Pesquisa sobre arte contemporânea no Brasil

July 26, 2017 | Autor: Ilana Goldstein | Categoria: Arte Contemporanea, Gestão Cultural, Políticas Culturais
Share Embed


Descrição do Produto

DICIONÁRIO DE

CIÊNCIAS HUMANAS

Direção de JEAN-FRANÇOIS DORTIER

Coordenação da tradução MÁRCIA VALÉRIA MARTINEZ DE AGUIAR

(~ ~ \}~&~ ~ wmfmartinsfontes SÃO PAULO 20 I O

Esta obra foi publicada origi11almcnte em francês com o titulo LE DICTIONNAIRE OES SCIENCES HUMAINES por Editions Sciences Humaines Copyright © Editions Scicnces Humaú1es Copyrigllt © 2010. Editora WMF Marti11s F011les Ltda., Stio Paulo, para a presente edição.

... w••• ,,.

t,..,,.,. r......

~~

R~PUBUQ.UE FRANÇAISE

"CL'f ouwngc. publié rltms /e rndre de I'Atmée de /a France nu Brêsil el du Programme d'Aide à la Publicnlio11 Ou/os Drummond de Andrade, bL;11Jjicie du soutien du Minisfb'e français dcs Affaircs EtraugCres. • Fmw;:a.Br 2009 ,. I'At111&! dL' la Fraucc au Brésil (21 avri/- 15 novembre) !!SI organist'e: En Frarzrr: par /e Commrssarrat génhal Jrr:mçms, /e MinisUrc dcs AJ!nires étrangi:res e/ c11ropéennes, lc MmistCre de la Culturt.' e/ de In Cmnmrmicnt1on et Crllluresfrance. Au Brésil: par /c Com missa ria/ génüa/ brésilicn, /c Mhlisterc de la Cultr.m: tt /e /'.·linistCre des Relations E:r:tirrcures."

EDIÇÃO BRASILEIRA

TRADUÇÃO Aline Saddi Chaves Felipe Cabanas da Silva Ilan Lapyda Leonardo Teixeira da. Rocha Maria Aparecida Cabanas Maria José Perillo Isaac

'"Este livro, p11blicndo 110 ãmbito do Ano da França 110 Brasil e do programa de apoio à pubficaçifo Carlos Drummo11d dt: Andradt•, corri ou com o apoio do Ministério frtmcis das Relações Exteriores. 'Franp:~.Br 2009' Ano do França 110 Brasil (21 de abril a15 de novembroJ éorgani::.ado: No Brasil: pelo Comissariado geral brasileiro, pdo Ministério da Cultura t: pelo Minislüio das Relações Exteriores. Na França: pelo Comissariado geral Jranc~s. pelo Mini!;tério das Relações t:.rleriores e europeias, pt:lo Ministério da Cultura e da Comr.micaçiio e por Culturesjra11ce."' 1~

edição 2010

REVISÃO E COORDENAÇÃO DA TRADUÇÃO Márcia Valéria Martinez de Aguiar

Revisão e coordenação da tradução Márcia Valéria Martinez de Aguiar Acompanhamento editorial l..uciarw Veit Revisões gráficas ~tícia Braun Cláudia Cantarin Edição de arte Adriana Mar/Q Porto Translntti Produção gráfica Geraldo Alvt.'s Paginação Moacir Katsu111i Matsusaki

ADAPTAÇÃO OU REFORMULAÇÃO DE VERBETES

,_..

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação {CIP) (Câmara Brasileira do livro, SP. BrasiU Dicionário de ciências humanas I direção de Jean-François Dortier; revisão e coordenação da tradução Márcia Valéria Martinez de Aguiar. - São Paulo : Editora WMF Martins Fontes, 2010. Título original: Le dictionnaire des sciences humaines. ISBN 978-85-7827-ZJD-4

l. Ciências humanas- Dicionários I. Dortier, Jean-François. 09-10707

CDD-300.3

Índices para catálogo sistemático: 1. Dicionários : Ciências humanas 300.3

Todos os direitos desta edição reservados à Editora WMF Martins Fontes Ltda. Rua Conselheiro Ramalho, 330 01325-000 São Paulo SP Brasil Te/. (11! 3293.8150 Fax (11! 3101.1042 e-mail: info@wmjmartínsfontes.com.br http://www.wmfmartinsfonfes.com.br

