Pessoas, Ideias e Afectos: Arcil - Um Projecto de Causas

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PESSOAS, IDEIAS E AFECTOS ARCIL – um projecto de causas José Ernesto Carvalhinho de Paiva João Carlos Santos Pinho

Lousã | 2015 Capítulos (títulos)

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FICHA TÉCNICA título Pessoas, Ideias e Afectos (ARCIL - um projecto de causas) autores José Ernesto Carvalhinho de Paiva João Carlos Santos Pinho edição ARCIL motivo da capa Quadro “A Minha Aldeia” da utente Celeste Nunes concepção da capa Nuno Beirão e Laura Carvalho design e paginação Nuno Beirão impressão Tipografia Lousanense, Lda. tiragem 1000 exemplares depósito legal n.º 393413/15 1.ª edição Junho de 2015 Por decisão dos autores esta obra não segue o Novo Acordo Ortográfico.

Quadro “A Minha Aldeia” da utente Celeste Nunes

ÍNDICE A Âncora Solidária e a ARCIL.................................................................. 9 ARCIL – Capacitar para a Igualdade de Oportunidades........................... 15 História da ARCIL em livro e DVD......................................................... 19 ARCIL - Uma Referência para o Futuro................................................... 23 Abreviaturas e Siglas utilizadas na Obra.................................................... 27 Cronologia............................................................................................... 28 1976. Um ano profícuo em acontecimentos............................................. 37 Perspectiva Histórica................................................................................ 43 CAPÍTULO 1 – A Fundação da ARCIL, a Criação do Centro de Recuperação de Deficientes da Lousã e a Acção da Comissão Instaladora (1975-1977)............ 57 CAPÍTULO 2 – Os Primeiros Corpos Gerentes: 1977-1981................... 91 1. As bases e arranque do projecto ARCIL: a desocupação do edifício, o envolvimento do pessoal nas obras e o papel dos companheiros construtores...................................................................................... 93 2. A divisão no seio da direcçao............................................................ 104 3. A estruturação orgânica e funcional da ARCIL................................. 105 4. Marcas de pioneirismo: de uma parceria inédita a um vasto campo experimental..................................................................................... 112 5. A consolidação do programa de obras e os primórdios da sectorialização.............................................................................. 128 6. O enquadramento da deficiência na ARCIL: duas concepções em confronto em fim de mandato.......................... 133

CAPÍTULO 3 – Um Longo Caminho: 1981-1994.................................. 137 1. Consolidação, Pioneirismo e Inovação: 1982-1987.......................... 147 1.1. A continuidade com o passado.................................................. 147 1.2. Tempos de mudança: o plano de obras a longo prazo................. 170 1.3. A Prioridade das Prioridades: a integração dos indivíduos portadores de deficiência.................................... 192 1.4. O crescimento visível da ARCIL – o património....................... 219 1.5. Produzir e rentabilizar: a vertente empresarial da ARCIL........... 223 2. A Afirmação e expansão de um modelo (1988-1994)....................... 227 2.1. O Funcionamento Interno........................................................ 227 2.2. A autossustentabilidade: produzir e vender................................ 233 2.3. Reabilitação, Formação e Integração Profissional....................... 239 2.4. Novas unidades e sectores.......................................................... 247 2.5. Parcerias e trabalho em rede....................................................... 275 2.6. A ARCIL: balanço nos finais de 1994........................................ 284 CAPÍTULO 4 – O Fatídico Ano de 1995: o desfalque abate-se sobre a ARCIL............................... 293 1.A história e as estórias do desfalque................................................... 295 2. A resposta da instituição................................................................... 308 3. A luta nos tribunais.......................................................................... 310 4. A ARCIL para lá do desfalque.......................................................... 314 CAPÍTULO 5 – Tempos de Recuperação e Afirmação (1996-2000)........ 319 1. O reequilíbrio financeiro e institucional........................................... 321 2. Os novos projectos e as parcerias...................................................... 330 3. A conclusão da sectorialização e a reorganização sectorial.................. 333 4. O investimento na área da formação e emprego................................ 346 5. Participação em eventos nacionais e internacionais........................... 355 6. A colaboração ARCIL-SCML e ARCIL-CML.................................. 360 7. O fim de um longo ciclo: a saída de José Ernesto Carvalhinho......... 364

CAPÍTULO 6 – A ARCIL no séc. XXI: a continuidade da obra e os novos desafios......................................................... 367 1. A continuidade................................................................................. 369 1.1. O modelo de gestão e a consolidação da missão......................... 370 1.2 Demonstrações de solidariedade e o reconhecimento aos fundadores............................................................................ 384 1.3. O reforço das parcerias.............................................................. 394 1.4. O fortalecimento da formação, integração e empregabilidade.... 407 1.5. Os sectores: avanços e recuos..................................................... 412 1.6. A divulgação e representação: novos e antigos eventos............... 440 2. A redefinição dos objectivos: a componente técnica, a produtividade e a questão financeira.............................................. 447 3. Novos desafios e projectos................................................................ 451 4. A ARCIL entre o presente e o futuro................................................ 463 DEPOIMENTOS.................................................................................... 473 M. Amélia Martins Amaro Barata ARCIL, um exemplo de participação cívica e empowerment.................. 475 Idália Serrão Sempre na linha da frente!.................................................................... 481 Carlos Veloso da Veiga A ARCIL e o emprego protegido: Memórias de um tempo de investigação............................................... 485 Rogério Roque Amaro I de Inovação........................................................................................ 492 Jean Michel Gueguiné................................................................................ 498 Jean Michel Gueguiné (tradução)............................................................... 500 Rui Ramos ARCIL: Um percurso que se fez, uma história que se faz, um futuro que se constrói..................................................................... 502 A equipa e os custos................................................................................. 504 BIBLIOGRAFIA E FONTES................................................................. 505 ANEXO – Corpos Gerentes da ARCIL (1976-2015)............................... 515

A Âncora Solidária e a ARCIL 1991 - Visita de Bagão Félix à Arcil

da esquerda para a direita: Arménio Bernardes (Subdelegado Regional do Centro do IEFP), Bagão Félix (Secretário de Estado do Emprego e Formação Profissional), João Mexia (Subdelegado Regional do Centro do IEFP), Américo Mendes (Director Pedagógico da Arcil) e Carvalhinho (Presidente da Arcil)

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com gosto que me associo a esta justa e oportuna iniciativa de deixar a história da ARCIL escrita num livro. Tive a oportunidade de conhecer melhor a instituição e os seus dirigentes e colaboradores numa visita que efectuei, já lá vão uns bons anos, na qualidade de membro do Governo. E, ainda que à distância, pude acompanhar a vida da ARCIL, sempre a vendo como uma instituição geradora de genuína solidariedade e de polinizador exemplo. O livro e os depoimentos nele inseridos são saborosamente elucidativos sobre a grandeza da instituição da Lousã e lucidamente reveladores do esforço, mérito, competência e dádiva social de todos os seus construtores. Mesmo superando obstáculos e derrubando muros para construir pontes a benefício do bem comum e da equidade inclusiva. Por isso, nestas breves palavras, faço, tão-só, uma reflexão à volta da ideia de solidariedade que faz parte do ADN da ARCIL e que é fermento do seu profundo humanismo. Quando falamos das questões relacionadas com a deficiência, tratamos, na essência, de direitos humanos e da consequente dignidade da pessoa humana. Por outras palavras mais directas, é da Vida e de Família que se trata. Para isso, necessário se torna perspectivar e praticar a solidariedade como um valor social e não como uma técnica, como um princípio ético e cívico e não apenas como um instrumento. 9

O exemplo da ARCIL é demonstrativo da mudança de paradigma na reabilitação. É necessário que a deficiência seja encarada como um processo interactivo entre os factores individuais, familiares e ambientais ou envolventes das pessoas com deficiência, centrada não nas suas limitações, mas nas suas capacidades e funcionalidades. E também tendo em conta a “irreversibilidade da reversibilidade”, espelhada nos avanços técnicos e científicos de toda a natureza que permitem exprimir, neste domínio, novas e acrescidas esperanças. Afinal do que se trata é de um desafio de inclusão e não de exclusão, de capacidades e não de desvantagens, de participação e não de mero assistencialismo, de intervenção e não apenas de reparação. E também de transversalidade das acções e programas, do primado da responsabilidade pública, do imperativo da plena concertação e da cooperação de todos, das famílias em primeiro lugar, das associações, das empresas, das escolas, das igrejas. Sempre com a força da inquietude, o compromisso da partilha e a esperança da utopia. Todos sabemos que para se tentarem ultrapassar os obstáculos não bastam as leis (úteis), os financiamentos (indispensáveis), as estruturas orgânicas (necessárias). É preciso a tudo isto associar uma amadurecida consciência colectiva, uma irrepreensível responsabilidade cívica e empresarial, uma profunda sensibilidade social e uma inabalável vontade de, passo a passo, construir uma sociedade crescentemente inclusiva. Todos constatamos que a solidariedade é proclamada “urbi et orbi”. Faz parte do léxico obrigatório de qualquer agente social ou político, ma isso não basta. Precisa de ser vivenciada e concretizada todos os dias. Como na ARCIL. Porque a solidariedade significa incluir a parte no todo e o todo na parte. Um movimento de inserção e um propósito de inclusão. A solidariedade é um bem social de mérito. Não se edifica senão por nós. Exige o melhor de cada um sob pena de ser uma aparência ou um simulacro. No limite, só frutifica quando o eu se transforma em nós e o nós em todos. Ou dito de outro modo: quando se dá sem pedir contrapartida. Quando cada um se esquece de si próprio para se lembrar do outro. Não se trata, pois, de uma relação biunívoca ou comutativa feita de uma parte e contraparte, mas de uma relação 10

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distributiva ou associativa construída numa só direcção. Numa analogia de um quase oximoro aritmético, multiplica-se dividindo e soma-se pela diferença. A dimensão solidária é, na sua essência, gregária. Feita de muitos “e”, dispensando os disjuntivos “ou”. A mais espontânea e natural expressão solidária é a que advém dos laços de sangue e que tem o seu expoente na solidariedade familiar. Mas a solidariedade exprime-se também, em formas voluntárias ou necessárias, nas diferentes formas da relação humana, assumindo umas vezes expressões mais orgânicas, ou mais sociais, matriciais ou mesmo espontâneas. A ARCIL é uma sua expressão eloquente. A solidariedade deve ser uma expressão de vida livre em sociedade e não uma norma exterior ou imposta. Solidariedade fundamentada em princípios inalienáveis de dignidade da pessoa humana e não em interesses circunstanciais. Solidariedade praticada como um estímulo activo e não como uma dependência estigmática. Solidariedade como referência de exemplaridade geracional e não como uma imposição ou constrangimento mais ou menos mecânico. Acção voluntária, directa, personalizada, criativa e proveniente do coração enquanto sede moral da personalidade. Parte do homem pluridimensional e deve exprimir a exemplaridade. Reduzir as desvantagens e fragilidades sociais não é apenas um problema de política e de uso de meios técnicos e monetários. Passa, também, pelo primado das iniciativas capilares e do uso da inteligência e do coração. Se são os valores que dão alma às organizações, a autêntica solidariedade é uma forma plena de realizar justiça com alma e não como um valor de troca meramente contábil. Disse João Paulo II que é preciso “construir uma grande solidariedade de mentes, corações e mãos capaz de vencer as diferenças e as divisões”. Permito-me sublinhar: mentes, mãos e corações, o que quer dizer que a chave da genuína e desinteressada solidariedade para com os outros passa pela melhor combinação possível entre o ser, o ter, o dar, o saber e o estar. A solidariedade deve exprimir-se como uma forma superior de uma cidadania responsável e generosa, fomentando a pedagogia das boas acções, da experiência social e humanitária da vida, do respeito, da compreensão e da 11

equidade entre diferentes idades, procurando a melhor combinação possível entre recursos monetários e não monetários (tempo, competência, saberes, partilha, gratidão, lealdade, gratuitidade...). Bens preciosamente duráveis e renováveis, sem preço. Do homem responsável na conciliação entre direitos sociais e deveres colectivos, o homem espiritual que junta à razão a linguagem do coração, o homem comprometido no direito e dever da busca do bem para todos. Tudo isto, numa óptica vincadamente preventiva e de reinserção social e comunitária, integrando e não compartimentando soluções, reforçando a qualidade da resposta e não apenas a quantidade, através de uma adequada simbiose entre voluntariado, generosidade e profissionalismo. Vivemos um tempo de exacerbação do individualismo que erodindo a individualidade rapidamente se transforma no egoísmo social e ético. A este fenómeno de contágio, a solidariedade genuína pode contrapor-se como uma expressão contagiante e estimulante de educação para o bem comum. Dizia Gabriel Garcia Marquez: “Aprendi que um homem só tem o direito de olhar um outro de cima para baixo para ajudá-lo a levantar-se”. Para alguém que não conhecemos. Socorro-me de Immanuel Kant para exprimir de outro modo o dever de solidariedade. Distinguia ele o dever passivo (obligatio obligati) do dever activo (obligatio obligantis). O primeiro é o que resulta da obrigação perante a lei, o contrato, a formalidade. Assim, é nosso dever pagar a renda da casa no período determinado, cumprir o nosso dever de pontualidade no trabalho ou pagar a tempo os impostos consagrados na lei. Já o segundo é a obrigação em que nos auto-constituímos. Ninguém nem nada nos obriga, a não ser a nossa consciência. Neste enquadramento axiológico, a solidariedade – a mais pura - é um dever activo. Que nasce em nós e pode fermentar nos outros. É esta “não obrigação da obrigação” que lhe confere o seu profundo e inestimável valor personalista e resultado relacional. A solidariedade também não é uma posição, um estado. É um caminho, uma relação. De alguém para outrem. E por bem. A solidariedade também deve transmitir a fecunda ideia da gratuitidade: uma união por “nada”. Porque muitas vezes é através do nosso nada que se atinge o todo e, atingido o todo, o nosso nada se transforme em tudo. A importância de se ser não é medida por uma 12

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qualquer fita métrica e o nada ou pouco para mim pode ser o tudo ou o muito para o outro. A solidariedade não é uma abstracção filosófica ou doutrinária. Exige o compromisso, envolve-se no contexto, concretiza-se na vivência. Ajudar significa amar na plenitude do carácter e da compreensão do outro. Não é esta a verdadeira ponte entre a liberdade de ser e a responsabilidade de se agir? A sociedade confronta-se, nos dias de hoje, com novas e persistentes questões sociais e antropológicas. Na família, na empresa, na comunidade em geral, novos desafios se enfrentam, as relações entre as pessoas assumem novos contornos e dimensões, as tecnologias e as comunicações revolucionam os padrões de vida, a globalização altera os centros de decisão e fragmenta o processo produtivo. Vive-se acentuadamente numa “sociedade de zapping”, concretizada por um tempo de predomínio dos factos e do imediatismo sobre a perenidade dos valores, um tempo de insaciável satisfação de interesses, nem sempre legítimos, que atrofiam, anestesiadamente, o espírito de solidariedade, de partilha, de gratuitidade e de convivialidade entre as pessoas. Neste âmbito, é indispensável lutar por uma renovada ética de solidariedade. A solidariedade é um princípio ordenador que tem em conta a “hipoteca social” que impende sobre qualquer bem privado ou público. A solidariedade para ser genuína, autêntica, enriquecedora, geracional e persistente tem que se edificar de baixo para cima, potenciando os valores do voluntariado, da solicitude e da participação como alicerces de uma atitude criativa, espontânea de solidariedade não intermediada, menos burocrática, mais desinteressada e amiga, mais conforme à natureza do Homem. Por outro lado, uma nova ética nas relações sociais pressupõe que o social não seja visto como um custo ou passivo, mas antes como um recurso indispensável para a geração de uma sociedade mais equilibrada. E se é certo que o social, desligado da necessária geração prévia de riqueza pode redundar em puro e inconsequente utopismo, não é menos verdade que as preocupações sociais não podem ficar submergidas pelo primado da economia e da produção, insensível à realidade social. Ambas as visões corroem o exercício da solidariedade. 13

Finalmente, não basta o direito ao rendimento. É preciso o direito a ser útil na e para a Sociedade. Em suma: o direito à dignidade integral da pessoa humana. Daí, num novo quadro de solidariedade, a exigência de fecundidade social das realizações e das iniciativas, não meramente passivas, indemnizatórias ou reparadoras, mas crescentemente activas e reprodutivas, que contribuam para combater as causas e não apenas as consequências da fragmentação e da exclusão sociais. Termino este meu arrazoado, com o mais importante: a ARCIL soube criar e sustentar através dos seus quase 40 anos de actividade este modo de casar a solidariedade autêntica com o bem comum. Bem hajam todos quantos contribuíram, em diferentes tempos e etapas e através das diferenças de cada um, para esta bela, generosa e portuguesa expressão associativa.

