PERSPECTIVAS DOS PROFISSIONAIS DE EDUCAÇÃO: O TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (TEA) EM FOCO Arlindo Lins de Melo Júnior 2

May 26, 2017 | Autor: Marily Oliveira | Categoria: Educação Especial, Transtornos Do Desenvolvimento Do Espectro Do Autismo
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PERSPECTIVAS DOS PROFISSIONAIS DE EDUCAÇÃO: O TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA (TEA) EM FOCO Marily Oliveira Barbosa1 Arlindo Lins de Melo Júnior2

Universidade Federal de São Carlos, Programa de Pós-Graduação em Educação Especial – São Carlos, SP. Eixo 28: Transtornos Globais do Desenvolvimento Categoria: Comunicação Oral RESUMO O objetivo desse estudo é analisar o ponto de vista da professora de sala de aula, professora do AEE e auxiliar de sala a despeito dos desafios da inclusão escolar para um estudante com TEA. Para tanto utilizou-se a pesquisa qualitativa por intermédio do estudo de caso envolvendo um estudante com TEA e as profissionais de educação, a saber: professora de sala de aula, professora do AEE e auxiliar de sala de aula. Os instrumentos de coleta de dados utilizados foram a observação e entrevista semiestruturada. Todos os dados foram analisados a partir da análise de conteúdo do tipo temática. Como resultados observamos que todos os indivíduos em idade escolar têm direito de frequentar a escola regular e cabe a ela receber e oportunizar o conhecimento. Quanto a inclusão escolar para estudantes com TEA todas as profissionais que lidavam com o estudante eram favoráveis, contudo enfrentavam inúmeras dificuldades em atuar na docência para com o estudante. Assim existe a necessidade de um maior acompanhamento quanto a permanência escolar de estudantes com TEA, bem como fornecimento de auxílios para com a comunidade escolar, instrumentalizando-os para receber a diversidade de estudantes que cotidianamente adentram nos espaços escolares. Palavras-chaves: Educação Especial. Inclusão escolar. Transtorno do Espectro Autista (TEA) INTRODUÇÃO Os estudantes com Transtorno do Espectro Autista (TEA) tem adentrado as escolas regulares e fomentado inúmeros desafios para a comunidade escolar. Se outrora esse estudante estava totalmente excluído do ambiente escolar, na atualidade ele tem direitos reafirmados em diversos dispositivos legais, inclusive há aumento das matriculas no ensino regular e há serviços de apoios com profissionais Mestra em Educação – Universidade Federal de Alagoas; Doutoranda em Educação Especial – Universidade Federal de São Carlos. 2 Graduado em Educação Física pelo Centro universitário Claretiano. 1

para auxiliarem no processo de escolarização (ORRÚ, 2012; GOMES; MENDES, 2010). Ao adentrar na escola regular esse estudante conta com o apoio do professor do Atendimento Educacional Especializado (AEE). Esse serviço tem por objetivo contribuir para a inclusão escolar do público alvo da Educação Especial 3, integrando a proposta pedagógica da escola, com vistas a garantir o acesso, a participação e a aprendizagem desses estudantes no ambiente escolar (BRASIL, 2011). Além do serviço do AEE, o estudante com TEA quando necessário pode usufruir de um profissional que auxiliará na permanência e facilitação no processo de aprendizagem por intermédio dos auxílios em sala de aula e nos demais ambientes escolares (BRASIL, 2012; GOMES; MENDES, 2010). A intervenção desse profissional necessita ser articulada a todas as atividades realizadas no contexto escolar: atividades da sala de aula, atividades do atendimento educacional especializado e demais atividades escolares (BRASIL, 2013). O AEE e o acompanhante especializado são necessários para um melhor desenvolvimento no ambiente escolar, visto que os estudantes com TEA possuem dificuldades qualitativas nas áreas da interação social e comunicação, bem como presença de movimentos repetitivos e estereotipados (BRASIL, 2012; APA, 2014). Devido a sua condição o estudante necessita de auxílio para desenvolver autonomia e segurança na socialização com a comunidade escolar, bem como uma maior atenção para o desenvolvimento da comunicação, quer seja por intermédio da linguagem verbal ou não verbal, sendo importante o respeito aos movimentos estereotipados, tais como bater palmas, andar na ponta dos pés, balanceio de corpo, entre outros. É

importante

salientar que

cada

indivíduo

com TEA possui suas

peculiaridades e aspectos únicos relacionados à sua condição no espectro (CHIOTE, 2013; SCHWARTZMAN, 2011). Alguns sujeitos apresentam maior ou menor dificuldade na interação social, outros não possuem linguagem verbal ou apresentam comportamentos estereotipados em maior ou menor grau de repetência de acordo com a situação de estresse do momento. Tais individualidades não 3

