PERÍODO VALENTINIANO E OS ASPECTOS POLÍTICOS- RELIGIOSOS: AS MOEDAS COMO FONTE

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Edição Especial – ANAIS I Semana de Arqueologia - Unicamp “Arqueologia e Poder” ISSN 2237-8294

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PERÍODO VALENTINIANO E OS ASPECTOS POLÍTICOSRELIGIOSOS: AS MOEDAS COMO FONTE Lalaine Rabêlo Instituição: Universidade Federal de Alfenas (UNIFAL- MG) Orientador: Prof. Dr. Cláudio Umpierre Carlan Graduanda no 8º Período de História e bolsista de Iniciação Científica pela FAPEMIG (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais) [email protected]

Resumo: Nosso trabalho visa analisar os aspectos políticos-religiosos do período em que Valentiniano esteve à frente da administração imperial (364 – 375 d.C.). e, consequentemente seu reflexo na cultura romana. Para isso, empregamos as fontes escritas e materiais. No que se refere às fontes materiais, lançaremos mão da numismática que tem se mostrado muito eficiente no estudo de vários períodos da história.Quanto às fontes escritas, lançamos mão das obras de Amiano Marcelino. O objetivo é associar estas duas fontes para uma melhor compreensão do período. Palavras- Chave: Antiguidade Tardia – Numismática – Cultura

Introdução

Devemos destacar primeiramente que o período em que focamos nosso estudo (364-375 d.C), a administração imperial é dividida1 em Império Romano do Oriente e Império Romano do Ocidente, com Valente e Valentiniano, respectivamente à frente do governo. No entanto vale destacar que somente a administração imperial é dividida e não o Império Romano. Neste sentido, mesmo com a “queda” política do Império Romano do Ocidente em 476 d.C., o Império Romano do Oriente continua vivo e resguarda a cultura romana por vários séculos e esta passa a ser elemento constituinte da cultura bizantina. Vale ressaltar que no que se refere à cultura, entendemos que esta tem conceitos múltiplos, englobando também as religiosidades. Neste caso, acreditamos que a cultura abrange todas as realizações materiais e 1

Somente a administração imperial é dividida e não o Império Romano. O Império Romano só será dividido de fato depois da morte de Teodósio que ocorreu em 395 d.C.

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os aspectos espirituais de um povo. Ou seja, cultura é tudo aquilo produzido pela humanidade, seja no plano concreto ou no plano imaterial, desde artefatos e objetos até idéias e crenças (SILVA; SILVA, 2005, p.85). Neste sentido, entendemos que o Império Romano não chega ao seu fim quando há decadência política do Império Romano do Ocidente. Vale lembrar que o Império Bizantino se prolongará por cerca de mil anos após a queda do Império Romano do Ocidente e assim, dissemina conseqüentemente a cultura romana e a religião que ganhou força no Império ao longo dos séculos, ou seja, o cristianismo. Porém vale ressaltar que a cultura bizantina carrega elementos variados, principalmente na cultura oriental, inclusive a arte. Vale destacar também que há a integração de povos bárbaros no exército e na sociedade romana, algo que consequentemente resulta em trocas culturais e posteriormente vários aspectos da sociedade e cultura romana influenciarão na formação dos reinos bárbaros no período medieval. Neste sentido concordamos com Peter Burke quando discute sobre o conceito de “apropriação”, “acomodação” e “tradução cultural” que são utilizados para descrever o mecanismo pelo qual, encontros culturais produzem formas novas e híbridas. O autor destaca ainda que estes conceitos dão maior ênfase ao agente humano e suas especificidades. No que se refere ainda a esta idéia de trocas, Burke fala sobre os conceitos de hibridismo cultural e sincretismo. Este último, segundo o autor, adquire a partir do século XIX, um significado positivo no contexto de estudos de religião na antiguidade clássica e especialmente as identificações, tão comuns no período helenístico, entre deuses e deusas de diferentes culturas. (BURKE, 2003, p. 51) Também no que se refere à religiosidade, podemos tomar estes conceitos para analisar a sociedade romana que dá espaço cada vez maior ao cristianismo que virá a se tornar religião oficial do Império ainda no século IV. Entendemos que a política e religiosidade estavam intimamente ligadas no contexto do Império Romano, desde o período em que paganismo predominava até a ascensão do cristianismo. Assim buscamos observar estes aspectos em conjunto além das representações do poder em que estes aspectos estavam inseridos. Utilizamos em nosso trabalho, a obra Historia (Rerum Gestarum Libri), - Edición de Maria Luisa Harto Trujillo – do historiador e militar, Amiano Marcelino e a Numismática,

