Pesquisando um tempo saturado de agoras: do #OcupaNiterói ao #NãoVaiTerCopa

May 31, 2017 | Autor: Sarah Nery | Categoria: Educação, Direito à Cidade, Acontecimento, Ocupação Urbana, ocupa
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PESQUISANDO UM TEMPO SATURADO DE AGORAS: DO #OCUPANITERÓI AO #NÃOVAITERCOPA

SARAH NERY SIQUEIRA CHAVES

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO RIO DE JANEIRO, RJ

RESUMO: O trabalho apresenta alguns dos conceitos que ajudam a pesquisadora a pensar os acontecimentos enredados em sua pesquisa de campo relacionada aos movimentos de ocupação do espaço público que surgiram no Brasil a partir de 2011 denominados Ocupa, e seus desdobramentos possíveis para as práticas políticas, culturais e educativas nas cidades. O texto apresenta a ideia da pesquisa enquanto acontecimento; a perspectiva teórico-metodológica do pesquisar com; e articula os conceitos de cidadeconceito e cidade-praticada com os acontecimentos vivenciados no campo do estudo.

PALAVRAS-CHAVE: PESQUISA; ACONTECIMENTO; CIDADE

EIXO TEMÁTICO: PESQUISA, EDUCAÇÃO, MOVIMENTOS SOCIAIS E NOVOS PROTAGONISTAS

CATEGORIA: POSTER

PESQUISANDO UM TEMPO SATURADO DE AGORAS: DO #OCUPANITERÓI AO #NÃOVAITERCOPA

Sarah Nery Siqueira Chaves

“Sua característica é uma desilusão radical com o século e ao mesmo tempo uma total fidelidade a esse século.” Walter Benjamin

Minha pesquisa de doutorado começou em 2011 quando participei de um pequeno acampamento de protesto chamado Ocupa Niterói, na cidade onde moro. Naquele ano, o mundo presenciava grandes levantes populares que aparentavam algo de novo e surpreendente. Tudo parece ter começado ainda no final de 2010, quando um jovem comerciante de rua tunisiano ateou fogo em seu próprio corpo em protesto contra o governo de seu país. Este que poderia ter sido apenas mais um caso de autoimolação, relativamente comum na cultura oriental, foi o estopim para uma onda de revoltas que ficou conhecida como Primavera Árabe, atingindo aproximadamente 15 países do norte da África e do Oriente Médio, e alastrando-se rapidamente por todo o mundo ao longo de 2011. Esse rastro de pólvora que foi aceso por um pobre vendedor de frutas num pequeno país africano, passou por dezenas de países do mundo – acendeu a “Geração à Rasca” em Portugal, os “Indignados” na Espanha, mobilizou lutas na Grécia, na Inglaterra, no Chile, no México, gerou o “Occupy Wall Street” que se espalhou por centenas de cidades em outros tantos países, chegando ao Brasil sob a forma de “Ocupa” até a minha cidade, mais precisamente ao meu bairro, e, finalmente, chegando até mim. Assim, este estudo transita entre esferas macro e micro. Há, sem dúvida, uma rede global de relações entre os ocupas, ocuppies, indignados e todas as acampadas e ocupações do espaço público promovidos pelas multidões que se levantam em todo o mundo desde a Primavera Árabe. Por outro lado, há o riquíssimo cotidiano e as especificidades de cada um desses acontecimentos, cada ocupação, cada ato, cada levante, a experiência corporal do estar-lá compartilhando um espaço-tempo com outros

