Perseguição e Vigilância na UFF (1964-1987)

May 31, 2017 | Autor: Ludmila Gama | Categoria: Ditadura, Universidade Federal Fluminense
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LUTA e MEMÓRIA

Perseguição e Vigilância na UFF (1964-1987) Ludmila Gama Pereira*

Desde o golpe empresarial mili­

O “nada consta” significaria, em

tar de 1964, muitos professores foram

tese, que o professor não teria feito

perseguidos politicamente e demiti­

qualquer declaração crítica à ditadu­

dos das universidades brasileiras. Po­

ra, não teria identificação com a es­

rém, foi apenas na ocasião da criação

querda ou com qualquer movimento

da Assessoria de Segurança e Infor­

contra a ditadura – por exemplo, as

mações (ASI), em 1971, que a ditadura

declarações de apoio aos estudantes e

estruturou uma forma de vetar con­

professores demitidos ou presos, o en­

tratos de professores críticos ao regi­

volvimento com o marxismo (na aca­

me. A ASI foi um órgão criado em 1971

demia ou em qualquer movimento

como parte do Serviço Nacional de

político) e até pautas específicas, como

Informações, e foi neste mesmo con­

qualquer crítica à reforma universi­

texto que aumentou consideravelmen­

tária, seriam enxer­gados como “sub­

te a in­tervenção do MEC nas univer­

versivos”. Com o “nada consta” em

sidades. A partir da construção de tais

mãos, o professor seria contratado,

órgãos, o papel do MEC seria vigiar as

mas isso não significaria dizer que ele

atividades universitárias (incluindo ati­

não seria investigado ou que conse­

vidades estudantis, congressos acadê­

guiria se manter no cargo. O processo

micos, etc.) e punir diretamente, por

de renovação de contratos também

exemplo, através dos expurgos.

seria marcado por um novo “atestado

No caso da UFF, todo contrato de professor poderia não se efetivar por

ideológico”, e muitos professores se­ riam demitidos nesse processo.

não acompanhar uma declaração de

Além destes, outros professores

“nada consta” emitida pelo Departa­

foram vetados depois de trocas de in­

mento de Ordem Política e Social

formações entre os diversos órgãos de

(DOPS). Se esta declaração não fosse

segurança e o MEC. Ou seja, as infor­

apresentada à universidade, ou se

mações circulavam em todas as ASI

houvesse, por parte do DOPS, qual­

universitárias. Os professores podiam

quer impedimento para o contrato do

não ser contratados pela UFF porque

professor, este não teria seu contrato

a Divisão de Segurança e Informações

efetivado.

do MEC (DSI/MEC)1 observava um

* Doutora em História pela UFF e professora da rede estadual do Rio de Janeiro. 1

As Divisões de Segurança e Informações (DSI) eram um outro braço do SNI criado em 1967. Eles seriam estruturas de investigação de funcionários públicos ou entidades que se relaciona­ riam com os ministérios de governo com o objetivo de investigar a influência comunista nos aparelhos de Estado.

Ludmila Gama Pereira

“histórico negativo” quando pedia in­

tas sêxtuplas com os nomes dos

formações para outras universidades.

candi­datos à eleição de reitores, vice­

Naturalmente que a DSI/MEC pedia

-reitores, membros dos colegiados su­

infor­mações para a ASI/UFF de todos

periores, diretores de institutos e che­

os ex-professores ou ex-alunos (da gra­

fes de departa­mentos. Nos arquivos

duação e da pós-graduação) da UFF

da ASI/UFF, há a lista de candidatos

que se candi­datavam a qualquer cargo

vetados para cargos de chefia de de­

em outra universidade2. Todas as fi­

partamento nos anos de 1975, 1976 e

chas de identificação de professores

19773. Dos 269 professores listados

eram constantemente levadas e trazi­

nestes anos, dez foram vetados para os

das pela DSI/MEC, criando uma rede

cargos para os quais se candidataram.

de investigação de docentes.

Além de vetar admissão e reno­

Os pedidos de informações dos

vação de contratos de docentes críti­

professores davam-se por diversos

cos ao regime, especificamente na

motivos, e se em sua ficha funcional

UFF e também no âmbito universitá­

estivesse algum elemento que o vin­

rio brasileiro, a ditadura controlou e

culasse a qualquer movimento rei­

impediu reuniões que não estivessem

vindicatório nos arquivos das ASI uni­

de acordo com os seus princípios; in­

versitárias ou na polícia, ele estaria

terveio na atuação do movimento es­

fadado a não ser contratado por qual­

tudantil e suas entidades; negou a

quer universidade pública, afinal, o

ocupação de cargos de direção uni­

DSI/MEC sempre pedia informações

versitária aos professores que fossem

de candidatos às universidades pelas

contra a ditadura; decidiu quais con­

quais eles passaram anteriormente.

gressos poderiam ser realizados nas

Os vetos a professores não se resu­

universidades; censurou, dos profes­

miam somente a contratos e recon­

sores, livros, apostilas e planos de cur­

tratos, mas resvalavam para a l­ iberação

so; restringiu a livre circulação de li­

de viagens ao exterior, candidaturas a

vros e editoras; expulsou estudantes

cargos de direção dentro das universi­

das universidades ou não aceitou suas

dades e participação em colegiados,

admissões; espalhou anonimamente

evidenciando mecanismos de contro­

documentos de propaganda da dita­

le bastante amplos e ativos.

dura; contratou informantes pagos

O processo de escolha dos ocu­

pelas próprias universi­dades; destruiu

pantes de cargos de direção ou de

documentos que demonstravam per­

membros dos colegiados superiores

seguição política; perseguiu entida­

na universidade também seria subme­

des de representantes de professores e

tido à decisão do Ministro da Educa­

servidores; e difundiu manuais de

ção. Seriam enviadas para o MEC lis­

contrapropaganda criados pelo SNI.

2 Arquivo Permanente da Universidade Federal Fluminense. Acervo ASI-UFF. Caixa 4. 3 Seção de Arquivo Permanente da Universidade Federal Fluminense. Acervo ASI-UFF.Caixa 15.

Marx e o Marxismo v.4, n.6, jan/jun 2016

183

Perseguição e Vigilância na UFF (1964-1987) Exemplo de lista de veto de professores para cargos de direção universitária nos anos de 1975, 1976 e 19774.

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Telegrama do MEC contra indicam um professor para um cargo de direção universitária5.

4 Seção de Arquivo Permanente da Universidade Federal Fluminense. Acervo ASI-UFF. Caixa 17. 5 Seção de Arquivo Permanente da Universidade Federal Fluminense. Acervo ASI-UFF. Caixa 13.

Marx e o Marxismo v.4, n.6, jan/jun 2016

Ludmila Gama Pereira Veto de professor a cargo de direção universitária através do levantamento de dados biográficos. 18 de junho de 1976.

185

Marx e o Marxismo v.4, n.6, jan/jun 2016

Perseguição e Vigilância na UFF (1964-1987) Telegrama do MEC enviando o parecer dos candidatos a diretores da Escola de Serviço Social da UFF em 10 de agosto de 197166.

186

6

Seção de Arquivo Permanente da Universidade Federal Fluminense. Acervo ASI-UFF. Caixa 13.

Marx e o Marxismo v.4, n.6, jan/jun 2016

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