Pescaria e Bem Comum: Pesca e Poder Local em Porto Calvo e Alagoas do Sul (séculos XVII e XVIII)

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CURVELO, Arthur Almeida S. de C. Pescaria e bem comum: pesca e poder local em Porto Calvo e Alagoas do Sul (séculos XVII e XVIII). In: CAETANO, Antonio Filipe P. Alagoas colonial: construindo economias, tecendo redes de poder e fundando administrações (séculos XVII e XVIII). Recife: Ed. Universitária da UFPE, 2012, p. 41 -86.

Pescaria e Bem Comum: Pesca e Poder Local em Porto Calvo e Alagoas do Sul (séculos XVII e XVIII) Arthur Almeida Santos de Carvalho Curvelo “Há muita abundância de marisco e de peixe por toda esta costa; com esses mantimentos se sustentam os moradores do Brasil sem fazerem gastos nem diminuírem nada em suas fazendas” Pedro de Magalhães Gândavo. Tratado da Terra do Brasil. 1570.

Os primeiros núcleos de colonização da América Portuguesa foram todos erguidos, evidentemente, perto do mar ou de rios. Fundados pelo entrechoque entre duas culturas milenarmente pesqueiras: os índios tupinambás e os portugueses. Não é de se estranhar que buscassem nos seres vivos marinhos uma das partes básicas de sua alimentação. O relato de Gândavo vai um pouco mais além desta epígrafe, quando aponta que os colonizadores recém chegados à América, por mais pobres que fossem ao adquirir escravos indígenas logo tinham remédio para sua sustentação; porque uns lhe pescam, e caçam, outros lhes fazem mantimentos e fazenda, e assim pouco a pouco enriquecem os homens e vivem honradamente na terra com mais descanso do que neste reino1, pelo fato destes buscarem alimentos tanto para seus senhores, quanto para si, reduzindo os custos de sua sobrevivência. Pelas linhas do cronista quinhentista, ficam claros dois aspectos importantes quanto à atividade pesqueira. O primeiro, que parece ter sido ignorado por nossa historiografia econômica tradicional, apesar de tão evidente2, é associar a pesca a uma atividade de

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GANDAVO, Pero Magalhães. Tratado da terra do Brasil: história da província de Santa Cruz, a que vulgarmente chamamos Brasil. Brasília: Senado Federal, Conselho Editorial, 2008, p. 56; a partir deste tópico, pede-se licença ao leitor para utilizar as fontes preferencialmente no corpo do texto, a fim de tornar a análise mais dinâmica. Além disso, para facilitar a compreensão, optou-se por adaptar algumas palavras à forma de escrita do português atual. 2 Apesar da maioria dos Historiadores clássicos que se dedicaram à construção de uma história econômica do Brasil dedicarem algumas páginas de seus trabalhos a tratar das atividades econômicas de subsistência, é raro encontrar a pesca incluída entre elas, geralmente, mencionam aquelas ligadas à produção agrícola, como o cultivo da mandioca, do milho e a criação de gado. Evidentemente, percebe-se que suas preocupações estão focadas no entendimento da “grande economia”, ou seja, do açúcar, do café, do ouro. Cf: PRADO JUNIOR, Caio. História econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 2004; PRADO JUNIOR, Caio. Formação do Brasil contemporâneo. São Paulo: Brasiliense, 2004.; FURTADO, Celso.

42 subsistência. Diferentemente da importância que esta tinha, por exemplo, para uma nação como as Províncias Unidas, constituindo a espinha dorsal do comércio báltico3, no espaço colonial luso-americano ela terá um papel quase doméstico. Pescava-se para comer, não para exportar. No máximo, o peixe seco acompanhava outros gêneros de escambo de maior importância – como as armas de fogo, escravos, mandioca e cachaça – para ser trocado nas feiras sertanejas de Angola por cativos, como nos mostra Luís Felipe de Alencastro.4 Para a comunidade católica o peixe tem uma importância também religiosa, pois a liturgia vedava o consumo de carne, galinha e ovos durante 166 dias por ano5. De fato, é interessante observar que os grandes clássicos da historiografia econômica do Brasil tenham deixado o enfoque na atividade pesqueira de lado. Caio Prado Júnior sequer menciona sua importância quando dedica um capítulo da “História Econômica do Brasil” às atividades da economia de subsistência. Entende-se que suas intenções eram evidentemente outras, afinal ele estava interessado nas conseqüências que o passado colonial – diga-se de passagem, latifundiário, monocultor de exportação e escravista – legara à sociedade brasileira nos anos 1940, interessando-se, portanto, pelas atividades econômicas que fizessem uso da terra e, no caso da subsistência, da plantação da mandioca e do pasto para o gado. No entanto, ele, nos dá contribuições valiosas fazendo uma distinção da economia em dois setores de produção: o dos grandes produtos de exportação, como o açúcar e o tabaco, e o outro, das atividades acessórias, cujo fim é manter em funcionamento aquela economia de exportação6, nas quais, subentende-se estar envolvida a pesca. Entretanto, ao avaliar no capítulo quinto, um paralelo entre o abastecimento de gêneros alimentícios das comunidades urbanas e rurais, constata que para as rurais, ele é muito mais farto provendo suficientemente a sua subsistência7, enquanto que as urbanas encontram dificuldades em abastecer-se autonomamente, dependendo dos excessos da produção rural. Talvez tenha deixado escapar que a pesca servia como atividade subsidiária essencial às comunidades urbanas, afinal, quase todas foram fundadas próximas no litoral ou marginal à água. Ora, não é à toa que Gabriel Soares de Souza também tenha dedicado, em 1587, um capítulo inteiro de seu “Tratado descritivo do Brasil” a detalhar as variedades de peixes que se podiam encontrar na Bahia e de seu potencial para consumo.8

Formação econômica do Brsil. São Paulo: Editora Nacional, 1977; SIMONSEN, Roberto C. História econômica do Brasil:1500/1820. São Paulo: Editora Nacional;1978. 3 ALENCASTRO, Luis Felipe.O trato dos viventes: formação do Brasil no atlântico sul. São Paulo: Companhia das Letras, 2000 P. 189. 4 ALENCASTRO, Op. Cit., p. 324. 5 ALENCASTRO, Op. Cit., 189. 6 PRADO JUNIOR, Caio. História econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 200, p. 41. 7 PRADO JUNIOR, Op. Cit.41 8 SOUZA, Gabriel Soares. Tratado descritivo do Brasil em 1587. São Paulo: Companhia Editora Nacional da USP, 197, p. 275-288.

43 Mas é lícito acrescentar ainda um breve debate historiográfico para deixar claro o caráter social da atividade pesqueira no mundo colonial. Ellen Wood, em seu livro A origem do capitalismo, concorda com Karl Polanyi, quando ele declara ser preciso fazer uma clara distinção entre as sociedades com mercados, como as que existiram ao longo de toda a história escrita, e a “sociedade de mercado” 9. Na primeira, as atividades econômicas não estão necessariamente voltadas e submetidas à lógica da sociedade de mercado, ou seja na qual o trabalho e a terra constituem mercadorias com mercados próprios auto-reguláveis, tampouco há motivações puramente econômicas de lucro e de ganho material. As atividades podem ser impulsionadas por outras motivações como a conquista de status e prestígio ou a manutenção da solidariedade comunitária10, havendo outros mecanismos de organização da vida econômica que não as trocas de mercado. Nesse sentido, para os habitantes da América Portuguesa dos finais do século XVI, a atividade pesqueira não estava submetida a uma lógica de mercado, mas sim à satisfação de necessidades materiais básicas: a alimentação e a extração de óleo principalmente. Até mesmo a produção açucareira pode ser associada a uma atividade econômica mantenedora de prestígio e poder político11. O segundo aspecto importante na citação da crônica de Magalhães Gandavo é o caráter de dominação exercido durante a pescaria. Ao chegar o colonizador impunha a seus escravos que pescassem para ele e para si mesmos. Ora, não seria esta uma manifestação de poder? Ao privar-se do trabalho duro de lançar as redes ou anzóis para apanhar o peixe, os portugueses enriqueciam e viviam honradamente com mais descanso. Não seria o culto ao ócio e o desprezo pelos trabalhos braçais uma expressão da mentalidade barroca, na qual tal privação era considerada uma prática legitimadora do status? Sim. Nessas pequenas atividades cotidianas, as elites coloniais formaram-se, criando padrões culturais e comportamentais que os distinguissem dos outros. As elites comem o peixe, se o pescam, o fazem por hobby ou lazer, não porque dependam diretamente desse ato para comer e existir. Seu poder está, no imaginário barroco, ligado a isso: ausentar-se dos trabalhos braçais, distinguindo-se dos “peões”, e viver exercendo e ostentando o poder e o “luxo” 12. A ostentação é uma das bases culturais da manutenção de seu de seu estatuto, praticá-la, é uma condição legitimadora da posição social diferenciada, e 9

WOOD, Ellen M. A origem do capitalismo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.p.29; POLANYI, Karl. A grande transformação. As origens de nossa época. Rio de Janeiro, Editora Campus Ltda, 1980.p. 189190. 10 WOOD, Op. Cit.,p.29. 11 Afinal, como se sabe, boa parte dos oficiais das câmaras na América Portuguesa eram senhores de engenho, ou estavam ligados à estes de alguma forma. Além disso, as constantes dívidas feitas pela açucarocracia e as instabilidades dos preços do açúcar nos mercados europeus, os faziam contrair prejuízos econômicos, sem entretanto, parar de produzir o açúcar, já que este garantia prestígio e status político. Cf.:FARIA, Sheila de Castro. A colônia em movimento. Fortuna e cotidiano no cotidiano colonial. Rio de Janeiro: Ed. Nova Fronteira, 1998. 12 SILVA, Kalina Vanderlei e SILVA, Maciel Henrique. Barroco. In:Dicionário de conceitos históricos.São Paulo: Contexto, 2010,pp. 32-33

44 constitui o eixo definidor de um ethos. Nesse sentido, pode-se pensar que a pesca ganhou espaço nas relações microscópicas de poder na sociedade colonial. Mas outro olhar é possível de ser lançado em cima dela. Não se trata somente de perceber como a pesca se liga ao exercício cotidiano do poder, como nos mostram os relatos dos cronistas do último terço do quinhentos, mas sim buscar seus entrelaçamentos com o poder político. Entendendo-se que “poder” é uma relação de dominação interpessoal que permeia todo o corpo social em forma de cadeia, só existe de forma prática13. Poder político é prática, é fazer o exercício, é proibir, legitimar, dar licença, tributar, jurisdicionar – do latim juris dictio literalmente dizer a justiça – enfim, dominar, criar um efeito de verdade sobre um discurso propagado e aceito por determinados grupos sociais14. Para que se entendam essas relações, se faz necessário buscá-las em suas ramificações mais minuciosas. No caso do modelo de dominação projetado sobre o espaço colonial americano, o entendimento dos municípios se faz essencial para captar o desdobramento prático dessas relações. Ora, em que outras molduras institucionais buscar essa relação senão nas câmaras municipais? É precisamente nessa instituição que a elite da governança tece os pactos que estruturam tanto aquela sociedade, quanto o próprio espaço colonial lusitano. A legitimidade política é sustentada, perante a sociedade e a coroa portuguesa, em forma de discurso, sob o compromisso do “bem comum”, isto é, de efetivar práticas que, oficialmente, atendessem ao interesse comum da população. No entanto, esse compromisso muito raramente estava em consonância com toda a sociedade colonial, atrelando-se mais aos interesses de determinados grupos ligados por pactos a um modelo específico de política colonial.15 É nesse sentido, que se buscará, no presente texto, tecer as relações projetadas pelos poderes locais em torno da regulamentação da atividade pesqueira. Como palco, escolheu-se o sul da capitania de Pernambuco – uma localidade pouco estudada, cujas vilas foram fundadas diante do potencial não só estratégico, mas também de recursos naturais ligados ao mar e às águas. O século escolhido é aquele mais abandonado pela historiografia alagoana, que se renegou a estudá-lo em profundidade pelos acontecimentos sucedidos limitarem-se à crônica puramente local e econômica do distrito16 – como o queria Olympio Arroxelas Galvão para Porto Calvo. O fenômeno político em curso ainda é obscuro: a Comarca das Alagoas, afinal, não se entende esta somente como a circunscrição jurisdicional de um território submetida à correição de um ouvidor régio, mas sim como um espaço onde se tecem relações de poder e 13

Cf. FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979, pp.182-183. FOUCAULT, Op. Cit, p.179 e 180; Para o Antigo Regime Português, Cf. HESPANHA, António Manuel. Às vésperas do Leviathan: instituições e poder político, Portugal século XVII. Coimbra: Almedina, 1994, p.40 15 Cf: HESPANHA, António Manuel. Por que é que foi “portuguesa” a expansão portuguesa? Ou o revisionismo nos trópicos. In: SOUZA, Laura de Mello e; FURTADO, Júnia Ferreira; BICALHO, Maria Fernanda (Orgs.). O Governo dos Povos. São Paulo: Alameda, 2009. p. 48 e 56. 16 GALVÃO, Olympio E. A. Succinta descripção do município de Porto-Calvo. In: Revista do Instituto Archeologico e Geografico Alagoano. Vol: II, Nº 16, 18822-1883.p 226 14

45 dominação, em que os enquadramentos, mesmo formais, de poder estão em constante atrito uns com os outros. Em outras palavras, o objetivo aqui é evidenciar os laços tecidos entre a atividade pesqueira e as formas de exercer e legitimar o poder político local, buscando entender como este se fazia de forma prática. Intenciona-se também compreender e questionar como o desdobramento e o exercício de poder acabavam envolvendo a Coroa Portuguesa, desvendando a participação de seus agentes no processo. Partindo do pressuposto compartilhado por Arno e

Maria José Wehling, quando entendem que a justiça colonial portuguesa se pauta em duas categorias: a justiça real exercida diretamente e a justiça concedida. A primeira é encontrada na atuação dos oficiais letrados, experimentados no conhecimento das ordenações e da cultura jurídica. Enquanto que a segunda, se legitima pela concessão régia a um titular – por exemplo, um capitão donatário – ou a uma instituição – como a câmara – de aplicar a justiça. Entretanto, essa preocupação dos poderes políticos com relação à atividade pesqueira, remonta para a região sul da capitania de Pernambuco ao período da dominação holandesa, quando as autoridades batavas enxergaram nela, a solução para as crises de gêneros alimentícios que se abatia sobre o Recife. Pode-se dizer que é a partir daí que se evidenciam, documentalmente, os primeiros laços entre Pesca e Poder na região sul de Pernambuco, mesmo que se possa inferir que eles remontem à primeira ocupação portuguesa.

