PERSPECTIVAS PARA A FILOSOFIA NO ENSINO MÉDIO

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PERSPECTIVAS PARA A FILOSOFIA NO ENSINO MÉDIO
Rodrigo Assis Rosa
Resumo: A presença da filosofia na educação básica tem sido objeto de muita discussão, tanto no que se refere à sua obrigatoriedade nos currículos do ensino médio, quanto no que se refere à sua importância na formação humana dos estudantes. O objetivo deste estudo foi identificar pontos convergentes e divergentes na produção acadêmica acerca da disciplina de filosofia no ensino médio, avaliando as contribuições mais significativas e traçando possíveis perspectivas que respondam ao cenário educacional contemporâneo. A pesquisa realizou-se a partir da leitura e discussão das principais publicações sobre esse tema, dialogando com autores referenciais para o ensino da filosofia. A análise dos textos fundamentou a tese de que a filosofia é essencial para a formação humana dos estudantes, pois possibilita acesso ao pensamento conceitual e criativo, desenvolvendo, assim, uma formação integral e transformadora, e não apenas técnica e pragmática.

Palavras-Chave: Ensino Médio. Filosofia. Conceito. Pensamento. Práxis. Criatividade.

INTRODUÇÃO
A disciplina de filosofia tem ganhado espaço cada vez mais crescente nas publicações relacionadas à educação brasileira, seja por conta da sua própria natureza investigativa e questionadora por excelência –, seja em virtude das mudanças legislativas que trataram dessa disciplina, e, mais recentemente, a discussão em torno da reforma do Ensino Médio proposta pelo atual governo federal.
Uma recente publicação mostrou um aumento significativo de produções filosóficas nas principais revistas científicas vinculadas à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), demonstrando que a presença da disciplina no currículo escolar está suscitando um amplo debate em torno da sua práxis, dos seus limites e das suas possibilidades nesse mundo escolar:
Em relação ao ensino de Filosofia, coleta feita em periódicos considerados nas quatro categorias mais pontuadas (revistas científicas A1, A2, B1 e B2) pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), fundação do Ministério da Educação (MEC), revelam que foi possível observar que houve aumento da produção sobre a temática ensino de filosofia no ensino médio. Há cinco artigos em 2004, ano delimitador do início da pesquisa. De 2004 a 2008, registra-se um total de 15 artigos publicados, o que dá em média 3 artigos por ano. A partir de 2009 até 2013, foram publicados 22 artigos, o que permite afirmar que houve um significativo aumento da produção acadêmica sobre o tema. (PONCE; WOGEL, 2016, p. 136.)

Pensar a Filosofia por si só já é uma tarefa exigente; estender essa discussão ao mundo da educação de tantos adolescentes, com experiências singulares e únicas, em contextos socioculturais tão diferentes como é o brasileiro, não deixa de ser fascinante e desafiador. Como pode uma disciplina cumprir sua função existencial, uma vez que assume um caráter obrigatório segundo a legislação? Essa sua condição pode ser uma oportunidade única de contato com a experiência filosófica mais genuína, mas pode, se não for bem cumprida, levar o estudante ao fechamento diante das questões filosóficas?
Por fim, a presença oficial da filosofia no Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), seja diretamente nas questões, seja transversalmente nos temas das redações, que cobra dos alunos uma proposta de intervenção, pode suscitar mais dúvidas que respostas. Cabe ao professor a tarefa de preparar o aluno para dominar certos conteúdos específicos (autores, escolas, conceitos), ou cabe ao professor a tarefa de formar filósofos – ou pelo menos adolescentes comprometidos com a busca pela verdade e com a transformação social? Essas duas tarefas são incompatíveis? Ademais, o próprio material didático, seja da escola pública, seja da privada, já vem formatado. Por isso, cabe ao professor (e aluno) seguir o cronograma pré-estabelecido, sem levar em conta as diferenças regionais e culturais ou há espaço para criação, busca, problematização e conceituação a partir da realidade vivencial? Por todos esses questionamentos, faz-se necessária uma investigação das possíveis perspectivas para a filosofia no ensino médio.
