Perpetuação do Imaginário Clássico no Cinema Épico dos anos 50 e 60

Share Embed


Descrição do Produto

FACULDADE DE LETRAS DA UNIVERSIDADE DE LISBOA

Perpetuação do Imaginário Clássico no Cinema Épico dos anos 50 e 60 - Ulisses, Jasão e Héracles representados em fontes literárias, iconográficas e cinematográficas -

Curso de História Seminário História Antiga (Grécia) Docente: Profº Nuno Simões Rodrigues

Realizado por: Filipe Miguel Nunes nº 46378

Lisboa, 15 De Junho De 2016 Ano Lectivo 2015/2016

Nota Introdutória O presente trabalho debruçar-se-á numa personagem-tipo da mitologia clássica: o herói. Iremos analisar várias fontes literárias, iconográficas e cinematográficas, antigas e contemporâneas, portanto. Estas referir-se-ão a três heróis: Ulisses, Hércules e Jasão. Em variadas ocasiões ao longo do curso de História, em unidades curriculares como Arte Clássica, Arte Medieval, ou mesmo, História do Cinema, surgiu a questão: qual o verdadeiro sentido da arte? Um problema que não tem certamente uma única resposta. Seja como for, sentimos uma certa inclinação para a ideia que a Arte é uma extensão da cultura em que é produzida. Um homem, no sentido estritamente lógico do pensamento, não pode produzir seja o que for, desenquadrando-se da sua própria identidade, educação, língua, saberes, enfim, do seu próprio ser, quefará parte de uma comunidade. A ligação que se estabelece entre o homem e o colectivo, num determinado tempo, tem um impacto recíproco para ambos, deixando uma marca para a posterioridade, podendo já ter sido influenciada por marcas antecessoras. Ora, é precisamente isto que pode ser uma perfeita definição do que é a arte que aqui pretenderemos estudar, arte como parte dacomunidade humana. Com esta ideia presente, o objectivo deste trabalho será estudar algo que é intemporal – as ideias que o homem concebe para si mesmo ao longo dos tempos. Assim, para além de percebermos o objectivo e definir-mos o que eram os filmes pepla dos anos 50 e 60 em específico, tentaremos também analisar ideias que se podem formular sob a forma de mitos, simbologias, e obras de um artista, num leque de variadas “extensões” do que a nossa mente pode criar tanto a nível físico como psicológico para melhor compreender, construindo sobre o que foi em tempos real. Começaremos por fazer uma breve exposição sobre o que é este género cinematográfico, como surgiu, o que significou e porque se interessou por estes temas. Para além do Cinema, teremos como referência a Idade Clássica. Para cada um dos heróis analisaremos as fontes literárias e iconográficas produzidas dentro da cultura grega e, posteriormente e apenas por extensão, da romana (que não é objecto de estudo central neste trabalho). A estas análises seguir-se-á o estudo mitográfico sobretrês longas-metragens.Aqui ter-se-á como meta dar a perceber o porquê destes temas terem sobrevivido ao longo dos séculos. 2

Índice

I PARTE - Definição de um Género..................................................................... 5 Cinema: uma arte útil................................................................................ 5 A Supremacia de Roma sobre o mundo grego.......................................... 8 Breve História..........................................................................................11 Tópicos e características gerais................................................................15 II PARTE – Odysseus em fontes literárias, iconográficas e cinematográficas....18 a) Ulisses na Mitologia Clássica........................................................... 18 Origem de Odysseus.....................................................................18 Idade Adulta................................................................................19 A Guerra de Tróia........................................................................20 A Viagem de Regresso.................................................................22 Chegada a Ítaca............................................................................23 Acrescentos Posteriores ao Mito de Ulisses.................................25 Síntese do Herói...........................................................................27 Descendência de Ulisses..............................................................27 b) Ulisses na Iconografia Clássica..........................................................29 Arquétipo do Herói.......................................................................29 A Guerra de Tróia........................................................................29 A Viagem de Regresso.................................................................31 Chegada a Ítaca............................................................................34 c) Ulisses na Mitologia Cinematográfica...............................................36 O Centro da Narrativa: Tróia.......................................................36 “A Ilíada e o Cinema ”.................................................................38 Ulysses de Mario Camerini (1954)..............................................40 III PARTE – Herakles em fontes literárias, iconográficas e cinematográficas...43 a) Héracles na Mitologia Clássica..........................................................43 Primeiro Ciclo - Origem...............................................................43 Segundo Ciclo Temático: Os Doze Trabalhos.............................47 Terceiro Ciclo – As Expedições de Héracles...............................57 3

Quarto Ciclo – As Aventuras Secundárias...................................61 Quinto Ciclo – Fim e Perpetuação...............................................65 Síntese do Herói...........................................................................68 Descendência de Herakles............................................................70 b) Héracles na Iconografia Clássica.......................................................71 Arquétipo do Herói.......................................................................71 Origem..........................................................................................71 Os Doze Trabalhos.......................................................................74 Outras Representações Figurativas e Narrativas..........................79 Fim e Perpetuação........................................................................81 c) Héracles na Mitologia Cinematográfica............................................82 Hércules, “o grande assimilador de mitos”..................................83 O Hércules Cinematográfico de Hercules (1957)........................83 IV PARTE – Iason em fontes literárias, iconográficas e cinematográficas........86 a) Jasão na Mitologia Clássica...............................................................86 Jasão, o propenciador da viagem..................................................86 Os Argonautas..............................................................................87 A Viagem.....................................................................................87 O Regresso e o que Aconteceu a Seguir......................................93 b) Jasão na Iconografia Clássica............................................................95 Representações mais antigas preservadas....................................95 Antes da Viagem..........................................................................95 Durante a Viagem.........................................................................96 Apoteose de Medeia.....................................................................98 c) Jasão na Mitologia Cinematográfica................................................99

CONCLUSÃO...................................................................................................102

BIBLIOGRAFIA...............................................................................................103

4

I PARTE - Definição de um Género “O que é mitológico, no fundo, é também universal.” Erling B. Holtsmark1

Cinema: uma arte útil A mitologia grega teve o seu papel na História do cinema. Tirando todos os filmes que se servem de mitos ou simbolicamente os referem já se produziram cerca de 80 filmes somente dedicados a mitologia grega ou romana. As histórias surreais, os heróis poderosos, a profundidade primordial e o sentimento prevalecente do fantástico são quatro elementos que fizeram destas lendas vivas da Grécia Antiga suficientemente populares para viverem mais de dois milénios depois dos seus criadores terem já há muito falecido. O mito grego é muitas vezes uma fonte fascinante e profunda. A maioria dos filmes com fundamento mitológico foram produzidos ou entre 1897 e 1918 ou entre 1953 e 1981. Assim se percebe que a cultura e mitologia da Grécia e Roma Antigas têm sido uma marca do cinema desde os seus primórdios. Estes filmes demonstram o fascínio que existe pelo mundo antigo ainda presente na imaginação popular. O recontar de histórias clássicas, para além de remeter para uma tentativa de manter viva a nossa história e tradição cultural, é muitas vezes usado para reflectir sobre os diferentes tempos em que foram elaboradas. O estudo da cultura popular é relevante devido ao facto de se preencher o espaço entre o pensamento antigo e presente, de modo a melhor percebermos ambos os espaços temporais. Isto não significa transformar um no outro, mas sim, estudá-los separadamente de modo a que exista um conhecimento recíproco entre eles. Winkler2 sugere que o cinema tem um papel muito importante a desempenhar no ensino destes tempos e espaços, pois mantém estes estudos interessantes, frequentados

1

WINKLER, Martin M.; Classical myth & culture in the cinema; Oxford University Press; Nova Iorque; 2001; citação pode ser encontrada na p. 49. 2 WINKLER, Op. Cit.

5

e,portanto, vivos, num momento em que a área das Humanidades é pouco “prática” para o tempo tecnologicamente avançado em que vivemos3. Esta última ideia não tem sido tão proveitosa como Ullman previu, contudo, e tal como refere Umberto Eco, a nossa é uma cultura cada vez mais visual: “uma civilização agora acostumada a pensar em imagens […] é a obra visual (cinema, banda-desenhada, fotografia) que faz parte da nossa memória”4. Winkler refere ainda que a crítica sobre estereótipos e anacronismos não deve prevalecer, pois o cinema é uma das poucas artes que consegue de forma correcta representar ambientes. Tal como Anthony Mann disse: “se […] tudo [nesse tipo de filmes] fosse histórico, então não existia liberdade [dramática] [...] imprecisões de um ponto de vista histórico [ ...] não são importantes. O mais importante é que se fique com o sentimento do que foi essa História”5. É aliás isso que faz do cinema uma das artes mais amadas. Ela permanece connosco, muito depois de termos visto o filme. Também o historiador tem de preencher buracos, fazer ligações, usar a imaginação para poder chegar a uma conclusão. No desenvolvimento deste tipo de historiografia artistas, tal como estudiosos,apesar de usarem uma linguagem muito diferente, partilham o objectivo de oferecer esse sentimento histórico. A presença da Antiguidade em filmes não se esgota aqui. Muitos dos filmes que podem parecer não ter nada que ver com a antiguidade grega ou romana têm presentes estruturas narrativas ou temas arquétipos familiares à Antiguidade. Esta é mais uma das provas da permanência da cultura do mundo antigo, a sua presença nestas obras dos mais variados géneros e estilos. Como a primeira arte visual, o cinema não só pode ser incluída no ensino de História, como o deve ser. Visualizações de um filme sobre um determinado tema, ou período, não são uma forma de afastar o estudante da veracidade dos factos, mas antes um meio de o integrar neste facto, ao mesmo tempo que se faz uma ponte com o mundo actual (o que se relaciona com as condicionantes culturais a que um cineasta tem de obedecer). A Alegoria da Cavernade Platão serve muitas vezes de analogia ao cinema 6, onde uma luz projecta imagens (e nesta história também sons: o eco) que dão a entender 3

Já em 1915, B. L. Ullman, classicista e editor da revistaClassical Weekly defendia a ideia de que os estudos clássicos e o cinema podiam ser uma mais-valia um para o outro. Ver ULLMAN, B. L.; The Classical Weekly, 8 nº 26 (8 de Maio de 1915), pp. 201-202. 4 ECO, Umberto; Travels in Hyperreality: Essays; Harcourt Brace; San Diego; 1986. 5 MANN, Anthony; “Empire Demolition” in Hollywood Directors 1941-1976; Oxford University Press; Nova Iorque; 1977; pp. 332-338, cotação na p. 336. 6 Ver MACDONALD, Francis; The Republic of Plato; Oxford University Press; Oxford; 1941; p. 228.

6

ao seu público que são reais. Luigi Pirandello chegou mesmo a fazer uma referência ao papel das pessoas que levam coisas na cabeça, comparando-os com os actores7. Ambos passam de figuras reais a um “vazio”, que é a imagem que a luz transmite, e de novo a um sentido nas mentes das pessoas. Mas este não é o único exemplo do vislumbre do cinema na Antiguidade. Estas imagens que vemos e percepcionamos na nossa mente, de certa forma, sempre fizeram parte de nós, o cinema apenas as explora activando respostas ao que vemos, ouvimos, e por fim, sentimos. Estes três níveis de percepção sempre tiveram presentes em sonhos, ideia que o poeta romano, Lucrécio8 refere. Isto é algo que teóricos de cinema franceses, como André Bazin, chamaram de pré-cinéma9. Hoje não nos espanta, ao estarmos rodeados de imagens constantemente, que se diga que mesmo acordados projectamos na nossa mente sequências “cinematográficas”, por exemplo, ao imaginarmos o caminho de casa para o trabalho. Lucrécio chega mesmo a antecipar a técnica usada no cinema conhecida como edição, essencial para estabelecer o ritmo que nos pode aproximar ou afastar do filme. Ele afirma que uma sequência de imagens pode mostrar figuras que apesar de serem as mesmas são diferentes, apenas devido à rapidez em que as vemos. A tudo isto ainda se deve acrescentar o facto de muitos artistas defenderem que o cinema combina várias artes em si. Uma combinação das artes narrativas épicas e dramáticas, como pintura e fotografia, escultura e arquitectura, música e dança. Estes argumentos sobre as origens e presenças intemporais do cinema mostram que esta é uma das artes mais antigas, pois sempre esteve presente na mente do Homem tanto no seu intelecto como no desenvolver de outras artes através deste seu intelecto. No cinema muita da informação que recebemos é visual, pelo que existe muito espaço para a interpretação do público sobre um determinado movimento, plano, ou acção. Qualquer historiador reconhecerá este nível de interpretação num texto historiográfico, onde o uso de uma simples palavra pode indicar o sentido de um texto.

7

Cf. BENJAMIN, Walter que cita Pirandello em “The Work of Art in the Age of Mechanical Reproduction”in Illuminations; Schocken Books; Nova Iorque, 1969; pp. 217-251, cotação na p. 229. 8 LUCRÉCIO, Tito; Sobre a natureza das cousas: os seis livros (De rerum natura); Imprensa da Universidade de Coimbra; Coimbra; 1890; 4.768-776-788-793-818-822. 9 BAZIN, André; “The Myth of Total Cinema” in What is Cinema?; University of California Press; Berkeley; 1967; pp. 17-22, cotações nas pp. 17 e 22.

7

A Supremacia de Roma sobre o mundo grego Tucídides refere a certa altura10, que os “visitantes do futuro” iriam dar mais relevância a Atenas que a Esparta, apesar da sua influência na região grega ser similar, devido às infra-estruturas que uma tinha e a outra não. Tal situação verifica-se ainda na actualidade, onde ao visitarmos a Acrópole, por exemplo, projectamos a nossa própria nostalgia na História do que foi a “glória grega”. Do mesmo modo que Esparta e Atenas, também a Grécia e Roma, no cinema e muitas outras áreas, partilham desta distopia, onde a Grécia vive muitas vezes na sombra de Roma. Nisbet11 afirma que Roma é mais interessante, em termos visuais, o que pode ser verdader, contudo, será mais interessante perceber que o simples facto de não se fazer cinema sobre a Grécia significa algo, parte do intuito deste capítuloserá perceber o que esse algo é. Muitos dos problemas relacionados com erros históricos de representação visualreferem-se a uma predisposição e predomínio de um estilo romano criado para o cinema. Tal elemento é tão preponderante, que mesmo que se quisesse criar um mundo grego, não existe nenhum modelo para o seguir, nada com que o público se pudesse identificar. Ao contrário dos filmes sobre Roma, o cinema sobre a Grécia Clássica não tem um visual distintivo. Se não se for buscar a influência ao estilo romano do cinema, não se consegue criar uma mise-en-scéne que capte a atenção do espectador. Estes filmes também têm problemas de enredo e motivação resultantes das escolhas feitas pelas equipas de produção. Muitos dos heróis tratados não ficavam bem em ecrã. O herói Atlas12, por exemplo, é conhecido por ficar quieto a segurar a Terra, o mesmo problema se pode encontrar no Colosso de Rodes13. Os argumentistas acabaram por recorrer ao personagem-tipo, musculado e justo: o Hércules cinematográfico que será analisado mais à frente. A Grécia também não tem uma imagem urbana que se identifique de imediato. Atenas nunca conseguiu deixar uma marca como vrbs que Romaou a Babilónia deixaram. O problema aqui não se encontra com o aspecto distintivo da Atenas real

10

TUCÍDIDES; History of the peloponnesian war.Books I and II; Harvard University Press; Cambridge; 1999. NISBET,Gideon;Ancient Greece in Film and Popular Culture; Phoenix Press; Bristol; 2008. 12 Atlas; realizado por Roger Corman; escrito por Charles B. Griffith; produzido por Roger Corman e Charles b. Griffith; 1961. 13 The Colossus of Rhodes; realizado por Sergio Leone; escrito por Ennio De Concini, Sergio Leone, e outros; produzido por Michele Scaglione; 1961. 11

8

(onde nenhum destes filmes se passa), mas sim com uma ausência de “ambiente grego” para a imaginação popular contemporânea no cinema. Normalmente as narrativas ditas de História de Roma, giram em torno de sexo e violência e, preferencialmente, com uma ligação ao mundo cristão primordial. A História da Grécia não permite o desenvolvimento destes mesmos temas. Um grego no grande ecrã só é assim percebido se for homossexual, ou tendo marca excessivas de orientalização. Falta ao cinema que se tem feito sobre o mundo grego antigo, a combinação que tão bem resulta para o mundo romano: a mistura entre sexo e cidade, entre acção e cenografia; entre pureza e corrupção (tendo esta última temática sido bstante tratada para filmes imaginados na Grécia Antiga). Os grandes filmes de Hollywood passado em Roma sempre conseguiram trazer ao ecrã, com sucesso, adaptações baseadas em obras vitorianas. Adaptações de teatro e da literatura passam para cinema quase num processo de ascensão artística. Nestas obras costuma-se combinar a boa-fé cristã, com as depravações e maus caracteres dos pagãos romanos. Depois da queda de Roma e a continuaçãodo cristianismo, o público sente-se à vontade para ver um filme deste tipo. É a metáfora perfeita para a supremacia da virtude cristã sobre a depravação romana. O público geral ao ver um plano da Acrópole pensa em filosofia, arte, democracia, e deixa a sua atenção afastar-se, muito por culpa de toda uma construção já formatada sobre o que este mundo foi. Isto é muito interessante para percebermos como a mente ocidental pensava (ou ainda pensa) estes nossos antepassados. Aqui notamos também uma forte reacção ao elitismo intelectual. Assim se percebe, devido a este pensamento anterior à produção dos filmes que quando se tenta fazer um filme baseado neste mundo, quase parece que tudo vale, numa espécie de comparação entre grego eo que não é entendido como fazendo parte da nossa história, da “história dos ocidentais”, do que é estrangeiro, algo que se percebe pelas representações dos mundos geralmente usadas, por exemplo, nos filmes pepla deste período. Estes homens nunca perceberam que a história não tem divisões, sendo sim uma mescla de acções, reacções e interações entre diferentes povos e culturas. A Iconografia e ideia mitíca podem por vezes ser condicionantes do aspecto de uma personagem ou de uma cidade recriados no cinema. Exemplo disso é a contradição entre a Cleópatra helénica histórica e a Cleópatra egípcia ficcional/mítica. A sociedade actual apenas reconhece a segunda. Em todas as adaptações para cinema, Cleópatra VII grega como tinha nascido e como tinha sido criada é omitida a romana. Este tipo de 9

tratamento em relação ao mundo grego não é novo, terá começado com a propaganda octaviana erigida por autores como Horácio e Vergílio, onde o papel da Grécia na História é passado à frente. Muitos dos cineastas que produziram estes filmes não demonstraram um intenção denunciada de recuperar esta lacuna propositada. Este último ponto não é pouco influente, se olharmos apenas para o mundo dos jogos electrónicos, para a literatura, ou mesmo para um curso de estudos clássicos, o interesse está sempre mais presente em Roma que na Grécia. Roma tornou-se num produto que consumimos com muita facilidade, pelo que neste imaginário contemporâneo os romanos são vistos como nossos “primos afastados” e os gregos mais como “um primo de outra família”. Esta questão não nasceu no cinema, teve origemnoutras áreas e foi sendo assimilada. Com ajuda de uma exponencial distorção da sua Históriae através de um reaproveitamento das mesmas os pseudo-intelectuais acabaram por conseguir vender a ideia de que a Grécia Antiga era povoada de homossexuais e violadores de crianças. É muito complicado para um aluno de História perceber que temos de pensar as civilizações que existiram ao longo da História como resultado de um determinado conjunto de características delineadas pelo seu contexto espacial e temporal. Para um espectador isto é ainda mais dificíl de fazer perceber, pelo que o cinema tem sempre de tratar os temas em associação com a percepção que o espectador vai fazer deles. A série Rome da HBO, por exemplo, e apesar de estar bastante fiel ao que seria o mundo romano, tem sempre de percorrer o caminho do que é esta percepção sem a corromper, fazendo-o corre o risco de corromper a conexão do espectador ao mundo criado. Existe espaço para mostar o antigo, dentro do que a nossa cultura pode aceitar como verdadeiro14.Não se pode esquecer o contexto em que estes filmes foram feitos e qual o seu público alvo.

14

Algo que já Platão fala, afirmando que a audiência não quer ideias, mas sim espectáculo. Ver PLATÃO, A república; Europa-América; Mem-Martins; 1987.

10

Breve História do Género “Épico” e do sub-género “Muscleman Epics15” O mundo antigo merece interesse pelo mundo do cinema, pois neste mundo podemos encontrar muito do que o cinema também é: espectáculo. Quadrigas a velocidades tremendas, combates corpo-a-corpo, procissões triunfais, são tudo bons exemplos da presença do espectacular na Antiguidade. A esta ideia acrescente-se o facto de muitas das personagens históricas serem personagens prontas a serem utilizadas como protagonistas, todos as conhecem, mas mais importante que isso, todos as querem conhecer. O cinema tem cristalizado o que o homem imaginou ao longo dos tempos. Estes são mundos com perspectivas muito diferentes das do nosso. Eles são homens como nós, mas que vestem-se, comportam-se e falam de forma estranha. Contudo, são mundos que sabemosfazerem parte da nossa história. As marcas, por eles deixadas, na nossa cultura linguística, comportamental e mesmo mental, são indissipáveis. O legado da antiguidade é uma parte inerente da realidade actual. Tal ideia adensa-se, visto que o cinema não foi inocente a pegar nesta temática e a adaptá-la, o interesse já existia no teatro, literatura e educação do final do século XIX. Da produtora de Thomas Edison, a Georges Méliès, muitos cineastas escolheram esta temática como pano de fundo. Mas foi apenas em 1908 que nasceu o género em si: o cinema épico. Tal sucedeu-se com o filme Gli Ultimi Giorni di Pompei de Luigi Maggi 16 . Os exteriores começaram a predominar, sets gigantescos começam a ser construídos, multidões de extras são contratadas. O filme mais bem-sucedido deste período foi sem dúvida o ainda monumental Cabiria (1914) de Giovanni Pastrone17. Foi também aqui que nasceu o herói que gera sequela atrás de sequela, a referência é a Maciste, uma personagem musculada, incrivelmente forte, e o predecessor à personagem de Hércules e todos os seus grandes sucessos no cinema a partir de 1957. França, Itália, Inglaterra e EUA eram os países que procuravam produzir filmes deste tipo, ao longo do início do cinema, se bem que apenas esporadicamente. Não existiu filme mais grandioso que Intolerance (1916) de D.W. Griffth, muito influenciado por Cabiria, este foi, no entanto, um falhanço comercial, pois pregava paz 15

Expressão utilizada por uma das obras que serviu de base para as informações que aqui podem ser encontradas: SOLOMON, Jon; The ancient world in the cinema; Yale University Press; New Haven; 2001. 16 Gli Ultimi Giorni di Pompei; realizado por Arturo Ambrosio, Luigi Maggi; escrito por Edward George Bulwer-Lytton, Roberto Omegna; produzido por Arturo Ambrosio; 1908. 17 Cabiria; realizado e produzido por Giovanni Pastrone; escrito por Gabriele D'Annunzio e Emilio Salgari (romance); 1914. Para uma lista dos restantes filmes aqui indicados ver cinematografia em “Bibliografia” secção localizada no fim deste trabalho.

11

e tolerância em vésperas de guerra. Nos anos posteriores à I Guerra Mundialtodas estas produções deixaram de ter interesse, os temas já não eram os apropriados para o lucro, para as mentes do pós-guerra. Porém, nos anos 30, com o aparecimento do cinema falado, a temática é retomada. Bons exemplos dessa recuperação podem ser encontrados em produções iniciais de Cecil B. DeMille. Com o aparecimento da II Grande Guerra o interesse voltou a esmorecer. Depois desta guerra alguns filmes tocavam no tema, destaque para alguma obras de Jean Cocteau deste período. Foi, no entanto, já a entrar nos anos 50 que uma nova Idade do Ouro do género parecia emergir. O filme de DeMille Samson and Delilah (1949) e o filme da MGM Quo Vadis? (1951), iniciaram o que iriam ser mais de duas décadas de prevalência do género. Já em meados dos anos 50 dois filmes imortais nascem de uma vontade de produzir estes clássicos com enorme sucesso, e de alguma rivalidade entre a Paramounte a MGM. Referimo-nos a The Ten Commandments (1956) e a Ben-Hur (1959).Foi na sequência destes enormes sucessos que a Columbia produziu um dos filmes em estudo Jason and The Argonauts de 1963. Outras nações juntaram-se a este reemergir do género, o Brasil, a Suécia, e de novo, a Itália.Este país nunca tinha realmente parado de produzir estes filmes, mesmo Mussolini promovia filmespropaganda deste género que tentavam legitimar de algum modo as suas acções no norte de África. Também temos de referir a chamada “melhor adaptação da Odisseia”18, por muitos críticos e historiadores, referimo-nos à mini-série Odisseia (1968) de Franco Rosi. Algumas produções italianas dos anos seguintes foram apreciadas nos EUA, como é o casodo filme em análise Ulysses (1955). Estes filmes usavam equipas italianas, mas actores norte-americanos ou britânicos. A ideia seria usar uma chave que abrisse o mercado rentável que era a indústria de cinema americana. Não demorou muito tempo, contudo, para que Hercules (1957), uma produção italiana e que será também analisado neste trabalho, tivesse um enorme sucesso. Este filme foi um fenómeno algo que se comprova comparando o seu orçamento que rondava os 120 mil dólares e a sua receita de 18 milhões de dólares. Foi este caso peculiar que deu origem a um tipo de entretenimento comercialmente favorável, antes da indústria de cinema italiana se 18

Ver LILLO REDONET, Fernando; El Cine de Tema Griego y su aplicación didáctica; Ed. Clássicas; Madrid; 2001.

12

dedicar a spaghetti westerns. Mulheres, muita acção e aventura, e os imutáveis músculos de Steve Reeves - a receita para o sucesso dos filmes pepla estava escrita e o reaparecimento dos filmes “espada e sandália” confirmado. Cerca de 180 filmes nasceram desta receita19. Todos os períodos têm um género que se torna um dos mais rentáveis. Hoje temos filmes de super-heróis, nos anos 50 e 60 tínhamos o que Solomon chama de Muscleman Epics20. Parte da razão que explica este sucesso é o uso de um herói-tipo como personagem central. Podemos até encontrar alguma catarse aristotélica ao observar um homem que inicialmente é derrotado, mas que depois usa o seu físico ou capacidade mental para vencer o mal, mantendo o caos afastado e dando espaço ao kosmos, à ordem. Este é o fascínio nuclear do herói que tem de concretizar uma missão, nunca deixando de praticar o que era moralmente aceite como sendo o bem. Steve Reeves, o protagonista de um dos filmes em estudo, atingiu o pico do seu sucesso com Hercules. Ele continuou a fazer filmes até ao fim dos anos 60 quando se reformou desta carreira. Reeves serviu de modelo inicial para o que se iria tornar um subgénero de algum sucesso. Pouco interessava quem era a personagem, desde que o modelo se mantivesse, ou seja, o protagonista pudesse encaixar num contexto “antigo”, neste âmbito, quase sinónimo de “exótico”. Tal se verifica na mudança de título dos filmes ao mudar de mercados nacionais. Era escolhido o nome do herói que mais vendesse, podendo este nome passar as barreiras do tempo e espaço histórico. O célebre nome de um herói perto do nome de uma estrela de Hollywood seriam suficientes para vender um género que estava na moda. Muitos actores servem de exemplo, podemos indicar nomes como Orson Welles ou Christopher Lee. É um género que se pode categorizar como puro entretenimento, cujo intuito é entreter, distrair. O cinema baseado nestes mundo antigos começou a decair em meados dos anos 60. O marco apontado, geralmente, é o fracasso de Cleopatra (1963). O género estava gasto, e era agora aproveitado para a produção de filmes sátira como A Funny Thing Happened on The Way to The Forum (1966) de Richard Lester. O cinema Europeu tomou as rédeas do género. A partir deste ponto e ao entrar nos anos 70 o género foi retomado apenas esporadicamente. Estes filmes para serem bem-sucedidos tinham de encontrar o equilíbrio entre autenticidade histórica (que vende o filme visual e narrativamente) e efectividade 19 20

SOLOMON; Op. Cit; p. 15. SOLOMON; Op. Cit.

13

narrativa (que torna o filme filmável, atraente, facilmente identificável), algo que não era nada fácil. DeMille e Griffith conseguiram fazê-lo, apesar de terem métodos diferentes. Outros como Fellini, Pasolini, Mervyn Le Roy, Josef von Sternberg, tinham todos feito pesquisas históricas para a produção minimamente fiel dos seus filmes. Mesmo em filmes como Ulysses ou Hercules - produções com um orçamento mais reduzido - existia alguma preocupação em representar os mundos de forma satisfatória. Áreas científicas como a História e a Arquitecturatinham de ser estudadas, recriadas, e por fim cristalizadas por uma câmara. Não podemos esquecer que estes filmes são obras de arte e espectáculo, não documentos, pelo que a sua fidelidade é inserida nos limites que uma produção artística tem, é inserida na sua linguagem e não numa linguagem historiográfica. Outro dado muito interessante é o poder que tem a iconografia sobre estas adaptações visuais. Tomemos como exemplo a subida de Cristo ao calvário, levando a sua cruz às costas. Os historiadores têm algumas certezas que o condenado levaria apenas o patibulum, a trave horizontal e não toda cruz, visto que a trave vertical era permanente. Mas a icononografia representa toda a cruz, pelo que, o cinema faz o mesmo, fazer algo mais próximo da verdade histórica podia não parecer autêntico, mesmo errado aos olhos dos espectadores. Este é um exemplo muito interessante pois mostra que a veracidade histórica pode não servir no corpo linguístico pelo qual o cinema se tem vindo a expressar. A esta ideia acrescente-se o problema destas adaptações cinematográficas precisarem de mostrar uma totalidade, um mundo(objectos, vestimentas, edifícios, cores, gestos, etc)que a historiografia, ou a arqueologia não conseguem definir pois não têm dados para isso. As referências a este cinema, ou mesmo às fontes em que ele começou por se basear acabam por ser inevitáveis. É um dos pilares que fazem parte da História do Cinema.A influência clássica esteve sempre presente ao longo da História do mundo ocidental, da política à arte, da língua ao direito. A tradição clássica sempre foi uma grande parte do que é a civilização ocidental actual.

