Perspectivas de vida e configuração urbana: interpretando as mudanças no Centro Comercial de Belém - PA

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SEMINÁRIO INTERNACIONAL - AMAZÔNIA E FRONTEIRAS DO CONHECIMENTO NAEA - Núcleo de Altos Estudos Amazônicos - 35 ANOS Universidade Federal do Pará 9 a 11 de dezembro de 2008 Belém - Pará - Brasil

PERSPECTIVAS DE VIDA E CONFIGURAÇÃO URBANA: INTERPRETANDO AS MUDANÇAS NO CENTRO COMERCIAL DE BELÉM - PA

Fernando José Lima de Mesquita (Universidade Federal de Alagoas) - [email protected] Arquiteto e Urbanista, mestrando DEHA/UFAL Ana Claudia Duarte Cardoso (Universidade Federal do Pará) - [email protected] Arquiteta e Urbanista, PHD em Arquitetura (Oxford Brookes University/UK)

Perspectivas de vida e Configuração Urbana: Interpretando as Mudanças no Centro Comercial de Belém – PA Fernando José Lima de Mesquita, Universidade Federal de Alagoas1 Ana Cláudia Duarte Cardoso, Universidade Federal do Pará2

RESUMO

A cidade de Belém, seguindo uma tendência nacional iniciada no fim do século passado, está imersa em um processo de revitalização urbana do seu centro histórico e comercial. Como reflexo das intervenções nessas áreas e aliado a fenômenos globais que modificaram as relações comerciais e de produção, a cidade vê surgir uma nova categoria de mercado que modificou a relação de apropriação dos novos “lugares” estratégicos emergentes. Para explicar o fenômeno descrito, tomou-se como objeto desse artigo o exemplo do mercado informal (camelôs) e sua ocorrência em um trecho do Bairro do Centro em Belém. Inicialmente, utilizando as ferramentas da sintaxe espacial de Hillier (1989), verificou-se a integração da área e sua inserção com a morfologia do entorno e, posteriormente, com base no conceito de perspectivas de vida desenvolvido por teóricos como Dahrendorf (1979) e Cardoso (2007), foram mapeadas tipologias de apropriação dos espaços livres, no intuito de se identificar a lógica social dos espaços em foco.

Palavras-chave: Perspectivas de vida; sintaxe espacial; centro histórico; desenho urbano.

1. Introdução O atual centro histórico de Belém consolidou-se ao longo séculos de intervenções públicas. Inicialmente, os colonizadores portugueses procuravam um local privilegiado quanto ao aspecto estratégico militar e situaram o marco inicial de ocupação da cidade (o forte do Presépio, atualmente conhecido como forte do Castelo) em uma esquina entre a baía do Guajará e o rio Guamá, circundada pelo alagado do Piry. Durante o século XVII, os planos da Coroa portuguesa de tornar a cidade capital de um sub-reino iniciaram um processo de transposição dos obstáculos ao crescimento da cidade em direção ao continente, iniciando pelo aterro do igarapé do Piry, e criação

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Arquiteto Urbanista Graduado pela UFPA, ex-bolsista PIBIC/CNPq, autor do Trabalho Final de Graduação intitulado “Rever-o-Peso: Uma proposta de pacote de desenho urbano para o centro histórico de Belém“, que deu origem a este artigo; Especialista em Desenho Urbano pela Universidade Federal de Alagoas, Mestrando em Dinâmicas do Espaço Habitado pela Universidade Federal de Alagoas. 2 Secretária de Estado de Governo do Governo do Estado do Pará; Prof. Adjunta /DAU/UFPA. Coordenadora da Pesquisa “O Espaço Informalmente Produzido como Recurso para Superação da Pobreza Urbana”, financiada pelo CNPq, a qual este trabalho é vinculado; ex- orientadora de Fernando Mesquita.