Assim esse artigo terá como objetivo identificar pontos convergentes e divergentes na produção acadêmica acerca da disciplina de filosofia no ensino médio, avaliando as contribuições mais significativas e traçando possíveis perspectivas que respondam ao cenário educacional contemporâneo. Por ser uma revisão bibliográfica, o presente artigo priorizará as principais publicações em revistas especializadas, bem como alguns textos de referência na área da filosofia e educação.

PERSPECTIVAS EM DEBATE
Ao se problematizar a filosofia no ensino médio, num artigo de revisão bibliográfica, muitas podem ser as perspectivas adotadas. No que se refere à abordagem pedagógica, um autor aparece como referência (bibliográfica e conceitual) nos melhores artigos. Trata-se do professor do Departamento de Filosofia e História da Educação da Faculdade de Educação da UNICAMP e membro do Grupo de Pesquisa Paidéia, Silvio Gallo. Num artigo paradigmático, Gallo (2006) apresenta o que pode ser o grande norte para se (re)pensar o ensino de filosofia no Brasil. Procurar-se-á, aqui, tomar esse estudo como guia para as diversas abordagens, tentando entender sua contribuição e pensando perspectivas para além dele.
A primeira dificuldade que surge, ao se repensar o ensino de filosofia, é com relação à sua natureza e identidade. Por isso Gallo (2006, p. 17) chama a atenção para três pontos importantes. O primeiro é lembrar que a filosofia tem uma história bimilenar, e nesse longo tempo de desenvolvimento, tem havido sempre novos pensadores. Por isso, há de se pensar a filosofia como ato e processo, ou seja, como conhecimento que vem se reformulando ao longo do tempo, num impulso sempre criativo.
O segundo ponto, em diálogo com o primeiro, é lembrar que há um caminho traçado e faz-se necessário conhecer, ao menos em parte, esse caminho. É a relação sempre necessária com a história da filosofia no processo de filosofar. Esse tema será bastante questionado, sobretudo por aqueles que entendem o estudo da história da filosofia numa perspectiva "conteudista" e de mera repetição do que já foi pensado. Não é essa a perspectiva do autor. Para ele, o recurso à tradição filosófica serve como substrato teórico para que os alunos possam dar os primeiros passos na criação de uma filosofia contextualizada. É o terceiro passo. Não se deve exigir do aluno que "reinvente a roda" toda vez que vai fazer o exercício filosófico. Mas faz-se necessário, igualmente, que o aluno tenha a audácia de dar passos para além do seu mestre, seja ele o filósofo clássico, seja ele o seu próprio professor ou texto de apoio.
Importante lembrar, todavia, que nessa etapa da educação, não se busca formar filósofos profissionais, mas introduzir o aluno num modo de pensar propriamente filosófico. Lembrando o filósofo espanhol Fernando Savater, Gallo (Ibid., p. 20) alerta que filosofar é correr riscos, já que mesmo os mais renomados filósofos cometeram erros. É isso o que torna o trabalho filosófico intrigante, pois busca a criatividade mesmo se arriscando ao erro.
Tendo feito essa breve apresentação sobre a identidade da disciplina de filosofia, urge pensar a própria razão de ser dessa disciplina na educação básica. Uma abordagem recorrente para se justificar a presença da filosofia nesta etapa da educação é a sua dimensão de criticidade. Advoga-se que a filosofia é necessária ao estudante para lhe fornecer determinadas ferramentas para o exercício crítico da cidadania. Esse viés é considerado por Gallo (Ibid., 21) como problemático e mesmo nocivo. Como pode uma disciplina isolada, com uma carga reduzida de aulas semanais (uma ou duas aulas) dar conta de uma tarefa tão dispendiosa? O risco de que a filosofia não cumpra com tal expectativa é muito grande, para não dizer previsível. Uma segunda crítica a essa visão estereotipada da filosofia é a de ignorar que todas as disciplinas do currículo escolar têm, também elas, o objetivo de formar cidadãos críticos e conscientes de sua participação na sociedade. Não é uma tarefa exclusiva da filosofia, mas da educação como um todo.