14

Tópicos e características gerais

A mitologia cinematográfica baseia-se em fontes literárias greco-latinas, adaptando-as com muito espaço para criação artistíca, donde se desenvolvem heróis muito diferentes dos heróis clássicos, apesar de muitas das características-base se manterem. Redonet refere que seria pouco interessante estudar a mitologia clássica através destes filmes, indicação que será tomada em conta, pelo que iremos destacar esta mitologia, da mitologia criada pelo cinema, mostrando as suas semelhanças e as suas diferenças. O carácter das personagens típicas de um filme peplum foi já estudado por J. Siclier 21 que refere a imutabilidade destes, herdando muito do cinema mudo épico italiano da década de 10, como é exemplo o já referido Cabiria. O arquétipo destes personagens pode ser encontrado nestes filmes, sendo a imagem deles sempre baseada na aparência física. Em seguida apresentamos tópicos que caracterizam este tipo de cinema. Começaremos pelo desporto. Os jogos olímpicos nunca foram recriados em longametragem, mas podemos observar por exemplo em Jason and the Argonauts, onde os jogos são representados como uma competição destinada a recrutar os futuros argonautas. Os desportos que podemos observar são o pugilato, o tiro com arco e o lançamento do disco. Em Hercules a função dos jogos é destacar a figura atlética de Héracles em contraste com Ífito, o filho de Pélias. Aqui podemos ver um ginásio ao ar livre onde se pratica o lançamento do dardo, luta livre, o tiro com arco e lançamento do disco. Outro tópico também tratado são as batalhas terrestres ou navais. Em relação às quase obrigatórias personagens divinas nota-se uma falta de homogeneidade, misturando a nomenclatura de deuses gregos com a de deuses romanos. Em Jason and the Argonauts encontramos referidos Zeus, Hera e Hermes, mas mais tarde aparece também Neptuno. Em Ulysses sucede-se algo similar com referência a Atena e Neptuno. Foram adoptadas duas formas de representar os deuses romanos, ou ignorandoos e centrando a atenção apenas no lado humano e fazendo alusões indirectas e confusas ao deuses, ou com a presença real destes deuses. O primeiro exemplo poderá ser 21

Cf. SICLIER, J., “L’âge du peplum”, Cahiers de Cinéma nº 131, 1962, p. 30.

15

encontrado em Ulysses e o segundo em Jason and the Argonauts. Em Ulyssesencontramos uma breve alusão aos deuses quando o herói conta a Telémaco que os deuses lhe disseram para se vestir de mendigo. Em Jason and the Argonauts os deuses intervêm directamente nas acções humanas, ao dirigirem as suas acções. Jasão chega mesmo a subir ao Olimpo, onde observa Zeus, Hera, Hermes e Neptuno. Vimos que ao transpor estas histórias para o século XX transformaram-se os heróis antigos em heróis que pudessem ser idolatrados na actualidade. “Cada época forja a imagem do seu próprio herói” 22 , muitos dos heróis não têm barbas, vestem roupas demasiado limpas e podemos observar penteados femininos anacrónicos. Em relação à arquitectura podemos observar em Ulysses tons luminosos e um estilo minóico que representam o mundo mais avançado dos feácios em contraste com o palácio de Ulisses em Ítaca de tons escuros e arquitectura arcaica. Em Jason and the Argonauts, os deuses vivem num Olimpo jónico, por sua vez, os mortais têm colunas dóricas. Os heróis típicos de um filme peplum podem ser identificados com os actores musculados que encaixam na perfeição de poderosos homens, que enfrentam vários perigos. Mas noutros filmes podemos ver também heróis menos ou mesmo nada musculados, como o Jasão em Jason and The Argonauts (1963). Assim, este género destaca um herói musculado, mas que tem também outras características que lhe dão esse título sem precisar de demonstrar muita força. Assim podemos identificar para além do herói musculado, um herói astuto. A relação amorosa heterossexual é obrigatória neste tipo de cinema. Tanto Hércules como Jasão têm como objectivo final viver felizes para sempre com a sua amada. Em Ulysses, a ânsia do herói é estar perto de Penélope, que contudo, é uma personagem muito mais delineada que Medeia ou Íole. Contudo, geralmente, as mulheres são relegadas para segundo plano, dando-se apenas lugar para a sua beleza e nunca para o seu carácter, como refere M. Hidalgo “admirávamos secretamente a paisagem feminina […] com as suas túnicas reveladoras, mostrando ombros, pernas e peitos23”, era este o seu principal objectivo, não podemos esquecer que estamos a tratar uma época ainda maioritariamente machista, como o eram os anos 50 e 60. Muitas vezes estas mulheres eram retratadas amarradas a um poste, chegando mesmo a ser flageladas, o que serve o propósito de se temer pela sua vida e aumentar a ânsia que o espectador tem em querer que o herói as salve, mas também num nível mais sexual, 22

LILLO REDONET, Op. Cit.; p. 38. Cf. HIDALGO, M.; “Una de romanos”,inEl Mundo(4 de Junho de 1994); p. 7 do suplemento Cinelandia.

23

16

levando muitos homens a despertar desejos desta natureza 24 . Temos dois tipos de mulher nestes filmes, a sedutora e malvada e a doce e benfeitora. Em Ulysses Silvana Mangano desempenha dois papéis um da sedutora Circe e outro da fiel Penélope, duas personagens um pouco menos opacas. Em relação ao antagonista o mais presente é o tirano usurpador, como por exemplo Pélias de Hércules (1957) e Jason and the Argonauts (1963). Ao contrário destes adversários demasiado caricaturados temos também outros mais complexos como Antínoo de Ulysses (1954). O herói musculado enfrenta os mais variados perigos, muitos dos quais são monstros da mitologia clássica, como o leão de Nemeia, o touro de Creta (Hércules) ou a Hidra e as Hárpias (Jason and the Argonauts), entre outros. Este é um herói que actua sozinho, mas também em grupo. Encontra-se também a representação do colossal e do destrutivo. Como podemos ver na célebre cena de Herculesem que Steve Reeves derruba com as suas próprias mãos as colunas do palácio de Iolcos. Como linhas condutoras das narrativas estão geralmente perseguições (seja a cavalo ou a pé); lutas, de modo a derrotar alguém mais forte que si mesmo ou apenas para mostrar quão forte é, mesmo que não o seja de forma física. As narrativas são repetitivas, fórmulas usadas de forma constante 25 . A sua apaixonada é normalmente loura, seja qual for a sua nacionalidade. A “má da fita” tem cabelo escuro, tal como o seu amante, o déspota por excelência. Alguém no meio deste enredo é preso, e o herói tem de o (ou de se) salvar ao completar um tarefa, como uma corrida de cavalos ou uma luta com leões. O filme acaba com o sucesso do herói e o final feliz, ao ficar de novo reunido com a sua amada. É a história típica do cavaleiro que se reúne com a princesa que se encontra no topo do palácio, não sem antes ter de matar o dragão. Este género teve muita influência da banda-desenhada que trata os mesmos temas, não só ao estilizar as personagens mas também pela definição prototípica destes personagens. De igual forma podemos encontrar estes filmes a serem descritos como aventuras, pelo que também receberam muito desse género em específico. As convenções do que era o mundo romano também colocam o peplum dentro do romanfeuille-ton. Filmes como Hercules, podem ainda ser classificados como fantásticos. Estas serão as características gerais de um género que, como veremos, é muito mais que apenas estas pinceladas gerais. 24

Como é referido em HIDALGO, Op. Cit, p. 7. Sobre características do género épico ver SOLOMON; Op. Cit.; pp. 309-313.

25

17

II PARTE –Odysseus em fontes literárias, iconográficas e cinematográficas “Up where the mountains meet the heavens above Out where the lightning splits the sea I would swear that there's someone somewhere Watching me26”

a) Ulisses na Mitologia Clássica

Origem de Odysseus Segundo Pierre Grimal27, Ulisses28, em grego Odisseu, é o herói mais célebre de toda a Antiguidade. Algo que se verifica através da análise de todas as modificações, acrescentos e comentários que se fizeram até o término da Idade Clássica. Grimal refere ainda que a lenda de Ulisses teve mais impacto nas interpretações simbólicas e místicas que Aquiles. O herói conhecido pela sua astúcia foi considerado pelos estóicos como o protótipo da sapiência. Comecemos, como faremos com os outros heróis, no início. Os traços familiares que Ulisses partilha não variam muito. Há concordância em relação ao seu pai, chamado Laertes, e à sua mãe, Anticleia. Algo que se pode ver referido de forma constante na Odisseia. Existia, contudo, uma tradição segundo a qual Anticleia, antes do seu casamento com Laertes teria sido possuída por Sísifo, sendo ele a deixar a semente para o que viria a ser Ulisses. Esta versão é usada nas tragédias, não merecendo referência na obra de Homero. Será interessante perceber que Sísifo, rei de Ephyra, lugar mais conhecido como Corinto, foi um homem que devido ao seu engenho e capacidade de

26

Parte da letra de “Holding ou For a Hero” Música gravada por Bonnie Tyler para o filme Footloose, escrita por Jim Steinman e Dean Pitchford; produzida por Columbia. 27 GRIMAL, Pierre, Dicionário da Mitologia Grega e Romana; Difel; Lisboa, 2004; ver entrada de Ulisses, a partir da p. 458. É nesta obra e noutras que se podem encontrar na bibliografia que baseamos as informações aqui encontradas. 28 Em latim Ulixes, derivado de uma das variantes do nome, pelo qual, hoje, o herói é mais conhecido.

18

enganar, foi forçado a empurrar um pedregulho monte acima, apenas para o ver descer. Uma e outra vez repetia esta acção, até à eternidade29. Ulisses terá nascido em Ítaca, a nordeste da Cefalénia, no mar Jónio. Anticleia deu à luz no monte Nérito, num dia em que a chuva a tinha obrigado a fazer uma pausa na sua viagem em direcção a Ítaca onde ia ter com Laertes. Esta parte da vida de Ulisses era contada como uma anedota, um trocadilho sobre o nome Odysseus, que seria um fragmento da frase grega: “Zeus choveu no caminho”. A Odisseia oferece outra interpretação da origem do nome do seu protagonista, onde se afirma que teria sido Sísifo a dar-lhe o nome, pois ele próprio “era detestado por muitas pessoas”. Enquanto adolescente Ulisses fez várias viagens, terá sido ensinado (tal como Aquiles e segundo uma tradição tardia) por Centauro Quíron. A Odisseia apenas faz alusão a uma caçada ao javali, onde fez uma cicatriz indelével, a mesma cicatriz através da qual ele é reconhecível aquando do seu regresso de Tróia. Nestas viagens, o herói foi também a Messénia para trazer os carneiros roubados; a Lacedemónia, onde encontrou Ífito que tinha sido seu hóspede e que tinha, nesta ocasião presenteado com o arco de Éruito. O mesmo arco que usará para matar os pretendentes.

Idade Adulta Já em adulto Ulisses havia ocupado o antigo lugar de Laertes como rei de Ítaca, recebendo todas as riquezas do reino, preenchida principalmente de rebanhos. É nesta fase que as narrativas escritas pós Odisseia descrevem uma tentativa sua para se casar com Helena, filha de Tíndaro. Muito devido ao número de pretendentes Ulisses retirou a proposta, estabelecendo antes um contracto mais seguro e quase tão proveitoso, com Penélope, prima de Helena e filha de Icário. Começam então as histórias que o vão caracterizar, pois antes de desposar Penélope, Ulisses pensou num estratagema para se livrar de apuros perante o grande número de pretendentes à mão de Helena. Aconselhou Tíndaro a exigir de cada um deles a garantia de respeito em relação à escolha tomada, ajudando o eleito a conservar a sua esposa no caso de alguém desafiar a união. É desta promessa que desembocará a Guerra de Tróia. Isto levou a que Ulisses, reconhecido como um homem de valor, não tivesse problemas em pedir a mão de Penélope. Outros autores referem que tal lhe foi 29

Ver: APOLODORO, Biblioteca, 1.9 e 1.7; disponível em Perseus Digital Library. HOMERO, Ilíada, canto VI, vv. 152. Informações retiradas de CHISHOLM, Hugh, "Sisyphus"; inEncyclopædia Britannica; 11ª ed. Cambridge University Press; [s.l.]; 1911.

19

concedido, por ter sido o vencedor de uma corrida. Muita da sua fama que parece evidente na Ilíada refere-se a feitos por si alcançados antes da guerra de Tróia, dos quais este é apenas um exemplo. O casal produziu apenas um filho ao qual chamaram Telémaco. Pouco depois de nascer o rapaz, Ulisses foi chamado em auxílio de Menelau, traído por Páris e Helena. Algumas narrativas, posteriores aos poemas homéricos, contam que o rei de Ítaca tinha simulado loucura para evitar ter de sair para a guerra. Contudo, Ulisses foi descoberto, sendo obrigado a aceitar o seu destino e partindo para Ílion. Daqui em diante, o herói nunca mais colocou a missão em causa, sendo mesmo um dos principais apoiantes, algo que se percebe ao acompanhar Menelau na consulta do oráculo de Delfos, mas também, segundo certas tradições, acompanhando-o a Tróia para uma primeira tentativa de recuperar Helena, pacificamente. Chega ainda a procurar o indispensável (assim descrito pelos Destinos) Aquiles, o qual reconheceu de imediato e recrutou. Podemos neste período de preparação para a guerra, vê-lo como embaixador dos Atridas em Chipre.

A Guerra de Tróia Na primeira expedição – o desembarque na Mísia30 - o herói encontra-se pouco activo, limitando-se à interpretação correcta de Teléfo como uma lança e não um guerreiro. Mas é na segunda expedição que lhe é dado um papel mais preponderante, como intermediário de Agamémnon. Ulisses traz uma dúzia de navios e tem lugar no conselho dos chefes, sendo considerado como um dos mais reverentes. No caminho para Tróia aceita o desafio de Filomelides, acabando por o matar, posteriormente, este episódio é transformado num assassinato, em que ele é ajudado pelo seu cúmplice habitual, Diomedes. Nesta paragem em Lemnos31, Ulisses terá discutido com Aquiles, onde um louvava a prudência, o outro exaltava a bravura. Agamémnon, influenciado pelas palavras de Apolo associou esta discussão a uma vitória certa contra os troianos. Esta querela foi sendo deformada, e transformada numa discussão entre Aquiles e Agamémnon, presente na Ilíada. Aqui, ou melhore segundo esta versão, em Tenedos, onde o episódio decorria, Ulisses tê-los-ia reconciliado.

30 31

Cena que não se encontra presente nos poemas homéricos. Foi na ilha de Lemnos que Filoctetes, um dos argonautas, foi abandonado.

20

É também nesta altura que foi introduzida uma nova tentativa de reconciliação entre aqueus e troianos, com uma nova embaixada que parte de Tenedos. Nesta, foram ameaçados e quase mortos, mas salvos por Antenor. Durante o cerco, Ulisses fez realçar as suas mais valiosas características como valente guerreiro, e cauteloso, se bem que eficiente, conselheiro. A sua capacidade oratória está presente, visto estar presente em todas as missões que requerem algum tipo de discussão. A esta actividade argumentativa, tal como se apresenta na Ilíada, os poetas posteriores acrescentam episódios como a embaixada a Filoctetes (possuidor do arco e flecha de Héracles), quando Heleno, feito prisioneiro por Ulisses, refere que seriam necessárias as flechas de Héracles para se assegurar a conquista da cidade. Também se atribuem a Ulisses os empreendimentos de espionagem. Na Ilíada podemos vê-lo num reconhecimento nocturno, de novo acompanhado por Diomedes, em que matou Dólon e capturou os cavalos de Reso. É também a Ulisses que se atribui uma primeira ideia da construção de um cavalo de madeira, ideia auxiliada pela sua infiltração na cidade de Tróia. Entrou aqui um desconhecido e convenceu Helena a trair os troianos, não sem esta o denunciar a Hécuba, que devido ao seu paleio lhe prometera não revelar o seu disfarce. Isto tornou possível o seu regresso ao campo dos aqueus, antes de sair da cidade ainda matou os guardas da porta. São numerosas as proezas durante a guerra. Mata cerca de dezoito inimigos; protege Diomedes quando este é ferido, cobrindo-lhe a retirada; comanda o destacamento fechado no cavalo de madeira, do qual é o primeiro a sair; acompanha Menelau, segundo uma versão, impedindo-o de matar a sua esposa, outra versão refere que ele faz os Gregos esperarem, de modo a resfriarem o espírito e evitando, assim, que a jovem fosse apedrejada, como era o intuito; salva um dos filhos de Antenor. No momento da partilha das armas de Aquiles, Ulisses é responsável pela morte de Astíanax e pelo sacrifício de Polixeno. Entre as cativas troianas coube-lhe em partilha Hécuba. Na tradição da lapidação desta, teria sido o herói a lançar a primeira pedra, contra a mulher que em tempos o salvou.Na Pequena Ilíada, descreve-se que Ulisses e Diomedes roubaram o paládio, um talismã troiano, segundo algumas versões o primeiro tentou matar Diomedes no regresso. A disputa pelas armas de Aquiles, que o herói tem com Ájax, e que é mencionada na Odisseia, foi recontada na Pequena Ilíada e na Etiópida, Píndaro chega mesmo a referir que Ulisses ganhou as armas por meios desonestos.

21

A Viagem de Regresso O núcleo da Odisseia centra-se nesta parte da vida de Ulisses. Mas mesmo esta lenda sofreu alterações posteriores. Quando Menelau se fez ao mar, Ulisses seguiu-o, mas foi rapidamente separado deste por uma tempestade. No país dos Cícones conquistou a cidade de Ísmaros, poupando apenas Máron, que o presenteou com um vinho doce e forte em doze vasilhas (que se mostrará útil quando se deparar com os ciclopes). Perante um ataque dos Cícones fez-se de novo ao mar. Ao chegar ao país dos Lotófagos e depois de os seus homens provarem um fruto tão delicioso, chamado loto, não mais quiseram partir. Ulisses teve de os obrigar a partr contra vontade. Antes de chegarem ao país dos Ciclopes (supõe-se ser a actual Sicília) aportaram numa ilha repleta de cabras e reabasteceram-se. Com doze homens Ulisses foi investigar, levando o vinho consigo como presente para quem encontrasse. Ao entrarem numa caverna, depararam-se com grandes quantidades de queijo e leite fresco, dos quais Ulisses não se quis apenas servir e partir. A demora levou ao encontro entre o herói e o Ciclope Polifemo, que os manteve na gruta como prisioneiros, para depois os devorar. Ulisses lembrou-se de lhe oferecer o vinho de Máron. O ciclope ficou muito alegre e perguntou como se chamava Ulisses, ao que ele respondeu: “Ninguém”. Como recompensa de uma tão excelente prenda, prometeu devorá-lo em último lugar, mas antes de o fazer, adormeceu. O célebre episódio do cegar o único olho que os ciclopes têm e a fuga da caverna debaixo de carneiros seguiu-se. O ciclope ainda pediu ajuda, mas quando lhe perguntaram quem o atacava, ele foi obrigado a responder: “Ninguém me atacou”, os outros gigantes acharam que Polifemo tinha enlouquecido e não lhe prestaram qualquer ajuda. Foi depois deste episódio que a fúria do pai de Polifemo se iniciou. Como se sabe, o pai de Polifemo era Posídon, deus dos mares. Depois de escapar, ao mesmo tempo que difamava o Ciclope que com pedras tentava atingir o convencido Ulisses, viajou até à ilha de Éolo, o senhor dos Ventos. A recepção foi hospitaleira, tendo-lhe sido oferecida uma pele de boi que continha todos os ventos, excepto a brisa que guiaria o herói em direcção a Ítaca. Quando Ulisses adormeceu, os seus companheiros ao pensarem que o odre de Éolo estava cheio de ouro, abriram-no, preciso momento em que todos os ventos escaparam e os lançaram na direcção contrária à pretendida. Eles voltaram a aportar na mesma ilha, mas desta feita, Éolo referiu que não podia contrariar a vontade dos deuses, claramente explícita: o adiar do seu regresso.

22

Sem rumo, acabaram por chegar ao país dos Lestrígones, identificado com a costa de Fórmias ou de Gaeta, no Norte da Campânia. Foram enviados alguns homens para perscrutarem a região. Foi encontrada a filha do rei que os conduziu até este. Antífates devorou um deles de imediato, os restantes tentaram escapar ao mesmo tempo que lhes eram atiradas pedras. Os barcos foram afundados e os homens mortos. Apenas Ulisses conseguiu escapar. Ulisses continuando na sua viagem sem rumo (seguia para norte), abordou em breve a ilha de Eeia, onde habitava a maga Circe, possivelmente, no promontório do monte Circeu, a sul do Lácio, onde permaneceu durante muito tempo. Quando partiu deste lugar deixou para trás um filho, chamado Telégono, ou mesmo dois, sendo o segundo chamado Nausítoo. Circe aconselhou-o a consultar a alma de Tirésias de modo a conhecer a forma como poderia regressar à sua pátria. Ficou então a saber que sozinho e num navio estrangeiro, chegaria ao seu destino, onde ia matar os pretendentes e, mais tarde, partir de novo, com um remo ao ombro, à procura de um povo que não conhecia a navegação. Ofereceria aí um sacrifício a Posídon, acabando, depois por morrer com uma idade avançada, feliz e longe do mar. Ainda nesta katabasis, Ulisses trocou palavras com alguns heróis já falecidos, regressando depois para Circe e partindo para fazer cumprir estas profecias. Passou perto da ilha das Sereias (situada na vizinhança do golfo de Nápoles). Teve de enfrentar as Rochas Errantes, o estreito de Caríbdis e Cila. Alguns marinheiros foram devorados por este, mas os outros conseguiram escapar. Foram ter à ilha de Trinácria, onde pastavam os bois brancos de Sol. O vento parou, o que levou à permanência efectiva e obrigatória naquele lugar, ao mesmo tempo que as supervisões escasseavam. Apesar de saberem que não podiam comer os animais, os seus companheiros mataram alguns bois. O Sol pediu justiça a Zeus que teve de a conceder fazendo surgir uma tempestade que matou todos menos o herói que não tinha participado no sacrilégio, agarrado a um astro conseguiu sobreviver. Por pouco não ia ser de novo apanhado pelo remoinho de Caríbdis. Nove dias depois chegou à ilha de Calipso (pensa-se na região de Ceuta, na costa marroquina actual). Ulisses, segundo autores posteriores, terá tido Nausítoo e Nausínoo com a deusa, apesar da Odisseia não fazer qualquer referência a isto. O tempo desta estadia varia, podendo ir de dez a apenas um ano. Por fim, a pedido de Atena e por ordem de Zeus, Hermes mandou Calipso libertar Ulisses. Numa jangada construída por si, o herói partiu. Posídon ainda irado fez com que a jangada se partisse. Nu Ulisses 23

chegou à ilha dos Feaces, chamada de Esquéria pela Odisseia, e que será provavelmente Corfu. Ulisses adormeceu aí, cansado. De manhã foi acordado por Nausícaa, a filha do rei da ilha. Ulisses pediu-lhes ajuda, a que Nausícaa respondeu, indicado o caminho que o levaria a casa de seu pai, Alcínoo. Ulisses foi bem recebido. Ofereceram um grande baquete em sua honra e Ulisses narrou as suas aventuras passadas. Surpreendidos pela valentia e perspicácia que faziam parte deste homem ofereceram-lhe a mão de Nausícaa. Ulisses com a ideia de regressar a Ítaca ainda presente recusou, e através de um barco que lhe foi disponibilizado. O barco levou Ulisses até Ítaca, onde os feaces o deixaram, adormecido. Contudo, no regresso esta viatura tinha sido transformada em pedra por Posídon. A ajuda prestada saiu cara a Antínoo e seus sucessores que viram a cidade rodeada por uma montanha, deixando assim, de ser um porto.

Chegada a Ítaca O ainda rei de Ítaca tinha estado fora durante 20 anos. Tinha passado por tanto, que se encontrava muito diferente, ninguém o reconheceu. Penélope continuava à sua espera, fielmente (como nos diz a Odisseia). Os pretendentes ao trono ocupavam o palácio, onde apenas causavam despesa contínua. Eram cento e oito, oriundos de Dulíquio, de Same, de Zacinto e da própria Ítaca – os limites do reino de Ulisses. Penélope para os desencorajar prometeu-lhes uma resposta no dia em que acabasse de tecer a mortalha de Laertes. Algo que fazia durante o dia, mas à noite desfazia o que tinha feito. Ulisses ao acordar decidiu não ir a correr até ao palácio. Primeiro, visita a casa de Eumeu, o chefe dos seus porqueiros, em quem confiava tremendamente. Lá revela-se e encontra Telémaco. Confidencia com o seu filho adulto o seu plano. Os dois seguem em direcção ao palácio, indo Ulisses disfarçado de mendigo. Como referido, nenhum humano o reconhece. Apenas o seu cão, Argos, já com vinte anos e com um ar muito infeliz rejubila ao poder vislumbrar o seu dono uma vez mais, caindo morto pouco depois. Quando chega ao palácio pede de comer aos pretendentes que o insultam. Ulisses é desafiado por um mendigo que temia a perda das suas regalias para este adversário, é rapidamente derrotado. De novo, é insultado pelos pretendentes, em especial, por Antínoo. Penélope curiosa com a chegada deste estrangeiro pede para o chamarem para perceber se ele teve contacto com o seu marido. A reunião decorreria à noite. 24

Como previamente ordenado pelo seu pai, Telémaco faz transportar as armas do palácio para o piso superior, onde se encontravam os pretendentes. O encontro entre Penélope e Ulisses dá-se, apesar do herói não se dar a conhecer, limitando-se a pronunciar palavras esperançosas. Penélope tinha sonhado com o regresso do seu marido, mas incrédula, manda organizar jogos no dia seguinte de modo a que se escolha, finalmente, o novo rei, o vencedor, quem melhor soubesse usar o arco de Ulisses. Ulisses encoraja-a nesta sua ideia. O concurso consistia em fazer atravessar com uma flecha os anéis dispostos lado a lado. Um atrás do outro, os pretendentes tentavam armar o arco, mas nenhum o conseguiu armar. Ulisses pede para usar a arma. À primeira tentativa consegue não só armar o arco como acertar o alvo. As portas do Palácio são encerradas, as armas trazidas são empunhadas por Telémaco e o próprio Ulisses que massacram, sozinhos, todos os pretendentes. Após o massacre e a limpeza da sala e a morte dos escravos infiéis, Ulisses dá-se a conhecer a Penélope, que só deixa de duvidar depois do seu marido lhe descrever o quarto nupcial, que só os dois conheciam. No dia seguinte, Ulisses apresenta-se a Laertes. Os pais dos pretendentes tentaram conspirar uma revolta contra o assassino dos seus filhos, mas graças à intervenção de Atena, a paz em Ítaca foi restabelecida. Estes últimos parágrafos descrevem todos os momentos-chave presente na Odisseia e cantados durante muitos anos, passando a barreira de língua, da cultura e até dos milénios. Nesta obra podemos observar o engano, como uma das suas artes, algo que não se percebe na Ilíada, que o trata apenas como sábio, grande guerreiro e diplomata. Os poetas que contribuíram para a continuação da narrativa posterior acrescentaram episódios românticos, como as aventuras de Ulisses e Polimele na ilha de Éolo. Completaram também a obra, adicionando vários “fins”. Em seguida fazemos algumas referências a estas mudanças literárias do mito.

Acrescentos Posteriores ao Mito de Ulisses Depois do massacre dos pretendentes, Ulisses ofereceu um sacrifício expiatório a Hades, Perséfone e a Tirésias. Partiu a pé através do Epiro, alcançando o país dos Tesprotos, onde ofereceu a Posídon o sacrifício que Tirésias lhe tinha ordenado. Calídice, a rainha do país pediu-lhe que ficasse junto dela, oferecendo-lhe mesmo o seu reino. Ulisses aceitou a proposta e teve um filho: Polipetes. Reinou aqui durante algum tempo, obtendo vitórias sobre os povos adjacentes. Quando Calídice morreu, entregou o 25

rei ao seu filho, Polipetes e regressou a Ítaca onde conheceu o segundo filho que Penélope tinha tido, chamado Poliportes. Telégono, entretanto, tinha descoberto que Ulisses era o seu pai e partiu de perto de Circe, sua mãe, à procura dele. Ao desembarcar e Ítaca Telégono pilha os rebanhos. Ulisses foi em socorro dos pastores. Neste momento teve lugar a luta entre os dois. Ulisses foi morto pelo próprio filho. Quando este se apercebeu do sucedido, lamentouse e transportou o cadáver do seu pai e de Penélope para a mansão de Circe32. Outras versões contam que Ulisses ameaçado pelos pais dos pretendentes, submeteu o caso ao julgamento de Neoptólemo, que reinava no Epiro. Este, com a o intuito de se apoderar de Cefalénia, condenou Ulisses ao exílio. O herói dirigiu-se a Etólia, onde esposou a filha de Toas, que lhe deu como filho Leontófono, e morreu já velhote. Plutarco acrescenta ainda que após o julgamento de Neoptólemo Ulisses se tenha antes exilado em Itália. Sobre esta última parte da vida de Ulisses existiam uma série de tradições que desconhecemos, apenas sabemos da sua existência através de alusões. Uma das mais relevantes apontava para o reconcilio de Ulisses e Eneias, depois de se depararem um com o outro. Ulisses ter-se-á estabelecido na Tirrénia (país etrusco) e fundado trinta cidades, lugar onde se tinha passado a chamar Nano, que na língua etrusca significaria “o errante”. Ulisses teria morrido em Gortina ou Cortona, devido ao sofrimento que lhe tinham causado as mortes de Telémaco e Circe. Tácito 33 conta que Ulisses tinha passado, nas suas viagens, pelas margens do Reno e, como recordação, havia erigido um altar que havia permanecido aquando da conquista romana do lugar. Tal como o nome de Héracles, também o de Ulisses foi conectado às diferentes descobertas do Extremo Oriente, ao mesmo tempo também devido ao episódio dos Cimérios e às viagens misteriosas realizadas no fim da sua vida. A descendência de Ulisses acabou por ser usada pelos genealogistas para, tal como se fez no tempo de Catão, fornecer títulos de nobres a todas as cidades itálicas, exemplo disso era “o seu filho” Latino, epónimo dos Latinos, entre muitos outros.