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de um conjunto arquitetônico monumental constituído por palácios, praças e igrejas; segundo um traçado em leque que converge para o forte. Durante o século XIX, a exploração da borracha fortalece o crescimento econômico da região, até então dependente do comércio de drogas do sertão e especiarias. Com o ciclo da borracha a cidade acelera seu processo de expansão e seu traçado assume maior regularidade (os novos bairros adotam um traçado reticular), são introduzidas consideráveis melhorias infraestruturais (saneamento, iluminação a gás, calçamento das ruas

com

paralelepípedos

de

granito

importado,

modernização do sistema de abastecimento de água além do incremento do sistema de comunicação com o telégrafo entre outros, tudo proporcionado por estreitas relações comerciais com os países europeus). Figura 01: Belém 1901 – Projeto de Regularização da Primeira Légua Patrimonial de Belém.

Duarte (1996) destaca que o crescimento da riqueza deste

Fonte: Teixeira, 1995, modificado pelos autores

populacional, e pela expansão da malha urbana para

período foi acompanhado de um vertiginoso crescimento

assimilação da demanda por habitação. Em 1883 foi concebido um plano de alinhamento para toda a extensão da primeira légua patrimonial da cidade, cuja implementação teve inicio em 1905, e cuja abrangência foi suficiente para acomodar o crescimento urbano até a década de 60. Observe-se que o plano foi composto por uma retícula deformada segundo a conformação do território em forma de leque (Figura 01), que se estendia inclusive sobre as áreas alagáveis (denominadas localmente como baixadas – Figura 02) ocupadas efetivamente somente após os anos 60. Durante a Segunda Guerra Mundial, a primeira légua patrimonial foi circundada por bases militares, áreas institucionais e de pesquisa constituindo um cinturão que limitava o crescimento da cidade. Esta barreira física favoreceu o adensamento daquela área através da verticalização, da ocupação de miolo de quadra e da invasão das áreas alagáveis (IPEA, 2002). Atualmente a primeira légua patrimonial corresponde à área central da Região Metropolitana de Belém (RMB), abrangendo 21 bairros, dos quais a Cidade Velha e a Campina (os mais antigos da cidade) constituem hoje o Centro Histórico de Belém (CH); e parte dos bairros do Reduto, Nazaré, Batista Campos, Jurunas, constituem o entorno do CH. IPEA (2002) apresenta a área adjacente ao cinturão institucional como área de transição da região metropolitana e a segunda

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légua patrimonial da cidade de Belém somada às áreas urbanas dos demais municípios constituintes da RMB como área de expansão.

Figura 02: Relevo da RMB “Baixadas” em branco, Fonte: JICA (1991:31), apud CARDOSO, 2002.

Todo este processo de evolução modificou expressivamente as condições de acessibilidade, apropriação e uso do CH de Belém, caracterizando um processo de obsolescência, que é tomado como o principal objeto de investigação deste trabalho.

2. Belém e os fenômenos globais O período do “milagre econômico brasileiro” e a quebra do isolamento da região em relação ao restante do país ocasionaram a ascensão de um novo tipo de comércio: as lojas de departamento, filiais de cadeias nacionais tais como Lobrás, Casas Pernambucanas, Mesbla e Lojas Americanas, que logo se instalaram no bairro do comércio e entorno imediato. Essa mudança enfraqueceu o comércio existente até então, que tinha um caráter mais familiar e tradicional, funcionava em prédios de dois pavimentos, com o pavimento térreo ocupado pelo comércio e o pavimento superior pela habitação. Além de serem estabelecimentos especializados em vários segmentos (tecidos, joalheria, vidros , armarinho e etc) respeitavam a volumetria da edificação original, diferentemente dos novos modelos que, segundo Cardoso e Nassar (2003) apostaram na modernização de instalações como diferencial para atrair consumidores, demolindo as casas antigas e gradativamente aglutinando edificações de uma mesma quadra para formar uma única loja. 3

Figura 03: Renovação urbana na área do centro histórico, com características contemporâneas. Foto: Cardoso e Nassar, 2003