O público alvo da educação especial é formado pelas pessoas com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação (BRASIL, 2013). Cabe expor que o indivíduo com TEA é incluído no grupo de pessoas com transtornos globais do desenvolvimento.

devem ser vistas como mecanismos de exclusão e sim com respeito. Todo indivíduo é um ser histórico-cultural e a educação necessita buscar um olhar para além das características biológicas e inatas do sujeito (VIGOTSKI, 1984/2010). De acordo com Nunes (2012, p.289), os professores ainda possuem “concepções caricaturizadas sobre a síndrome do autismo”, prejudicando o processo de inclusão escolar do indivíduo com TEA, quadro que perpetua a exclusão. Segundo a autora, as instituições escolares possuem diversos déficit, como carências de rede de apoio e desconhecimento das estratégias efetivas de ensino. Além de aumentar a ansiedade em lidar com o estudante, tais aspectos influenciam as práticas pedagógicas empregadas e diminuem as expectativas dos professores no que diz respeito a educabilidade de seus estudantes. Assim

a

comunidade

escolar

precisa conhecer

e

compreender

as

peculiaridades de cada estudante para atuar com segurança. Cunha (2008, p.85) salienta que é imprescindível para o desenvolvimento estudantil que o professor invista “tempo no conhecimento desse aluno através do cotidiano escolar para que se possa estabelecer as estratégias pedagógicas e reconhecer as possibilidades de aprendizado”. Dessa forma, quanto maior o nível de entendimento do profissional da educação, melhor será o tipo de intervenção direcionado aos estudantes. A educação necessita reconhecer em todos os seres humanos a capacidade de evoluir, ressalta Orrú (2012). Partilhando tal pensamento, Santos (2011, p.47) assegura que a educação é “responsável pelo desenvolvimento psicológico dos indivíduos, por sua transformação e, consequentemente, por sua atuação no sentido de transformar a realidade em que estão inseridos”, possui papel importante no desenvolvimento dos indivíduos. A inclusão escolar irá implicar em uma reforma radical em termos de currículo acessível, avaliação adequada a cada estudante e diversificação na realização das atividades em sala de aula (MITTLER, 2003). A inclusão não diz respeito a colocar as crianças nas escolas regulares, mas a mudar as escolas para torná-las mais responsivas às necessidades de todas as crianças; diz respeito a ajudar todos os professores a aceitarem a responsabilidade quanto à aprendizagem de todas as crianças nas suas escolas e prepará-los para ensinarem aquelas crianças que estão atualmente e correntemente excluídas das escolas por qualquer razão (MITTLER, 2003, p.16).

Nessa perspectiva, entendemos que a inclusão escolar para estudantes com TEA é um processo que inclui todas as pessoas, tendo por base a partilha de responsabilidades por todos os agentes da comunidade escolar e não uma luta de reivindicações travada por alguns profissionais. Diversos autores se debruçaram sobre a temática e consideraram possível a inclusão desse público (BRIDI, FORTES; BRIDI FILHO, 2006; GOMES; MENDES, 2010; ÓRRU, 2012; CHIOTE, 2013). Nesse sentido, Chiote (2013, p. 21) aponta que: Incluir a criança com autismo vai além de colocá-la em uma escola regular, em uma sala regular; é preciso proporcionar a essa criança aprendizagens significativas, investindo em suas potencialidades, constituindo, assim, o sujeito como um ser que aprende, pensa, sente, participa de um grupo social e se desenvolve com ele e a partir dele, com toda sua singularidade.

A partir do respeito as particularidades do indivíduo, os profissionais que atuam diretamente com o estudante podem proporcionar movimentos que quando combinados favoreçam a inclusão escolar nas escolas regulares. Nesse sentido, temos por objetivo analisar o ponto de vista da professora de sala de aula, professora do AEE e auxiliar de sala a despeito dos desafios da inclusão escolar para um estudante com TEA.