Claudia Berliner ("Editar e traduzir Sigmund Freud" e "A organização da psiquiatria") Carmen Lucia Montechi Valladares de Oliveira (''A chegada da psicanálise no Brasil") Christian Strübe (Laço social e Periferia) Daniela da Rocha Paes Peres ("Profissão psicólogo") llana Goldstein\("Profissão: sociólogo", Associações, Lazer, Governança, Racismo e Periferia) Josélia Bastos de Aguiar (Desigualdade) · Julio Sergio Verztman (Fobia social) Pedro Luiz Ribeiro de Santi (Piscoterapias) ACOMPANHAMENTO EDITORIAL Luciana Veit REVISOES GRÁFICAS Letícia Braun Cláudia Cantarim

ARQUÉTIPO

26 Como sociólogo, ele tenta apreender as grandes evoluções das sociedades industriais. Sua análise baseia-se na oposição e na evolução paralela entre os dois modelos de sociedade: capitalista e socialista, o que o le~a a se interrogar sobre as molas propulsoras do crescimento ou sobre os laços entre estruturas econômicas e sistemas políticos. R. Aron contribuiu também para introduzir na França tanto a sociologia alemã (de Max Weber* principalmente) como a de Alexis de Tocqueville* e Vilfredo Pareto*. Raymond Aron foi igualmente especialista em relações internacionais. Analisou particularmente as relações entre Estados na era nuclear. Em 1962, ele publica Paix et Guerre entre les Nations [Paz e guerra entre as nações] (ver quadro). R. Aron foi também um temível polemista, que se opôs com constância ao comunismo e suas ilusões em uma época em que muitos intelectuais engajados (como Jean-Paul Sartre) haviam se filiado ao grupo dos aliados do comunismo. Principais obras de R.Aron • lntroduC1ion à lo philosophie de f'hiswire. 1938 [Introdução à f,. losofia da história J • L'Opium des intellectuels. 1955 [O ópio dos intelectuais. UnB. 1980] • I 8 leçons sur lo société industrielle, 1962 [DezOito lições sobre o sociedade industrial. Martins Fontes. 1981] • Posx et Guerre entre les norsons, 1962 [Paz e guerra entre os noções. lmesp, 2002] • Lo Lutte des classes, I964 [A luta de classesJ • DémocraUe et ratoliwrisme, 1965 [Democracia e totalitarismoJ • Les Etopes de lo pensée socsologsque, 1967 [As etapas do pensamento sociológsco. Martins Fontes, 8~ ed., 2002] • Mémoires: 50 ans de ré~exsons politique. 1983 [Memórias. Nova Fronteira, 1986]

ARQUEOLOGIA-PRÉ-HISTÓRIA Ver disciplinas nas páginas centrais

ARQUÉTIPO Segundo Carl G. Jung*, os arquetipos são símbolos, temas míticos ou figuras invariantes do inconsciente coletivo: o dragão, o paraíso perdido, a lua, o sol, o pai, etc. Eles se manifestam nos sonhos, nas artes e nas crenças religiosas. "O que chamei de 'arquétipo' ou 'imagens primordiais', (... ) designa imagens ou motivos psicológicos definidos. (... ) O arquétipo reside na nossa tendência a representar tais motivos, representação que pode variar consideravel-

mente nos detalhes, sem perder seu esquema fundamental" (Der Mensch und seine Symbole [0 homem e seus símbolos], 1964). Em outras palavras, C. G. Jung distingue os esquemas fundamentais dos arquétipos, que formam seu princípio diretor, e suas formas, que podem variar segundo as culturas. Por exemplo, o tema do dragão é um arquétipo universal, mas ele pode estar presente sob a forma de uma grande serpente (Amazônia), do dragão cuspidor de fogo (mitologia chinesa) ou ainda do perigoso tiranossauro na mitologia pré-histórica ocidental.

ARROW, KENNETH }. (nascido em 1921)

Economista americano, Kenneth J. Arrow obteve o prêmio Nobel de economia em 1972. Sua obra Social Choice and Individual Values (1951) [Escolha social e valores individuais] é um dos pontos de partida da teoria da racional choice* [escolha racional], que terá inúmeros desdobramentos em economia e ciências políticas. K. J. Arrow vai utilizar o paradoxo formulado pelo marquês de Condorcet (1743-1794) a propósito das eleições democráticas (ver quadro no verbete "rational choice") para demonstrar que a eleição não é necessariamente o melhor procedimento para as escolhas coletivas. Ele mostra que não existem soluções verdadeiramente democráticas que permitam chegar à escolha ótima para todos (ou seja, que leve em consideração, da melhor forma, as preferências individuais). A melhor solução não pode ser obtida pela soma das escolhas individuais (é o chamado "teorema da impossibilidade"). Apenas uma solução imposta tomada por um ditador benevolente pode chegar à solução ótima. K. J. Arrow é um dos criadores do "modelo padrão" (também chamado de "modelo ArrowDebreu"), que serve de referência em microeconomia. Esse teórico da microeconomia poderia ser considerado um puro pensador liberal. Na realidade, é também um economista engajado- às vezes um iconoclasta - e adepto de um intervencionismo de tipo keynesiano. Principal obra de K. J.Arrow