António Bagão Félix Novembro de 2013 (Por decisão pessoal, este texto não segue o novo Acordo Ortográfico)

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ARCIL – Capacitar para a Igualdade de Oportunidades

José Serôdio

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m primeiro lugar gostaria de felicitar os associados, utentes e dirigentes da Associação para a Recuperação de Cidadãos Inadaptados da Lousã ARCIL e homenagear os seus sócios-fundadores, que com o seu trabalho de intervenção social, se tornaram referências obrigatórias para as novas gerações de atores dos Direitos Humanos das Pessoas com Deficiência, bem como louvar todos aqueles que deram o melhor das suas vidas por esta empolgante causa nacional – a inclusão plena das Pessoas com Deficiência. A ARCIL, fundada em 25 de junho de 1976, com intervenção nos concelhos da Lousã, Miranda do Corvo, Góis e Pampilhosa da Serra, é uma das organizações não governamentais que ao longo dos anos sempre tem colaborado e participado ativamente no desenvolvimento das políticas na área da deficiência e reabilitação. Efetivamente, convirá referir que embora só em 20 de agosto de 1977, com a publicação do Decreto-Lei nº 346/77, tenha sido criado na Presidência do Conselho de Ministros, sob a dependência do Primeiro Ministro, o Secretariado Nacional de Reabilitação (SNR), organismo com autonomia administrativa e financeira e património próprio, que possuía como órgãos o secretário nacional (coadjuvado por dois secretários-adjuntos), o Conselho Nacional de Reabilitação e o Conselho Administrativo. O SNR tinha por objeto ser o instrumento do Governo para a implementação de uma política nacional de habilitação, reabi15

litação e integração social das pessoas com deficiência, assente na planificação e coordenação das ações em ordem à concretização do artigo 71º da Constituição da República Portuguesa. O Conselho Nacional para a Reabilitação órgão constituído inicialmente por representantes dos diversos ministérios incluía também um representante da Associação Portuguesa de Deficientes e da associação dos Deficientes das Forças Armadas, depressa foi alargando a sua composição e integrando outras organizações não governais de relevo na área, designadamente a ARCIL, que desde a primeira hora teve uma participação ativa nas reuniões, bem como em diversos grupos de trabalho que permitiram a elaboração de relatórios e legislação, sempre em prol dos direitos das pessoas com deficiência e incapacidade. Efetivamente a ARCIL tem no seu singular e pioneiro património de experiências e de saberes, a marca da sua elevada prioridade à capacitação pessoal, escolar e profissional das pessoas com deficiência, de modo a poderem participar, em igualdade de oportunidades, na construção de uma sociedade para todos. Graças a esta prioridade estratégica, a ARCIL conquistou meritoriamente a confiança social em termos nacionais e projetou desde a primeira hora uma mudança no olhar sobre a incapacidade e a diferença contribuindo de forma ativa para a inclusão social. A ARCIL que tem nos seus valores a afetividade, a dignidade, a ética, a inclusão, o respeito pela diferença, a responsabilidade social e o rigor e a transparência tem contribuído ao longo dos anos para uma cultura de participação de excelência, importa que se formem as Pessoas com Deficiência, através de projetos de aquisição de competências académicas e profissionais, na Escola e na Formação Profissional, após diagnóstico rigoroso das suas potencialidades e tendo em atenção as evoluções económicas e sócio-culturais dos contextos comunitários. Ao longo dos anos ARCIL foi-se tornando uma das organizações não governamentais da área da deficiência de exemplo, que foi alargando o âmbito da sua atividade tendo-se constituído como: • Centro de recursos para a inclusão com alunos com NEECP nas estruturas regulares de ensino; 16

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• Centro de recursos para os centros de recursos de emprego da Lousã e Arganil nas áreas da IAOQE – Informação, avaliação, orientação e qualificação profissional – do apoio à colocação e do acompanhamento pós- colocação; • Centro de formação profissional para jovens e adultos em situação de desfavorecimento face ao mercado de trabalho; • Centro de emprego protegido; • Centro de atividades ocupacionais. Sendo que para o Instituto Nacional para a Reabilitação, I.P., uma das estratégias necessárias à participação ativa das pessoas com deficiência, em todos os sectores da vida em sociedade, passa pelo desenvolvimento, com marcadores de permanente criatividade e inovação, da cultura da igualdade de oportunidades, através do desenvolvimento da acessibilidade física, arquitectónica, comunicacional, informativa, cultural e sociopsicológica, conjugada com a necessária qualificação educacional e formativa destas pessoas, capacitando-as académica e profissionalmente, a ARCIL é um exemplo para a comunidade local e nacional. A participação ensina-se e aprende-se, com a interiorização de valores e de comportamentos, com respeito pelas opiniões diferentes e pela capacidade de obter consensos alargados entre todos os atores da inclusão, incluindo as próprias pessoas com deficiência. Mas é através da participação que se revela o perfil pessoal, cultural, social, de cidadania e de valores democráticos das Pessoas com deficiência, como verdadeiros protagonistas dos seus projetos de vida e de felicidade. Foi através da participação e pela possibilidade de um contacto directo com as potencialidades e competências dos concidadãos diferentes da ARCIL, que permitiu que nas zonas onde exerce a sua atividade mais facilmente se tenham quebrado os estigmas, pré-juízos e estereótipos. Mas a ARCIL para além das sinergias que foi criando a nível local, regional e nacional foi gradualmente alargando o seu arco de intervenção, ultrapassando fronteiras, permitindo-se fornecer formação aos seus colaboradores e dirigentes 17

mas igualmente criar parcerias com entidades internacionais e nacionais por forma a incorporar novos métodos na área. Com os ensinamentos do passado e com as energias actuais da ARCIL, temos condições sólidas para uma nova cultura da igualdade de oportunidades, alicerçada nos talentos das Pessoas com Deficiência e nos Princípios gerais da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência: • O respeito pela dignidade inerente, autonomia individual, incluindo a liberdade de fazerem as suas próprias escolhas, e independência das pessoas; •A  Não discriminação; •A  participação e inclusão plena e efectiva na sociedade; • O respeito pela diferença e aceitação das pessoas com deficiência como parte da diversidade humana e humanidade; •A  igualdade de oportunidade; •A  acessibilidade; •A  igualdade entre homens e mulheres; • O respeito pelas capacidades de desenvolvimento das crianças com deficiência e respeito pelo direito das crianças com deficiência a preservarem as suas identidades. Assim, o Instituto Nacional para a Reabilitação, I.P., que sucedeu ao Secretariado Nacional de Reabilitação, face ao património histórico de trinta anos da ARCIL, não poderia deixar de participar neste livro que é um marco para memória futura da história dos direitos das pessoas com deficiência e incapacidade em Portugal, e considerando o essencial da sua intervenção neste âmbito, que muito prestigia o movimento associativo português, partilha a sua reflexão, que esta importante efeméride suscita, no âmbito da sua Missão e Objetivos. Muitos Parabéns e Contamos Convosco O Presidente do INR, I.P. José Madeira Serôdio 18

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História da ARCIL em livro e DVD

José Carvalhinho

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qui está, finalmente, em livro e DVD, a história da ARCIL. Não a minha versão, mas sim a contada por quem a viveu e vive. Um documento onde o discurso directo surge em complemento à investigação documental. Este projecto representa o culminar de um desejo por mim alimentado, ao longo de muitos anos, de registar a memória de um percurso, da história vivida e das diferentes etapas de desenvolvimento da ARCIL. Considerada uma instituição de referência, pensada para acolher a diversidade das pessoas com deficiência e criar oportunidades de valorização das diferentes capacidades individuais e modos de participar, através de um conjunto de iniciativas, ainda hoje reconhecidas como inovadoras. Pretendi abraçar numa história todos os que cruzaram, por instantes ou com maior permanência, o seu caminho com o desta Instituição. Na impossibilidade de os nomear a todos, destaca-se um pequeno núcleo que, na minha óptica, traduz fielmente a ARCIL através dos tempos. Desejo, pois, que esta obra seja a sistematização, recapitulação e reflexão de uma história de construção de vida e de sentido. Não apenas uma memória do passado, mas sobretudo uma memória para o futuro. Um relato de histórias vividas e contadas na primeira pessoa, pelos diversos actores que neste plateau foram intervenientes. 19

Tendo sido convidado em 1977 pelo Prof. Maio, que aqui homenageio, para dar aulas na ARCIL, não imaginaria então que tal instituição se tornasse na paixão da minha vida, que vivi e vivo, pulsando e respirando através dela, colocando ao seu dispor e para o seu desenvolvimento tudo de mim, até à exaustão. Para mim, a ARCIL são as pessoas com deficiência e os seus pais. As demais componentes, corpo directivo e técnico, colaboradores e edificado só existem para os servir. Assim, ao seu serviço, passei os melhores anos da minha vida, à semelhança do que me afirmaram muitos dos ex: colaboradores que contactei para darem o seu contributo a este projecto. Comecei (como é uso dizer-se) no tempo em que não havia vacas, depois vieram as vacas gordas e agora…. são bem magras. Se naqueles anos foi difícil desenvolver a ARCIL, não menos difícil é agora manter a qualidade do serviço prestado por esta instituição às pessoas que dele necessitam. Tive a sorte, nessa época, de ter sempre a meu lado uma equipa de imensa qualidade e abnegação, quer nos corpos directivos (meu querido Ti Torres) quer no corpo técnico. TODOS vestiram a camisola e alguns, felizmente, continuam com ela vestida. Desde o princípio procurámos servir com muita qualidade e dignidade. Do estrangeiro vieram voluntários, dinheiro e saber técnico (graças a bons amigos como Manuel Rocha ou Ton Van Eert), aprendemos lá fora mais e melhor. As respostas foram surgindo, naturalmente, dirigidas o mais possível para cada caso, cada situação. O individuo era o centro da nossa actuação. Da nossa perseverança e resiliência resultou um projecto de qualidade, marcado pelo pioneirismo de múltiplas respostas, cujo êxito e alcance se pode medir através do que sobre nós foi dito e escrito em jornais, revistas, televisão,rádio, correspondência pessoal e institucional. Prova evidente, foram as muitas visitas à ARCIL das instituições e técnicos, portugueses e estrangeiros, ligados a estas temáticas. Foram muitas as visitas oficiais à Lousã de responsáveis de departamentos do Estado e do Governo só para verem e conhecerem in loco a ARCIL, o que fazíamos e como. Mas não há bela sem senão: 1995 foi o ano dos horrores, o desfalque. Um terramoto para a ARCIL, o meu tsunami, mudando radicalmente a minha 20

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vida até hoje. Foi, no entanto, um momento em que a alma da ARCIL mostrou quão forte era. Todos juntos e embrenhados no mesmo espírito - pais, técnicos, sócios, e lousanenses em geral - pugnaram pelo renascimento da mesma. Não fossem uns interesses mesquinhos e teria sido menos doloroso. Felizmente não faltaram apoios locais, nacionais e internacionais. Se a ARCIL tem sido importante para o desenvolvimento local, não menos importante é a forma como a comunidade se une para a amparar, especialmente em momentos muito difíceis, do passado e do presente. Este livro é também uma homenagem e um agradecimento a todos eles. É uso dizer-se “O que seria da Lousã sem a ARCIL?” mas…e o que seria da ARCIL sem a Lousã, sem os lousanenses? E eu? O que seria de mim sem a ARCIL? Chegado a 2010 senti ser o momento para desenvolver o meu sonho. Depois de partir muita pedra com a Ana Abrantes, logo expus o que pretendia a três bons amigos, dos quais vim a ter apoio moral e económico: Fernando Carvalho (CM Lousã), Américo Duarte (EFAPEL) e Zé Redondo (Licor Beirão), a que se juntaram, mais tarde, João Bandeira, João Quaresma, Carlos Martins, Nuno Peixoto. Convidei amigos ex-colegas para a constituição de uma equipa de apoio técnico - Ana Abrantes, Ana Araújo, Cristina Silva e João Graça – a que outros se juntaram, mais tarde, para colaborarem na construção da obra. Apresentado o projecto,sem custos, à direcção da ARCIL, presidida pelo Dr. Marques Leandro, logo as portas se abriram recebendo todo o apoio possível e sendo designado o Rui Ramos (actual presidente e cuja colaboração foi inestimável),para a interligação. Da Presidência da Republica veio o Alto Patrocínio e do Instituto Nacional de Reabilitação apoio e contribuição económica. Também o recém-eleito presidente da Câmara Municipal da Lousã, Luís Antunes, se associou de forma entusiástica. No entanto, sendo este o tempo para reflectir sobre o caminho a seguir, não era, ainda, o tempo da concretização. Depois de três falsas partidas, só a quarta pessoa convidada possuía a alma, o ensejo e o saber necessários para que este livro fosse uma obra de grande qualidade. Em Outubro 2012 teve inicio 21

uma parceria para a excelência: o Dr. João Pinho aceitou o desafio e apaixonou-se pela ideia, no fundo pela ARCIL. A vibração emanada por este conjunto de pessoas e espaços físicos, transformam a ARCIL num ser vivo que vibra numa frequência de amor, dedicação e afectos, a que ninguém sensível e almejando o bem do próximo, pode escapar. Passa a vestir a camisola e a respirar ARCIL, como nós dizemos. Como meu co-autor não poderia querer melhor: cerca de 600 emails, 50 entrevistas (vídeo e áudio), consulta de 33 pastas/dossiers; consulta de 22 livros de actas, 18 boletins informativos, 73 jornais; digitalização de 129 vídeos, 25.500 fotos, 3600 slides, imagens de Drone; criação de Parcerias (ESEC TV, Centro de Estudos Cinematográficos da UC,etc). Foi assim reaberto o imenso espólio da ARCIL.Espero ter ajudado a dar o primeiro passo para a sua organização e abertura ao público. Depois de muitas horas de trabalho e discussão, só o voluntarismo, a perseverança, a qualidade humana e capacidade profissional do Dr. João Pinho, hoje um grande amigo que muito prezo, o apoio do Sérgio Eliseu na estruturação do DVD, do Nuno Beirão na paginação e design, a imensa disponibilidade, abnegação e profissionalismo da Ana Seco e a colaboração de toda a equipa técnica tornaram possível esta produção. É importante enaltecer e agradecer o apoio da minha família e de todas as pessoas a quem pedi colaborações e contributos, de todos recebi uma resposta pronta e generosa, senti neles a alma da ARCIL. A TODOS o meu bem-haja!