Pesca no tempo dos flamengos

A presença holandesa nas capitanias do norte foi marcada por períodos de fome e penúria nos centros urbanos, principalmente no Recife. Em seu clássico Tempo dos Flamengos, José Antônio Gonsalves de Mello remete a essa situação citando alguns exemplos marcantes. Em 1648 a população do Recife passou três meses sem comer carne, e insistia em pedir providências ao governo que nada obtinha do Conselho dos XIX17. Recife dependia das remessas de alimentos vindas da Holanda. As áreas anteriormente fornecedoras de gêneros alimentícios a Olinda – antiga sede da Nova Lusitânia – estavam ou devastadas pela guerra dos primeiros anos da ocupação holandesa, ou em mãos dos inimigos dos flamengos. A parte sul, então, além de estar devastada, servia de palco às escaramuças entre as tropas luso-brasílicas vindas da 17

MELLO, José Antônio Gonsalves de. Tempo dos Flamengos. Rio de Janeiro:Topbooks, 2001.p. 166.

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Bahia e os batavos, onde a tática de “terra-arrasada” fazia parte do cotidiano dos habitantes18. Em sua tese de doutoramento, José Ferreira de Azevedo defendeu que a região sul da capitania de Pernambuco, mesmo antes da invasão holandesa, já apresentava uma tendência a se desenvolver enquanto região produtora de gêneros de abastecimento interno, desmontando, portanto, a historiografia tradicional alagoana que defende a “vocação natural para o açúcar” desde os primórdios da colonização. Nesse sentido a criação do gado, o cultivo da mandioca, do algodão, do tabaco e a pesca constituíam uma alternativa viável para o aproveitamento de sesmarias por aqueles que não dispunham de cabedais para o cultivo e trato da cana de açúcar, tampouco para a compra de grande número de escravos africanos19. Entretanto, a conquista do sul da capitania pelos holandeses e, principalmente, o “êxodo pernambucano” devastaram boa parte desse potencial, como deixa claro o autor.20 No primeiro quartel do século XVII uma das crises de abastecimento interno afetara não só o Recife, mas também Luanda21. Por ser abastecida principalmente com gêneros vindos do Rio de Janeiro e de São Vincente, no período anterior à invasão holandesa, Luanda deve ter sido prejudicada com a falta de suprimentos vindos dessas capitanias durante a ocupação batava (1640-1648). Segundo Gaspar Barléus, as autoridades holandesas –

especialmente Maurício de Nassau – acreditavam não haver o outro remédio para tal carestia senão a diligente cultura das terras em Alagoas que juntamente com as comunidades do Rio São Francisco haviam abastecido o Recife de gêneros alimentícios – o qual o cronista refere-se como “Brasil”.22 Nesse sentido, o repovoamento do sul devastado aparecia como solução para suprir tanto o Recife, quanto Luanda – os dois pólos sócio-econômicos controlados pela WIC no Complexo Atlântico durante alguns anos do século XVII. Portanto, diante da pressão dos moradores para que as comunidades das “Alagoas” fossem repovoadas, o Alto Conselho, lançou um edital incentivando pessoas 18

AZEVEDO, José Ferreira de. Formação sócio-econômica de Alagoas. O período holandês (16301654). São Paulo, 2002 Tese (Doutorado) FFLCH/USP. p.34. 19 AZEVEDO, Op. Cit. ,p.51. 20 AZEVEDO, Op. Cit., p.34. 21 Como mostra Luis Filipe de Alencastro, essa já dependia do abastecimento de gêneros reinóis e, principalmente, brasílicos no século XVII, sobretudo a mandioca, que além de alimento básico, tanto na dieta luandense, tanto na ração diária do trabalho compulsório no Atlântico Sul, constituía um dos gêneros de escambo no trato negreiro. ALENCASTRO, Op. Cit, pp. 251-252. 22 BARLEUS, Gaspar. História dos feitos recentemente praticados durante oito anos no Brasil. Recife: Fundação de Cultura Cidade do Recife, 1979, p. 259. Apud: MELLO, José Antônio Gonsalves de. Fontes para a história do Brasil holandês v.II: A administração da conquista. Recife: CEPE, 2004, p. 113.

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a se estabelecer naquelas terras. No edital, constam alguns privilégios econômicos de financiamento, garantia de deslocamento de uma companhia de infantaria para proteger a população contra os africanos aquilombados em Palmares (que começava a se formar nesse período) e algumas isenções sobre todo encargo e imposição por tempo de quatro anos, excetuados os que recaem sobre a pesca e os açúcares23. O governo local ficaria submetido além das câmaras de escabinos ao Diretor, que tinha sob sua alçada as ilas de Porto Calvo, Alagoas e do Rio de São Francisco. O primeiro a ocupar tal cargo foi Hendrick de Moucheron que, em 1643, recebera de Nassau a incumbência de viajar até a povoação das Alagoas para averiguar as possibilidades do (re)povoamento. Em outubro do mesmo ano, Moucheron, apresentou um relatório Sobre a Situação das Alagoas, juntamente com seu assessor, Johannes van Walbeeck que, sem dúvida, representa uma das fontes mais ricas para o estudo do período holandês na região.24 O Diretor e seu assessor iniciam o relatório situando a localidade em duas povoações, a da Lagoa do Norte e da Lagoa do sul, fazendo a descrição de suas marés. Afirmam ser a pesca nessas lagoas, atividade da qual os moradores tiravam seu maior proveito sendo feita principalmente nos meses de verão e, muito pouco, nos meses de inverno25. Já sobre os peixes: ...que se pescam são curimãs, carapebas, porém principalmente curimãs; este é um peixe de pé a pé e meio de comprimento, e nos meses de novembro, dezembro e janeiro engordam tanto que se servem da pele dele como óleo par arder em lâmpadas. De uma curimã fresca podem três pessoas fazer sua refeição; vende-se por seis stuivers, e a carapeba por um; a curimã seca [salgada] vale oito stuivers26.

Vê-se, portanto que o curimã, além de ser um peixe nutritivo, capaz de alimentar a população e prover óleo para lamparinas, possuía um valor comercial agregado, com o qual os oficiais holandeses preocuparam-se em relatar. Ora, os batavos, por terem sua economia e comércio movimentado nos Bálcãs pela pesca, certamente associavam-na ao comércio. Além de que, vale lembrar que o peixe seco constituía um dos gêneros alimentícios que acompanhavam o tráfico negreiro, tanto para fins de trocas, quanto para alimentação dos indivíduos deportados. Mesmo que esse gênero não tivesse a mesma importância que a mandioca, por exemplo, ainda assim era servido como acompanhamento27. 23

MELLO, Op Cit., p.114. MELLO, Op. Cit., p.123. 25 MELLO, Op. Cit., p.126 26 MELLO, Op. Cit., p.127 27 ALENCASTRO, Op. Cit., p.324. 24

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Quanto à pesca, propriamente dita, era feita à noite com redes de até 60 até 70 vademan de comprimento que os pescadores alocavam no lugar onde reconhecem o peixe e impelem-no para elas batendo com os remos n’água28. Ou em barcos, que na Lagoa do Sul, haviam dezessete e dezoito, antes da invasão e somente quatro em 1643. Não é à toa que os pintores que acompanharam Maurício de Nassau ao Recife tenham associado a localidade à atividade pesqueira. Na gravura a seguir, feita por Frans Post, podem ser observados dois pontos principais. O primeiro é o brasão de armas da povoação de Alagoas do Sul, em que estão representados três peixes. O segundo é o pequeno e quase imperceptível barco de pesca à direita, único navegando na lagoa, logo abaixo do brasão. Logo, parece que a pesca é a atividade prontamente assimilada à importância da localidade para a WIC. E sendo a obra de Barléus (de onde ela foi retirada) um registro elegíaco aos feitos de Maurício de Nassau, e dos sucessos da ocupação holandesa, as imagens que o ilustram, estão voltadas a representar as políticas nassovianas. Nesse sentido, associa-se no imaginário político holandês, a localiadade à pesca. O povoado humilde e com poucos habitantes deixa transparecer a intenção de representar aquele espaço como uma região pacífica, o que difere bastante dos registros da época, quando a parte sul aparecia como uma região de intensa movimentação de tropas e guerras de escaramuça.

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MELLO, Op. Cit.p.127; Infelizmente, não encontrei meios de converter a medida vademen em metros, mas no entanto farei uma breve comparação. Os oficiais mencionam que as redes mediam 60 vademen. Mencionam também que as terras de Antonio Fuentes medem 600 vademen. Logo, uma rede de pesca equivalia a 10% da propriedade deste homem, entendendo-se portanto que não eram redes pequenas.

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Frans Post. Alagoa ad austrum. Amsterdã, 1647.29

O relatório de Moucheron e Walbeeck deixa transparecer claramente a importância da pesca para a região das Lagoas, ao lado do exame detalhado do potencial de localidade em produzir açúcar, criar gado, e da quantidade de moradores disponíveis para levar à cabo o repovoamento. Ela aparece como a condição essencial para a alimentação dos moradores. A proposta de fixação lançada pelos oficiais é a de manter guarnições militares pagas, que com o soldo possam sustentar-se e ao mesmo tempo envolver-se em atividades produtivas. Com o pagamento regular dos soldos e fazendo com que circulasse o dinheiro, os povoadores teriam

ensejo mais favorável do que em qualquer outro lugar do Brasil tanto por causa das boas terras, como porque a região é tão piscosa que, além de terem peixe barato, o poderão exportar em abundância, com o que muita gente poderá ganhar o alimento[...] e com se [os povoadores] chegar ao ponto de obter um ou dois negros – o que não é muito difícil, porquanto o preço dos negros é sempre módico – irão de quando em quando aumentando os recursos.30

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Imagem retirada do livro de Gaspar Barléus, Rervm per octennivm in Brasilia Et alibi nuper gestarum, sub praefectura illustrissimi comitis I. Mavritii Nassoviae, &c. comitis, nunc Vesaliae gubernatoris & Equitatus Foederatorum Belgii Ordd. sub Avriaco ductoris, historia. Amsterdã : Typographeio Ioannis Blaev.1647. http://www.brasiliana.usp.br/bbd/handle/1918/00246000 30 MELLO, Op. Cit., p.127.

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É muito interessante atentar para esta informação, pois ilustra bem os projetos batavos de povoamento e aproveitamento do potencial oferecido pelas lagoas. A pesca seria usada tanto para subsistência, quanto para “exportação”, o que não significa que ela toda saísse da América. Isto é, o pescado poderia ser conduzido para o Recife, ou para qualquer outra povoação da Nova Holanda, ou ainda, acompanhar os gêneros de escambo para aquisição de cativos “angolanos”. O trabalho escravo, por outro lado, aparece como necessário ao desenvolvimento dessa atividade, algo que os autores também deixam bem claro ao afirmar:

...para um e para outro trabalho é necessário o serviço dos negros ou capital com que sejam comprados, porquanto no Brasil, desde tempos antigos, é costume empregarem-se negros nesse mister. Os brancos abstémse deste e quase que de qualquer trabalho, e pouco mais fazem senão inspecionar os negros, salvo quando fazem profissão de algum ofício.31

Essa associação da pesca ao trabalho escravo também fica clara na ilustração da capa deste livro, onde um grupo de homens brancos, muito bem vestidos e aprovisionados com sombrinhas (o que indica que são homens da elite) se encontra às margens da lagoa observando um grupo de dez homens negros arrastarem uma grande rede de pesca. Observe-se a fisionomia e a posição do homem que se encontra na margem direita abaixo, em frente aos outros, guarnecido pela sombra do guarda-sol: além da pose semelhante às representações de monarcas (isto é o cetro, nesse caso uma bengala, na mão direita e a outra repousando sobre a cintura) indicam que provavelmente é um homem que ocupa uma posição privilegiada naquele espaço, faça parte dele ou esteja só de visita. Ele parece estar próximo desse grupo de homens brancos, mostrando os homens negros trabalharem, pois o outro, vestido de vermelho e um pouco mais baixo, parece estar atento à sua pessoa, enquanto os outros olham em direção oposta. O fato deles não estarem junto à procissão que sobe a ladeira e adentra na igrejaforte, provavelmente indica que são holandeses – já que as procissões eram eventos importantíssimos na sociedade colonial, nos quais transpareciam as posições sociais dos indivíduos. Pode-se imaginar que talvez ele esteja fazendo justamente aquilo que o documento aponta: supervisionando o trabalho de seus escravos enquanto estes pescam para seu proveito. 31

MELLO, Op. Cit., p.132-133.