METODOLOGIA Para esta investigação, adotamos a pesquisa de caráter qualitativa por intermédio de um estudo de caso. Segundo Flick (2009), os métodos qualitativos consideram a comunicação do pesquisador com o campo e seus membros como parte explícita da produção do conhecimento, caracterizando-se pela interação direta entre o pesquisador e o objeto de estudo. Neste tipo de pesquisa, existe a explicitação sobre a teoria, escolha de tópicos da pesquisa, método e interpretação dos resultados. Sobre estudo de caso, Yin (2010, p.39) conceitua o como “uma investigação empírica que investiga um fenômeno contemporâneo em profundidade e em seu contexto de vida real, especialmente quando os limites entre o fenômeno e o contexto não são claramente evidentes”. O estudo de caso é, pois, um método abrangente que auxilia o pesquisador a chegar ao cerne da questão.

O estudo de caso em questão dizia respeito aos desafios enfrentados pelos agentes educacionais que tinham vínculo direto com um estudante com TEA, a saber: professora de sala de aula, professora do AEE e auxiliar de sala. A escolha dos participantes da pesquisa se deu de forma não randômica. Creswell (2010) afirma que a escolha intencional dos participantes da pesquisa auxilia o pesquisador a compreender melhor o problema e a questão da pesquisa. Tal escolha deu-se por intermédio do contato com a direção da escola ao solicitar autorização para a realização do estudo. No ensejo, foi explicado como se daria a pesquisa em ambiente escolar. A direção prontamente aceitou participar. Após o aval positivo entrou-se em contato com a professora de sala de aula, professora do AEE e auxiliar de sala de aula para a possível participação na pesquisa e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), que continha as informações da pesquisa, tais como: possíveis riscos e desconfortos, dados da pesquisadora, benefícios esperados, a opção de livre participação ou não da pesquisa, além da garantia de sigilo dos dados. A todos os participantes foi mencionado a provação do estudo pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), sob o parecer de nº 1.435.702. Assim a pesquisa iniciou-se em março de 2016 juntamente com o ano letivo da escola pesquisada. Para a coleta de dados foram utilizados os instrumentos da observação e entrevista semiestruturada. A observação é uma habilidade diária metodologicamente sistematizada. Angrosino (2009, p. 56) complementa que: “observação é o ato de perceber as atividades e os inter-relacionamentos das pessoas no cenário de campo [...] O processo de observação começa pela absorção e registro de tudo com a maior riqueza possível de detalhes e o mínimo possível de interpretação”. No ambiente da coleta de dados, todas as informações condizentes com o contexto são pertinentes para a pesquisa e auxiliam o processo de análise. Para captar tais observações, utilizamos um caderno de anotações no qual foram registradas as principais ocorrências no AEE e na sala de aula. A entrevista semiestruturada foi realizada com todas as participantes. Flick (2009, p.153) afirma que o objetivo deste tipo de entrevista “é revelar o conhecimento

existente de tal modo que se possa expressá-lo na forma de respostas, tornando-se assim, acessível à interpretação”. Dessa feita, realizou-se entrevista semiestruturada com as professoras e auxiliar de sala na escola em dia e horário propício para elas. Todas as entrevistas foram gravadas em aparelho de MP4 e transcritas na integra. Os dados obtidos foram analisados sob a luz da análise de conteúdo. Bardin (2009, p.44) salienta que este tipo de análise tem por objetivo descobrir os núcleos de sentido que “compõem a comunicação entre pesquisador e sujeito da pesquisa, cuja presença ou frequência de aparição das respostas pode significar alguma coisa para o objeto analítico escolhido”. A análise de conteúdo desdobrou-se em três etapas: pré-análise; exploração do material e tratamento dos resultados obtidos e interpretação. RESULTADO E ANÁLISE DOS DADOS

Nas análises, procurou-se compreender o cotidiano escolar da pessoa com TEA. Vejamos a seguir a apresentação dos resultados com a descrição de algumas características dos participantes da pesquisa, que pode ser vista no quadro 1. Vale salientar que os nomes são fictícios para preservar a identidade dos sujeitos envolvidos.