32

Ver Telegonia, parte do Ciclo Épico, como último episódio da colecção. A sua autoria é associada a Cinetónio de Esparta, ou a Eugámon de Cirene. 33 TÁCITO, Germania, III.

26

Síntese do Herói Na Odisseia, ele é o típico “trapaceiro” dos contos populares que usa a sua astúcia e jeito para enganar com o objectivo de derrotar os seus inimigos. Para além da lança e da espada ele usa um arco, considerada uma arma para os mais fracos. Ele não só usa este seu enganar como chega mesmo a vangloria-se dele, como podemos ver no episódio passado na ilha dos Ciclopes. Homero, contudo, tinha o intuito de cantar este herói como alguém venerável, digno. O papel de Telémaco (também conhecido como “Telemaquia”, que se estende do canto primeiro ao quarto), toda a necessidade presente na narrativa da Odisseia, do seu regresso de modo a poder salvar Ítaca do caos e ainda a honra que homens como Nestor e Menelau lhe prestam servem todos para o engrandecer. Quando ele nos é apresentado no canto V, a ênfase está na sua resistência. Mesmo quando está no seu pior, nas costas de Esquéria, nu e sem qualquer posse, mantém-se engenhoso, sendo visto por Nausícaa, como um marido ideal. No contar das suas histórias pelos cantos IX a XII podemos ver traços de aventura, mas também de pathos. Quando chega a Ítaca, faz-se passar durante muito tempo como um mendigo, na sua própria casa, ao mesmo tempo que planeia a sua vingança. Durante o massacre a sua força é também realçada, pois é o único que consegue armar e disparar o arco. Os tragediógrafos tendem para ser desfavoráveis em relação a este herói. Sófocles, apesar de o apresentar como um nobre magnânimo em Ájax, faz dele um cínico sem princípios em Filoctetes. Eurípides usa o Ulisses homérico em Cíclopes, mas faz dele um vilão na sua obra já perdida Palamedes, tal como acontece em muitas das suas outras peças, em especial Hécuba. Foi nesta ideia de um Ulisses menos heróico que se associou a tradição de que ele não era filho de Laertes, mas do pecador Sísifo. Esta ideia está ainda presente em Virgílio e em Séneca (ver As Troianas). No próximo capítulo vamos perceber que na arte, o herói é uma figura muito popular. As aventuras mais marcantes podem ver-se representadas no período arcaico, cenas como o cegar de Polifemo, ou a fuga por debaixo dos carneiros (estas que chegam mesmo ao século VII a.C.). Mais tarde, estes temas serão substituídos por outros mais plácidos, como a reunião com Aquiles e a disputa pelas armas.

Descendência de Ulisses  Calipso: Nausítoo e Nausínoo.  Calídice: Polipetes  Evipe: Leõntofron (ou Euríalo) 27

 Circe: Telégono, Ágrio, Latino, Aúson, Romo, Anteias, Árdeas, Cassífones, Cassífone.  Filha de Toas, o Etólio: Leontófono.  Penélope: Telémaco, Arcesilau, Poliportes.

28

b) Ulisses na Iconografia Clássica Nesta parte do trabalho tentamos mostrar visualmente, através de representações contemporâneas ou antecedentes da escrita das suas histórias, cenas cruciais da vida do herói. A lista que se poderá ver em seguida é resultado de uma selecção da iconografia hoje disponível, pelo que muita desta ficará por focar. Assim, escolhemos dividir a vida do herói, dentro de uma narrativa imagética em: arquétipo do herói; guerra de Tróia; viagem de regresso; e chegada a Ítaca.

Arquétipo do Herói Ulisses Adulto

Ilustração 1 – Odisseus 17 LIMC. Cratera atribuída ao pintor de Dólon, pormenor de Odisseu. urtwängler-Reichhold, Griechische Vasenmalerei: Auswahl hervorragender Vasenbilder, Tafeln 51-60. München: Bruckmann, 1904. pl. 60, 1904 (print); 1993 (rescan).

A Guerra de Tróia Em Tróia

Ilustração 2–Batalha perante Tróia; Cratera de coluna arcaica originária de Caere (Etrúria); Paris, Musée du Louvre; retirado de http://www.perseus.tufts.edu/hopper/artifact?name=Louvre%20E%20635&object=Vase a 20-04-2016.

29

Sobre a pega da imagem direita (pega esquerda) Ájax ajoelha-se sobre a sua espada que o trespassou. Acima de si, Odysseus e Diomedes defrontam-se, segurando os seus escudos redondos e lanças, e usando elmos e grevas. , do lado esqurdo desta cena, vemos um arqueiro agachado, com o arco empunhado e a aljava nas suas costas. Este encontra-se atrás de um grupo de quatro guerreiros, um dos quais caiu de costas, enquanto os outros três combatem nús, à excepção dos seus elmos e grevas, cada um deles manobra um escudo e lança. Tal como no escudo anterior podemos observar uma espiral, e agora também um galo.

Emboscada a Dólon

Ilustração 3 – Emboscada a Dólon. Cratera calyx, do período clássico tardio, c. 380 a.C. originária de Pisticci atribuída ao pintor de Dólon; London, British Museum; retirada de http://www.perseus.tufts.edu/hopper/artifact?name=London%20F%20157&object=Vase a 20-04-2016.

No centro da composição entre dois troncos sem folha está Dólon. A parte debaixo do seu corpo volta-se para a esquerda, ao mesmo tempo que a parte cima de olha por cima do ombro. As suas pernas estão ligeiramente dobradas. Ele aparenta um andar susurrante. Ele tem um bigode e suiças e usa um chapéu de peles, e um manto também de peles ao pescoço, as pernas estão cobertas com perneiras. Veste um khiton curto e uma aljava. Ele usa tem uma lança na mão direita que aponta a Diomedes, com o medo deixa cair um arco que segura na mão esquerda. Do lado esquerdo Ulisses sai de trás de uma das árvores. A sua mão esquerda está no ombro de Dólon, em jeito de preparação para lhe fazer atravessar a espada que segura na mão direita. Ele tem barbas, e veste um pileus (chapéu), clâmide e botas enlaçadas. Do lado direito, Diomedes sai de trás de outra árvore e estende a sua mão direita para agarrar Dólon, na mão esquerda segura duas lanças. Ele també usa barba eum elmo

30

com peças para as bochechas, decorado com a representação de um lobo agachado, uma clâmide e botas enlaçadas. Dólon era o filho único de Eumedes, um arauto troiano. Encorajado por Heitor foi espiar os aqueus, pois recebeu como promessa de recompensa, os cavalos de Aquiles. Contudo, como podemos ver acima, ele foi descoberto e morto por Ulisses e Diomedes.

A Viagem de Regresso Circe

Ilustração 4 – Odisseus e a feiticeira Circe. Taça arcaica c. 550-525 a.C.; Museum of Fine Arts, Boston; retirada de http://www.perseus.tufts.edu/hopper/artifact?name=Boston%2099.518&object=Vase a 20-04-2016.

Odisseu e os seus homens encontram Circe. Odisseu veste uma clâmide e aproxima-se da feiticeira com a espada na mão. Circe mexe o conteúdo da taça que acabou de retirar das mãos do homem que se encontra a seu lado, que está em transformação, tendo já cabeça e pescoço de um javali. Um cão senta-se entre eles direccionando a cabeça para Circe. Outros companheiros de Odisseu também já começam a transformação. Dois do lado esquerdo têm cabeça e pescoços de carneiro e lobo, respectivamente. Um quinto homem afasta-se transformado com cabeça de leão (na extrema direita). Ainda neste lado direito um home com barbas e vestindo uma clâmide, escapa, ao mesmo tempo que espreita por cima do ombro.

31

Polifemo

Ilustração 5 – O cegar de Polifemo. Oinochoe arcaica tardia c. 510-490 a.c.; provavelmente proveniente da Etrúria e atribuída ao pintor de Teseus; Paris, Musée du Louvre; retirada de http://www.perseus.tufts.edu/hopper/artifact?name=Louvre%20F%20342&object=Vase a 20-04-2016.

Polifemo representado como um gigante nu e com barba senta-se no chão, inclinado, num estado de embriaguez avançado. Tem a sua clava na mão direita. Entretanto Odisseu e dois dos seus companheiros fazem pontaria à sua testa com um longo pau afiado (com o qual o vão cegar). Os homens usam todos um khiton com cinto e petasoi (chapéus). O quarto homem mantém acesso uma fogueira que se encontra no chão, sem dúvida, que serviu para afiar a arma.

Elpenor

Ilustração 6 – Odisseu e sombra de Elpenor. Pelike clássica c. 440 a.C., de atribuída ao pintor de Licáon; Museum of Fine Arts, Boston; retirado de http://www.perseus.tufts.edu/hopper/artifact?name=Boston%2034.79&object=Vase a 20-04-2016.

O artista que elaborou esta obra terá lido a Odisseia, tal afirma-se devido à fidelidade narrativa para com os poemas homéricos nesta representação. Odisseu ao 32

visitar o Hades e antes de ver Tirésias, deparou-se com Elpenor, seu companheiro que morreu nas terras dominadas por Circe, sem o seu líder ou parceiros darem por isso. Representado podemos ver o herói a ouvir como foi que o seu companheiro morreu, e onde este pede que lhe façam uma cerimónia fúnebre, indicando qual o sítio onde tinha falecido. Podemos observar inscrições que identificam as personagens ao lado delas. As pernas de Elpenor estão engolidas pela terra dos joelhos para baixo, inclina-se com o braço esquerdo levantado sobre uma rocha, tal como acontece com Agamémnon que não tem força para se manter em pé firmemente. Odisseu está sentado com uma atitude calma, tem a cabeça apoiado sobre a mão. Agarra a sua espada com firmeza, o que ajuda a diferenciá-lo do fantasma perante si. Hermes encontra-se atrás, do lado direito, da cena.

Nausícaa

Ilustração 7 – Odisseu e Nausícaa. Ânfora do período clássico, c. 450-440 a.C., originária de Vulci e atribuída ao pintor de Nausícaa; Munich, Antikensammlungen; retirado de http://www.perseus.tufts.edu/hopper/artifact?name=Munich%202322&object=Vase a 20-04-2016.

Odisseu, nú, encontra Nausícaa que ia a passar, juntamente com as suas companheiras, cujo jogo de bola o tinha acordado. No seu cabelo, tal como nas suas mãos estão ramos. Uma árvore está atrás de si com roupas estendidas nos seus ramos. À sua frente está Atena que o encoraja, veste um londe peplos, tem um elmo e a sua égide decorada em lua crescente. Segura uma lança com a sua mão direita. Do lado direito duas mulheres afastam-se amedrontadas, cada uma usa um kithon curto e um longo agasalho sobre os ombros, os seus cabelos estão decorados com diademas. A única delas que olha para Odisseu poderá ser interpretado como sendo Nausícaa.

33

Chegada a Ítaca Euricleia e Penélope

Ilustração 8 – Relevo de mármore com Euricleia, Odisseu e Penélope do período clássico tardio ou já helenístico c. 350-300 a.C., originário de Gonnoi, Tessália. Retirado de http://www.perseus.tufts.edu/hopper/artifact?name=Athens,%20NM%201914&object=Sculpture a 20-04-2016.

No centro está sentado Odisseu, ele usa uma clâmide por cima de um khiton. Usa também um pileus ou elmo em forma de cone. O seu pé esquerdo repousa sobre um recepiente arredondado (talvez no qual o seu pé será lavado pela sua ama). Ele estende a sua mão direita de modo a tocar numa mulher, provavelmente Euricleia, que se inclina para si. Ela usa um himátion por cima de um kithon. Atrás de Odisseu está Penélope, virada de costa para o observador, mas com a cabeça de perfil, ela levanta a mão esquerda para o tear (que se pode notar já muito gasto como plano de fundo). Na mão direita está a roca. Veste um khiton sobre um peplos.

Os Pretendentes

Ilustração 9–Odisseu mata os pretndentes. Skyphos do período clássico c. 440 a.C. proveniente da Tarquinia, atribuído ao pintor de Penélope.

34

Do lado esquerdo vemos duas jovens preocupadas, seguidas de Odisseu que se prepara para disparar o arco contra os pretendentes: um já atingido pelas setas do herói, estende os dois braços em direcção a seta prefurante, outro agachado, a tentar escapar à pontaria de Odisseu protegendo-se com uma mesa; e um terceiro estendendo a mão esquerda como que a pedir clemência. Odisseu está vestido com um khiton, os pretendentes apenas meio vestidos, com um manto a cobri-los, acabam por ser representados nús.

35

c) Ulisses na Mitologia Cinematográfica

O Centro da Narrativa: Tróia

Tal como na Ilíada de Homero o filme Troy, de 2004, apesar de todos os seus erros numa perspectiva historiográfica, acaba por passar uma das mensagens essenciais.Não tanto a Guerra de Tróia em si, mas antes o conflito entre Agamémnon e Aquiles, dois líderes do mesmo lado, que podem confrontar-se por se acharem superiores um ao outro. O próprio Homero tinha noção do sucesso que este tema poderia ter com a sua audiência, especialmente, se tivesse uma aura de historicidade34. Tal como a audiência de Homero, também nós queremos ver uma ponte estabelecida entre este passado distante e o nosso presente, mesmo, sem o sabermos ounão sendo algo concreto. Como parte da nossa cultura, o cinema reflecte as nossas preocupações e desejos actuais. Referimo-nos ao que é humano. Os filmes americanos dos anos cinquenta e sessenta transportam mensagens típicas como a liberdade e a tirania. Estes filmes erguem a sua voz contra o despotismo e realçam o valor de um mundo unido. Filmes como estes causam um enorme impacto na mente dos espectadores, algo que se percebe pelo interesse que se adensa pela área da Antiguidade e da sua Arqueologia ou História. Contudo, há um interesse mais vasto, intrínseco a nós mesmos, pois queremos saber mais sobre o nosso passado, razão que se encontra presente no interesse destes filmes de época, mas que também define o porquê deles serem feitos. É o regresso às origens da cultura e civilização ocidental. O cinema acrescenta o interesse visual e sonoro, arrisca-se a perguntar como é que era realmente Tróia? Como é que ela soava e parecia?“The more knowledge can put into the scale that represents the past, the more we are justified to deal with the other scale that represents the future […] we must also pay attention to the beam in the middle: the pivot representing our own present”35. Claro que será muito difícil perceber como é que Tróia realmente parecia, o máximo que conseguiremos alcançar é algo similar. O que Korfmann36 mais releva neste aspecto 34

Sobre o intuito da Ilíada ver: LATACZ, Joachim; Troy and Homer: Towards a solution of an Old Mystery; Oxford University Press; Oxford; 2004. 35 KORFMANN, Manfred O.; “Was there a Trojan war? Troy between fiction and archaeological evidence”in WINKLER, Martin M. ed.; Troy : from Homer's Iliad to Hollywood epic; Blackwell; Malden;2007. 36 KORFMANN; Op. Cit.; pp. 21 e 22.

36

são os ganhos múltiplos que a arqueologia e o cinema podem oferecer um ao outro, se cooperarem. Esta cooperação deve interessar ao cinema nesta e em muitas outras áreas, devido ao seu carácter agregador e exponencial, necessário para a sua evolução. Tanto os mitos como as lendas, na prática, precisam de se ligar, para além de um período, a um lugar específico onde terão ocorrido. No caso de Tróia, fala-se de uma área de ruínas que, em tempos greco-romanos, foi construída e expandida sobre o nome de Ilion ou Ilium. Hoje este espaço é chamado de Hisarlik. Dados arqueológicos incluem a História de Tróia desde a Idade do Bronze ao período helenístico. Em parte, isto significa que neste âmbito nunca se tentou responder à questão sobre a existência de uma guerra de Tróia. “As a matter of principle it is best to keep these two areas separate”37. Por outro lado, estudos homéricos vieram a identificar como possibilidade os pedaços descritos na Ilíada como pertencentes à Idade do Bronze Tardia, dirá respeito às ruínas de Tróia VI-VIIa, que durante vários séculos teriam sido verdadeiramente impressionantes. Homero assume que a sua audiência se apercebe da existência da Guerra de Tróia. Assim, o poeta usa este evento como pano de fundo para uma história sobre o conflito entre deuses e homens. Para os arqueólogos a Ilíada oferece um contexto diferente, interessando-se mais na representação que Homero e as suas influências faziam do período em que viviam, por volta de 700 a.C., quando a Ilíada foi, na sua maioria, escrita. Para os seus leitores perceberem ao que o autor se referia teriam de existir traços que fossem identificáveis. No tempo de Homero, Tróia já estava, na sua maioria, em ruínas, e teria já sido objecto de mitificações e lendas. As grandes conclusões que os dados arqueológicos nos oferecem é que Tróia terá sido uma cidadela sem paralelo na sua região e em toda a Europa de sudeste, devido à sua dimensão (mais de 300 mil km2). Tendo também uma estrutura fortificada que a completava, ideia que se reforça com o facto destes mesmos dados mostrarem várias fases de construção, pelo que, a cidade se terá defendido repetidas vezes contra uma ameaça externa. Estes dados arqueológicos foram completados com estudos linguísticos hititas e egípcios que demarcam a verdadeira existência e importância deste lugar, localizado na actual Anatólia. Outros dados não-arqueológicos, como os hititológicos, apontam

37

KORFMANN, Op. Cit.; p. 23.

37

também para a existência de tensões militares e políticas na área de Wilusa ou IliosWilios38. Estudos mais recentes mostraram provas de uma explosiva situação política na Ásia Menor ocidental e em Troas. Estes dados associados aos dados arqueológicos denotam uma possível existência de tal conflito. Contudo, nada disto são certezas ou saberes, muitos arqueólogos que trabalham neste local afirmam que nada, nas evidências arqueológicas, aponta para para uma conexão entre Tróia e os poemas homéricos. Discutem que a importância de Tróia não podia ter paralelo fosse qual fosse o momento da sua história com a descrição feita nestes mesmos poemas. Korfmann 39 refere que a importância e existência de várias guerras neste local têm provas suficientes para serem plausíveis, apesar de não se saber se houve, de facto, um ataque que se tenha destacado. Seja como for, Homero deve ser tomado em consideração de um ponto de vista histórico em relação à sua descrição de uma guerra entre troianos e gregos. A Ilíada teria um substrato histórico, a historicidade desta obra apenas será possível ser discutida se entendermos o que este substrato é.

“AIlíada e o Cinema40”

Winkler refere que há espaço no cinema para exposição escolástica e narrativa de modo a adaptar obras como a Ilíada. O cinema tem uma ligação mais forte com a cultura popular moderna que outras artes: como o teatro, a pintura ou a ópera. Isto apesar do nível das adaptações ser menor, temos de perceber que eles seguem uma longa linha de tradição adaptativa que chega à Antiguidade. Um mito é por natureza variável, não existe uma verdade, nem uma falsidade inequívoca. Muitos das versões tornaram-se canónicas, o que não significa que se tenham tornado mais verdadeiras por isso. Tal como Hesíodo referiu ao escrever sobre

38

Sobre estas “tensões” ver: BRYCE, Taylor; The Trojans and Their Neighbours; Taylor & Francis; [s.l.]; 2006. 39 KORFMANN; Op. Cit.; p. 26. 40 Capítulo da obra: WINKLER, Martin M.; “The Iliad and the Cinema” in WINKLER, Martin M. ed.; Troy : from Homer's Iliad to Hollywood epic; Blackwell; Malden; 2007.

38

as Musas, as inspiradoras divinas dos poetas: We Know to tell many lies resembling the truth, but we also know, when we want, to pronounce truths41. Ambos George Steiner e Wolfgang Petersen 42 consideraram a obra como elemento fundamental da estrutura narrativa que hoje vemos espelhada em diversas artes. Consideraram Homero como a voz de uma cultura de massas. Até hoje, nenhum filme se tornou numa representação visual, literal da Ilíada de Homero. Todos eles lidam de forma similar, e ao mesmo tempo diferente com a Guerra de Tróia, começando com o rapto de Helena e terminando com a queda de Tróia. Assim sendo, a Ilíada, ao contrário da Odisseia, nunca foi, de facto, filmada. Muitos obstáculos seriam colocados a quem tentasse reverter esta situação, não só devido à impossibilidade financeira, mas também devido à própria dificuldade em manter um ritmo interessante numa transposição que fosse tão detalhada. Contudo, o problema maior que talvez se pudesse identificar seria um enorme distanciamento entre as personagens divinas e as personagens humanas do poema. A própria linguagem é demasiado distante para um simples curioso perceber. Ter-se-iam de explicar conceitos seguidos de acções que eram intrínsecospara os contemporâneos da escrita do poema. Existia mesmo uma familiaridade com as personagens e com as diferentes passagens. Isto suscita um afastamento do homem actual, levando-o a perceber esta narrativa como incompleta. Tais problemas não significam que a obra não tenha uma “natureza cinematográfica”43. Todos os enredos de heróis como Ulisses, Agamémnon, Aquiles, Heitor podiam ser pilares fundamentais para uma qualquer história épica, pois tratam de temas intemporais: heroísmo, guerra, amor proibido, a mais famosa femme fatale de sempre e um apelo visual sem par. Ideias que foram sendo exploradas continuamente ao longo da História. Num sentido mais nuclear, as emoções que são elemento central nestas diferentes narrativas interligadas, podiam ser melhor captadas visualmente numa obra de Cinema: a arte da emoção através da acção. Igualmente interessante, será perceber que esta, que é a primeira obra literária do mundo ocidental, tem ela mesma várias características que vieram a ser dogmas para o Cinema, seja com movimentos de personagens, sugestões de posições de câmara, e mesmo pontos onde se percebe o lugar onde se poderia cortar o filme. 41

Citado de: VERDENIUS, W. J.; A commentary on Hesiod: Works and Days; Brill; Leiden; 1985. O primeiro traduziu e dirigiu a edição Penguin da Ilíada e o segundo realizou o filme Tróia. 43 WINKLER, Op. Cit.; p. 48. 42

39

As grandes narrativas literárias gregas e romanas levam os leitores ou ouvintes a ver a história com a qual se envolveram com o “olhar da mente”44. André Bazin chegou mesmo a afirmar que “The cinema is an idealistic phenomenon. The concept men had of it existed, so to speak, fully armed in their minds, as if in some Platonic heaven, and what strikes us most of all is the obstinate resistance of matter to ideas […]”45. Muitos realizadores, e outros contadores de histórias, baseiam-se em Homero sem o saberem. Eles criam obras que podem conseguir mostrar a humanidade e profundidade presentes em Homero, retractando a natureza humana em todo a sua grandeza e baixeza. A tradição de refazer a épica homérica e outras histórias de larga escala, adaptando-as visualmente, teve início no teatro grego durante o século V a.C.. Esta tradição nunca mais terminou. Hoje, os filmes são a forma mais influente de contar uma história, um dos meios mais poderosos de preservar a memória de lendas e mitos antigos. J. B. Hainsworth, co-autor de vários comentários sobre aIlíada e a Odisseia referiu: “At the beginning of literature, when heroic poetry reached society as a whole… society listened; in the twentieth century society views […] the modern heroic medium is film […]”46.

Ulysses de Mario Camerini (1954) “Esta é uma história de deuses e heróis mitológicos, é a história de um mundo fabuloso no qual o real se confude com o sobrenatural e os deuses combatem com os homens. É o poema do herói Ulisses que Homero, o mais antigo e maior poeta do mundo, cantou à 5.000 anos”.

Créditos iniciais de Ulysses.

Apesar de ter sido uma história passada por via oral, a vida de Ulisses, depois do sucedido em Tróia, foi-se perpetuando como uma narrativa que passou por vários

44

Winkler, p. 50. BAZIN, André; “The Myth of Total Cinema” in What is Cinema?; University of California Press; Berkeley; 1967; pp. 17-22. 46 Citação retirada de WINKLER, Martin M.; Cinema and classical texts: Apollo's new light; Cambridge University Press; Cambridge; 2009. 45

40

meios47. Na antiguidade, com a escultura, a pintura; já no século XX com o cinema. Esta história foi perdendo o seu carácter oral, original. O cinema “primitivo” estava muito ligado ao teatro, e tal como o teatro tinha um enorme interesse em narrativas clássicas. A Odisseia de Homero não é excepção. Obras como L’ilê de Calypso de Georges Méliès (1905) ou L’Odissea de G. de Linguoro (1911). Temos de esperar mais de quarenta anos pelo filme em análise: Ulyssesde 1954, uma produção com algum impacto a nível popular. Nos anos seguintes e durante estas duas décadas vários filmes peplum utilizaram esta personagem como parte do seu enredo (parcial ou não). Por vezes, Ulisses é apresentado como um personagem astuto, o estratega por detrás da criação do cavalo de Tróia,. Este filme não se encaixa totalmente no género de filmes peplum. Estes filmes caracterizam-se por terem um baixo orçamento, o que neste caso não se sucede48. Os pepla costumam ter poucos cenários, aqui encontramos múltiplos cenários. O próprio herói do peplum deve ser musculado, aqui isso não acontece, de facto Ulisses é um homem forte, tal como Nausícaa lhe chama, mas não é uma força física descomunal. Invés dessa característica, percebe-se a inteligência presente em qualquer adaptação minimamente fiel desta personagem. Este filme não é uma versão totalmente fiel ao poema, mas tem a pretensão de não ser uma adaptação livre, o objectivo era usar o poema que conta a história de Ulisses, adaptando-o de forma coerente, ao mesmo tempo que imprimia uma mentalidade típica dos meados do século XX. A narrativa do filme em comparação com a fonte em que se baseia é feita de forma a tornar a história mais simples e sincrética. A isto se acrescenta a quase total exclusão da presença divina como motor da acção. O ambiente e os cenários, são um pouco mais fiéis podendo o espectador observar dois mundos: o mundo avançado e luminoso dos feaces e o mundo mais atrasado e obscuro de Ítaca. Ao mundo feace são imprimidas características da civilização minóica, ao de Ítaca a arte arcaica da Idade Média grega. Assim, podemos observar que o palácio de Alcínoo tem traços de um palácio minóico (como as colunas lisas de madeira policromada em vermelhos escuros), nos trajes (que correspondem a frescos da época minóica) e na própria iluminação das 47

LILLO REDONET, Fernando; El Cine de Tema Griego y su aplicación didáctica; Ed. Clássicas; Madrid; 2001. Ver parte referente a Ulisses. 48 Ulysses tinha um orçamento de 500 mil dólares e conseguiu uma receita de 2 milhões e 200, só no ano de 1955. Informação retirada de http://www.imdb.com/title/tt0047630/business?ref_=tt_dt_bus a 20-05-2016.

41

cenas. Mesmo Nausícaa está caracterizada para parecer “a sacerdotisa” que veste um longo vestido de folhos junto ao corpo, realçando os seus traços corporais. O mundo de Ítaca tem tons mais apagados com representações dos leões de Delos, e uma estátua de Apolo que faz referência aos koroi arcaicos. Esta mescla de estilos, minóico e “Idade das Trevas” sugere a mesma mistura de tradições que pode ser encontrada no poema original. Na opinião de Solomon 49 ,Ulysses (1955) continua a ser melhor das versões cinematográficas dos poemas homéricos. Tal como acontece na Odisseia, Ulysses começa em Ítaca, onde a esperançosa Penélope espera por notícias do seu marido. Oprotagonista é-nos apresentado, apropriadamente,in media res, numa praia, amnésico. Quando Ulisses recupera a sua memória, vamos relembrando em flashback as suas aventuras já passadas. Do encontro com o Cíclope, passando pelas sirenes, Circe, e por uma referência ao Hades. Kirk Douglas ao cegar e gozar com o gigante, por exemplo, representa uma boa personificação do herói despreocupado mas ao mesmo tempo engenhoso, uma vezes, demasiado corajoso, outras, demasiado cruel. Um herói que não é perfeito mas sim humano. É um Ulisses homérico. Esta humanidade verifica-se numa outra cena subsequente, onde Ulisses diz: “Espero que se os homens alguma vez falarem de mim, o façam como sendo um deles” . O que mostra o facto desta ser uma personagem muito próxima do que um Homem seria, e por tal, com a qual este se pode facilmente identificar, um pouco como o papel que Jesus de Nazaré desempenha na narrativa cristã, onde o crente pode como que ver-se, espelhando a sua pessoa, nesta outra, e deste modo, percebendo-a. Uma das razões para os mitos sobreviverem tanto tempo, relaciona-se com as inovações artísticas às quaisestão susceptíveis. O cinema não é imune a essa característica. Ulysses, contudo, mantém a aura misteriosa, arcaica, ao mesmo tempo que dá uma sensação de aventura ao seu protagonista que se depara com os mais fantásticos perigos. Apesar de, na perspectiva de um mitógrafo, ter muitos problemas, este filme captura o espírito da epopeia atribuída a Homero.

49

SOLOMON, Jon; The ancient world in the cinema; Yale University Press; New Haven; 2001.