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ciência que estuda e analisa as moedas e medalhas, para que possamos observar os aspectos do período em que Valentiniano esteve à frente da administração imperial. Enfim, nosso objetivo é analisar este período ainda pouco estudado a parir de dois tipos de fontes, enriquecendo assim nossa pesquisa com as fontes imagéticas ou seja, as moedas, algo ainda pouco explorado no Brasil contribuindo assim para o fortalecimentos dos estudos com este tipo de fonte e com os estudos da Antiguidade Tardia. A partir desta idéia, buscamos analisar elementos da política e da cultura – principalmente do que se refere a religiosidade - do período no qual Valentiniano I esteve à frente do Império e como estes fatores estão inseridos no tocante à administração e a legitimação do poder desse imperador. Com relação às fontes numismáticas, trabalhamos com as imagens de moedas disponíveis para consulta no site do Museu de Berlin. Ao todo são 13 moedas e um medalhão cunhados no período em que Valentiniano I esteve à frente da administração imperial porém demonstraremos somente parte desse acervo. Através das moedas, podemos observar representações da época tais como, conquistas, vitórias, religiosidade dentre outras. As moedas na antiguidade, tinham grande importância para a divulgação da administração dos imperadores e revelavam também aspectos religiosos que tiveram grande destaque no período, como por exemplo, adoção gradual do cristianismo pelos romanos. Sobre a importância das moedas como fonte numismática, vale destacar: O homem contemporâneo dificilmente pode ligar a moeda a um meio de comunicação entre povos distantes. Ao possuidor na Antigüidade de uma determinada espécie monetária estranha, esta falava-lhe pelo metal nobre ou não em que era cunhada, pelo tipo e pela legenda. O primeiro informava-o a riqueza de um reino e os outros dois elementos diziam-lhes algo sobre a arte, ou seja, o maior ou menor aperfeiçoamento técnico usado no fabrico do numerário circulante, sobre o poder emissor e, sobretudo, sobre a ideologia político-religiosa que lhe dava o corpo. È dentro deste último aspecto que pretendemos explorar a fonte numismática. (CARLAN, 2009, p. 67)

Ainda quanto ao uso das moedas em nosso estudo, lançaremos mão de uma análise simples de conteúdo, tratando de identificar as conotações tanto históricas quanto estéticas. Para isso, seguimos a categorização conhecida como Modelo de Lasswell – elaborada por Harold D. Lasswell – das análises de conteúdo aplicadas à política e à propaganda. Neste sentido, podemos analisar e compreender, a natureza do emissor, a quem se destinavam as imagens ou representações, seu significado e seu efeito sobre os sujeitos.

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Através das moedas podemos identificar ainda, imagens que tem por objetivo fazer uma espécie de propaganda sobre o governo vigente. Deste modo, através desta iconografia aliada aos textos escritos, podemos observar aspectos políticos e religiosos do Império Romano, além da legitimação do poder de um determinado governante. Com relação aos textos de Amiano Marcelino, estes podem nos dar uma visão de um indivíduo que viveu no período, que presenciou e registrou os acontecimentos daquela época. Amiano Marcelino era de origem grega, nasceu entre os anos 325 e 330 d.C., de uma família não cristã da elite de Antioquia, Síria. Durante sua juventude entrou para o exército e por pertencer à elite da sociedade romana, ingressou em um regimento de alto prestígio social, os protectores domestici2. Sua obra é composta por trinta e um livros, porém perdeu-se os treze primeiros que tratariam desde 96 d.C. até o ano de 353. Os dezoito livros restantes abarcam somente vinte e cinco anos. (TRUJILLO, 2002, p.19) Apesar do cuidado de Amiano, sabemos que toda escrita é passível de interferências, de subjetivismo e varia de acordo com o julgamento motivado pelo contexto político e social da época em questão. Neste sentido e no que se refere à escrita na Antiguidade, vale destacar que: Compreendemos, portanto, além de algumas noções básicas daquilo que caracteriza a escrita da história de Heródoto e Tucídides, que a história da historiografia não é estática e natural, ou seja, que cada época fará uma leitura a respeito dos autores, que em cada período os textos terão significados diferentes e que, por isso, precisamos ficar atentos para questionarmos os cânones literários, filosóficos e, sobretudo, historiográficos. (ANHEZINI, 2009, p.29)