• Social Choice ond Individuais Values, 1951 [Escolha social e valores individuais]

ASSOCIAÇÃO

ARTE RUPESTRE (rock art) OU ARTE PARIETAL (cave art) ~

Parietal (arte)

ASCH (efeito) Solomon E. Asch é um psicossociólogo americano. Em 1952, ele realizou uma célebre experiência, que descrevemos a seguir, sobre o efeito de conformismo imposto pelo grupo. Mostram-se duas cartas a um sujeito. Na primeira está traçada uma linha vertical, na outra carta estão traçadas três linhas de comprimentos diferentes. Pede-se então a ele que indique qual dessas três linhas é do mesmo comprimento que a da primeira carta. O exercício é muito fácil, pois as diferenças de comprimento entre as linhas são suficientemente nítidas para que o sujeito não possa se enganar. Mas, em um segundo momento, realiza-se a experiência com um grupo de oito pessoas. As pessoas do grupo, porém, são cúmplices do experimentador e receberam a instrução de dar uma mesma resposta, falsa. Confuso com as respostas (falsas) dos outros membros do grupo, o sujeito isolado tende a mudar sua escolha inicial (contudo correta), conformando-se assim à opinião do grupo. Várias repetições desse tipo de experiência demonstraram que 37% das pessoas assim testadas aderiram várias vezes à opinião majoritária; aproximadamente 75% confundem-se pelo menos uma vez no decorrer de uma série de questões ... ; apenas uma minoria mantém suas posições contrárias ao parecer geral do grupo. ASSOCIAÇÃO Uma associação é um grupo de pessoas reunidas em torno de objetivos e interesses comuns, com personalidade jurídica, formando uma entidade de direito privado sem fins lucrativos. Entre as associações mais frequentes, encontramos as que representam uma categoria profissional; as religiosas; as de benefício mútuo, criadas para favorecer os próprios sócios, que podem ser moradores de um bairro ou pais de alunos de determinada escola; clubes de lazer e esportes, que foram os primeiros a aparecer no século XIX; e, finalmente, as entidades destinadas a causas sociais, culturais e ambientais. No Brasil, associações desse último grupo são caracterizadas pela Lei n~ 9790, de 1999, e

27

pelo Decreto n~3100, do mesmo ano, como "Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público" - Oscips. Elas são autorizadas a receber recursos externos exclusivamente para o cumprimento de seus objetivos. As Oscips fazem parte do chamado "terceiro setor" e tiveram uma verdadeira explosão numérica no Brasil nos últimos anos. Um estudo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em conjunto com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (lpea), mostrou que, entre 1996 e 2002, as associações de defesa do meio ambiente cresceram 309%; as de defesa de direitos sociais, 302%; as organizações atuantes nas áreas de cultura e educação, 115%. Costuma-se confundir associação profissional e sindicato e também associação filantrópica e fundação. Porém, uma associação profissional representa apenas os indivíduos a ela associados, enquanto o sindicato representa a categoria como um todo. As fundações, por sua vez, repousam sobre a doação de um patrimônio existente antes de sua criação, ao contrário das associações, cujo patrimônio é construído por todos os sócios. Uma terceira confusão frequente se dá entre associações e cooperativas, que possuem princípios comuns, como a gestão compartilhada pelos sócios e a adesão liVTe e voluntária. A diferença é que as cooperativas têm a finalidade econômica como um de seus pilares, seja na forma de prestação de serviços ou na de produção de bens a serem vendidos no mercado- o que é proibido às associações. Alguns cientistas políticos (ver Kerstenetzky, "Sobre associativismo, desigualdades e democracia") desconfiam que a multiplicação de associações, ao invés de contribuir para ampliar a participação política dos cidadãos, pode fazer que eles se restrinjam à atuação local, às relações mais próximas ou a uma causa única, perdendo o interesse ou tendo menos tempo para atuar em outras frentes e em questões nacionais. Bibliografia: • IBGE, lpea, Abong e Gife: Fundações Privadas e Associações sem fins luo·ativos no Brasil - 2002. Escudos e Pers· pectivos -Informação Econ6mico. n? 4. Brasllia: Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, IBGE. 2004 • C. L. Kerstenetzky. "Sobre associativismo, desigualdades e democracia". Revisto Brasileiro de Ciências Sociais. vol. 18, n? 53, 2003 • SebraeMG. "Associações" [on-line]. Disponível em: http://www.sebraemg.eom.br/culturadacooperacao/associacoes/02.htm. Acesso em 2 I/02/2009 • P. Singer. Introdução à economia solidário, Fundação Perseu Abramo, 2002