Na década de 90 ocorre ainda a segunda mudança na escala do comércio local, dois shopping centers foram implantados na cidade, um na área de expansão (respondendo à metropolização da cidade ao longo da rodovia) e outro próximo imediatamente após a área de entorno do CH (na Av. Padre Eutíquio). Teixeira (2003) ressalta que o porte do empreendimento acabou por acelerar o processo de deslocamento do centro comercial da área histórica para o eixo da Av. Padre Eutíquio. Dentro do processo de crescimento da malha urbana, outros eixos destacam-se como subcentros comerciais (centros de bairro). A obsolescência3 do centro Histórico e a decadência da infra-estrutura aceleraram o processo de transferência de lojistas para núcleos emergentes e intensificaram o caráter popular e regional (venda de frutas, ervas, pescado, raízes) da feira do Vero-Peso. O declínio da atividade comercial no centro histórico criou um ambiente propício ao surgimento e ascensão do comércio informal e de contrabando e à especialização de estabelecimentos na venda de mercadorias

mais

rentáveis, como

eletrodomésticos e

eletroeletrônicos. Este fato é evidenciado a partir da década de 1980 quando ocorreu a formação de amplas redes de compra e venda de artigos de baixo valor, produzidos em países asiáticos e que entram no país ilegalmente, e oferecidos em ruas de intenso fluxo de pedestres. Rigatti (2003) e Steinberg (1996) concordam ao afirmarem que os centros históricos acabam perdendo também seu uso habitacional por conta da degradação física de seu estoque edificado, o que, aliado às pressões econômicas, fomenta utilizações outras que as de residência. Como resultado deste processo, estas áreas continuam a declinar como pólo de atração e suas funções físicas, sociais e econômicas são rompidas perdendo então suas contribuições potenciais à cidade. Desta maneira, as vias do Centro Histórico de Belém em termos de localização e acesso à infra-estrutura responderam bem ao vendedor ambulante que, como afirmam Cardoso e Nassar (2003), “precisam de proximidade de fluxos de pedestres, de boa acessibilidade, de locais de

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Tiesdell (1996) define sete dimensões para obsolescência: fisco-estrutural, funcional, imagética, legal e oficial, locacional, financeira e relativa ou econômica.

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armazenagem para suas mercadorias, de pontos de água e energia elétrica. A infra-estrutura disponível, embora obsoleta para as antigas atividades, tornou-se recurso possível de ser utilizado pelos mais pobres”.

Figura 04: Lojas de departamentos que aglutina muitas edificações de uma mesma quadra. Foto: Cardoso e Nassar, 2003

3. Sobre a construção do conceito de “Perspectivas de Vida” e o Centro Histórico e Comercial de Belém. O conceito de “Perspectivas de Vida” (do inglês life chances), foi desenvolvido por Cardoso (2002) a partir do estudo de autores como Dahrendorf (1979) e Kempen (1994), segundo os quais, perspectivas de vida “são previsões ou prospectos em longo prazo de alguém, definidos por escolhas a partir das opções disponíveis e de acordo com seus objetivos pessoais”. Tal conceito se expressa multidimensionalmente, em três elementos: meios legais de acesso, provisão e ligaduras (vínculos sociais). A metodologia utilizada por Cardoso (2002) foi replicada sob a realidade do atual Centro Histórico e Comercial de Belém em busca de um mapeamento de estratégias de apropriação desse espaço com enfoque na problemática do mercado informal, como se vê a seguir. 3.1. Provisão e Meios legais de acesso Provisões são as opções materiais ou as escolhas entre bens e serviços. É uma designação para qualquer classe de coisas materiais e variam em quantidade ou diversidade. Para Cardoso (2002) provisão significa disponibilidade de suprimentos e é dependente do crescimento econômico. No seu texto a autora utiliza o conceito de provisão para designar as condições de infra-estrutura urbana e de habitação. Meios legais de acesso são entendidos como direito de acesso às bases do capital humano – tais como direito de acesso à educação e saúde e, por conseguinte, a melhores condições de trabalho e renda. Por si só não são bons nem ruins, são meios de acesso socialmente definidos. Cardoso (2002) afirma que os meios legais de acesso devem possuir uma dimensão espacial e que “dentro da realidade dos países em desenvolvimento, o processo desigual de urbanização 5