José Ernesto Carvalhinho de Paiva

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ARCIL Uma Referência para o Futuro

João Pinho

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ecebi o convite para ser co-autor deste livro, em Setembro de 2012, quando José Ernesto Carvalhinho de Paiva me telefonou, num cálido dia ao final da tarde, dando conta dos pormenores do projecto e concedendo-me algum tempo para pensar na exequibilidade do mesmo. A ponte entre nós fôra estabelecida pela Ana Ribeiro Torres, amiga comum e profunda sabedora da minha actividade na área da investigação e edição de obras de carácter comemorativo e institucional. Confesso que nessa altura, a ARCIL, não me sendo desconhecida era algo distante no espaço, com raio de acção localizado e restrito ao município Lousanense. Depois dos primeiros contactos pessoais abracei o projecto numa fase difícil e sugeri a sua reestruturação. Na verdade, havia-se esgotado o prazo para a concretização da ideia inicial – livro comemorativo dos 35 anos da ARCIL (1976-2011) – pela indisponibilidade da Drª Marta Ramos, que sustentara um plano baseado em depoimentos orais de antigos e actuais protagonistas; funcionários, utentes, directores, políticos, entre outros. Caíra-se pois, num impasse. Apesar da existência de uma comissão técnica formada no seio da instituição, disponível para colaborar em tudo o que fosse possível, e coordenada pelo Ernesto Carvalhinho, o debate sobre o rumo a seguir era inconclusivo e a apreensão toldava o horizonte. 23

Fruto da minha formação enquanto Historiador, e assim que tomei o pulso ao arquivo da ARCIL, pedi tempo para investigar o acervo documental. E penso que em boa hora o fiz, pois só assim seria possível construir uma história institucional credível, baseada não só nos testemunhos orais que continuámos a recolher (entrevistas), mas sobretudo em factos atestados pelos documentos oficiais, que dessa forma vinham dissipar dúvidas e afastar alguns receios. Apesar de não existir um arquivo organizado e acessível, os funcionários da ARCIL tudo fizeram para disponibilizar um acervo desorganizado e repartido por vários espaços. Por isso aqui deixo um agradecimento especial à Ana Bandeira e Ana Sêco pela paciência que tiveram comigo, na recolha e tratamento desse precioso espólio. A porta dos documentos levar-me-ia a descobrir uma outra ARCIL que surpreendentemente se escondia, quase invisível, sob o peso dos anos e das dificuldades. Se é verdade que hoje a instituição nos surpreende pela descentralização funcional de espaços na Lousã, pelo amor à camisola dos funcionários e utentes, pela importância social e até politica no contexto municipal, que dizer do amor, união e carinho dos fundadores em torno de uma causa, do empenhamento de sucessivos directores ao longo dos anos, do papel dos companheiros construtores, do pioneirismo assumido em diversas áreas, das parcerias internacionais, da vocação eminentemente produtiva que a caracterizava nos anos 80-90, ou do reconhecimento pelas instituições congéneres? Isso vive e “fala” nos documentos que fui recolhendo e sistematizando. Realidades, umas esquecidas, outras bem vivas, que procurei abordar nesta obra. A qual, durante estes anos (2011-2015) também evoluiu, quase sempre no sentido de adicionar valor: havendo concórdia em torno da base de investigação documental, passámos do livro para DVD, gravámos um documentário e organizámos sumariamente o espólio da instituição (fotos e vídeos). Entre as várias entrevistas que realizei, destaco a que fiz ao Prof. António Maio, fundador e primeiro presidente da ARCIL. Pelos antecedentes, e tendo em atenção o seu estado de saúde, tudo apontava para a impossibilidade da sua realização. Mas, da insistência fez-se luz e, um dia, consegui recolher o depoimento de tão relevante figura no arranque e sustentação da instituição. Apesar das dificuldades, recebeu-me na sua casa, rodeado de familiares, onde de forma tranquila me transmitiu a sua forma de ver e sentir a ARCIL. 24

Pessoas, Ideias e Afectos | ARCIL – um projecto de causas

Entre as personalidades que mais me marcaram ao longo deste percurso José Ernesto Carvalhinho de Paiva é incontornável. Mentor e co-autor desta obra, 23 anos Presidente da Direcção da ARCIL, uma vida dedicada à reabilitação das pessoas com incapacidade. Se o seu vasto e conhecido currículo diz quase tudo, ainda assim não traduz a dimensão de um espirito lúcido, esclarecido, que vive e sonha, ontem como hoje, com uma ARCIL de mais e melhor qualidade. Foi, no seu tempo, um visionário, capaz de rasgar caminhos e procurar soluções, um verdadeiro líder como Portugal teve poucos e a quem a ARCIL deve muito! Entre nós e para memória futura fica uma grande amizade e cumplicidade, saída das muitas reuniões, das horas trocando ideias, definindo etapas, procurando o melhor possível dentro das contingências, que as houve, no nosso projecto. Nem sempre estivemos de acordo, mas sempre soubemos procurar a convergência em torno da ARCIL. Mais do que o conhecimento que não está nos documentos nem nos livros sobre a ARCIL, e do qual é o guardião ou chanceler das memórias a par de João Graça, é o aspecto formativo sobre a Reabilitação em Portugal que lhe fico devedor, pelo imenso saber que possui e me foi transmitindo desde a primeira hora. Encerro, em termos pessoais, um ciclo com a edição e publicação deste livro. Durante estes anos conheci pessoas - directores, técnicos, utentes, amigos - a quem a instituição ARCIL diz muito, que abriram o seu coração e me confiaram as suas memórias, antigas e recentes. Ao terminar o projecto, saio enriquecido em conhecimentos e extremamente sensibilizado para o mundo das pessoas com incapacidade. Porém, para a ARCIL a História não acaba aqui. Portugal precisa de instituições de referência e exemplos para as gerações futuras! João Carlos Santos Pinho Investigador/Historiador

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«Tenho enormes expectativas em relação a este livro. A primeira é a de que a ARCIL tem uma história muito importante, mas se a história não for contada a história perde-se. Nós não podemos viver das memórias porque elas são efémeras, é preciso um registo, documentar 38 anos. A segunda expectativa tem a ver com o que a ARCIL fez que mais ninguém fez. Somos uma instituição de Inovação, com informação dispersa em vários arquivos. Acredito que este projecto vá colocar num único livro a grande prova de que a ARCIL sempre esteve à frente no seu tempo e que pode estar de novo à frente» [Rui Ramos, Presidente da ARCIL, entrevistado por João Pinho, 23/01/2014]

«A ARCIL é uma casa de afectos. Foi uma instituição que foi crescendo. Começou por ter um líder importante, o Prof. Maio. E depois, a partir de 1979/1980 entrou num novo ciclo, com o Prof. Carvalhinho. Onde a ARCIL não podia ser uma escola especial. Tinha os dias contados. Começámos pela serração, Pré-Profissional, Profissional, desenvolvemos um CAO, depois as residências, oficinas de reparação de calçado, cerâmica, empresas de inserção e a ideia de autossustentabilidade» [João Graça entrevistado por Marta Ramos, 09/02/2011]

«Existe um clima que não se vê em mais lado nenhum, na relação com os utentes, a humanização, que não se sente noutras instituições. Um clima que resulta do respeito pelas pessoas e da importância que lhes é dada» [Ana Abrantes entrevistada por Marta Ramos, 24/02/2011]

«Uma das características da ARCIL é que as pessoas estão sempre a falar de trabalho. Levam a ARCIL para casa. As pessoas não trabalham na ARCIL, as pessoas vivem na ARCIL» [Cristina Silva entrevistada por João Pinho, 28/10/2013]

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Pessoas, Ideias e Afectos | ARCIL – um projecto de causas

Abreviaturas e Siglas utilizadas na Obra ANDDEM – Associação Nacional de Desporto para a Deficiência Mental APPACDM – Associação Portuguesa de Pais e Amigos do Cidadão Deficiente Mental APPC-NRC – Associação Portuguesa de Paralisia Cerebral – Núcleo Regional do Centro ARCIL – Associação para a Recuperação de Crianças Inadaptadas de Lousã CAO – Centro de Actividades Ocupacionais CEP – Centro de Emprego Protegido CG – Conselho de Gestão da ARCIL CLEL – Conselho Local de Educação da Lousã CML – Câmara Municipal da Lousã CP – Comissão Pedagógica CRINABEL - Cooperativa de Educação de Crianças Inadaptadas de Santa Isabel-Lisboa CRSSC – Centro Regional de Segurança Social de Coimbra CT – Corpo Técnico DGEB – Direção Geral do Ensino Básico DGEE/DEE - Direção Geral do Ensino Especial DUECEIRA – Associação para o Desenvolvimento do Ceira e Dueça FSE – Fundo Social Europeu GC – Governo Civil IAC – Instituto de Apoio à Criança IEFP – Instituto de Emprego e Formação Profissional INOFOR – Instituto para a Inovação na Formação INR – Instituto Nacional de Reabilitação IPJ – Instituto Português da Juventude ISS – Instituto de Segurança Social LPDM – Liga Portuguesa de Deficientes Motores METRIS – Metodologias de Trabalho em Rede para a Inserção Social MOLIS – Modelo de Intervenção Local de Integração Social de Pessoas com Deficiência NEE – Necessidades Educativas Especiais ORCA – Oficina de Reparação de Calçado PARES – Programa de Alargamento da Rede de Equipamentos Sociais PDIAS – Programa de Desenvolvimento Integrado de Acção Social da Lousã POPH – Programa Operacional Potencial Humano SAGRA - Social Agricultural Application SAPO – Sector de Apoio pela Ocupação SNRIPD – Secretariado Nacional para a Reabilitação e Integração das Pessoas com Deficiência TSS – Técnico de Serviço Social 27

Cronologia DATA

ACONTECIMENTO

11/04/1976

Reunião na Escola do Ciclo Preparatório Carlos Reis, na Lousã, de um grupo de pais com a população e representantes de entidades diversas, tendo em vista a formação de um centro de recuperação de crianças deficientes. Constituição de uma Comissão Instaladora

25/06/1976

Escritura Notarial dos Estatutos e constituição da Associação

23/12/1976

A CML aceita a doação de Jorge Mário de Carvalho, expressa por carta, de 1100 contos para ser utilizada em benefício da população do Concelho da Lousã

07/02/1977

Abertura do Centro de Recuperação de Crianças Deficientes da Lousã, na Quinta do Hospício e admissão dos primeiros utentes.

09/02/1977

A CML aceita os termos e condições da doação de Jorge Mário de Carvalho (750 contos para aquisição de imóvel e terreno anexo) e 350 contos (para beneficiação e adaptação) e afectação do espaço ao funcionamento da ARCIL

21/02/1977

Escritura da compra da casa e terreno da Quinta do Hospício feita pela CML e aplicando a doação de 750 contos de Jorge Mário de Carvalho, a D.ª Maria da Conceição Machado de Magalhães Mexia e Joaquim de Magalhães Pereira Machado

1979

No seguimento do acordo luso-sueco, desenvolve-se na ARCIL o Sector Pré-Profissional, com apoios à formação de professores e compra de máquinas industriais

01 a 03/06/1979 A ARCIL participa na exposição realizada nos Paços do Concelho, sobre o tema «Os direitos das crianças», realizada no âmbito do Ano Internacional da Criança.

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1979/1980

Primeira experiência de integração de crianças portadoras de deficiência em sala regular da Creche da Sta. Casa da Misericórdia da Lousã.

14/04/1980

Por despacho publicado no Diário da República II.ª Série, nº 87, a ARCIL foi reconhecida como pessoa colectiva de utilidade pública

1981

Início do funcionamento dos Programas de Pré – Profissionalização. Construção do Bloco da Pré (Metais, madeiras e olaria com apoio da F. Calouste Gulbenkian e IEFP

27/01/1981

Protocolo de cooperação entre a ARCIL e a VIUFIL pelo qual se cedeu o terreno para a edificação do Anexo de Produção

Pessoas, Ideias e Afectos | ARCIL – um projecto de causas

DATA

ACONTECIMENTO

14/06/1981

A Assembleia Geral aprova um voto de louvor a António Maio

22/04/1982

Visita à ARCIL do Governador Civil de Coimbra, Manuel Dias Loureiro

29/04/1982

Inauguração do Anexo, pequena instalação industrial da ARCIL a funcionar junto à empresa Viufil da Lousã, contando com a presença Secretário de Estado do Emprego, Luís Morales, que lançou a primeira pedra

03/10/1982

Visita do Secretário de Estado dos Desportos, Vaz Serra e Moura.

06/10/1982

Entra em funcionamento o apartamento dos Codessais – Lousã, tendo em vista o desenvolvimento dos lares ocupacionais.

18/02/1983

Inscrição oficial da ARCIL no Ministério dos Assuntos Sociais (Direcção Geral da Segurança Social) como Instituição Particular de Solidariedade Social

12/04/1983

Entra em funcionamento a oficina de reparação de calçado (ORCA) da ARCIL sob orientação do Sr. Juvenal

1982/1983

Integração de crianças portadoras de deficiência em salas regulares e salas de apoio permanente em Jardim de Infância da rede pública

05/02/1984

A Assembleia Geral atribui a categoria de Sócio Honorário a Jorge Mário de Carvalho e menção honrosa a Rui Carlos Tomás Soares, tesoureiro entre 1976-1979

10/02/1984

Inauguração das Oficinas de Pré-Profissionalização e Sector de Pecuária da ARCIL, na presença do Secretário de Estado do Emprego e Formação Profissional, Rui Barradas do Amaral, e coordenadora regional da Divisão do Ensino Especial, Isabel Maia.

