas atividades extras como: aulas de crochê, pintura, vagonite, bordado de ponto de cruz... Tudo voltado à arte, junto a meu marido realizamos várias excursões. Em 2005, transferi-me ao antigo CEFET Química de Nilópolis, hoje IFRJ. Em 2007 resolvi voltar ao estudo, iniciando o curso de Pedagogia na UCB em Realengo, e ao mesmo tempo, passei a frequentar voluntariamente o grupo da terceira idade da igreja Nossa Senhora de Nazaré em Anchieta auxiliando a coordenadora. 33

Relato da Agente Cultural Dayse Vicente

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O objetivo do grupo é proporcionar momentos de cultura, lazer e integração social, assim como estimular a qualidade de vida das pessoas acima de 60 anos. Tive esta iniciativa quando certo dia, minha mãe, D. Enedina, uma senhora de 65 anos, viúva, muito recatada perguntou porque eu não entrava no grupo já que eu tinha tantas habilidades e poderia ajudar. Amadureci a idéia e entrei no grupo. A partir daí realizamos vários passeios turísticos dentro da cidade do Rio, onde muitas do grupo às vezes desconheciam como: Jardim Botânico, Lagoa Rodrigues de Freitas, Cristo Redentor, Confeitaria Colombo, Cidade do Samba.... Fizemos também várias excursões como em: Aparecida do Norte, Barbacena (Festa das Rosas),Tiradentes, Conservatória-Cidade da Seresta, São Lourenço. Hoje dedico um dia da semana dando aula ao grupo com as técnicas de decoupage que é um jeito simples e barato de exercitar a criatividade, aproveitando objetos descartáveis, proporcionando ao grupo um momento de descontração e alegria. As atividades desenvolvidas reforçam a coordenação motora, a socialização, a autoconfiança, o sentimento de utilidade e auto-estima, bem como diminuir a solidão, estimular a cooperação e a responsabilidade em atividades de grupo, estimular a memória e concentração. É de muita satisfação, quando no término de cada aula, elas saem com suas peças feitas por suas próprias mãos. Para finalizar... Eu tenho privilégio de ter conseguido “me encontrar”, ainda que nesta vida, muitas pessoas passem anos procurando saber das coisas que realmente fazem sentido e dão prazer. Eu encontrei. Vivo um momento de plena luz que me faz conhecer e apreciar todos os momentos intensamente.

ECONOMIA SOLIDÁRIA e Gestão Cultural Renato Ribeiro dos Santos Tânia Maria Fausto da Silva Teresa Filomena Magalhães da Cruz

Introdução

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ste trabalho tem por objetivo discutir as aproximações e convergências entre Gestão Cultural e Economia Solidária, destacando a centralidade de estratégias empregadas por trabalhadores no intuito de buscar alter-nativas para a inclusão social por meio do cooperativismo e autogestão. O objetivo é contribuir para o debate acerca destes espaços inusitados, onde os trabalhadores são os “proprietários” dos meios de produção e, por-tanto, gestores do processo de trabalho.

O texto busca questionar as características dessas relações econômicas auto gestionárias, a fim de evidenciar, se de fato, existe a possibilidade de uma economia solidária autônoma, que tenha uma lógica econômica específica, sem estar subjugada à lógica da reprodução e acumulação do capital. A fundamentação deste tomou como base os autores DEMO [1992], FREIRE [1983], GIRARD-NUNES [2004], RODRIGO LARO [2005].

Economia Solidária Segundo a descrição no sítio do Ministério do Trabalho e Emprego, Economia Solidária é um jeito diferente de produzir, vender, comprar e trocar o que é preciso para viver. Uma forma de economia sem explorar os outros, sem querer levar vantagem, sem destruir o meio ambiente, cooperando, fortalecendo o grupo, cada um pensando no bem de todos e no seu próprio bem. | 130 |