diferencia espaço e condições de acesso a, por exemplo, habitação, educação e saúde, em termos quantitativos (disponibilidade) e qualitativos (confiabilidade)”. Tomando o acesso a um lugar ou a um lote por meio da rua, como o primeiro elemento do “meio legal de acesso” espacial, Cardoso (2002) desenvolve uma maneira de medir tal acessibilidade física, utilizando o marco teórico desenvolvido na Inglaterra por Bill Hillier, denominado “Sintaxe espacial”. Para Holanda (2002) a sintaxe espacial objetiva o “estabelecimento de relações entre a estrutura espacial de cidades e edifícios, a dimensão espacial das estruturas sociais, e variáveis sociais mais amplas, procurando revelar tanto a lógica do espaço arquitetônico em qualquer escala assim como a lógica espacial das sociedades”. Ela “avalia o potencial de acessibilidade física e ajuda na compreensão de padrões sociais que surgem naquelas estruturas espaciais por meio do uso de mapas axiais para representar as relações topológicas de visibilidade e permeabilidade do espaço” (CARDOSO, 2002). - Provisão, Meios Legais e o Bairro do Centro de Belém Utilizou-se aqui, para as duas dimensões do conceito de perspectivas de vida, o estudo da evolução dos sistemas de proteção ao patrimônio histórico na área e a análise sintática da configuração urbana. A ocupação da área que corresponde ao centro histórico de Belém se estrutura desde 1616, inicialmente a partir de uma igreja e um forte, e de duas freguesias, que hoje correspondem aos bairros da Cidade Velha e Campina. A Campina desde sua origem consolidou-se como área comercial e assumiu funções administrativas, de comércio e serviços especializados que perduram até o presente. A presença da Feira do Ver-o-Peso e do Porto de Belém transformou a área em um centro de comércio de importância

regional,

inicialmente

enquanto

principal

feira

da

região,

de

economia

predominantemente mercantilista, e especialmente durante o ciclo da borracha, quando o porto foi utilizado para exportar a produção de borracha brasileira e dos países vizinhos. As mudanças ocorridas na rede urbana brasileira (decorrentes da abertura das rodovias federais para a integração nacional) enfraqueceram o comércio e a indústria local e fortaleceram as funções administrativas e financeiras. Estas mudanças resultaram em um processo de acomodação de atividades no bairro da Campina, com destaque para o surgimento dos edifícios de escritório em eixos, tais como a Avenida Presidente Vargas e a Rua 15 de Novembro, onde se localizaram os edifícios do Banco do Brasil, Caixa Econômica Federal, Banespa entre outros. Desde então a Campina concentrava atividades que se apoiaram mutuamente (representações comerciais, escritórios de advocacia e contabilidade, cartórios, estabelecimentos comerciais e bancos) e atraiam um contingente populacional que se deslocava para aquela área como 6

trabalhadores ou usuários de serviços. Observe-se que as condições de acessibilidade deste bairro somadas à infra-estrutura instalada historicamente viabilizaram a sua manutenção como centro comercial da cidade até a completa ocupação da primeira légua patrimonial. Era possível aos habitantes da cidade alcançarem o ver-o-peso com longas caminhadas e o transporte era feito inicialmente através dos bondes e posteriormente através de ônibus provenientes de todos os bairros da cidade.

Figura 05: RMB – Estruturação Urbana de Belém Fonte: PDU/1993, apud, IPEA, 2002

A partir da década de 60 a idéia de preservação da paisagem e sítios históricos (inicialmente na Recomendação de Paris em 1962 e posteriormente com a Carta de Veneza em 1964) se desenvolve mundialmente. Porém até meados da década de 80, a concepção de preservação adotada no país, orientava-se para a preservação dos monumentos e de fragmentos urbanos (conjuntos de valor histórico). Neste contexto em Belém, as intervenções realizadas para estabelecimentos de atividades administrativas e financeiras (como o prédio do Banco Central, Banespa e etc, situados