sujeitos, o que faz de cada Ocupa um acontecimento completamente singular. As duas esferas, micro e macro, são interrelacionais e complementares, tecendo uma complexa trama entre cada sujeito, cada ocupa, cada contexto nacional e global - cada parte relacionando-se com o todo. Por isso, a noção de bakhtiniana de acontecimento é importante para compreender essa história, assim como a ideia benjaminiana de mônada, que procura pensar partes-todo e não apenas partes de um todo. A nossa partícula de estudo é o Ocupa Niterói. Este pequeno Ocupa foi o acontecimento originário da pesquisa (da experiência que se tornou a pesquisa) e, a partir dele, é possível pensar diferentes aspectos desses movimentos globais. Em escala e proporções micro, o Ocupa Niterói manifesta um acontecimento maior, ainda sem nome. Meu objetivo com esse estudo é compreender a relação entre as cidades, as juventudes, as redes e a educação, relação que constitui o foco de minha pesquisa vinculada ao projeto “Educação e processos comunicacionais pós-massivos: implicações para práticas educativas em espaços formais e não-formais de educação”, que vem sendo desenvolvido pelo grupo de pesquisa Infância, Juventude, Educação e Cultura (IJEC), vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Educação da UERJ (Proped/UERJ) e coordenado pela professora Maria Luiza Oswald. Neste texto, procuro resgatar alguns conceitos-chave que me auxiliam a pensar esse “tempo saturado de agoras”, como diria Benjamin (1994, p. 229).

Pesquisando o acontecimento com o outro

A complexa noção de acontecimento, segundo Morin, foi utilizada na história das ciências para designar “o que é improvável, acidental, aleatório, singular, concreto, histórico” (MORIN, 2010, p. 250). No livro Ciência com Consciência (2010), ele relata que o acontecimento foi perseguido durante muito tempo no campo acadêmico por ser identificado com “a singularidade, a contingência, o acidente, a irredutibilidade, o vivido”, enquanto as ciências tendem a se ordenar em torno de “leis, modelos, estruturas, sistemas” (id. Ibid., p. 233). Morin afirma que a perseguição ao acontecimento não veio apenas das ciências físico-químicas, mas também da sociologia e até da história, quando esta se torna, “cada vez mais, o estudo dos processos que obedecem a lógicas sistemáticas ou estruturais, sendo cada vez menos uma cascata de

sequência de acontecimentos” (id. ibid.). No entanto, ele apresenta uma inversão: “no momento em que as ciências humanas se moldam segundo um esquema mecanicista, estatístico e causal, proveniente da física, é que a própria física se transforma radicalmente e levanta a questão do acontecimento” (id.ibid., p. 234). Assim, assume-se que a origem do universo e sua evolução são resultados de uma série de acidentesacontecimentos cósmicos originários, o que não o impede de obedecer a relações necessárias. Segundo Morin, “o universo é um acontecimento que evolui há mais de dez milhões de anos” (id. ibid). Nesse sentido, a própria vida na Terra seria também um acontecimento, dentre explosões de estrelas. Para Bakhtin, o mundo também seria acontecimento, assim como nossa participação nele (BAKHTIN, 2003, p. 401). A singularidade do acontecimento – em micro e macro cosmos - também funda e perpassa a pesquisa em diferentes níveis. Da perspectiva bakhtiniana, a pesquisa como acontecimento seria “um processo dinâmico de interlocução e produção de sentidos que implica um modo de ser no mundo” (PEREIRA, 2012, p. 62). Fazer pesquisa nessa perspectiva funda uma realidade “em que a experiência da pesquisa é necessariamente diferente daquela que poderia ser vivida no diálogo com outros interlocutores, temas ou contextos” (id. ibid., p. 63). O Ocupa abrange uma série inumerável de acontecimentos interligados pelo globo. Cada Ocupa é, em si, um acontecimento no que tem de único e irrepetível, e também proporciona outros fenômenos similares dentro de seu campo de atuação, particularmente no que diz respeito ao encontro entre os sujeitos: explosões de estrelas. E da mesma forma que a vida manifesta-se, segundo Morin, simultaneamente como acidente-acontecimento e sistema-estrutura, é possível pensar o acontecimento dentro de uma rede de relações não antagônicas, como a que podemos tentar mapear em relação aos levantes das multidões que se sucederam desde a Primavera Árabe no mundo. Segundo Bakhtin, “a realidade não é dada, mas socialmente construída” já que “o conhecimento é produção social, que envolve interlocução e o pensar de sujeitos concretos” (op.cit.). A partir das experiências vividas do encontro de sujeitos concretos ao longo desta pesquisa com o Ocupa, venho reforçando uma postura ético-metodológica em campo a partir das noções bakhtinianas de alteridade e dialogismo, que fundamentam a perspectiva teórico-metodológica do pesquisar com. O desafio de pesquisar o Ocupa sendo uma ocupante colocou-me diante de uma rica discussão teórico-metodológica que