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Assim, fica claro que as pretensões dos holandeses em relação à pesca estavam atreladas a seu aproveitamento enquanto atividade produtiva, não só de subsistência, mas também de exportação. Nesse sentido, Alagoas parece sócio-economicamente como uma hinterland de Olinda, e, posteriormente, de Recife, fornecendo-lhe gêneros alimentícios tanto para consumo, quanto para o comércio32. Fica claro então, que antes da invasão holandesa, a pesca já constituía uma atividade importante para o abastecimento da capitania de Pernambuco, e quiçá complementasse o trato escravista estabelecido entre Olinda e Luanda nos finais do século XVI e princípios do XVII. O fato dela atender às necessidades mais básicas das povoações coloniais, nesse caso a alimentação, e não ao grande comércio Atlântico, fez com que fosse deixada de lado pela historiografia econômica tradicional, que buscava no “exclusivo comercial” o laço que unia a colônia brasílica e a metrópole lusitana. Tais laços, entretanto, figuram na historiografia contemporânea muito mais como políticos33. Quanto à presença holandesa, num primeiro momento devastara a zona da mata pernambucana, afugentando muitos moradores para a Bahia e, conseqüentemente, brecando as atividades econômicas, inclusive a pescaria34. Ao olharmos para a quantidade de embarcações mencionadas pelos oficiais – dezessete antes e quatro depois – isso fica claro. E, posteriormente, a pesca aparece como solução para consolidar o povoamento da parte sul e, ao mesmo tempo melhor condicionar o da parte central e norte da capitania. É evidente, portanto, que haviam interesses políticos envolvidos com a atividade pesqueira desde o período holandês. Para entender a pesca nas outras duas vilas, Porto Calvo e ao Rio de São Francisco, não se encontrou fontes tão ricas quanto este relatório sobre as Alagoas do Norte e do Sul. Entretanto, Adriaen Verdonck nos presta em suas memórias algumas menções a essa atividade no distrito do Rio de São Francisco: [...] nessa região os poucos habitantes, quase todos pastores, vivem unicamente de bois e vacas, para a criação dos quais a terra se presta 32

Para entender a aplicação deste conceito da geografia à análise histórica, recomenda-se ver para entender as relações entre centros políticos e suas periferias: RUSSEL-WOOD, A.J.R. Centro e periferia no mundo luso-brasileiro, 1500-1808. In: Revista Brasileira de História, vol. 18, n. 36, p.207 e 230. 33 Cf: HESPANHA, António Manuel & SANTOS, Maria Catarina. Os poderes num império oceânico. In: HESPANHA, António M. (coord.). O Antigo Regime (1620-1810), volume IV da História de Portugal dirigida por José Mattoso, Lisboa: Círculo de Leitores, 1993, p. 395 – 413. 34 A tese do professor José Ferreira de Azevedo, abarca ainda outros gêneros alimentícios, como a mandioca e a carne de gado, além da pesca. No entanto, para as linhas do presente trabalho, e também para que se faça uma associação nos tópicos seguintes com a regulamentação da pesca no segundo período português, escolhi tratar e enfatizar somente ela no estudo da ocupação holandesa. Portanto, para mais detalhes sobre as propostas de ocupação do Distrito das Alagoas, e dos anexos de Porto Calvo e São Francisco, ver: AZEVEDO, Op. Cit.

52 muito[...]fazem também ali bastante farinha, pescam muito peixe e plantam também muito fumo[...]35

Vê-se, portanto, que ali a atividade proeminente era desde esse período a criação de gado, complementada pelo cultivo da mandioca e pela pesca. Sobre esta tendência, encontramos cem anos mais tarde, um alvará da Coroa Portuguesa exigindo que câmara supervisionasse e garantisse o abastecimento de carne à Provedoria da Real Fazenda36. No século seguinte, Penedo se tornaria um grande escoadouro de gado para a Capitania das Minas37. Para Alagoas do Sul, Verdonck somente confirma que prepara-se considerável produção de peixe seco, que todo é trazido para aqui [Recife] e prontamente vendido.38considerando também a criação de gado e a plantação de mandioca. E para Porto Calvo a mesma coisa, acrescentando somente que lá predomina a pesca de tainhas. Logo, ficam claras as fontes que levaram José Ferreira de Azevedo a entender que antes e durante a ocupação holandesa, o sul da capitania poderia ter se desenvolvido enquanto uma zona de produção de policulturas, semelhante à Sergipe, ou mesmo à capitania de Itamaracá. Entretanto, Azevedo conclui que as tentativas de tornar Alagoas uma região produtora de gêneros se subsistência implantadas durante o governo de Maurício de Nassau falharam, ou pelo menos não se consolidaram, pois no período subseqüente às guerras de restauração, o cultivo do açúcar voltou a se expandir na região sul, juntamente com a pecuária. Era açúcar, e não o peixe ou a mandioca que garantia status na sociedade colonial e, conseqüentemente, movimentava os interesses das elites locais. Entretanto as poucas fontes que nos restaram do período subseqüente à restauração, o pos bellum, nos apontam uma forte associação entre os habitantes da Vila de Alagoas do Sul e a Pesca.

Pesca e poder em Alagoas do Sul

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MELLO, José Antonio Gonsalves de. Fontes para a história do Brasil Holandês. 1. A economia açucareira. Recife: Parque Histórico Nacional dos Guararapes, 1981.p.35. 36 ANAIS DA BIBLIOTECA NACIONAL. Rio de Janeiro: BN, Volume 28, 1906. p. 292. Decreto de 1745 ordenando que a câmara da vila do Penedo supervisionasse o suprimento diário de rações de carne para as tropas pagas da coroa portuguesa. 37 CAROATÁ, José Próspero Jeová da Silva. Crônica de Penedo.in: Revista do Instituto Arqueológico e Geográfico Alagoano Vol. 1[S.l.],[1873]. p.6 38 MELLO,1981, Op. Cit.. p.36.

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O plano de Maurício de Nassau para tornar a região sul de Pernambuco uma zona focada em produzir gêneros alimentícios pode até ter falhado. No entanto, a pesca permaneceu atrelada ao cotidiano da população e à própria potencialidade da região diante de outros centros políticos da América Portuguesa. O pescado fornecia o sustento de boa parte de seus habitantes, e servia como produto de troca com outras localidades. Estando o peixe tão atrelado aos interesses da população local, uma das formas de atuação da câmara sobre a vila era certamente garantir para o bem comum que ele estivesse sempre abundante nas Lagoas e à mesa dos moradores. Isso implica entender a pesca como uma das principais atividades sobre as quais atuava uma comunidade política integrada e articulada por certas normas e pactos assimétricos entre os grupos sociais39. Garantir a justiça sobre a pesca certamente constituía uma das principais formas de relacionamento entre a câmara e a sociedade local – já que o direito à pesca era estendido a toda a população sem distinção de status. A característica mais marcante que pode definir o poder das câmaras no espaço ultramarino está relacionada à sua grande autonomia jurisdicional. António Manuel Hespanha entende a fisionomia do poder local segundo a definição do pluralismo administrativo, segundo a qual, a governança e a própria estrutura de poderes que compunham o reino baseia-se numa gigantesca constelação de poderes locais que veiculam a cultura e a dominação política, que ao passar por um processo de enraizamento, cria, nos diferentes espaços do império português, modos de governar característicos e peculiares. Para ele, o Poder está disperso, por uma multiplicidade de células sociais (pluralismo), cada qual relativamente autônoma em relação ao poder da coroa e cuja unidade é mantida pela ligação dos seus membros ao chefe [o rei] por laços políticos particulares.40 A expressão mais evidente dessas células na administração colonial/ultramarina é a câmara municipal, que articula a política em torno do “bem comum” e que, supostamente, deveria atender aos interesses da maioria da população e, com isso, manter a ordem e a submissão dos povos de sua jurisdição à obediência a um soberano comum: o Rei de Portugal41. Entretanto, como já foi dito anteriormente, essa política é voltada para os interesses de determinados grupos

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MONTEIRO, Nuno Gonçalo. Os concelhos e as comunidades. In: HESPANHA, António M. (coord.). O Antigo Regime (1620-1810), volume IV da História de Portugal dirigida por José Mattoso, Lisboa: Círculo de Leitores, 1993, p. 303 - 331. 40 Cf: HESPANHA, António Manuel. (org). Poder e instituições na Europa do antigo regime. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1984. p. 35. (grifo meu). 41 HESPANHA, 2009 Op. Cit., p. 48.

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políticos articulados, de alguma forma, aos ocupantes destas instituições por meio de pactos políticos. Uma das mais fortes expressões dessa autonomia está expressa na competência, delegada pelo rei às câmaras, de escolher pessoas “qualificadas” para a imposição de fintas e arrecadação de impostos. Essa “qualificação” deve ser entendida sob a perspectiva estruturante da sociedade de Antigo Regime: a concepção coorporativa de sociedade. Ela pressupõe que a sociedade se fundamentava em uma ordem natural, estando devidamente hierarquizada, isto é, as pessoas possuiriam qualidades de nascimento distintas.42 Isso significa que existiriam pessoas nascidas para andar na governança e pessoas nascidas para serem governadas, e assim, a legislação e a prática política eram voltadas a preservar essa “ordem natural”, mantendo as pessoas nos devidos espaços que lhes cabiam desde o momento de seu nascimento. Com isso, a nomeação de fintadores e almotacés era um processo delicado para aqueles que ocupavam o espaço camarista na América Portuguesa, pois, era nesse exato momento que se firmavam os pactos entre os grupos políticos locais. Delegar tal competência seria uma forma de se estreitar os laços pessoais entre aqueles que ocupavam os ofícios da câmara e a gente “nobre” ou principal

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, da localidade. A

pessoa agraciada com a nomeação ganharia benefícios de duas formas: com os emolumentos e com o prestígio44. Os emolumentos constituíam uma parcela daquela renda que o ocupante tiraria para si, acompanhada, evidentemente, de possíveis subornos. Enquanto que o prestígio viria da condição que este fintador, ou almotacé, ocuparia junto à sociedade, servindo de referencial para a regulamentação do fornecimento e controle de determinados gêneros45. Esse duplo fenômeno observável na atividade política das câmaras constitui para João Fragoso uma das faces da economia do bem comum46. Era, portanto, um procedimento comum, e cotidiano, às alçadas de poder dos oficiais da câmara, que “votavam” na escolha dos ocupantes desses cargos. Nesse processo de escolha, as relações de poder e compadrio entre as partes eram 42

FRAGOSO, João e GOUVÊA, Maria de Fátima. Na trama das redes: política e negócios no mundo português, séculos XVI-XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2010, p.14. 43 Para entender o esquema dessa estrutura de estruturação política, Cf. BICALHO, Maria Fernanda. As câmaras ultramarinas e o governo do império. ; FRAGOSO, João. A formação da economia colonial no Rio de Janeiro e de sua primeira elite senhorial (séculos XVI e XVII). In: FRAGOSO, João; GOUVÊA, Maria de Fátima & BICALHO, Maria Fernanda B. O antigo regime nos trópicos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003. 44 FRAGOSO, Op. Cit., p.45. 45 SALGADO, Graça (coord.). Fiscais e meirinhos. A administração no Brasil colonial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985. 46 FRAGOSO, Op. Cit., p.43-50.

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trazidas para dentro de um enquadramento institucional, e conseqüentemente transformadas em política colonial47. Nesse sentido, entender o papel das câmaras na dinâmica social de poderes de cada localidade pressupõe abandonar o sentido estreito e bilateral de “pacto colonial” (isto é, colônia versus metrópole) e, em lugar disso, adotar um conceito mais amplo: o de pactos coloniais48. Isso significa reconhecer a estrutura pactícia da sociedade em questão, isto é, entender que os mecanismos de dominação colonial estão dispersos nas iniciativas de diversos agentes sociais, que, por meio de gigantescas constelações de relacionamento, movimentam recursos e práticas culturais, políticas e econômicas diversas. Assim, o município, constitui uma forma de ordenação social do espaço, característico dos modelos de dominação européia – que podem incluir outras manifestações de organização, como as fortalezas, as feitorias, os morgados e os prazos. As limitações do presente texto impedem que se faça uma análise mais detalhada dos critérios de escolha dos almotacés e dos fintadores. No entanto, cabe destacar aqui sua importância para a localidade, no sentido de servirem de instrumentos da câmara para garantir o preço e o fornecimento adequado de peixe à população. Isso significa entendê-los enquanto agentes ligados, por meio de relações pessoais de compromisso, àqueles que exerciam a governança da terra. No segundo livro de vereações da câmara, já em 1670, encontramos ordens do Juiz Ordinário, Capitão Francisco de Freitas da Costa, aos Almotacés eleitos, Matias de Carvalho Bezerra e Antônio Araújo, para que observassem o valor máximo de venda do pescado de Curimãs, Carapebas, Camurins, e as respectivas penalidades se vendessem por mais do que o valor estabelecido na câmara.49 Preocupavam-se, pois os oficiais em estabelecer um preço comum para vender o peixe, e provavelmente seria este o valor minimamente necessário para garantir o acesso dos habitantes a ele – isso é, quando não o pescavam por si ou por outrem. Atos como este eram estabelecidos quando se elegia um Almotacé para o cargo.

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Falta ainda um estudo sobre essas nomeações feitas pela câmara de Alagoas do Sul, no qual se pudessem identificar os grupos políticos envolvidos e as partes beneficiadas. Eles seriam necessários para perceber-se a formação de oligarquias ou mesmo grupos dominantes dessa atividade da almotaçaria. Infelizmente, fugiria às propostas desse artigo examiná-los, deixando-os para um próximo trabalho. 48 HESPANHA, 2009, Op. Cit., p. 52. 49 O Curimã seria vendido por dois vinténs, o de meia banha por trinta réis, o de banha inteira dois vinténs; quatro carapebas grandes a um vintém, e três camorins por dois vinténs. Se vendessem por mais do que isso, seriam multados de acordo com as vezes que incorreram no crime, e se publicariam editais declarando sua suspensão do cargo. Ver: IHGAL. 2º Livro de Vereações da Câmara de Alagoas do Sul (1661-1681) 00007-01-02-02, fl. 13.