JANE

GOVERNANÇA

253

Chimpanzees [Minha vida com os chimpanzés], 1988). Graças a Jane Goodall, hoje sabemos que os chimpanzés usam ferramentas, comunicam-se entre si por gestos, posturas e gritos, conhecem o poder e a amizade, passam muito tempo brigando mas também se reconciliando. Sabemos que sentem tristeza, alegria, raiva, medo. Que as fêmeas circulam de um grupo a outro. Que, entre eles, há curiosos, brincalhões, tímidos, agressivos, sociáveis, solitários ...

GOODY,JACK

em termos de especificidade cultural, de desenvolvimento econômico ou de formas religiosas. Realizou estudos sobre a história e a antropologia comparadas dos sistemas familiares e docasamento na Europa e na Ásia. Isso o levou especialmente a contestar a tese do "modelo de casamento europeu", mostrando que a Europa moderna não inventou a família nuclear e que esta não deu origem ao capitalismo. Dedicou-se também ao exame da economia doméstica. ]. Goody passou grande parte de sua carreira na Universidade de Cambridge, onde coordenou principalmente o departamento de antropologia.

l:JVVUftLL,

vezes mais, as fêmeas com seus filhotes, alguns machos. Ela logo compreendeu que esses grupos pertencem à mesma comunidade de cerca de cinquenta chimpanzés que ocupam o mesmo território. À noite, agrupam-se'para dormir em árvores depois de construírem camas de ramos. Os filhotes dormem com as mães até a idade de 5 anos aproximadamente. Em seguida, ela irá descobrir que Barba-Branca, um dos velhos machos do grupo, introduz grandes ramos de capim em buracos de cupinzeiros e depois os retira para comer os cupins agarrados nos raminhos. Isso significa que os chimpanzés usam ferramentas! Mais tarde, ela descobrirá que os macacos fazem uso de outras ferramentas, como pedras para quebrar castanhas e grande galhos que utilizam como varas.

(nascido em 1919) Antropólogo britânico dotado de grande espírito de curiosidade, Jack Goody interessou-se por temas variados, como a família, a escrita, a culinária, o cultivo das flores, as imagens ...

A ESCRITA E A ORALIDADE

Principais obras de J. Goodall • In che Shodow of Mon. 1971 [À sombra dos homens] • The Chimponzees of Gombe: Po[[erns of Behovior, 1986 [Os ch1mpanzés de Gombe. Modelos de comportamento] • My Life with che Chimponzees, 1988 [Minha vida com os chim· panzés) • The Chimpanzee Fomily Book. 1989 [O álbum de fam1lia dos chimpanzés}

AsSASSINATO ENTRE OS CHIMPANZÉS

]. Goodall descobriu relações de poder entre os chimpanzés. Em cada grupo, há um macho dominante. Goliath tinha esse papel, com os deveres (proteger contra as agressões externas) e os privilégios decorrentes (é ele o primeiro a ter acesso ao alimento e às fêmeas). ]. Goodall observou ainda que, nas sociedades de chimpanzés, os machos passam muito tempo juntos e patrulham regularmente as fronteiras de seu território. Quando um chimpanzé de outra comunidade passa nas proximidades, é atacado. Ela assistiu a lutas violentíssimas que, algumas vezes, levavam à morte do indivíduo agredido. Derruba-se assim um mito: os seres humanos não são os únicos a cometer assassínios. Unicamente as jovens fêmeas podiam passar de um território a outro sem ser atacadas. E as patrulhas de machos consistiam também em sair em busca de fêmeas para trazê-las ao seu território. ]. Goodall descobriu que, às vezes, os machos praticavam a caça em grupo (cólobos e filhotes de javali). Com o afluxo de estudantes, e depois, de outros pesquisadores, o centro de Gombe tornou-se um importante centro de pesquisa em primatologia. "Nossos trabalhos sobre os chimpanzés nos permitiram compreender muitas coisas sobre os seres humanos. Agora sabemos que somos menos diferentes dos outros animais do que pensávamos" (My Life with the

~·~~~==----==-----FLO E FLINT, HISTÓRIA DE UMA FAMiLIA DE CHIMPANZES

• O longo tempo de observação e a proximidade com os macacos permitiram a jane Goodall compreender as relações íntimas que os unem. O que pode ser exemplificado pela história de Fio e seu fi. lho. Em 1964, Fio dá à luz um bebê. Flint. Fio era a fêmea dom1nante do grupo. Todos os membros da familia dispensavam atenção ao pequeno e Fio podia, em razão de seu estatuto, afastar quem atacasse sua cria. O pequeno Flint aproveitava a situação e não hesitava em agredir os macacos mais fortes que ele por saber que seria protegido pela mãe e pela poderosa familia.