1985

Criação do Sector de Apoio pela Ocupação (SAPO) para pessoas com deficiência de grau grave / moderado, sem capacidade para a realização de uma actividade profissional

Janeiro 1986

- Abertura do Centro de Formação Profissional, enquadrado e cofinanciado pelo FSE

20/07/1986

A Assembleia Geral da ARCIL autoriza a direcção a adquirir a Quinta do Caimão por 5 milhões de escudos

Outubro 1986

Entra em funcionamento o Gabinete de Psicologia, aberto ao exterior, sob orientação dos psicólogos Mário Pereira e Fernando Silva

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DATA

ACONTECIMENTO

25 Junho 1986

Abertura de uma loja da ARCIL no mesmo espaço da Oficina de Reparação de Calçado, para venda de artigos produzidos na instituição de artesanato e artigos de interesse turístico

05/11/1986

Escritura de compra da Quinta do Caimão

20/11/1986

Visita do Secretário de Estado da Segurança Social, José Nobre Pinto Sancho. Anuncia a entrega à ARCIL da impressão dos cartões de beneficiários da Segurança Social e confirma a atribuição de um subsídio de 7900 contos para aquisição da Quinta do Caimão. O governante dá também ordem para a creche e adaptação do lar para deficientes profundos na Santa Casa da Misericórdia.

1986

Início de funcionamento do apartamento (cadeia) e 2.º apartamento nos Codessais

1986/1987

Integração de crianças portadoras de deficiência em Escolas do 1.º ciclo da Lousã, em salas de ensino regular e de apoio permanente. Criação da 1ª Equipa de Ensino Especial com os professores que estavam na ARCIL

1987

Constituição formal da valência Centro de Actividades Ocupacionais, em Acordo de Cooperação com a Segurança Social

09/11/1987

A direcção aprova a instalação do Lar de Profundos (Residencial) que abriria em 1988 na Misericórdia

18/02/1987

Acordo de cooperação entre a ARCIL e a Divisão do Ensino Especial formalizando o PIL – Projecto Integrado da Lousã

1988

Arranque na Quinta do Caimão da estrutura de produção agropecuária – ARCILAGRO

23/04/1988

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Visita do Primeiro-Ministro Cavaco Silva.

Maio 1988

A ARCIL passou de observador a vogal do Conselho Nacional da Reabilitação

Julho de 1988

Assinatura do Acordo entre a ARCIL e a DREC – Dir. Regional de Educação do Centro para o Projecto de Integração Escolar de crianças e jovens com deficiência / Necessidades Educativas Especiais.

19/07/1988

Assinatura do acordo de cooperação entre IEFP e ARCIL regularizando o funcionamento do CEPARCIL (Centro de Emprego Protegido da ARCIL), com três valências – Serração de Madeiras, Reparação de Calçado e Serviços

Pessoas, Ideias e Afectos | ARCIL – um projecto de causas

DATA

ACONTECIMENTO

1989

Adesão à Rede Europeia de Centros de Reabilitação Profissional, enquadrada no Programa HELIOS, o único programa da Comunidade Europeia exclusivamente dedicado às pessoas com deficiência

1989

Criada a estrutura ARCILCARD de produção de todo o tipo de cartões de plástico (PVC).

1989/1990

Integração de crianças portadoras de deficiência em Escolas do 2.º e 3.ºciclos da Lousã

1989/1990

Primeiras integrações profissionais de formandos em empresas

1990

Abertura do Apartamento Residencial do Penedo com capacidade para 15 pessoas do sexo masculino

1990

Arranque de um projecto de enclave numa empresa têxtil da Lousã – Fábrica de Alcatifas da Lousã, gerida pela família Carvalho

1990

Constituição da ARCIL como Núcleo da Lousã do PIIP – Projecto Integrado de Intervenção Precoce

15/11/1990

Inauguração do novo bloco da ARCIL – Centro de Reabilitação Física, junto ao núcleo primitivo, com a presença de José Silva Peneda, Ministro do Emprego e Segurança Social

15/04/1991

Visita do Secretário de Estado do Emprego e Formação Profissional, Bagão Félix ao Centro Ocupacional, Centro de Cartões, Serração de Madeiras (Anexo) e Sapataria

Verão 1991

Por iniciativa da APPACDM de Viana do Castelo, foi celebrado um Acordo de Geminação entre esta instituição e a ARCIL:

04/07/1991

Visita Oficial do Secretário de Estado da Energia, Luis Filipe Pereira

15/07/1991

Formalizada a adesão à FORMEM - Federação Portuguesa de Centros de Formação Profissional e Emprego de Pessoas Deficientes de que foi co-fundadora

04/01/1992

Abertura do Serviço de Medicina Física e Reabilitação, pelo presidente do CRSS, Queiró de Lima

29/02/1992

Visita do Secretário de Estado da Saúde, José Martins Nunes.

11/06/1992

A direcção da ARCIL homenageia Jorge Carvalho atribuindo o seu nome à sala de reuniões do 1.º piso do edifício sede

05/12/1992

Alteração em Assembleia-Geral da denominação social da ARCIL: Associação para a Recuperação de Crianças Inadaptadas da Lousã, passa a Associação para a Recuperação de Cidadãos Inadaptados da Lousã

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DATA

ACONTECIMENTO

05/12/1992

Aprovação da criação da fundação FACIL - Fundação de Apoio ao Cidadão Inadaptado da Lousã

Finais 1992

Protocolo assinado com a Associação de Desenvolvimento da Lousã (ADEL) onde a ARCIL foi a instituição gestora das verbas do projecto de Luta contra a Pobreza, permitindo o arranque do PDIL – Projecto de Desenvolvimento Integrado da Lousã

1992

Constituição como Centro HANDINET – Informação, formação e aconselhamento em Ajudas Técnicas, no âmbito do Programa HELIOS.

1992/1993

Criação do Sector de Apoio Residencial, centralizando a gestão de todas as unidades residenciais

1993

Membro Fundador da Rede Europeia PHILADELPHIA, actualmente EAPH – European Association for People with a Handicap

29/01/1993

Escritura pública de compra e venda dos terrenos na Silveira (Serra da Lousã)

26/02/1993

Visita oficial do Governador Civil de Coimbra, Eng.º. Pedroso de Lima

28/06/1993

Visita do Secretário de Estado do Ensino Básico e Secundário, Joaquim Azevedo

1994

Assinatura de Acordo de Cooperação com a Segurança Social para a valência de Actividades de Tempos Livres (ATL)

1994

Membro Fundador da Rede Europeia COMETRA.

17/02/1994

Lançamento da 1ª pedra da ARCILCERÂMICA pelo Secretário Nacional da Reabilitação, António Charana

28/02/1994

A ARCIL passou a integrar, como associada, a DUECEIRA

15/04/1994

Visita do Presidente da República, Mário Soares, à Silveira.

21/06/1994

Início do funcionamento da ARCILJOVEM

26/07/1994

A direcção aprova a ARCIL como fundadora da Associação para o Desenvolvimento do Vale do Ceira/Dueça

06/10/1994

Realiza-se o I Festival Europeu da Canção para pessoas com deficiência, no teatro Orpheus em Apeldoorn – Holanda, tendo a ARCIL como co-fundadora.

1995

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Reenício das actividades de Expressão Musical e Musicoterapia.

Pessoas, Ideias e Afectos | ARCIL – um projecto de causas

DATA

ACONTECIMENTO

Fevereiro 1995

Rebenta o escândalo da fraude cometida pelo gestor administrativo da ARCIL, José Albano Metello Nunes dos Reis

18/02/1995

Na sequência da fraude sobre a ARCIL é aprovado, em reunião da Assembleia Geral da ARCIL, um voto de confiança à direcção presidida por José Ernesto Carvalhinho

01/07/1995

A Assembleia Geral da ARCIL delibera irradiar o sócio José Albano Metello Nunes dos Reis

23/09/1995

Inauguração de uma loja da ARCIL no Centro Comercial D. Dinis, em Coimbra

1996

Atribuição do estatuto de Centro Prescritor e Financiador de Ajudas Técnicas através de um despacho interministerial - Saúde, Educação e Segurança Social

29/03/1996

A Assembleia Geral da ARCIL aprova como sócio honorário Fernando Carvalho, tesoureiro, após aceitar o seu pedido de demissão

23/10/1996

Visita oficial do Sec. Nacional da Reabilitação, Vitorino Vieira Dias

Fevereiro 1997

Início das actividades de Hipoterapia, em parceria com a APPCNRC

27/05/1997

Visita oficial do Sec. Estado da Reinserção Social, Rui Cunha.

12/07/1997

A Assembleia Geral aprova como sócio honorário Luis Torres, fundador da ARCIL

05/05/1998

Protocolo assinado com o CRSS de Coimbra em que a ARCIL se tornou parceira do PDIAS

09/11/1998

A ARCIL participa no II Festival Europeu da Canção Para Pessoas Com Deficiência, com os utentes Luis Antão (CEP) e Sara Martinho (CAO-Serviços) e interpretação da canção “Queda do Império” tendo ao piano o musicoterapeuta Rui Ramos

25/11/1998

Visita do Sec. Estado do Emprego e da Formação, Paulo Pedroso, às instalações da ARCIL, ARCILCERÂMICA, ARCILMADEIRAS e ARCILCARD

22/02/1999

Visita da Comissão para o Mercado Social de Emprego, Gertrudes Jorge

27/02/1999

Visita oficial do Deputado Ricardo Castanheira às instalações da ARCIL

33

DATA

ACONTECIMENTO

10/09/1999

Inauguração do edifício do CAO – II (SAPO), na Quinta de Santa Rita, pelo Ministro do Trabalho e da Solidariedade, Ferro Rodrigues

11/01/2000

Inicia actividade a Empresa de Inserção ARCILAV (lavandaria e limpeza)

17/01/2000

Aprovado pela direcção, na generalidade, o Projecto ORCA

31/01/2000

Visita do Presidente da Câmara Municipal da Lousã, Fernando Carvalho

01/03/2000

Após obras de reabilitação, o Lar para Pessoas com Deficiência Profunda regressa às instalações da Santa Casa, através de protocolo entre a SCML e a ARCIL

04/08/2000

Entrega formal do 4º piso do Centro de Saúde onde vinha funcionando o lar, após transferência do mesmo para as instalações da SCML

Outubro 2000

O Presidente da ARCIL, José Ernesto Carvalhinho solicita a demissão das suas funções por motivos de saúde

02/12/2000

A AG da ARCIL aprova um voto de louvor e agradecimento ao trabalho desenvolvido pelo seu presidente José Ernesto Carvalhinho designando-o Sócio Honorário.

02/12/2000

Ascende a Presidente da ARCIL José Manuel Marques Leandro

Junho 2001

Abertura de loja da ARCIL no Intermarché da Lousã.

Dezembro 2001 Credenciação pelo IEFP como Centro de Recursos Local dos Centros de Emprego da Lousã e de Arganil, funcionando como suporte técnico para as questões e reabilitação Janeiro 2002

A ARCIL foi eleita representante das IPSS do concelho no Conselho Local de Educação da Lousã (CLEL)

09/04/2002

Falecimento de Luis Torres, fundador da ARCIL

20/04/2002

Aprovada em AG e por unanimidade, a proposta da direcção para que os fundadores da ARCIL passassem a Sócios Honorários

Abril 2002

Atribuição de medalha de mérito do concelho da Lousã

Setembro de 2002 Reínicio de actividade do Rancho Folclórico da ARCIL. 11/12/2002 2003

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Formalizada a adesão à HUMANITAS - Federação Portuguesa para a Deficiência Mental Torna-se membro do CLAS – Conselho Local de Acção Social.

Pessoas, Ideias e Afectos | ARCIL – um projecto de causas

DATA

ACONTECIMENTO

12/07/2003

Realização do 1.º Festival Nacional da Canção Para Pessoas Com Deficiência Mental, realizado no Cine-Teatro da Lousã, no âmbito das actividades comemorativas do Ano Europeu da Pessoa com Deficiência

02/01/2004

Início dos Acordos de Cooperação com a Segurança Social criando as valências Apoio Domiciliário e Lar de Apoio

23/03/2005

Falecimento de Jorge Mário Carvalho, associado honorário e benemérito da ARCIL

11/11/2006

Realiza-se o I Festival de Folclore da ARCIL no âmbito do programa comemorativo dos 30 anos da instituição

19/12/2006

Visita oficial do Presidente da República, Prof. Aníbal Cavaco Silva, às instalações da ARCIL

21/04/2007

A Assembleia Geral aprova por unanimidade um voto de louvor ao Prof. António Rodrigues de Almeida Maio enquanto sócio fundador e 1.º Presidente da Direcção da ARCIL

31/05/2007

Encerramento da loja de reparação de calçado que a ARCIL ocupava no Intermarché da Lousã

10/06/2007

A ARCIL é distinguida pela Presidência da República com o grau de Membro Honorário da Ordem de Mérito no âmbito das comemorações do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades, comemorado na Cidade de Setúbal

13/07/2007

Escritura de doação de lote na Quinta de Santa Rita (onde já funcionavam os edifícios do SAPO e ARCILMADEIRAS), pela Câmara Municipal da Lousã - doação aprovada por unanimidade em Assembleia Municipal

09/11/2007

Organização do VII Festival Europeu da Canção para Pessoas com Deficiência Mental, no CAE (Centro de Artes e Espectáculos da Figueira da Foz)

07/02/2008

Homenagem a Fundadores, Ex-Presidentes da Direcção e amigos da ARCIL, colocando fotografias das personalidades homenageadas na sala de reuniões e de direcção

06 Julho 2009

Inauguração na Vila de Góis, de um Pólo do CAO, em cerimónia presidida pelo director do CDSSC, Mário Ruivo.

16/09/2009

Visita da Ministra da Saúde, Ana Jorge

19/10/2009

Lançamento da obra CEO, com a presença da Secretária de Estado Adjunta e da Reabilitação Idália Moniz.

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DATA

ACONTECIMENTO

04/02/2010

Visita da Sec. Estado Adjunta e da Reabilitação, Idália Moniz, ao Pólo de CAO, em Góis.

01/03/2010

O executivo da CML aprova a transferência para a ARCIL das propriedades seguintes: Cabo do Soito, Santa Rita (onde funciona a ARCILCERAMICA), e o local da antiga cadeia na Rua Eng.º Duarte Pacheco onde está instalada a fábrica de cartões. A doação seria oficializada a 02/06/2010, com excepção da propriedade ao Cabo do Soito, só mais tarde regularizada.