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Uma das formas para entender como a pesca estava associada, pelo governador de Pernambuco, à imagem político-econômica de Alagoas do Sul, é olhar para uma proclamação de Dom Pedro de Almeida, de 1674. Ele informou aos oficiais da câmara que pretendia fazer um ataque ao Quilombo dos Palmares, e para isso, necessitava de mantimentos. Ordenou então que fossem nomeados alguns fintadores para recolher junto ao povo trezentos alqueires de farinha e todo o peixe que se fizesse com o fim de ajudar a entrada50 contra o Quilombo. Pensando a capitania como um todo, as câmaras desempenhavam um papel semelhante àquele destacado por Joaquim Romero Magalhães, para o reino de Portugal, servindo como a única grande rede de poder e de transmissão de ordens de que [a coroa] pode dispor e que se lhe está directa e exclusivamente dependente 51. Essa estruturação de poderes na capitania de Pernambuco ganhou uma dinâmica especial nos finais do século XVII, quando as milícias El Rei combatiam os “holandeses de outra cor” – isto é, os quilombolas e os índios “tapuias”. Vê-se claramente a grande importância que possuíam as câmaras nesse contexto, afinal, eram responsáveis pela nomeação de pessoas para arrecadar mantimentos para a campanha, além de veicular as ordens do Governador da capitania. A constelação de câmaras municipais da capitania é um dos espaços privilegiados para se buscar a constituição do poder do governador de Pernambuco, especialmente aquelas mais distantes. As “malignas redes de arrasto”

Entretanto, além dos procedimentos comuns voltados à regulamentação do preço do pescado, ou da nomeação de fintadores para recolher mantimentos para a guerra dos Palmares, é possível encontrar diversas fontes fazendo menção a um caso específico, que atordoou as câmaras e as autoridades régias por no mínimo cem anos! Tratam-se das proibições do uso das Redes de Arrasto nos canais e lagoas próximos à vila. Essas proibições estão registradas em acórdãos firmados em vereação pelo senado da câmara de Alagoas do Sul, junto ao povo e à gente nobre da governança. Carece então, pensar-se um pouco sobre esses instrumentos políticos.

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IHGAL. 2º Livro de Vereações da Câmara de Alagoas do Sul (1661-1681) 00007-01-02-02, fl. 33 v. MAGALHÃES, Joaquim Romero. Os Concelhos. In: MAGALHÃES, Joaquim Romero. (coord.) No alvorecer da modernidade. (1480-1620). Lisboa: Editorial Estampa, 1993. (volume 3 da História de Portugal, dirigida por José Mattoso), p. 165. 51

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Compreende-se que eles constituem o registro das negociações engendradas por diversas comunidades políticas, que se reciclaram anual ou trienalmente, na câmara de Alagoas do Sul. Nesse sentido, O poder da câmara, frente àquela sociedade, é sustentado pela existência de um discurso criado em torno dos casos de justiça e administração52, expresso em todo tipo de documentação forjada pela instituição, tendo a finalidade de legitimar as práticas de poder ligadas a sua alçada. Em torno desse discurso se produzia perante a sociedade um efeito de verdade, ou se preferir-se de jurisdição que é de alguma forma, aceito por aquela sociedade enquanto um dado princípio de organização social – o que não significa, de forma alguma, que não haja camadas sociais, ou indivíduos, que não os reconheçam. Em 1655, encontram-se as primeiras iniciativas para vetar o uso dessas redes de arrasto, segundo um termo de vereação, no qual foi apresentada, por meio do procurador, uma petição endereçada pelo povo ao senado da câmara, na qual era requerido que era bem comum o tirar-se as pescarias de redes de arrasto, por serem de grande dano [...] e usarem-se das redes miúdas [...] sendo como os antigos povoadores destas Alagoas usavam53. E atendendo ao requerimento, prescreviam os oficiais da câmara que não houvessem tais pescarias e todo aquele que pescasse com elas, deveria pagar cem cruzados à câmara, que deveria usar a metade para suas despesas e a outra para recompensar aquele que tivesse denunciado o infrator 54. E ainda no século XVII, podem ser encontrados três autos de correição feitos pelos Ouvidores Gerais de Pernambuco que ainda exerciam jurisdição sobre a parte sul da capitania. Em um deles, feito em 1671 por João Sepúlveda de Matos, exigia dos oficiais da câmara que supervisionassem a pesca, garantindo que se pudesse pescar no “Rio do Salgado” 55 (...) que por ser braço público desta Lagoa Pública deste povo pudesse todos pescar nele livremente sem que lhe fosse encontrado por pessoa alguma particular e que quem o impedisse poder pescar livremente encarasse em 52

Penso ser interessante associar a constituição desse poder municipal, não só a seus desdobramentos práticos – isto é, toda a infinidade de atividades que as câmaras municipais regulavam e interferiam por meio de acórdãos e vereações – mas também, ao fundamento essencial desse poder, que é a alçada de jurisdicionar e proferir a justiça. Essa competência é essencialmente constituída pela produção desses discursos – na forma de atos institucionais, editais, certidões passadas e registros diversos – e sua divulgação perante a sociedade enquanto referenciais legitimadores das práticas de poder. Para uma maior compreensão das estruturas legitimadoras do discurso político, Cf.: FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979. 53 AHU, Pernambuco Avulsos, cx. 130, D. 9837, fl. 29. Neste documento estão copiados ao final vinte acórdãos firmados em auto de vereação pela câmara de Alagoas do Sul entre 1665 e 1760. 54 AHU, Pernambuco Avulsos, cx. 130, D. 9837, fl. 29. 55 Ainda não se dispõe ainda de embasamento adequado, mas este parece ser o atual “Riacho Salgadinho”.

58 vinte mil reis para a correição e que a mesma pena encarasse na Lagoa do Norte no côrapato [sic] por todas as vezes que lhe fosse provado56

É evidente que o Ouvidor não teria passado essa ordem aos oficiais da câmara aleatoriamente. Sendo ele um oficial encarregado de ouvir as queixas da população, certamente deve ter tomado conhecimento de que alguém estava inibindo as pessoas de pescar naquele rio e naquela lagoa. É encontrado aí mais um indício dos laços entre a pesca e o poder: havia o interesse de alguém, ou algum grupo, de restringir a pesca a outros. Sendo o peixe tão importante para aquela praça, certamente o seu fornecimento para consumo constituía um instrumento de poder. Sepúlveda de Matos não só atentou para as inibições da pesca, como também proibiu que se pescasse nos meses de julho, agosto e setembro para a conservação da criação57, restringindo os tipos de redes para o Rasto-Tarrafa e Facho, e proibindo as de “Molhar” 58. Com pena de vinte mil réis para a câmara, mais vinte mil para a correição e a mesma quantia para o delator, o que foi acordado por todos os oficiais da câmara e mais gente da governança59. Estas redes de “molhar” serão posteriormente identificadas como redes prejudiciais à reprodução dos peixes como se verá mais adiante. Entretanto, em 1677, os oficiais da câmara requereram ao Ouvidor Lino Camelo em auto de correição que pelo grande dano que faziam as redes de “malha miúda” – isto é, de malha fina – deixasse ele um provimento para que daquele dia em diante pessoa de nenhuma qualidade que fosse por si nem por seus escravos pudesse pescar com a rede miúda de menos marca que a da câmara nos sobreditos meses nem em outros quaisquer e determinava, ainda, a mesma pena de vinte mil réis acrescida da penalidade de queimar as tais redes capturadas e as canoas dos pescadores60. Eles foram atendidos e, o ouvidor recomendou que fosse lançado edital na vila proibindo seu uso. As ordenações filipinas exigem que pelos oficiais se ordene em câmara a largura da malha de que devem ser as ditas redes

61

. Assim, mais uma vez se reiterava a preocupação dos

poderes locais com utilização de redes de malha fina e, ainda, o ouvidor exigia que de acordo com as ordenações a câmara dispusesse de um modelo de rede para servir de

56

IHGAL. 2º Livro de Vereações da Câmara de Alagoas do Sul (1661-1681) 00007-01-02-02, fls. 22-23 IGHAL. 00007-01-02-02. Idem, Ibidem. 58 IGHAL. 00007-01-02-02. Idem, Ibidem. 59 IGHAL. 00007-01-02-02. Idem, Ibidem. 60 IGHAL. 00007-01-02-02. fl.s 44- 45. 61 Ordenações Filipinas, Livro 5º, Título 88. Citar p.e 1238 [ver normas de citação] 57

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referencial de espessura, fazendo valer as leis do reino e assegurando mais um poder à câmara. Mas ao longo do século seguinte, nada menos do que vinte acórdãos de vereações foram firmados pela câmara de Alagoas do Sul tendo em vista a proibição do uso das redes de arrasto e de malha fina (que na verdade é uma só). Em 1723 e 1726, os oficiais proibiam que os pescadores fizessem uso delas, sendo de qualquer qualidade, e prescreviam multa de seis mil réis, somados à sua destruição. Reuniram por meio de um edital, em 1739 o “povo” da vila62 para responder se o uso das redes de arrasto nos canais que ligam a Lagoa Manguaba ao mar era prejudicial ou não. O escrivão sintetizou a opinião geral em algumas linhas:

(...)responderam que as redes de arrasto nos canais eram muito prejudiciais ao povo, porque não deixem subir nem entrar peixe para dentro [da lagoa], e se está padecendo grande necessidade de fome e de peixe por causa das ditas redes(...)63

Não foram suficientes as proibições feitas pelos oficiais da câmara no século XVII, tampouco as reiteradas no início do XVIII para impedir que alguns pescadores continuassem a fazer uso das redes de arrasto. Como mostram as informações colhidas no auto de vereação, os moradores conheciam bem os danos que as redes causavam. A lagoa antes farta de peixe agora estava ameaçada pela falta dele. Ao lado dos acórdãos firmados pela câmara, aparecem também essas mesmas preocupações em audiências gerais com os ouvidores da comarca. Esses oficiais tomavam conhecimento das mazelas causadas pelas redes de arrasto por meio dos procuradores do senado da câmara. Antônio Rebelo Leite concedeu, mediante essas súplicas, três provimentos, dois em 1730 e um em 1731, nos quais estabelecia algumas punições para aqueles que usando das redes de pesca atentavam contra o bem comum daquele povo. E já em 1730, Francisco Correa Lima, procurador, esclarecia que a população já padecia de fome por conta das redes que por terem uma malha tão fina, não apanhavam só o peixe grande, mas também os filhotes, o que incorria em sérios danos a reprodução. E ouvindo essas

Certamente, esse “povo” refere-se não só a pessoas comuns, como às próprias elites da governança da terra. Cf.: MONTEIRO, Rodrigo Bentes. O rei no espelho: a monarquia portuguesa e a colonização da América 1640-1720. São Paulo: HUCITEC, 2002. 63 AHU, Pernambuco Avulsos, cx. 130, D. 9837.fl.29 v. 62

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súplicas, Rebelo Leite determinou a pena de vinte mil réis, acompanhada da queima pública das redes no pelourinho e trinta dias de cadeia para os transgressores.64 Ora, parece que não só o peixe faltava, mas também crescia a vila em número de habitantes, e conseqüentemente, em estômagos a serem forrados. Somando-se os dois fatores, temos justificativas suficientes para a preocupação excessiva que a câmara demonstrou com a proibição do uso das redes: elas afetavam um dos principais alimentos da vila de Alagoas do Sul 65. Sucedem-se, ainda, vários acórdãos firmados nas vereações entre 1741 a 1760 em quase todos os anos. Nenhum efetivou com sucesso a extinção das redes de arrasto, pois algum tempo depois seguia-se outro atentando para a continuidade de seu uso. Em uma vereação de 1743, na presença do Ouvidor José Gregório Ribeiro, diante do fato das redes de arrasto não quererem deixar de pescar sem embargo das penas que se lhes impõe66 chegou-se a cogitar a possibilidade de permitir o uso delas mediante um pagamento de foro anual à câmara por parte de seus proprietários! Com a aprovação da nobreza e povo concordou-se lançar uma notificação aos pescadores que as possuíssem para que: (...)não pesquem mais do dia da notificação por diante, sem primeiro virem tirar licença, a qual se lhe não negará[...]com condição que pagarão primeiro, que se lhes dê licença seis mil réis para a despesa da câmara tanto os que as tem agora, como os que a tiverem daqui por diante(...) 67

E teriam oito dias para requerer a licença, concedida mediante o pagamento de seis mil réis. E caso continuassem a pescar sem esta licença, pagariam este valor de multa e ainda enfrentariam trinta dias de cadeia. Vê-se, nesse caso, uma tentativa desesperada do poder municipal, amparado pela ouvidoria, de conviver com o problema, e tirar proveito dele através da imposição de taxas. No entanto, tal medida não vingou, pois quase dois anos depois outro acórdão reiterava o prejuízo que as redes de arrasto

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AHU, Pernambuco Avulsos, cx. 130, D. 9837.fl.27. Sobre dados que comprovem o crescimento da vila de Alagoas do Sul durante o século XVIII, temos logo em 1732, um parecer do Governador da Capitania afirmando ser esta vila uma das maiores deste distrito. Cf.: AHU, Pernambuco Avulsos, cx. 44, D. 4003, fl.1; Além disso, têm-se poucas séries demográficas disponíveis, uma delas permite constatar que a vila e suas freguesias de Alagoas do Norte e São Miguel possuíam juntas mais de 14.500 habitantes em 1782, Cf: SILVA, Kalina. Nas solidões vastas e assustadoras: A conquista do sertão de Pernambuco pelas vilas açucareiras nos séculos XVII e XVIII. Recife: Cepe, 2010, p. 30. 66 AHU, Pernambuco Avulsos, cx. 130, D. 9837, fl.29 v. 67 Idem, Ibidem, fl. 30. 65