• Quando Fio quis desmamá-lo, Flint se recusou obstinadamente, e ela sempre cedia diante dos acessos de ira do macaquinho mimado. Quando atingiu a idade em que todos os macacos adolescentes se afastam da mãe, Flint permaneceu agarrado a ela, a se faze1- carregar, dormia com ela ... Em 1972- Flint tinha então 8 anos -, Fio morreu. Flint permaneceu durante longo tempo gemendo junto do cadáver da mãe. Depois de alguns dias, afastou-se, mas ficava só e deprimido, não comia mais. Adoeceu e acaboU morrendo também um mês depois ... ~~~~

'

(i·,.

Inicialmente, J. Goody comparou dados arqueológicos e históricos sobre as primeiras escritas com suas observações etnológicas sobre a alfabetização na África. Mais do que um veículo do pensamento, a escrita é um instrumento de transformação dos conhecimentos e das sociedades humanas. J. Goody demonstrou que existe uma lógica própria da escrita em The Domestication ofthe Savage Mind [A domesticação do pensamento selvagem) (1977). A escrita tem a vantagem do armazenamento visual. A representação gráfica, as formas de organização dos dados que ela permite (listas, quadros, inventários) facilitam não só o registro, mas também a reorganização da informação. Realmente, como mostram as versões sucessivas e variáveis de um mito, as tradições orais são mutáveis, em constante (re)criação. Em contrapartida, o escrito introduz a percepção da mudança, revela a contradição, permite confrontar e confirmar as informações. Ao contrário da oralidade, a escrita se liberta dos contextos de enunciação, o que facilita a abstração e a descontextualização do saber. Esse distanciamento permite a medida precisa dos fatos, a emergência do ceticismo crítico, uma progressão "acumulativa" do saber, em suma, a constituição de um saber científico. Mas ]. Goody sempre se recusou a operar uma "grande cisão" entre cultura escrita e cultura oral. Entretanto, em The Logic ofWritings and the Organization ofSociety [A lógica da escrita e a organização da sociedade]. ele mostrou as coincidências históricas que existem entre os usos da escrita e o desenvolvimento das grandes religiões, do comércio e das administrações estaduais.

UMA ANTROPOLOGIA COMPARATIVA J. Goody também realizou uma ambiciosa análise das relações entre culturas e sociedades do Oriente e do Ocidente, mostrando que não era possível falar de "exceção europeia", quer

Principais obras de). Goody • Une Récitacion du Bogré, 1972 [Uma recitação do Bagre) • The Domescicotion ofthe Sovoge Mind. 1977 [A domesticação do pensamento selvagem) • The Logic o(Wrirings ond rhe Orgomzovon o f Sociery, 1986 [A lógica da escrita e a organização da sociedade) • The Oriental, rhe Ancient ond rhe Primivve: Systems o f Momage ond rhe Fomily in rhe Pre-lnduscriol Societies of Eurosio, 1990 [O oriental, o antigo e o primitivo: sistemas de casamento e famlla nas sociedades pré-industriais da Eurásia) • The Easr and West, 1996 [O Oriente e o Ocidente) • The Europeon Fomily, 2000 [A famllia europeia J ~

Escrita, Família

GOVERNANÇA O termo gouvernance já eXIstia na língua francesa- embora com outro sentido- no século XIII, mas acabou caindo em desuso. Foi por meio do inglês (governance) que a expressão ressurgiu com força, na segunda metade do século XX. Etimologicamente, "governança" tem a mesma origem de "governo" e de "governabilidade", porém existem diferenças sutis entre os três. O governo encarna uma concepção formal, hierárquica e centralizada de poder, ao passo que a governabilidade se refere a questões administrativas e gerenciais, ao funcionamento eficaz da máquina estatal. Já a governança pressupõe um poder não só descentralizado, como também dividido entre uma pluralidade de atores, públicos ou privados, oficiais ou informais, institucionais ou associativos, e, além disso, capaz de proceder desses diferentes níveis. Por isso foi progressivamente associada à ideia de inteligência coletiva ou de rede. No campo acadêmico, a noção foi usada nos anos 1930 pelo economista Ronald Coase para designar os dispositivos pelos quais as firmas