Setembro 2010 21/11/2010

A ARCIL recebe no Palácio da Bolsa, no Porto, o prémio Manuel António da Mota, com o projecto de acessibilidade, desenvolvido por 2 jovens terapeutas da fala do Centro de Recursos para a Inclusão (CRI), João Canossa e Mariana Teixeira

22/11/2010

A ARCIL recebe no CCB em Lisboa, o prémio “Capacitar” promovido pelo banco BPI, no valor de 200.000 Euros distinguindo o Projecto Sustento

04/12/2010

Inauguração do Centro de Estimulação Ocupacional na presença da Sec. Estado para a Reabilitação, Idália Moniz

14/03/2011

Deliberado aderir à RSOPT - Rede Nacional de Responsabilidade Social

25/07/2011

Abertura ao público do bar sito no Parque Carlos Reis, entregue pela CML à ARCIL para exploração.

Setembro 2011

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Formalização da adesão à ADXTUR – Aldeias do Xisto

Certificação EQUASS

25/10/2011

A direcção suspende a produção de cartões na unidade de ARCILCARD

10/12/2011

Visita do Secretário-geral do PS, António José Seguro às instalações do CEO

15/03/2012

Inauguração da Loja ARCILCERÂMICA

19/11/2012

Inauguração de exposição com peças de cerâmica

03/12/2012

Inauguração do mural e lançamento oficial da campanha Ponha o seu nome no CEO

Julho 2012

O Programa EDP Solidária premeia o projecto “Coisas da Quinta” desenvolvido pela ARCIL

Outubro 2013

A ARCIL assume a coordenação administrativa e financeira do Programa de Contratos Locais de Desenvolvimento Social – CLDS+

15/05/2014

Falecimento do professor António Maio, fundador e 1º presidente da direcção da ARCIL (1977-1981)

Pessoas, Ideias e Afectos | ARCIL – um projecto de causas

1976. Um ano profícuo em acontecimentos…

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a política internacional, sucedem-se momentos históricos: em Itália o democrata-cristão Aldo Moro toma a responsabilidade de formar governo; em Espanha e após um interregno de 40 anos realizam-se eleições municipais, sendo amnistiados 90% dos presos políticos; em França, Jacques Chirac demite-se da chefia do governo, sendo substituído por Raymond Barre; em Cuba, é referendada a nova Constituição estabelecendo o carácter socialista da República e a aspiração em constituir uma sociedade comunista; a India e a China restabelecem relações diplomáticas; o Vietname consegue a reunificação; as ilhas Seychelles, após 162 anos de domínio britânico tornam-se independentes; a Grécia e a Turquia chegam a acordo sobre o domínio da plataforma do Mar Egeu; e Portugal integra-se no Conselho da Europa. Os EUA são notícia pelos melhores motivos - celebram com festas sumptuosas os seus 200 anos e é eleito Jimmy Carter como Presidente – mas também pelos piores – rebenta o escândalo Lockheed, que consistiu no pagamento de luvas por esta empresa norte-americana de aviões, a numerosas personalidades da Europa e do Japão. Por outro lado, o 13º Congresso da Internacional Socialista, encerra com a eleição de Willy Brandt para a presidência da organização. Por fim, e reunidos no Qatar, os membros da OPEP decidem aumentar em 15% o preço do petróleo. 37

Os conflitos militares dominam o panorama global: o governo cubano confirma o envio de voluntários para Angola em apoio ao MPLA; os EUA cessam a ajuda a Chile; na Argentina Isabel Perón é deposta na sequência de golpe militar; as tropas sírias penetram no Líbano, chegando aos arredores de Beirute. O terrorismo vai ganhando expressão: na Córsega, 16 atentados são reivindicados, em Maio, pela Frente Nacional de Libertação, a qual estará na origem da explosão de um Boeing 707 da Air France em Setembro; e um comando israelita vai a Entebe, no Uganda, libertar os reféns do Airbus da Air France, desviado por palestinianos. O racismo continua uma pesada herança, que não dá tréguas: confrontos raciais na cidade negra de Soweto, na República da África do Sul, fazem 60 mortos. Aqui e ali a descriminação sexual vai cedendo: pela primeira vez frequentam a Academia Militar de West Point, nos EUA, pessoas do sexo feminino. Um ano também duro em termos de catástrofes naturais: sismos em Itália (Friul) e nas Filipinas abanam o planeta, embora sem a magnitude daquele que ocorreu na cidade mineira chinesa de Tangtshan, causando o impressionante número de 650.000 mortos. Apesar dos conflitos e dos acidentes, o ano traria algumas boas notícias, relacionadas com progressos tecnológicos: a inauguração do metropolitano de Bruxelas; o voo do avião comercial anglo-francês Concorde, entre Paris e Nova Iorque, à velocidade supersónica; o maior telescópio do mundo inicia funcionamento em Zelentschuck, no Cáucaso. Na saúde destaca-se a realização da IX Assembleia da Organização Mundial da Saúde, onde surgiu uma classificação internacional de deficiências, incapacidades e desvantagens, ou seja, um manual de classificação das conseqüências das doenças (CIDID), publicado em 1989. Na cultura, o prémio nobel distingue Saul Bellow (EUA), enquanto William Styron lança A Escolha de Sofia. Alfred Hitchcock estreia no cinema Intriga em Família e Martin Scorsese Taxi Driver. Na música forma-se a banda irlandesa U2. A nível nacional realiza-se a primeira Festa do Avante e, mais tarde, o 8º Congresso do PCP, corolário da influência desta força partidária na sociedade, 38

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especialmente a sul do Tejo. Preconizando a vitória do Socialismo em Portugal a acção do partido será orientada pela Reforma Agrária. O país, na verdade, vive neste ano os efeitos políticos e sociais da Revolução dos Cravos: em janeiro, o ex-presidente português, António Spínola, residente em Espanha, é obrigado a refugiar-se no Brasil; nos princípios de Abril aprova-se a Constituição democrática socialista e, a 25 do mesmo mês, são conhecidos os resultados das eleições gerais em Portugal: o PS obtém 34,87% dos votos, o PSD 24,38%, o CDS 16% e o PCP 14,35%. - resultados que levarão Mário Soares a formar um governo minoritário (I Governo Constitucional), tacitamente apoiado pelos comunistas. Mais tarde, a 27 de Junho, o General A. Ramalho Eanes seria eleito Presidente da República com 61,5% dos votos. O orçamento de Estado prevê um défice de 34.800 contos, e a Assembleia Constituinte analisa o problema dos orizicultores do Vale do Mondego e a regularização do Baixo Mondego. Paralelamente, uma onde de atentados destruía sindicatos em Braga, enquanto sedes de partidos políticos na Covilhã eram incendiadas. Na cultura, Miguel Torga lança a obra Fogo Preso, José Saramago o Manual de Pintura e Caligrafia, Vitorino Nemésio Sapataria Açoriana e Eduardo Lourenço O Fascismo nunca existiu. Na imprensa, lança-se o primeiro número do jornal O Diário e, em Coimbra, o Teatro de Estudantes da Universidade de Coimbra, estreia em Abril, a peça Arraia-Miúda, de Jaime Gralheiro. Na religião canoniza-se a portuguesa Beatriz da Silva (1424-1491) que fundou em Espanha a Ordem da Imaculada Conceição. No Desporto, Carlos Lopes vence, em Chepstown, o Campeonato do Mundo de Corta-Mato e, nos Jogos Olímpicos de Montreal (Canadá), obtém a medalha de prata nos 10.000 metros. A nível regional, Coimbra assiste, pelo início do ano, a uma corrida aos saldos, enquanto o Ramal da Lousã era motivo de acesa discussão nesta cidade, nomeadamente a localização do futuro apeadeiro na sequência do encerramento da travessia diária entre o Parque da Cidade e a Estação Nova. A questão dos baldios, nomeadamente dos povos serranos, ganha novo ânimo com a publicação de lei reconhecendo o direito dos povos, o que conduzirá ao recenseamento dos mesmos. 39

A nível local, a Comissão Administrativa da CM Lousã avança para o arranjo da Praça Cândido dos Reis, o executivo da Freguesia de Vilarinho queixa-se dos muitos ofícios enviados e dos poucos despachos favoráveis, e elegem-se as comissões de moradores em várias freguesias. Também em Vilarinho, e no lugar do Prilhão, funda-se a Associação Popular “União e Progresso” a 1/1/1976, enquanto encerram as portas do mais antigo clube da Lousã: o Clube Lousanense, fundado em 1885. Em Fevereiro realiza-se a IV edição do percurso Lousã-Coimbra, por estafetas, e, em Março, torna-se conhecida a Comissão Instaladora do Hospital Concelhio da Lousã. No 1º de Maio decorre um vasto programa comemorativo, com destaque para a homenagem aos democratas José Cardoso e Alcino Simões Lopes. Neste mês, assumem grande destaque as tradicionais festas a N.ª Sr.ª Piedade e a vitória expressiva do PS nas eleições legislativas. Em Julho conhecem-se as nomeações dos corpos gerentes da Cooperativa de Comercialização, enquanto a Comissão de Moradores de Vale de Nogueira lança uma curiosa campanha de angariação de fundos tendo em vista a aquisição de um triciclo motorizado para um conterrâneo, de nome Manel, poder trabalhar - e a quem fora recusado o pedido feito junto do Serviço de Reabilitação e Protecção aos Diminuídos Físicos. Um Verão quente marcado pela falta de água em várias freguesias, como em Vale de Nogueira, mas também de luz, em especial na povoação de Videira, lugar da Freguesia de Foz de Arouce. Na 38ª Volta a Portugal, participa um lousanense, Luís Gregório, natural de Fiscal (freguesia de Vilarinho), classificando-se em 22º lugar ao serviço da equipa do Sangalhos. Em Novembro, volta a aparecer no jornal “A voz de Serpins”. E, em Dezembro, sairia vencedor das eleições autárquicas o PS, com larga maioria. Contudo, o facto mais relevante da vida social na Lousã, no distante ano de 1976, seria a criação da ARCIL - Associação para a Recuperação de Crianças Inadaptadas da Lousã – após trabalho prévio efectuado por uma Comissão Instaladora constituída pelos seguintes elementos: José Júlio dos Santos Carvalhinho, Armando Jorge Agostinho Ribeiro de Carvalho, Manuel Paulo de Almeida, António Rodrigues de Almeida Maio, Gualter Baeta Sequeira Neves Barreto, Arménio Tomás, Luís Torres Carvalho Dias, Rui Carlos Soares, D. Deolinda Fernandes Simões e Dª. Elvira dos Prazeres Silva. 40

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«O conceito de integração é mais do que um modelo pedagógico. É um mecanismo de formação tão poderoso como as noções de democracia, de justiça e de igualdade, e é um elemento capital para a concretização permanente destas aspirações» [A Integração Escolar das Crianças e dos Adolescentes, Documentos OCDE, Paris, 1994]

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Perspectiva Histórica

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desenvolvimento das estruturas organizacionais para pessoas com deficiência passou por diferentes fases, reflexo das teorias vigentes e dos sistemas político-sociais dominantes. A UNESCO considerou, em 1977, que a História da Humanidade passou, no que respeita à integração de cidadãos deficientes, por vários estádios que a seguir se descrevem: 1. Estádio Filantrópico: em que as pessoas com deficiência eram vistas como pessoas doentes, portadoras de incapacidades permanentes, necessitando de tratamento e cuidados de saúde em isolamento; 2. Estádio de Assistência Pública: em que o estatuto de doentes e inválidos implicava assistência social em Instituições Especiais; 3. O Estádio dos Direitos Fundamentais: sendo iguais para todos independentemente das suas limitações e incapacidades, incluindo no que respeita à educação; 4. O Estádio da Igualdade de Oportunidades: numa época em que o desenvolvimento económico e cultural levou à massificação da escola, onde pela primeira vez sobressairam os handicapes a nível social e cultural e as dificuldades de aprendizagem eram cada vez mais evidentes, valorizando a igualdade e não respeitando as diferenças individuais numa escola cada vez mais igualitária; 43

5. O Estádio da Integração: na actualidade [1977], onde a normalidade é posta em causa e se defende a diferença e as necessidades específicas de cada um. Assim, e durante séculos vingou a exclusão, afastamento ou segregação do cidadão deficiente, seres vistos como indesejáveis, perturbadores e ameaçadores da vida social: em Esparta, uma comissão especial dava ou não o direito à criança de sobreviver consoante os seus problemas físicos; em Atenas, as crianças deficientes eram abandonadas nas florestas e, em Roma, atirados aos rios, enquanto na China, os deficientes auditivos eram lançados ao mar. Na Idade Média, o quadro era também assustador: apedrejados e mortos nas fogueiras da Inquisição, considerados como possuidores do demónio, de terem o “diabo no corpo”, por vezes mortos em rituais e práticas de feitiçaria. As suas atitudes andavam ligadas a crenças sobrenaturais, demoníacas e supersticiosas, que geravam do desprezo ou rejeição a atitudes de pena ou compaixão. Surgem asilos, orfanatos e hospitais para acolherem os perturbados mentais. Com a Revolução Francesa, os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade, levaram a uma atitude diferente face ao cidadão deficiente. Através da forma assistencial eram entregues aos cuidados de organizações caritativas e religiosas, mas ainda assim segregados da sociedade. O Séc. XIX seria fundamental na abordagem à deficiência, trazendo mudanças muito significativas, pelas preocupações ao nível médico e científico: «Vitor, designado pelo “Selvagem de Aveyron” que foi abandonado precocemente nos bosques franceses e mais tarde descoberto, sofrendo de uma deficiência mental profunda (muito embora alguma literatura espanhola o refira como portador de Autismo) foi um dos grandes exemplos de empenhamento ao nível da intervenção educativa por parte de Itard. Itard é hoje considerado o “pai da Educação Especial” pois foi ele quem pela primeira vez desenvolveu e utilizou programas específicos com vista à educação de crianças com necessidades educativas específicas»1. Maria Luisa Paiva Simões – Inclusão, um percurso…vários caminhos. Relatório de Estágio na ARCIL, Educação Especial, UC, FPCE, Julho 2002, p. 26

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O Séc. XX acentuou a visão do problema a nível científico: «A medição da capacidade intelectual a partir de desempenhos a nível sensório-motor de Galton e os testes de inteligência de Stanford Binet e Simon que levam ao aparecimento do conceito de “Idade Mental”, vêm demonstrar que a capacidade intelectual é mensurável», conduzindo a uma aceitação das diferenças, assumindo que as capacidades são diferentes «e levando pela primeira vez à identificação de crianças com “atrasos” mentais que não poderão estar nas escolas regulares, mas sim em situações educativas especificas, daí surgirem Escolas Especiais»2. Apesar dos progressos o planeta seria sacudido pelo primeiro conflito mundial (1914/1918). Assim e durante a Primeira Guerra Mundial, um grande número de deficientes mentais adultos saíram dos internatos onde levavam uma existência monótona para combater no exército. Terminado o conflito, foram novamente conduzidos para os internatos, permanecendo alheados da vida social do seu tempo. A crise económica dos anos 30 exerceu forte influência negativa. A redução de recursos destinados aos serviços sociais deu origem a um retrocesso com grande parte dos Estados a adoptarem ideologias sociais negativas: Estas teorias deram origem a atitudes de prevenção social, ao alarme eugenésico, uma radicalização das teses de Galton. Assim implementaram-se medidas coercivas no que respeita ao matrimónio, esterilização e reclusão em instituições, entre outras. O segundo conflito armado mundial (1939-1945) fez emergir, na Alemanha, a figura de Adolfo Hitler. Na sua louca obsessão pelo aperfeiçoamento da raça, trouxe tempos de atrocidades. Os cidadãos com deficiência estiveram entre os primeiros sacrificados: recorde-se a lei da higiene social de 1933, onde se calcula que 100.000 pessoas sinalizadas com deficiência mental, e outras perturbações associadas, tenham morrido durante a época do terror nazi; ou a esterilização compulsiva de pessoas com problemas hereditários, deficientes mentais; e a castração de delinquentes sexuais, ou de pessoas que a cultura nazi assim classificasse, como era o caso dos homossexuais.