Quadro 1. Caraterísticas dos sujeitos Participantes Carol Raquel Suely

Profissão

Função na escola Professora Professora AEE Professora Professora sala de aula Auxiliar de Auxiliar de sala sala

Formação inicial Pedagogia

Pós-graduação Psicopedagogia

Tempo de atuação 15 anos

Pedagogia

Psicopedagogia

8 anos

Turismo

Gestão em saúde (em andamento)

5 anos

Fonte: Elaboração própria

Além das profissionais, havia o estudante com TEA Vitor. No ano de 2016 o estudante tinha 9 anos e frequentava regularmente a escola na segunda série do ensino fundamental I e participava do AEE no mesmo turno. No período vespertino Vitor fazia tratamento multidisciplinar duas vezes por semana em um centro

especializado para pessoas com TEA vinculado a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE). Nele o estudante participava de ações junto a Terapia Ocupacional, Fonoaudiologia e Psicologia. Ainda durante a semana o estudante frequentava a terapia assistida com animais vinculado a um projeto de extensão de uma universidade privada do estado. Vitor frequentava a escola da pesquisa há dois anos e antes do ingresso estudou a educação infantil em escola privada. Logo do ingresso do estudante houve acompanhamento por Carol e Suely. O estudante evoluiu na série (do primeiro para o segundo ano do ensino fundamental I) e por isso frequentava sala de aula da professora Raquel. A escola em questão ficava próxima ao centro da cidade e possuía boa estrutura física. No turno matutino funcionavam quatro salas com as séries do ensino fundamental, um primeiro ano, um segundo ano e dois terceiros anos. Contava com o apoio de uma diretora, uma vice-diretora, uma coordenadora pedagógica, quatro professoras, uma professora do AEE, uma assistente social, três auxiliares de sala da educação especial. Cada uma das auxiliares cuidava de uma criança público alvo da educação especial, a saber: uma com TEA, uma com deficiência intelectual e uma com síndrome de Down. A escola contava com outros funcionários que possibilitavam o pleno funcionamento dela. O AEE funcionava na Sala de Recursos Multifuncional (SRM) montada com recursos federais oriundos do programa ade implantação de SRM. Ela funcionava em ambiente amplo e com ar-condicionado. Possuía dois computadores completos e diversos brinquedos e jogos pedagógicos. A sala de aula também é ampla e arejada com dois ventiladores. A turma de Vitor é composta por dezessete estudantes, doze do sexo masculino e cinco do sexo feminino. Para além dos resultados que caracteriza o ambiente da pesquisa e seus participantes, traremos a seguir a apreensão desses indivíduos a despeito do TEA, inclusão escolar e desafios enfrentados cotidianamente. Vasques (2008, p.177) afirma que “a experiência da escolarização envolve uma construção compartilhada a partir dos nossos pressupostos a respeito de escola, aluno, educação, infância etc”. Esses conhecimentos e vivências são responsáveis pela concepção que cada sujeito cria

sobre algo e alguém. Por conseguinte, as falas de cada indivíduo estão impregnadas de construções únicas e pessoais. No decorrer da entrevista, as participantes expuseram seus pontos de vista acerca do TEA. Todas buscaram conceituar, relacionar e caracterizar o transtorno. Vejamos a seguir: É uma pessoa que apresenta dificuldade de interação social, de aprendizagem e principalmente de interação social, que não consegue ficar muito tempo parado, sentado, que não consegue olhar nos olhos do outro. A criança nasce autista! (Professora Carol). O autismo é um grau de deficiência, então existe. São vários graus do autismo. Não sei dizer especificamente... O que eu diria é que é uma criança especial que tem dificuldade de se comunicar, tem dificuldade de olhar, a questão da visão, ele não foca a pessoa, não foca o objeto, não gosta de muito barulho, [isso] atrapalha ele, muitas figuras coloridas, tem autista que também se irrita com isso. É uma criança hiperativa na verdade. Cientificamente eu não sei dizer o que é! (Auxiliar de sala Suely). É uma deficiência, um transtorno que ele gosta mais de viver no mundinho dele, que ele não interage muito com os outros colegas, não gosta muito que o toque. O som as vezes incomoda ele, muito barulho. Ele gosta mais de ser reservado e que aos poucos nós vamos tentando trazer o Vitor para o nosso mundo também, mas aos poucos. Não olhar diretamente nos olhos, não gosta de contato visual, não gosta do toque, o contato visual é questão da socialização. [...] Eu não sou muito conhecedora do autismo, mais tem níveis que diferem cada aluno, vem a síndrome de Asperger na qual o aluno consegue desenvolver melhor... O Vitor está nesse meio entre o grave e síndrome de Asperger, ou seja o intermediário. (Professora Raquel).