Então, qual seria a melhor justificativa para a presença da filosofia no currículo escolar? Para Gallo, seguindo o pensamento de Gilles Deleuze e Félix Guattari, a filosofia – junto com a arte e a ciência – é uma "potência do pensamento" na medida em que permite o exercício da criatividade:
Penso que esta seja uma justificativa pertinente para a presença da filosofia nos currículos da educação média: a busca de um equilíbrio entre as potências da arte, da ciência, da filosofia, de modo que os jovens possam ter acesso a estas várias possibilidades de exercício do pensamento criativo, aprendendo a pensar por funções (ciência), mas também por perceptos e afectos (arte) e por conceitos (filosofia). (Ibid., p. 22).

A partir dessa intuição, a ausência da filosofia no currículo escolar significaria um empobrecimento da educação básica, uma vez que não proporcionaria ao estudante o contato com essa forma de pensamento original e fundante da existência humana. A filosofia, as artes e as ciências são formas de pensamento que se inter-relacionam e se complementam. A preferência por uma ou outra seria arbitrária e feriria o direito à educação plena.
Cabe ainda explicar que a especificidade da filosofia, segundo Gallo, não repousa na sua suposta criticidade, mas no fato de ser um pensamento conceitual, distinguindo-a da forma de pensar da arte e da ciência. Conceito, na definição deleuzo-guattariana, difere-se da compreensão corrente, pois não busca um sentido unívoco, abstrato e transcendente, mas sim busca lançar uma "inteligibilidade sobre o mundo" (Ibid., p. 24). O conceito assume, aqui, uma dimensão história e dialética, no sentido marxista, já que busca responder aos apelos vindos do contexto em que o pensador se encontra. Assim compreendido,
o conceito não deve ser procurado, pois não está aí para ser encontrado. O conceito não é uma 'entidade metafísica', ou um 'operador lógico', ou uma 'representação mental'. O conceito é um dispositivo, uma ferramenta, algo que é inventado, criado, produzido, a partir das condições dadas e que opera no âmbito mesmo destas condições. O conceito é um dispositivo que faz pensar, que permite, de novo, pensar. O que significa dizer que o conceito não indica, não aponta uma suposta verdade, o que paralisaria o pensamento; ao contrário, o conceito é justamente aquilo que nos põe a pensar. Se o conceito é produto, ele é também produtor: produtor de novos pensamentos, produtor de novos conceitos; e, sobretudo, produtor de acontecimentos, na medida em que é o conceito que recorta o acontecimento, que o torna possível. (Ibid., p. 25)

O pensamento conceitual tem a vantagem de possibilitar, ao mesmo tempo, uma leitura da história do pensamento e dos acontecimentos presentes, proporcionando ao estudante a importante tarefa de se posicionar com relação ao mundo em que pertence, não mais de maneira passiva, mas consciente e livre. Deslocar o conceito da história da filosofia para o mundo em que vive, atualizando-o em outro sitz im leben, é já uma forma de criar seu próprio conceito, como bem lembrou Nietzsche, Deleuze e Guattari (Ibid., 28).
Em sintonia com o exposto acima, Silveira (2007) apresenta uma série de teses sobre o ensino de Filosofia no nível médio, tentando responder aos questionamentos mais frequentes sobre sua permanência/relevância nessa etapa de ensino. Uma das teses fundamentais, que vai de encontro à compressão comum de filosofia, vale dizer, a de uma experiência questionadora, mas que corre o risco de se tornar assistemática, valorizando especialmente o saber espontâneo (já que a aula de filosofia pode se tornar um espaço para "achismos" sem nenhuma fundamentação teórica). A conclusão é o oposto: para que a filosofia possa ter lugar na escola, deve se apresentar como um saber sistemático, que busque dar conta da realidade segundo um método preciso. O que não equivale a defender a memorização e o "conteudismo", mas sim buscar o rigor conceitual que se coloque em diálogo com a realidade vivida dos alunos (Ibid., p. 89).