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Idem. p. 27

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Na Segunda Guerra Mundial (tal como na primeira) nos EUA, também os excluídos, caso dos deficientes mentais que tinham capacidade para produzir, foram chamados na mobilização geral. Após a 2ª Guerra Mundial começaram a valorizar-se os direitos humanos, aparecendo novos conceitos, como o direito à diferença e a justiça social, veiculados através de organizações de índole político-filosófico e social: ONU, UNESCO, OMS, OCDE, EU, Conselho da Europa e Reabilitação Internacional. Recordemos, a este propósito: • Declaração Universal dos Direitos Humanos, (ONU, 10/12/1948), que no seu Art.º 1.º definiu: «Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos e, dotados que são de razão e consciência, devem comportar-se fraternalmente uns com os outros»; e no seu artigo 3: «Todo indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança da sua pessoa», que se deve aplicar a todas as pessoas sem excluir os incapacitados. • Declaração dos Direitos da Criança (Resolução da ONU, 20/11/1959), que estipulou que os direitos das crianças com deficiência devem ser respeitados, nomeadamente os direitos aos estudos, a brincar, ao convívio social. No seu Princípio 5.º pode ler-se «A criança mental e físicamente deficiente ou que sofra de alguma diminuição social, deve beneficiar de tratamento, da educação e dos cuidados especiais requeridos pela sua particular condição». •D  eclaração dos Direitos das Pessoas com Deficiência Mental (ONU, 20/12/1971). Compromisso assumido pelos Estados Membros, na Carta das Nações Unidas, de agir em conjunto ou separadamente, em cooperação com a Organização, com vista a promover a elevação dos níveis de vida, o pleno emprego e condições de progresso e desenvolvimento económico e social. Posteriormente, podemos destacar como principais marcos do quadro evolutivo a nível mundial no que toca à deficiência e educação: • Public Law 94-142. Aprovada pelo Congresso dos EUA em 1975, tendo como objectivo principal a integração de todas as crianças na escola pública. O número elevado de crianças com N.E.E., cerca de 8 46

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milhões, impulsionou uma intervenção legislativa com vista a uma plena integração escolar, que se repercutiria também na integração social. Concretizou 4 objectivos principais: • Garantir que todas as crianças com NEE dispusessem de Serviços de Educação Especial; • Assegurar que as decisões sobre a prestação de serviços fossem tomadas de forma ponderada e adequada; • Estabelecer uma administração transparente, procedimentos e requisitos de auditoria para a Educação Especial em todos os níveis do Governo; • Disponibilizar fundos federais para auxiliar os Estados ao nível dos custos; A lei privilegiou a vertente educacional, promovendo uma integração assente em princípios base: Educação Pública e gratuita para todas as crianças com NEE, avaliação exaustiva e práticas de teste adequadas à condição da criança e não discriminatórias (quer racial quer culturalmente), colocação da criança no meio menos restritivo possível satisfazendo as suas necessidades educativas, elaboração de planos educativos individualizados (PEI), formação de professores e outros técnicos, desenvolvimento de materiais adequados e envolvimento parental no processo educativo da criança. Warnock Report. Face ao descontentamento crescente em relação às concepções teóricas e práticas da Educação Especial organizou-se, na Grã-Bretanha, em 1974 e pela primeira vez, um Comité de Investigação, constituído pelo Departamento de Educação e Ciência, presidido por Mary Warnock. O objectivo principal era a análise da situação educativa das crianças e jovens com deficiências físicas e mentais, e as formas de aproveitamento de todos os recursos existentes para uma educação mais eficaz. Pela primeira vez, fez-se uma sensibilização para os recursos da comunidade (quer escolar, quer extra-escolar) apelando à participação e envolvimento de professores, técnicos, pais e autoridades locais. O documento seria publicado em 1978 com o título Report of the Comité of Handicapped and Young People, desde logo operando uma mudança de conceito, nascendo o das Necessidades Educativas Especiais em substituição da Incapacidade e Deficiência. Aquele novo termo trouxe um novo enfoque à problemática, 47

privilegiando a vertente educacional e pedagógica, centrando a análise mais exaustiva a nível escolar, como resposta às necessidades específicas de cada criança. Conferência Mundial sobre Educação para Todos. Realizada em Março de 1990, em JOMTIEN, na Tailândia. Aprovou a Declaração Mundial sobre a Educação para Todos sendo de destacar a passagem: «devem ser tomadas medidas de modo a garantir igualdade de acesso à educação de todas as categorias de pessoas com deficiência como parte integrante do sistema educativo». Declaração de Salamanca. No âmbito da Conferência Mundial sobre Necessidades Educativas Especiais, numa colaboração do Governo Espanhol e UNESCO, realizada entre 7 e 10 de Junho de 1994. Participação de 92 governos e 25 organizações internacionais onde o princípio fundamental então consignado foi a Educação Inclusiva numa Escola para Todos. Trouxe novas concepções sobre NEE: as escolas devem ajustar-se a todas as crianças, independentemente das suas condições físicas, sociais, linguísticas ou outras, colocando novos desafios ao sistema escolar, que tem de encontrar soluções e adequar estratégias de forma a educar com sucesso. Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. Adoptada na 61ª Sessão da Assembleia-Geral das Nações Unidas, realizada em 13 de Dezembro de 2006, constitui um marco histórico na garantia e promoção dos direitos humanos de todos os cidadãos e em particular das Pessoas com Deficiência. Não criou direitos novos, uma vez que os direitos fundamentais das pessoas com deficiência já eram reconhecidos por outros instrumentos das Nações Unidas de âmbito geral. Este documento resultou do consenso generalizado da comunidade internacional sobre a necessidade de garantir efectivamente o respeito pela integridade, dignidade e liberdade individual destes cidadãos e de reforçar a proibição da discriminação destes cidadãos através de leis, políticas e programas que atendam especificamente às suas características e romovam a sua participação na sociedade. A estes marcos poderemos ainda associar duas declarações provenientes das Nações Unidas: a Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes Mentais – Nações Unidas 1971 - Resolução XXVI de 20/12/1971, definindo os mesmos direitos que os outros seres humanos e a dignidade da pessoa humana; e a Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes (1975). 48

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Em Portugal, a Educação Especial teve uma longa evolução marcada por princípios de exclusão e rejeição: exploração e abandono, protecção caritativa, internamento em instituições de educação, e envio para escolas ou classes especiais. No essencial, podemos considerar a existência de 3 fases: • Fase assistencial. Abrange grande parte do séc. XIX e parte substancial do séc. XX. As crianças deficientes eram colocadas em instituições privadas sem fins lucrativos, protegidas e separadas da estrutura social. Destaca-se a criação de instituições assistenciais por alguns beneméritos como a Casa Pia ou Misericórdias. Em 1822 surgem os primeiros institutos para cegos e surdos com caracter asilar e para várias categorias de deficientes, mais tarde apoiados oficialmente. A partir de 1913, o pedagogo António Aurélio da Costa Ferreira deu novo impulso à EE, em especial à educação de surdos, criando o primeiro curso para especialização de professores. Em 1915 cria o Instituto Médico-Pedagógico, primeira tentativa de educar e facultar assistência a crianças menores anormais (como eram à época designados) Em 1916, criou um instituto com o seu nome que tinha por finalidade o diagnóstico e ensino de alunos com deficiência mental da Casa Pia e as crianças que vinham à sua consulta externa com perturbações mentais e de linguagem. Embora longe da integração, o instituto tinha por objectivo principal a formação de professores e educadores para o EE. Com o Estado Novo a abordagem ao problema da EE manteve-se longe do desejado. O DL nº 31801 de 26 de Dezembro de 1941 apelidava os necessitados de apoio como crianças idiotas, imbecis, cretinas, inaptas e anormais, embora atribuisse ao Instituto António Aurélio da Costa Ferreira 3 funções, todas elas tendo em vista a assistência à deficiência: «selecionar e classificar as crianças portadoras de deficiências, de orientar e preparar o pessoal docente e técnico (…) e a de promover estudos de investigação médico-pedagógica e de psiquiatria infantil». Contudo, vive-se em ambiente de descontentamento social, pela escassez de recursos, instalações, professores especializados e assistência médica. Sem surpresa, o Decreto-Lei 53401, de 1945, designa como grandes ineducáveis ou 49

anormais educáveis as crianças com EE. Em 1946, o já referido instituto seria integrado na Secretaria Geral do Ministério da Educação Nacional, a qual criou as «classes especiais para crianças anormais». • Seguiu-se a fase de Educação Especial de Cariz Médico (Década de 60). Marcada pela intervenção estatal na EE, através do Decreto-Lei n.º 35752, de 1961, que reconheceu «as crianças diminuídas» e, pelo Decreto-Lei n.º 45832, de 1964, onde se aludia aos «deficientes, inadaptados diferentes». Foi reconhecido o direito à educação especializada e à reabilitação. Preconiza-se a formação de professores e técnicos habilitados, constituição de equipas com vista à integração de crianças cegas em salas de apoio. Surgem instituições apoiadas financeiramente pelo Estado e são criadas estruturas oficiais de apoio à EE: centros médicos, escolas especiais, internatos. Com o apoio dos fundos do totobola nascem novas instituições: o Instituto de Assistência a Menores dá origem ao Centro de Observação e Orientação Médico-Pedagógico (COOMP), serviço de orientação domiciliária, criando-se diversos estabelecimentos educativos para deficientes mentais. O Instituto de Assistência a Menores deu apoio ao Centro Infantil Helen Keller, começando mais tarde a fazer a educação conjunta de crianças com deficiência visual e com visão normal. Instituto pioneiro, pois foram alunos do Centro Helen Keller que pela primeira vez se integraram em escolas secundárias para prosseguirem estudos, podendo contar com o apoio de professores especializados. No ano lectivo de 70/71, e contando com a participação do Ministério da Educação, surgem salas de apoio anexas às salas de ensino regular, em algumas escolas primárias, tendo como objectivo fundamental a integração. É, de facto, na década de setenta, que se dá importante viragem. De 1970 a 1974 foi Ministro da Educação Nacional, José Veiga Simão. O seu nome ficou ligado a reformas profundas no sistema educativo português, assentes em dois pilares estruturantes: a educação de todos os portugueses e a democratização do ensino, por um lado; e a conceção de projetos concretos de reforma do sistema escolar e de linhas gerais de reforma do ensino superior, por outro. Com a Reforma de Ensino de 1973 (Decreto-lei Nº5/73 de 25 de Julho), que alargou o período da escolaridade obrigatória para os 8 anos e a tornou 50

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extensiva às «crianças inadaptadas, deficientes e precoces», o Ministério da Educação tomou definitivamente a seu cargo a educação das crianças e jovens deficientes. Estavam criadas as bases para se iniciar um processo de transformação e modernização da Educação Especial em Portugal. A Reforma Veiga Simão, como ainda hoje é conhecida, abriu espaços de participação a professores e alunos que tornaram cada vez mais evidente a necessidade de democratização da sociedade, efeito não desejado pelo sistema político vigente à época. Assim sendo, os resultados práticos ficaram aquém das intenções. Não obstante, é inegável o mérito da intervenção de Veiga Simão, nomeadamente por ter iniciado o processo de mobilização educativa dos anos 1970, que se desenvolveria com maior expressão a partir de 25 de Abril de 1974. Foi no âmbito desta reforma que pela primeira vez se criou um departamento ligado ao Ensino Especial no Ministério da Educação (1973). • Passou-se posteriormente para a fase da Integração. as políticas sociais a partir dos anos 70 chamaram a atenção para a igualdade de oportunidades no acesso à escola pela criança deficiente, nos vários níveis de ensino. As novas politicas do pós 25 Abril, modificaram o quadro da Educação Especial. É a partir desta data que a participação dos professores e estudantes no processo educativo ultrapassou a mera funcionalidade que o regime anterior tolerava e se alargou às estruturas escolares: «Criou-se, pela primeira vez, um Departamento de Ensino Especial no Ministério da Educação», contou-nos a Dra. Ana Maria Bénard da Costa, «e eu fui convidada para abrir esse departamento»3 O convite foi aceite e, em Junho de 1973, Ana Bénard, que se encontrava, até então, a organizar os programas para crianças com deficiência visual a nível nacional no então Ministério da Saúde e Assistência, levou para o Ministério da Educação a convicção de que era, de facto, ali que pertencia a Educação Especial: «Na altura, estava estabelecido que os deficientes mentais se dividiam em três

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Ana Maria Bénard da Costa entrevistada por Marta Ramos, 06/07/2011

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grupos: os deficientes ligeiros, que estavam nas “classes especiais” do Instituto António Aurélio da Costa Ferreira e que dependiam da DG Ensino Superior; os deficientes médios, com algumas capacidades escolares, que estavam sob a alçada da Segurança Social (Sector da Deficiência Mental); e os profundos, sob a responsabilidade do Instituto Nacional de Assistência Psiquiátrica». Nessa altura, a Educação apenas se ocupava dos deficientes sensoriais e motores. Os deficientes mentais, à exceção de alguns colégios particulares em Lisboa e no Porto, não tinham respostas válidas. Filomena Pereira4 recorda-nos os contornos do processo, designadamente, a partir de 1977/1978 quando o Ministério da Educação passa a dar uma «… atenção muito centrada em alunos com problemas visuais e auditivos. Os alunos deficientes mentais ficaram um pouco mais para trás, escondidos do olhar, para não incomodar os outros, num cantinho mais protegidos. Muito amor e carinho, comidinha a horas, mas entendia-se que não eram capazes de fazerem progressos»5. Este vazio levou a que os pais sentissem a necessidade de intervirem, comunitariamente, para que aos seus filhos fossem dadas mais e melhores ofertas de atendimento educativo. Face à insuficiente resposta das instituições oficiais, assistiu-se, nesta década, a um movimento de organização dos pais, associativo e cooperativo, que esteve na base da criação de várias instituições sociais e mecanismos de apoio a instituições particulares sem fins lucrativos, como foi o caso da ARCIL ou das CERCIS. Perante recursos reduzidos, materiais e profissionais, que limitavam a educação, operou-se uma mudança de profundo impacto: «Por todo o país, começa a verificar-se um movimento e empenhamento dos pais e de alguns membros da sociedade face ao descontentamento relativamente à falta de meios, surgindo as Associações de Pais e Amigos. A partir de 1974 este forte movimento cooperativo de pais e de técnicos, percepcionando a insuficiência das respostas e recursos, cria cooperativas de Ensino Especial por todo o país, sobre a tutela do Ministério da Educação (SNR). Surgem as primeiras cooperativas de Educação e Reabilitação para crianças inadaptadas (CERCI de Lisboa, a Directora dos Serviços de Educação Especial do Ministério da Educação Filomena Pereira entrevistada por João Pinho, 08/03/2014.