problematiza os métodos tradicionais positivistas particularmente no campo das Ciências Humanas. Bakhtin ainda é nosso interlocutor privilegiado para pensar essas questões. Segundo o autor, o campo é o “encontro de duas consciências” – o eu e o outro – é “a penetração mútua com manutenção da distância” (BAKHTIN, op.cit., p. 395). Nesse encontro com o outro, o critério não seria a exatidão do conhecimento, mas a “profundidade da penetração” no outro, o que não anula a manutenção da distância – manutenção esta que assegura o excedente de visão (exotopia). Esse excedente de visão possibilita-nos ver o que está além do horizonte do outro, e vice-versa. De acordo com Rita Ribes Pereira, os conceitos bakhtinianos de horizonte, ambiente e exotopia nos ajudam a compreender alguns dos processos de negociação existentes na pesquisa com. O horizonte é a perspectiva que cada personagem/sujeito tem, seu ponto de vista singular. O outro – no caso, o autor/pesquisador – cria para o personagem um ambiente, ou seja, “o terreno em que se desenvolve a história, a informação do lugar que ela ocupa e a percepção de como é vista” (PEREIRA, op.cit., p. 74). Assim, Bakhtin enfatiza que só o outro pode nos dar acabamento. A exotopia seria então essa visão de fora, esse excedente de visão que o outro tem de nós mesmos. “A exotopia exige ir ao outro – experimentar o desafio de ver o mundo como se fosse ele. Esse exercício implica, num primeiro momento, abdicar ideologicamente de si e aceitar a perspectiva do outro como uma possibilidade legítima de ver o mundo.” (id.ibid., p. 75) Essa relação de alteridade singular é um dos maiores desafios ao se optar pela realização de um trabalho de campo na perspectiva do pesquisar com, como enfatiza Pereira, pois coloca face a face pesquisador e pesquisado, fundando um tipo específico de acontecimento e criando “uma realidade presencial de alteridade no interior do próprio processo de pesquisa” (id.ibid., p. 78). Bakhtin ainda nos ajuda a pensar em como pesquisar sujeitos concretos dentro de uma contextualização histórica mais ampla, afirmando que cada sujeito é um texto, que se relaciona (dialoga) com outros textos e contextos. A ampliação do caráter dialógico da pesquisa se dá através do correlacionamento entre textos e contextos, buscando perceber a “expressão do indivíduo e a expressão das coletividades, dos povos, das épocas, da própria história” (BAKHTIN, op.cit., p. 395). O papel da interpretação – logo, o papel da pesquisa – seria justamente promover esse correlacionamento dialógico entre textos e textos, e textos e contextos, construindo assim novos sentidos. Na pesquisa com o Ocupa, são nítidas as relações entre os

indivíduos entre si, que comungam um desejo comum de transformação, e também entre suas práticas locais e o contexto global em que estão inseridos. A intensidade das relações estabelecidas nos territórios do Ocupa, quando os ocupantes convivem intimamente, compartilhando espaços, visões de mundo, alimentos etc., faz com que essa penetração no outro, de que trata Bakhtin, seja percebida cotidianamente: “o reflexo de mim mesmo no outro” (id.ibid., p.394). Nesses pedaços de mim que são os outros, também vejo pedaços de todos os ocupantes do mundo. Vejo aquele pequeno acampamento em Niterói como um fragmento de uma rede de milhões de outros acampamentos que aconteceram simultaneamente pelo globo: textos e contextos.

