PERÍODO VALENTINIANO: OS ASPECTOS DA SOCIEDADE ROMANA NA ANTIGUIDADE TARDIA ATRAVÉS DAS FONTES NUMISMÁTICAS. Anais do XXI Encontro Estadual de História –ANPUH-SP -Campinas, setembro, 2012.

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PERÍODO VALENTINIANO: OS ASPECTOS DA SOCIEDADE ROMANA NA ANTIGUIDADE TARDIA ATRAVÉS DAS FONTES NUMISMÁTICAS. Lalaine Rabêlo1 INTRODUÇÃO Ao longo da história, os séculos III, IV e V foram descritos como período de decadência e ruína do Império Romano. Porém quando analisamos profundamente, este período denominado por vários historiadores como Antiguidade Tardia, notamos que esta visão de ruína é um tanto equivocada, pois apesar dos períodos de crise, há também renovação política e cultural. Neste sentido, nosso trabalho tem por objetivo analisar o período em que Valentiniano I administrou o Império Romano do Ocidente (364 – 375 d.C.), por meio de fontes escritas e materiais. Através das fontes numismáticas2 podemos observar os vários aspectos da sociedade romana do período, tais como; cultura, religiosidade e política. Principalmente no que se refere à cultura, entendemos que esta tem conceitos múltiplos. Neste caso, acreditamos que a cultura abrange todas as realizações materiais e os aspectos espirituais de um povo. Ou seja, cultura é tudo aquilo produzido pela humanidade, seja no plano concreto ou no plano imaterial, desde artefatos e objetos até ideias e crenças (SILVA, Kalina Vanderlei, SILVA, Maciel Henrique, 2005, p.85). Neste sentido, compreendemos que os aspectos culturais abrangem a religiosidade romana que sofre uma transição do paganismo para o cristianismo, e conseqüentemente o fortalecimento do último ao longo dos anos. Mesmo com a tentativa do imperador Juliano (361 – 363 d.C.) de trazer o paganismo ao papel central, após sua morte e com a ascensão de imperadores cristãos como Joviano (363 – 364 d.C.), Valentiniano I (364 – 375 d.C.), Valente (364 – 378 d.C.), dentre outros, o cristianismo se fortalece e se torna religião oficial do império com Teodósio, o grande. Neste caso, nos interessamos pelo período em que Valentiniano I esteve à frente do poder pois trata-se de uma figura pouco estudada e que teve papel importante no período.

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Graduanda em História pela Universidade Federal de Alfenas e bolsista de iniciação científica pela FAPEMIG. Contato: [email protected] 2 Estudo das moedas e das medalhas.

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Portanto, entendemos a antiguidade tardia como um período de renovação, de transição em vários aspectos, principalmente política e cultural. O PERÍODO VALENTINIANO Após a morte do Imperador Juliano e com as batalhas contra Sapor e os persas, era preciso escolher um novo imperador com uma certa rapidez. Os generais do exército convocaram os líderes das diferentes legiões e as tropas da cavalaria e debateram sobre a escolha de um novo governante. Segundo Amiano Marcelino, historiador e militar da época – optaram por Salútio, no entanto este recusou e deu como justificativa suas enfermidades e velhice. Depois de toda a agitação, escolheram Joviano, líder da guarda pessoal como o novo imperador. Este por sua vez, segundo Amiano Marcelino, era defensor da religião cristã, e em ocasiões inclusive a honrava. Porém ficou pouco tempo à frente da administração do Império, menos de um ano quando veio a falecer. Após este fato, enquanto Valentiniano, tribuno da segunda escola de escudeiros estava ausente, foi eleito imperador em Nicéia, contando com a unanimidade das autoridades civis e militares. Quando Valentiniano chegou a Nicéia, conhecendo a missão que deveria cumprir, segundo Amiano Marcelino, por alguns presságios e sonhos repetitivos, não quis aparecer no dia seguinte ou ser visto em público, pois tentava evitar o bissexto3 de fevereiro que como se sabia, em ocasiões havia sido infeliz para a causa romana. Após isso, Valentiniano é nomeado Augusto e recebe a púrpura e o diadema. Porém os soldados e as cortes insistiam que se elegesse um segundo imperador. Segundo Amiano Marcelino, essa insistência se dava pela sorte dos últimos imperadores, que em um período que compreende de 361 a 364, haviam morrido Constâncio, Juliano e Joviano. Assim, atendendo ao pedido por um segundo imperador, Valentiniano dividiu a administração do Império com seu irmão Valente, tendo ficado à frente do Império Romano do Ocidente e seu irmão na parte oriental. Desenvolveu eficaz atividade bélica contra os alamanos aos quais expulsou da Gália. Considerado por alguns como um dos últimos imperadores de importância do Ocidente romano, sua prioridade era a defesa das fronteiras já que o Império passava por constantes invasões bárbaras. No entanto, devemos destacar que o exército romano

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Ainda era utilizado o calendário é o Juliano, não gregoriano como atualmente.