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na Av. Presidente Vargas) muitas vezes resultaram em verticalização, demolições de edificações históricas e remembramentos de lotes, apesar da existência na cidade de bens tombados pelo âmbito federal (igrejas, palácios, teatros, conjuntos arquitetônicos e praças). Sampaio (1996), afirma que o poder público deve evitar conflitos entre a arquitetura e a paisagem urbana através da implantação de instrumentos de ordenação urbanística. Em Belém, as intensas modificações ocorridas desencadearam uma mobilização local, alinhada com o movimento mundial pela preservação da integridade física de monumentos históricos que resultaram na aprovação das leis municipais de delimitação (Lei nº 7401/88) e tombamento (Lei Orgânica do Município, 1990) do centro histórico e de preservação do seu entorno (Lei n.° 7709/1994) no final da década de 1980 e meados de 1990, respectivamente, como culminância das ações propostas nos planos de desenvolvimento formulados para Belém ( Plano de Desenvolvimento da Grande Belém – PDGB, Plano de Diretrizes Metropolitanas para Belém – PDM e o Plano de Estruturação Metropolitana – PEM) durante os anos 1970. O âmbito estadual também instituiu regras de proteção para o entorno de bens tombados (Decreto Lei n.º 5.629/1990) (Lima, 2005). Entretanto, tal orientação resulta no controle do espaço construído do Centro Histórico demasiado pontual, desvinculado da visão de cidade como um sistema, especialmente no que se refere às condições de acessibilidade e decadência imobiliária. Percebe-se até aqui que as políticas adotadas nos centros históricos brasileiros, mais especificamente no caso de Belém, estão “a reboque” das práticas adotadas no mundo todo, tendo como subproduto a segregação dos espaços em foco. Como respostas às pressões a nível mundial as políticas imediatistas adotadas, como a preservação e tombamento de edifícios históricos ou os grandes projetos de “revitalização” de áreas centrais, tornaram-se desarticuladas das dinâmicas da inserção dessas áreas no contexto urbano e comercial das cidades a que fazem parte. Em muitos casos, como afirmam Cardoso e Nassar (2003), as políticas de proteção por tombamentos ou zoneamentos não dão conta por si só de promover a vitalidade dessas áreas “se não forem acompanhadas por políticas oficiais comprometidas com o combate ao esvaziamento do centro histórico”. Sob o ponto de vista da configuração urbana, o centro histórico de Belém possui características tais como: regularidade do traçado urbano, com quadras pequenas e lotes estreitos e de grande profundidade; o alto grau de contigüidade da paisagem, quebrado apenas pelos monumentos tombados a nível federal e alguns prédios altos modernos; imóveis no alinhamento das ruas (sem arborização) e das laterais do terreno; praças arborizadas; fachadas com leitura vertical e tráfego intenso de veículos e pedestres (Hidaka, 2000).

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Leituras realizadas a partir da abordagem da sintaxe espacial (Hillier, 1996; Holanda, 2002) da distribuição de valores de integração global para a cidade de Belém, demonstram que o CH já não teria efeito polarizador em termos espaciais, funcionando como mais um dentre os diversos centros de bairro inseridos dentro do atual centro metropolitano, o que certamente contribuiu para as transformações ocorridas na área comercial do CH (Figuras 08 e 09). Por outro lado, a concepção de preservação instituída, e praticada na cidade não considerou o seu papel regional, nem a importância da feira do Ver-o-Peso como ponto de comercialização de produtores de municípios vizinhos, de grande importância para a dinâmica mercantilista da economia ribeirinha, que tradicionalmente depende dos rios da Amazônia.

Figura 06: Mapa de Integração Global de Belém. Fonte:Mesquita, 2005

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Figura 07: Integração Global da Primeira Légua Patrimonial de Belém Percebe-se que aqui a área do Centro Histórico (marcada em preto) permanecem tão segregada quanto as chamadas áreas de baixada à direita e abaixo. Fonte:Mesquita, 2005