Pesquisando entre a cidade-conceito e a cidade-praticada

Os encontros com sujeitos concretos no território comum dos Ocupas me colocaram em contato com realidades outras dentro das cidades. Para além daquela cidade oficial projetada pelo racionalismo urbanista, nos cotidianos das cidades emergem cidades outras, aquelas praticadas pelos sujeitos. Os acontecimentos vividos nos Ocupas de Niterói, do Rio de Janeiro e também em Buenos Aires (por acasião do doutorado-sanduíche de três meses na Argentina), e ainda em outras cidades cujas notícias acompanho pela internet, sintetizam a tensão que existe entre o que Certeau chama de cidade-conceito e cidade praticada (CERTEAU, 1994). A cidade-conceito, com seu movimento de cima para baixo, é o lugar da estratégia, organizada por “operações 'especulativas' e classificatórias”, que combinam “gestão e eliminação” (id.ibid, p. 173), privilegiando o progresso (o tempo) e fazendo esquecer a “sua condição de possibilidade, o próprio espaço, que passa a ser o não-pensado de uma tecnologia científica e política”. Essa é a cidade projetada pelo Estado e pelas organizações capitalistas que o financiam, a qual temos chamado atualmente de “cidade-empresa”. Para Certeau, a cidade-conceito funciona como “lugar de transformações e apropriações, objeto de intervenções (...): ela é ao mesmo tempo a maquinaria e o herói da modernidade.” (id.ibid., p. 174). Por outro lado, no submundo da cidade planejada está a cidade dos praticantes, que escapa ao controle estratégico, sendo o lugar das quase invisíveis táticas dos cotidianos. As práticas cotidianas de muitos Ocupas permanecem invisíveis ao poder do Estado mesmo quanto seu projeto de racionalidade urbana procura exterminar tais

práticas em prol do sucesso de seus empreendimentos. A incapacidade do Estado em lidar democraticamente com os acontecimentos que se passam no nível dos cidadãos praticantes nos revela o quanto essas práticas permanecem “outras”, incompreensíveis, para os detentores da estratégia. “Escapando às totalizações imaginárias do olhar, existe uma estranheza do cotidiano que não vem à superfície, ou cuja superfície é somente um limite avançado, um limite que se destaca sobre o visível” (id.ibid.172). Os praticantes ordinários da cidade “jogam com espaços que não se veem; têm dele um conhecimento tão cego como no corpo-a-corpo amoroso”. Enquanto a cidade “do alto” traça a ordenação do território, lá embaixo, a cidade é habitada de formas múltiplas e incategorizáveis. Aí encontram-se os diversos movimentos de ocupações do espaço público, incluindo este campo de estudo chamado Ocupa. Mas “embaixo” (down), a partir dos limiares onde cessa a visibilidade, vivem os praticantes ordinários da cidade. Forma elementar dessa experiência, eles são caminhantes, pedestres, (…), cujo corpo obedece aos cheios e vazios de um “texto” urbano que escrevem sem poder lê-lo. Esses praticantes jogam com espaços que não se veem; têm dele um conhecimento tão cego como no corpo-a-corpo amoroso. Os caminhos que se respondem nesse entrelaçamento, poesias ignoradas de que cada corpo é um elemento assinado por muitos outros, escapam à legibilidde. Tudo se passa como se uma espécie de cegueira caracterizasse as práticas organizadoras da cidade habitada. As redes dessas escrituras avançando e entrecruzando-se compõem uma história múltipla, sem autor nem espectador,formada em fragmentos de trajetórias e em alterações de espaços: com relação às representações, ela permanece cotidianamente, indefinidamente, outra. (CERTEAU, 1994, p. 171)