42

III PARTE –Herakles em fontes literárias, iconográficas e cinematográficas “Where have all the good men gone And where are all the gods? Where's the street-wise Hercules To fight the rising odds?50”

a) Héracles na Mitologia Clássica Primeiro Ciclo – Origem

Héracles, chamado em latim de Hércules, é considerado por P. Grimal (da mesma forma que se tinha referido a Ulisses, curiosamente) como “o mais popular e mais célebre herói de toda a mitologia clássica51”. Este herói está presente num ciclo inteiro, que se estende da época pré-helénica até ao fim da Antiguidade. Tal como Grimal, vamos neste trabalho seguir uma ordem não cronológica, mas temática. Dentro deste âmbito podemos distinguir três categorias gerais: o ciclo dos Doze Trabalhos; os feitos independentes do ciclo precedente, onde o herói se encontra à frente de exércitos, acompanhado, e portanto, ao contrário da individualidade marcante do ciclo anteriormente referido; as aventuras que acompanham os Trabalhos. O início da nossa descrição não terá, contudo, início em nenhum destes espaços temáticos. Começaremos antes pelas lendas que se relacionam com a infância e educação do herói, os únicos elementos no mito de Héracles que obedecem a uma narrativa cronológica. O nome inicial do herói, segundo os mitógrafos, não era “Héracles”. Este foi-lhe atribuído por Apolo, directamente, ou indirectamente, por Pítia no momento e que se tornou servo de Hera, que lhe manda completar uma série de trabalhos. Antes de ser conhecido por este nome, Anfitrião e Alcmena tinham-no chamado de Alcides, patronímico do nome do seu avô Alceu (por vezes também conhecido por este nome). É 50

Parte da letra de “Holding ou For a Hero” Música gravada por Bonnie Tyler para o filme Footloose, escrita por Jim Steinman e Dean Pitchford; produzida por Columbia. 51 GRIMAL, Pierre;Dicionário da Mitologia Grega e Romana; Difel; Lisboa, 2004.p. 205.

43

deste nome que vem a ideia de um herói forte fisicamente, algo que se percebe no significado da palavra em grego. O nome Héracles tem, a si, associado um significado. Após a morte dos seus próprios filhos, o herói foi falar com Pítia, que lhe ordenou que mudasse de nome, perpetuamente, passando a usar “Héracles”, i.e., “a glória de Hera”, pois o objectivo da ordem de Hera, os doze trabalhos, remetia para a sua própria exaltação. Foi este o nome que vingou ao longo dos tempos. Na sua genealogia mortal, Héracles pertence aos Perseides. Alceu e Eléctrion, eram ambos, filhos de Perseu e de Andrómeda. Ele é argivo, e apenas nasceu em Tebas, acidentalmente. O herói considerará o Peloponeso como a sua pátria. É este o lugar para onde pretende sempre regressar, e é lá que os seus descendentes vivem. Contudo, o verdadeiro pai de Héracles é Zeus. Num momento de ausência de Anfitrião, Zeus, sobe a forma do marido de Alcmena, passou a noite com esta. Pela manhã, Anfitrião regressa com tempo para conceber mais um filho à sua mulher, este chamado Íficles, o irmão gémeo de Héracles. Zeus, para passar despercebido presenteou Alcmena com uma taça de ouro, contando-lhe também as façanhas de Anfitrião, como se fossem suas. Quando Anfitrião descobriu a intervenção do deus, resignou-se a ser pai do filho divino. Hera, ciumenta, e depois de Zeus afirmar que a criança resultado da sua união com Alcmena reinaria sobre Argos. Hera conseguiu que Ilítia, a deusa dos partos, retarda-se o nascimento de Héracles e que o de Euristeu, seu primo, fosse antecipado, para ser este e não o anterior a reinar sobre os Perseides. Algo que se confirmou. Ainda nesta fase, alguma lendas contam como Héracles bebé, mamou do seio de Hera, a sua maior inimiga, pois era esta a condição para que os heróis atingissem a imortalidade. Algumas tradições contam que foi Hermes quem colocou a criançasobre o seio da deusa adormecida. Ao acordar, Hera repeliu a criança, não sem o objectivo ser cumprido. O leite que jorrou dos lábios do bebé, terá deixado um rasto no céu, formando-se assim a Via Láctea. Outra versão referia que a criança tinha sido exposta nos arredores de Argos. Atena ao passar por este local, juntamente com Hera, deparou-se com o recém-nascido que lhe pareceu vigoroso e belo, pelo que a deusa pediu a Hera que esta lhe desse de mamar, algo a que esta acedeu. Héracles, forte, mamou com tanta força que feriu a deusa. Momento em que ele terá sido repelido. Atena terá apanhado a criança, levando-a para perto da sua mãe, e dizendo-lhe que o criasse sem receios. 44

Quando Héracles fez oito, ou dez, meses, Hera tentou assassiná-lo. Certa noite, Alcmena deitou os filhos num mesmo berço. Por volta da meia-noite, a deusa colocou duas enormes serpentes que tentariam asfixiar as crianças. Íficles começou a chorar, enquanto Héracles segurou os dois monstros pela garganta, e sufocou-os antes a eles. Foi neste momento, que Anfitrião se apercebeu que Héracles era filho de um deus. Héracles teve uma educação tipicamente grega, o seu primeiro mestre foi Lino, que lhe ensinou letras e música. As lições era dadas com Íficles, mas enquanto este era dócil e aplicado, Héracles era indisciplinado, de tal modo que Lino o teve de pôr na ordem, tendo de o castigar, certo dia. Algo que Héracles não consentiu. Colorizado, o jovem herói acertou no mestre, com um banco ou com uma lira, matando-o. Em seguida, Héracles foi chamado a tribunal e acusado de assassínio. Citando Radamante, segundo o qual, quem se defense legitimamente, podia assassinar o seu atacante, o jovem foi ilibado. Anfitrião com medo da cólera do seu suposto filho, enviou-o para o campo, de modo a poder guardar os seus rebanhos. Já no campo, a educação de Héracles continuou, desta feita, com o boieiro Teutauro, que lhe ensinou a disparar com um arco. Outras versões referem que a sua educação foi dirigida por outros mestres, como Anfitrião, que o iniciou na condução de carro, Êurito no tiro com arco, e a Radamante na mesma arte. Ele aprendeu a lidar com armas com Castor. Ao dezoito anos, Héracles matou o leão Citéron, uma fera de grande porte e ferocidade, usando esses atributos para atacar os rebanhos de Anfitrião e do rei Téspio (cujo reino se localizava num país vizinho de Tebas). Nenhum caçador se permitia a assassiná-lo. Apenas Hércules conseguiu encontrar tamanha coragem para completar a tarefa. Todos os dias partia em procura do animal, ao fim de cinquenta dias conseguiu matar o leão. Ao longo deste espaço de tempo, o rei Téspio, que tinha cinquenta filhas, e queria netos do herói, oferecia, em cada noite, uma destas filhas. Héracles uniu-se a todas na obscuridade, pensando, cansado do seu dia de procura pelo animal, que se tinha deitado com a mesma. Das filhas de Téspio teve cinquenta filhos, conhecidos como os Tespíades. O lugar desta caça é situado em lugares que vão de Citéron, a Hélicon, e ainda, perto de Teumeso. É um cena considerada uma prefiguração do episódio mais célebre da caça ao leão de Némea. Pausânias recolhe uma lenda segundo qual o leão de Citéron, não foi morto por este herói, mas sim por Alcátoo. Uma lenda de Lesbos, conta que Héracles tinha também aí, morto um leão. 45

Ao regressar desta sua primeira aventura, Héracles deparou-se com enviados de Ergino, rei de Orcómeno, que cobrava tributo a Tebas. Héracles insultou-os, cortou-lhes o nariz e as orelhas, fazendo com estes uma corda, que colocou ao pescoço dos injuriados, afirmando que este era o único tributo que Tebas pagaria. Ergino, ofendido, marchou contra Tebas, onde foi derrotado. Os habitantes de Orcómeno passaram a pagar a Tebas o dobro, do que esta antes lhes pagava. Nos combates Anfitrião terá falecido. Outra tradição diz-nos que só terá morrido mais tarde, numa expedição contra o rei da Eubeia, Calcodonte, pouco depois de assistir ao assassínio dos seus netos. Nesta versão Héracles tinha, só, derrotado Ergino, com as armas que recebera da própria Atena. O rei de Tebas, Creonte, pelos serviços prestado à cidade, ofereceu-lhe a mão da sua filha mais velha, Mégara. Íficles casaria com a filha mais nova. Com Mégara, Héracles teve oito filhos, segundo Píndaro; três segundo Apolodoro (que seriam Terímaco, Creoncíades e Deicoonte). Outras tradições referem sete, quatro ou cinco filhos. Pouco tempo havia passado, quando o herói matou os seus filhos e os do seu irmão. História contada por Eurípides, ou Séneca, entre outros autores, de forma diferente. Segundo o que parece ser a tradição mais antiga, Héracles lançou os seus filhos ao fogo. Outras tradições, como a que Eurípides escolheu, colocam Héracles a matar os filhos ao disparar flechas contra eles. Chegou mesmo a atacar o seu pai, mas no momento em que o estava prestes a mata, Atena interveio e atirando-lhe uma pedra, adormeceu-o. Este surto de violência é considerado um acesso de loucura enviado por Hera. O objectivo da deusa era colocá-lo ao serviço de Euristeu, ao fazê-lo cometer um crime (o que o levaria, forçosamente a submeter-se a uma expiação), ou devido ao facto do herói não reconhecer Euristeu como seu senhor. Depois do episódio Héracles não quis ficar mais junto com Mégara, entregando-a ao seu sobrinho Iolau. Eurípides une esta lenda com a história de um usurpador vindo de Eubeia, chamado Lico, que mata o rei Creonte e toma o poder em Tebas, na ausência de Héracles, que tinha descido aos infernos. Quando o herói regressa mata o usurpador. No momento em que se tenta fazer um sacrifício de agradecimento a Zeus, Hera acende a chama da loucura inconsciente nele. Ao pensar que os seus filhos são os filhos de Euristeu, mata-os. Ao estar prestes a matar Esténelo, Atena adormeceu-o. Depois de despertado e consciente, o herói apercebe-se do que fez e pondera suicídio, momento em que Teseu chega e o demove do seu plano, levando-o consigo para Atenas. 46

Eurípides intercala a cronologia, suposta, do mito, visto que coloca este episódio como subsequente ao da descida aos infernos, e portanto, intercalar aos trabalhos. Tradicionalmente, este teria sido o primeiro acto da vida do herói. Acrescenta ainda a personagem de Teseu, o herói “filósofo” por excelência, mostrando um contraste entre a sabedoria ática e a violência dórica.

SegundoCiclo Temático: Os Doze Trabalhos Euristeu terá sido o “indigno” e “desprezível” fomentador da vontade de Hera, ao mandar Héracles executar cada ordem impossível cumprida pelo herói. Na Ilíada, Hera terá aproveitado a promessa de Zeus para beneficiar Euristeu, o que não significa que Héracles tivesse passado a servir o seu primo. Eurípides conta-nos que Héracles havia expressado uma vontade de regressar a Argos, algo que Euristeu teria consentido com tal ideia, mas com a condição expressa do cumprimento de certos trabalhos. As principais tarefas tinham o intuito de tornar o mundo, um lugar mais seguro, ao matar os monstros que nele habitavam. A versão tradicional para a necessidade de cumprir esta ordem, relaciona-se com uma penalização pela morte dos seus próprios filhos, mesmo que tivesse sido involuntário. Héracles depois de consultar o oráculo de Apolo Píteo, foi ordenado a submeterse à vontade de Euristeu durante um período de doze anos. Apolo e Atena, depois de cumprido o serviço, oferecer-lhe-iam a imortalidade (versão que ignora a mesma característica que se podia obter ao mamar nos seios de Hera, tal como Héracles teria feito). Segundo Grimal 52, estas mudanças, do que é a tradição para o que se veio a querer contar, justifica-se pois existe uma vontade no pensamento grego de fazer de Héracles um herói que represente a justiça, que justifique, de forma moral, os sofrimentos deste protótipo de herói justo. Os trabalhos de Héracles são uma prefiguração das provações da alma, separada lentamente do corpo e dos seus vícios, até à apoteose final, a absolvição. Diotimo, um poeta de Alexandria, narra ainda a ideia de que Héracles não se submete por nenhuma vontade de outro, mas por uma vontade própria, pois estava apaixonado por Euristeu, complacente, assentiu aos seus aferros.

52

GRIMAL; Op. Cit., p. 208.

47

A ordem e quantidade de trabalhos variaram conforme o autor. Apolodoro, por exemplo, apenas identificava dez trabalhos. Porém, a mitografia da época helenística estabeleceu um cânone do que eram os “doze trabalhos”, dividindo-os em duas séries, onde os seus primeiros se passavam no Peloponeso e os outros se distribuíam por Creta, Trácia, Cítia, Extremo Ocidente, o país das Hespérides e ainda os Infernos. Organização que cumpriremos. As armas usadas pelo herói são, caracteristicamente, a clava, a espada, o arco e a flecha, uma couraça dourada, cavalos, e ainda um peplos. A clava terá sido obra sua feita ou em Némea, aquando da matança do leão ou em Hélicon, ou ainda no golfo de Sarónico, a partir de uma oliveira. As outras armas foram presentes dos deuses, onde se incluem, respectivamente, Hermes, Apolo, Hefesto, Posídon e Atena. Outras tradições referem que Atena lhe fornece todas as armas, excepto a clava.

I - O Leão de Némea Este terá sido o primeiro monstro morto por Héracles. Filho de Ortro e Equidna, neto de Tífon e irmão da Esfinge de Tebas, foi a deusa Hera que o terá criado – noutras versões esta origem teve proveniência da deusa da Lua, Selene, que tinha emprestado o monstro a Hera. A criatura foi colocada em Némea, destruindo a região ao matar homens e rebanhos. Ele vivia numa caverna com duas aberturas. Era invulnerável. Héracles começou por lhe tentar acertar com flechas, mas sem sucesso. Decide então usar a clava para o forçar a entrar na caverna, ao mesmo tempo que tapava uma das entradas. Ao ter o animal encurralado, asfixiou-o com os braços. Em seguida, esfolou o animal e passou a usar a sua pele como adorno. A cabeça usou-a como elmo. Teócrito aponta para o facto de a pele ser impenetrável, onde nem o ferro, nem o fogo, a podiam ameaçar. Héracles, depois de um longo período de tempo, tem a ideia de o esventrar com as suas próprias garras. A esta lenda, uma outra é associada. O episódio da fundação dos Jogos Nemeus. Molorco era um agricultor que vivia perto de Némea, que tinha visto o seu filho a ser morto pelo leão, pelo que acolheu de modo hospitaleiro, o homem que o queria matar. Molorco, tinha mostrado vontade em sacrificar o único carneiro de que tinha posse. Depois do regresso de Héracles, com sucesso, invés de matar o animal para o que o herói conseguisse cumprir a sua obra, matou-o em honra a Zeus Salvador. No local dos sacrifícios, os Jogos foram instaurados.

48

Héracles prosseguiu a sua viagem, levando o leão para Micenas, para junto de Euristeu. Este espantado com a concretização de tarefa tão árdua, impediu o herói de entrar na cidade, afirmando que os despojos deviam ser colocados às portas da cidades e nunca no seu interior. O leão terá sido incluído nas constelações para honrar o feito do herói.

II - A Hidra de Lerna A Hidra de Lerna também era um monstro, filho de Equidna e de Tífon. Terá sido criada por Hera para colocar Héracles à prova. Normalmente (e como veremos no capítulo seguinte) a Hidra é representada como uma serpente de várias cabeças, que podiam ir de cinco a cem, conforme os autores, descritas, por vezes, como cabeças humanas. O seu hálito era mortal, quem dela se aproximasse, mesmo durante o seu sono, morria instantaneamente. Como o leão, também destruía rebanhos e colheitas ao longo de todo o país. Héracles usou setas em chamas como meio de a matar, podendo ainda ter usado, uma espécie de sabre recurvo, uma harpe. Ao cortar cada cabeça, ela voltava a crescer, pelo que precisou da ajuda de Iolau. De modo a impedir este processo, Héracles pediu a Iolau que queimasse a floresta que os circundava, para que este pudesse usar o carvão para queimar as feridas, o que faria com que as cabeças não voltassem a crescer. A cabeça do meio, segundo se afirmava, era imortal. Héracles resolveu esta questão ao cortar a cabeça e enterrá-la, terminando o serviço, com a colocação de um enorme rochedo por cima deste local. Aproveitou ainda para mergulhar as setas no veneno, ou sangue, da besta. Hera terá enviado ajuda à Hidra, na forma de um caranguejo gigante, que apesar de ter conseguido morder o herói no calcanhar, morreu esmagado por ele. Euristeu, conforme Apolodoro referiu, não terá incluído este trabalho entre o total de dez que ele teria de obrar, pois tinha precisado da ajuda do seu sobrinho. Os mitógrafos apontam que este mito é baseado numa história factual, que terá sido cristalizado pelos tempos. Isto, pois as cabeças emergentes eram símbolo do pântano de Lerna secado por Héracles, e cujas nascentes não paravam de irromper, tornando inúteis as tentativas de as parar. Outra interpretação oferece a ideia de que Lerno era um rei, cuja cidade se chamava Hidra. Lerno estaria rodeada por archeiros, no momento em que um deles caísse, outro o substituiria, ideia que terá dado origem às cabeças renascentes. 49

III – Javali de Erimanto Euristeu ordenou, como terceiro trabalho, que Héracles trouxesse vivo um enorme javali que vivia no Erimanto. Héracles com a sua voz, forçou o animal a abandonar a sua pocilga. Dirigiu em direcção à neve espessa que cobria toda a região com o objectivo de o cansar e ultimamente capturar. Com o animal adormecido, levou-o aos ombros até Micenas. Euristeu aterrorizado com o animal escondeu-se numa ânfora, que possuía para tal efeito. Na Campânia, em Cumas, os dentes do animal eram exibidos como ex-votos. Foi no decurso desta caçada que Héracles teve as suas aventuras com o Centauro Folo53. IV – Corça de Cerineia Na quarta ordem, Euristeu mandou Héracles capturar uma corça que vivia em Énoe. Eurípides refere o animal como tendo um porte de grandes dimensões e como devastador de colheitas. Depois de a matar Héracles colocou os chifres da corça no templo de Artemis Enóates. Esta não será a versão original, pois o objectivo desta missão, para o entendimento geral, era mostrar que o herói não era totalmente impiedoso. A história tradicional é a que se segue: Existiam cinco corças com chifres dourados e um porte mais avantajado que o dos touros que pastavam no cimo do monte Liceu. Artemis ao encontra-las recolheu-as e atrelou-as à sua quadriga. A restante refugiou-se, por ordem de Hera, para servir de tarefa a Héracles. O animal consagrado a Artemis não podia ser, por isso, morto, ou sequer tocado, algo que também não era tarefa fácil, pois a corça era muito veloz. Héracles perseguiu-a durante um ano, só depois de passado este tempo é que o animal sagrado se cansou e procurou refúgio junto do monte Artemísio, mas o herói não parou, pelo que ela teve de se deslocar para Arcádia. Héracles conseguiu então feria-la com uma seta, momento a partir do qual não teve dificuldades em apanhá-la e carregá-la. Todavia, ao atravessar a Arcádia, o herói deparou-se com Apolo e Artemis, que queriam ficar com o animal que lhes pertencia. Acusaram-no ainda de a ter tentado matar, um sacrilégio. Héracles afirmou que a responsabilidade não recaía sobre os seus ombros, mas sim sobre os de Euristeu, algo que os deuses perceberam, deixando-o terminar a missão.

53

Sobre Folo ver: http://www.theoi.com/Georgikos/KentaurosPholos.html; retirado a 20-03-2016.

50

Píndaro conta outra versão na qual o herói passa antes pela Ístria, pelo país dos Hiperbóreos, até aos Bem-Aventurados, local, onde Artemis o acolheu de forma bondosa.

V - Pássaros do Lago Estinfalo O quinto trabalho de Héracles tinha o intuito de matar uma praga de pássaros que habitava numa espessa floresta nas margens do Estinfalo, na Arcádia, que tinham para onde tinham fugido devido a uma invasão de lobos. Eles tinham-se espalhado e multiplicado ao ponto de serem um problema para a região adjacente, devorando todos os frutos e não poupando nenhuma colheita, eles tinham de ser mortos. O desafio estaria em conseguir fazê-lo sair da floresta, algo que foi possível devido a umas castanholas de bronze por si feitas, ou oferecidas por Atena, apesar de feitas por Hefesto. Usou este instrumento para espantar os pássarosque quando se encontraram ao ar livre, abateuosfacilmente, com as suas flechas. Outras tradições indicam que estes animais eram aves de rapina, que conseguiam devorar homens, ou que por terem penas de aço, as conseguiam lançar, sobre os seus alvos. Os mitógrafos evemeristas consideram que estas aves são na verdade as filhas de um herói chamado Estinfalo, mortas por Héracles por terem recusado recebê-lo, pois haviam já recebido os Moliónidas, inimigos deste segundo herói. VI – Cavalariças do rei Augias O filho de Hélio, Augias, era rei da Élide, no Peloponeso, e tinha a seu cuidado numerosos rebanhos do seu pai. Mas Augias era desleixado, pois deixava o estrume acumular-se nos estábulos, o que tornava este país estéril. Euristeu que queria humilhar o herói disse que o seu sexto trabalho era limpar estes estábulos. O serviço foi feito, mas não sem se acordar um salário primeiro. Certas versões dizem que o rei Augias se comprometia a dar-lhe parte do seu reino, no caso de conseguir limpá-los num único dia; outras versões dizem que cumprindo o mesmo prazo, receberia parte dos rebanhos. Héracles conseguiu cumprir o trabalho no tempo estimado. Algo que concretizou ao desviar a corrente dos rios Alfeu e Peneu. Augias contudo recusou pagar e baniu o herói do seu reino, o que levaria, mais tarde, a um conflito. Apolodoro contaque, na perspectiva de Euristeu, este trabalho também não devia ser incluído pois foi pedido um pagamento, o que significava que estava ao serviço de outro que não este. 51

VII – Touro de Creta A primeira tradição conta-nos que o touro de Creta é o animal que raptara Europa a pedido de Zeus. Outra, fala do Touro como amante de Pasífae. Uma terceira tradição admite-o como sendo um touro milagroso, pois tinha emergido dos mares no dia em que Minos havia prometido sacrificar a Posídon o que das águas aparecesse. Minos, vislumbrado com a beleza do touro, guardou-o para si, entregando a Posídon outra besta de menor qualidade. Isto não agradou à divindade que despoletou a raiva no animal. Foi assim, que o touro passou a lançar fogo peras narinas (segundo alguns autores) e que se apresentava como uma tarefa digna de Hércules. O herói para cumprir o dever dirigiu-se a Creta, chegou ainda a pedir a ajuda de Minos, mas em vão, recebendo deste apenas uma aprovação à caça do animal. Depois de capturar o Touro, Héracles regressou à Grécia com ele, alguns referem que o fez a nado, montado no dorso do animal. Entregou-o a Euristeu cumprindo assim o sexto trabalho. Este touro será o mesmo que, depois de libertado por Hera que não aceitava uma oferta de Héracles, alcançou a Ática e que faz parte da lenda do Touro de Maratona, onde Teseu é o protagonista.

VIII - Éguas de Diomedes O oitavo trabalho foi completado na Trácia onde reinava Diomedes. Este possuía quatro éguas que se alimentavam de carne humana. A tradição mais antiga refere que Héracles se dirige sozinho a este lugar, por terra, e dá Diomedes como refeição aos seus próprios animais. Que depois de alimentados e apaziguados se deixaram levar. Outra tradição mais recente descreve a lenda espelhando a fundação da cidade de Abdera. IX – Cinto de Hipólita O nono trabalho tem a particularidade de não ter sido ideia de Euristeu, mas sim da sua filha Admete que pensou em mandar o herói capturar o cinto da rainha das Amazonas, Hipólita. Segundo se dizia, este cinto tinha sido oferecido por Ares como símbolo da força desta mulher. Numa expedição marítima com alguns voluntários Héracles, depois de outras aventuras, chegou ao porto de Temiscira, parte do país das Amazonas. Ao princípio Héracles, diplomaticamente consegue adquirir o cinto, mas Hera, ao ver a facilidade com que o herói tinha conseguido a façanha decide fazer-se passar 52

por amazona e gerar uma discussão entre os acompanhantes de Héracles e Amazonas. Os dois lados debateram as suas forças. Hipólita acaba morta pelo herói que pensa ter sido traído. Outras versões do mito dizem que as hostilidades tiveram início no momento de desembarque. A irmã de Hipólita terá sido raptada no meio da confusão, pelo que esta escolheu entregar o cinto em troca da devolução de Melanipe. No regresso, Héracles teve algumas aventuras na costa troiana. X – Bois de Gérion Na Eriteia existia um pastor com o nome de Erítion que guardava os grandes rebanhos de Gérion. Para ajudá-lo nesta sua tarefa, o pastor tinha um cão monstruoso chamado Orto, filho de Tífon e Equidna. Perto deste lugar, que se localizava no Extremo Oriente, os rebanhos de Hades eram supervisionados por Menetes. É já óbvio qual era o décimo trabalho de Héracles, contudo e ao contrário do que se passava doutras vezes, a quantidade de animais que tinha de deslocar por mar era monstruosa. Assim, a solução foi encontrada ao receber do Sol a sua taça, não sem o ameaçar com as suas setas, pois estava saturado num dia de especial calor. Esta taça tinha dimensões elevadas pois era nela que o Sol se transportava, pela tarde, em direcção ao Oceano e ao seu palácio no Oriente do mundo. Foi desta forma que o herói se conseguiu deslocar à Eriteia depois de atravessar o Oceano. Este deus quis por o herói à prova ao tornar a viagem muito complicada. O herói farto do desafio ameaçou-o com as suas flechas. Oceano teve medo e a travessia completou-se sem grandes problemas. Ao chegar à Eriteia deparou-se com Ortro, matou o cão com um golpe apenas. O mesmo destino teve o pastor, partindo em seguida com os bois. Ainda antes de partir, Héracles teve de matar Gérion com as suas flechas (este tinha sido avisado por Menetes). Os animais foram deslocados para taça do sol e o herói seguiu para a outra margem do Oceano, em Tartesso No regresso desta viagem muitas das aventuras do herói que são passadas no Ocidente Mediterrânico decorrem. Na viagem de ida, ele tinha morto vários monstros na Líbia e que, de modo a perpetuar a sua passagem por Tartesso tinha erguido duas colunas onde se separa a Líbia da Europa, as famosas Colunas de Hércules (hoje identificáveis como o rochedo de Gibraltar e o de Ceuta). Nesta fase da viagem, os rebanhos foram ameaçados por bandidos. Na Ligúria um grande número de indígenas armados atacou-o, os seus números eram tais que o 53

deixaram sem munições, pelo que ele teve de pedir a Zeus Pai que o ajudasse. Zeus enviou então uma chuva de pedras, com as quais Héracles pôs o inimigo em fuga. Ainda na Ligúria, Alébion e Dércino, filhos de Posídon quiseram apoderar-se dos rebanhos. Mais cedo encontraram a morte. O herói terá depois seguido pelas costas da actual Espanha, Gália, Itália, Sicília, todo estes lugares onde terão sido erigidos santuários em homenagem à passagem de Héracles por lá. A estes foram incluídas lendas que se associavam ao episódio em questão. Nestas viagens ele passou ainda pela Tirrénia (Etrúria) alcançando o Lácio, lugar onde confrontou Caco, de novo para proteger os rebanhos. Tal sucedeu-se no lugar onde se erigiria Roma. Aí recebeu a hospitalidade de Evandro. Estas lendas têm mais que ver com Hércules, latino, que o Héracles grego. Na Calábria, um dos touros conseguiu escapar. Héracles teve de pedir ajuda a Hefesto para guardar o rebanho, enquanto ele iria recuperar o touro da planície de Érice no país dos Elmos (localizado na actual Sicília que terá recebido o nome deste episódio). Érice era também o nome do rei da cidade de Élimos, este tentou ficar com o touro para si, Héracles não deixou que tal acontecesse e matou-o. Hera quando viu que o herói se aproximava das margens helénicas do mar Jónio enviou moscardos com o intuito de dispersar os bois. O objectivo foi cumprido e os animais ficaram espalhados pelos contrafortes das montanhas da Trácia. Héracles apenas conseguiu reunir parte destes animais, os restantes são apontados como a origem dos rebanhos que se encontram nas planícies da Cítia. Estrímon tentou dificultar a perseguição dos bois, ao que Héracles respondeu rogando-lhe uma praga, a partir daí o seu curso ficou cheio de rochedos, o que tornou um rio navegável, numa passagem a evitar. Os restantes animais foram conduzidos a Euristeu, que os sacrificou a Hera. Estas lendas são ainda mais dispersas quando o mundo conhecido se alarga. Assim vamos encontrar neste episódio acrescentos à distância que o herói viajou, tendo chegado a passar pela Grã-Bretanha. Os viajantes e mercadores helenos encontravam divindades locais similares a Héracles e o tempo encarregou-se de sincronizar estas histórias multiterritoriais.