Ainda de acordo com as informações deste, a economia solidária vem se apresentando, nos últimos anos, como inovadora alternativa de geração de trabalho e renda, sendo resposta em favor da inclusão social. Este modelo envolve uma diversidade de práticas econômicas e sociais organizadas sob a forma de cooperativas, associações, clubes de troca, empresas autogestionárias, redes de cooperação, dentre outras que realizam atividades de produção de bens, prestação de serviços, finanças solidárias, trocas, comércio justo e consumo solidário. Nesse sentido, compreende-se por economia solidária o conjunto de atividades econômicas de produção, distribuição, consumo, poupança e crédito, organizados sob a forma de autogestão. Considerando-se essa concepção, a Economia Solidária possui as seguintes características: COOPERAÇÃO = existência de interesses e objetivos comuns, a união dos esforços e capacidades, a propriedade coletiva de bens, partilha de resultados e a responsabilidade solidária. Envolve diversas organizações coletivas: empresas, autogestionadas ou recuperadas (assumidas por trabalhadores); associações comunitárias de produção; redes de produção, comercialização e consumo. (http://portal.mte.gov.br/ portal-mte/) AUTOGESTÃO = os / as participantes das organizações exercitam as práticas participativas de autogestão dos processos de trabalho, das definições estratégicas e cotidianas dos empreendimentos, da direção e coordenação das ações nos seus diversos graus e interesses, etc. Os apoios externos, de assistência técnica e gerencial, de capacitação e assessoria, não devem substituir nem impedir o protagonismo dos verdadeiros sujeitos da ação. (http://portal.mte.gov.br/ portal-mte/) DIMENSÃO ECONÔMICA = é uma das bases de motivação da agregação de esforços e recursos pessoais e de outras organizações para a produção, beneficiamento, crédito, co| 131 |

mercialização e consumo. Envolve o conjunto de elementos de viabilidade econômica, permeados por critérios de eficácia e efetividade, ao lado dos aspectos culturais, ambientais e sociais. (http://portal.mte.gov.br/portal-mte/) SOLIDARIEDADE = o caráter de solidariedade nos empreendimentos é expresso em diferentes dimensões: na justa distribuição dos resultados alcançados; nas oportunidades que levam ao desenvolvimento de capacidades e da melhoria das condições de vida dos participantes; no compromisso com um meio ambiente saudável; nas relações que se estabelecem com a comunidade local; na participação ativa nos processos de estabelecimento sustentável de base territorial, regional e nacional. (http://portal.mte.gov.br/portal-mte/) Apresentamos a definição de Economia Solidária para evidenciarmos a importância do Ministério em propor uma nova concepção de trabalho e renda. Percebe-se, então, que o intuito da Economia Solidária vai além dos princípios de classe e ideologias de partidos, visto possuir um caráter emancipador e político. Não porque tenha em suas raízes a política, mas porque, indissoluvelmente, está associado á reflexão e o ato reflexivo é contra a despolitização, a desumanização [FREIRE, 1983ª], a alienação cultural e é a favor da conscientização, que significa o começo da busca de uma posição de luta [FREIRE, 1983 b]. Assim, fomentar o processo produtivo significa construir pontes, intercâmbio, onde se privilegie a reciprocidade, antes do ganho econômico. Em Girard-Nunes [2004, p 193], os elos e valores de empreendimentos solidários devem se horizontais, promover a autonomia sem hierarquia, com dependência recíproca, no sentido de que haja identidade dos participantes; “significa que todos têm consciência de dar e receber algo, e retribuem de forma a permitir a dinâmica da dádiva” [GIRARD-NUNES, 2004, p200] | 132 |

Gestão Cultural A descrição do curso de Gestão Cultural do Instituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia Sul-Rio-Grandense – Campus Sapucaia do Sul, é a de que o objetivo e a função da mesma, seja a de elaborar e executar projetos culturais e de lazer com base no referencial econômico e em sintonia com os princípios da cidadania. Ela identifica grupos, práticas e movimentos culturais de forma a articular ações que reforcem os laços de identidade, promovam a inclusão, preservem o patrimônio e a diversidade cultural das comunidades. A sua atuação na gestão de bens e serviços culturais contribui para o desenvolvimento local e regional. Auxilia as instituições públicas voltadas à área cultural e empresas da iniciativa privada com base em metodologias de elaboração de projetos, marketing cultural e noções fundamentais sobre leis de incentivo e captação de recursos. O campo de atuação se da no setor publico e instituições privadas. Secretarias de Cultura, de Educação e do Desporto. Centros culturais, fundações, ONG, e nos mais diversos aparelhos culturais. Micro e pequenas empresas do setor cultural possibilitam atuação de forma autônoma na elaboração de projetos culturais e captação de recursos.