Com a notícia de que o Brasil sediaria a Copa do Mundo em 2014 e o Rio de Janeiro sediaria as Olimpíadas em 2016, inicia-se a construção de cidades-conceito em diferentes capitais do Brasil que intensificarão os embates com inúmeros aspectos das cidades-praticadas. Uma das ocupações que mais incorporou e ainda incorpora essas tensões no Rio de Janeiro foi a chamada Aldeia Maracanã. Localizada ao lado do gigante estádio Maracanã, esta ocupação indígena do antigo Museu do Índio iniciada em 2006, foi em 2012 e 2013 palco dos primeiros grandes conflitos entre Estado e cidadãos em prol da gentrificação ou limpeza social da cidade em função dos megaeventos esportivos. Habitada por indígenas de diferentes partes do Brasil e ativistas de diferentes vertentes, a Aldeia existiu durante sete anos como espaço autogestionado aberto a todos, promovendo inúmeras atividades culturais com o objetivo de resgatar a função originária do local em valorizar e preservar as culturas

indígenas na capital. Tudo isso parece ter sido tolerado pelo Estado até aquele terreno ser hipervalorizado pelas empreiteiras que remodelariam o estádio Maracanã e seu entorno. Assim, iniciou-se um processo violento de desocupação do local, executado por meio de inúmeras arbitrariedades do Estado que desconsiderava as práticas dos que já habitam e ocupavam aquele local há anos em prol de cifras milionárias. Esse fato se repetiu em outras tantas comunidades afetadas pelas megaobras e fez emergir uma indignação popular que explodiu nas ruas e fez ecoar um grito até então inimaginado no “país do futebol”: “Não Vai Ter Copa”, assim gritavam as multidões que se reuniram nas ruas do Rio de Janeiro e em outras muitas capitais do Brasil durante os acontecimentos que ficaram conhecidos como as “Jornadas de Junho”, em 2013, impulsionadas pelo aumento da tarifa de ônibus e abrangendo milhares de subtemas. E é neste ano de 2014 em que escrevo, ano em que acontecerá a Copa do Mundo sob gritos e hashtags de #NãoVaiTerCopa, ano em que devo concluir a minha pesquisa de doutorado. Todos esses acontecimentos são demasiado complexos para serem abordados neste curto texto. Vale por hora reforçar esse aspecto das disputas que acontecem nas cidades de todo o mundo que, como também destaca Paulo Carrano (2003), “para além do texto visível da racionalidade urbanística, insinua-se um texto composto pelas práticas concretas dos habitantes das cidades”. Nessa relação existe a tensão entre os planos urbanísticos centralizados e as práticas dos sujeitos sociais concretos. O autor concorda que os habitantes da cidade não se submetem ao traçado disciplinar da cidade oficial, instaurando procedimentos de resistência e criatividade, as táticas do cotidiano, que conferem “um certo grau de imprevisibilidade aos mecanismos de orientação social” (CARRANO, 2003, p. 22). José Machado Pais (2005) também abordará o mesmo processo de “planificação da cidade”, que tradicionalmente procura “exorcizar as desordens, purificar as condutas, escrutinar as populações, periferizar a miséria” (PAIS, 2005, p. 59). Nesse processo, a cidade se transforma numa “cidade maqueta”, um espaço cerrado onde os cidadãos têm seus movimentos limitados e controlados. Semelhante ao que aconteceu na luta pela permanência da Aldeia Maracanã e em tantas outras que exigiam uma cidade para os cidadãos, “é contra a cidade maqueta que se reclama uma cidade dos cidadãos, uma cidade humanizada, participada, insubmissa às modelagens de planificações deterministas e às realidade sociais que as sustenta”