3.3. Ligaduras (Vínculos sociais) A terceira dimensão do conceito de perspectivas de vida, as ligaduras, são oferecidas por laços sociais tradicionais e participação em instituições tais como família, localidade, religião, partido político, classe social, instituições estas que dão significado às escolhas que fazemos, ou seja, trata-se do acesso à informação por meio de redes sociais e valores que justifiquem as escolhas sobre o que é prioritário ou não para cada indivíduo. Segundo Cardoso (2002), o significado de ligaduras origina-se da compreensão de que se deve existir um algo mais entre meios legais de acesso e provisão, uma vez que o primeiro não conduz necessariamente ao segundo e vice-versa. Outros componentes de perspectivas de vida devem ser considerados: motivação humana guiada por laços sociais, culturais e políticos, dentre outros. Como o elemento mais abstrato componente do conceito de perspectivas de vida, as ligaduras são investigadas no trabalho de Cardoso (2002) por meio da observação da vida de rua, devido à sua capacidade de expressar relacionamentos entre o espaço e seus usuários e, por conseguinte, de revelar perfis de motivação humana. Neste enfoque, as áreas de estudos foram investigadas primeiramente através dos padrões de apropriação dos espaços públicos pela população, na busca da caracterização do perfil dos moradores e de seu relacionamento com os gradientes definidos entre os espaços públicos (a rua) e privado (o lote). - Ligaduras e o Bairro do Centro em Belém O centro comercial de Belém, possui em sua grande maioria, ruas estreitas algumas sem acesso a veículos, implantadas em um projeto que tentou reordenar a disposição dos camelôs dentro do bairro. O Centro de Belém possui uma grande variedade de usos, comum às áreas comerciais, que se pese a evasão de uso habitacional da área. 10

Em observação inicial pôde-se identificar três categorias de comércio predominantes na área: os camelôs, representados pelo comércio informal fixo em mobiliários com pouca mobilidade mas efêmero pois são capazes de serem desmontados e estocados; os ambulantes, com mobilidade maior, mas capacidade de estocagem menor, necessitam de espaços secundários para a complementação de suas atividades; comércio formal, com nenhuma mobilidade, porém possuem estrutura de estocagem e infra-estrutura eficiente, nesta categoria pode-se incluir as lojas e bancas de revistas ou de serviços em mobiliários fechados. Foram identificadas sete tipologias de comércio no trecho estudado são elas: - Tabuleiro: estruturas efêmeras geralmente em madeira, no trecho observado possuem uso predominantemente para venda de alimentos e frutas. - Barraca: tipologia de maior ocorrência, são estruturas em geral metálicas, com cobertura em lonas plásticas, de fácil desmontagem e estoque. - Barraca com rodas: possuem pouca ocorrência por não se fixarem em áreas no centro, em geral estão transportando mercadorias para outras áreas da cidade. - Bicicletas: pouca ocorrência no Centro, em geral são usadas para venda de lanches. - Display: são caracterizados pela mobilidade, pois o comerciante geralmente “carrega” consigo o aparato de venda facilitando assim, os percursos para a venda dos produtos. - Loja: comércio formal em estrutura permanente, no trecho estudado encontrou-se apenas comercio de pequeno porte e bancas de revistas. O mercado informal no Centro de Belém comercializa uma gama muito grande de produtos, porém, em geral, são exemplares de baixo custo ou produtos “piratas”, entre os usos encontrados destacam-se os de alimentos (frutas, lanches), vestuário (roupas, tecidos), objetos de uso pessoal (higiene, carteiras, capas para celulares), eletro-eletrônicos (calculadoras, toca-fitas, relógios) e CD/DVD. Percebe-se que até mesmo o mercado formal na área utiliza de estratégias informais para a “abdução” de possíveis clientes na rua, estas estratégias incluem a adoção de “tabuleiros” em frente às lojas ou grande caixas amplificadoras com locutores, estratégias essas, já comuns nas áreas de comércio, mas que foram adaptadas da informalidade. Na pesquisa de campo foi utilizada a aplicação de questionários, com uma amostragem de aproximadamente cem entrevistados, que responderam perguntas relativas à renda, à mobilidade e a aspectos da configuração urbana. Quando questionados sobre o período em que a renda aumenta os entrevistados foram unânimes: em tempo de festas de fim de ano, quando o pico de vendas aumenta. A renda diminui no início do ano (Janeiro e fevereiro) ou nos períodos de chuvas em Belém. 11