XI - Cérbero Para completar o décimo primeiro trabalho, Héracles teria de se dirigir aos infernos e de lá trazer o cão Cérbero. Algo que apenas foi possível concretizar com a 54

ajuda de Hermes e Atena, a mando de Zeus. Para conseguir viajar ao outro mundo, Héracles tinha de se iniciar nos Mistérios de Elêusis, que ensinavam aos seus seguidores o modo como podiam alcançar o outro mundo, em segurança, depois de morrerem. A tradição diz-nos que que Héracles seguiu pelo Ténaro para chegar aos infernos. Todavia, os habitantes de Heracleia do Ponto afirmavam que o herói tinha uma entrada, que usou, uma Boca do Inferno situada perto da sua cidade. Ao chegar ao outro mundo, apenas dois mortos não fugiram dele: a Górgone Medusa, e o herói Meleagro. Héracles tentou matar Medusa, mas Hermes disse-lhe para não se cansar, pois esta era apenas uma sombra vazia. Também se tentou proteger contra Meleagro, desta feita com o arco, contudo, nunca o chegou a atacar, pois o herói já falecido aproximou-se de Héracles e contou-lhe a forma como morreu, história que emocionou até às lágrimas o herói. Héracles como forma de pagamento afirmou que casaria com uma familiar sua que ainda estivesse viva, prometeu então casar com Dejanira. Mais à frente, o herói encontrou Teseu e Pirítoo, que se encontravam presos por Hades, pois este tinha-os apanhado a tentar roubar Perséfone. Héracles com a permissão da filha de Deméter libertou Teseu, mas apenas este, Pirítoo teve de permanecer nos infernos como paga pelo seu atrevimento.Em seguida, o herói ainda conseguiu libertar Ascálafo. Desde que deixou Perséfone comer uma maçã do pomar de Hades, Ascálafo estava aprisionado devido a uma pedra com que Deméter o enterrou. Mal se viu livre da prisão que Deméter lhe impôs, depressa a deusa o transformou em coruja, perpetuando o seu castigo. Ainda antes de se defrontar com Cérbero, o herói quis dar sangue aos Mortos, que podiam, através de libações sangrentas, ter mais um pouco de vida. Para tal tinha de matar os animais dos rebanhos de Hades, guardados por Menetes, que se opôs à ideia, acabando com várias costelas partidas, e quase sendo morto, não fosse a intervenção de Perséfone. Finalmente, Héracles conseguiu falar com Hades, pedindo-lhe para levar o cão de três cabeças. O deus assentiu que ele o levasse na condição de o conseguir domar apenas com a sua couraça e a pele de leão. O herói agarrou-lhe pelo pescoço, e apesar de ter sido picado várias vezes pela cauda em forma de escorpião, apenas o largou quando este estava subjugado. No regresso com o animal, passou pela boca do inferno, em Trezena. Mais uma vez, ao ver a besta que Hércules tinha trazido, Euristeu escondeu-se. Depois de cumprida a tarefa, Héracles devolveu o cão a Hades, seu dono. 55

Em Olímpia contava-se que Héracles havia trazido consigo do Hades, o choupo branco, uma madeira única, pois era com ela que se podia, fazer sacrifícios ao Zeus de Olímpia. Uma perspectiva evemerista deste trabalho refere que Cérbero e Ortro faziam parte dos cães que guardavam os rebanhos de Gérion. Héracles teria morto o segundo e oferecido o primeiro a Euristeu. Este tinha deixado o cão ser roubado por Molosso, pelo que Héracles, de novo, teve de procurar o animal por todo o Peloponeso, e devolve-lo a Euristeu.

XII - As Maçãs de Ouro das Hespérides Quando Hera casou com Zeus, Geia, ofereceu umas maçãs de ouro como prenda de casamento. Hera gostou tanto da prenda que mandou plantar a árvore no seu jardim, perto do monte Atlas, ou a Ocidente da Líbia, ou ainda no país dos Hiperbóreos. Como as filhas de Atlas costumavam vir pilhar este jardim, a deusa tentou proteger esta sua posse preciosa ao colocar um dragão, de cem cabeças, filho de Tífon e Equidna, como seu guarda. No mesmo lugar tinha colocado também três ninfas da Tarde, conhecidas como Hespérides: a Egle, a Erítia e a Hesperetusa (etimologicamente os nomes podem ser comparados ao sol que desaparece a Ocidente). Foram precisamente estas maçãs que Hércules tinha de trazer. Primeiro, Héracles teve de descobrir qual o caminho para chegar a esse lugar. Partiu para Norte, através da Macedónia, no caminho encontrou-se com Cicno, filho de Ares, que desafiou. Em seguida seguiu para a Ilíria, até às margens do Eridano, onde se deparou com as ninfas do rio que habitavam numa caverna e eram filhas de Témis e Zeus. Depois de as interrogar descobriu que o único que lhe podia indicar o caminho era Nereu, um deus marinho. Enquanto dormia, as ninfas guiaram-no até ao deus, que passou então a ser agarrado pelo herói que apenas o libertou depois de ele lhe revelar a localização. Enquanto o agarrava Nereu assumiu inúmeras formas. Depois disto não podemos perceber bem qual o caminho que o herói tomou. Apolodoro afirma que foi nas margens do Eridano que o herói terá alcançado a Líbia, lugar onde lutou contra Anteu, um gigante. Percorreu depois o Egipto, onde quase foi sacrificado por Busíris, seguiu depois o seu caminho, passando pela Ásia, pela Arábia (onde matou Emátion), e regressando à Líbia. Neste lugar embarcou na “taça do sol” e chegou ao Cáucaso. Depois de subir o Cáucaso libertou Prometeu, cujo fígado renascia constantemente de modo a poder ser de novo comido por uma águia. Como forma de

56

agradecimento, o gigante informou-o e que não deveria colher as maçãs de ouro, mas mandar outro colhê-las, em especial, Atlas. Ao chegar ao país dos Hiperbóreos, Héracles encontrou-se com o gigante Atlas, que sustentava o céu sobre os seus ombros. O herói oferece-se para carregar o peso no caso do gigante não se importar de colher três maçãs de ouro no Jardim das Hespérides, próximo daquele lugar. Atlas aprovou a ideia e concretizou a façanha. Pelo caminho teve a ideia de propor a Hércules que ele mesmo levaria os frutos a Euristeu, enquanto o herói continuaria a suportar a abóboda celeste. Quando lá chegou Hércules acentiu de imediato, apenas pediu que Atlas ocupasse o seu lugar, por breves momentos pois ele que não estava habituado ao peso, Atlas acentiu, sem desconfiar. Mal se viu livre do fardo, Héracles agarrou nas maçãs e partiu. Outras tradições dizem-nos que o herói foi sozinho buscar as maçãs, ou ao matar o dragão, ou ao adormecê-lo. As Hespérides devido ao facto de terem perdido estes frutos tão queridos a Hera, terão sido transformadas em árvores: um ulmeiro, um choupo e um salgueiro, sobre cuja sombra os argonautas viriam a descansar. O guardião imortal foi, tal como o leão de Némea, transferido para o céu onde passou a ser a constelação da serpente. Com a entrega das maçãs, mais uma tarefa ficou cumprida. Euristeu quando as recebeu e não sabendo o que fazer com elas, devolveu-as ao herói, que por sua vez as entregou a Atena. Não podendo os frutos estar fora do jardim dos deuses, foram devolvidos ao Jardim das Hespérides. Terceiro Ciclo – As Expedições de Héracles

Contra Tróia É mitograficamente aceite que a expedição a Tróia foi a primeira que Héracles empreendeu. A certa altura durante as suas viagens, Héracles passou por Tróia, que tinha sido infestada por cólera, enviada por Apolo e Posídon. A cidade estava de luto pelos falecidos. Tal aconteceu, pois apesar das duas divindades construírem fortificação à volta da cidade, o pagamento discutido, nunca lhes chegou. O rei de Tróia, Laomedonte, nunca pagou. O castigo tinha sido a peste, por parte de Apolo, e o envio de um monstro marinho que devorava as pessoas. O oráculo previu que as desgraças só podiam cessar, se Hesíone fosse entregue ao monstro. Acorrentaram, portanto, a jovem a um rochedo para que a profecia se 57

cumprisse. No momento em que ia ser devorada Héracles chegou a Tróia. Héracles depois de negociar com Laomedonte para salvar a filha deste, fê-lo. Mesmo assim, o rei voltou a não pagar a sua dívida, pelo que foi ameaçado pelo herói que o avisou do seu regresso e do ataque que seria feito por si à cidade de Tróia. Depois do término dos Doze Trabalho e da servidão à casa de Ônfale, Héracles concretizou a ameaça, reunindo um exército e dirigindo-se a Tróia. O cerco feito demorou pouco, rapidamente, Télamon, entrou na cidade, atrás do qual veio o herói. Este último ainda arremessou em direcção ao seu mais devotado companheiro, pois tinha-o superado, mas este estava prestes a fazer-lhe uma homenagem, pelo que estes pensamentos fugiram. A cidade foi então conquistada. Laomedonte e os seus filhos encontraram a morte na ponta das flechas de Héracles. Apenas Podarces sobreviveu. A mão de Hesíone foi concedida a Télamon. Foi dada a hipótese à agora esposa de Télamon de escolher um dos prisioneiros. Ela escolheu o jovem Podarces, comprado com o seu véu, passando a partir daí a ser conhecido pelo nome de Príamo54, o futuro rei de Tróia. Ainda em Tróia Héracles enamorou-se com Auge. Quando o herói regressava de Tróia, Hera que parece nunca ter gostado dele, fez com que Hipno, o deus do sono, adormece-se o seu marido, apenas para ver o navio de Héracles a ser levado, por sua vontade e façanha, às costas de Cós. Quando se aproximavam foram atacados por pedras, pois os habitantes das ilhas pensavam tratar-se de piratas. O lugar acabou por ser tomado, o rei da ilha morto – chamava-se Eurípilo, filho de Posídon e Astifaleia, por fim, Héracles uniu-se a Clacíope, a filha de Eurípilo e teve com ela um filho que se veio a chamar Tessalo. Outra lenda conta-nos que durante um combate, Héracles foi ferido com gravidade por Calcodonte, e apenas graças à intervenção do seu pai conseguiu salvar a vida. Ainda outra versão que era contada sobre o desembarque em Cós dizia que o herói tinha perdido todos os seus navios, excepto o que o transportava. Neste lugar deparou-se com Antágoras, filho de Eurípilo, que protegia um rebanho. Héracles, esfomeado, pediu-lhe um carneiro, pedido ao qual Antágoras não acedeu, desafiando-o antes para um duelo, onde o vencedor levaria como prémio um carneiro. Durante a luta os restantes habitantes da ilha acudiram ao seu compatriota e rodeando Héracles, este

54

Etimologicamente a palavra significa “comprar”.

58

viu-se obrigado a escapar e a refugiar-se na casa de uma mulher. Aí, de modo a passar despercebido, teve de vestir trajes femininos. Partindo de Cós, Héracles seguiu para Flegra, onde lutou ao lado dos deuses contra os Gigantes.

Contra Augias Após a limpeza dos estábulos, Augias que devia ter pago um salário a Héracles, não o fez, chegando mesmo a banir o herói de Elide. Como forma de vingança, Héracles depois e reunir forças em Arcádia, atacou Élis. Porém, os inimigos não eram fáceis de vencer, pois à frente dos seus exércitos encontravam-se os Moliónidas Êurito e Ctéato. As forças destes derrotam as de Héracles, e Íficles, o irmão do herói,é ferido mortalmente. A mitografia explica esta derrota, pois os Moliónidas aproveitaram um momento de fraqueza do herói, quase como que o atacaram pelas costas. Mais tarde, Héracles matou os Moliónidas, ao emboscá-los, no momento em que eles seguiam para Cleóna, para representar Élis nos terceiros Jogos Ístmicos. Em seguida, Héracles preparou uma segunda expedição, conquistou a cidade de Élis, matou Augias e colocou no trono Fileu, filho do rei anterior, que tinha antes testemunhado a favor do herói. Depois desta investida, Héracles, em Olímpia, consagrou Áltis, o recinto sagrado, onde foi se ergueu um santuário dedicado a Pélops, teve ainda tempo para fundar os Jogos Olímpicos. Em relação à fuga de Héracles perante os Moliónidas, dizia-se que o herói fugiu incessantemente até Buprásio. Quando se apercebeu que estava a salvo, foi beber água perto duma fonte que lhe pareceu particularmente agradável e a que deu o nome de Badi.

Contra Pilos Periclímeno e Nestor, eram os filhos, mais velho e mais novo, respectivamente, do rei Neleu. Este tinha deixado Héracles insatisfeito, pois recusara purificá-lo depois do seu irmão, Íficles falecer. Nestor foi o único filho a aconselhar que se fizesse a vontade do herói. Tal conselho não foi seguido, o que levou à necessidade de vingança do herói. Outra lenda conta que o herói havia lutado não só contra Neleu, mas também contra os Mínios de Orcómeno. Do lado de Héracles estavam os Tebanos. Ainda se diz que o rei da Messénia tinha tentado roubar os rebanhos de Gérion. De qualquer modo é aceite que depois de ter derrotado Augias, que o herói se debateu com Neleu. O 59

episódio mais relevante era a luta climática entre Héracles e o filho de Posídon, Periclímeno. Por tal, este podia-se tornar em qualquer animal que desejasse, assim transformou-se numa abelha, pousando sobre o as rédeas dos seus cavalos. Atena avisou o herói da proximidade do seu inimigo, Héracles matou-o com uma seta ou esmagou-o entre os dedos. Píndaro conta-nos uma versão em que Apolo e Posídon também participam na luta. Ainda se dizia que no decorrer desta luta, o herói tinha ferido Hera num seio, com uma flecha; e Ares na cocha, com uma lança. Depois de Héracles vencer, Pilos foi tomada. Só Nestor sobreviveu, o herói matou Neleu e todos os seus outros filhos. Pausânias preservou a ideia de que o reino tinha sido dado a Nestor, enquanto os Heraclidas não o viessem reclamar.

Contra Esparta Hipocoonte era o rei de Esparta, juntamente com os seus vinte filhos. Juntos tinham contribuído para afastar Icário e Tíndaro, meios-irmãos de Hipocoonte. Héracles vai lançar um ataque contra os Hipocoôntidas. Vários motivos são apresentados: a vontade de entregar o reino aos seus legítimos donos; vingar a morte de Eono, sobrinho de Héracles, que tinha sido morto pelos Hipocoôntidas. Também existe referência a uma aliança destes com Neleu, na guerra antecedente. As forças de Héracles reuniram-se na Arcádia, das quais estavam associados os vinte filhos de Cefeu. Estes na batalha principal acabaram por morrer, o mesmo que aconteceu a Íficles. A ideia de Héracles, em entregar o reino a Tíndaro cumpriu-se. Para comemorar a vitória foram erigidos dois templos em Esparta, um a Hera e outro a Atena. O templo de Hera justifica-se pois esta na prejudicou o herói neste seu objectivo.

Aliança com Egímio A primeira expedição precedente de Héracles não se situou no Peloponeso. A aliança com Egímio, rei dos dórios feita na Tessália, no norte da Grécia continental, tinha o intuito de atacar os Lápitas, liderados por Corono. Héracles associou-se à luta entre Lápitas e Egímio pois foi-lhe prometido um terço do reino se vencessem. Os Lápitas foram facilmente derrotados, contudo, o herói disse a Egímio que reservasse a recompensa para os Heraclidas. Pouco depois Héracles seguiu em direcção a um povo vizinho, os Dríopes, depois de ter sido expulso de Cálidon, juntamente com Dejanira e o seu filho Hilo. Pelo 60

caminho, este queixou-se de fome. Héracles para saciar o desejo do seu rapaz pediu a Teódamas, o rei do país, que lhe oferecesse algo de comer para o seu filho, pedido que não foi concedido. Assim, Héracles roubou um dos bois do rei e matou-o para se alimentar a si e aos seus. Teódamas depois de saber o sucedido juntou as suas tropas e travou-se uma guerra, da qual Dejanira saiu ferida. A vitória não deixou de pertencer ao herói. Héracles teve ainda tempo para matar o rei dos Dríopes, Laógaras que havia profanado um santuário a Apolo. Tomou para si o reino. Deste reino fugiram homens que acabaram por fundar as cidades de Caristo, Chipre, Ásine, Hermíone e Éion, nestas últimas depois de terem sido acolhidos por Euristeu. Por fim, o herói deslocou-se à cidade de Orménio, perto do monte Pélio. Aí fez guerra pois Amintor não o tinha deixado passar. Héracles decidiu ocupar o reino e matar o seu líder. Diodoro conta-nos que Héracles desejava casar com Astidameia, filha do rei, algo que este não aceitou, pelo que o ataque se deu. Héracles e a filha de Amintor tiveram Ctésipo. Quarto Ciclo – As Aventuras Secundárias

Estas próximas descrições das aventuras apenas se associam pois não pertencem a ciclos cronologicamente organizados como as precedentes. Ou de terem um motivo similar. São independentes, por vezes, introduzidos de forma algo artificial num dos outros episódios.

Folo e os Centauros Um exemplo destas associações narrativas pode ser encontrado nas aventuras passadas no país de Folo, ligadas à caça do javali de Erimanto. Quando Héracles perseguia o animal, passou pelo lugar onde habitava o centauro Folo, cuja região tinha o mesmo nome. Dioniso tinha oferecido vinho a este, deixando o aviso que ele só lhe podia tocar quando Héracles lhe pedisse asilo. Outra tradição diz-nos que o vinho numa jarra era propriedade comum a todos os Centauros, onde apenas poderiam beber dela, se o fizessem em conjunto. Ao chegar Héracles foi muito bem recebido, sendo-lhe oferecidas todo o tipo de carnes, isto enquanto ele mesmo comia as carnes cruas. Héracles sentiu sede e teve a vontade de beber vinho. Folo explicou-lhe que não podia tocar, sozinho, na jarra, mas 61

Héracles aferiu que tal não suscitava problemas e ambos partilharam a bebida. Os restantes centauros sentiram o odor e apressaram-se a atacar os prevaricadores com archotes, pedras e mesmo árvores inteiras. Ânquio e Ágrio foram os primeiros a atacar, e os primeiros a morrer. Os restantes fugiram até ao cabo Malíaco, onde Elíato se refugiou perto de Quíron, que tal como o Elíato se feriu. Elêusis foi o porto de abrigo da maioria dos Centauros, a mãe deles veio em seu socorro, através de fazer chover abundantemente, não fosse ela Néfele (a Nuvem). Folo também acabou por morrer de forma acidental, ao enterrar os seus iguais, tirou uma seta de uma ferida, admirado com o facto de algo tão simples poder matar. Ao admirar a flecha, deixou-a cair ferindo-se mortalmente. Héracles entristecido com a morte do seu amigo, fez-lhe um funeral esplendoroso.

Eurítion A luta contra Eurítion, o centauro, associa-se ao combate contra Augias. Ao ser expulso de Élide, o herói refugiou-se em Óleno, onde reinava Dexâmeno. Apesar de existirem várias versões, todas elas referem uma tentativa de violação da parte do Centauro à filha do rei chamada Hipólita ou Mnesímaque. Eurítion tinha sido convidado para o casamento entre esta rapariga e Ázan, um arcádio, foi aí que a tentou raptar. Isto teria sido possível se Héracles não tivesse chegado, morto o Centauro e devolvido a noiva. A jovem, ainda noutra tradição, tinha o nome de Dejanira, visto que era Héracles quem a tinha desposado, algo que seria feito aquando do seu regresso. Contudo, antes do herói voltar, Eurítion quis ser antes ele a casar com a jovem. No dia do casamento, o herói voltou matou o Centauro e casou com a filha de Dexâmeno.

Alceste Eurípides, na tragédia com o mesmo nome, conta-nos uma versão daressurreição de Alceste pode ser encontrada cronologicamente na passagem do herói pela Tessália, quando cumpria a tarefa de trazer os cavalos de Diomedes. Apolodoro conta uma história diferente, onde se pode notar que esta é uma das aventuras dos irmãos, Héracles e Ífito. P. Grimal aceita que possa ser esta “versão” um acrescento posterior ao mito

55

55

.Na versão inicial é a própria Perséfone quem,

GRIMAL; Op. Cit.; p. 216.

62

sensibilizada, faz regressar a jovem esposa ao mundo dos vivos, não é Héracles que força Tânato, a morte, a entregá-la56.

Cicno Apolodoro é quem, mais uma vez, nos conta mais uma aventura do herói, desta feita fala-nos do combate contra Cicno e Ares, quando este narra a viagem ao país da Hespérides. Busíris57 O encontro entre Héracles e o rei do Egipto, Busíris, também se encontra na viagem da procura pelos frutos proibidos. Este personagem acabou por ser morto pelo herói, pois sacrificava os estrangeiros no altar do seu pai, Posídon.

Anteu A lenda de Busíris interliga-se com a de Anteu. Volta a ocorrer durante a execução da mesma tarefa, e partilha também os mesmos traços narrativos, onde um filho de Posídon mata os estrangeiros. As divergências encontram-se nos seus outros traços. Anteu era também filho da terra e, ao contrário de Busíris, possuía uma força imensa. Héracles matou o seu inimigo e deu um filho à mulher do falecido. Este filho ficou conhecido como Palémon. Os Pigmeus, que também eram filhos da terra mostraram a vontade de se vingarem e Héracles. Esta era uma raça de homens muito pequenos que também habitavam no Egipto, numa zona remota perto da Líbia. Por se encontrarem em imediata desvantagem, tentaram matar o herói enquanto este dormia. Héracles acordou, largou grandes gargalhadas e com apenas uma mão pegou em todos eles e levou-os a Euristeu, na sua pele de leão.

Emátion O filho de Eos, a Aurora e de Titono, irmão de Mémnon chamava-se Emátion e reinava sobre os Árabes (noutras versões obre a Etiópia). Foi também ao longo da viagem à procura das maçãs que Héracles se deparou com ele, ao subir o vale do Nilo. 56

Sobre Alceste ver dita entrada em: COTTERELL, Arthur, e STORM, Rachel; The Ultimate Encyclopedia of Mythology; Hermes House; Londres; 2003. 57 Sobre Busíris ver LIVINGSTONE, Niall; A Commentary on Isocrates' Busiris; Brill; [s.l.]; 2001.

63

Emátion atacou o herói e depois de vencido foi morto. Uma das versões aponta que esta era uma tentativa de impedir o herói de roubar as maçãs. Outras narrativas contam que foi no regresso que o encontro se deu, quando Héracles estava pronto a embarcar na taça do sol. Depois de ter morto Emátion, Héracles entregou o reino a Mnémnon. Nesta linha narrativa também se pode encontrar uma versão que fala de Emátion como o pai de Romo, um dos fundadores de Roma.

Prometeu Foi ao atravessar o Cáucaso que o herói se deparou com Prometeu. Héracles matou a águia com o seu arco, parando assim o eterno processo de devoração do fígado de Prometeu. Assim se deu a libertação de Prometeu tal como Zeus desejada, de modo a engrandecer o seu filho.

Licáon Héracles matou Licáon quando, mais uma vez, se encontrava na procura das maçãs, atravessando o bosque sagrado de Pirene, momento em que Licáon o atacou. Este era rei dos Crestónios da Macedónia, filho de Ares e Pirene e irmão de Diomedes.

Alcioneu Alcioneu foi o gigante que atacou o herói quando este regressava de Eriteia com os rebanhos de Gérion. O ataque foi feito com pedras, o que se podia comprovar na Antiguidade pois existiam enormes pedregulhos sobre o istmo de Corinto, onde o gigante vivia. Héracles matou-o com a sua clava. Esta história é repetida num outro contexto. Quando o herói vai lutar com os deuses contra os Gigantes. Aqui Alcioneu é um monstro divino e Héracles vence com a ajuda de Atena. Cronologicamente, este episódio encontra-se depois da expedição contra Tróia.

Os Cercopes O herói terá capturado os Cércops enquanto escravo de Ônfale. Estes eram dois indivíduos famosos por roubarem e enganarem os viajantes. Esta aventura foi aproveitada para as comédias mais burlescas e para outras façanhas próximas do “popular”. Espacialmente, começou por se localizar na Tessália, mas ao identificá-la com Ônfale, definiu-se que se passava antes na Ásia Menor. 64

Sileu Foi ainda durante a servidão a Ônfale que Héracles foi levado a ser escravo da casa de Sileu, homem que forçava os estrangeiros a trabalharem para si, numa vinha. Eurípides foi quem adaptou esta história para um drama satírico em que Héracles demonstra o glutão que se pretendia mostrar que era.

Litierses Ainda enquanto servia Ônfale, o herói foi obrigado a servir Litierses, o “ceifeiro maldito” e irmão do rei Midas. Esta história é semelhante às duas anteriores, visto ser um tema folclórico que serviu de base a um drama satírico (desta feita de Sosíteo).

Outras Lendas Existiam ainda relatos que incluíam a personagem de Héracles na sua narrativa. Uma delas referia-se à sua nomeação como um dos que iam com os Argonautas recuperar o velo dourado, tradição que não pertencia à lenda mais antiga. Argo, a nau, que falava, tinha-se pronunciado contra o embarque do herói, pois tinha medo de não aguentar com o seu peso. As versões que incluem Héracles nesta viagem concordam que este abandona a expedição, antes dos Argonautas chegarem a Cólquide. A certa altura, no mundo grego, a lenda de Héracles alcançou a hegemonia de difusão que lhe passou a ser dada. Devido a este facto, muitas lendas quiseram incluir o herói na sua narrativa, pelo que quando na história mitológica mais antiga o herói não figurava, alterava-se esta história de modo a incluí-lo. A tradição da matança dos filhos de Bóreas é um bom exemplo disso, pois esta foi contada de modo a poder servir de união de um dos ciclos de Héracles dos mitos tessálicos de Bóreas. O mesmo se fez com o ciclo de Dédalo e Héracles. Quinto Ciclo – Fim e Perpetuação

Sófocles, nas Traquínias, e outros poetas trágicos contam-nos de forma dramática o que levou à glorificação final do herói no topo do Eta. Este é um ciclo coerente, similar ao do seu nascimento. O centro da narrativa é o amor por Dejanira, tal liga a luta contra Nesso, a morte de Ífito, a servidão a Ônfale e a morte do Herói arruinado.

65

Tal como referimos, o casamento com Dejanira tinha sido decidido com Meleagro aquando da visita do herói aos Infernos. Contudo, Héracles antes de casar com esta mulher teve de derrotar o deus-rio Aqueloo. O casal permaneceu durante algum tempo em Cálidon, contudo Héracles assassinou Eneu e sentiu-se compelido a deixar o lugar. Durante a viagem para o exílio o herói viu-se obrigado a lutar contra Nesso, o terceiro centauro que defrontava. Este centauro morava nas margens do rio Eveno, onde os viajantes faziam a sua passagem. Héracles e Dejanira também a tiveram de fazer. Héracles foi o primeiro a fazer a travessia, Dejanira era a segunda, mas ao longo do trajecto Nesso tentou violá-la. Ao gritar por socorro chamou a atenção do herói que matou o centauro com uma flecha. Antes de morrer, teve tempo para dizer a Dejanira que se Héracles a deixasse de amar, ela poderia reacender a chama da paixão com o sangue do centauro. Dejanira assim recolheu o seu sangue. O conteúdo deste líquido varia, tratando-se do seu sangue, d o líquido que corria das feridas da hidra de Lerna e ainda do sémen de Nesso. Outro episódio que terá decorrido foram os já referidos encontro entre Teódamas e o combate contra os Dríopes. Héracles e Dejanira, em conjunto com o filho e ambos, Hilo, acabaram por alcançar Ceíce que os acolheu de boa vontade. Várias expedições foram feitas a pedido de Ceíce. É numa destas expedições que Ífito encontra a sua morte, acontecimento que atingiu o herói na forma de um novo ataque de loucura. Héracles para perceber como poderia tratar o seu problema foi a Delfos e perguntou à Pitonisa como se poderia purificar. A sacerdotisa recusou-se a responder, o que enfureceu ainda mais Héracles que ameaçou pilhar o santuário. Apolo veio em defesa da sua crente e travou-se uma luta entre os dois meios-irmãos, esta foi uma luta tal que Zeus teve de intervir na sua forma esplêndida, em forma de raio. Héracles acabou demovido da intenção de mudar o santuário de sítio que lhe pertencesse. A pitonisa acabou por lhe dizer que se ele quisesse ser purificado teria de se vender como escravo e servir alguém durante três anos. Foi assim que Héracles se tornou servo de Ônfale que o comprou por três talentos. Regressar com os Cercopes, lutar contra Sileu e Litierses são algumas das façanhas que foram executadas neste período. É também aqui que é trabalhado um tema folclórico: a troca de vestuário. Os dois, o servo e a rainha, estariam apaixonados, porém Héracles era representado com longas vestes femininas, a rainha vestia as suas roupas características: a pele de leão e a clava. Héracles aprendia a fiar aos seus pés.

66

Este período de escravatura serviu ainda como explicação para a ausência do herói da caça do javali de Cálidon e dos feitos de Teseu contra os malfeitores que infestavam o istmo de Corinto. A expedição militar contra Tróia é por vezes localizada após a servidão a Ônfale, conforme nos diz Apolodoro. Outros autores apontam diferentes espaços temporais, localizando o episódio após a guerra contra as Amazonas, e a busca pelo cinto de Hipólita. Atribui-se à mesma fase a guerra contra Êurito e a tomada da Ecália. Íole, a filha do rei, foi feita sua concubina. Foi neste momento que Dejanira ponderou em utilizar a “poção mágica” que Nesso lhe tinha entregado. Héracles vitorioso preparou-se para consagrar um altar a Zeus, por tal enviou dois homens para irem buscar a sua túnica. Esta veio já embebida no líquido de Nesso. Héracles vestiu a túnica e preparou-se para fazer o sacrifício, mas à medida que a túnica aquecia, o veneno presente no sangue de Nesso era activado. A dor foi tanta que Héracles agarrou num dos homens enviados pelo pé e atirou-o ao mar. A veste tinha-se colado ao seu corpo, que se encontrava em decomposição. Foi neste estado que foi levado a Tráquis. Dejanira quando percebeu o mal que havia perpetuado suicidou-se. Héracles teve tempo para declarar as suas últimas vontades, a Hilo ofereceu Íole, com quem casaria quando tivesse idade para isso. Depois disto fez uma grande pira no monte Eta e subiu para cima dela. Ordenou aos que o serviam que pegassem fogo. Ninguém se chegou à frente senão Filoctetes. Héracles ofereceu-lhe o seu arco e flecha. Já a arder Héracles foi levado por um nuvem depois de trovejar sobre o monte. Filoctetes teria prometido a Héracles não contar qual o lugar onde se tinha emulado (nesta versão sendo a única testemunha da sua morte). De certo modo isto foi cumprido, mas Filoctetes não resistiu a fazer uma marca com o pé no lugar, o mesmo pé em que mais tarde foi cruelmente ferido. Outras tradições contam que Héracles não terá morrido numa pira mas antes afogado, pois torturado pela túnica que se incendiou tinha-se mandado ao rio que se encontrava perto de Tráquis. Este rio teria a partir daí ficado quente. Estaria também aqui a origem dos Termópilas, entre a Tessália e a Fócida, onde ainda hoje há uma fonte quente. O fogo está presente em ambas versões. Tal como Tétis ia fazer com Aquiles, é através do fogo que Héracles se despoja dos restos mortais que herdava da sua mão Alcmena. A exposição ao calor de uma fogueira tornava-os imortais. Deste modo, o 67

herói tinha passado a ocupar um lugar entre os deuses. Atena que o tinha sempre protegido continuou a olhar por ele nos céus. Ainda aqui reconciliou-se com Hera que se veio a tornar a sua mãe imortal. No Olimpo desposou Hebe, a deusa da juventude, algo que é apontado como sinal da sua imortalidade, pois apenas os deuses se conseguem manter jovens para a eternidade, uma das características que distingue os deuses de homens. Tornou-se num dos imortais, devido aos seus trabalhos, mas também pelo seu valor e dores. Na terra tinha deixado cerca de setenta filhos, na maioria rapazes.