255 254 asseguram uma coordenação eficaz das trocas (corporate governance). Mas foi somente nas décadas de 1970-1980 que ela se disseminou. Em 1976, James March* e Johan Olsen, no contexto da revolta dos estudantes americanos contra a Guerra do Vietnã, publicaram um artigo sobre o tema da governança na universidade (no livro Ambiguity and Choices in Organizations [Ambiguidade e escolhas nas organizações]). A partir de então, o conceito passou a ser encontrado em domínios de análise muito diferentes. Para além das concepções específicas que adquire de um campo a outro e de um país a outro, a motivação é sempre a mesma: coordenar atores com lógicas e interesses diferentes, até mesmo contraditórios, e fazer que cooperem. Através dos diferentes usos, duas concepções gerais se delineiam: a primeira, liberal, sublinha os processos de desregulamentação da economia e de diminuição do Estado, enquanto a outra é pensada em referência às exigências da democracia participativa. A década de 1990 representou um marco nas discussões e aplicações da ideia de governança nos níveis local, nacional e global. No campo da administração pública, foi utilizada pelo Banco Mundial no documento Governance and Development [Govemança e desenvolvimento] (1992), anunciando que a capacidade dos Estados não seria mais avaliada apenas em função dos resultados de suas políticas, mas também com base em seus procedimentos e processos- mais ou menos participativos, mais ou menos transparentes- e na preocupação com o desenvolvimento sustentável. Simultaneamente, na esfera corporativa, alguns acionistas norte-americanos decidiram criar novas regras para assegurar que o comportamento dos executivos estivesse mais alinhado ao dos acionistas. Para tanto, estabeleceram-se alguns princípios, como a clareza na prestação de contas (accountability), a busca de consenso e a responsabilidade corporativa. Esse último item significa que a empresa propõe respeitar códigos de conduta pré-acordados e levar em conta o ponto de vista de todos os seus públicos de relacionamento- dos funcionários aos vizinhos, passando pelos clientes e fornecedores. Também no plano internacional, o termo tem aparecido com frequência nas duas últimas décadas. A Comissão sobre Governança

GRAMATICA Global, grupo independente composto por vinte e oito líderes e pensadores de diversas partes do mundo, conceituou-o de forma bastante abrangente: "governança é a totalidade de maneiras pelas quais os indivíduos e as instituições, públicas e privadas, administram seus problemas comuns (... ) e diz respeito não só a instituições e regimes formais autorizados a impor obediência, mas também a acordos informais (... ) No plano global, a governança foi vista primeiramente como um conjunto de relações intergovernamentais, mas agora deve ser entendida de forma mais ampla, envolvendo organizações não governamentais, movimentos civis, empresas multinacionais e mercados de capitais globais. Com estes interagem os meios de comunicação de massa, que exercem hoje enorme influência" (Comissão sobre Governança Global, 1996, p. 2). Retrospectivamente, é preciso constatar que muitas vezes a realidade política esteve próxima das características do que hoje chamamos governança, inclusive num país reconhecidamente centralizado como a França, em que a experiência de co produção de serviços públicos locais é mais antiga do que se pensa. Em vez de traduzir um fenômeno radicalmente novo, o ressurgimento da noção de governança poderia assim sancionar uma intensificação das formas de coprodução entre atores reconhecidos em sua diversidade. Permanecem em suspenso questões como a de saber se a governança exclui toda forma de autoridade, ou, então, que forma esta deve assumir. Bibliografia: • Comissão Sobre Governança Global. Nosso Comunidade Globo/. FGV. 1996 • M. Foucault. ""La gouvernementalité"". Oits et écrits. vol. 111. Gallimard. 1993 • j.-P Gaudin. Pourquoi lo gouvernonce?. Presse de Sciences Po. 2002 • A Gonçalves, ··o que é governança··. Anais do XV Conselho Nacional de Pesquiso e Pós-Graduação ern Direito. Manaus. 2006 • E. Heurgon. j. Landrieu (orgs.). Prospective pour une gouvernance démocrotique. L.:Aube. 2000 • Instituto Brasileiro de Governança Corporativa. ""Governança Corporativa·. disponlvel em http://www.ibgc.org.br • j. Rosenau. E. Czempiel. Governança sem governa: ordem e trons(armoçãa no político mundial. UnB. Imprensa Oficial do Estado. 2000

GRAMÁTICA "A gramática é a arte de remover as dificuldades de uma língua; mas a alavanca não deve ser mais pesada do que o fardo" (A. de Rivarol, Discours sur l'universalité de la Zangue française

llJtscw~v sobre a universalidade da língua fran1784).