Sobre o transporte casa-trabalho a maior ocorrência foi para o trajeto a pé ou de bicicleta, pois a maioria dos entrevistados reside em bairros próximos ao Centro. Neste contexto a satisfação com as condições de mobilidade foram positivas, porém aqueles que não estão satisfeitos com as condições de mobilidade (satisfação regular, ruim e péssima) apontam como problemas a distância dos percursos de transporte público e o trânsito ruim com congestionamentos. Quando questionados sobre a satisfação de trabalhar no centro no Centro todos os respondentes afirmaram que a movimentação, a comunicação (dialogo) com as pessoas, a possibilidade de contato com estranhos são as principais características, citadas tanto pelo comércio formal como o informal. Sobre a leitura da paisagem o balanço foi positivo, com a intervenção de calçamento de algumas vias no Centro, foram identificadas características tais como, “uma maior urbanização”, “melhoria na infra-estrutura”, “melhoria no visual”. Sobre a limpeza no Centro obteve-se um balanço positivo com quatro ocorrências para a categoria “limpo” e duas para “regular”, porém identificou-se que o principal problema não está no serviço de coleta mas na falta de mobiliário urbano o que faz com que os transeuntes atirem lixo diretamente no chão. A pesquisa de campo revelou que os comerciantes do Centro sentem-se inseguros, e que a causa de tal insegurança está no vandalismo provocado pelos assaltos/furtos, principalmente no período noturno. Porém os comerciantes formais afirmam que o problema da segurança do Centro está nos próprios camelôs pois com a densidade de barracas, perde-se a visibilidade, o que gera refúgios a vândalos. De uma maneira geral, a pesquisa de campo revelou que o espaço do Centro de Belém constitui um palco de infindáveis estratégias de vendas de produtos, com a utilização desde estruturas efêmeras e de fácil desmontagem até a loja de alvenaria.

4. Por uma integração entre políticas de preservação e de desenvolvimento urbano O direcionamento dos instrumentos de preservação exclusivamente para a preservação da integridade física das edificações, desconsidera a compreensão da habitação enquanto meios de acesso (à moradia, ao espaço urbano, ao trabalho, a serviços) para a população pobre das cidades4, assim como os valores e expectativas dos usuários cotidianos desse espaço. O isolamento histórico das políticas de preservação em relação ao desenvolvimento urbano, ou a sua desarticulação em

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Cardoso(2002) define pobreza urbana como ausência de perspectivas de vida, reconhecendo a multidimensionalidade do fenômeno. A abordagem toma os meios legais de acesso e os valores e estratégias do indivíduo como elementos fundamentais para a qualificação das provisões de que o mesmo dispõe.