Síntese do Herói Apesar de ter um nome de mortal, Héracles tinha características de um herói cultuado e presente no estilo épico, mas também de um deus. Como herói era mortal, nascido de um deus e uma mulher terrestre. As lendas dos seus feitos épicos são arcaicas e foram sendo acrescentadas ao longo de todo o período da Antiguidade. Esta sua permanente glorificação terá alterado a sua personagem de um herói que, depois da sua morte, tem um poder limitado a uma região específica, para um deus, que não vê o seu poder limitado a um espaço58. Os seus seis primeiros trabalhos localizavam-se no Peloponeso. Os restantes tinham localizações esparsas, situando-se nas fronteiras do mundo conhecido ou para além delas. O Touro de Creta estava a Sul, as éguas de Diomedes a Norte, a busca pelo cinto da rainha das Amazonas a Este, a procura pelos rebanhos de Gérion a Oeste, as maçãs das Hespérides no limite do mundo e a captura de Cérbero no Submundo.

Pertencendo ao período arcaico podemos observar nas representações que analisaremos todos os doze trabalhos estão representados, incluindo ainda os encontros com os Centauros e a luta contra Apolo. Assim, a sua iconografia, a sua “imagem de marca” estava já bastante bem estabelecida desde este período, i.e., a sua clava, a pele do Leão de Nemeia, a sua clava e o seu arco e flechas. Héracles foi cultuado como um deus na cultura popular desde o século VI a.C. Heródoto aprova que os helenos venerem Héracles tanto como um olímpico mas ao mesmo tempo como um simples tebano. Como referimos o seu culto sobrepôs o de outras personagens que partilhassem algumas das suas características e, por tal, a propagação da sua figura exponenciou-se. Ele foi também cultuado em locais 58

VER hero-cult in ROBERTS; J.W.; The Oxford dictionary of the classical world; Oxford University Press; Oxford; 2005.

68

específicos que o tomaram como a sua divindade patrona. Ele guiava os efebos como o seu ideal de guerreiro e como o seu líder no treino militar. Estava presente muitas vezes num gymnasium (partilhando esta primazia com Hermes) e nas mentes dos jovens em geral. Estava quase exclusivamente associado às actividades masculinas, algo que explica a inacessibilidade de mulheres a rituais dedicados a si, ou mesmo aos seus santuários. Também como fizemos breve referência, a sua influência, geograficamente, estende-se tão longe como os seus trabalhos (apesar de não podermos atestar se o mesmo aconteceu no Submundo). Desde o período homérico o seu culto encontrava-se estabelecido em Tebas, apesar das provas mais recentes apontarem para uma cultuação que data do século V a.C. Era também venerado na Beócia, em Ática. Os estudos arqueológicos mais antigos são onde se localizava o seu santuário no monte Eta, em Tasos. Nesta última colónia o herói encontrava-se presente desde a sua fundação, podíamos observar que este era admirado como um deus, mas tinha também uma função de campeão ou protector da cidade. Note-se ainda uma tendência para sincretizar o herói com outras divindades. Em Tasos podem ser encontrados uma área sacrificial, um Templo, e espaços para a prática de desporto que fariam parte do complexo. Todo este culto à guerra e desporto ajudaram a produzir a sua imagem de homem-forte. Tebas também usou o herói como símbolo da sua cidade, pelo menos, desde a segunda metade do século V. Pisístrato uso-o como protector pessoal e legitimador das suas acções. A família real da Macedónia reclamava que era descendente da divindade. Os governantes dóricos chegaram a legitimar a sua soberania ao criar uma árvore genealógica que os ligava a Héracles, através dos seus filhos, os heraclidas (que, segundo muitas das narrativas já descritas, tinham regressado ao Peloponeso vindos do norte para reclamar o que era seu por direito). Apenas para percebermos como o seu culto se foi perpetuando ao longo da Antiguidade e, consequentemente, ao longo da História até aos dias de hoje, é interessante ver que o culto a Hércules (nome derivante do latim e por tal o mais célebre) foi dos primeiros cultos estrangeiros a serem recebidos em Roma. O seu mais antigo lugar sagrado era a Ara Maxima onde apenas a sua figura era adorada e que se encontrava dentro do pomerium do Palatino, mulheres, como era típico nos seus cultos, mas também cães não podiam entrar neste espaço. Os historiadores apontam que a ideia seria colocar no forum Boarium comercial, um deus que era mais conhecido que os deuses locais. Hércules passou a ser muito venerado pelos mercadores devido à sua 69

prevalência sobre o mal e às suas longas viagens onde cumpriu os seus trabalhos e explorações. Outra razão para a sua popularidade em Roma, devia-se ao facto de carne sacrificial ter de ser comida ou queimada diariamente.

Descendência de Herakles  Cinquenta filhas de Téspio; cinquenta filhos; Antileonte, Hipeu, Trepsipas, Eumenes, Creonte, Astíanax, Íobes, Polilau, Arquémaco, Laomedonte, Eurícapo, Eurípilo, Antiades, Onésipo,

Laomenes, Teles, Entélides, Hipódromo,

Teleutágoras, Capilo, Olimpo, Nicódromo, Cleolau, Euritras, Homólipo, Átromo, Celeustanor, Ântifo, Alópio, Astibies, Tigasis, Leucones, Arquédico, Dinastes, Mentor, Améstrio, Liceu, Halócrates, Fálias Estrobes, Euríopes, Buleu, Antímaco, Pátroclo, Nefo, Erasipo Licurgo, Búcolo, Leucipo, Hipózigo.  Mégara: Terímaco, Deicoonte, Creoncíades.  Astíoque: Tlepólemo (e Téssalo apontado também como filho de Calcíope)  Parténope: Everes.  Epicaste: Téstalo.  Calcíope: Téssalo.  Auge:Télefo.  Dejanira: Hilo, Ctésipo, Gleno, Onites (ou Hodites), Macária.  Ônfale: Aqueles (ou Agelau), Tirseno.  Astidâmia: Ctésipo.  Autónoe: Palémon.  Hebe: Alexiares, Aniceto.  Meda: Antíoco.

70

b) Héracles na Iconografia Clássica Nesta parte do herói devido a questões de selecção iconográica, escolhemos dividir a vida do herói, dentro de uma narrativa imagética em: arquétipo visual do herói; origem; os doze trabalhos; outras representações que pareceram relevantes que se podem encaixar nos ciclos III, IV e V; e a morte e apoteose do herói.

Arquétipo do Herói Héracles Vestido

Ilustração 10 - Héracles vestido por completo.Taça ática século VI a.C. tardia; Estocolmo Medelhavsmus; LIMC p. 447.

Héracles Jovem

Ilustração 11 – Héracles jovem; moeda de c. 425-405 a.C.; SNG München; LIMC p. 453.

71

Héracles Idoso

Ilustração 12 - Héracles idoso. Estátua de mármore da segunda metade do séc. II d.C.; Roma, Museu Capitolino; Usa uma corona tortilis, com a cabeça inclinada para a sua esquerda, sem clava.

“Hércules Farnésio”

Ilustração 13 - Estátua colossal («Hércules Farnésio») proveniente de Roma, Termas de Caracala, séc. III d.C.; Naples, Mus. Naz.; retirado de LIMC imagem nº 1143. Uma versão superdimensionada, com musculatura exagerada, criada à escala para as termas. Assinada por Glykon de Atenas.

Origem Héracles e as Serpentes de Hera

Ilustração 14 - Héracles em criança. Cratera colunal de c. 475 a.C.; Perugia Mus. Naz.; Dois bebés numa kline.

72

Héracles ao centro segura em ambas as mãos as duas cobras. A parte dabaixo do seu corpo está coberta com roupas. Íficles encontra-se atrás deste, tentando fugir para a direita onde se encontra Alcmene. Do lado esquerdo podemos ver Atena e Anfitrião, a observá-los calmamente. Esta é uma representação do século V a.C., mostrando a cena de Héracles a matar duas cobras com as próprias mãos. É uma imagem com um contexto narrativo, nesta imagem e suas similares podemos ver o herói acompanhado pelo seu irmão assustado Íficles. A observá-los estão Alcmene, Anfitrião e, por vezes outras personagens como Atena. Isto apesar da divindade não aparecer na tradição literária fazia sentido para os pintores de vasos a inclusão da deusa como patrona de Héracles, mesmo na sua primeira prova. Mais tardiamente a imagem de Héracles sozinho a estrangular duas serpentes foi a que vingou no tempo, eliminando os outros personagens e centrado-se apenas na figura do bebé super poderoso. Iconógrafos dizem-nos que terá sido difícil para os artistas reconciliar a representação da fraqueza de uma criança com a força e bravura de um herói. Escolheram por representá-lo ajoelhado, com uma mão a apontar para o chão e a outra erguida, assumindo assim a pose que transmitiria o desejado.

Héracles e Linos

Ilustração 15 – Linos cai ao chão; Taça. Munique, Antikenslg. Originária de Vulci. O jovem Héracles, nú, ataca Linos com um banco partido. A mão esquerda do agredido segura uma lira de modo a poder ripostar, quatro jovens afastam-se da cena. Tabuinhas podem ser também observadas. Retirado de http://www.perseus.tufts.edu/hopper/image?img=Perseus:image:1993.01.0498 a 10-05-2016.

73

Aqui representado podemos observar o ataque a Linos, tema que foi monopolizado em vasos por volta de 490 a 450 a.C. Geralmente podemos obserar Linos a cair, o pau que se destaca na mão do professor terá a intenção demonstrar que o herói tinha sido violentado. Nos textos a arma que usa é uma lira, não uma cítara. Aqui também podemos ver Héracles representado como adolescente.

Os Doze Trabalhos

I - O Leão de Némea

Ilustração 16 - Héracles e o leão representados numa taça mastóide de c. 520-500 a.C.; Tampa Museum of Art, Joseph Veach Noble Collection. ver: http://www.perseus.tufts.edu/hopper/artifact?name=Tampa%201986.54&object=Vase [retirado a 05-06-2016].

Héracles ataca um leão, segurando o leão com a sua mão esquerda e a clava com a direita, preparada para golpear. Usa um kíthon curto, com uma espada aí presa. Não tem barba, tendo o cabelo ruivo. O leão, desequilibrado, apoia-se apenas numa perna. A sua pata esquerda toca o braço do herói.

II - A Hidra de Lerna

Ilustração 17 – Héracles e a Hidra, acompanhados de Atena e Iolau. Lekythos do período arcaico tardio c. 500-480 a.C., atribuído ao pintor Diosphos originário de Erétria; in LIMC 5, s.v. Herakles 2004, pl. 54.

74

Atena usa a sua égide e capacete, segura uma lança na sua mão direita rebaixada, e estende o seu braço esquerdo para Héracles, parecendo tentar ajudá-lo. Este e Iolau tentam controlar a Hidra, um do lado esquerdo e o outro do lado direito, respectivamente. Héracles usa uma gadanha na sua mão esquerda erguida. O caranguejo gigante de Hera, que auxiliava a serpente, o herói esmagou-o com o pé, mas Hera como compensação pelo seu sacrifício colocou-o entre as estrelas como uma constelação. Iolau que usa grevas e um elmo coríntio, na sua mã esquerda ele tem uma tocha que acendeu no fogo que se encontra atrás de si (e que não é visível). III – Javali de Erimanto

Ilustração 18 – Héracles e o javali de Erimanto. Ânfora de c. 510-500 a.C., proveniente de Caere, Etrúria; atribuída ao pintor Acheloos; Cambridge, Harvard University Art Museums. LIMC, V, 44, pl. 61, Herakles 2102.

Héracles ataca o javali de Erimanto. O herói agarra a cabeça do animal com a sua mão esquerda, a direita segura a clava. Ele usa um kithon curto, onde à cintura tem a pele do leão de Nemeia, cuja cabeça é usada como um capuz e patas atadas ao pescoço do seu caçador. Pode ainda ser observada na anca de Héracles uma espada e uma bainha que estão presos a um cinturão que também poderá suportar o arco e aljava. O homem do lado direito é identificado como sendo Hermes, devido ao seu calçado que sugere, invés de representar as famosas botas aladas e também pelo pétaso que usa. Os gestos de Hermes, enfáticos mostram que ele estende o braço direito para cruzar-se com o braço do herói.

75

IV – Corça de Cerineia

Ilustração 19–Héracles e o veado perante Atena do arcaico tardio, c. 510 a.C.; Toledo Museum of Art, atribuída ao pintor Acheloos. Retirado de http://www.perseus.tufts.edu/hopper/artifact?name=Toledo%201958.69a&object=Vase a 05-06-2016.

Héracles encontra-se atrás do animal que segurada pela sua galhada. A sua clava encontra-se encostada. O pescoço do animal foi em grande medida restaurado. Atena do lado direito tem a sua mão levantada e segura na mão esquerda uma lança, o seu escudo está a seus pés. Ela usa um elmo ático com protectores de pescoço, uma faixa e um peplos. Um rufo envolve o pescoço do veado. As fontes indicam que esta é a corça de Cerineia, apesar do animal ser um veado, o que pode indicar uma variação do mito que não é referida nas fontes literárias, onde o quarto trabalho do herói seria trazer um veado e não uma corça. As pinturas deste tipo (chamado grupo de Leagros) mostram cena de energia e acção contidas e não são demasiado delineadores de detalhes, sobrepondo a isso a clareza visual. Para mostrar algum domínio, o herói apenas segura nas hastes do animal que parece dócil, invés de agressivo. VII – Touro de Creta

Ilustração 20 – Héracles e o touro de Creta. Oinochoe de c. 500-480 a.C.; Cambridge, Harvard University Art Museums;in CVA, Fogg-Gallatin, 39, pl. 21, 9.

76

Cena localizada em Creta, onde Héracles se debate com o touro que se encontra em enfraquecido visto que as suas patas dianteiras já deram de si e a sua cabeça encontra-se prostada no chão. O herói debruça-se sobre o animal com a perna esquerda avançada e com ambas as mãos a segurarem os ombros do animal. Usa apenas um cinturão vermelho que segura a sua espada. A aljava e arco do herói estão atrás de si. A patrona divina de Héracles, Atena, senta-se num banco do lado esquerdo. Ela estende o seu braço esquerdo na direção do herói e segura uma lança na direita. A sua égide com franjas que são serpentes cobrem o seu braço esquerdo. Ela também usa um peplos, um himation, e um elmo coríntio. As vinhas de hera não têm uma ligação a Dioniso, antes eram uma representação comum em vasos de figuras negras deste período. X – Bois de Gérion

Ilustração 21 – Héracles e Gérion. Ânfora arcaica de c. 550-530 a.C.; Cambridge, Harvard University Art Museums. In LIMC, IV, 115, pl. 61, Eurytion II 46.

Héracles vestido com a pele de leão por cima de um kithon luta Gérion, o monstro com três corpos, que Héracles teve de defrontar para recuperar o seu gado. Ele foi bem sucedido pois matou o guardador do rebanho Eurítion, caído aos pés de Héracles, mas também Ortros, o cão de duas cabeças, que se pode ver ainda vivo aos pés do seu dono, e o próprio Gérion também ainda vivo. Gérion é descrito como tendo três corpos que se juntam na sua cintura, cada um deles usa grevas e elmos coríntios, sendo dois completamente visíveis, e o terceiro apenas parcialmente. Cada um deles carrega um escudo.

77

XI – Cérbero

Ilustração 22 - Héracles luta com Cérbero, obra atribuída ao pintor de Karithaios, originária de Vulci (Etrúria), c. de 530-520 a.C.; retirada de http://www.perseus.tufts.edu/hopper/artifact?name=Toledo%201950.261&object=Vase a 12-06-2016.

Héracles ao centro olha para Cérbero que é levado por uma corrente agarrada pela mão direita do herói, na mão esquerda segura a clava. Ele usa um cinturão sobre o seu ombro direito, uma espada do lado direito e uma aljava do esquerdo. Atena está do lado direito virada para Héracles, com a mão direita levantada, na mão esquerda segura uma lança que aponta para baixo. Apesar de não se conseguir ver nesta imagem, Hermes é a figura que se encontra no lado esquerdo, algo que se percebe pelo seu caduceu (visível)

XII - As Maçãs de Ouro das Hespérides

Ilustração 23–Héracles no Jardim das Hespérides com Eros, Iolau, Afrodite e outros jovens. Hídria c. 400-380 a.C.; Londres, British Museum; retirada de http://www.perseus.tufts.edu/hopper/artifact?name=London%20E%20227&object=Vase a 05-06-2016.

78

Outras Representações Figurativas e Narrativas

Héracles e os Argonautas

Ilustração 24 – Pormenor de Héracles rodeado de Argonautas; cratera de sino do período clássico inicial, c. de 470460 a.C. proveniente de Orvieto e atribuída ao pintor nióbida; Paris, Musée du Louvre; retirada de http://www.perseus.tufts.edu/hopper/artifact?name=Louvre%20G%20341&object=Vase a 05-06-2016.

Héracles contra Nesso

Ilustração 25–Héracles e Nesso. Taça ática proveniente de Tarquinia (Etrúria), do período clássico, c. de 425-400 a.C., atribuída a Aristófanes; Museum of Fine Arts, Boston; retirada de http://www.perseus.tufts.edu/hopper/artifact?name=Boston%2000.345&object=Vase a 05-06-2016.

Nessos com Dejanira nos seus braços é dominado por Héracles, que o agarra pela cabeça e ganha balanço para lhe acertar com a clava. O centro da imagem é a cabeça arredonda do centauro, com cabelos ondulados e barba ambos compridos. Os quatro cascos estão a pairar no ar. Dejanira estende o braço direito em direção a Héracles. Ela usa braceletes, brincos, e um peplos. 79

Héracles contra Busíris

Ilustração 26–Héracles assassina Busíris. Hídria arcaica originária de Caere de c. 550 a.C. atribuída ao pintor de Busíris; Vienna, Kunsthistorisches Museum; retirada de http://www.perseus.tufts.edu/hopper/artifact?name=Vienna%203576&object=Vase a 05-06-2016.

Esta é a maior hídria que se conseguiu preservar, neste pormenor podemos ver Héracles a assassinar Busíris e dez dos seus servos.

Héracles contra Apolo

Ilustração 27 – Héracles e Apolo debatem-se pelo tripode. Kylix do período arcaico tardio, c. 520 a.C. proveniente de Vulci (Etrúria) e atribuída (pintura) a Fincias; Munich, Antikensammlungen; in LIMC, V, Herakles, no. 2951 and 141143.

Héracles e Apolo, ambos nús, virados um para o outro agarram com as duas mãos o tripé. Héracles é representado com barba, uma aljava está pendurada na parede atrás de si, e a sua clava está a seus pés. Apolo não tem barba, mas sim longas tranças. Os seus nomes pode ser lidos do lado de cada um. O tema da luta pelo tripode é muito comum na arte ática do período que vai de 530 a 515 a.C., a representação habitual é a de Héracles já com o objecto na mão e 80

Apolo a persegui-lo, aqui o pintor mostra uma versão mais popular no século VI a.C. que mostra a luta em si. A cena é apresentada como se fosse uma luta, tal como se percebe pela nudez e pose que tomam.

Fim e Perpetuação Apoteose de Héracles

Ilustração 28–Apoteose de Héracles (numa quadriga com Atena) por cima da sua pira no monte Eta (onde se encontram sátiros e ninfas). Pelike do período clássico c. 410 a.C. atribuída ao pintor de Kadmos; Munich, Antikensammlungen; retirada de http://www.perseus.tufts.edu/hopper/artifact?name=Munich%202360&object=Vase a 05-06-2016.

Atena conduz a quadriga que leva Héracles coroado. Atena usa um khiton, a sua égide com um padrão axadrezado, e um elmo. Segura uma lança com a mão esquerda e as rédeas com a direita. Héracles está nú, excepto pelo manto que se esvoaceia no seu braço esquerdo, com o qual também segura a clava. Debaixo deles está o funeral flamejante, onde a armadura de Héracles jaz. Do lado direito estão duas ninfas levam água para apagarem as chamas. Do lado esquerdo dois sátiros nus e barbeados. O que leva uma clava aproxima-se do fogo e tenta vislumbrá-lo, o que leva a lança afasta-se.

81

c) Héracles na Mitologia Cinematográfica59 “Mesmo a maior força carrega alguma fraqueza mortal”.

Créditos iniciais de Hercules (1957) Hércules, “o grande assimilador de mitos” Os heróis míticos da Grécia Antiga deram sentido e significado à cultura desses tempos. Eles relembravam uma história pouco conhecida mas gloriosa: a história das origens. As suas figuras são representações perfeitas do que era o ideal de masculinidade helénico. Eles foram congruentemente assimilados por romanos, por renascentistas e por seus sucessores. O maior e mais adaptado dos heróis é Hércules, tendo tido muito sucesso no cinema pós anos 60, havendo tentativas de substituir as premissas de sexo e violência nos filmes sobre Roma, por músculos e um estoicismo muito acentuado. Várias plataformas e géneros se apropriaram deste sucesso. Ele tornou-se no mito mais consumido. Hércules é sinónimo de músculo, em mais lado nenhum isto é evidente senão nas duas personagens italianas já referidas Ursus e Maciste. Ursus surgiu no romance polaco de Henryk Sienkiewicz de 1894, Quo Vadis?, que foi adaptado para teatro e mais celebremente para cinema. Maciste apareceu pela primeira vez no célebre filme de Giovanni Pastrone, Cabiria, de 1914, este foi continuamente reaproveitado dando origem ao maior herói do género em Itália. Todos estes personagens, que acabam por ser o mesmo, foram vendidos com epicentro em Itália. Maciste quando era vendido ao estrangeiro tornava-se Atlas, Colossus, Sansão, o filho de Hércules, ou mesmo o próprio Hércules, uma nomenclatura quase aleatória com base unicamente no que o público consegue perceber e identificar. As narrativas em torno de si são obras coladas ou simplesmente inventadas. Mesmo na Antiguidade já existiam demasiadas histórias e versões hercúleas. O seu mito e muitos outros mitos (muthos significa história) variam na sua narrativa com o passar dos tempos.

59

Como base das informações usadas neste sub-capítulo recorremos à obra: BAYMAN, L., e RIGOLETTO, S.; Popular Italian Cinema; Palgrave Macmillan UK; [s.l.]; 2013. Ver também SILVA, Ana Filipa Isidoro da; O mito de Hércules recriado : da loucura trágica de Eurípides à serenidade estóica de Séneca; Tese de Mestrado em Estudos Clássicos; FLUL; Lisboa; 2009.

82

Na tragédia, Eurípides em Herakles, dá uma reviravolta à história, onde o herói regressa triunfante à sua família depois de cumprir os trabalhos e só depois Hera o endoidece desencadeando o necessário horror. Convencionalmente, a sua história começaria quando Hera faz o herói endoidecer temporariamente, acabando por matar a sua mulher e filhos, sendo obrigado a cumprir os seus trabalhos como penitência. Na comédia, Sófocles e Aristófanes descreveram-no realçando os seus traços negativos, como a vaidade, a estupidez, descrevendo-o como o soldado irracional. Auto conscientemente fotogénico, por vezes com um forte sentido de humor, Hércules existe numa narrativa que é ela mesma, uma série de citações e deformações de histórias (os próprios doze trabalhos de Hércules, que se encontram nas métopas do Templo de Zeus eram já uma colecção dos melhores mitos)60. Ele é o herói/mito que assimilououtros heróis e suas histórias.

O Hércules Cinematográfico de Hercules (1957) A primeira vez que vimos este personagem adaptado para cinema foi no filme Les douze travaux d’Hercule (1910) de Pietro Francisci. A complexidade das fontes mitológicas levaram a que o cinema tivesse criado uma personagem-tipo, ignorando qualquer tipo de complexidade, e substituindo-a por um defensor do bem e um incansável guerreiro que luta contra todo o tipo de males. A sua imagem remete não para iconografia clássica mas ao visual da personagem mais conhecida de Burroughs, o célebre Tarzan. Tal se verifica pois esta personagem é sempre representada por actores musculados. De referir também que não existe uma referência ao nome grego, Herakles. Uma única característica se mantém, a virtude mais difundida do semi-deus grego: a sua força, tal como a astúcia era a característica principal do Ulisses cinematográfico e homérico. A única excepção de um representação diferente de Héracles poderá ser encontrada em Jason and The Argonauts (1963), onde nos é apresentado um personagem que não é tão definidamente musculado, mas sim mais preocupado com os seus companheiros. Com estas características se percebe que Hércules, e também Maciste e Ursus, entram na cultura popular passando a ser entendidos tal como o Super-homem da DC Comics era já por esta altura 61 (tendo mesmo uma marca patriótica, apesar de não tão marcada).

60

NISBET, Gideon; Ancient Greece in Film and Popular Culture; Phoenix Press; Bristol; 2008. A personagem de Superman tinha já sido criada em 1938.

61

83

Hércules, como é mais conhecido foi, com todo este sucesso, mantido através de aventuras com uma narrativa semelhante, que o transportam para lugares tão díspares como o mundo romano, o centro da terra, ou mesmo para a terra dos Incas. Estas produções sobre Hércules têm sido consideradas como os antecedentes de um género denominado Heroic Fantasy62. O filme Hércules de 1957 deu início a um neo-mitologismo no cinema. A ideia de criarHercules partiu de Ennio de Concini, um argumentista que queria trabalhar sobre uma versão das Argonauticas de Apolónio de Rodes63. O projecto teve luz verde. Steve Reeves apesar de não se estrear, atingiu o estrelato com este filme. Ester era um actor norte-americano que tinha sido Mr. Universe. O filme foi um sucesso, e uma sequela rapidamente o seguiu, esta teve receitas que bateram recordes de bilheteira64. Este enorme sucesso inicial deu aso a um investimento contínuo neste sub-género originando produções que se manteriam até meados dos anos sessenta. O filme não descreve de maneira precisa a viajem dos Argonautas, nem os doze trabalhos de Hércules. Hércules é humanizado, ele está cansado de ser imortal, deseja uma vida mortal calma e rodeada por uma família. Princípios que se percebem se forem inseridos na sociedade dos anos 50 do século XX. Ideia que também se pode ver explorada em Ulysses de Mario Camerini. O filme centra-se num laço amoroso e aventuras excitantes, com um protagonista super-musculado. É uma das melhores representações deste tipo de herói. A narrativa de Hercules começa por ser razoavelmente fiel a algumas das versões do mito do semi-deus. Filho de Zeus e da mortal Alcmene. Depois de arrancar uma árvore de modo a impedir a “fuga” da princesa Iole65, ele vai a Iolco para ser mestre de armas. No campo de treino, surpreende Laertes, Orfeu, Castor, Pollux, entre outros, ao atirar um disco para lá do horizonte. A cena atinge o seu clímax quando começam a dizer que ele não pode ser um simples humano. Começam a temê-lo pois ele atirou o disco demasiado longe. Demasiado forte, ele permanece como único nessa categoria. Um ideia superficial mas que aponta para a solidão de Hércules, tal como podemos encontrar em Heracles de Eurípides. A certa altura Hércules chega mesmo aconselhar um jovem Ulisses. Pouco depois, o herói mata um leão que ameaça a cidade, não sem a besta matar o princípe 62

Cf. FREIXAS, R., “Renace um subgenero: la “heroic fantasy””, nº 122, Frebrero 1985, pp. 22-25. APOLÓNIO DE RODES; Argonauticas; Gredos; Madrid; 1996. 64 Ver p. 11 deste trabalho. 65 APOLÓNIO, Op. Cit.; 1.1180 ff. 63

84

Ífito. Hércules é culpado por esta morte. Para apagar os seus crimes Hércules terá de servir o malvado Euristeu, que lhe manda fazer uma série de trabalhos impossíveis de concretizar. Os eventos mitológicos são similares, apesar da cronologia estar um pouco misturada. O espectador fica com a impressão de um Hércules que é quase imortal, mas ao mesmo tempo, um homem que sofre de um sentimento de solidão aceso. Tal como em algumas versões do mito, a paixão irracional do herói leva à morte de um mortal, e dá origem aos trabalhos de Hércules. Hércules começa os seus trabalhos ao combater com o touro de Creta. Ele segue com Jasão na viagem pela procura do Velo dourado, depois da qual, volta a Iolco, onde descobre que Pélias e Euristeu o traíram. Ao estar preso, Hércules arranca as suas correntes da parede, manda a porta abaixo, e luta contra centenas de soldados ao fazer girar a corrente que o prendia. Ele persegue os soldados até ao centro do palácio onde envolve as correntes a dois pilares que arranca com força dos seus braços esmagando os seus inimigos. Hércules e Íole cavalgam ao pôr-do-sol de braço dado. O tema deste filme gira em torno da oposição entre divindade e humanidade, onde esta última terá de prevalecer. Hércules deseja uma vida humana no lugar da vida divina que tem. O herói quer amar como os homens, sentir o passar do tempo e ver os seus filhos crescer. No filme Íole é uma das mulheres de Hércules mas não é a única, nem a primeira, não é sequer filha de Pélias. É exclusivamente necessário um enredo com uma história romântica, algo típico deste novo género. Ífito é nesta mitologia irmão de Íole, mas não é filho de Pélias. Jasão aparece em segundo plano, com destaque para o seu esforço em matar o dragão e conseguir o velo.