Refletindo sobre a presença da filosofia no ensino médio, Aspis (2004) defende que a disciplina só encontra razão de ser se se configurar com o experiência filosófica, que leve o aluno a superar a cisão entre o conteúdo da aula e a atividade filosofante, que tente a leva-lo ao pensamento autônomo, sem imposição de doutrinas e teorias para leitura da realidade. Tal deve ser a tarefa do professor: se tornar, ele próprio, filósofo-pedagogo, que não oferece respostas prontas, mas alguém que ajuda o aluno na descoberta da verdade (Ibid., p. 318).
Nesta mesma perspectiva, Correia (2012) pensa a relação entre a filosofia que se tornou presente em virtude da lei e a filosofia que surge "depois" dessa legalização. Seu objetivo é mostrar que para ser fiel à sua vocação, a filosofia (junto com seus professores e alunos) devem ter a ousadia de transcender o programa governamental, buscando nas próprias questões vitais a inspiração para reflexão fundamentalmente filosófica. Afirma que a filosofia curricular tem a marca da obrigatoriedade, que esteriliza o próprio pensar filosófico (Ibid. p. 101). Afirma, com Gallo (2007, p. 15-36) que os professores e alunos devem ter a liberdade para a elaboração conceitual que dê conta do questionamento sempre aberto do espírito humano, para, assim, fugir do dogmatismo (CORREIA, 2012, p. 106).
Para tanto, traz à tona dois pensadores que sempre aparecem quando se trata do ensino da filosofia. O primeiro é Hegel, que considera o aprendizado da filosofia como uma tarefa rigorosa, sistemática, que visa a elevar o pensamento ao seu mais alto grau. Com efeito,
para Hegel, pois, o que pesa é a análise e a reflexão. A filosofia nem é para ser popularizada, uma vez que possui conteúdos a serem dominados por alguns apenas. Conteúdos que, aliás, devem gozar de primazia sobre o aprendizado e sobre quem aprende. E de onde tal conteúdo pode ser extraído? Da história da filosofia. (Ibid., p. 105)

Do outro lado, lemos em Kant, na Crítica da Razão Pura, a conhecida afirmação de que
Dentre todas as ciências racionais (a priori), portanto, só é possível aprender Matemática, mas jamais Filosofia (a não ser historicamente); no que tange à razão, o máximo que se pode é aprender a filosofar(...). Só é possível aprender a filosofar, ou seja, exercitar o talento da razão, fazendo-a seguir os seus princípios universais em certas tentativas filosóficas já existentes, mas sempre reservando à razão o direito de investigar aqueles princípios até mesmo em suas fontes, confirmando-os ou rejeitando-os. (1999, p.699-700)
Kant é ciente da dificuldade de se ensinar filosofia. Sabe que não basta estudá-la sem se entregar à verdadeira argumentação filosófica. Pode-se estudar a história da arte sem nunca se ter pintado um quadro ou composto uma música sequer. Mas com a filosofia, sujeito e objeto se confundem e se mesclam. Cabe ao professor e aluno não apenas tomar posse de um objeto, a saber a história da filosofia, memorizando e cristalizando um saber que eleva com expressão da verdade. Ora, a dinamicidade da vida impede um saber absoluto (no sentido hegeliano). Ao contrário, necessita da constante revisitação dos conceitos e do exercício da razão, de modo a dar novo significado aos conceitos filosóficos. Eis a tarefa kantiana do professor e do aluno, em mútua cooperação. (CORREIA, 2012, p. 106).