Nos relatos das participantes observamos algumas similaridades em suas falas. Em sua totalidade foi mencionado as caraterísticas que vão ao encontro da literatura cientifica, principalmente o exposto pela área médica (APA, 2014; SCHWARTZMAN, 2011, GOMES, MENDES 2010; BELISÁRIO FILHO; CUNHA, 2008). Os autores supracitados e as participantes mencionam como características do TEA a dificuldade na interação social, contato visual e as particularidades que se apresentavam em alguns indivíduos com TEA, tais como hipersensibilidade na

audição e isolamento social. De fato, tais aspectos se relacionam com o TEA e é descrito na literatura. Essas características inclusive estão presentes no estudante desse estudo de caso, foi nítido durante toda a entrevista que a todo momento as profissionais buscavam definir o TEA a partir do que elas conheciam do estudante. Um dado diferencial foi a questão da aversão ao toque. Inúmeras crianças com TEA apresentam a hipersensibilidade no tato e isso corriqueiramente é abordado na literatura científica (SCHWARTZMAN, 2011), contudo Vitor não apresenta essa particularidade, inclusive a professora Raquel o toca e o beija e quando solicitado permite ser beijado e abraçado, inclusive abraça também. Vejamos a seguir um trecho da interação social da professora Raquel e o estudante exposta no diário de campo:

Ele [Vitor] hoje teve melhoria na pegada do lápis. Já está com a pegada dita correta. Tentou escrever o A, mas a tentativa não foi exitosa, embora o tenho feito sem a mão de Suely guiando ele. Quando Vitor começou a escrever sozinho, terminou o espaço delimitado. Nesse momento houve impaciência de Vitor. Assim Raquel saiu de seu local e foi até ele e olhou a situação, mas ficou sem ação. No momento passou então a elogiar as características físicas de Vitor apertou a bochecha, pediu beijo e o abraçou. Inclusive disse: tia filme isso não, eu apertando a bochecha de Vitor [na observação há o recurso da videogravação]. Após isso Suely guardou o material para esperar o intervalo (DIÁRIO DE CAMPO16/05/2016).

Tais aspectos acima citados reforçam a ideia de que os conhecimentos do cotidiano com o estudante são atrelados a outros saberes. As participantes exemplificam o TEA por intermédio das características do estudante, bem como trouxeram novos conhecimentos não apresentados por Vitor. No movimento da professora ir até o estudante e assim o tocar e abraçar percebemos que mesmo a literatura e o saber teórico expondo que o indivíduo com TEA tem aversão ao toque há uma sobreposição no conhecimento experiencial da professora. De fato, há diversidade entre os estudantes com TEA e as singularidades são presentes entre eles. É notadamente um aspecto positivo observar que não há cristalização do saber e sim construção continua junto as vivencias cotidianas. Outra fala importante exposta pela professora Raquel é a de que o transtorno “É uma deficiência”. Tal afirmação traz à tona a questão do TEA ser deficiência e por

tanto ter acesso a todos os benefícios que essa população tem em força de Lei (BRASIL, 2012). A mesma professora e Suely explicitam ainda sobre os níveis do TEA, posicionando Vitor “nesse meio entre o grave e síndrome de Asperger, ou seja, o intermediário” (Professora Raquel). Segundo a Associação Psiquiátrica Americana (APA, 2014), o termo Transtorno do Espectro Autista (TEA) agrupa em uma única categoria os autismos (Autismo, Síndrome de Asperger e Transtorno Invasivo do Desenvolvimento sem outra especificação) e ressalta o espectro no qual há variações de um mesmo transtorno. Assim quando a professora Raquel cita que Vitor está dentro do transtorno e busca classificar em qual grau ele está pode haver divergência sobre sua real situação, podendo inclusive mascarar o tipo de apoio que esse indivíduo necessitará para a efetivação de sua escolarização. Schwartzman (2011) explicita que houve a unificação dos TEA que outrora era separados em diagnósticos acima citados. Tais diferenciações entre os indivíduos que apresentavam o transtorno dificultava as investigações sobre o transtorno nas mais diversas partes do mundo, assim ao uniformizar o termo há possibilidade de ampliação de novas descobertas que beneficiarão aos indivíduos com TEA. Indo ao encontro de tal pensamento, quando Raquel pensou em Vitor como alguém dentro do transtorno buscando classifica-lo como alguém mais desenvolvido dentro do espectro, nesse sentido havendo possibilidade de desenvolvimento acadêmico. Indo ao encontro desse fato, todas as participantes foram favoráveis quanto a inclusão escolar e mencionaram a questão do direito ao indivíduo frequentar a escola regular, vejamos a seguir tais perspectivas: Inclusão? Eu penso que é conviver com a diferença, porque todos somos iguais apenas temos limitações. Todo mundo... Nós somos iguais e ao mesmo tempo diferente, todo mundo merece essa oportunidade. A inclusão hoje faz parte, onde a gente tinha as salas especiais, a maioria dos pais não sabiam de nada, e os filhos ficavam em casa. Hoje eles têm esse convívio social. E as vezes consegue atingir metas, consegue evoluir no aprendizado e pelo menos ter essa vivência na sociedade (Professora Carol).

