PERSPECTIVA POLÍTICA E EMANCIPATÓRIA DO PROJETO RONDON: A REVELAÇÃO DO OUTRO?

June 15, 2017 | Autor: Aline Kroetz Castro | Categoria: Política, Emancipação, Extensão Universitária, Filosofia da Libertação, Projeto Rondon
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PERSPECTIVA POLÍTICA E EMAN CIPATÓRIA DO PROJETO RON D ON : A REVELAÇÃO D O O UTRO ? Aline Tamires Kroetz Ayres Castro

Mestrand a em Ed u cação PPGEDU/ UFRGS Ped agoga IFSul/ Sapucaia do Sul E-m ail: [email protected]

Gilnei d a Rosa

Mestrand o em Ed u cação PPGEDU/ UFRGS Professor d e Filosofia Estad o do Rio Grand e d o Sul E-m ail: gilneid arosa@hotm ail.com Palavras-chave: Extensão Universitária, Projeto Rond on, Filosofia d a Libertação, Política, Em ancip ação.

Introdução

Ao refletir sobre os sentid os d a m od ernid ad e a p artir d a filosofia d e Du ssel (2007, 1993), essa com u nicação visa p roblem atizar a p ersp ectiva p olítica e em ancip atória d as ativid ad es extensionistas d o Projeto Rond on, na relação entre a u niversid ad e p ú blica e as com u nid ad es. A extensão u niversitária, ap esar d e integrar o trip é qu e su stenta a u niversid ad e p ú blica, m u itas vezes não recebe a d evid a relevância enqu anto ed u cativo, cu ltu ral e científico qu e articu la o Ensino e a Pesqu isa d e form a (FORPROEX, 1987, p . 1), viabilizand o u m a relação transform ad ora entre a u niversid ad e e a socied ad e na qu al está inserid a.

N esse sentid o, o Projeto Rond on é u m a d as m aiores exp eriências extensionistas qu e articu la Estad o e u niversid ad es em âm bito nacional, m as tam bém p ossibilita a criação d e p rojetos regionais vincu lad os estritam ente as u niversid ad es. Am bas as versões p ermitem a p rom oção d e elos entre o saber institu cionalizad o e o saber p op u lar há m ais d e 30 anos, reu nind o u m nú m ero significativo d e p essoas a p artir d e su as ativid ad es e exp eriências.

Assim, este estu d o se ju stifica p or p rom over a valorização d a extensão enqu anto d im ensão form ativa no ensino su p erior, p otencial m eio d e articu lação com a socied ad e e vasto cam p o d e investigação, u m a vez qu e o ensino e a p esqu isa m u itas vezes se sobressaem a ela. Já em relação ao Projeto Rond on, aind a não existem p esqu isas sobre su a p ersp ectiva p olítica e em ancip atória.

As concep ções exp lorad as p rovocam a reflexão sobre o m od o com o ocorre a interlocu ção d as cu ltu ras e d os saberes p op u lares com aqu eles d ifu nd id os no m eio acad êm ico. Para em basar essa reflexão, qu estionam os se o Projeto Rond on oferece aos estu d antes u m a ap roxim ação com a realid ad e social qu e p erm ita ver e d ialogar com o Outro (o su jeito qu e é negad o com o ou tro p elo p ensam ento hegem ônico) p or m eio d e u m a ética/ filosofia d a libertação, ou se carrega os ranços d a extensão u niversitária d e caráter m eram ente assistencialista em qu e p red ominam as p ráticas e os d iscu rsos d om inantes d a acad em ia. Partind o d e u m a abord agem qu alitativa, este estu d o exp loratório foi realizad o p or observação p articip ante (LÜDKE; AN DRÉ, 1986) com u m a d as equ ipes d a Op eração Vand erlei Alves d o Projeto Rond on vincu lad o à Universid ad e d o Estad o d e Santa Catarina (UDESC). Os d ad os foram interpretad os p or m eio d a análise d e conteú d os (BARDIN, 1977), a p artir d a d efinição d os focos analíticos: a revelação d o Outro a p artir d o Projeto Rond on; e a p erspectiva p olítica e em ancip atória d o Projeto Rond on, enqu anto ativid ad e d e extensão u niversitária. Reflexões sobre a prática a partir da teoria: Arendt, D ussel e Santos