Devemos frisar também, que a Res gestae empreendida por Amiano, é um subgênero da historiografia clássica. Trujillo conclui que a obra de Amiano tem características de annales, pois narra os sucessos ano a ano, mas também de historiae pois centram-se sobretudo em sucessos contemporâneos e intentam aprofundar as causas que influenciaram os sucessos. (TRUJILLO, 2002, p.18) Deste modo, nosso trabalho procura lançar mão de duas fontes importantes; a numismática, que tem se mostrado muito eficiente em nos trazer elementos para a

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Segundo Gilvan Ventura da Silva, Protector domestici, um ‘burocrata a serviço dos comandantes militares’, eram auxiliares de campo de um general, sendo assim, responsáveis pela atualização dos efetivos militares disponíveis, pela supervisão do abastecimento das tropas e pelo desempenho de missões especiais. (SILVIA, 2007, p.168 Apud Gonçalves, p. 2, 2012)

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compreensão dos diferentes períodos estudados, e os relatos de Amiano Marcelino que viveu no período, construindo assim um trabalho o mais abrangente possível.

Os antecedentes do período valentiniano: a reestruturação política.

No período denominado Anarquia Militar (235 – 268 d.C.), em várias ocasiões os imperadores eram nomeados por seus soldados, sendo assassinados logo depois, alguns chegaram à governar poucos dias. Após a anarquia militar, e a tentativa por parte dos imperadores ilírios de resolver os problemas socioeconômicos criados durante a Anarquia Militar, alguns imperadores que estiveram à frente do governo tomaram atitudes que beneficiaram o mesmo, e o mantiveram em relativa estabilidade por alguns períodos. Dentre os que mais se destacam está Diocleciano e Constantino. No que refere à Reestruturação Política do Império no século IV, podemos destacar que o período que antecede a administração de Valentiniano I, foi de grandes transformações no que refere à política. No século III e IV, após a Anarquia Militar, houveram grandes reformas empreendidas por imperadores como Diocleciano e Constantino. Em 363 d.C., após a morte do Imperador Juliano e com as batalhas contra o Império Persa Sassânida, era preciso escolher um novo imperador com certa rapidez. Depois de toda a agitação, escolheram Joviano, líder da guarda pessoal como o novo imperador. Este por sua vez, segundo Amiano Marcelino, era defensor da religião cristã, e em ocasiões inclusive a honrava. Porém ficou pouco tempo à frente da administração do Imperial, menos de um ano, quando veio a falecer.

Sobre a eleição de Valetniniano

Nesse período, foram organizadas três dinastias no império romano: a constantiniana, a valentiniana e a teodosiana. Ambas ligadas entre si, através do grau de parentesco. Segundo Amiano Marcelino, por vontade celeste, e sem nenhuma oposição, elegeu-se Valentiniano, a quem consideravam bem apropriado e apto para o que lhes aguardava.