A Cultura Como Economia Solidária Interessante o artigo de Carlos Henrique Machado. Trata da cultura como ferramenta da Economia Solidária. Chama a atenção à Gestão Cultural, principalmente à Lei Rouanet, que acaba criando um exército de coorporatocratas fazendo cultura, como se esta servisse apenas para aquilo que o negócio entende como empreendimento de seu próprio mercado '.[MACHADO, 2010]. Reconhece que tentativas do Ministério da Cultura, trabalhando de forma complexa, buscaram organicidade, para assim concorrer com a selvageria instalada, procurando formular políticas que atendessem ou/ e evoluíssem para as práticas avançadas da sonhada economia solidária de cultura. | 133 |

Considerações Finais As percepções dos autores pesquisados convergem à mesma conclusão: não bastam apenas programas de apoio centrados em gestão ou crédito, mas políticas públicas que gerem capital social nas comunidades. Como afirma Girard-Nunes [2004], o foco empresarial, as organizações sociais somente podem ser eficazes se forem eficientes, apresentarem afetividade, se complementadas por políticas de assistência, prevenção e promoção de oportunidades. Daí a importância do Curso de Formação de Agentes Culturais Populares, do IFRJ. O Curso propõe, através da valorização social do trabalho, do saber local, da cultura e tecnologia popular; um novo olhar para as comunidades. Apresenta alternativa ao capitalismo, ao mostrar que empreendimentos solidários se dão por meio de uma economia solidária. O curso Periferias em Cena estimula iniciativas artísticas e / ou culturais, ao mesmo tempo, em que desenvolve redes culturais nas favelas e periferias, atuando em beneficio e a favor da Paz. A Economia Solidária aqui é vista como instrumento de inclusão e de transformação social; desenvolvendo cadeias produtivas locais e regionais, levando a cooperação e a solidariedade nas suas mais diversas formas de manifestação.

REFERÊNCIAS DEMO, P. Cidadania Menor, Algumas Indicações de Nossa Pobreza Política. Petrópolis, RJ:Vozes. 1992. FREIRE, P. Educação e Mudança. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1983. FREIRE, P. Educação Como Pratica da Liberdade. RIO DE Janeiro: Paz e Terra, 1983. GIRARD-NUNES, C. Os elos horizontais da economia solidária: desafios e perspectivas. In: MARTINS, P. H. NUNES, B. F.[orgs]. A Nova Ordem Social. 1 ed. Distrito Federal: Paralelo15, 2004. P192-214. MINISTÉRIO DO TRABALHO E RENDA, PORTAL DO TRABALHO E RENDA. MACHADO, CARLOS HENRIQUE, A cultura como economia solidária. Artigo enviado por luisnassif, sex, 19/11/2010-07h30min

FOMENTO À CULTURA: leis e políticas de incentivo Juliana Pontes Silva Wladimir Augusto Silva de Souza

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ara falar sobre fomento à cultura, de como as leis e políticas de incentivo atuam na nossa vivência, devemos antes retratar como nós, agentes e produtores culturais: Juliana e Wladimir, chegamos até aqui a ponto de podermos colocar nossas reflexões sobre o assunto. Vindos de realidades e vivências diferentes, mas com idéias parecidas e amores comuns, a questão da cultura cruzou os caminhos de uma pernambucana cheia de anseios em “fazer cultura” e um morador da baixada fluminense, quem há tempos está fazendo e mobilizando o movimento hip hop. Além de amigos há pouco mais de dois anos, a oportunidade de fazer o curso Periferias em Cena!, fez-nos aumentar ainda mais a nossa parceria. Tivemos a oportunidade de aprender sobre a tão temida tarefa de entender como poderíamos, através do conhecimento sobre leis de incentivo, economia solidária, elaboração de projetos, visitas técnicas, dentre outras disciplinas, colocar em prática todos os sonhados projetos advindos da constante vontade de produzir e incentivar a cultura. No curso Periferias em Cena, além de nos reconhecermos, percebemos o cuidado no direcionamento de como o curso foi pensado, para agentes culturais, que em sua maioria, estão acima dos 40 anos, não possuem curso superior e atuam no campo da cultura há algum tempo. O que percebemos no curso, é que a vontade de fomento às mais diversas expressões artísticas e culturais sempre foram constantes. Mas a falta de informações, o receio por ver essa questão tão distante da nossa realidade assim como, a aparente e até real predileção de acesso à poucos, nos impossibilitava de certa forma, de efetivas realizações das mesmas. E, ao nos questionarmos de como poderíamos contar a nossa história de | 135 |