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causavam ao bem comum e à criação do peixe e, com isso, lançava novamente sua proibição68. Já em 1747, não só se proibia a pesca com as redes, mas, também, o levantamento de currais de pesca nos canais. Entendendo-se que esses acórdãos eram firmados segundo uma lógica dialética e não só por acaso e que a cada um deles, cabe a inibição de uma prática já estabelecida, é de se pensar que diante das proibições de pesca com as redes de arrasto os pescadores decidiram optar pela construção de currais nos canais das lagoas, como alternativa viável, em detrimento das redes. Com isso, observa-se que tanto o uso da rede de arrasto quanto do curral de pesca aponta para o interesse dos pescadores em ampliar a quantidade de peixe pescado, já que ambos permitem apanhar mais peixes, com menos trabalho do que se teria ao usar uma tarrafa por exemplo. Com a população em crescimento, a demanda por peixes seria maior na vila de Alagoas do Sul e, em suas freguesias, todavia o atendimento desta demanda acarretaria em prejuízo direto a reprodução dos peixes e, consequentemente, a sua abundância nas lagoas. Quanto a isso, aqueles pescadores que usavam as redes parecem não atentar para o prejuízo que elas causavam e, da mesma forma, parece haver uma falta de diligência da câmara em prender os indivíduos responsáveis pelo seu uso. Seria realmente uma falta de competência do poder local em lidar com a questão ou um consentimento com a prática da pescaria ilegal? A historiografia responde a essa pergunta apontando para a freqüente impunidade dos crimes no império português, o que pode representar um aspecto da possível resposta .69 Outro caminho da resposta pode ser demonstrado na documentação. Isto porque em um acórdão firmado em 1751, o próprio procurador do conselho70 afirmava que diante de não se conseguir restringir o costume da pescaria com as redes de arrasto, e requeria que os procuradores seus sucessores fossem obrigados a denunciarem qualquer pessoa que das ditas redes pescarem perante o juiz ordinário e almotacé

71

. Além disso, se os procuradores não

exercessem sua função e denunciassem os proprietários das redes seriam obrigados a satisfazerem de suas fazendas [...] as ditas condenações que neste conselho tocar dos quebramentos de suas posturas [...] com pena de suspensão de seus ofícios

72

. Se os

acórdãos eram pactos firmados em espaço institucional através do conhecimento da 68

Idem, Ibidem, fl. 30. WEHLING, Arno. O funcionário colonial entre a sociedade e o rei. In. PRIORI, Mary Del. Revisão do paraíso: os brasileiros e o Estado em 500 anos de história. Rio de janeiro: campus, 2000, p.155-156. 70 O qual não se menciona o nome no auto de vereação. 71 AHU, Pernambuco Avulsos, cx. 130, D. 9837., fl.30v. 72 Idem, Ibidem, fl.30v. 69

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experiência e da prática, eram certamente fundados talvez num certo casuísmo. Portanto, é de se esperar que o posicionamento tão ferrenho do procurador estivesse fazendo menção a algum antecessor seu que acobertara o uso das redes de arrasto por parte de algum pescador. Nesse mesmo acórdão de 30 de dezembro de 1751, fica ainda claro o perfil das pessoas que usavam as redes de arrasto. Ao consentirem os oficiais em impor penas aos transgressores, decretam que os: Donos das redes, pagarão seis mil réis de condenação para as despesas deste senado, e perderão as ditas redes as quais se lhe queimarão, e terão trinta dias de cadeia; e às pessoas que de fora forem pescar nelas [e] saírem compreendidas, sendo forros pagarão dez tostões [...] e trinta dias de cadeia; e os cativos que saírem compreendidos seus senhores pagarão cinco tostões de condenação e [...] levarão cinqüenta açoites no pelourinho.73

Desemaranhando-se essas informações, observa-se um pouco do perfil daqueles que pescavam com as redes. Havia homens que eram realmente donos das redes e as lançavam com as próprias mãos, enquanto outros empregavam homens livres, ou alforriados, e escravos para a atividade. Com isso, pode-se deduzir que esses não eram pescadores tão pobres assim, mas homens com alguma sorte de propriedade. Partindo da mesma lógica dialética da formulação dos acórdãos, parecem emergir os subterfúgios usados para burlá-los. Ao estabelecer penas não só para os donos das redes de arrasto, mas também para aqueles que pescavam com elas, certamente os oficiais da câmara estavam tentando cercear possíveis argumentos usados pelos pescadores para não se enquadrarem nas leis. Isto é, os pescadores poderiam fugir das penas alegando não serem os proprietários das redes proibidas, e da mesma forma, poderiam pagar a outras pessoas para que pescassem para si, ou ainda usar pessoas escravizadas para esse tipo de serviço, e, consequentemente, não só os proprietários seriam punidos, mas todos aqueles que pescassem para eles. Não obstante as proibições, nos anos seguintes continuaram sendo firmados os acórdãos de vereações, o que indica uma intensa continuidade da pesca com redes de arrasto. Em 1756, é apresentada uma queixa para que se notificassem os pescadores [...]para não mais pescarem com elas, que publicamente o estavam fazendo de próximo com o prejuízo notável deste povo que universalmente estão se queixando. E nesse ínterim foram denunciados dois nomes: o de Custódio de Oliveira e Domingos da Silva,

73

Idem, Ibidem, fl.30v

63

que sofreram as penas já estabelecidas de seis mil réis, prisão de 30 dias e queima das redes. A situação chegou a um ponto tão crítico que, em 1766, a nobreza e o povo74 requereram ao Ouvidor Geral Francisco Manuel da Costa que era muito conveniente que se extinguissem as ditas redes que tendo sido proibidas, repetidas vezes, assinando termo os donos delas para seu consumo sendo este findo, e muito mais não tinham sido bastantes todas as providências que se tinham dado para o referido efeito, pelo que se devia dar uma que de todo acabasse com o uso das ditas redes

Decidiu o oficial régio que os pescadores que possuíssem as redes de arrasto deveriam ser notificados em três dias a contar dali, entregando-as ao procurador para que fossem queimadas, tirando-lhes, somente, algumas partes valiosas (como os chumbos). E todo aquele que transgredisse o provimento deveria ser preso e degredado para Angola por quatro anos, pagando uma multa de cinqüenta mil réis e, em caso de reincidência, seria degredado para sempre75. Sem dúvida, a solução do degredo, além de contribuir para amenizar o problema do povoamento de Angola, aparecia como uma solução definitiva para o mal que representavam os pescadores de redes de arrasto para a elite de Alagoas do Sul. Além disso, a pena representava uma alternativa viável ao tratamento dos presos, já que a cadeia de Alagoas do Sul precisava constantemente de reparos, e carecia de vigilância constante.76 Manter os delinqüentes do outro lado do Atlântico parecia mais viável do que mantê-los dentro da vila. No entanto, seu sucessor, o bacharel Diogo Soares Tangil resolveu voltar atrás e revogar os acórdãos firmados pela câmara que proibiam a pesca com as redes de arrasto na Lagoa Manguaba. Registrou-se no auto de correição de 1773 que alguns pescadores requereram que os acórdãos fossem revogados e que se lhe devia facultar toda a liberdade na forma da lei do reino77 à pesca. Certamente referiam-se ao título 88 do livro quinto das ordenações filipinas (artigo Das caças e pescarias) que proíbe que 74

Idem, Ibidem, fl.27 v. Idem, Ibidem, fl.27 v. e AHU, Alagoas Avulsos, cx. 3 Documento. 208, .fl.3 v. 76 A título de exemplo, esse estado deplorável das cadeias municipais foi brevemente estudado por ROLIM, Alex; CURVELO, Arthur Almeida Santos de Carvalho; MARQUES, Dimas Bezerra e PEDROSA, Lanuza Maria Carnaúba. Crime e justiça no “domicílio ordinário dos delinqüentes”: Comarca das Alagoas (Século XVIII). In: Revista Crítica Histórica, Ano II, Nº3, Julho/2011 ISSN 20177-9961. Para mais detalhes, conferir ainda o caso de Bento da Rocha Maurício Wandelei, que aponta para a escassez de homens que quisessem servir de carcereiros AHU, Alagoas Avulsos, cx.1 documento 063; e os processos movidos pela câmara de Alagoas do Sul para angariar fundos para a construção de sua cadeia: AHU, Alagoas Avulsos, Cx. 1, Documento 70 e 137. 77 Idem, Ibidem, fl.27 v. 75

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pessoa alguma não pesque em rios nem em lagoas de água doce com rede, cóvãos [cordas], nossas78, tessões79 nem por outro algum modo, nos meses de março, abril e mai.80. E nas próprias ordenações, as Lagoas de água doce eram entendidas como aqueles em que não entrasse a maré. Baseados nesse trecho argumentavam os pescadores e um advogado chamado Mathias Afonso que nas ditas Alagoas e no espaço de todas elas haviam marés vivas conhecidamente81, álibi este que garantiria a pescaria livre aos habitantes, sem distinção alguma e, ao mesmo tempo, inibiria a ação da câmara de regular a pesca neste espaço. É interessante notar que o fato de os pescadores terem ao seu lado um advogado, pode ser um indicativo de sua posição econômica abastada, ou ao menos importante naquela sociedade. A “maré viva” é um ciclo natural causado pela influência da gravidade da lua sobre a terra, quando em sua fase cheia e nova faz com que o nível das águas salgadas nestas lagoas cresça. No entanto, nas “marés mortas”, na fase crescente e minguante, o nível da água fica baixo e não entra tanto peixe pelos canais que ligavam estreitamente as lagoas ao mar. Vê-se com isso, que o grupo dos pescadores que usavam redes de arrasto, juntamente com Mathias Afonso, encontrou no conhecimento da hidrografia local uma brecha e tanto nas ordenações para permitirem o uso das redes de arrasto e burlarem os acórdãos firmados pela câmara e os provimentos dos ouvidores antecessores de Diogo Soares Tangil. No entanto, deve-se atentar para o fato de que a água da lagoa ser salgada ou doce, não importava tanto quanto a estreiteza dos canais de água pelos quais passavam os peixes, como o fluxo destes na subida do mar para as lagoas

“É a “Nossa” um instrumento de pesca feito de vimes, o peixe entra-lhe pela boca que está coroada de ponteiros com as pontas para dentro como funil, o qual no Brasil chamam sango”, de acordo com a nota explicativa das ordenações. Citar.p. 1237. 79 Rede de pescar. 80 Ordenações Filipinas, Livro 5º Título 88. Citar p.1237 e 1238 81 Idem, Ibidem, fl.27 v. 78

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Litoral das Lagoas Mundaú (do norte) e Manguaba (do Sul). 82

Todavia, Tangil aceitou os argumentos dos pescadores e do licenciado, e ainda, influenciado pela experiência de uma grande falta de peixe (que deve ter pesado na hora da decisão) deu seu aval, derrogando os provimentos de seus antecessores e os acórdãos firmados pela câmara, e garantindo a todos os moradores o direito de pescar nas lagoas. Estabeleceu apenas a condição de se trazer todo o peixe para Alagoas do Sul para ser visto pelo Almotacé, e repartido antes de ser mandado para outras localidades, sob pena de seis mil réis de condenação se não o fizessem. O provimento desse ouvidor mostra o quanto as câmaras municipais da comarca das Alagoas tiveram seu poder freqüentemente cerceado pelas autoridades régias. Em um único dia, Tangil anulou mais de cem anos de acórdãos firmados e ajustados pela câmara, bem como, o provimento de seu antecessor, Francisco Manuel da Costa. O que demonstra mais uma face do direito colonial: a justaposição de alçadas e de leis, que segundo António Manuel Hespanha, fazia com que muitas vezes entrassem em contradições umas com as outras83. Além disso, vê-se uma indistinção entre os perfis de Diogo Soares Tangil e o de Francisco Manuel de Souza Costa. Este último demonstrara claramente a preferência 82

COSTA, João Craveiro. História das Alagoas. [s.l.] SERGASA: 1983, p. 20. HESPANHA, Antônio Manuel. “A constituição do Império português: revisão de alguns enviesamentos correntes” In: FRAGOSO, João; GOUVÊA, Maria de Fátima & BICALHO, Maria Fernanda B. O antigo regime nos trópicos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003, p.172. 83

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pelas normas do direito comum, jurisdicionado pela câmara municipal, fundamentado pela experiência e pelo contato dos portugueses com o espaço colonial, atitude que aponta para a flexibilidade estabelecida entre as duas alçadas de justiça (régia e concedida). Essa flexibilidade pode ser entendida também como um mecanismo de estabelecimento de pactos, que conseguiu manter unidos os súditos e a justiça real em torno de interesses comuns por longos anos. De forma prática, esta parece ser a atitude que mais se enquadra nas condições de adaptabilidade do direito ao espaço colonial luso-americano, adequando assim, formas de negociação entre os agentes da coroa e outros súditos. Por outro lado, o perfil de Tangil, indica uma inclinação mais inflexível, fiel ao direito expresso nas ordenações e, claramente, influenciado pela situação que se apresentara naquela correição de 1773. Isto é, se o posicionamento de Francisco Manuel de Souza Costa frente à questão levara em conta mais de cem anos de experiência das autoridades e pescadores locais, o de Soares Tangil, foi formulado pelo argumento de um advogado, feito durante uma única sessão. As motivações para tal atitude podem ser destacadas como duas: ou o ouvidor em seu posicionamento estava seguindo rigorosamente às ordenações, ou poderia estar decidindo em favor de um grupo que somente usara as ordenações como respaldo legal para o atendimento de seus objetivos particulares e, nesse caso, estaria motivado por possíveis pactos firmados com esse grupo. Todavia, apesar da documentação não nos permitir distinguir entre uma motivação e outra, poderíamos certamente pensar na complementaridade das duas. Essa comparação ilustra claramente as faces do direito colonial: seguir a legislação régia à risca sem levar em conta as próprias dimensões geográficas da conquista luso-americana acarretava visível prejuízo aos habitantes e ao próprio estabelecimento dos interesses da coroa em administrar a justiça e o bem comum. Ora, se a câmara firmou mais de vinte acórdãos voltados à proibição das redes de arrasto é certamente pelo dano que elas causavam de forma concreta à população E por outro lado, a persistência das proibições por mais de cem anos, levam-nos somente a confirmar que poderia haver dois grupos de indivíduos envolvidos direta ou indiretamente com a pesca, representantes de interesses diferentes: uns a favor do uso das redes de arrasto e outro contrário. Nesse sentido, a atividade pesqueira, de acordo com as técnicas e implementos com que era feita, constituía-se em espaço de interesses e de desdobramentos das relações de poder.