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Amiano falará sobre a eleição de Valentiniano como Augusto. Segundo Amiano, Valentiniano era comandante da segunda escola de escudeiros e se encontrava em Ancira3. Como nada se opôs e parecia uma boa decisão para o estado. Revestido com o manto púrpura e o diadema, é nomeado Augusto, após o qual dirige aos soldados. Valentiniano se dipôs a pronunciar um discurso que já havia preparado. Mas quando levou o braço para falar com mais liberdade, levantou-se um forte murmúrio, por que os centuriões na sua totalidade, os manipulados e os soldados de todas as cortes gritavam, pediram e demandavam com insistência que se elegesse um segundo imperador. Amiano Marcelino diz ainda que embora alguns acreditassem que esta proposta era provocada por uns poucos corruptos que pretendiam favorecer algum dos que foram rejeitados, contudo isso não era certo, porque não se escutavam gritos comprados, mas pertencentes a toda uma multidão que expressava um desejo comum. Isto ocorria pois, temiam a fragilidade da sorte dos imperadores – não em vão, em um breve período haviam morrido três imperadores. Ainda segundo o historiador e militar, estes murmúrios do exercito, que protestavam com obstinação, logo deram passo a uma agitação mais violenta, levando-os a temer a ousadia dos soldados que, como sabemos, se lançam com freqüência a cometer ações criminais. E como temia-se que isto pudesse acontecer a Valentiniano, este levantou rapidamente sua mão e segundo Amiano, com a autoridade de um príncipe pleno em confiança, se atreveu a criticar alguns sediciosos e obstinados, expondo sem que nada interrompesse o que já havia planejado. Segundo Amiano Marcelino, ainda no livro XXVI, Valentiniano com o consentimento do exército, nomeia Augusto, em vinte e oito de março, seu irmão Valente tribuno das cavalarias em Nicomédia, e depois em Hebdomo de Constantinopla, como seu companheiro na administração do Império. O historiador destaca ainda que depois de entregar os signos imperiais a Valente, lhe colocou o diadema sobre a cabeça. Assim, Valente se torna colega legítimo do principado. Nesta mesma época, dá-se uma série de invasões por todo o mundo romano. Invasões dos alamanos na Gália e na Recia, dos sármatas na Panonia, os pictos, saxões, escoceses, atacotes atacavam os britânicos continuamente. Os austorianos e outros povos mouros, ainda segundo Amiano, devastavam a África com mais dureza do que a habitual. E por final, a Trácia e a Panônia eram saqueadas pelos godos. 3

Hoje Turquia.

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Assim, os imperadores, Valentiniano e Valente dividem entre si seus generais e as tropas, e pouco depois começam seu consulado, um em Milão e o outro em Constantinopla. No oriente Procópio4 - que fazia parte da dinastia constantiniana, e era primo de Juliano prepara uma revolução para tentar chegar ao poder e chega ser eleito imperador no oriente. No entanto, Valente manda um exército contra Procópio e este é executado no ano de 366. Ainda no livro XXVI, Amiano descreve as lutas contra os bárbaros na Germânia com diversos êxitos militares, fala sobre as lutas pelo papado nas províncias e dos povos da Trácia e a marcha de Valente contra os godos5. Em 367, Valentiniano fica doente e com o consentimento do exército, proclama seu filho, então com oito anos de idade, como imperador. Neste sentido, percebemos a força do exército, pois o Imperador pede a aprovação deste. Esta aprovação que o imperador pede, legitima também o início de uma dinastia valentiniana. Isto era conveniente ao Império já que com a morte de três imperadores em um curto espaço de tempo e as constantes batalhas contra invasores, era preciso um governo estável, e esta sucessão familiar poderia garantir uma estabilidade como aconteceu com a dinastia constantiniana. O historiador e militar fala ainda sobre os inocentes que Valentiniano manda executar por delitos leves, e que os cristãos em Milão honram suas memórias e os chamam “Os inocentes” no lugar onde foram executados. Deste modo, Eupraxio aconselha Valentiniano a ser mais moderado pois os que ele ordenou executar, veneram a religião cristã como mártires, a saber, como eleitos de Deus. Neste sentido observamos uma relação político-religiosa, isto porque o Imperador deve ser moderado em suas atitudes na administração por estas se relacionarem à religiosidade cristã que ganhava força no período. Vale ressaltar que Valentiniano era cristão, porém haviam várias vertentes cristãs no período. Em vários amoedações percebemos uma mescla de elementos cristãos e pagão, sugerindo assim uma força casa vez maior da religião cristã. Ao longo da história, o homem desenvolveu diversas formas simbólicas, tanto artística, quanto lingüística como expressão de sua consciência. Com isto podemos afirmar que: “os símbolos políticos são definidos como símbolos que funcionam até um ponto significativo na prática do poder” (DICIONÁRIO DE CIÊNCIAS SOCIAIS, 1987, p. 1115).