escola, estudar gramática é aprender os que regem a organização da frase ,.. • de colocação das palavras numa frase 0 interrogativa ou afirmativa, regras de concordância verbal, etc.). Nesse sentido, a gramática é uma disciplina normativa e pedagógica. A gramática escolar se assenta em algumas grandes funções e regras que a análise gramatical se propõe elucidar. Assim, -~.~m dos grandes princípios básicos de toda língua é a distinção entre os substantivos e os verbos, os determinantes, os gêneros (masculino e feminino), as modalidades de tempo (presente ... ).

ao comparar as línguas da Europa, descobrem que existem relações sistemáticas entre os sons das línguas germânicas e das línguas latinas. Por exemplo, o "p", que encontramos em palavras latinas como "pai" e "pé" (em português), "pater" (em latim) e "pod" (em grego), corresponde com frequência a um "f" germânico: "foot" ou "father" (em inglês). ). Grimm procurará estabelecer leis de correspondências sistemáticas entre as línguas indo-europeias (as leis de Grimm). Todo esse trabalho de comparar e de estabelecer correspondências entre as línguas era fundamentado no princípio de um parentesco genealógico entre elas. Foi assim que surgiu a história das línguas indo-europeias.

A GRAMÁTICA CLÁSSICA Os NEOGRAMÃTicos Os gramáticos clássicos enunciavam as reNo final da década de 1870, sucedendo à gragras do uso correto (nas quais se fundamenta a mática comparada, uma escola de jovens linanálise gramatical) e, ao mesmo tempo, acrediguistas denominados "neogramáticos" a profuntavam estar descrevendo as leis da linguagem. da e sistematiza o método comparativo e a busDesse ponto de vista, a preocupação analítica ca de leis. A língua passa a ser considerada não coincidia com a preocupação normativa. E a mais o produto de uma história, mas um sistegramática se identificava com a linguística* em ma, uma "estrutura" com uma coerência interna seu conjunto. fundamentada em suas próprias leis de organiNo século XVII. muitos filósofos pensavam zação, à maneira de um organismo vivo. É nessa que a linguagem era o princípio organizador do mesma época que o alemão August Schleicher pensamento. Assim, descobrir as leis da linguapropõe uma tipologia das línguas: "isolantes", gem era extrair as leis do pensamento. O que le"aglutinantes", "flexionais". vou Etienne de Condillac a dizer que "escrever - Nas línguas isolantes, como o chinês ou o uma gramática equivale a descrever a arte de khmer, as relações gramaticais são expressas pensar". pela ordem das palavras; No século XVII. os autores da Gramática de - nas línguas isolantes, como o turco ou o Port-Royal, como Claude Lancelot, professor húngaro, as relações gramaticais são traduzidas Petites Écoles de Port-Royal-des-Champs, e das por diversos sufixos ou infixos que se acresAntoine Arnauld, teólogo e chefe da escola jancentam à raiz das palavras, o que dá origem a senista, procuram enunciar universais da linpalavras longas construídas a partir de uma guagem, isto é, princípios universais que regem única raiz. Por exemplo, a palavra húngara ház todas as línguas. Essa "gramática geral", que, na ("casa") formará ház-am ("minha casa"), deverdade, se assenta na lógica, tende a reduzir pois ház-am-ban ("em minha casa"). Podemos todas as línguas particulares a uma fórmula dizer que os prefixos e os sufixos se "aglutinam" única e comum. à raiz; - nas línguas flexionais, como o latim ou o A GRAMÁTICA COMPARADA alemão, as relações gramaticais são marcadas No século XIX, a linguística era dominada por diversos tipos de sufixos, de radicais. Em por uma abordagem histórica e comparativa. português, a conjugação verbal tem construção Estudar uma língua era pesquisar sua origem, flexional: eu falo/nós falamos, eu falarei/nós fasua história, sua evolução, comparando-a com laremos, eu falava/nós falávamos. outras línguas (para encontrar-lhes as raízes coEm muitas línguas, a organização gramatical muns). É assim que os linguistas dessa época, não pertence a um tipo exclusivo, mas algumas como Rasmus Rask, Franz Bopp e Jakob Grimm,

346

ÜS DESEMPREGADOS DE MARIENTHAL

• Die Arbeitslosen von Marienthal [Os desempregados de Marienthal] ( 1932) é uma das primeiras pesquisas do gênero elaboradas da Europa. Marienthal é um vilarejo próximo a Viena. A cidade fora construída em torno de uma usina têxtil que dava trabalho à maior parte das familias. Mas, em 1929, a usina fecha e grande parte da população fica desempregada. A pesquisa realizada por P F. Lazarsfeld, que teve como assistente Marie Jahoda e Hans Zeisel, visa traçar um quadro completo da vida dos desempregados. Para tanto, os pesquisadores coletam o rnáximo de dados: quantitativos (orçamentos das familias, composição das refeições, participação em associações, etc.) e qualitativos (relato de vida, observação participante·~. entrevistas). Os pesquisadores têm até a ideia de organizar um concurso de redação junto às crianças do vilarejo para perguntarlhes o que esperam ganhar de presente no Natal, como veem seu futuro ...