Com p reend end o o Projeto Rond on enqu anto ativid ad e d e extensão u niversitária cap az d e prom over a form ação p olítica d os estu d antes, p or m eio d e su a p articip ação no esp aço com u m d a vid a p ú blica, o referencial teórico d esse estu d o p arte d e Du ssel (2007) e Arend t (2013, 2007) p ara a com p reensão d o sentid o d e Política; d e Du ssel (1993) p ara conceitu ação d o Ou tro e d e Santos (2002) p ara refletir o conceito d e em ancipação.

Para Arend t (2007) a p olítica é u m a d as ativid ad es fu nd am en tais d a cond ição hu m ana, integrand o o seu conceito d e vita activa. Essa exp ressão assinala três ativid ad es hu m anas fu nd am entais d esenvolvid as p or hom ens e m u lheres na esfera p ú blica: o labor, o trabalho e a ação. O labor rep resenta as ativid ad es d e sobrevivência relacionad as aos p rocessos biológicos d o corp o hu m ano, são su as necessid ad es vitais. Logo, cond ição hu m ana d o labor é a p róp ria (Ibid , p . 15). O trabalho A nais Filosofia da Libertação *** 285

com p reend e ativid ad es relacionad as ao artificialism o hu m ano, as qu ais su stentem o d esejo d e consu m ir e u ltrap assam as necessid ad es biológicas. cond ição hu m ana d o trabalho é a (Ibid , p . 15). Já a ação é exercid a entre hom ens e m u lheres sem o interm éd io d as coisas m ateriais, send o a p lu ralid ad e a su a cond ição hu m ana, qu e é tam bém a cond ição d e tod a a vid a p olítica. Para Arend t p lu ralid ad e é a cond ição d a ação hu m ana p elo fato d e serm os tod os os m esm os, isto é, hu m anos, sem qu e ninguém seja exatam ente igu al a qu alqu er p essoa qu e tenha existid o, exista ou venha a (Ibid , p . 16). Portanto, sintetizand o o p ensam ento d e Arend t, a ação p olítica é u m a ativid ad e hu m ana fu nd am ental d a vita activa qu e é d esenvolvid a coletivam ente, em u m esp aço p olítico d e interações hu m anas, u m a vez qu e está relacionad a à esfera p ú blica ond e tu d o od e ser visto e ou vid o p or tod os e tem a m aior d ivu lgação (AREN DT, 2007, p . 59).

Além d isso, p ara a autora sentid o d a p olítica é a (AREN DT, 2013, p . 38) d e cad a p essoa agir e falar, p od end o exp ressar a su a p lu ralid ad e no esp aço com u m d a vid a p ú blica. Tal p lu ralid ad e p erm ite qu e ações esp ontâneas criem o novo, o qu e rep resenta u m m ilagre. m ilagre d a liberd ad e esta contid o nesse p od er-com eçar qu e, p or seu lad o, está contid o no fato d e qu e cad a hom em é em si u m novo com eço, u m a vez qu e, p or m eio d o nascim ento, veio ao m u nd o qu e existia antes d ele e vai continu ar existind o d ep ois (Ibid , p . 43-44). Contribu ind o com o p ensam ento d e Arend t, Du ssel com p reend e a p olítica a p artir d e u m a p ersp ectiva transform ad ora, com base no p od er qu e em ana d a com u nid ad e. Esse p od er é referenciad o p elo au tor a p artir d o conceito d e potentia, qu e ind ica o p od er em si, qu e tem a com u nid ad e com o u m a facu ld ad e ou cap acid ad e qu e é inerente a u m p ovo enqu anto ú ltim a instância d a soberania, d a au torid ad e, d a governabilid ad e, d o (DUSSEL, 2007, p . 29). Contud o, a efetivação d o p od er p olítico d a com u nid ad e exige a su a institu cionalização e d elegação d o p od er a u m rep resentante. Esse p od er exercid o p or m ed iação é o qu e o au tor conceitua potestas. N esta instância, o p od er p olítico corre o risco d e afastar-se d a com u nid ad e em p rol d e interesses ind ivid u ais d o seu rep resentante, p od end o corrom p erse e assu m ir cond ição d e d om inação. Com o tod a rep resentação não é p erfeita, gera conflitos d e interesse, crises e o caos qu e antecip a a necessária transform ação. Essa ocorre, segu nd o Du ssel (2007), p or m eio d a libertação d o p ovo qu e tom a para-si (Ibid , p . 100) d o p od er d e 286 *** Anais Filosofia da Libertação