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Não é à toa que as consequências que os provimentos de Diogo Soares Tangil acarretaram na residência de seu sucessor foram drásticas. Pela primeira vez em cem anos, encontra-se registrado em 1776, no Conselho Ultramarino um requerimento de pescadores locais suplicando a proibição definitiva da pesca com redes de arrasto em Alagoas do Sul. Representados na figura de Manoel Leandro – de quem não se encontraram mais registros – os pescadores não acharam outra solução para a proibição senão recorrer ao referencial máximo de graça, justiça e legitimidade no império colonial português: a Coroa84. Além disso, a única solução para derrogar o provimento desse oficial, estava em recorrer aos tribunais de instância superior, nesse caso, o Conselho Ultramarino, ou o Tribunal da Relação da Bahia. Argumentava então Manuel Leandro e outros moradores que: Pela parte do nascente é cercada a mesma vila com uma grande lagoa, que tem quatro léguas de extensão e esta por ser abundante de peixe é que sustenta aos suplicantes e mais povos circunvizinhos, e desde a criação daquela vila sempre foi uso e costume pescar-se o peixe com redes miúdas e de fundo e outras [...] invenções que apanham o peixe maior e deixam o menor para se ir criando, que assim redunda em utilidade pública, e nunca na dita lagoa se pescou em redes de arrasto, ao qual levam tudo quanto apanham, que por isso a câmara respectiva desde a ereção da referida vila sempre proibiu por continuados acórdãos o abuso de tais redes de arrasto, pelo grande prejuízo que causam ao bem comum, e somente permitiu o uso das redes miúdas85.

A citação, apesar de longa, demonstra uma articulação de argumentos entre os pescadores e a própria câmara. Primeiro pelo fato do peixe “sustentar os povos circunvizinhos”, atende ao bem comum, componente usado freqüentemente no discurso das câmaras, e que legitima sua atuação perante a sociedade e o próprio rei. Em seguida, a experiência da pesca os leva a mostrar como as redes de arrasto prejudicam a pesca (apanhando os filhotes de peixe e não permitindo sua reprodução) algo que já constava nos acórdãos firmados desde o século XVII. E da mesma forma, o uso das redes levam ao prejuízo do bem comum. Diante disso, pode-se crer que, na verdade, essa petição tenha sido endereçada em nome de Manuel Leandro, mas seja da própria vereança da terra, utilizando-se da experiência e do nome de um pescador para conseguir fazer valer seus argumentos. 84

Requerimento dos pescadores Manuel Leandro e outros, moradores da vila de Alagoas, ao rei Dom José, a pedirem ordem para se observarem os acórdãos feitos pela câmara confirmados pelo ex-ouvidor geral bacharel Francisco Manuel de Souza Costa relativos à conservação do antigo costume das redes miúdas e exclusão das redes de arrasto nas lagoas da referida vila. AHU, Alagoas Avulsos, cx. 3 documento 208. 85 AHU, Alagoas Avulsos, cx. 3 documento 208, fl.1.

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Em seguida, acusa o Ouvidor Diogo Soares Tangil de ter derrogado os acórdãos da câmara e provimentos de Souza Costa, permitindo o abuso das tais redes de arrasto sem fazer caso algum nem atender ao costume antiqüíssimo em contrário e de notável prejuízo que da sua inobservância redunda aos povos respectivos86. Criticavam, portanto a aplicação inflexível do direito demonstrada por Tangil, e consideravam frívolo o fundamento87 de seu provimento, refutando também através de sua experiência pessoal que “somente nas luas”

é que se percebe alguma poça de água salobra, e no mais tempo não consta nela maré como é publico[...]não tem lugar a lei em que se funda o dito ministro para dar semelhante provimento o que só se pode praticar nas outras lagoas vizinhas a barra, mas não na lagoa da vila e seu ingresso que dista algumas três léguas ou mais88

É interessante observar também que se encontram justamente na barra, os pescadores acusados no acórdão de 1748 de virem até a câmara em busca de licença para pescar com redes de arrasto, a qual se lhes negou. Ou seja, as especificidades de cada lagoa, uma eminentemente doce e as outras salgadas, em algumas épocas, levam à incapacidade da câmara de criar acórdãos que abrangessem o atendimento aos pescadores em locais diferentes. Os que pescam na barra consideravam o uso das redes adequado, os que pescam na Lagoa Manguaba, por outro lado, consideravam-no inegavelmente danoso ao bem comum. Tal especificidade é mais uma das causas prováveis que acarretaram o prolongamento da prática da pesca com redes de arrasto. A própria parte mais “urbanizada” da vila no século XVIII encontrava-se na Lagoa Manguaba, ou seja, os habitantes desta e, certamente, a nobreza sentiam mais os danos das redes do que aqueles que viviam próximos às barras que por apanharem o peixe nas entradas dos canais, não tinham de esperar ele subir para as lagoas. Mas voltando ao requerimento, continuavam afirmando os suplicantes que estavam padecendo gravíssimo dano com as redes de arrasto, que se constam doze nos canais que comunicam a dita lagoa daquela Villa89. Em 1742 havia notícia de quatro redes pescando nos canais, ou seja, num período de quatorze anos, a quantidade no mínimo triplicou90. O que ilustra o quanto poderia ser rendosa essa pesca, já que se por 86

Idem, Ibidem, fl.1 Idem, Ibidem, fl.1 88 Idem, Ibidem, fl.1 – 1v. 89 Idem, Ibidem, fl.1 –1v. 90 AHU, Pernambuco Avulsos, cx. 130, Documento 9837, fl.27v. 87

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um lado poderia aumentar a quantidade de peixe pescado, bem como a praticidade de fazê-lo, por outro causava neles grande mortandade. E continuavam os pescadores alertando as conseqüências do uso dessas redes alertando, ainda, em 1776, uma grande falta de peixe por que as tais redes tem levado não só o grande senão tão bem o pequeno que podia crescer e multiplicar para nunca faltar91. Suplicavam ao monarca como pai e senhor para que suspendesse os provimentos de Soares Tangil e, deste modo, para sempre ficarem destruídas semelhantes redes danosas malignas e prejudiciais ao bem do povo [...] in perpetuum, e que [...] sejam consumidas a fogo por aquele mesmo senado92. Esse pedido de queimar as redes em público pode ser analisado aqui separadamente. Não se tratava somente de destruir o danoso material, mas também estabelecer uma cerimônia política, um ato que demonstrasse à população reunida no pelourinho o poder da câmara e da elite que ocupava os ofícios dela. Esse pedido aparece inúmeras vezes nos acórdãos firmados. Representa, portanto, um elemento comum na cultura política do antigo regime: a aniquilação como forma de mostrar o exemplo intencionando disciplinar o povo a não cometer crimes pelo medo93, tivessem sucesso ou não. Fazer arder as redes no pelourinho – bastião municipal da autoridade concedida ao Senado da Câmara pelo rei, símbolo da vila e da civilização – em cerimônia seria para aquela sociedade uma prática política e cultural, demonstrando quem realmente detém o espaço da governança, e conseqüentemente do saber instituído, da própria jurisdição e da verdade. Sobretudo um momento que contaria com a presença da “nobreza e mais povo”, ou seja, onde se demonstraria também a divisão estamental daquela sociedade. Por fim, o Conselho Ultramarino, decidiu acatar a súplica dos moradores e oficiais da câmara, ordenando ao Governador da Capitania de Pernambuco que ouvindo por escrito ao ouvidor da comarca94 concedesse seu parecer. Por intermédio do ouvidor geral, ele ordenou que o juiz ordinário coletasse alguns testemunhos para dar embasamento à sua decisão95.

91

Idem, Ibidem, fl. 1 v. Idem, Ibidem, fl. 1 v. 93 FOUCAULT, Michel. Op. Cit., p. 214. 94 AHU, Pernambuco Avulsos, cx. 130, Documento. 9837, fl.22. 95 AHU, Pernambuco Avulsos, cx. 130, Documento. 9837, fl.24. 92

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Ao todo foram ouvidas em câmara vinte e quatro testemunhas, dentre as quais, dois capitães, três alferes, dois advogados, e todos os outros são descriminados somente como moradores. É unanimidade entre eles que a pesca com redes de arrasto nos canais das lagoas são prejudiciais, entretanto, pode ser identificada uma divergência de opiniões acerca dos meses em que elas poderiam ser usadas ou não. Quinze testemunhas – entre elas os letrados, os capitães e um alferes – defendiam, fielmente, a extinção das redes de arrasto, pois eram usadas nos canais que ligam a lagoa ao mar e, principalmente, pelo abuso da malha tão miúda, que até o cisco dos canais arrasta para a terra, tirando o peixe miúdo, que não serve de proveito ao povo e de grande dano a criação96. Para eles, o problema não estava nas épocas em que eram usadas as redes, mas sim em sua própria existência. Um deles, José Francisco de Morais, chega a afirmar serem muito prejudiciais ao bem do povo, e tem ele visto o peixe nesta Alagoa, e seus canais abunda com fartura quando as redes de arrasto não pescam 97. Ao contrário destes, sete homens não se opunham ao uso das redes de arrasto e eram a favor de que só as proibissem nas épocas de reprodução dos peixes em julho, agosto e setembro. É interessante observar que destes, somente Francisco Gomes declarou usar redes de arrasto, todos os outros somente concordam com o uso. Segundo a nota do escrivão no final do auto, somente essas pessoas apareceram para depor. E é bem provável nesse sentido, que os outros que usavam as redes preferissem se escusar de comparecer à audiência. Portanto, desse auto de testemunhas, vê-se claramente que se delineiam dois grupos com interesses diferentes acerca da pesca. E, além disso, destacam-se pessoas ligadas à milícia e à própria produção açucareira opinando sobre a matéria, como por exemplo, os dois capitães, Manoel Veloso e Carlos José Lins de Paiva, e o Alferes José Joaquim que são a favor da proibição definitiva das redes de arrasto. Enquanto que o Alferes Francisco de Brito e Cosme Pereira Barroso, senhor de engenho e Alferes, eram a favor da proibição das redes nos meses de procriação dos peixes. Dessa informação, observa-se que a opinião de pessoas pertencentes às elites se fazia crucial para elaboração do discurso para a proibição das redes. E mais, demonstra que não havia só pescadores interessados na matéria da proibição, mas poderosos locais.

96 97

AHU, Pernambuco Avulsos, cx. 130, D. 9837.fl.34. AHU, Pernambuco Avulsos, cx. 130, D. 9837.fl.34. v.

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Após receber toda a vasta documentação recolhida pela câmara e junto ao ouvidor geral das Alagoas98, o Governador da Capitania de Pernambuco, José César de Meneses, deu seu parecer positivo à matéria. Afirmando ele que por se mostrarem sólidos os fundamentos, por onde o dito Ouvidor julga seria útil proibir por uma vez as redes de arrastar[...] sou do mesmo parecer.99. Avaliando toda a resolução do caso, podem ser extraídas algumas observações acerca das relações de poder operadas entre a comarca das Alagoas, Lisboa e a Capitania de Pernambuco. Em primeiro lugar, deve-se entender que a câmara de Alagoas do Sul institucionalizou relações de poder em âmbito local durante mais de cem anos, com vistas a estabelecer pactos entre interesses distintos dos agentes sociais e, nesse caso, entende-se a função dos acórdãos. Em segundo, as relações estabelecidas entre a câmara e o ouvidor geral apontam, num primeiro momento, para uma relação harmoniosa, onde os provimentos destes oficiais sobre a proibição das redes são requisitados pela câmara como forma reforçar o seu poder. Por outro lado, também apontam para relações conflituosas, em que essas autoridades, como Soares Tangil, revogam pelos mesmos provimentos as ações políticas da câmara, que por sua vez uniuse aos pescadores para lançar queixas contra este oficial régio. Entretanto, o trâmite da súplica de Manoel Leandro e dos moradores conduz a pensar no caráter da administração colonial. Ora, todo o processo surgiu de queixas contra autoridades régias atuando em âmbito local – a vila de Alagoas do Sul – e, dessa forma, foi enviado à Lisboa para que o Conselho Ultramarino deferisse acerca da situação. Mais uma vez, as ações da câmara necessitaram do parecer de uma alçada superior de justiça para ter legitimidade. E por sua vez, os conselheiros ultramarinos fizeram voltar a questão para a capitania de Pernambuco quando ordenaram que o Governador desse seu parecer sobre a situação. Este só o fez após ter remetido toda a querela para seu local de origem: a vila de Alagoas do Sul, sendo influenciado na decisão da matéria pela opinião do ouvidor geral e dos oficiais da câmara. Nesse

sentido,

podemos

simplificar

um

percurso

de

tramitação,

e

consequentemente, de algumas relações de poder que buscavam legitimar de forma prática as ações da câmara. O documento assinado pelos moradores e por Manuel 98

O escrivão da câmara de Alagoas do Sul, Lourenço Martins da Costa, recebeu ordens do ouvidor geral da comarca, Francisco Nunes da Costa, para copiar todos os acórdãos firmados pela câmara em relação a proibição das redes, bem como os provimentos dos ouvidores antecessores dele, e anexá-los à documentação enviada ao governador da capitania. Com esta documentação anexa, que abrange mais de cem anos, pôde-se encontrar respaldo documental suficiente para escrever esse artigo. 99 AHU, Pernambuco Avulsos, cx. 130, D. 9837, fl. 22.