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possuía contingentes não romanos, ou seja, bárbaros, desfazendo assim a concepção negativa que alguns escritores tiveram ao longo da história destes povos, ou seja, uma generalização de que eram violentos, invasores e os responsáveis pela decadência do Império. Valentiniano era católico, porém tolerava os pagãos e a maioria dos heréticos e só intervinha na política da Igreja quando necessário, para manter a ordem pública. Autores como Gibbon e Amiano Marcelino assinalam o caráter enérgico do Imperador, no entanto destacam a boa administração do mesmo e seu esforço em manter o Império em relativa estabilidade. Em 375 d.C., Valentiniano deixou a Gália para comandar represálias contra invasores na Panônia, sua terra natal. Em 17 de novembro sofreu um ataque apoplético e veio a falecer. Nesse período o Império estava de certa forma estabilizado, Diocleciano (244 - 311), iniciou um dos programas de reformas mais importantes da História Romana. O Estado foi transformado em uma monarquia absoluta, em que o imperador possuía a autoridade máxima. Diocleciano teve como modelo, as monarquias orientais, nas quais tudo o que cercava o rei era considerado sagrado. Diocleciano instala diarquia (governo de dois) ao lado de Maximiano (285/286-305), amigo pessoal e colega de armas. O sistema de diarquia é ampliado para tetrarquia. Os tetrarcas tentavam demonstrar à população que os tempos do Principado4, ou seja, do apogeu do Império, estavam de volta. Não apenas uma nova ordem, mas o retorno à antiga. Durante todo o seu reinado, Constantino dedicou-se a reformar profundamente o Império e estabeleceu a sucessão pela família seguindo. No século IV, identificamos três dinastias no império romano: a constantiniana, valentiniana e teodosiana. O SECULO IV: UMA ANÁLISE ATRAVÉS DAS FONTES NUMISMÁTICAS Por meio das fontes numismáticas, podemos observar alguns aspectos do período, além da política, representada pela figura do Imperador há também a religiosidade. Ou seja, política e religião estavam intimamente ligadas.

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O Principado tem início com o governo de Otávio Augusto em 27 a. C., considerado como o apogeu do Império Romano.

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Através da imagem a baixo, observamos uma mescla de elementos cristãos e pagãos, como a deusa Niké (Vitória) da tradição pagã grega, coroando Valentiniano I. O Imperador segura com a mão direita o estandarte, o vexillum que representa a força e a autoridade suprema, que possuí ainda o sinal de Constantino PX, iniciais da palavra Cristo em grego (Crismon ou Quirô). Observamos ainda do seu lado a cruz cristã.

Fonte: Museu de Berlin

Do seu lado direito a cruz cristã, do lado esquerdo a deusa Vitória. Através destas observações, percebemos que mesmo o cristianismo conquistando vários adeptos no Império, inclusive vários imperadores ao longo dos anos, não há extinção dos elementos pagãos, havendo assim um sincretismo religioso. Estes elementos sobrevivem em conjunto, a antiga cultura pagã ainda sobrevive por meio de símbolos e costumes adquiridos ao longo dos séculos. Ou seja, não há uma total negação da antiga religião, o que há é uma assimilação. Através do estudo das fontes escritas e materiais, percebemos vários aspectos da sociedade romana que estava em transformação, neste caso a religiosidade. Outro ponto importante que devemos abordar é a inclusão de povos bárbaros5 no exército romano. Alguns indivíduos atingiam altos cargos no exército, chegando a participar da proclamação de Imperadores como é o caso de Victor, Arinteo, Nevitta e Dagalaifo. Amiano Marcelino diz em um de seus livros que após a morte de Juliano, se reuniram os generais e convocaram os líderes das diferentes legiões e das tropas da cavalaria que debateram a cerca da eleição do novo imperador. Porém, estavam divididos e suas opiniões eram opostas, pois Arinteo (germano), Victor e os demais que pertenciam à corte de Constâncio tentavam eleger alguém de seu bando. Contrariamente Nevita, Dagalaifo (ambos germanos) e os nobres galos buscavam algum candidato 5

Utilizamos este termo não com sentido pejorativo.