Ainda tratando do ensino da filosofia no contexto das políticas educacionais contemporâneas em suas determinações legais e paradigmáticas, Rodrigues (2012, p. 69-82) procura mostrar como a filosofia na educação escolar brasileira esteve, ao contrário do que se esperaria, ligada aos interesses de elites e de um saber pouco ou nada transformador da realidade vivida. Por isso, conclui, a classe política não via nenhuma utilidade na sua implementação como disciplina fundamental na educação básica, alegando gasto desnecessário para os cofres públicos, que culminou com o veto presidencial do projeto de lei 3.178/97. Conhecer esse percurso é importante para se traçar caminhos de superação de paradigmas estéreis ao pensamento (Ibid., p. 79).
A perspectiva gramsciana aparece nesse artigo de Said e Mendes (2012) que propõe o ensino da filosofia como fundamental para que os estudantes tenham acesso à reflexão sobre a ideologia da sociedade em que vivem, e consequentemente, aos meios necessários para subverter tal ideologia com vistas à transformação social. O termo "ideologia" nesse artigo assume toda a carga do pensamento gramsciana, quer seja a ideia de domínio intelectual, quer seja a ideia que leva a uma crítica prática desse domínio. Desse modo, o professor deve ajudar o aluno a ler a história da filosofia, mas permitir que o mesmo dela se aproprie, para participar ativamente da construção da história, conhecendo e exigindo seus direitos e deveres (Ibid. p. 94).
Silveira (2013) retoma a perspectiva gramsciana ao levantar a relação artificial e problemática que liga a filosofia ao preparo da cidadania. A questão do que seja a cidadania para a legislação brasileira é fundamental. Segundo o autor, o texto constitucional relaciona as competências de uma educação cidadã àquelas que dizem respeito a um novo perfil de nação: liberal, voltada para a produção laboral e à adequação das novas tecnologias que estão sendo incorporadas ao mundo do trabalho. Nesse ponto, caberia à educação média preparar simplesmente os jovens para ingressar nesse mundo? A resposta é taxativa. Não se pode reduzir a educação a esse papel utilitarista. Cabe à educação, e à filosofia, de maneira especial, colocar esses valores ditos cidadãos sob o olhar da crítica e da reflexão (Ibid. 23). Mas isso só acontecerá quando os próprios educadores assumam seu papel na desconstrução da ideologia de classes, e lutem para que a relações sociais e políticas sejam capazes de transformar a subserviência em autonomia.
A leitura do texto filosófico em sala de aula ganha uma importante análise no artigo de Valese e Horn (2012). Esses autores buscam justificar, a partir da experiência paranaense, que o texto filosófico tem importância em sala não para ensinar o aluno a descrever suas ideias, mas, sobretudo, para ajuda-lo a debater com os filósofos e a partir deles. Isso configuraria a melhor expressão da investigação filosófica (Ibid., p. 173), uma vez que tal leitura seria capaz de oferecer aos alunos uma análise ativa e crítica, que busca identificar conceitos e aplicá-los na própria experiência.
Videla da Cunha Naidon (2012), na mesma linha de Gallo (2006) se propõe a pensar no sentido e nas possibilidades para as aulas de filosofia no ensino médio. Um dos problemas originais colocados pela autora diz respeito à atratividade da disciplina junto aos estudantes da chamada cultura pós-moderna. Ao contrário da passividade e leitura rápida e fácil, proporcionada pelos meios de comunicação atuais, a filosofia se configura como um saber exigente, que exige raciocínio e concentração. Essa suposta dificuldade é superada quando o professor consegue despertar o aluno através de oficinas, permitindo assim a interação com o tema a ser discutido, na contramão da passividade da sala de aula. Reconhece que esse trabalho é difícil, devida à reduzida carga horária com que contam a maioria dos professores. Há que se buscar uma alternativa para tal empecilho, alternativa essa que não foi apontada pela autora.