72

Leandro saiu de Alagoas do Sul foi direto para Lisboa, de lá saiu para o Recife e do Recife voltou para Alagoas do Sul, e de lá de volta ao Recife, e em seguida a Lisboa onde foi arquivado o parecer. Isso ilustra por um lado, a lentidão da administração do império português, dificultada pela distância e pelos acidentes geográficos entre os centros de poder, por outro demonstra como a matéria se resolveu pela ação do poder local. Ora, a única decisão tomada pelo Conselho Ultramarino foi a de remeter o fim de toda a querela ao parecer do Governador de Pernambuco. Este, por sua vez, para poder decidir sobre a questão, recorreu aos poderes locais, nomeadamente a câmara e o ouvidor da comarca. Trocando em miúdos, isso ilustra como o desdobramento prático das relações de poder tendia a se regionalizar no império português. A câmara, juntamente com os ouvidores, buscou, por mais de cem anos, criar legislações – os acórdãos – voltadas à proibição do uso das redes de arrasto. Quando Soares Tangil decidiu acabar com todo esse esforço, a instituição recorreu ao tribunal de maior instância do império, o Conselho Ultramarino, e com isso, fizeram toda a questão voltar para Alagoas do Sul e ser resolvida através da experiência, do direito comum, fundada nos testemunhos dos pescadores coletados pelo juiz ordinário. No fundo, a aplicabilidade do capítulo da ordenação, que permitia o uso das redes de arrasto nas lagoas de água salgada, foi descartada diante do conhecimento da “hidrografia” das lagoas. Isso mostra como o direito letrado muitas vezes era forçado a ceder perante o direito comum, fundado na experiência 100. As relações entre pesca e poder em Alagoas do Sul demonstram os rumos que as relações entre os órgãos administrativos, dentro e fora da comarca, poderiam tomar. Ao firmarem negociações, a câmara e a ouvidoria reforçavam, mutuamente, suas jurisdições, fazendo com que as relações interpessoais entre os agentes sociais ganhassem corpo institucional e caráter político. Por outro lado, quando entravam em atritos, e com isso recorriam a instâncias superiores de justiça, acabavam por criar certos vínculos – ou diálogos – políticos, com a Coroa portuguesa e com o Governador de Pernambuco. De uma maneira ou de outra, parece ser evidente o caráter desses órgãos enquanto instituições reguladoras de pactos, e articuladoras da política colonial portuguesa.

100

Cf.: HESPANHA, 2009. Op. Cit. 43-44.

73

A Câmara e os Currais de Pesca em Porto Calvo

Lançar-se-á um foco especial nessa função reguladora dos pactos nas vilas coloniais, utilizando-se do exemplo da câmara de Porto Calvo. Sem dúvida escrever sobre essa câmara, especialmente no século XVIII, é uma tarefa um pouco mais difícil para o historiador. Isso porque, os arquivos públicos desse município não guardam documentação alguma daquele século. Olympio Arroxelas Galvão destaca, já em 1877, que o seu outrora rico archivo talvez o mais importante da Província [de Alagoas] não existe senão de recente data, além de um ou outro livro do princípio deste século [XIX]. Ele ainda atribuiu sua destruição às devastações da cabanada.101 Ora, se tal precariedade já era reconhecida nos finais do século XIX, que se dirá da preservação desse material no século XXI? Mesmo as fontes alternativas, que já servem de embasamento para trabalhos recentes sobre as câmaras municipais da Comarca das Alagoas102, como as do Arquivo Histórico Ultramarino103, são parcas para um estudo mais detalhado sobre Porto Calvo. Seus oficiais enviaram diretamente três representações conhecidas ao Conselho Ultramarino e outras poucas certidões104. Por outro lado, no catálogo de Documentos Avulsos da Capitania de Pernambuco é possível encontrar outros documentos produzidos pela câmara, ou pareceres do governador acerca destes requerimentos105.

101

GALVÃO, Olympio E. A. Ligeira Noticia Sobre a Vila e Comarca de Porto Calvo Atualmente. In: Revista do Instituto Archeologico e Geografico Alagoano. Vol: I, Nº X, 1877, p. 287. (as intervenções em colchetes são minhas). 102 Cf.: CURVELO, Arthur Almeida S de C. Os conselhos da comarca: constituição e especificidades administrativas das câmaras municipais da comarca das Alagoas (século XVIII).In: CAETANO, Antônio Filipe Pereira.(org). Alagoas e o império colonial português. Maceió: CEPAL, 2010.; e ______“Conflitos na Comarca: dois conflitos por jurisdição em Alagoas Colonial” (1711-1758) In: CAETANO, Antonio Filipe P. (org.) Conflitos, revoltas e insurreições na América Portuguesa. Maceió: EDUFAL, 2011. 103 Isto é, os documentos digitalizados pelo Projeto Resgate referentes à “Capitania de Alagoas”, e que até a data limite de 1800 foram todos transcritos entre 2009 e 2011 pelo projeto Administração Poder e Documentação em Alagoas Colonial: séculos XVII e XVIII, empreendido pelo Professor Antonio Filipe Pereira Caetano e seus colaboradores e bolsistas financiados pelo CNPQ e FAPEAL através do Projeto PIBIC. Essa documentação pode ser toda consultada em seu formato original, transcrito e adaptado no website http://ufal-geac.com.br/?page_id=127 . No entanto esses documentos não esgotam a disponibilidade de fontes para a construção de uma história colonial para Alagoas mas pelo contrário, as informações neles contidas criam a demanda por novas fontes. 104 AHU, Alagoas Avulsos, cx. 1, documento 3, 12 e 21 cx. 2 documento 143. 105 Contudo, ainda não se possui o embasamento documental necessário à disponibilidade dos pesquisadores para a construção de uma história da câmara de Porto Calvo. O recurso aos documentos do Catálogo de Pernambuco mostra-se como a primeira alternativa viável. No entanto, se reconhece a necessidade de buscar novas fontes para sua história no século XVIII em outros arquivos, especialmente os pernambucanos.

74

A proximidade maior de Porto Calvo com a jurisdição emanada de Recife abre a possibilidade de ser identificada uma conexão mais intensa de sua câmara com o Governo de Pernambuco, já que seus oficiais enviaram mais cartas com súplicas ao Conselho Ultramarino, por meio dos Governadores106. Entretanto, olhando mais de perto para a documentação pode-se observar que as relações de poder que são tecidas em torno da instituição perpassam por algumas alçadas de jurisdição, ora ligadas ao governo de Pernambuco, ora às correições feitas anualmente pelos ouvidores-gerais da Comarca de Alagoas107. Tentar-se-á dar corpo a essas relações através de um caso envolvendo um capitão de ordenança, a câmara e um ouvidor. Por volta do ano de 1768, o capitão José Antônio da Mota requeria ao Conselho Ultramarino a autorização para levantar currais de pesca em sua propriedade, que ficava entre os rios Persinunga e o dos Paus. O Conselho enviou ordens ao então ouvidorgeral, bacharel Francisco Manuel de Sousa Costa, para informar com o seu parecer, ouvindo por escrito os oficiais da câmara [de Porto Calvo] sobre o requerimento108. No entanto, este aparentemente não deu prosseguimento ao caso, já que a tarefa de averiguar a situação ficou a cargo de seu sucessor, o bacharel Diogo Soares Tangil, que recebia as ordens, em 1771, para que ouvisse as partes interessadas e declarasse se para o futuro, se poderá seguir algum detrimento, até ao público de ficarem, pelo oferecido foro, pertencendo só ao suplicante, as pesqueiras e os currais, do referido sitio.109O capitão José Antônio afirmava: [...]que é uso antiqüíssimo terem os moradores do dito termo, e dita vila, pesqueiras que chamam currais; por que as fazem com varas nas praias, que as mares inundam, com que sucede ficar algum peixe, que faz seu, o dono do curral, e por se lhe conceder levantar o mesmo curral se costuma pagar uma módica pensão ao Senado da Câmara da dita vila[...]110

Vê-se com isso, que a pesca em “currais” já não era prática nova em Porto Calvo e que a câmara, dentre suas atribuições, contava com o poder de conceder forais de levantamento de currais de pesca. Charles Boxer afirma que dentre os poderes das câmaras está o de conceder licenças para construção, além de administrar a distribuição

106

CURVELO, Arthur. Os Conselhos da Comarca...Op. Cit. 72. PEDROSA, Lanuza Maria Carnaúba. Entre prestígios e conflitos: formação e estrutura da ouvidoria alagoana por intermédio de seus ouvidores-gerais (séculos XVII e XVIII).In: CAETANO, Antônio Filipe Pereira.(org). Alagoas e o império colonial português. Maceió: CEPAL, 2010, p. 104. 108 AHU, Alagoas Avulsos, cx. 3, documento 202.fl.3. Peço a licença do leitor para adaptar alguns elementos da linguagem do século XVIII à nossa própria, sem com isso alterar o conteúdo do texto. 109 Idem, Ibidem, fl.3. 110 Idem, Ibidem, fl. 4. 107

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e o arrendamento de terras comunais111. Ora, os currais não eram fixados em terras comunais, mas sim em espaço comunal: o mar112. Tampouco, um curral de pesca pode ser considerado uma “construção” urbana, mas sim, uma armação para apanhar o peixe. Logo, percebe-se que a câmara em sua tradição, estabeleceu a prática de tributar essa atividade à qual se pagava uma módica pensão. Não é à toa que Arroxelas Galvão afirma que o litoral era a melhor fonte de sua riqueza na câmara, afora as terras de seu patrimônio113. Essa prática sobre a construção de currais de pesca mediante tributação constitui um dos indícios mais interessantes das especificidades das câmaras da comarca de Alagoas, especialmente de Porto Calvo. O capitão era [...] morador em terras suas no sítio da Barra Grande perto da praia do mar, contra dois rios chamados, um dos Paus, e outro Persinunga, que distam entre si perto de duas léguas, por costa.114 Ora, Arroxelas Galvão também afirmou ser a Barra Grande, excelente e talvez o primeiro ancoradouro da província115. O que evidencia a grande importância que tinha esse espaço para a freguesia a qual pertencia: a de São Bento elevada, em 1875, à Município de Maragogi. Servindo de ancoradouro, era também da competência do Capitão vigiar e tomar conta das embarcações e carregações que entram e saem naquele porto, e por alguns encalharem, e com desordem lhes disputam ter curral a comandá-lo116. Ora, sendo a Barra Grande um porto tão movimentado as embarcações provavelmente esbarravam nos currais de pesca, ou de outra forma os danificavam. Nesse sentido, o capitão recorria a Real Piedade de Vossa Majestade para que se digne conceder[lhe][...] tomar de aforamento perpétuo o referido e declarando sitio da praia entre os ditos dois rios para o uso [...] de currais.117. Primeiramente, observase no discurso o elemento essencial da cultura política de Antigo Regime: a súplica. Em seguida, a preocupação do capitão em tomar para si o aforamento perpétuo do espaço em que se colocavam os currais de pesca, preservando sua propriedade, e garantindo pagar as pensões anuais à câmara de Porto Calvo. Alegava também que e não se seguiria

111

BOXER, Charles R. O império marítimo português (1415-1825). São Paulo: Companhia das Letras, 2002.p.289. 112 HESPANHA & SANTOS, 1994 Op. Cit., p. 396. 113 GALVÃO, Olympio E. A. Succinta descripção do município de Porto-Calvo, Op. Cit., p.174. 114 AHU, Alagoas Avulsos, cx. 3, documento 202, fl. 4 115 GALVÃO, Op. Cit., p.174. 116 AHU, Idem, fl. 8. 117 AHU, Idem, ibidem.