d om inação qu e é exercid o sobre ele, p ara então exercer o seu p od er soberano, o qu e caracteriza a hiperpotentia.

Assim, Arend t e Du ssel se relacionam e com p lem entam teoricam ente, send o qu e p ara ela a finalid ad e d a p olítica é a garantia d a vid a em seu sentid o am p lo e não ap enas biológico, enqu anto qu e ele entend e com o objetivo d a p olítica a p rod ução, reprod u ção e d esenvolvim ento d a vid a hu m ana, libertand o o p ovo d as am arras sociais e históricas a qu e foi su bm etid o. Assim , entend e-se qu e em am bos a liberd ad e e a p articip ação coletiva no esp aço p ú blico são conceitos-chave p ara o entend im ento d e p olítica.

N a relação entre a teoria e a p rática é p ossível p erceber qu e o Projeto Rond on contribu i p ara a ap roxim ação d os estu d antes com as d em and as d as com u nid ad es qu e recebem as op erações, fom entand o ações qu e visam a m elhoria d o bem viver d a p op u lação. Este envolvim ento social p rovoca reflexões sobre as sem elhanças e d iferenças p ercebid as entre a su a realid ad e social e o contexto conhecid o a p artir d o Projeto, oferecend o cond ições p ara qu e o estu d ante, ao retornar p ara a su a com u nid ad e, atu e p oliticam ente nos esp aços p ú blicos. Esse engajam ento p olítico-social garante m aiores cond ições p ara o d esenvolvim ento d a potentia enqu anto d esejo e soberania p op u lar. N a relação d os estu d antes com os Outros, tam bém p erm ite a conscientização d estes sobre as d iferentes form as d e d om inação qu e lhes são exercid as, incentivand o a p articip ação p olítica p or m eio d e ações qu e caracterizam a hiperpotentia.

O Outro, enqu anto su jeito qu e é negad o com o ou tro p elo p ensam ento hegem ônico tam bém é u m conceito fu nd am ental d a filosofia d e Du ssel a ser com p reend id o p ara a p roblem atização d este estu d o. O Outro é o d iferente, o não habitual, o qu e se encontra fora d a socied ad e e d o sistem a, o p obre, o op rim id o, aqu ele qu e é silenciad o p elas estru tu ras d e p od er e d om inação (DUSSEL, 2007, 1993). É a p artir d essa com p reensão qu e a filosofia d a libertação se p rop õe a valorizar a alterid ad e qu e se d istância e d iferencia d a razão d om inad ora. Esses Outros são revelad os a p artir d o Projeto Rond on p or m eio d e oficinas qu e envolvem saberes d o cotid iano, sobre os qu ais m u itas vezes os estu d antes p ossu em p ouco entend im ento e p roxim id ad e. Já em relação aos conteú d os qu e integram o cu rrícu lo d os cu rsos u niversitários, m u itas vezes a cu ltura e os saberes d os Outros são encobertos, p revalecend o a razão acad êm ica com o solu ção d os p roblem as. Contud o, esse as-

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p ecto revela a p ersp ectiva política e em ancip atória d o Projeto Rond on enqu anto esp aço d e form ação, p ois os estu d antes qu e já p articip aram d e ou tras op erações d em onstram m aior abertura p ara o d iálogo e a interlocu ção d os saberes, evid enciand o qu e o reconhecim ento d a p lu ralid ad e hu m ana d eve ser construíd o p or m eio d e iniciativas qu e p rom ovam esp aços d e d iálogo p ara e com os saberes p op u lares d a com u nid ad e.