Os conceitos de competência e habilidades, tão presentes nos instrumentos de avaliação do Ministério da Educação, ganham um olhar atento no artigo de Doimo e Gebran (2015). Os autores buscam verificar se é possível avaliar o desenvolvimento de certas competências e habilidades ao longo dos estudos, através de provas objetivas. E a resposta é afirmativa, segundo as pesquisas realizadas em três escolas estaduais de municípios distintos de São Paulo. Mas há uma condição: é preciso que as questões relacionem de maneira correta os conteúdos, as habilidades e os textos de apoio (Ibid. 11).
As abordagens históricas e político-legislativa ficam a cargo da interessante análise de Pinho (2014). Partindo das primeiras lições de filosofia no período colonial, passando pelo censura militar, até chegar a nossos dias, o autor pretende discutir a raiz do problema. Afinal, qual é o pano de fundo que permite compreender porque tanto dilema nessa questão? No fundo, não se trata de defender ou não a inclusão de uma disciplina na grade curricular. A grande questão defendida pelas associações e pelos profissionais ligados à filosofia no Brasil não é simplesmente burocrática. Defender a presença da disciplina não só no âmbito universitário, mas também da educação básica dos estudantes significa valorizar, segundo o autor, a própria produção filosófica brasileira. Significa dizer que o trabalho filosófico brasileiro não é só viável, mas também possível (cf. Ibid. p. 766).
Uma das maiores representantes da filosofia no Brasil, Marilena Chauí apresenta sua defesa do ensino da história de filosofia também no ensino médio, nesta entrevista de Santiago e Silveira (2016). Para a filósofa, é tarefa fundamental do professor é ajudar os alunos a superar o mundo enquanto experiência vivencial, conduzindo-lhes à experiência compreendida (Ibid., p. 259). Nesse sentido, o ensino de história da filosofia se torna necessário para que os alunos não só se familiarizem com a história do pensamento ocidental, do qual fazem parte ativa ou passivamente, mas que se percebam nela e sejam capazes de, a partir dessa história compartilhada, possam dar sua contribuição (Ibid. p. 272).
Na mesma direção Ponce e Wogel (2016) insistem no papel formador da filosofia, enquanto experiência de sentido. Para os autores, a filosofia é traída quando considerada como etapa de preparação para o mundo do trabalho ou mesmo para o acesso à universidade. Nesse sentido, buscar-se-iam o domínio de certos conceitos, competências e habilidades a um determinado fim que não a filosofia como um fim em si mesmo. Isso quer dizer que a filosofia deve ser buscada não em vista de um fim particular, mas como chave de acesso do adolescente ao seu próprio mundo, levando-o a uma nova significação da própria existência, e, a partir daí, possa inserir-se onde quer que decida, seja no mundo do trabalho, da cultura, etc. (Ibid. p. 146).
Por fim, ao se discutir o trabalho de filosofia no ensino médio, é preciso que se debruce ainda sobre o intrincado tema do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), uma vez que muitas escolas da rede particular e até pública têm adaptado seu plano de curso para atender a essa avaliação. No artigo de Andrade e Soida (2016), é questionado o ranking das escolas que se baseiam na nota do ENEM. Esse ranking é amplamente divulgado nos meios de comunicação, uma vez que é divulgado pelo próprio Ministério da Educação, o que gera muita competição entre as escolas, que procuram utilizar-se deste instrumento para atrair a sua clientela, para usar uma expressão mercadológica na educação. Mas o artigo demonstra que a qualidade do ranking é questionável, uma vez que as informações que lhe servem de suporte são de qualidade baixa. Do que se deduz que, uma escola que pautasse sua grade curricular para atingir esse público, fatalmente incorreria em escolhas inapropriadas (Ibid., p. 285). Isso vale também, de modo análogo, ao currículo de filosofia.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao iniciar esse estudo, buscou-se identificar pontos convergentes e divergentes na produção acadêmica acerca da disciplina de filosofia no ensino médio, avaliando as contribuições mais significativas e traçando possíveis perspectivas que respondam ao cenário educacional contemporâneo. Para tal, buscou-se refletir e ampliar questionamentos importantes para a disciplina de filosofia no ensino médio, tais como a presença/não-presença oficial no currículo escolar da educação básica e no ENEM, e, acima de todas, o questionamento se cabe ao professor a tarefa de preparar o aluno para dominar certos conteúdos específicos (autores, escolas, conceitos), ou se cabe ao professor a tarefa de formar filósofos – ou pelo menos adolescentes comprometidos com a busca pela verdade e com a transformação social.