Eu acho interessante, mais acho que ainda falta muita coisa que as vezes a gente pensa que é inclusão é estar dentro da escola e

descobre que não é, pois tem que haver nela algo que realmente ele aprenda, falta muita coisa ainda (Professora Raquel).

A inclusão escolar diz respeito ao acesso, permanência e aprendizagem, para tanto há necessidade de conhecimento e investimento sobre ela para que de fato seja realidade no cotidiano escolar. Antes de alguém ser favorável a inclusão escolar é imprescindível vê-la como direito. Caiado (2003) afirma que o Estado tem o dever de criar condições para que todos os indivíduos em idade escolar tenham acesso e permanência à escola. Certamente o movimento de inclusão escolar de estudantes com TEA tem tido inúmeros avanços, principalmente no quesito acesso e permanência, enquanto a aprendizagem tem tido inúmeros entraves. Estudos apontam sobre o despreparo dos professores para lecionar esses estudantes, bem como apontam o olhar de incapacitado para com esses estudantes. As políticas públicas avançam na menção aos direitos e prescrevem ações que em alguns lugares se materializam, como é o caso do ambiente pesquisado. O estudante teve acesso a escola e se beneficia das ações de permanência ao contar com apoios, tais como AEE em sua própria escola e auxiliar de sala exclusivo para ele. Contudo tais apoios necessitam se materializar nas ações do ser humano. Os indivíduos que acompanham o estudante precisam potencializar o desenvolvimento do estudante, auxiliando este a avançar no processo da aprendizagem dos conteúdos escolares.

CONSIDERAÇÕES FINAIS Consideramos assim que a inclusão escolar no que diz respeito ao acesso, permanência e aprendizagem para com os estudantes com TEA tem avançado nas escolas regulares. Se outrora essa população jamais era aceita, agora já há matrícula e além dessa há também profissionais específicos para auxiliar na escolarização. O prescrito nos dispositivos legais tem se materializado em algumas escolas, como é o caso do ambiente desse estudo. O estudante em questão tem matricula na proximidade de sua residência, AEE realizado na mesma escola que frequenta o ensino regular e auxiliar de sala exclusivo para si. O prescrito tornou-se realidade, contudo mesmo havendo o que é preconizado na legislação brasileira há ainda

inúmeros desafios a serem superados, principalmente quanto as ações cotidianas dos profissionais que lidam cotidianamente com o estudante. Os recursos humanos mostrou ser um dos maiores entraves para a inclusão escolar, principalmente a falta de parceria e diálogo entre os profissionais envolvidos com o estudante. Todos na escola declaram-se favoráveis a inclusão, ressaltam que ela deve ir além dos aspectos da socialização, no entanto não há flexibilização da metodologia para incluir o estudante, não há planejamento que o inclua nas atividades escolares, deixando por inúmeras vezes o estudante a margem da aprendizagem escolar. Há diversos apontamentos do que deveria ser melhorado, mas não há quem faça algo para modificar tais mudanças. Os papeis profissionais ainda que definidos pela profissão são relegados a segundo plano. Assim cotidianamente o estudante enfrenta situações de exclusão num ambiente propício para haver inclusão. Percebe-se assim que para além das prescrições dos dispositivos legais, há de haver ações que acompanhem esses profissionais e suas ações para com os estudantes, auxiliando inclusive a sanar as dúvidas que se apresentam cotidianamente. Formações continuadas são ótimas ferramentas, inclusive duas das três participantes frequentam ela, contudo a qualidade dessa formação não vai ao encontro das necessidades dos profissionais. Assim



´de

se

pensar

em

novas

formas

de

acompanhamento

governamental, formações condizentes com as necessidades dos professores, bem como novos estudos que desvelem formas de atuação dos profissionais da educação para com os estudantes com TEA.

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