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embaraço algum a navegação, nem a outro uso de pescar, nem também prejuízo a dita câmara.118 Se a súplica for examinada mais de perto, ver-se-á que o capitão enxergava a necessidade de legitimar o espaço para si, privando-se de danos que as embarcações causavam a sua propriedade. Percebe-se também, que não era de sua intenção proibir a pesca em sua propriedade. Por outro lado, poderia se pensar que mesmo não querendo proibir que outros pescadores frequentassem o espaço, almejava, ao mesmo tempo, limitar aquele espaço à sua propriedade criando, dessa forma, um mecanismo de poder. Afinal, os pescadores estariam pescando em sua propriedade, e conseqüentemente, dever-lhe-iam favor e respeito para poderem fazê-lo. Seriam, de tal maneira, forçados a estabelecer pactos com ele para poderem usar um espaço da pescaria. Da mesma forma, as embarcações teriam de transitar por esse espaço a ele perpetuamente aforado.119 Evidencia-se nesse aspecto a microespacialização das relações interpessoais numa sociedade estruturada em pactos, legitimadas pela instituição legal do aforamento perpétuo – entendido aqui, talvez, como uma tecnologia de poder local – transplantada das molduras institucionais portuguesas para a América120. Seguindo as instruções do Conselho Ultramarino, o ouvidor geral, Diogo Soares Tangil, seguiu em correição para Porto Calvo a fim de ouvir por escrito as partes interessadas121. E lá chegando, registrou como testemunhas o, então, Juiz Ordinário, Manuel Coelho, o vereador da câmara, José de Souza Reis, e o Juiz de Vintena da freguesia de São Bento, Francisco Dias de Araújo. Os três foram favoráveis à decisão, como se pode observar nos documentos anexos, mesmo que estes estejam corroídos em algumas partes. José de Souza Reis afirmou que nenhum prejuízo ou detrimento se faz[...] ao público[...] mas fica a câmara mais bem aproveitada em ficar cobrando de um só peixeiro e não de muitos por sê-los pequenos e [...] a arrecadação se costuma fazer maior despesa, e principalmente por ser o suplicante abonado como é[...]122

E o mesmo afirmou Francisco Dias de Araújo, que por ser vizinho da dita costa pesqueira[...]conhece que nenhum detrimento se segue ao público mas, pelo contrário, não prejudica a câmara para o futuro, mas antes seu bem, em fazer mais fáceis 118

AHU, Idem, ibidem. Para o entendimento da estrutura pactícia da sociedade de Antigo Regime Cf.: HESPANHA, 2009. Op. Cit.47. 120 FOUCAULT, Michel. Op. Cit, pp.182-183. 121 AHU, Idem, fl. 3 122 AHU, Idem, fls. 6-6 v. 119

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cobranças de um só foreiro, e muito mais sendo abonado como o suplicante que tem muitas fazendas e escravos[...]123 Logo, percebe-se que seria vantajoso tanto para o capitão quanto para a câmara que se garantisse o foral perpétuo, no sentido de que sua abastança de bens seria suficiente para suprir a tributação exigida pela mesma instituição124, o que era, portanto, uma garantia de segurança para ambos. Além de que se poderia pensar também que o aforamento perpétuo seria uma forma de incentivar a vigilância sobre a Barra Grande, onde estaria centrada a atenção daquele militar. Entretanto, observa-se, além disso, que pelos pareceres favoráveis dos oficiais da câmara e do Juiz de Vintena, aparecem possíveis negociações entre ambas as partes, pois dizem passar frequentemente pela Barra Grande. Ora, é de se supor que fossem conhecidos. Além de que, geralmente para as outras vilas da comarca, os capitães de ordenanças, responsáveis pela manutenção da ordem nas freguesias, ocupavam ofícios na câmara municipal (afinal, eram ambos os espaços onde as elites locais poderiam ter acesso à legitimação institucional de seu poder e prestígio frente à coroa e a sociedade). Com isso, é provável também que Antônio José da Mota tivesse prestado algum tipo de serviço junto aos oficiais que lhe serviram de testemunha, estabelecendo vínculos de compadrio com eles.125 Foram ainda consultados outros interessados que, pelo intermédio do escrivão da ouvidoria, concordaram com a petição do mesmo capitão em estabelecer o foral perpétuo. É uma pena que esta parte do documento esteja manchada, encobrindo a maioria dos nomes daqueles que o assinaram, e, principalmente, suas ocupações 126. Entretanto, a câmara por si só não poderia legitimar essa situação, afinal, o trato das finanças municipais se tornou um assunto delicado no século XVIII. O referencial de legitimidade desta prática de conceder a licença de levantar currais de pesca foi concedido com o parecer favorável do Ouvidor Geral e Procurador das Alagoas 127. Que, concordando com os oficiais da câmara, servia, naquela ocasião, como intermediador dos interesses locais e da própria coroa portuguesa, afirmando que lhe parecia naquela concessão: 123

AHU, Idem, fls. 6 v-7. Tal tributação consistia no valor anual de 640 réis. 125 Não se quer de maneira alguma entender esse estabelecimento de pactos enquanto uma forma ilícita de exercer a governança mas, pelo contrário, é dessa forma que era estruturada a sociedade do Antigo Regime, através de relações pactícias.: Cf. HESPANHA, Op. Cit., 47. 126 AHU, Idem, fls. 12-13. 127 A partir do diretório pombalino, foram extintas as provedorias das fazendas das capitanias, e os ouvidores gerais passaram a acumular também a competência de provedores. Cf.: WEHLING, Arno. O funcionário colonial... Op. Cit. 124

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não poderá experimentar em tempo algum detrimento por ficar o mesmo foro com mais facilidade de se cobrar de um só foreiro que pelo seu abono promete mais firme duração na dita pensão, e da mesma sorte parece, que ao publico nunca se seguirá detrimento, ficando os vizinhos com a liberdade de levantar currais, pagando ao pretendente as mesmas pensões, que sempre costumarão, na forma que depõem a 3ª[terça] 128.

Diogo Soares Tangil, não só concorda com os oficiais, no que tange à garantia de uma melhor arrecadação dos rendimentos da câmara, como também aceita o fato da submissão dos vizinhos que quisessem levantar currais na propriedade do capitão, contanto que lhe pagassem a terça (uma espécie de tributo). Com isso, o ouvidor, teve a alçada de legitimar a situação e, somente, informar ao Conselho Ultramarino da audiência feita naquela vila. Entretanto, nesse caso, Tangil serviu de intermediário entre os súditos “porto-calvenses” e a coroa auxiliando no estabelecimento de pactos entre os poderes locais na Comarca e a autoridade régia. Vê-se então uma das formas de atuação do Ouvidor Geral da Comarca, e como ela conseguiu dar espaço ao poder da câmara. Em resumo, o caso demonstra como as relações interpessoais de pactos estão presentes em todo o entrevero. Viu-se que o poder das partes em representação é construído de baixo para cima: o Capitão com seu requerimento visava, além de legitimar sua propriedade, estabelecer mecanismos de poder sobre o uso do espaço “privado”. Ora, os pescadores, antes de irem trabalhar teriam de pedir-lhe licença e, consequentemente, teriam que estabelecer acordos com ele. Os pareceres favoráveis estabelecidos pela câmara ao requerimento do capitão visavam dois processos: manifestar o exercício do poder servindo como referencial de legitimidade e aprimorando os meios de arrecadar os impostos, centrando o foral nas mãos de um só homem, diga-se de passagem, com “qualidades” e abastança de bens – como é apresentado pelo discurso camarista. O ouvidor-geral legitimou todo o processo frente à coroa portuguesa servindo, nesse caso, de intermediário no estabelecimento de pactos tanto a nível local (entre o capitão e a câmara) quanto no nível ultramarino (fazendo com que a justiça exercida na localidade fosse identificada com a vontade do soberano, e enquadrada segundo os modelos jurídicos portugueses). Sem dúvida, este é um caso interessante para que se entenda a operacionalização das relações de poder no espaço governamental da América Portuguesa, especialmente na Comarca das Alagoas.

128

AHU, Idem, fl. 2 v.

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Conclusão: vias para o entendimento do poder local em “Alagoas Colonial”.

Os casos da regulamentação da pesca constituem somente uma temática, dentre tantas outras, que podem demonstrar, no desdobramento prático das relações de poder, a construção de certa autonomia política para a Comarca das Alagoas. É importante considerar, entretanto, que esta autonomia é, em termos políticos, relativa, pois determinadas casos necessitavam de recurso a instâncias superiores de justiça, como o Governo da Capitania e o Conselho Ultramarino, para ganharem estatuto de legitimidade. Por outro lado, não restam dúvidas de que as câmaras municipais eram as instituições responsáveis, na América Portuguesa, desde o século XVI, por acatarem e viabilizarem o sistema de dominação de uma elite colonial e da própria coroa129. Estruturavam a política do espaço ultramarino, utilizando-se do discurso do fazer o “bem comum”, como uma forma de legitimar a governança, o que expressa o caráter de representatividade política da sociedade local institucionalizado através da câmara. Entretanto, o século XVIII, foi o século em que o poder camarista passou a sofrer tentativas de cerceamento e, para isso, teve de se moldar à nova conjuntura política do império, na qual corpos de agentes ultramarinos começaram a transitar com mais frequência pelos espaços coloniais, interligando-os e propagando práticas políticas condizentes com os interesses reinóis. Nesse sentido, este artigo teve a intenção de esboçar, num exemplo, a própria constituição do poder local na comarca das Alagoas nos séculos XVII e XVIII. A pesca esteve ligada às vilas do sul da capitania de Pernambuco desde o início do processo de colonização e, com isso, acompanha sua história até hoje. Como demonstrado, não acompanha somente o cotidiano da localidade, mas também a prática do poder político local. Em torno dela, além de se desenvolverem relações de poder e dominação se projeta, na cultura política, um modo de governar específico das conjunturas sócioespaciais das lagoas. As resistências de alguns pescadores em acatar as decisões expressas nos acórdãos da câmara de Alagoas do Sul, ilustram as relações estabelecidas entre o espaço da governança municipal e o próprio corpo social: uma relação de atrito de forças, de resistência, de ouvir e não cumprir. Mostra, além disso, os limites de atuação das instituições políticas em levar a cabo as proibições, em fazer cumprir-se a lei e a ordem social.

129

Cf.: HESPANHA, Op. Cit., pp. 48-52.

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As câmaras municipais do império português são instituições de representação das elites locais, veiculadoras do processo de colonização em todas as suas dimensões: tanto na contestação, e na execução, da autoridade régia, tanto em sua função reguladora dos pactos nos universos políticos locais. Por meio dela, se articulam os súditos com a Coroa e estabelecem-se os vínculos entre os espaços do império. A câmara de Alagoas do Sul contribuiu para que a vila se fizesse, ao longo do século XVIII, como mais um centro governativo na América Portuguesa. Um dos papéis do ouvidor naquele espaço é o de reduzir as distâncias entre as câmaras, entendidas como instâncias representativas das comunidades políticas locais, os ministros de instância jurídica superior (ouvidores, desembargadores da relação, governadores e vice-reis). Nesse sentido, é provável que os ouvidores tenham também fomentado uma aproximação entre essas comunidades e a cultura jurídica do direito português. É interessante observar que apesar de ser um espaço que garantiu a continuidade das políticas coloniais, é também um espaço em que elas podem ser alteradas conforme as conjunturas e os perfis das autoridades atuantes nele. Se no século XVII, elas eram visitadas esporadicamente pelos ouvidores gerais de Pernambuco130, certamente tendiam a se engendrar políticas de um caráter muito mais localista tendo, por conta disso, certa autonomia frente ao governo de Pernambuco – muito embora estivessem também ligadas a eles em nível jurisdicional, recebendo ordens e afirmando as decisões do governador. Já no século XVIII, com o ouvidor geral nomeado para a comarca e jurisdicionando nesta vila anualmente, elas estiveram mais articuladas com a coroa portuguesa. Ao mesmo tempo, estes oficiais ocupam um espaço deveras importante no cotidiano político local, pois interferem diretamente na governança – como se mostra com as proibições de Soares Tangil – firmando, também, pactos com os grupos locais – como se mostra no caso dos currais de pesca. O recurso da câmara de Alagoas do Sul ao Conselho Ultramarino ilustra um aspecto da “economia política da graça”

131

, na qual, as decisões firmadas em âmbito

local se submetem ao parecer do monarca a fim de ganhar legitimidade. O conselho –

130

Veja-se que entre 1669 e 1688 só se tem conhecimento de três correições desses oficiais sobre a câmara de Alagoas do Sul. Cf.: IHGAL, Op. Cit.docs. 11, 18, 30e e 67. 131 Cf.: HESPANHA, Op. Cit. p.48, 52.

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órgão integrante da Coroa132 – acata suas súplicas, fundadas na experiência da atividade pesqueira e, desta forma, confia no discurso do “bem comum” defendido pela instituição como forma de articular as políticas naquela parte do império. Assim, o poder da câmara constitui in loco a aplicabilidade de políticas imperiais no espaço colonial através da articulação de interesses e de certa negociação entre comunidades políticas reconhecidas, hierarquicamente, como distintas. Reconhece-se que desvendar as redes clientelares, atuantes nas vilas da comarca, é um ponto que foge ao caráter da documentação trabalhada. Entender as redes informais de poder que circundavam a atividade pesqueira é ainda uma tarefa a ser feita, e que necessita de fontes mais raras, como por exemplo, as correspondências enviadas entre os agentes sociais – algo de que não se dispôs na elaboração deste artigo, e que dificilmente serão encontradas em nossos dias. No entanto, buscou-se dar minimamente alguns contornos a essas redes, afinal, é possível detectá-las nos momentos em que os pactos e as relações de poder emergem da informalidade para o espaço institucional. Pensar na construção de uma história do poder local para a comarca das Alagoas perpassa por acatar algumas propostas deste artigo. Primeiro, levar em conta que as relações

políticas

se

estabelecem

ou

se

viabilizam

por

meio

de

pactos

institucionalizados. Segundo, ter em consideração a atuação de diversos agentes ultramarinos neste espaço, especialmente, os ouvidores gerais. Terceiro, buscar o desdobramento prático desse poder no corpo social, valendo-se de estudos de casos – como aqui se fez com a pesca. E por fim, encontrar as especificidades criadas pela própria experiência, isto é, identificar que existem áreas específicas de interesse da política local como, por exemplo, a pesca nos séculos XVII e XVIII ou o Quilombo dos Palmares no último quartel do século XVII. Vasculhar a documentação disponível em busca dessas especificidades ainda é um trabalho longo a ser feito, diante de uma historiografia que acreditava ser a comarca construída só de açúcar e puro patriarcalismo. Há ainda uma infinidade de agentes sociais a serem identificados na história colonial Alagoana, e estes devem buscados, parque se possa pensar sobre ela. Portanto, captar a operacionalidade governativa deste espaço passa antes pela construção de uma história social das elites e principalmente das instituições políticas. Deve-se buscar, nessas últimas, todo tipo de articulação com outros centros de poder do

CARDIM, Pedro. “Administração” e “Governo” uma reflexão sobre o vocabulário do antigo regime. In: FERLINI, Vera Lúcia & BICALHO, Maria Fernanda (orgs.) Modos de Governar. São Paulo: Alameda, 2005, p.53. 132

82

império colonial português, deixando claro que o sul da capitania de Pernambuco não está desconectado das outras partes dele (tendo, no entanto, graus de articulação diferenciados das grandes praças). Tampouco não se pode excluir a localidade da lógica organizacional da sociedade de Antigo Regime, isto é, a concepção coorporativa, a economia política de privilégios e a política do bem comum movimentam alguns dos agentes sociais engajados na governança daquela terra.

83

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