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Com a morte de Juliano, surgiram rumores que ele havia dado ordens para que entregasse a administração do Império a Procópio, porém este com medo de que lhe matassem por conta disso, desapareceu por algum tempo. 5 Segundo Amiano, o Augusto Valente ataca os godos por terem ajudado Procópio contra ele. Porém, depois de três anos, formam a paz.

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Essas questões estão presentes nos anversos monetários, no qual encontramos o busto do imperador; nos reversos, lado oposto, a representação indica alguma transformação (uma construção, casamento, vitória militar, dente outros) e o exergo, base da moeda, conhecida também como linha de terra onde podemos identificar o local de cunhagem da moeda. A seguir, podemos observar algumas amoedações do período Valentiniano. Todas as moedas aqui apresentação são do acervo do The Münzkabinett of the Staatliche Museen zu Berlin ou a Coleção de Numismática do Museu Nacional em Berlim, uma das maiores coleções de numismática do Mundo.

Ano / Local: 375-378 d.C. / Tréveris (Trier) Anverso: D N VALENTINIANVS IVNPFAVC Reverso: GLORIA ROMARVM Exergo: TROBT Denominação: Solidus

Neste caso trata-se de uma moeda de ouro (Solidus) com a representação dos imperadores Valente e Valentiniano. Segundo informações do site do Museu de Berlin, o Solidus era uma moeda de ouro da Antiguidade Tardia (solidus aureus, ou moeda de ouro maciço). Foi incorporada por Constantino, em 309 d.C., introduzida pela primeira vez em Trier, foi a principal moeda da Antiguidade e da Idade Média Bizantina (conhecida neste

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período como chrysion Nomisma). A partir 324 d.C. foi ao única moeda totalmente de ouro a circular. No anverso podemos observar o busto do imperador Valentiniano I voltado para a direita encouraçado e diademado. Podemos considerar esta uma representação política pois trás a figura do Imperador com estes símbolos de poder e autoridade. Essa simbologia é eficiente no sentido de legitimar o poder do imperador. Nessa moeda em especial podemos observar no reverso, além da imagem de Valentiniano, a de Valente, seu irmão e imperador da região oriental do Império. Cada um dos irmãos segura um cetro e um globo. Segundo Chevalier e Gheerbran e globo levado em uma das mãos representa o domínio ou o território sobre o qual se estende a autoridade do soberano. Os dois imperadores são coroados por deusas que neste caso são as representações da deusa pagã Niké (na tradição grega) ou Vitória (na tradição romana). As deusas portam uma coroa de louros que é símbolo da imortalidade pois permanece verde até mesmo durante o inverno. Segundo Chevalier e Gheerbran, os romanos o fizeram emblema da glória e a deusa Vitória é a responsável por entregá-la. Nesta representação observamos uma legitimação da ascensão dos dois imperadores por meio da representação da deusa Niké. Esta moeda circularia o Império Romano – suas várias províncias - mostrando que Valentiniano e Valente eram os novos imperadores. Na próxima moeda, vemos uma representação semelhante à anterior porém desta vez os dois imperadores, Valente e Valentiniano seguram o globo.

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Ano / Local: 367-375 d.C. / Tréveris (Trier) Anverso: DN VALENTINI ANVS PF AVC Reverso: VICTOR IA AVCC GG Exergo: TROBC Denominação: Solidus

No reverso desta moeda, podemos observar as imagens de Valentiniano e Valente de joelhos segurando um mesmo globo. Neste caso, podemos concluir que seria a representação de um Império Romano unido, mesmo com a divisão da administração entre os dois imperadores. Entre os dois imperadores novamente a representação da deusa Vitória alada. Podemos verificar que ambos os imperadores são descritos como cristãos, porém nas diversas amoedações podemos observar a representação da deusa pagã. Peter Burke denomina esse tipo de junção de culturas, neste caso a pagã e a cristã, como um hibridismo cultural. Ou seja, não há o apagamento de uma cultura em detrimento de outra. Neste sentido acreditamos que não há a morte de uma cultura, principalmente no que se refere à cultura romana, observamos seus elementos nos séculos posteriores à queda do Império Romano do Ocidente, e até mesmo presentes atualmente, como por exemplo, nas moedas brasileiras da República Velha, durante a presidência de Artur Bernardes (1924).

