Perseguição e Vigilância na UFF (1964-1987)
Descrição do Produto
LUTA e MEMÓRIA
Perseguição e Vigilância na UFF (1964-1987) Ludmila Gama Pereira*
Desde o golpe empresarial mili
O “nada consta” significaria, em
tar de 1964, muitos professores foram
tese, que o professor não teria feito
perseguidos politicamente e demiti
qualquer declaração crítica à ditadu
dos das universidades brasileiras. Po
ra, não teria identificação com a es
rém, foi apenas na ocasião da criação
querda ou com qualquer movimento
da Assessoria de Segurança e Infor
contra a ditadura – por exemplo, as
mações (ASI), em 1971, que a ditadura
declarações de apoio aos estudantes e
estruturou uma forma de vetar con
professores demitidos ou presos, o en
tratos de professores críticos ao regi
volvimento com o marxismo (na aca
me. A ASI foi um órgão criado em 1971
demia ou em qualquer movimento
como parte do Serviço Nacional de
político) e até pautas específicas, como
Informações, e foi neste mesmo con
qualquer crítica à reforma universi
texto que aumentou consideravelmen
tária, seriam enxergados como “sub
te a intervenção do MEC nas univer
versivos”. Com o “nada consta” em
sidades. A partir da construção de tais
mãos, o professor seria contratado,
órgãos, o papel do MEC seria vigiar as
mas isso não significaria dizer que ele
atividades universitárias (incluindo ati
não seria investigado ou que conse
vidades estudantis, congressos acadê
guiria se manter no cargo. O processo
micos, etc.) e punir diretamente, por
de renovação de contratos também
exemplo, através dos expurgos.
seria marcado por um novo “atestado
No caso da UFF, todo contrato de professor poderia não se efetivar por
ideológico”, e muitos professores se riam demitidos nesse processo.
não acompanhar uma declaração de
Além destes, outros professores
“nada consta” emitida pelo Departa
foram vetados depois de trocas de in
mento de Ordem Política e Social
formações entre os diversos órgãos de
(DOPS). Se esta declaração não fosse
segurança e o MEC. Ou seja, as infor
apresentada à universidade, ou se
mações circulavam em todas as ASI
houvesse, por parte do DOPS, qual
universitárias. Os professores podiam
quer impedimento para o contrato do
não ser contratados pela UFF porque
professor, este não teria seu contrato
a Divisão de Segurança e Informações
efetivado.
do MEC (DSI/MEC)1 observava um
* Doutora em História pela UFF e professora da rede estadual do Rio de Janeiro. 1
As Divisões de Segurança e Informações (DSI) eram um outro braço do SNI criado em 1967. Eles seriam estruturas de investigação de funcionários públicos ou entidades que se relaciona riam com os ministérios de governo com o objetivo de investigar a influência comunista nos aparelhos de Estado.
Ludmila Gama Pereira
“histórico negativo” quando pedia in
tas sêxtuplas com os nomes dos
formações para outras universidades.
candidatos à eleição de reitores, vice
Naturalmente que a DSI/MEC pedia
-reitores, membros dos colegiados su
informações para a ASI/UFF de todos
periores, diretores de institutos e che
os ex-professores ou ex-alunos (da gra
fes de departamentos. Nos arquivos
duação e da pós-graduação) da UFF
da ASI/UFF, há a lista de candidatos
que se candidatavam a qualquer cargo
vetados para cargos de chefia de de
em outra universidade2. Todas as fi
partamento nos anos de 1975, 1976 e
chas de identificação de professores
19773. Dos 269 professores listados
eram constantemente levadas e trazi
nestes anos, dez foram vetados para os
das pela DSI/MEC, criando uma rede
cargos para os quais se candidataram.
de investigação de docentes.
Além de vetar admissão e reno
Os pedidos de informações dos
vação de contratos de docentes críti
professores davam-se por diversos
cos ao regime, especificamente na
motivos, e se em sua ficha funcional
UFF e também no âmbito universitá
estivesse algum elemento que o vin
rio brasileiro, a ditadura controlou e
culasse a qualquer movimento rei
impediu reuniões que não estivessem
vindicatório nos arquivos das ASI uni
de acordo com os seus princípios; in
versitárias ou na polícia, ele estaria
terveio na atuação do movimento es
fadado a não ser contratado por qual
tudantil e suas entidades; negou a
quer universidade pública, afinal, o
ocupação de cargos de direção uni
DSI/MEC sempre pedia informações
versitária aos professores que fossem
de candidatos às universidades pelas
contra a ditadura; decidiu quais con
quais eles passaram anteriormente.
gressos poderiam ser realizados nas
Os vetos a professores não se resu
universidades; censurou, dos profes
miam somente a contratos e recon
sores, livros, apostilas e planos de cur
tratos, mas resvalavam para a l iberação
so; restringiu a livre circulação de li
de viagens ao exterior, candidaturas a
vros e editoras; expulsou estudantes
cargos de direção dentro das universi
das universidades ou não aceitou suas
dades e participação em colegiados,
admissões; espalhou anonimamente
evidenciando mecanismos de contro
documentos de propaganda da dita
le bastante amplos e ativos.
dura; contratou informantes pagos
O processo de escolha dos ocu
pelas próprias universidades; destruiu
pantes de cargos de direção ou de
documentos que demonstravam per
membros dos colegiados superiores
seguição política; perseguiu entida
na universidade também seria subme
des de representantes de professores e
tido à decisão do Ministro da Educa
servidores; e difundiu manuais de
ção. Seriam enviadas para o MEC lis
contrapropaganda criados pelo SNI.
2 Arquivo Permanente da Universidade Federal Fluminense. Acervo ASI-UFF. Caixa 4. 3 Seção de Arquivo Permanente da Universidade Federal Fluminense. Acervo ASI-UFF.Caixa 15.
Marx e o Marxismo v.4, n.6, jan/jun 2016
183
Perseguição e Vigilância na UFF (1964-1987) Exemplo de lista de veto de professores para cargos de direção universitária nos anos de 1975, 1976 e 19774.
184
Telegrama do MEC contra indicam um professor para um cargo de direção universitária5.
4 Seção de Arquivo Permanente da Universidade Federal Fluminense. Acervo ASI-UFF. Caixa 17. 5 Seção de Arquivo Permanente da Universidade Federal Fluminense. Acervo ASI-UFF. Caixa 13.
Marx e o Marxismo v.4, n.6, jan/jun 2016
Ludmila Gama Pereira Veto de professor a cargo de direção universitária através do levantamento de dados biográficos. 18 de junho de 1976.
185
Marx e o Marxismo v.4, n.6, jan/jun 2016
Perseguição e Vigilância na UFF (1964-1987) Telegrama do MEC enviando o parecer dos candidatos a diretores da Escola de Serviço Social da UFF em 10 de agosto de 197166.
186
6
Seção de Arquivo Permanente da Universidade Federal Fluminense. Acervo ASI-UFF. Caixa 13.
Marx e o Marxismo v.4, n.6, jan/jun 2016
Lihat lebih banyak...
Comentários