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relação às demais políticas públicas (transporte, infra-estrutura, habitação, etc.) contribuiu para o agravamento do problema da desigualdade manifesto naquela área5. Grandes investimentos são necessários para a preservação do acervo edificado, que atualmente são incompatíveis com as condições sócio-econômicas dos usuários (moradores de cortiços, ambulantes, pequenos comerciantes) que exploram mais intensamente a área. A convergência de linhas de ônibus oriundas de toda a RMB para a área, resultam em congestionamentos e afastamento de consumidores de maior renda, que se deslocam de automóvel. Entretanto a possibilidade de acesso fluvial atrai para a área os consumidores ribeirinhos, fortalecendo o comércio popular. A diversidade de usos, a existência de infra-estrutura, a facilidade de deslocamento a pé e os prédios abandonados são aspectos muito atraentes para a população de baixa renda tanto enquanto moradores, quanto nas condições de trabalhadores (comerciários, ambulantes de alimentos, produtos pessoais, discos, eletroeletrônicos) e consumidores. Na contra-mão deste processo observam-se as ações deslanchadas por parte do poder público na área, nos âmbitos municipal (Revitalização do Complexo Ver-o-Peso),estadual (Complexo Feliz Lusitânia) e federal (Monumenta/ CEF), dedicadas à revitalização da área e receberam um grande montante de recursos, mas que têm se constituído em ações pontuais/ setoriais, segundo estratégia política para posicionar a cidade dentro das rotas turísticas segundo o paradigma difundido pela nova ordem mundial, todavia desarticuladas das dinâmicas sociais e econômicas decorrentes da inserção regional da cidade, e muito contribui para a sua identidade amazônida. 5. Referências Bibliográficas CARDOSO, Ana Cláudia. Estudo de Configuração Urbana: Subsídios para a Revitalização do bairro do Reduto, Belém – PA. (Dissertação de Mestrado) Brasília: FAU – UNB: 1994 CARDOSO, Ana Cláudia. The Alternative Space Informal Settlements and Life Chances in Belém, Brazil. Ph.D. Thesis: School of Architecture Oxford Brookes University. Oxford:2002 CARDOSO, Ana Cláudia, NASSAR, Flávio. Pobreza Urbana e o Centro Histórico de Belém. Artigo Apresentado no Seminário “Landi e o Século XVIII na Amazônia”, 2003(disponível em : < www.landi.inf.br>. Acesso em: 20 de dezembro de 2004). DAHRENDORF,R. Life Chances. London: Weidenfeld and Nicolson, 1979. 181 p. DUARTE, Cristóvão. Anotações Preliminares sobre a História da forma Urbana da Cidade de Belém. In: In: MACHADO, Denise B. Pinheiro, VASCONCELLOS, Eduardo Mendes de. Cidade e Imaginação. PROURB-FAU-UFRJ, Rio de Janeiro, 1996. FERREIRA, Rachel. Estudo do Impactos de Modificações de Usos do Solo na Preservação do Centro Histórico de Belém. (Dissertação de Mestrado) São Paulo: Universidade Presbiteriana Mackenzie: 2003 5

A Declaração de Amsterdã de 1975, versa sobre a conservação integrada do patrimônio histórico, e afirma que uma política de conservação implica também a integração do patrimônio arquitetônico na vida social sendo que, o esforço de conservação deve ser calculado não somente sobre o valor cultural das construções, mas também pelo seu valor de utilização , desta forma, os problemas sociais da conservação integrada só podem ser resolvidos através de uma referência combinada a essas duas escalas de valores.

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HIDAKA, Lúcia. A Essência do existir. (Dissertação de Mestrado) UFPE, 2000. HILLIER, Bill. Space is the Machine. Londres. Cambridge University Press, 1996. HOLANDA, Frederico. O Espaço de Exceção. Brasília, Ed UnB, 2002. IPEA, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada. Gestão do uso do solo e disfunções do crescimento urbano: instrumentos de planejamento e gestão urbana: Belém, Natal e Recife / IPEA, USP, UFPA, UFPE. Brasília: IPEA, 2002 IPHAN. Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Naciona (Brasil) Cartas patrimoniais. Rio de Janeiro, IPHAN: 2000. KEMPEN, E. The dual city and the poor: social polarisation, social segregation and life chances. Urban Studies. Edinburgh, v.31, n.7, p.995-10015, aug. 1994. MESQUITA, Fernando José Lima de. Rever-o-Peso – Uma proposta de Pacotes de Desenho Urbano para o Centro Histórico de Belém, Trabalho Final de Graduação. Belém, UFPA, 2005. RIGATTI, Décio. Privatização de Espaços Públicos. In: Paisagem Ambiental. Faculdade de Arquitetura e Urbanismo de São Paulo - USP. São Paulo: FAU USP, Anual n. 17: 2003. SAMPAIO, Andréa da Rosa. O Controle do Novo Desenho em Entorno Históricos. In: In: MACHADO, Denise B. Pinheiro, VASCONCELLOS, Eduardo Mendes de. Cidade e Imaginação. PROURB-FAU-UFRJ, Rio de Janeiro, 1996. TEIXEIRA, Luciana Guimarães. Intervenções em Áreas Portuárias e Revitalização Urbana: O Caso da Zona Portuária de Belém do Pará. (Dissertação de Mestrado) São Paulo: Universidade Presbiteriana Mackenzie: 2003 TEIXEIRA, Romeu. (org.) Belém do Pará. [Belém]: Alunorte, 1995. TIESDELL, Steve; OC, Taner; Heath, Tim. Revitalizing historic urban quarters. Architectural Press: Oxford 1996.

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