Ano / Local: 367-375 d.C. / Antióquia (Antiochia [Antakya]) Anverso: D N VALENTINI ANVS PFAVC

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Reverso: GLORIA ROMANORVM Exergo: ANTOR B Denominação: 4 1/2 Solidus

Neste caso também, trata-se de uma moeda de ouro com a representação do imperador Valentiniano I com um cetro em sua mão esquerda e sendo coroado pela deusa Niké ou Vitória. Nesta moeda está representado o símbolo de Constantino que seria as iniciais da palavra Cristo, em grego. Logo a seguir temos uma moeda de ouro (solidus constantinianus6) que circulou até o século X, na Península Ibérica. Há a inscrição RESTITVTOR REIPUBLICAE ou algo como restituidor da república que ao nosso ver, seria uma alusão à República Romana de Otávio. Esta inscrição poderia ser uma tentativa de mostrar que a administração valentiniana estava em busca de elementos dos bons tempos da República.

Ano / Local: 370 d.C. / Antióquia (Antiochia [Antakya]) Anverso: DN VALENTINI ANVS PF AVC Reverso: RESTITVTOR REIPUBLICAE 6

THE ROMAN IMPERIAL COINAGE. Edited by Harold Mattingly, C.H.V. Sutherland, R.A.G. Carson. V. VIII. London : Spink and Sons Ltda, 1983, p. 175.

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Exergo: ANTI Denominação: Solidus

No anverso podemos observar o busto do Imperador encouraçado e diademado. Há ainda a inscrição DN, dominus (senhor), esta por sua vez começou a surgir nas legendas monetárias durante o governo de Constantino I. O imperador deixava de ser princeps, primeiro cidadão, torna-se dominus. (CARLAN; RABÊLO, 2011, p. 27) No reverso verificamos a Vitória coroando o Imperador. Este possui em sua mão um estandarte, o vexillum que representa a força e autoridade suprema. O estandarte possui ainda o sinal de Constantino - PX sobrepostos -, iniciais da palavra Cristo em grego (Crismon ou Quirô). Novamente, há a representação da deusa Vitória coroando o Imperador com um ornamento de louros. Além do símbolo de Constantino com as iniciais da palavra Cristo, observamos também a representação de uma cruz que ao nosso ver seria a cruz cristã. Entendemos que isso pode representar que o Império estava se tornando cristão e que o Imperador também adotara a nova religião. Por outro lado, com a presença da deusa Vitória percebemos que não houve desprendimento total da religião pagã e seus símbolos, denotando assim uma lenta passagem e adoção do cristianismo e um hibridismo de cultural. Percebemos ainda que os símbolos do cristianismo e do paganismo conviviam, podendo mostrar também que o Imperador era tolerante quanto às variadas crenças. A seguir, temos uma moeda votiva.

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Ano / Local: 367-375 d.C. / Constantinopla (Istambul) Anverso: DN VALENTINI ANVSPFAVC Reverso: VICTORIA AVGVSTORVM Exergo: CONS Denominação: Solidus