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16/07/1975) e, em Junho de 1976, a ARCIL. Entretanto, por todo o país, pais e alguns grupos de pressão vão alertando a opinião pública e as estruturas do poder para os direitos dos cidadãos deficientes. Nesta perspectiva, surgem os primeiros professores de apoio itinerante que integram as Equipas de Educação Especial»6. Sobre este assunto escutemos as palavras de Amélia Barata: «Após o 25 de Abril é que os cidadãos com deficiência passaram a ser considerados com direitos. Antes disso eram escondidos pela família, muitas vezes, e não tinham qualquer possibilidade de desenvolver as suas aptidões ou de receberem a atenção e o tratamento de que necessitam. Com a criação daquela divisão, passaram a existir orientações, recursos, destacamentos de professores, etc, que não existiam antes»7. Ana Bénard destaca, em particular, a acção das comissões de moradores da margem Sul do Tejo, espaço muito activo socialmente, onde após a revolução vinham à tona os problemas que as pessoas tinham, incluindo o da deficiência: «começou a surgir o problema dos pais das famílias que tinham crianças com deficiência mental e não tinham onde os pôr. Existiam alguns colégios particulares, mas para famílias com dinheiro». Como convidada a participar nessas reuniões, juntamente com outras assistentes sociais, a primeira decisão foi a de reenviar esses problemas para o Sector de Deficiência. Mas, como não obtiveram resposta, voltaram a pedir apoio ao Ministério da Educação: «Então fui ter com o Secretário de Estado Rui Grácio que fôra meu professor. Temos de dar uma resposta a estas pessoas e ele disse: “Então vamos pensar numa solução de apoio para essas escolas especiais”, incluindo as surgidas pela mão das Cerci bem como pelas associações». Desta discussão e procura de respostas nasceria algo de inédito no combate à deficiência: «Deu-se então um caso que em Portugal não é muito comum. Uma parceria entre 3 entidades: a Segurança Social, o Ministério da Educação e a Fundação Gulbenkian: a SS disponibilizava meios para os ajudar na parte doméstica de uma escola (alimentação, transporte etc); o Ministério da Educação destacava

Maria Luisa Paiva Simões – Inclusão, um percurso…vários caminhos. Relatório de Estágio na ARCIL, Educação Especial, UC, FPCE, Julho 2002, p. 44-45 7 Amélia Barata entrevistada por Ana Marta Ramos, 2011 6

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os professores necessários para a formação, organizava cursos intensivos para as classes especiais e pagava o vencimento dos terapeutas e auxiliares; a Gulbenkian dava apoio a tudo que fosse obras de adaptação desses edifícios»8. Fundamental neste processo seria, também, a criação do Secretariado Nacional da Reabilitação (SNR) pelo DL nº 346/77 de 20 de Agosto, ficando na dependência do gabinete do 1º Ministro. Foi um instrumento do Governo para a prossecução de uma política nacional de habilitação e reabilitação dos deficientes em diversas áreas: Prevenção, Tratamento Médico, Educação, Preparação Pré-Profissional e Integração Social. Compreendia um conjunto alargado de atribuições: definição de uma política nacional de reabilitação; consciencialização da sociedade com vista à total integração do deficiente, estudo; planeamento e propostas de actuação; criação de legislação necessária, coordenação dos serviços e instituições oficiais, apoio às IPSS, formação, Investigação e Cooperação Internacional9. Entretanto, fora do nosso país, dão-se desenvolvimentos que teriam eco interno. No dia 9 de Dezembro de 1975, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprova a Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes, uma resolução que consolida toda uma série de princípios já anteriormente evocados, reforçando algumas prioridades que viriam a tornar-se norteadoras do rumo da reabilitação em muitos países, Portugal incluído. Podemos lembrar algumas dessas prioridades, hoje aceites comumente como absolutas, mas à época longe de fazer parte do cânone. Atentemos neste parágrafo, que resume o que a resolução veio a detalhar: «As pessoas com deficiência têm o direito inalienável ao respeito pela sua dignidade humana. As pessoas com deficiência, qualquer que seja a origem, natureza e gravidade de suas deficiências, têm os mesmos direitos fundamentais que seus concidadãos da mesma idade, o que implica, antes de tudo, o direito de desfrutar de uma vida decente, tão normal e plena quanto possível».

Ana Bénard entrevistada por Marta Ramos, 06/07/2011 O SNR sucedeu à Comissão Permanente de Reabilitação (CPR), criada em 25 de Setembro de 1973, pelo Decreto-Lei nº 474/73, em cumprimento da Lei de Bases, e que funcionou na Presidência do Conselho.

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Até aos nossos dias muito se tem feito em termos legais pela defesa dos direitos dos cidadãos com NEE: • A Constituição da República Portuguesa, no seu Art.º 71 defende os direitos dos Cidadãos portadores de deficiência: «1. Os cidadãos portadores de deficiência física ou mental gozam plenamente dos direitos e estão sujeitos aos deveres consignados na Constituição, com ressalva do exercício ou do cumprimento daqueles para os quais se encontrem incapacitados. 2. O Estado obriga-se a realizar uma política nacional de prevenção e de tratamento, reabilitação e integração dos cidadãos portadores de deficiência e de apoio às suas famílias, a desenvolver uma pedagogia que sensibilize a sociedade quanto aos deveres de respeito e solidariedade para com eles e a assumir o encargo da efectiva realização dos seus direitos, sem prejuízo dos direitos e deveres dos pais ou tutores 3. O Estado apoia as organizações de cidadãos portadores de deficiência.» • A Lei de Bases do Sistema Educativo (DL 46/86) reconheceu ao cidadão deficiente o direito à diferença numa perspectiva normalizante, no acesso à escola regular e à integração na sociedade. Filomena Pereira considera esta lei um «marco muito importante pois pela primeira vez se define o que é Educação Especial. Foi um diploma evoluído para a época. Mas demorou muito, na prática, que o Ministério da Educação assumisse estas crianças não obstante estar na lei. Por outro lado, o conceito da normalização apareceu na Noruega em 1949. Foi preciso esperar muitos anos para que a perspesctiva da normalização começasse a entrar. E ainda não podemos dizer que esteja assimilada na nossa cultura»10. • Lei de Bases da Prevenção e da Reabilitação e Integração das Pessoas com Deficiência, nº 9/89, de 2 de Maio; • Lei de Bases da Segurança Social – última alteração com a Lei n.º 83-A/2013, de 30 de dezembro; • Código do Trabalho – última alteração com a lei 27/2014, de 8 de maio.

Filomena Pereira entrevistada por João Pinho, 08/03/2014

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«A ARCIL é a menina dos meus olhos» [Prof. António Maio entrevistado por João Pinho, 01/07/2013]

«A grande diferença da ARCIL face a outras instituições foi sempre a diversidade de respostas no âmbito de um princípio fundamental de responsabilidade territorial: Lousã, Miranda do Corvo e Góis. Foi um caminho de muitas dúvidas e incertezas. E quanto mais avançávamos menos sabíamos» [João Graça entrevistado por João Pinho, 10/10/2013]

«Nunca se traduzirá por palavras o âmago da ARCIL, porque ela é imaterial» [João Pereira entrevistado por João Pinho, 15/11/2013]

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CAPÍTULO 1 A Fundação da ARCIL, a Criação do Centro de Recuperação de Deficientes da Lousã e a Acção da Comissão Instaladora (1975-1977)

Capítulos (títulos)

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A

criação da ARCIL foi o corolário da convergência na Lousã, em 1976, de várias causas interligadas: a sensibilização dos pais das crianças inadaptadas para os seus problemas, a marginalização da sociedade, o grande número de crianças recenseadas, (que rondava a meia centena) e a ausência de medidas governamentais para a concretização e reabilitação mental ou física das pessoas em causa. Na verdade, a segunda metade da década de 1970 trouxe um acentuado fluxo gregário em torno da necessidade de criar respostas eficazes para a promoção da qualidade de vida e da dignidade das pessoas com deficiência. O movimento cooperativista foi uma das expressões desta tendência. Nasciam, então, as CERCI – Cooperativas de Educação e Reabilitação de Cidadãos Inadaptados. E, também, as Associações, outro formato de operacionalização da vontade de pais e de profissionais. A assistente social Amélia Barata exercia a sua atividade na Lousã, desde Agosto de 1975, a partir do Posto Médico, uma vez que trabalhava para a Caixa de Previdência e Abono de Família do Distrito de Coimbra. Na altura ainda não havia integração dos serviços, mas já se sentia algum arejamento proveniente da democracia: começava a haver, por exemplo, no Centro de Saúde da Lousã, que era especificamente dirigido às pessoas não abrangidas pela Caixa de Previdência (ou seja, os mais carenciados), uma preocupação específica com as questões da saúde pública. CAPÍTULO 1 – A Fundação da ARCIL (1975-1977)

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Foi neste momento que o Serviço Social lançou a semente do que viria a ser a ARCIL. «Eu comecei a andar com as equipas que faziam saúde escolar. Era a única assistente social no concelho da Lousã, na altura, a tempo inteiro. Apercebi-me da existência de algumas crianças com dificuldades e fui também sendo informada de alguns casos pela enfermeira que vivia lá e conhecia aquela zona toda. Na Lousã havia imensos problemas de alcoolismo, de saúde mental, e a população mais carenciada reagia de uma forma muito notória ao tratamento mais atencioso que lhes era dado por estas equipas. Sentiam-se promovidas, a sua dignidade vinha ao de cima». A Assistente Social Amélia Barata tinha conhecimento de cooperativas e associações que se constituíram no pós 25 de Abril de 1974. A partir destes contactos e visitas obteve informações úteis para o processo que tomou a iniciativa de desenvolver na Lousã, trabalhando «…em conjunto com a Delegação de Saúde, chefiada por Américo Viana de Lemos, que desde o inicio se entusiasmou pela ideia e à qual deu sempre o seu contributo»11. Foi neste ambiente fervilhante que a ARCIL ganhava força para se afirmar. António Maio, em Novembro de 1976, situou as razões da fundação da ARCIL, dividindo-as em motivação afastada e motivação próxima: «A motivação afastada foi uma moção pelos professores do ensino primário do concelho reunidos em plenário em Setembro de 1975 pedindo a criação de aulas de ensino especial para o elevado número de crianças diminuídas. Isto é, uma moção pedindo ao MEIC um Centro de Apoio. Nunca se recebeu qualquer resposta. A motivação próxima partiu da assistente social da Caixa de Previdência em serviço neste concelho, D. Maria Amélia Barata. Esta reuniu em casa de D. Elvira Silva, professora primária, alguns pais de crianças diminuídas. Os pais resolveram realizar um ligeiro recenseamento de outras crianças e respectivos pais. Convocaram-se esses pais para uma reunião no Ciclo Preparatório em 11-4-76, conjuntamente com entidades oficiais, particulares e população»12.

António Maio - ARCIL, discurso proferido na cerimónia evocativa dos 25 anos da ARCIL, 2001 «Deficientes em causa – ARCIL, o início de uma Associação», In Trevim, Ano X, nº 200, 1/11/1976, p.4

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Amélia Barata tem bem presente o percurso até à reunião no Ciclo Preparatório: elaborou um levantamento das crianças deficientes depois de conversar com os pais que sabia terem filhos com deficiência, procurou motivá-los informando-os das possibilidades que existiam, e acabou por convocá-los para uma reunião no dia 6 de Abril de 1976, numa sala cedida pelo Diretor do Centro de Saúde da Lousã. Compareceram, então, quatro pessoas: o casal António e Olga Maio, Elvira Silva e Deolinda Simões. Desse encontro saiu uma nova convocatória para «uma reunião de pais e mães» a decorrer a 11 de Abril (vide doc. 1). O objetivo era o de abordar questões relacionadas com «a futura formação de um Centro de Recuperação para crianças com dificuldades» Desta feita, assinaram «um grupo de pais com filhos nas mesmas condições que os vossos». Os pais aderiram e começaram os trabalhos.

CAPÍTULO 1 – A Fundação da ARCIL (1975-1977)

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Doc. 1 - Acta n.º 1 da Comissão Instaladora da ARCIL (11-04-1976).

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Para a dita reunião, realizada no Ciclo Preparatório Carlos Reis, convocou-se a população em geral, constituindo um momento de grande importância e significado, não só para o arranque da ARCIL, mas também para a própria história da Lousã. Na realidade tratou-se de uma reunião convocada por um Grupo de Pais tendo como objectivo a «sensibilização da população para a formação de um Centro de Recuperação de crianças deficientes» e nela marcaram presença «…32 pais, 2 representantes da Associação de Paralisia Cerebral, 3 representantes do CIRE, 1 representante do Centro de Saúde, 1 representante do Sindicato dos Papeleiros, o Director da Fábrica do Papel do Prado, as Comissões Administrativas das Juntas de Freguesia de Foz de Arouce e Serpins, o pároco da Lousã, 2 representantes do Ciclo Preparatório, 1 representante da Caixa de Previdência e população» 13.

Amélia Barata

pré-fundadora da Arcil

Os trabalhos seriam conduzidos pela Assistente Social D.ª Maria Amélia Barata, tendo a presença de elementos do Centro de Integração e Reabilitação de Tomar (CIRE), e da Associação de Paralisia Cerebral de Coimbra, convocados para transmitirem a sua experiência do ponto de vista humano, técnico e científico. Entre as várias opções tomadas nesta reunião alargada destacar-se-ia a preferência pela constituição de uma associação em detrimento de uma cooperativa. Aproveitando o grande entusiasmo despertado nos pais presentes, concretizadas nas ofertas de trabalho, colaboração e apoio material, formou-se uma Comissão encarregue da organização e arranque do Centro de Recuperação de

ADA - Livro de Actas da Comissão Instaladora da ARCIL, 1976-1977, 11/04/1976, acta nº 1, fl. 1v.