atuações no campo da cultura e unir com o tema de nosso capítulo, percebemos que, apesar do nosso anseio em buscar financiamento para nossas propostas, nós sempre caíamos no mesmo patamar, que era a falta de incentivo aos novos produtores, principalmente advindos da periferia, para o aprendizado das nuances das políticas culturais. Podemos observar, que a grande parte dos projetos aprovados e financiados pelo Governo Federal até hoje, na sua esmagadora maioria, são propostos pelas mesmas “raposas” velhas e de uma classe social mais privilegiada. E o Periferias em Cena!, deu-nos a oportunidade de ampliarmos o olhar sobre nossas possibilidades de alcance, através do entendimento e elaboração dos projetos culturais, além de nos dar um aporte para a concretização de nossos desejos. E para nos aprofundarmos mais nessa tarefa de como entendemos a questão das leis de fomento a cultura, vamos agora buscar respaldo históricos para vermos como nós e a periferia sempre estivemos no cenário nacional da cultura. Para isso, além de trocarmos artigos e links para pesquisas para obtermos mais informações sobre o assunto, a nossa participação no ENECULT, sobretudo, às mesas e discussões assistidas, ajudou-nos muito na elaboração de nossa discussão neste capítulo. Pois, o nosso objetivo aqui é ver como a cultura foi assistida todos esses anos e de como e a quem ela foi direcionada. Nesse estudo, o que observamos é uma ausência de políticas culturais até 86, quando se promulga a lei Sarney, que foi um grande avanço ao fomento da cultura no Brasil. A lei consistia na dedução fiscal por parte dos financiadores que financiassem os projetos culturais, mas sem nenhuma intervenção e fiscalização por parte do governo, dando brechas às atividades de caráter duvidoso. Igualmente observamos que ela atendia a uma parte da população, que era e sempre foi o pequeno grupo de produtores já renomado e seu direcionado público que não reflete a heterogeneidade do país. Logo depois, o que vemos, é um retrocesso na história das políticas voltadas à cultura, quando o presidente Collor de Melo revoga a lei Sarney e no ano de 1991, o país passa a não ter uma política que garantisse o fomento à cultura. Mas logo em 1992, é promulgada a Lei Rouanet, que na | 136 |

verdade, é uma aprimoração da lei Sarney que agora colocava três formas possíveis de capitação de recursos: o Fundo Nacional de Cultura (FNC), o Fundo de Investimento a Cultural e Artístico (FICART) e o Incentivo a Projetos Culturais através da renuncia fiscal. Com essas mudanças, o Estado passou a ter um maior controle sobre as doações, pois, pela nova Lei, o projeto antes de receber o aval positivo, teria que passar por uma análise do Ministério da Cultura para se tornar apto à captação de recursos. Logo depois, já no governo de Itamar Franco foi criada a lei de nº8.685/93 de incentivo ao audiovisual, que tinha como foco principal rearticular o cinema brasileiro, cuja produção estava estagnada com a extinção da IMBRAFILME. Esse mecanismo permitiu que pessoas físicas e jurídicas pudessem investir no cinema nacional, adquirindo certificado de investimento de audiovisual para utilização de incentivo fiscal. Essas novas possibilidades de incentivo à cultura, certamente representam um grande avanço, mas mesmo assim, o que questionamos é a ausência de expressividade de tais leis no fomento a cultura popular e de regiões e classes que não sejam dominantes. Para isso, como coloca bem o Wladimir Souza, através de suas experiências, tanto como expectador do momento vivido, como de militante na cena hip hop na Baixada Fluminense. Fui jovem nos anos 80, um tempo de renovação política. Sou nascido e criado em Mesquita, uma cidade muito precária que fica na Baixada Fluminense. Uma das poucas diversões por aqui era o campinho da esquina e o baile Funk no fim de semana, onde eu tive contato com o Break o primeiro elemento do Hip Hop a chegar ao Brasil e responsável por meu acesso no mundo cultural. A cultura sempre esteve presente por aqui. Tínhamos muitos Terreiros, Blocos Carnavalescos, as Quadrilhas, Capoeira, Folia de Reis dentre outros quase todas pontuais, porém essas manifestações sempre sobreviveram da vontade do povo. Nunca receberam nenhum tipo de incentivo do governo, pelo contrário, muitas dessas eram vistas com maus olhos pelas autoridades. Pra não falar que o poder | 137 |