No reverso há a deusa Vitória e no campo as inscrições dentro de um círculo: VOT V MVB X. Próximo ao círculo observamos também a letra B. A imagem da deusa Vitória nesta moeda é algo significativo já que as moedas votivas eram cunhadas quando um governo completava cinco anos fazendo uma justificativa para mais X. Isto sugere à sociedade a vitória, a boa administração de Valentiniano, lembrando que os imperadores que o antecederam - Juliano e Joviano - ficaram pouco tempo à frente da administração imperial. Ao longo da descrição e apresentação das moedas podemos verificar várias representações de Valentiniano I e de símbolos ligados a religião cristã e a não cristã, ou seja, pagã. Representações do sinal de Constantino que representa o cristianismo já inserido no Império Romano e possivelmente uma alusão a administração constantiniana que obteve sucesso e é uma das mais lembrada quando se trata do período imperial. Devemos salientar que Constantino deu continuação a uma administração e uma série de medidas importantes tomadas pela administração de Diocleciano que instituiu a tetrarquia e a sucessão familiar. Estes símbolos religiosos tais como a representação da deusa Vitória legitimava o poder do novo imperador, ou como vimos em representação de Valentiniano e seu irmão, dos imperadores do Ocidentes e do Oriente romano. Percebemos então que a religião e a política estava intimamente ligadas no Império Romano. Amiano Marcelino inclusive relata um episódio que ocorreu após morte de Joviano e antes da escolha do novo imperador em que a estátua do César Maximiano que estava colocada na entrada do Palácio Real perdeu de repente uma esfera de bronze que portava e que representava o globo. O globo é uma evocação do poder de reis, imperadores, de pontífices e de deuses, levado numa das mãos representa o domínio ou o território sobre o qual se estende a autoridade do soberano. (CHEVALIER, p. 472) Neste sentido, o fato narrado tem um significado para Amiano e seus companheiros, é o símbolo que acompanha a autoridade do imperador, seu poder, o poder do

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Império Romano. Assim, o fato de a esfera ter se perdido, as “confusões” ocorridas (morte de Juliano, a escolha de Joviano e a entrega de territórios a Sapor) provocava uma grande tensão, que sugeria a “fúria” de uma divindade. Assim vemos que há um contexto hibrído no que se refere a religiosidade e esta está intimamente ligada a política, a representação do poder. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Catálogos e Dicionários CHEVALIER, Jean. GHEERBRANT, Alain. Dicionário de Símbolos. 8a. ed. Tradução: Vera Costa e Silva, Raul de Sá Barbosa, Ângela Melim, Lúcia Melim. Rio de Janeiro: Editora José Olympio, 1994. Fontes Numismáticas Museu de Berlim - The Münzkabinett of the Staatliche Museen zu Berlin Coleção Numismática do Museu de Berlim Disponível em: < http://www.smb.museum/ikmk/index.php?lang=en> Último acesso em: 27 de janeiro de 2013. Fontes Impressas AMMIANO MARCELLINO. Historia (Rerum Gestarum Libri). Edición de Maria Luisa Harto Trujillo. Madrid:Akal, 2002. Textos da Internet CARLAN, Cláudio Umpierre; RABÊLO, Lalaine. Cultura e poder em Roma: o modelo da Antiguidade Tardia. Revista Eletrônica Antiguidade Clássica, v.7, n.1, ano IV, 2011. Disponível em: Último acesso em: 11 de dezembro de 2011. GONÇALVES, Bruna Campos. A Construção de Identidade entre bárbaros e romanos: a Sucessão Imperial vista por Amiano Marcelino. Disponível em: Último acesso em: 16 de novembro de 2011. RABÊLO, Lalaine. Período valentiniano: os aspectos da sociedade romana na antiguidade tardia através das fontes numismáticas. Disponível em: Último acesso em: 07 de fevereiro de 2013 Referências

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BURKE, Peter. Cultura popular na idade moderna: Europa 1500 – 1800. Denise Bottmann. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.

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Tradução de

CARLAN, Cláudio Umpierre. CARVALHO, Margarida Maria de. FUNARI, Pedro Paulo. História Militar do Mundo Antigo. Volume 1. São Paulo: Annablume, 2011. CARLAN, Cláudio Umpierre. FUNARI, Pedro Paulo. Moedas: a numismática e o estudo da História. São Paulo: Annablume, 2012 CARVALHO, Margarida Maria de. Paidéia e Retórica no século IV d.C.: A construção da imagem do imperador Juliano segundo Gregório de Nazianzeno. (Doutorado em História Econômica). São Paulo: USP. 2002 GONÇALVES, Bruna Campos. Temístio e Amiano Marcelino. Constructors identitários entre os conceitos de realeza de Temístio e Amiano Marcelino (século IV d.C.). (Doutorado em História). Franca: Unesp, 2011.

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