85

IV PARTE –Iason em fontes literárias, iconográficas e cinematográficas “I need a hero […] He's gotta be strong And he's gotta be fast And he's gotta be fresh from the fight.66”

a) Jasão na Mitologia Clássica Jasão, o propenciador da viagem Jasão é proveniente de Iolco, descendente da família de Éolo e filho de Éson. A sua mãe, segundo as fontes, não é alguém que possamos identificar de forma clara, contudo Alcímede é quem é mais vezes designada, sendo esta por sua vez identificada como filha de Autólico e, portanto, tia de de Ulisses.A lenda diz-nos que Éson tinha sido expulso de Iolco pelo seu meio-irmão Pélias, apesar do poder legítimo ser do primeiro. Outra versão conta que o Éson entregou o poder a Pélias até o seu filho ser maior de idade. Jasão foi criado por Quíron que lhe passou os seus conhecimentos de medicina (áreas à qual esta figura se podia associar). Ao tornar-se adulto deixou o Pélio, onde o Centauro morava e regressou a Iolco. A descrição da sua vestimenta incluía uma cobertura de pele de pantera, em cada mão levava uma lança, e o seu pé esquerdo estava descalço, o que Pierre Grimal chamou de “um vestuário estranho”67. Assim ornamentado, chegou a Iolco, precisamente na altura em que Pélias se preparava para um sacrifício. Antes de Jasão chegar, o oráculo tinha advertido o rei a “desconfiar do homem que tivesse apenas um pé calçado”. Como era habitual, a crença neste aviso não se esvaneceu, e o medo apoderou-se dele em relação a este indivíduo, que não reconheceu. No dia seis da sua estadia, Jasão apresentou-se a Pélias e reclamou o seu poder legítimo. Foi então que Pélias astutamente lhe pediu para trazer o velo de um carneiro que tinha levado Frixo pelos ares. Este era de ouro, oferecido por Eeta, rei 66

Parte da letra de “Holding ou For a Hero” Música gravada por Bonnie Tyler para o filme Footloose, escrita por Jim Steinman e Dean Pitchford; produzida por Columbia. 67 GRIMAL; Op. Cit.; p. 259.

86

da Cólquida, a Ares e estava guardado por um dragão. Pélias acreditava que o pretendente morreria a tentar cumprir a missão. Outra versão fala de uma iniciativa própria de Jasão em fazer cumprir este feito, visto que o rei o lhe perguntou que castigo ele daria a alguém que que conspirasse contra o rei, pergunta a que Jasão respondeu dizendo que o enviava em busca do velo de ouro. Pélias seguiu o seu conselho, enviando-o o próprio Jasão para o fazer. O intuito desta segunda versão era ligá-la à intenção de Hera em fazer Media da Cólquida vir de lá para matar Pélias, um soberano, que desagradava Hera pois não a homenageava como ela achava correcto. Jasão partiu então para a sua missão. Para a tornar minimamente possível, Jasão pediu auxílio a Argo, filho de Frixo, por conselho de Atena. Este prestou ajuda, visto que construiu o Argo, um navio que levaria Jasão e os seus companheiros à Cólquida. Estes eram designados de Argonautas, devido, como se pode etimológicamente perceber, à nau referida. Ainda neste sentido, o nome Argo, significa “rápido”.

Os Argonautas A criação deste grupo de homens tem a sua génese no acorrer de vários homens candidatos ao pregão do arauto que percorreu a Grécia anunciando o organizador e intuito desta expedição. Estas são listas que diferem bastante, reflectindo as diferentes versões lendárias. Aqui prevalecerems as versões que nos chegaram de Apolónio de Rodes e de Apolodoro. Os Argonautas eram entre cinquenta a cinquenta e cinco indivíduos, tal como construção da nau indicava. Alguns nomes estão presentes em ambas as listas, pelo que podem ser interpretados como os personagens mais estáveis da narrativa. Para além de Jasão que comandava a expedição podemos referir: Argo, filho de Frixo (ou Arestor, de acordo com outros autores), construtor da nau; Tífis, filho de Hágnias, que pilotava o veículo, tal como Atena lhe havia ensinado, aconselhando-o também a participar na aventura, durante a qual acabou por falecer, sendo substituído por Ergino, filho de Posídon; Orfeu, um músico trácio que tinha como tarefa marcar o ritmo dos remadores e usar os seus cantos como antídoto contra as seduções das Sereias; Ídmon, filho de Abante, um dos adivinhos, tal como o eram, Anfiarau e ainda (presente na lista de Apolónio) o lápita Mopso; Zetas e Cálais, filhos de Castor e Pólux e os seus dois primos, filhos de Afareu, Idas e Linceu. Etálides, filho de Hermes, o arauto da expedição (Apolodoro não o refere, contudo). Estes são os heróis que desempenham um papel activo. 87

Outros surgem, mas quase como figurantes, apenas referindo o seu nome podemos listar: Admeto, Acasto (primo de Jasão, filho de Pélias que foi na expedição contrariando as ordens do seu pai), Periclímeno, Astério, Ceneu, Corono, Êurito (filho de Hermes), Équion, Augeu (filho de Hélio), Cefeu, Anfidamante, Palemónio (filho de Hefesto), Eufemo (filho de Posídon), Peleu, Télamon, Ífito, Peante (pai de Filoctetes), Íficlo, Meleagro, Butes, Eribotes e Anceu. Tanto Apolodoro como Apolónio incluem Héracles, que se liga ao episódio do rapto de Hilas, mas que como já vimos, não é algo tradicionalmente unânime. Temos ainda de referir alguns nomes que não se encontram na enumeração nominal de Apolodoro, referimo-nos a: Tálao, Ário, Leódoco, Íficlo, Euridamante, Falero, Fliante ou Fano e Estáfilo (filhos de Dioniso), Náuplio, Oileu (pai de Ájax), Laocoonte, Eurítion, Clítio e Ífito, Canto, Astério e Anfíon. Os que se podem encontrar em Apolodoro são: Fano, Estáfilo, Actor, Laertes, Autólico, Euríalo, Peneleu, Leito, Teseu (certamente introduzido numa fase tardia da lenda), Menécio, Ascálafo e Iálmeno (filhos de Ares) e ainda Atalanta, a única mulher da tripulação. Terá sido demasiado apetecível, já tardiamente, acrescentar outros nomes à lista. Escoliastas e poetas tardios incluíram: Tideu, Nestor, Pirítoo, Iolau, Ífis, Íficles, Clímeno, Hipálcimo, Deucalião, e talvez um herói (o seu nome encontra-se em parte apagado) chamado Tersanor.

A Viagem Construída em Pagasa, um porto da Tessália, e sendo a sua madeira originária de Pélion, esta era uma embarcação “dotada de fala”. Isto pois Atena ofereceu-lhe uma peça da proa, um pedaço de carvalho sagrado de Dodona talhada por si. Era assim que a nau podia profetizar. Foi lançada à água no mesmo sítio onde foi construída, fizeram um sacrifício a Apolo e depois partiram. Os presságios interpretados por Ídmon eram-lhes favoráveis, indicando que todos voltariam sãos e salvos (com a excepção do próprio Ídmon, destinado a morrer durante a viagem). A primeira paragem foi Lemnos, altura em que na ilha apenas se podiam encontrar mulheres. Todos os mortos tinham sido, por estas, mortos. Os Argonautas tiveram relações frutuosas com elas, dando-lhes filhos. Seguiram depois para a ilha da Samotrácia onde se iniciaram nos mistérios, a conselho de Orfeu.

88

Entrando no Helesponto, aportaram na ilha de Cízico, no país dos Dolíones, cujo rei era chamado de Cízico. O povo foi acolhedor, tendo mesm sido convidados pelo rei para um banquete. Este deu-lhes muitas provas de amizade. Na noite que se seguiu partiram, mas ventos desfavoráveis levaram-nos ao mesmo lugar donde tinham acabado de sair, a população não os reconhecendo pensou tratarem-se de piratas pelasgos. Cízico acorreu ao motim, acabando por ser morto por Jasão, com uma lança a trespassar-lhe o peito. Os restantes tripulantes massacraram os que os atacavam. Contudo, ao nascer do sol, as duas partes conseguiram finalmente identificar-se lamentando o erro. Jaão organizou obras fúnebres para o rei, que duraram três dias e onde se incluíram para além de lamentações rituais, jogos fúnebres. Clite, a jovem esposa desesperada de Cízico é encontrada enforcada. As Ninfas choraram-na e das suas lágrimas surgiu uma fonte que passou a ter o nome da rainha. Ainda antes de partir os Argonautas levantaram uma estátua de Cíbele, a mãe dos deuses. O caminho seguinte levou-os para a costa da Mísia. Aqui também foram acolhidos com presentes. Héracles durante a viagem tinha partido e remo, pois remava com muita força, pelo que foi à floresta para fazer um novo, isto enquanto os restantes heróis preparavam a refeição. Hilas, por sua vez, um jovem que Héracles amava e com ele embarcara na Argo, fora enviado à procura de água doce para a comida. Foi junto de uma fonte que encontrou as ninfas a dançar. Maravilhadas com a sua beleza estas atrairam-no para a sua fonte, onde ele acabou por se afogar. Polifemo ouviu o grito final do jovem, depressa se deslocou para o local onde havia ouvido o som, pelo caminho, encontrou Héracles que regressava da floresta. Foram então ambos à procura. Toda a noite procuraram, antes da aurora ainda não se encontravam a bordo, pelo que a nau partiu. Não estava no plano dos Destinos que os heróis continuassem e completassem a façanha da captura do velo. A Argo alcançou depois o país dos Bébrices, onde reinava o rei Ãmico, o qual foi derrotado por Pólux, ontras fontes falam de uma luta entre os Argonautas e os Bébrices. Estes sofreram muitas baixas e acabaram por dispersar em debandanda. No dia seguinte os Argonautas retomaram a viagem e, colhidos por uma tempestade, foram obrigados a fazer escala na Trácia, na margem europeia do Helesponto, mais especificamente, no país de Fineu. Fineu era um adivinho cego, filho de Posídon, que havia sido punido pelos deuses ao porem-lhe à sua frente uma mesa cheia de iguarias, mas nunca o deixando provar a comida pois as Harpias devoravam tudo, o que não conseguiam comer, 89

sujavam com os seus dejectos. Os Argonautas ao depararem-se com ele pediram que este os ajudasse a ter sucesso, aconselhando-os. O adivinho não lhes deu a resposta, se estes não o livrassem das Harpias. Fineu sentou-se à mesa, e quando as Harpias surgiram, Cálias e Zétes (que eram alados por ser filhos do deus do vento) perseguiramnas, até que as Hárpias esgotadas, prometeram não mais incomodar o rei Fineu. Desfeita a maldição, o adivinho revelou-lhes o seu futuro. Avisou-os sobreas Rochas Azuis, as Ciâneas, recifes móveis que se entrechocavam. Disse-lhes que enviassem primeiro um pombo, e só no caso deste passar com sucesso, eles poderiam também passar, pois os deuses eram-lhes favoráveis. Caso contrário não o deviam fazer, sendo o mais correcto a fazer abandonar a viagem. Quando chegaram às Rochas Azuis, ainda conhecidas como Simplégades (significa “rochas que se ferem”), soltaram uma pomba que passou sem problemas, tendo as rochas conseguido atingir apenas as suas penas traseiras, depois de se fecharem. Os heróis esperaram que as rochas se abrissem novamente e iniciaram a passagem, o barco também passou sem problema, mas a popa ficou ligeiramente danificada, tal como pressagiado pelo acontecido ao animal. As Rochas Azuis, tal como o Destino tinha feito sua vontade, a partir da passagem bem sucedida de um barco, nunca mais se moveram. Entraram então no Ponto Euxino, o Mar Negro, e chegaram ao país dos Marinheiros tendo sido recebidos calorosamente pelo rei Lico. Aí morreu Ídmon, o adivinho, ferido por um javali. Tífis também encontrou neste lugar a sua morte, ele era o piloto, pelo que Anceu o substituiu no leme. Prosseguiram e atravessaram a foz do Termodonte (perto do lugar onde as Amazonas viviam), em seguida ladearam o Cáucaso e chegaram, finalmente, à Cólquida, o seu destino. Jasão foi falar com o rei Eetes, afirmando qual eram o seu intuito. O rei não recusou a entrega do Velo de Ouro, não sem antes pedir que Jasão, sem qualquer ajuda, colocasse o jugo a dois touros de cascos de bronze, que expeliam fogo pelas narinas. Estes animais tinham sido oferta de Hefesto ao rei e nunca nenhum jugo lhes tinha sido colocado. Completada a primeira tarefa, o herói tinha de lavrar um campo e semear os dentes de um dragão. No momento em que Jasão duvidava sobre a sua tarefa, Medeia, a filha do rei, nutrindo uma paixão imensa por ele, sentiu a necessidade de o ajudar. Começou por obrigá-lo a torná-la sua esposa se ela lhe oferecesse as soluções para o cumprimento dos trabalhos. Obrigou-o a prometer que a levaria para a Grécia. Jasão assim fez, recebendo 90

em troca um bálsamo mágico – dizia-se que ela era perita em artes ocultas – com o qual ele deveria untar o escudo e corpo antes de se colocar diante dos bois monstruosos. A função da oferta era tornar invulnerável tanto ferro como fogo ao seu usuário, tinha a duração de um dia. Disse-lhe ainda que os dentes de dragão iriam invocar homens armados que o tentariam assassinar. A solução para o problema era simples, Jasão apenas teria de lançar uma pedra para o meio do grupo, que este se desagregava e se exterminaria a si mesmo. Jasão conseguiu colocar os jugo aos touros, atrelá-los, lavrar o campo e semear os dentes do dragão, disfarçou-se e mandou as pedras sobre os homens nascidos da semente deixada, estes começaram a atacar-se mutuamente, Jasão aproveitou a desordem para os matar. Porém, Eetes falhando na sua promessa, tentou incendiar a nau Argo e matar a tripulação, mas Jasão, guiado por Medeia, havia já roubado o Velo e escapado (o dragão que o guardava tinha sido adormecido por ordem de Medeia). O rei persegui-os. Medeia tinha previsto isto, pelo que tinha embarcado com o seu irmão Absirto, o qual matou e foi espalhando os seus membros pelas águas. Eetes perdeu tempo a recolher todos os membros do filho, alcançou o porto mais próximo e sepultou-o, o que não o impediu de dar a ordem para continuarem a perseguir a nau, alertando que tinham de voltar com Medeia, caso contrário, eles morriam no lugar dela. Outra versão conta que Absirto foi enviado por Eetes para capturar a irmã, mas Jasão tinha conseguido matá-lo, à traição, com a ajuda de Medeia, num templo de Ártemis da foz do Danúbio (Istro). Os Argonautas seguiram em direcção ao Sanúbio e subiram o rio até ao Adriático. Zeus furioso pela morte de Absirto, enviou uma tempestade que os afastou da sua rota. A nau começou a falar e revelou que a cólera de Zeus só passaria se eles fossem purificados por Circe. Assim, a embarcação subiu o Pó (Erídano) e o Ródano, através do país dos Lígures e dos Celtas, alcançando o Mediterrâneo, contornaram a Sardenha e hegaram à ilha de Eeia, o reino de Circe. A feiticeira purificou o herói e conversou com ele, mas recusou a recebê-lo no seu palácio, pois, tal como Eetes, ela era filha do Sol. A viagem continuou guiada por Tétis, por ordem de Hera, atravessando Argonautas o Mar das Sereias, onde Orfeu cantou algo tão belo que o canto das Sereias não influenciou ninguém. Apenas Butes, conseguiu a nado chegar ao rochedo, tendo-o salvado Afrodite.

91

Estreito de Caríbdis e Cila, as ilhas errantes (ilhas Líparis) foi por onde passaram antes de chegarem a Corcira, ao país dos Feaces, onde Alcínoo era rei. Aqui encontraram homens enviados por Eetes para perseguir os Argonautas, os perseguidores pediram a Alcínoo que lhes entregasse Medeia. Alcínoo acentiu ao pedido, mas apenas no caso de Medeia, depois de examinada, ser dada como virgem, Alcínoo ainda dizia que se Medeia já fosse mulher de Jasão, então deveria permanecer com ele. Arete avisou Medeia. Jasão cumpriu a condição e Alcínoo foi obrigado a recusar a entrega da, agora, mulher de Jasão. Pouco depois de deixarem a Corcira mau tempo levou-os à costa da Líbia, onde tiveram de levar as naus aos ombros até ao lago Tritão. Foi graças a trião que encontraram um camiho que levava ao mar e retomaram a viagem em direcção a Creta. Canto e Mopso terão morrido nesta etapa. Ao aportarem em Creta encontraram um gigante, chamado Talo, segundo Grimal “uma espécie de robot monstruoso”68 criado por Hefesto, e a quem Minos tinha encarregue da defesa da ilha contra qualquer desembarque que pudesse surgir. Afastava os navios ao acertar-lhes com enormes rochas atiradas de terra. Este gigante era totalmente invulnerável, apenas no tornozelo tinha uma veia, fonte da sua vida, que se fosse aberta, o gigante morria. Medeia com os seus encantamentos, pô-lo num estado de fúria devido às visões que o enganavam, tal foi a possessão que o gigante rasgou a própria veia contra um rochedo. A sua morte foi imediata. Os Argonautas passaram a noite na margem. No dia que se seguiu juntaram os esforços para erigir um santuário a Atena Minóica e voltaram a partir. Já no mar de Creta, uma noite cerrada veio ameaçar a segurança da viagem. Jasão invocou Febo, pedindo que lhes mostrasse os guiasse pelo meio da penumbra. Febo Apolo respondeu enviando um dardo em chamas que iluminou o percurso levando-os a uma pequena ilha das Espórades, onde aportaram. A este lugar chamaram Anafe (Revelação) e construíram um santuário a Febo, o Resplandescente. Fizeram ainda libações rituais com vinho, em vez de água. Ao observarem isto as criadas feaces dadas a Medeia e Arete como presente de núpcias, riram-se e lançaram palavras maliciosas aos tripulantes. Estes responderam-lhes da igual modo. Isto levou a uma tradição que se repete todos os anos neste lugar, sempre que aí se celebra um sacrifício em honra do Apolo.

68

GRIMAL; Op. Cit.; p. 45.

92

O Regresso e o que Aconteceu a Seguir A paragem seguinte foi em Egina, onde através da Eubeia chegaram a Iolco, cumprindo a sua façanha em quatro anos. Jasão entregou o velo a Pélias. No seu núcleo original esta lenda complexa é anterior à redacção da Odisseia, que refere as explorações de Jasão, o que significa que é uma das sagas mais importantes e antigas do mundo grego, situada antes da ocurrência da Guerra de Tróia. Ela é-nos extremamente célebre devido ao poema de Apolónio de Rodes, que a narra em pormenor. Já na Antiguidade se tornou uma história popular, acabou por dar aso a um ciclo ao qual se ligaram um grande número de lendas locais. Do mesmo modo que os Poemas Homéricos, também as aventuras da Argo geraram peças de teatro, e poemas de toda a espécie, estes últimos distinguiam-se dado que muitos dos Argonautas tinham poderes sobrenaturais, não dependendo totalmente do apoio dos deuses. O “romance de Medeia”, principalmente, era um tema sedutor para os poetas deste período. Esta história era muito usada metaforicamente por estes homens também para se referirem ao confronto entre o que é grego e o que é estrangeiro, explicando-se assim as “qualidades gregas” que podemos delinear. Escolásticos da antiguidade viam a história como reflexo da idade da colonização e expansão ou, de forma mais banal, da procura pelo minério de ouro. Podemos identificar várias versões a partir desta parte. Alguns dizem que ele se torna rei, no lugar de Pélias, outros que ele vive tranquilamente em Iolco, oferecendo a Medeia um filho a que chamaram Medeio. Outros ainda referem que Medeia é que provoca a morte de Pélias, persuadindo as suas filhas a fervê-lo num caldeirão convencendo-as que isto o rejuvenesceria. Todas as filhas, excepto Alceste, participaram nessa morte. Numa linha lógica de narração, esta terá sido a vingança de Jasão ou pela usurpação do seu poder legitímo ou pela morte de Aeson. Depois da morte de Pélias o casal terá sido expulso de Iolco refugiando-se em Corinto, local onde deu a nau Argo como ex voto a Posídon. Aqui permaneceram felizes durante dez anos, até Jasão se cansar de Medeia. Casou então com Glauce (ou Creúsa), filha do rei Creonte. Medeia sentiu a urgência de perpetuar uma vingança em nome de quem Jasão se havia unido à sua exesposa. Assim, foi enviado um vestido nupcial a Glauce que a inflamou as veias e a matou, fogo esse que se espalhou por todo o palácio, matando também Creonte. Tudo isto enquanto Medeia matava os seus dois filhos que Jasão lhe havia feito e fugia num

93

carro enviado pelo Sol que a levou pelos ares. Enredo que encaixa perfeitamente na tragédia de Eurípides: Medeia. O episódio seguinte narra o regresso de Jasão a Iolco onde Acasto, filho de Pélias reinava, Jasão associou-se a Peleu e aos Dioscuros, dizimando juntos a cidade. Jasão, ou noutras versões, Téssalo, seu filho terão reinado na cidade. Podemos ainda encontrar a personagem de Jasão, e muitos dos Argonautas, entre os caçadores de Cálidon. O mito segue a marca familiar das narrativas de “rito de passagem”69, nas quais homens têm de concretizar grandes feitos antes de reclamarem o seu direito legítimo. O Jasão de Apolónio de Rodes pode ser comparável ao Orestes da tragédia, hesitante perante uma decisão. Decisão essa que Hera ajudou a tomar e depois a realizar, já na Odisseia Jasão é “querido a Hera”, Apolónio explica mesmo que certa vez, quando a deusa se encontrava disfarçada de idosa, o herói a ajudou a passar o rio (fontes tardias combinam este incidente com a perda da sandália). A morte de Jasão tem várias perspectivas, sendo as mais coloridas, as que dizem que ele se suicidou por desespero, ou que uma placa de madeira, podre, lhe caiu em cima e o matou enquanto dormia, ou ainda que a mesma placa de madeira, a qual ele tinha dedicado a Hera, lhe tinha acertado quando ia a entrar num templo da deusa.

69

OXFORD DICTIONARY OF THE CLASSICAL WORLD, p. 387.

94

b) Jasão na Iconografia Clássica Nesta parte do trabalho devido a questões de selecção iconográica, escolhemos dividir a vida do herói, dentro de uma narrativa imagética em: Representações mais antigas preservadas;antes da viagem; durante a viagem;em Cólquida; e apoteose de Medeia.

Representações mais antigas preservadas

Iason

Ilustração 29 – Cabeça de Jasão. Moeda tessaliana, AR triobol, Larissa, c. 470 a.C.inLIMC, V, Iason, no 1, p. 425.

Cabeça de Jasão sem barbas e usando um petasos.

Antes da Viagem Em Iolco

Ilustração 30 – Chegada de Jasão a Iolco. Pintura romana de parede, originária de Pompeios IX 5,18, c. 10 d.C.inLIMC, V, Iason, no 3, p. 426.

95

Jasão encontra-se em baixo à direita. Usa apenas uma sandália no pé direito (como se assinal a vermelho), vestindo também uma clâmide, à sua frente está uma mesa sacrificial. Em cima, centrado, está Pélias acompanhado pelas suas duas filhas. Á esquerda um touro é levado para ser sacrificado.

Durante a Viagem Com Fineu

Ilustração 31 – A Cura feita a Fineu. Cratera de coluna coríntia da Tessalónica, proveniente de Sane, Chalkidike, c. 575 a.C.; in LIMC, V, Iason, no 7, p. 426.

Jasão nú e com barbas com uma espada na anca, do seu lado esquerdo, coloca as mãos nos olhos de Fineu que se encontra sentado num trono. Este cumprimenta Castor e Pólux. De acorco com Vojatzi, o herói está a curar a cegueira do adivinho Fineu 70, algo que não está presente na literatura preservada.

Em Cólquida Jasão e os Touros

70

VOJATZI, M.; Frühe Argonautenbilder; [s.l.]; [s.n.]; 1982.

96

Ilustração 32 – Cratera de Voluta ligada ao grupo de saccos branco de c. 330-320 a.C.; Naples, Nat. Mus.; in LIMC, V, Iason, no 17, p. 427.

Jasão, nú e ajoelhado com uma clava na mão direita, agarra o touro na presença de Medeia e Eros que se encontram acima, atrás de uma varanda. Do lado direito vemos uma árvore com uma cobra, mas sem velo dourado.

O Velo

Ilustração 33 – Cratera de sino de c. 360 a.C.; Apil. Rf. Turin, priv. Coll.; in LIMC, V, Iason, no 38, p. 429.

Jasão do lado esquerdo veste uma clâmide e calça botas. Ataca a serpente com a espada empunhada na mão direita, com a mão esquerda agarra o velo que está pendurado na árvore (no centro). Medeia do lado direito segura uma caixa com a mão esquerda e estende a mão direita em direcção à cobra. Atrás da feiticeira, no chão, está um cesto.

Com Medeia

97

Ilustração 34 – Sarcófago Lid. Proveniente de Marino d c. 170-180 d.C.; Roma, Mus. Naz. Rom.; in LIMC, V, Iason, no 54, p. 431.

Da esquerda para a direita temos várias representações narrativas de Jasão e Medeia, tais como: primeiro encontro entre Jasão e Medeia; Jasão e Medeia no palácio de Cólquida; Medeia desmembra o irmão, Absirto; fuga de Jasão e Medeia para a Argo; casamento de Jasão e Medeia.

Apoteose de Medeia

98

Ilustração 35 – Hídria do sul de Itália, c. 400 a.C.; Policoro, Mus. Naz.;in LIMC, V, Iason, no 70, p. 433.

Jasão anda a passos largos do lado direito com uma pequena espada na mão direita levantada em direcção a Medeia que se encontra acima no seu carro guiado por serpentes. Este vaso mostra a mais antiga representação do fim da peça Medeia, podendo mesmo haver uma ligação directa entre as duas formas de arte.

c) Jasão naMitologia Cinematográfica “The epic story that was destined to stand as a colossus of adventure!”

Frase Promocional de Jason and The Argonauts

99

A viagem dos Argonautas é um dos ciclos épicos gregos mais antigos. Na Odisseia podemos encontrar uma referência a esta aventura: “Por ali só passou uma nau preparada para o alto mar, a nau Argo, conhecida de todos[...]”71. Os textos sobre este mito pertencem a Píndaro, Eurípides, Apolodoro e, sobretudo, a Apolónio de Rodes (algo que se encontra indicado em “Bibliografia”).Depois do ciclo da Guerra de Tróia, o ciclo mitológico mais conhecido diz respeito à aventura amorosa de Jasão, a sua busca pelo velo dourado e o seu encontro com a atraente feiticeira Medeia. O filme produzido pela Columbia Jason and the Argonauts (1963) é baseado na Argonautica escrita pelo poeta helenístico Apolónio de Rodes.O tema da procura pelo velo dourado, no cinema, aparecia já em Hercules de 1957, personagem sobre quem recaía o protagonismo da viagem, onde Jasão é colocado em segundo plano, e onde não aparece Medeia. Apesar do tema ter sido tratado no filme The Giants of Thessaly (1960) foi o filme de Don Chaffey de 1963,Jason and the Argonauts, que se manteve mais fiel às fontes. Espacialmente, podemos encontrar dois lugares: o Olimpo e o mundo dos mortais, onde os deuses têm grande influência. O herói do poema de Apolónio de Rodes é muito menos activo, falta-lhe algum impulso próprio. Ele é sempre ajudado pelas deusas Hera e Atena, ou por Medeia, que lhe resolve o problema do velo, da perseguição de Eetes, e mesmo do gigante Talo. No poema são os seus companheiros que têm o protagonismo durante a viagem, estando ele quase sempre ausente das proezas realizadas. O herói do filme, ainda que ajudado por Hera, chega enfrenta situações em que ele próprio tem de tomar as decisões (como passar as Rochas Trovejantes), mostrandose como impulsionador da acção. É ele que mata o gigante Talo, que dirige a armadilha contra as Hárpias, que mata a Hidra de sete cabeças e que, por fim, luta contra esqueletos. Esta personagem criada para cinema é o arquétipo de um herói masculino típico, proveniente da tradição do herói ocidental. Medeia tem, em consequência, um papel secundário ainda que se perceba a sua luta interna entre a pátria e a paixão amorosa, escolha que ela tem de fazer. A sua ajuda é efectiva, mas secundária, algo que se percebe ao colocar a personagem a adormecer os guardas e não o dragão, tal como retracta o poema.

71

HOMERO; Odisseia;td. Frederico Lourenço; Livros Cotovia; Lisboa; 2003; XII, vv. 69-70.