público era ausente totalmente, o único investimento real era na estrutura do carnaval. Mas o momento de “consagração” das leis de incentivo fiscais veio no governo de Fernando Henrique, onde foi transferido para a iniciativa privada o poder de decisão de quem deveria ou não receber recursos públicos incentivados. Esse tipo de transferência é um grande avanço democrático, mas é também perigoso e nocivo para os pequenos produtores, pois sem a interferência do Estado, o setor privado só investe em grandes produções ou em obras de autores consagrados, sem contar que a maioria do recurso fica concentrada na Região Sudeste. E essas grandes empresas passam a usar o incentivo fiscal como forma de propaganda gratuita, o chamado Marketing Cultural. FHC se vai e assume em seu lugar, Luís Inácio Lula da Silva, quem herda uma conjuntura cultural desigual, e nomeia para Ministério da Cultura o cantor e compositor Gilberto Gil. Os Primeiro anos de gestão de Gil foram marcados por profundas mudanças. Logo de inicio, o ministro estabelece um dialogo com a sociedade civil através do seminário “cultura para todos”, que percorreu vários Estados brasileiros e formou fóruns com a participação de vários segmentos das áreas artísticas e da sociedade em geral. Nessas discussões ficaram evidenciadas as distorções estabelecidas pelas formas das leis e a necessidade de sua aplicação de forma mais eficiente e democrática. A partir disso, Gil demonstrou uma intensa preocupação para com a concentração dos recursos de incentivo e tomou medias para melhorar a sua distribuição entre as regiões e estados brasileiros. Como exemplo, a criação dos pontos de cultura como forma de atender à diversidade cultural existente e à instauração de uma pontuação para os estados menos representativos nos índices da distribuição dos recursos e com isso, uma maior democratização no acesso ao incentivo federal para as regiões norte e nordeste. Tais reformulações da lei de incentivo a cultura foram discutidas incansavelmente no mandato de Gil e no de Juca Ferreira, quem continuou na mesma proposta de seu antecessor, promovendo entre a sociedade civil, a

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classe artística, produtores e o ministério da cultura os debates para a nova lei de incentivo, que neste momento se encontra estagnada. O projeto da nova lei de fomento à cultura, idealizado por Juca Ferreira, que visa à democratização dos financiamentos a projetos culturais e a criação de um fundo nacional de cultura, onde o governo destinaria os recursos recebidos através da isenção fiscal, se encontra estagnado no congresso e sem perspectiva de votação. E esse grande passo a uma cultura que nos revele e contemple, parece estar ainda nas mãos da pequena e poderosa elite brasileira, que agora com Ana de Hollanda à frente do MinC, mostra-nos uma retração dos avanços proporcionados por toda discussão. Muitos artistas e produtores não vêem com bons olhos essas mudanças, são os mesmos quem, durante anos, vem sendo beneficiado por um sistema excludente. São essas mesmas pessoas quem possuem seus grandes espetáculos aprovados através do dinheiro público vindo da renúncia fiscal, ainda cobram o olho da cara e reclamam da meia-entrada para estudantes e idosos. O que podemos verificar é que nos últimos anos tivemos avanços significativos, mas estamos longe de termos uma política cultural eficaz e agregadora. Mas nós, artistas e produtores, além da sociedade como um todo, vindos ou não da periferia, não podemos deixar de lutar por nosso espaço e dias melhores.

BIBLIOGRAFIA Memória. Portal O Senado, Presidência. Disponível em: . Acesso em: 24/06/2011. Calabre, Lia. Política Cultural no Brasil: Um histórico. I ENECULT. Disponível em: . Acesso em: 24/06/2011. Michelle de Assumpção, “A maioria da classe cultural quer mudança”, Diário de Pernambuco, Viver, - 12/4/2009.

PARTE III

Caderno de Imagens Periféricas

Visita técnica ao Festival de Inverno de Ouro Preto

Registro das aulas

Festival Periferias em Cena

Alunos em cena

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