Atu ar p oliticam ente no esp aço p ú blico em p rol d e qu estões coletivas qu e valorizem a p articip ação e as p ersp ectivas d o Outro contribu i p ara a em ancip ação d os su jeitos envolvid os. N a p ersp ectiva d e Santos (2002), o p rincípio d a com u nid ad e, com base em su as d im ensões d e p articip ação e solid aried ad e, é o m ais ad equad o p ara p rom over o p ilar d a em ancip ação. Para o au tor, tod o conhecim ento p rogrid e d e u m p onto d e ignorância p ara u m p onto d e saber, send o qu e no conhecim ento em ancipação esses p ontos são, resp ectivam ente, o colonialism o e a solid aried ad e. O colonialism o com p reend e o Outro enqu anto objeto, não o reconhecend o com o su jeito. Assim , na p rop osta d o conhecim ento em ancip ação ecer é reconhecer é p rogred ir no sentid o d e elevar o ou tro d a cond ição d e objeto à cond ição d e su jeito. Esse conhecim ento-reconhecim ento é o qu e d esigno p or solid ari (SAN TOS, 2002, p . 30).

N este sentid o, os au tores qu e em basam esse estu d o se ap roxim am ao valorizar a interação entre as p essoas em p rol d as qu estões coletivas qu e p erm eiam a socied ad e. Arend t p rim a p ela p articip ação p olítica d e tod os, qu e é a p róp ria liberd ad e d e ser e estar no m u nd o a p artir d a su a fala e d as su as ações no esp aço p ú blico. Du ssel p rop õe u m a filosofia d a libertação qu e p erm ita a revelação d a d iversid ad e e d as esp ecificid ad es d os su jeitos enqu anto Outro. E Santos entend e qu e p or m eio d a solid aried ad e o conhecim ento é p rod uzid o a p artir d e u m p rocesso contínu o d e recip rocid ad e e reconhecim ento d a intersubjetivid ad e.

A solid aried ad e é p ercebid a entre os estu d antes qu and o estes organizam as oficinas com base no trabalho coletivo, valorizand o o conhecim ento d e colegas d e áreas d istintas. A p artir d o Projeto Rond on, p ercebem os a valorização d o trabalho m u ltid iscip linar e a intensificação d as cap acid ad es d e escu ta, d iálogo e aceitação d a contribu ição d e tod os p ara o d esenvolvim ento d os tem as p rop ostos. Assim , além d e som ar, os estu d antes p rod u zem e ressignificam saberes.

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Considerações finais

Ao refletir sobre a p ersp ectiva p olítica e em ancip atória d o Projeto Rond on, na relação qu e estabelece entre a u niversid ad e p ú blica e as com u nid ad es qu e recebem as su as ativid ad es, p ercebem os a im p licação d os estu d antes com as qu estões qu e p ermeiam d iferentes realid ad es sociais, favorecend o o d iálogo com saberes e conhecim entos qu e historicam ente foram exclu íd os d os m eios acad êm icos e científicos, send o, inclu sive, negad os enqu anto tal.

O p rojeto Rond on, ao criar esp aços qu e valorizam a interlocu ção d as cu lturas e d os saberes p op u lares com aqu eles d ifu nd id os na u niversid ad e, tem grand e p otencial d e contribu ir p ara a form ação d e su jeitos p olíticos cap azes d e atu ar em p rol d os interesses coletivos, afastand o-os d a lógica m ercantilista e ind ivid u alista qu e p erm eia a socied ad e neste início d e sécu lo. Desta form a, ap esar d as lacu nas id entificad as nas observações, o Projeto Rond on caracteriza-se com o ativid ad e extensionista com p otencial form ativo, não ap enas assistencialista, p ossibilitand o o reconhecim ento d o Outro e a form ação p olítica e em ancipatória qu e traçam as vias d e libertação d o p ovo op rim id o. Referências

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