(id.ibid., p. 60). Pais sintetiza que “a cidadania é, em certa medida, um movimento de rejeição da cidade planificada a favor da cidade praticada” (id.ibid.) Além dos Ocupas que conheci, vários movimentos reclamam pelo direito à cidade, como, no Rio de Janeiro, o emblemático “O Maraca é nosso”. Criado por torcedores indignados com a privatização do Maracanã e tudo o que ela acarreta, incluindo as demolições no entorno, o movimento agregou em seu slogan o complemento: “a cidade é nossa”. Esse movimento reclama pela cidade a partir do estádio do Maracanã, promovendo atos cujas causas extrapolam os limites do bairro: “contra a privatização do Rio de Janeiro”, dizia o evento de 16 de março de 2012. Em maio de 2013, durante as intensas manifestações na Turquia que começaram com um grupo pequeno de pessoas protestando contra o corte de árvores em um parque, os ocupantes da praça Taksim compreendiam a luta pelo parque como uma luta pela cidade ao gritar “Taksim é nosso, Istambul é nossa!”1. David Harvey (2013), citando o sociólogo e urbanista Robert Park, afirma que “se a cidade é o mundo que o homem criou, é também o mundo onde ele está condenado a viver daqui por diante. Assim, indiretamente, e sem ter nenhuma noção, ao fazer a cidade o homem refez a si mesmo.” (HARVEY, 2013, p. 38). Por isso, complementa ele, “saber que tipo de cidade queremos é uma questão que não pode ser dissociada de saber que tipo de vínculos sociais, relacionamentos com a natureza, estilos de vida, tecnologias e valores estéticos nós desejamos. O direito à cidade é muito mais que a liberdade individual de ter acesso aos recursos urbanos: é um direito de mudar a nós mesmos, mudando a cidade” (id.ibid.) O direito à cidade parece ser o cerne dos micro e macro acontecimentos que esta pesquisa engloba, tanto no pequeno Ocupa Niterói quanto na grande teia global de movimentos, ocupações e reapropriações do espaço público que temos testemunhado nesse período da pesquisa que começa em 2011, com os movimentos #Ocupa, e vai até 2014, com o desfecho ainda desconhecido do movimento #NãoVaiTerCopa. Sabemos pelas cifras envolvidas que a Copa do Mundo vai acontecer, mas também sabemos que a Copa do Mundo já não aconteceu da maneira como os estrategistas da cidade planejaram. A estratégia arquitetada pelos “megaeventos” da cidade-conceito não previu as táticas dos “microeventos” da cidade-praticada. E é a partir dos sujeitos concretos e de suas experiências narradas que pretendo tentar compreender alguns dos GUTIERREZ, B. “A primavera do direito à cidade”. Outras Palavras: 10/06/13. Disponível em: http://outraspalavras.net/2013/06/10/a-primavera-do-direito-a-cidade/. Acesso em: 20/06/13 1

desdobramentos desses acontecimentos para a vida nas cidades, quiçá para vida no planeta, no desenvolvimento de novas práticas culturais e, consequentemente, novas práticas educativas.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003. BENJAMIN, Walter. Magia e técnica, arte e política: ensaios sobre literatura e história da cultura (Obras escolhidas, vol. 1). São Paulo: Brasiliense, 1994 CARRANO, Paulo César Rodrigues. Juventudes e Cidades Educadoras. Petrópolis, RJ: Vozes, 2003 CERTEAU, Michel de. A invenção do cotidiano: 1, Artes de fazer. Petrópolis: Vozes, 1994. GUTIERREZ, B. “A primavera do direito à cidade”. Outras Palavras: 10/06/13. Disponível em: http://outraspalavras.net/2013/06/10/a-primavera-do-direito-a-cidade/. Acesso em: 20/06/13 HARVEY, David. “A liberdade da cidade”. Em: MARICATO, et al. Cidades rebeldes: Passe Livre e as manifestações que tomaram as ruas do Brasil. São Paulo: Boitempo: Carta Maior, 2013 MORIN, Edgar. Ciência com consciência. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010. PAIS, José Machado. “Jovens e Cidadania”. Em: Sociologia, Problemas e Práticas, n.º 49, 2005, pp. 53-7 PEREIRA, Rita Marisa Ribes. “Pesquisa com crianças”. Em: PEREIRA, Rita Marisa Ribes; MACEDO, Nélia Mara Rezende (orgs.). Infância em pesquisa. Rio de Janeiro: NAU, 2012.

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