347

LAZARSFELD, PAUL FELIX.

lrl:izadas, próximas notadamente do partido sociaiisc:,~'· ., ta ou radical. .. · • Muitos desempregados passam os dias andando pelas ruas, ou em casa sem fazer nada. Longe de desencadear um movimento coletivo ou uma nova organização da vida, o desemprego provoca o abandono de toda atividade social e militante. No total, a análise dos dados leva à seguinte constatação: os desempregados afundaram-se na apatia, na resignação, e até mesmo no desespero. Os que queriam mudar de vida migraram para outra região ou outro país. Por isso, a capacidade de resistência dos habitantes de Marienthal foi profundamente afetada.

• Descobre-se, dessa forma, a miséria que se abateu sobre a maior parte dos 1.500 habitantes da cidade. O desemprego é quase geral, e "três quartos dos lares dependem para sua existência material do seguro-desemprego". Muitos cultivam uma horta para se alimentar, mas o estudo dos menus mostra como os recursos são magros. As refeições de uma das familias são compostas da seguinte maneira: "Café da manhã: café e pão; Almoço: sopa de batatas; Jantar: café e pão", e isso seis dias em sete. O desemprego e a miséria contribuíram para restringir todas as outras atividades no vilarejo. A escola Montessori fechou porque os operários não podiam continuar a pagar a professora; as festas, organizadas pela fábrica, cessaram. Pouco a pouco, toda a vida social declina. O movimento da biblioteca baixou. As associações, tão ativas outrora, restringem suas atividades. Ora, as associações eram justamente muito po-

• Durante quanto tempo ainda irão aceitar essa situação?, pergunta-se P F. Lazarsfeld no final da obra. Aqui, a angústia do militante transparece. No final de dois anos, a conclusão é mitigada: algumas atividades renascem em Marienthal, redes de solidariedade colocam-se em ação, mas algumas familias "afundaram". No final das contas, os autores se confessam incapazes de prever as reações a longo prazo. A obra é concluída com uma constatação bastante desabusada: "Nós chegamos ao limite de nossa problemática e de nosso método( ... ). Foi um procedimento científico que nos levou a Marienthal. Voltamos com um único desejo: que desaparecessem, rapidamente, objetos de pesquisa tão trágicos." Se, em seguida, P F. Lazarsfeld toma suas distâncias com relação a sua pesquisa sobre Marienthal (em razão das fraquezas metodológicas que percebe posterionmente), a questão levantada constituirá o eixo central de todas as suas pesquisas ulteriores: como os indivíduos reagem diante de seu meio social? Quer se trate de pesquisas sobre a infiuência do rádio, quer sobne as decisões de consumo, esse tema se tornará dominante nos trabalhos de P F. Lazarsfeld.

pesquisas estatísticas sobre a comunicação de massa e a influência da mídia. Assim, a Fundação Rockefeller confia a ele uma pesquisa sobre os efeitos do rádio na sociedade americana: Radio Research 1942-1943 (1944). As conclusões dessa pesquisa irão contradizer uma ideia preconcebida sobre o impacto dos discursos difundidos pela rádio (as estações de rádio estão se difundindo na América). Ma-

nifestamente, as populações não eram tão sensíveis à propaganda e à mídia quanto se acreditava. Suas opiniões eram bastante estáveis no tempo e pareciam relacionar-se mais com a influência dos mais próximos (família, amigos, líderes locais) do que com a leitura de um jornal ou a escuta radiofônica dos candidatos. P. E Lazarsfeld deduz que a ideia de uma i~­ fluência direta, ligada à simples exposição à m1·

(como pretendia a lógica do condicionabehaviorista*, então em voga na psicolocana), é falsa. Propõe então um outro de comunicação: "em duas etapas" jlow). Por exemplo, as escolhas polítipassariam pela intermediação de pessoas influentes, no interior dos grupos primários (as ·comunidades às quais se pertence). Em Columbia, P. E Lazarsfeld criou o Bureau Applied Social Research. Ele expande suas sobre a influência social à análise dos rtamentos eleitorais (Voting [Votando]. !954) e do consumo. Paralelamente a suas pesquisas empíricas, P. E Lazarsfeld realiza trabalhos de natureza metodológica sobre a aplicação da matemática na a sociológica. Trata-se de projetar ou de..
Lihat lebih banyak...

Comentários

Copyright © 2017 DADOSPDF Inc.