Com essas preocupações em vista, procurou-se evidenciar que a presença da filosofia no Ensino Médio é não só importante, como necessária para o pleno desenvolvimento do espírito humano. Com efeito, o que define a essência humana, segundo Marx (1984), é a capacidade de transformar a natureza por meio do trabalho e, sobretudo, de fazer essa transformação antes como uma ideia ou como um projeto em sua mente. Por isso, afirma-se que o ser humano é um ser capaz de determinar conscientemente as condições em que vive, planejando e construindo seu futuro.
Contudo, numa situação histórico-social conturbada, no qual muitos jovens se encontram alienados da produção do pensamento – seja por conta das exigências de sobrevivência material, seja pela influência das inúmeras ideologias ou padrões de consumo –, muitos buscam apenas reproduzir padrões e se adequarem à sociedade e ao mercado de trabalho. Nesse processo da busca por um pensamento fácil e pragmático, há o risco de que questões essenciais sejam deixadas de lado. Como bem lembrou Silveira (2013, p. 7), o Ministério da Educação (MEC), tem procurado favorecer um conhecimento por competência e habilidades que permitam ao jovem o exercício da cidadania. E por cidadania se supõe, nos documentos oficiais do MEC, a capacidade de continuar aprendendo, para que o trabalhador se adapte às constantes mudanças ocorridas no processo produtivo e, assim, siga produzindo de forma eficiente. A ênfase, recai, portanto, na preparação para o mercado de trabalho.
Na contramão dessa mentalidade reducionista, foi evidenciado que a filosofia – junto com a arte e a ciência – é uma "potência do pensamento", pois permite o exercício do pensamento criativo. Dessa forma, a ausência da filosofia no currículo escolar significaria um empobrecimento da educação básica, uma vez que não proporcionaria ao estudante o contato com essa forma de pensamento original e fundante da existência humana. A filosofia, as artes e as ciências são formas de pensamento que se inter-relacionam e se complementam. A preferência por uma ou outra seria arbitrária e feriria o direito à educação plena.
Por fim, buscou-se enfatizar que a difícil relação entre o ensino da filosofia e o ensino do filosofar encontra uma síntese bem conciliadora na proposta chamada por Gallo de "oficina de conceitos". Essa seria uma característica que torna a filosofia uma disciplina indispensável para a formação básica dos estudantes, já que nenhuma disciplina é capaz de proporcionar tamanha oportunidade aos alunos, no sentido deleuzo-guattariano aqui trabalhado. Como o ensino médio constitui a última etapa da educação básica, é salutar que essa oportunidade seja dada ao aluno durante o mesmo. Isso porque, como coloca Gallo (2007, p. 272), dificilmente os alunos do ensino médio terão outra oportunidade com esse exercício do pensamento, se não lhes for proporcionado nessa etapa da educação; "por outro lado, aqueles que farão estudos universitários provavelmente enveredarão por uma dessas áreas [científica, artística ou filosófica], especializando-se, sem maiores oportunidades de experimentar as outras potências de pensamento".
Todas essas perspectivas estão abertas, já que a filosofia é a ciência do todo. Por isso, cabe ao MEC, com a nova reforma do Ensino Médio, deixar espaço para que as discussões acerca da filosofia possam acontecer, em todos os níveis e com as organizações especializadas nessa disciplina, e assim, não seja ferido o direito à educação integral. Cabe também, aos professores e alunos, a tarefa essencial de fazer da filosofia uma disciplina que seja, ao mesmo tempo, pensamento e práxis transformadora. E para isso não há receitas prontas.

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