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similar em seu próprio grupo. No entanto, é preciso ressaltar que não chegaram a alcançar cargos na administração imperial. Devemos observar que elementos bárbaros e romanos conviviam, e consequentemente há uma troca. Peter Burke ressalta que cultura é uma palavra imprecisa, com muitas definições concorrentes, porém diz que sua definição é a de um “sistema de significados, atitudes e valores partilhados e as formas simbólicas (apresentações, objetos, artesanais) em que eles são impressos ou encarnados”. (BURKE, Peter Burke, 2010, p.11). Deste modo, entendemos que se há interação entre romanos e bárbaros, consequentemente há uma contribuição para a cultura romana, pois há atitudes e valores compartilhados entre os diferentes povos. Assim, percebemos um conjunto de elementos que contribuíram para uma nova forma do Império, uma transição da antiguidade para o período medieval muitas vezes nomeado pejorativamente como a idade das trevas. Entendemos que em todos os períodos há uma contribuição em vários sentidos. Uma das contribuições do período medieval, foi o surgimento das universidades, dentre outras. Devemos lembrar também que mesmo com a queda do Império Romano do Ocidente, há uma continuidade do Império Romano do Oriente, preservando assim a cultura romana, portanto não há uma extinção da mesma. CONCLUSÃO A antiguidade tardia foi um período de transformações. Na política com estruturação após a Anarquia Militar, promovida por Diocleciano e Constantino, este último que instituindo a sucessão familiar para garantir estabilidade política. Culturalmente, no campo da religiosidade, há o aumento de adeptos do cristianismo, porém não deixando de lado os elementos pagãos, denotando assim, um sincretismo religioso. Ainda neste sentido, a agregação de povos bárbaros na sociedade romana participando do exército, da política e contribuindo também nos aspectos culturais que a nosso ver, é conseqüência da convivência entre estes povos. Em nosso trabalho, percebemos a importância das moedas como fonte para o estudo deste período. As imagens podem nos trazer várias informações relevantes, e só tem a contribuir para nossa pesquisa. As imagens podem nos trazer aspectos interessantes da cultura, não somente a romana, mas também a nossa que absorveu vários costumes romanos. Elas também expressam sentimentos, uma ideologia, legitima Anais do XXI Encontro Estadual de História –ANPUH-SP - Campinas, setembro, 2012.

o poder de um determinado governante. E está aí a importância de estudá-las também, seja para contribuir para o entendimentos das sociedades antigas, seja para entender a nossa cultura, a nossa sociedade.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Fontes Impressas AMMIANO MARCELLINO. Historia (Rerum Gestarum Libri). Edición de Maria Luisa Harto Trujillo. Madrid:Akal, 2002.

Fontes Numismáticas Coleção Numismática do Museu de Berlim Disponível em: < http://www.smb.museum/ikmk/index.php?lang=en> Último acesso em: 27 de janeiro de 2012.

Textos de Internet CARLAN, Cláudio Umpierre; RABÊLO, Lalaine. Cultura e poder em Roma: o modelo da Antiguidade Tardia. Revista Eletrônica Antiguidade Clássica, v.7, n.1, ano IV, 2011. Disponível em: Último acesso em: 11 de dezembro de 2011. GREIN, Everton. Translatio ad mundus: a transformação do mundo romano e a antiguidade tardia. Elementos teóricos para uma perspectiva historiográfica. In: História da Historiografia. Ouro Preto / Edufop, 2009, número 3, setembro 2009, 263pp. Disponível em:

Acesso em: 16 de novembro de 2011. GONÇALVES, Bruna Campos. A Construção de Identidade entre bárbaros e romanos:

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a Sucessão Imperial vista por Amiano Marcelino. Disponível em:

Acesso em: 16 de novembro de 2011.

Catálogos e Dicionários CHEVALIER, Jean. GHEERBRANT, Alain. Dicionário de Símbolos. 8a. ed. Tradução: Vera Costa e Silva, Raul de Sá Barbosa, Ângela Melim, Lúcia Melim. Rio de Janeiro: Editora José Olympio, 1994. SILVA, Kalina Vanderlei, SILVA, Maciel Henrique. Dicionário de conceitos históricos. 2ª edição. São Paulo : Contexto, 2009.

Referências BROWN, Peter. O Fim do Mundo Clássico. De Marco Aurélio a Maomé. Tradução de Antônio Gonçalves Mattoso. Lisboa: Editorial Verbo, 1972. BURKE, Peter. Cultura popular na idade moderna: Europa 1500 – 1800. Tradução

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Denise Bottmann. São Paulo: Companhia das Letras, 2010. CARLAN, Claudio Umpierre. Moeda, simbologia e propaganda sob Constâncio II. Dissertação de mestrado em História Cultural. IFCH/UFF, 2000. CARLAN, Claudio Umpierre. Moeda e Poder em Roma: um mundo em transformação. Campinas, 2007. Tese de Doutorado em História Cultural. IFCH, UNICAMP. CARLAN, Cláudio Umpierre. CARVALHO, Margarida Maria de. FUNARI, Pedro Paulo. História Militar do Mundo Antigo. Volume 1. São Paulo: Annablume, 2011. CARVALHO, Margarida Maria de. Paidéia e Retórica no século IV d.C.: A construção da imagem do imperador Juliano segundo Gregório de Nazianzeno. (Doutorado em História Econômica). São Paulo: USP. 2002.

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FIGUEIREDO, Daniel de. Conflitos Político - Religioso no século IV d.C. Uma análise do discurso do Imperador Juliano contra os Galileus. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em História) - Faculdade de História, Direito e Serviço Social, Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho", Franca, 2008. GIBBON, Edward. Declínio e queda do Império Romano / Edward Gibbon; organização e introdução Dero A. Saunders ; prefácio Charles Alexander Robinson, Jr. ; tradução e notas suplementares José Paulo Paes. -Ed. Abreviada - São Paulo: Companhia das Letras, 2005. GONÇALVES, Bruna Campos. Temístio e Amiano Marcelino. Constructors identitários entre suas concepções sobre a realeza em um império romano barbarizado (século IV d.C.). Projeto de Qualificação de Mestrado. Franca: Unesp, 2010.

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