100

Uma das características mais interessantes do filme é a representação dos deuses olímpicos e a relação que eles estabelecem com os mortais que protegem os caprichos Deles. Os deuses são apresentados num palácio colunado no Monte Olimpo. As divindades olham para baixo, para a Terra através de uma pequena piscina com água, eles jogam xadrez com o destino dos homens numa enorme mesa. No poema, Hera é uma protectora constante da viagem. Mas ela não é a única divindade prestável, intervêm outros deuses, dos quais Atena é quem presta maiores ajudas, é ela e não Posídon, como nos diz o filme, que separa as Simplégades. É interessante o aparecimento de Posídon ao sair das águas, voltando, em seguida, a submergir. A plasticidade desta cena é muito similar ao aparecimento de Glauco no poema, onde ele emerge das águas para contar aos Argonautas o futuro de Héracles e Hilas. A viagem é contada no poema de Apolónio de Rodes, cantos I e II. É uma viagem com várias peripécias em vários locais. A viagem do filme, por outro lado, é como a de Ulysses (1954), uma viagem sincrética e, em parte, inventada. No poema antes de chegarem a Cólquida, os Argonautas passam por uma série de aventuras. A parte de Jasão a conhecer quem Pélias é, e a salvar a sua vida no rio é ideia dos argumentistas. Muitas outras inserções existem. Em Jason and the Argonauts reparamos que a mulher poderosa e o herói do mito, são substituídos por uma mulher impotente e vazia (tipicamente à Hollywwod) e um herói com a severitas romana, também habitual nestes filmes. A atitude mulherenga do herói e a vingança de Medeia são completamente reprimidos em favor de uma narrativa romântica. As motivações psicanalíticas e políticas na procura pelo velo dourado, o seu papel simbólico na fusão da rivalidade entre familiares e a intriga dinástica, tão importantes no mito, são omitidos. Os Argonautas são muitos, pelo que a lista teria de ser reduzida na adaptação para cinema. Quando a nau se põe a caminho, a primeira etapa deveria ser a ilha de Lemnos, onde reina Hipsípila, tal não merece referência no filme, substituindo-a pela ilha em que habita o gigante Talo. Em relação a esta personagem, os seus feitos são inventados, apesar do gigante realmente aparecer no poema, onde os Argonautasse deparam-se com Talo, mas fazendo-no na sua viagem de regresso depois de conseguirem o Velo de ouro. É Medeia quem, com poderes hipnóticos, acaba com ele. No filme o gigante causa o desaparecimento de Hilas e o abandono da expedição de Herácles. No poema são as ninfas que raptam Hilas. Os outros heróis têm uma 101

presença menor. A estadia em Cólquida reduz-se apenas a cenas românticas entre Jasão e Medeia. O protagonismo recai em Jasão ao contrário do que mostram as fontes. Só no fim aparecem os guerreiros terrigenos que no filme se transformam em esqueletos animados. Jasão consegue o velo ao matar algo similar à Hidra. O filme termina quase como uma série parecendo querer mostra que poderia ter uma sequela. Não são retratados: o assassinato do irmão de Medeia, a morte de Pélias, ou o abandono de Medeia. Sendo este um filme-género estes plot points não podiam nele entrar, mas já conseguem ser encaixados no Medea de Pasolini, um filme com um ambiente completamente diferente. Sem dúvida que Jason and the Argonauts é mais conhecido pelos efeitos especiais de Ray Harryhausen, cujo trabalho ultrapassou os seus antecessores na recriação de elementos fantásticos da mitologia, para Jon Solomon72, as duas hárpias verdes são as mais vivídas criações monstruosas, de qualquer mito grego, vistas em filme.

Conclusão

Na primeira parte do trabalho analisámos o nascimento, permanência e fim de um género cinematográfico, percebendo as marcas que deixou e a influência que teve, o que foi feito como modo de se contextualizar as fontes contemporâneas presentes no 72

SOLOMON, Op. Cit.

102

ponto c). No capítulo respeitante a Ulisses começámos por falar nos dados arqueológicos e históricos sobre uma possível existência efectiva da guerra de Tróia, em seguida passámos a uma análise concretamente fílmica, percebendo como a Ilíada, e os poemas homéricos em geral têm sido tratados no cinema. Acabamos por falar no caso específico de Ulysses. Nos outros capítulos desta temática tentámos perceber como os filmes em estudo foram influenciados pelo mundo clássico.No ponto a) de cada parte, a análise centra-se em fontes clássicas, aqui o intuito seria delinear uma linha narrativa que se foi construindo e que acabou por se cristalizar, percebendo, deste modo, quem foram estes heróis, porque foram criados, onde foram criados e o impacto que tiveram nas pessoas. No ponto b) de cada parte, desejou-se estabelecer (através de obras, também elas do período clássico, mas não só, podendo-se datar também do período arcaico, onde muitos destes mitos nasceram) uma ligação ao capítulo anterior, listando e comentando obras que seguem uma lógica narrativa. Depois de uma grande viagem entre o mundo clássico e as representações contemporâneas que se fazem dele, podemos cada um de nós, chegar às nossas próprias conclusões sobre o que a sociedade contemporânea pensa sobre a Grécia, o que se pode relacionar com o modo como esta nossa sociedade a percebe e trata. Para que o objectivo inicial fosse totalmente cumprido seria necessária uma análise mais profunda das relações entre as três grandes áreas de fontes que explorámos em cada um dos heróis em análise. De qualquer modo, depois de uma leitura atenta e, através do cruzamento de dados, pensamos que será possível perceber as principais diferenças e semelhanças entre os diferentes mundos, podendo ou não ser contemporâneos, mas sendo sempre influenciados um pelo outro. Isto afirma-se devido à influência óbvia, que serviu de base para o presente trabalho, falamos das marcas que se podem encontrar um pouco por todo o lado da civilização grega antiga. Concumitantemente podemos afirmar isto pois a percepção que temos deste mundo, moldada e perpetuada pela História ao longo dos tempos, sofre assim, e apenas deste modo, uma influência posterior, acabando sempre por a alterar.

Bibliografia Na lista de obras que se seguem poderão ser encontradas as obras que narram as histórias mitológicas de Héracles, Jasão e Ulisses. O toque pessoal, mas já miscigenado,

103

que estes homens deram aos respectivos temas que escolhemos e dividimos do mesmo modo que fez Pierre Grimal73.

Fontes referentes ao mundo mitológico a que pertence Ulisses Relativo ao seu nascimento o APOLODORO, Bibli., I, 9, 16; o ATHEN., IV, 1582; o XXIV, 270; 517; o ÉSQUILO, fr. 17; o EURÍPIDES, Cyc., 104; o EUST., p. 197, 22; 1796, 34; 1572, 53; 1701, 60; o escól. Il. II, 173; X, 266; o HYG., Fab., 200; 201; o Od., XI, 85; XV, 363 e s.; XVI, 119 e s.; o e escól. V. 118; XIX, 395, 416, 482 e s.; o OVÍDIO, Met., XIII, 144 e s..; o SERV., ad VIRG., Aen., II, 79; VI, 529; o SÓFOCLES, Aj., 190, e escól.; o Ph., 417, e escól.; 448; 623 e s.; escól. 1311; o TZETZ.,ad Lyc., 344; 786.

Antes da Guerra de Tróia o APOLODORO DE RODES, Arg., I, 917; o Bibl., III, 10, 8 e s.; o Ep., III, 9 e s.; o EUST., p. 827, 34; 1466, 56; o HYG., Fab., 81; 95; 96 escól.; o LIB., El. Ul., IV, 925 e s.; 937; o Od., II, 46 e s.; 172 e s.; IV, 689 e s.; XIX, 428 e s.; XXI, 11 e s.; escól. a XXIV, 119, e III, 267; o OVÍDIO, Met., XIII, 36; 73

Ver pp de GRIMAL onde estão as ref. Bibl.

104

o PAUS., X, 8; III, 12, 1 e s.; 20, 10 e s.; o SERV., ad VIRG., Aen., II, 81; o SÓFOCLES, Aj., III e s.; o escól. Phil., 1025; o TZETZ., ad Lyc., 276; 818; o Anteh., 307 e s.; o XENOPH.,Cyn., 1, 2.

Durante a Guerra de Tróia o APOLODORO, Ep., III, 22 e s.; 28 e s.; V, 14; o ARIST., Poet., XXIII; o EURÍPIDES, Rh, 504 e s.; 710 e s.; escól. ad loc.; o Hec., 238 e s. e escól.; o EUST., p. 1495, 5; 1498, 65; o DICT. CR., I, 4; II, 20; V, 13 e s.; o HYG., Fab., 98; 101; 102; o Il., I, 308 e s.; 439 e s.; II, 637; III, 205 e s.; escól. a 201; 206; IV, 329 e s.; 494 e s.; V, 669 e s.; VI, 30 e s.; IX, 169 e s.; X, 137 e s.; 272 e s.; 526-579; XI, 139 e s.; 310 e s.; 396 e s.; 767 e s.; o LYC., 780; o Od., IV, 244 e s.; 271 e s.; 342 e s.; escól. v. 343; VIII, 75 e s.; 219 e s.; escól. v. 517; IX, 159; XI, 508 e s.; XVII, 133 e s.; o OVÍDIO; Met.; XIII, 193 e s.; o QUINT. SM., V. 278 e s. o SÓFOCLES, Phil., 5; o Her., I; o TZETZ, Anteh., 154 e s.; 194 e s.; o Prol. All. Il., 405; o Posth., 617 e s.; 631;

Regresso a Ítaca o APOLODORO, Ep., VII, 2 final; 105

o APOLÓNIO DE RODES, Arg. III, 200; o DION. HAL., 72; XII, 16; o ÉSQUILO, A., 814 e s.; o EURÍPIDES, Cyc., 141; 412; 616; o EUST., p. 1615, 10; 1676;1796; o HESÍODO, Theog., 1111 e s.; o HYG., Fab., 125; 126; 127; o Odisseia, passim; o OVÍDIO, Met., XIV, 223 e s.; o Ibis, 567 e s.; o SÓFOCLES, tragédia perdida Teleg.; o PAUSÂNIAS, VIII, 12, 6; o PLUT., Qu. Gr., 14; o PARTH., Erot., 2; 3; 12; o PLIN., N. H., V; 28; o SERV., ad. VIRG.,Aen, II, 44. o TZETZ, ad Lyc., 794; 805 e s.; 1242; 1244;

Fontes referentes ao mundo mitológico a que pertence Héracles

Nome o AEL.; VH; II, 32; escól.; o APOLODORO; Bibl.; II, 4, 12; o DIOD. SIC.; I, 24, 4; IV, 10, 1; o Il.; XI, 324; o PIND.; Olymp.; VI, 115; o Isth; IV, 104. o PROB., ad VIRG.;Ecl.; VII, 61.; o SERV., ad VIRG.; Aen; VI, 392;

Origens o APOLODORO; Bibl.; II, 4, 8; 106

o ATHEN.; XI, 474 F; 499 B; o DIOD.; IV, 9, 1 e s; escól. o ad Il.; XIV; 323; o ad.Od., XI, 266; o EUR.; Herc. F.; 16 e s.; 1079 e s.; 1258 e s.; o HESÍODO; Scut.; 1 e s.; 27 e s.; 79 e s.; o HYG; Fab.; 29; o LUC.; Somn.; 17; o LYC; Alex.; 33 e TZETZ.; ad loc.; o MOSCH.; IV; 84 e s.; cf. Il.; XIX, 98 e s. o PAUS.; V, 18, 3; IX, 11, 1; o PLAUT.; Amp.; 112 e s.; 760 e s.; o STAT; Theb.; XII, 300 e s.; o PIND.; Nem.; X, 24; o PLIN.; N. H.; VII, 29; XXVIII, 59;

A Infância o APOLODORO; Bibl.; II, 4, 9; II, 4, 11; II, 4, 12. o ATHEN.; IV, p. 556 F; o

DIOD. SIC.; IV, 9, 6; III, 67, 2; o cf.Anthol. Pal.; IX, 598; IV; 29, 2 e s.; IV, 10, 6 e s.; IX, o ERASTOSTH.; Cat.; 44; o EUR.; Herc.F.; 1266 e s.; 220 e s.; o HYG.;Astr.Poet.; II, 43; Fab.; 30; o ISOC.; X, 10; o LYC.; Alex.; 1328 e s.; o MOSCH.; IV, 13 e s.; escól. ad STAT.; o Theb.; IV, 570; o NICOL. DAM.; fr. 20; o Od.; XI, 269 e s. e escól. o ad loc.; PIND.; Isth.; IV, 12 e s.; o OVÍDIO; Her.; IX, 21 e s.; o Met.; IX; 67; o PAUS.; IX, 25, 2;I, 24, 2;IX, 29, 9; IX, 27, 6 e s.; I, 41, 3 e s.; IX, 11, 2; 107

o PHERECYD.; fr. 28; 30; o PIND.; Nem.; I, 33 e s.; o Olymp.; XIV, 2; o PLAUT.; Amp.; 1123 e s.; o PLUT.; Amat.; IX; p. 754D; o SENEC.; Herc. F.; 216 e s.; 478; o Herc. Oe.; 59; 369 e s.; o STRAB.; IX, p. 414; o THEOCR.; Bibl.; II, 4, 8; o VIRG.; Aen.; VIII; 288 e s.; o THEOCR.; Id.; XXIV, e 103 e s.; o TZETZ; Chil.; II, 213 e s.; 221 e s.; 226 e s.; 228; o ad LYC.; 662, 38, 48, 633;

Os Doze Trabalhos o APOLODORO; Bibl.; II, 4, 12; o ATHEN.; XIII; 603 d, e o escól. ad, Il; XIV; 639; o DIOD. SIC.; IV, 10 e s.; o EUR.; Herc. F., 15 e s.; o HYG.; Fab.; 30; 31; o Il.; VIII; 132 e s.; XIV, 639 e s.; XVIII, 117 e s.; XIX, 132 e s.: o OVÍDIO; Met.; IX, 182 e s.; o PAUSAN.; III, 17, 3; 18, 13; V, 10, 9; 25, 7; o QUINT. SM.; Posth.; VI, 208 e s.; o SERV. ad VIRG.; Aen.; VIII; 299; o cf. escól. ad XIX, 119 e XIV, 639; o SOPH.; Tr.; 1091 e s.; o TZETZ; Chil; 229 e s.; o THEOCR.; XXIV, 82 e s.; o VIRG.; Aen; VIII, 287 e s.;

Expedição contra Tróia 108

o APOLODORO; Bibl.; II, 5, 9, 6, 4; o DIOD. SIC.; IV; 32; 42; o HYG.; Fab.; 89. o Il.; V, 640 e s.; 648 e s.; escól. ad Il., XX, 146 e VIII, 284; o OVÍDIO; Met.; XI; 211 e s.; XIII, 22 e s.; o PIND; Isth.; VI, 38 e s.; o SOPH; Aj.; 1299 e s.; o TZETZ.; ad Lyc.; 34; o Chil.; II, 443 e s.;

A Tomada de Cós o APOLODORO; Bibl.; II, 7, 1; o Il.; XIV, 250 e s.; XV, 18 e s.; cf. I, 590 e s.; e o escól.ad II, 677 e XIV, 255; o OVÍDIO; Met.; VII, 363 e s.; o PIND.; Pyth.; X, 2 e s.; o PLUT.; Qu. Gr., 58, p. 304e e s.; escól. ad THEOCR.; VII, 5. o TZETZ; Chil., II, 445;

A Guerra contra Augias o APOLODORO; Bibl.; II, 7, 2; o ATHEN.; II, 58a. o DIOD. SIC.; IV, 33, 1; o PAUSAN.; V, 1, 9 e s.; 2, 1,; 8, 3; VI, 20, 16; VIII, 14, 9; o PIND.; Olymp.; X, 26 e s.; o escól. ad. Il., XI, 700 e 709;

Expedição contra Pilos o AEL.; VH; IV, 5; o APOLODORO; Bibl.; II, 6, 2; 7, 3; o CLEM. AL.; Protr.; II, 36, 2. o HESÍODO; Scut.; 359 e s.; o HYG.;Fab.; 10; o Il.; V, 392 e s.; XI, 690; escól. ad.Il.; 336, 396, XI, 692; 109

o PAUSAN.; II, 18, 7; III, 26, 8; V, 3, 1; VI, 22, 5; 25, 2 e s.; o escól. ad APOL. RH.; Arg., I, 156; o OVÍDIO; Met., XII, 549 e s.; o PLUT.; De vind. D., 563a; o TZETZ; Chil.; II, 451.

Guerra Contra Esparta o APOLODORO; Bibl.; II, 7, 3;

o escól. ad.Il., 581; o ad. EUR.; Or.; 457. o DIOD. SIC.; IV, 33, 5 e s.; o EUR.; Hercl.; 740 e s.; o PAUSAN.; II, 18, 7; III, 10, 6,; 15; 15, 3-6; 19, 7; 20, 5: VIII, 5, 9;

Aliança com Egímio o APOLODORO; Bibl.; II, 7, 7; o DIOD. SIC.; IV, 37, 1 e s.; o HEROD.; VIII, 3; cf. 73; o PAUSAN.; IV, 34, 9; o escól. ad STAT.; Theb.; IV, 12, 2; o adAPOL. RH.; Arg.; I, 1212; 1218; o PIND.; Pyth.; I, 63 e s.; V, 69 e s.; o cf. Isth., fr. I, v. 3 s.; o SERV. ad. VIRG.; Aen; IV, 146; o STRAB. VIII, 6, 13; o TZETZ.;Chil.; II, 466.

Folo o APOLODORO; Bibl., III, 5, 4; o DIOD. SIC.; IV, 12, 1 e s.; o HYG.; Fab.; 30; o escól. ad STAT., Achil., 238. o SERV. ad VIRG:; Aen.; VIII, 294; 110

o SOPH.; Tr, 1095 e s.; o cf. EUR.; Heracl., 363 e s.; o THEOCR.; VII, 149 e s.; o TZETZ.; Chil.; II, 268 e s.;

Eurítion o APOLODORO; Bibl.; II, 5, 5; o DIOD. SIC.; IV, 23, 1; o HYG.; Fab.; 33; o escól. ad STAT.; Theb., V, 263; o OVÍDIO; Ibis; 404. o PAUSAN.; VII, 18, 1;

Morte e Apoteose o APOLODORO; Bibl.; II, 7, 7; o DIOD. SIC.; IV, 38, 1 e s.; o HYG.; Fab.; 36; o LUCIAN; Herm.; 7; o OVÍDIO; Met., IX, 136 e s.; o Her; IX; o SENEC.; Herc.Oe.; 485 e s.; 1483 e s.; o SERV. ad VIRG.; Aen.; VIII, 300; o SOPH.; Tr.; 756 e s.; 1191 e s.; o TZETZ.; Chil.; II, 272 e s.; ad Lyc., 50; 51;

Seus Filhos o APOLODORO; Bibl.; II, 7, 8.

Fontes referentes ao mundo mitológico a que pertence Jasão o APOLODORO, Bibl., I, 8, 2; I, 9, 16; 18; 9, 23; 24 ss.; III, 13, 7 ss.; o APOLÓNIO DE RODES, Arg., de I, 5 ao fim; o DIOD. SIC., IV, 40 e s.; 111

o HESÍODO, Teog., 992 e s.; o HYG., Fab., 12 e 13; o LYC., Alex., 1310; o OV., Her., VI; XII; o PAUSÂNIAS, II, I, 8 e s.; V, 17, 9 e 10; o PÍNDARO, Pyth., IV.; o SERV., ad VIRG., Ecl., IV, 34; o STAT., Theb., III, 516. o TZETZ., ad Lyc., 175;

Referente aos Argonautas o APOLODORO, Bibl., I, 9, 16 e s.; o APOLÓNIO DE RODES, Arg.; o DIOD. SIC., IV, 40 e s.; o HYG., Fab., 12; 14 a 23; o OVÍDIO, Met., VII, 1 e s. o PIND., Pyth., IV; o TZETZ., ad Lyc., 175; o VAL. FLAC., Arg.; Argon. Orph.;

Navegação Lemnos o APOLODORO, Bibl., I, 9, 17; o APOLÓNIO DE RODES, Arg., I, 607 e s.; escól. a 609; 615; o escól. ad. Il., VII, 468 e s.; o HYG., Fab., 15. o VAL FLAC., II, 77 e s.;

Cízico o APOLODORO, Bibl., I, 9, 17; o APOLÓNIO DE RODES, Arg., I, 935 e s.; o HYG., Fab., 16. 112

o VAL. FLAC., II, 77 e s.;

Hilas o ANT. LIB., Transf., 26; o APOLODORO, Bibl., I, 9, 18; o APOLÓNIO DE RODES, I, 1207 e s.; escól. a 1290; o HYG., Fab., 14. o PROP., I, 20, 17 e s.; o TEÓCRITO, XIII; o VAL. FLAC., II, 521 e s.;

Bébrices o APOLODORO, Bibl., I, 9, 20; o APOLÓNIO DE RODES, II, 1 e s.; o HYG., Fab., 17; o LACT., ad STAT., Th., III, 353; o SERV. ad., VIRG.,Aen., V, 373. o TEÓCRITO, XIII, 27 e s.; o VAL. FLAC., IV, 99 e s.;

Fineu o APOLODORO, Bibl., I, 9, 21 o APOLÓNIO DE RODES, ib, II, 176 e s.; escól. a 177; 178; 181; o escól. ad. Od., XII, 69; o DIOD. SIC., IV, 43 e s. o HYG., Fab., 19; o SERV., ad. VIRG., Aen., III, 209; o VAL. FLAC., ib., IV, 422 e s.;

Ciâneas o APOLODORO, Bibl., I, 9, 22; o APOLÓNIO DE RODES, II, 317 e s.; o HYG., Fab., 19. 113

o VAL. FLAC., 561 e s.;

Cólquida o APOLODORO, Bibl., I, 9, 23 e 24. o APOLÓNIO DE RODES, Arg., II, 720 e s.; II, 1 e s.; IV, 1 a 240 e escól.; o DIOD. SIC., IV, 48; o HYG., Fab., 14; 18; 23; o OVÍDIO, Met., VII, 1-158; o PIND.,Pyth., IV, 394 e s. o TZETZ., ad.Lyc., 890; o VAL. FLAC., V, 1 e s. até VIII, 139;

Regresso o APOLODORO, Bibl., I, 9, 24 e s.; o APOLÓNIO DE RODES, ib., IV, 576 até ao fim; o DIOD. SIC., IV, 56. o HYG., Fab., 14; 23;

Outras Fontes 

TUCÍDIDES; History of the peloponnesian war. Books I and II; Harvard University Press; Cambridge; 1999.

Bibliografia Geral  Encyclopædia Britannica; 11ª ed.; Cambridge University Press; [s.l.]; 1911.  COTTERELL, Arthur, e STORM, Rachel; The Ultimate Encyclopedia of Mythology; Hermes House; Londres; 2003.  GRIMAL, Pierre; Dicionário da Mitologia Grega e Romana; Difel; Lisboa, 2004.  Lexicon iconographicum mythologiae classicae (LIMC); Fondation pour le Lexicon Iconographicum Mythologiae Classicae – Artemis; Zurique; 19811997; vols. IV-VII. 114

 ROBERTS; J.W.; The Oxford dictionary of the classical world; Oxford University Press; Oxford; 2005.  SANTAS, Constantine; WILSON, M. James, e outros; The Encyclopedia of Epic Films; Rowman and Littlefield; Nova Iorque; 2014.

Bibliografia Específica 

BAYMAN, L., e RIGOLETTO, S.; Popular Italian Cinema; Palgrave Macmillan UK; [s.l.]; 2013.



BAZIN, André; “The Myth of Total Cinema” inWhat is Cinema?; University of California Press; Berkeley; 1967.



BENJAMIN, Walter que cita Pirandello em “The Work of Art in the Age of Mechanical Reproduction” in Illuminations; Schocken Books; Nova Iorque, 1969.



BONNARD, André; Civilização Grega; Estúdios Cor; Lisboa; 1966.



BRYCE, Taylor; The Trojans and Their Neighbours; Taylor & Francis; [s.l.]; 2006.



DELAGE, E.; La Géographie dans les Argonautiques d’Apoll. De Rh.; [s.n.]; Paris-Bordeaux; 1930.

  

DUMONT, Hervé; L'Antiquité au cinéma. Vérités, légendes et manipulations; Nouveau-Monde; [s.l.]; 2009. DYER, Richard; The White Man's Muscles; Routledge, Londres, 1997. ECO, Umberto; Travels in Hyperreality: Essays; Harcourt Brace; San Diego; 1986.

   

FLACASSIER, Stephen; "Muscles, Myths and Movies"; Rabbit’s Garage; 1994. FOURCAR, Florent; Le Péplum italien (1946–1966): Grandeur et décadence d'une antiquité populaire; CinExploitation; [s.l.] 2012. GUNSBERG, Maggie; "Heroic Bodies: The Culture of Masculinity in Peplums" inItalian Cinema: Gender and Genre; Houndsmill: Palgrave Macmillan; 2005. KIRK, G. S.; Myth: Its Meaning and Functions in Ancient and Other Cultures; Cambridge University Press; Cambridge; 1970.



LATACZ, Joachim; Troy and Homer: Towards a solution of an Old Mystery; Oxford University Press; Oxford; 2004.



LILLO REDONET, Fernando; El Cine de Tema Griego y su aplicación didáctica; Ed. Clássicas; Madrid; 2001. 115



LIVINGSTONE, Niall; A Commentary on Isocrates' Busiris; Brill; [s.l.]; 2001.



LUCANIO, Patrick, With Fire and Sword: Italian Spectacles on American Screens - 1958–1968; Scarecrow Press, 1994. MACDONALD, Francis; The Republic of Plato; Oxford University Press;



Oxford; 1941. 

MANN, Anthony; “Empire Demolition” in Hollywood Directors 1941-1976; Oxford University Press; Nova Iorque; 1977.



NAGY, Gregory; The Ancient Greek Hero in 24 hours; Harvard University Press; Cambridge; 2013.



NILSSON, Martin P; Cults, myths, Oracles, and Politics in Ancient Greece; Cooper Square Publishers; [s.l.]; 1972.



NISBET, Gideon; Ancient Greece in Film and Popular Culture; Phoenix Press; Bristol; 2008.



PAUL, Joanna; Film and the Classical Epic Tradition; Oxford University Press; Oxford; 2013.



REICH, Jacqueline; The Maciste Films of Italian Silent Cinema; Indiana University Press; [s.l.]; 2015.



RICHARDS, Jeffrey; Hollywood’s Ancient Worlds; Continuum; Londres; 2008.



SILVA, Ana Filipa Isidoro da; O mito de Hércules recriado : da loucura trágica de Eurípides à serenidade estóica de Séneca; Tese de Mestrado em Estudos Clássicos; FLUL; Lisboa; 2009.





SCHENK, Irmbert, "The Cinematic Support to Nationalist(ic) Mythology: The Italian Peplum 1910–1930" in Globalization, Cultural Identities and Media Representations; University of New York Press; Albany, 2006. SOLOMON, Jon; The ancient world in the cinema; Yale University Press; New Haven; 2001; p. 15.



VERDENIUS, W. J.; A commentary on Hesiod: Works and Days; Brill; Leiden; 1985.



WINKLER, Martin M.; Classical myth & culture in the cinema; Oxford University Press; Nova Iorque; 2001. Troy : from Homer's Iliad to Hollywood epic; Blackwell; Malden; 2007. Cinema and classical texts: Apollo's new light; Cambridge University Press; Cambridge; 2009.

116

Bibliografia Periódica  FREIXAS, R., “Renace um subgenero: la “heroic fantasy””, nº 122, (ed. de Fevereiro de 1985), pp. 22-25.  SICLIER, J., “L’âge du peplum”, Cahiers de Cinéma nº 131, 1962, p. 30.  ULLMAN, B. L.; The Classical Weekly, 8, nº 26 (8 de Maio de 1915).

Sitiografia  http://www.perseus.tufts.edu/hopper/  http://www.mondo-esoterica.net/links_pages/Peplum.html  https://www.academia.edu/Documents/in/Peplum_movies  http://www.peplums.info/  https://archive.org/stream/A_New_Guide_to_Italian_Cinema_Carlo_Celli/A_Ne w_Guide_to_Italian_Cinema_Carlo_Celli_djvu.txt  http://www.imdb.com/

Cinematografia  A Funny Thing Happened on The Way to The Forum; realizado por Richard Lester; produzido por Melvin Frank; 1966.  Atlas; realizado por Roger Corman; escrito por Charles B. Griffith; produzido por Roger Corman e Charles b. Griffith; 1961.  Ben-Hur; realizado por William Wyler; produzido por Sam Zimbalist e William Wyler ; 1959.  Cleopatra; realizado por Joseph L. Mankiewicz, Rouben Mamoulian; produzido por Walter Wanger; 1963.  Gli Ultimi Giorni di Pompei; realizado por Arturo Ambrosio, Luigi Maggi; escrito por Edward George Bulwer-Lytton, Roberto Omegna; produzido por Arturo Ambrosio; 1908.  Hercules; realizado por Pietro Francisci; produzido por Federico Teti; 1957.  Intolerance; realizado por D.W. Griffith; produzido por D.W. Griffith; 1916.  Jason and The Argonauts; realizado por Don Chaffey; produzido por Charles H. Schneer; 1963.

117

 L'île de Calypso: Ulysse et le géant Polyphème; realizado por Georges Méliès; 1905.  L’Odissea;realizado por G. de Linguoro; 1911.  La Caduta de Troia; Realizado por Luigi Romano Borgnetto, Giovanni Pastrone; escrito por Giovanni Pastrone; 1911.  Les douze travaux d’Hercule; realizado por Émile Cohl; 1910.  Medea; realizado por Pier Paolo Pasolini; produzido por Franco Rossellini; 1969.  Quo Vadis?; realizado por Mervyn LeRoy e Anthony Mann; produzido por Sam Zimbalist; 1951.  Samson and Delilah; realizado por Cecil B. DeMille; produzido por Cecil B. DeMille; 1949.  The Giants of Thessaly; realizado por Riccardo Freda; produzido por Virgilio De Blasi; 1960.  The Ten Commandments; realizado por Cecil B. DeMille; produzido por Cecil B. DeMille; 1956.  The Colossus of Rhodes; realizado por Sergio Leone; escrito por Ennio De Concini, Sergio Leone, e outros; produzido por Michele Scaglione; 1961.  Ulysses; realizado por Mario Camerini; produzido por Carlo Ponti e Dino De Laurentiis; 1955.

118

Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.