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Crianças Deficientes, composta por dez elementos: os senhores José Júlio dos Santos Carvalhinho, Armando Jorge Agostinho Ribeiro de Carvalho, Manuel Paulo de Almeida, António Rodrigues de Almeia Maio, Gualter Baeta Sequeira Neves Barreto, Arménio Tomás; Luís Torres, Rui Carlos Soares e as senhoras D. Deolinda Fernandes Simões e Elvira dos Prazeres Silva. Iniciada a caminhada definiu-se o campo de acção da associação: «Sensibilizar os pais das crianças inadaptadas e a população em geral, através de reuniões e projecções de slides (…) organizar o Centro (realizando obras de beneficiação das salas, fazendo mobiliário (…) Convidando pessoal especializado (…) Facilitando a esse mesmo pessoal a frequência de 2 cursos»14. Importantes para o arranque da iniciativa, em especial da sensibilização da comunidade, foram os jornais locais – Trevim e Amigo do Povo - divulgando e promovendo o projecto junto da população. Os tempos seguintes ficariam marcados por diversas iniciativas da Comissão Instaladora do Centro, para divulgação do projecto e legalização da Associação Particularmente rico e activo seria o dia 14/05/1976: - Pelas 16h uma reunião na Escola Masculina com 23 professores primários e que se destinou a sensibilizá-los para o problema; ao final da tarde uma entrevista com o Emissor Regional de Coimbra, no Restaurante Gato, onde se focaram as dificuldades de instalações, verbas e outras e prestada informação pública do andamento das diligências. - À noite, nova reunião pública, alargada, desta feita no Cine-Teatro da Lousã. Preparada ao pormenor, e muito concorrida, que contou com a presença da equipa do MEIC (liderada pela Ana Maria Araújo a fim de esclarecer a população sobre os problemas sociais relacionados com as crianças deficientes e as formas de o resolver), representantes das Juntas de Freguesia de Casal de Ermio, Foz de Arouce, e Vilarinho, Luís Borges e elementos do Centro de Paralisia de Coimbra, elementos do IFAS, elementos do Centro de Saúde da Lousã e da Caixa de Previdência,

«Deficientes em causa – ARCIL, o início de uma Associação» In Trevim, Ano X, nº 200, 1/11/1976, p.2

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representantes do Ciclo Preparatório e Escola Secundária, Delegado Pedagógico, elementos do Ensino Especial, jovens, pais de crianças e cerca de 200 pessoas interessadas na questão. Sobre as ausências registou-se com mágoa «…alguns serviços locais a quem cabem grandes responsabilidades no apoio a estas iniciativas»15. A partir desta reunião todos os esforços convergiram para a criação do Centro de Recuperação de Crianças Deficientes da Lousã, desejo vincado pelo primeiro orador, o Prof. António Maio, que deu conta das diligências efectuadas para tal fim, fixando o mês de Outubro para início de funcionamento daquela unidade. O professor entregava-se de corpo e alma à “sua” ARCIL, demonstrando grande capacidade de trabalho e visão de futuro. O diálogo sobre o tema seria aberto pelo pároco da Lousã, Alberto, traduzindo o apoio religioso e espiritual ao movimento. Também usaria da palavra o neuropsiquiatra Luís Borges, e Director do Centro de Desenvolvimento do Hospital Pediátrico de Coimbra, que colocou o Centro de Paralisia à disposição do Centro da Lousã, oferecendo de forma voluntária, os seus préstimos médicos e equipa dos hospitais. Uma intervenção de alto conteúdo técnico, referindo a urgência em as crianças serem observadas por clínicos para detecção das suas deficiências e serem tratados o mais cedo possível. Observação bem recebida por todos, tendo-se iniciado no decurso do mês de Julho (Sábados), e por solicitação de Amélia Barata, as consultas gratuitas às crianças inscritas, onde eram observadas com maior profundidade ao nível da sua deficiência, para definição da melhor estratégia para cada caso. Sobre estes tempos recorda Amélia Barata: «Ainda hoje o Dr. Luís Borges diz que aquele tempo foi muito entusiasmante, e foi de facto, porque naquela fase as pessoas estavam animadas para construir»16. Na ocasião também se pronunciou o Prof. Eugénio Amaro, centrando-se na questão das instalações e «…dando relevo à integração do Centro nas novas instalações escolares das escolas primárias da Lousã, dado que seria um grande ADA - Livro de Actas da Comissão Instaladora da ARCIL, 1976-1977, 14/05/1976, acta nº 2, fl. 3 Amélia Barata entrevistada por Marta Ramos, 09/02/2010

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benefício a integração destas crianças nas normais»17, pedindo que se solicitasse das entidades o aumento das referidas instalações para integrar ali o centro. Amélia Barata recorda os vários contactos que promoveu: «Eu estabeleci parcerias com o meio, com outros serviços em Coimbra, por exemplo de psicologia, que nós não tínhamos; outros pais, que haviam participado num processo idêntico, deslocaram-se de Tomar à Lousã para ajudar no processo de constituição da Associação em termos burocráticos e formais, e facultaram-nos o regulamento do CIRE». Nas semanas seguintes sucederam-se as reuniões, às quintas-feiras, pelas 21h, centralizadas quer na programação de eventos capazes de cativar cada vez mais pessoas como na reunião de apoios. Assim, e pelos meados de Julho conseguiram-se pequenas vitórias institucionais: o MEIC prometera apoio em professores e subsídio, a Gulbenkian apoio financeiro para aquisição de materiais, a Caixa de Previdência possível apoio em pessoal médico e paramédico, apoio financeiro e equipamento dum consultório, da CM conseguira-se a cedência de instalações da Escola Feminina logo que vaguem, bem como o aluguer duma casa desabitada para remediar até à vacatura das escolas. A comissão desenvolveria um trabalho assente nas parcerias, envolvendo desde logo os recursos locais. Na verdade, tratou-se de estabelecer rede, numa altura em que as pessoas não falavam ainda nisso, mas que já existia, no âmbito do Serviço Social, a perspetiva sistémica. Localmente não havia recursos suficientes. Foram criadas parcerias com outros serviços em Coimbra, por exemplo, de psicologia; com outros pais, de Tomar, que haviam participado num processo idêntico e foram à Lousã ajudar no processo de constituição da Associação em termos formais; reuniu-se com os professores ensino básico do concelho, dando-lhes a conhecer o projeto que se estava a desenvolver e auscultando das necessidades que eles pudessem ter; fez-se uma reunião geral aberta a toda a comunidade, no Cine-Teatro da Lousã, para tentar envolver toda a comunidade no processo.

Livro de Actas da Comissão Instaladora da ARCIL, 1976-1977, 14/05/1976, acta nº 2, fl. 4

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A participação da comunidade foi extraordinária, como refere o casal António Maio e Olga Maio: «Foi um movimento de cidadãos sempre à frente com a Assistente Social Amélia Barata, a trave mestra, incansável. A preocupação maior era aliviar os pais»18. A própria testemunha no mesmo sentido: «Acho que este processo foi muito válido em termos de participação democrática dos pais e de cidadania, porque tomaram nas suas mãos a construção de uma instituição que lhes dizia muito respeito. Penso que todos os pais, os da direcção e aqueles que iniciaram, deram de algum modo um contributo muito válido. Mas houve de facto um que foi fundamental, o prof. Maio. Tinha três filhos com problemas, dois deles com maiores dificuldades. No início foi tão voluntário como todos os outros, mas quando a ARCIL entrou em funcionamento, teve oportunidade, enquanto professor, de ser destacado e ficar dedicado à instituição a tempo inteiro». Apesar de promissores contactos, algumas instituições continuavam a não aderir: a Santa Casa da Misericórdia não respondera ao apoio solicitado, o Governo Civil solicitara pedido por escrito especificando o pretendido. De qualquer forma, o rumo estava traçado, realizando-se várias reuniões pelos lugares da região da Lousã, sensibilizando e angariando sócios, incluindo deslocações às paróquias e missas, para falar ao povo da associação e suas finalidades. Corolário desta etapa de construção da associação seria a realização da Escritura Notarial dos Estatutos da Associação em 25/06/76 onde se formalizou a constituição da Associação para a Recuperação de Crianças Inadaptadas da Lousã (ARCIL), sendo certificada em DR de 17/08/1976 (vide doc. 2).

António Maio e Olga Maio entrevistados por João Pinho, 01/07/2013

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Doc. 2 - Publicação dos Estatutos da Arcil em Diário da República.

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No Art.º 2.º, Capítulo I, pode ler-se que a ARCIL “...tem como objetivo contribuir para a promoção do diminuído dos concelhos da Lousã, Miranda do Corvo, Góis e Poiares, através do propósito de dar expressão ao dever de solidariedade e de justiça social entre os indivíduos...”. No Art.º 3.º, refere-se que “...a instituição propõe-se manter, entre outros, os seguintes propósitos: Um – Promover a adaptação do diminuído na família e na sociedade. Dois – Promover todos os esforços no sentido de dinamizar, orientar e sensibilizar os pais a prestar ou aceitar colaboração ativa (...). Três – Preparar a integração da criança inadaptada nos estabelecimentos de ensino normal. Quatro – Procurar educar, valorizar e motivar profissionalmente o diminuído. Cinco – Procurar a criação de atividades estruturadas para permitirem uma ocupação profissional do diminuído.” Os pais/fundadores e outorgantes na escritura de constituição da ARCIL foram os mesmos que constituíam a Comissão Organizadora: António Rodrigues de Almeida Maio, Manuel Paulo de Almeida Rego, Armando Jorge Agostinho de Carvalho, Luís Torres de Carvalho Dias, Rui Carlos Tomás Soares, José Júlio dos Santos Carvalhinho, Arménio Tomás, Gualter Baeta Sequeira Neves Barreto, Elvira dos Prazeres Silva, Deolinda Fernandes Simões19 (vide conjunto de fotos na p. 72). António Maio assinala, também, que neste grupo «existe um nome omisso – Olga Gama Mendes de Abreu Maio, que no arranque nos acompanhou, nas deslocações a Lisboa, nas lides das instalações, e na angariação de sócios»20. António Maio veio a ser o primeiro Presidente da Direcção da ARCIL. Olhando o movimento de criação da ARCIL em retrospectiva podemos concluir que o mesmo ocorreu num momento particular da história do ensino especial: «A Associação enquadrou-se num movimento surgido em 1975 e que levou à criação de cerca de uma centena de centros privados sem fins lucrativos e que conforme os casos tomaram denominação de: Associações, Centros ou Jornal Trevim, 15/07/1976, P. 3 António Maio - ARCIL, discurso proferido na cerimónia evocativa dos 25 anos

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Cooperativas. Este movimento é geralmente designado por movimento CERCI, das cooperativas que lhe deram o nome. Estes centros cobrem, actualmente, uma parte importante do território nacional. O distrito de Coimbra possui centros em Coimbra, Mira, Figueira da Foz, Penela, Oliveira do Hospital, Miranda do Corvo e claro na Lousã. Existe ainda a Associação Portuguesa de Pais e Amigos das Crianças Diminuídas Mentais, que sendo uma Instituição mais antiga e de âmbito nacional possui delegações em quase todos os distritos incluindo Coimbra, onde possui dois centros na cidade e delegações em Arganil, Montemor-o-Velho e Tocha. Existem, também APPACDM’S em Poiares (com delegação em Figueira de Lorvão), em Condeixa, em Soure e na Figueira da Foz.

CAPÍTULO 1 – A Fundação da ARCIL (1975-1977)

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A R C I L

Fundadores da ARCIL

António Maio

Arménio Tomás

Elvira Silva

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Armando Carvalho

Deolinda Simões

Gualter Barreto

José Júlio Carvalhinho

Luís Torres

Manuel Rego

Rui Soares

Pessoas, Ideias e Afectos | ARCIL – um projecto de causas

Em conjunto os centros de educação especial criados por instituições privadas sem fins lucrativos asseguram o atendimento de cerca de metade das crianças e jovens que recebem educação especial»21. As parcerias, a rede que se estabeleceu com serviços e instituições, vieram a revelar-se determinantes, não sendo por acaso que a Lousã veio a ser estudada como um dos concelhos do país onde a cultura da parceria se afirmou. Aliás, segundo Amélia Barata, «a ARCIL foi um pólo de desenvolvimento da Lousã, sem a ARCIL a Lousã não seria o que é hoje». E remata: «Como costumo dizer, a ARCIL foi o meu primeiro filho». Estavam lançadas as fundações do projeto que viria a mudar completamente a história da Lousã, as vidas de muitas pessoas e, até, o rumo da Educação Especial e da Reabilitação em Portugal. Mas ainda havia muito por fazer. Como recorda António Maio, o apelo à solidariedade como forma de reunir recursos financeiros esteve sempre subjacente aos ideais da ARCIL: «Iniciámos uma colecta de meios financeiros. Aqui, deixamos expressos os nossos agradecimentos, lembrando alguns dos que mais se evidenciaram: o Pároco Alberto Sanches Pinto, que permitiu, que nalgumas missas, se fizessem colectas em favor da ARCIL; a Irmandade da Sr.ª da Piedade, que na sua festa anual, permitiu que se fizesse colecta com o mesmo fim, o povo anónimo que nas sessões de cinema e de diálogo, nos lugares do concelho, contribuiu monetariamente. As festas, os bailes, os pavilhões de comes e bebes, a angariação de sócios, etc., foram contributos valiosos»22. A primeira grande manifestação solidária em prol da ARCIL seria a realização duma festa de angariação de fundos com a participação do Coro Misto da UC no Cineteatro da Lousã, que rendeu a quantia de 4.847$50. No mesmo sentido, esteve a fixação, no final do ano, de quota mínima dos membros da Comissão no valor de 50$ e programação da sua cobrança, bem como do lançamento de uma campanha visando aquisição de viatura e, em Novembro, realização de sessões de cinema em vários lugares. «Nota Histórica» In Pequenada, N.º 22, Dezembro, 1985 António Maio - ARCIL, discurso proferido na cerimónia evocativa dos 25 anos da ARCIL, 2001

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Fruto dos esforços colocados na divulgação da ARCIL, durante o ano de 1976 ultrapassaram-se algumas barreiras numéricas; inscrição de mais de 50 crianças com diversos graus de deficiência e alcançada a centena de sócios, aderentes a um discurso e uma ideia altamente filantrópicos: uma associação do interesse de toda a sociedade lousanense - quer directa – possuir filhos deficientes, quer indirectamente – ser membro duma comunidade que pretendiam tornar mais justa. Considerado um problema regional fazia apelo aos ideais do 25 de Abril de integração e sensibilização das pessoas e empresas para as carências das suas regiões. Quando o rumo para a instalação do Centro parecia indicar a antiga escola feminina, cuja cedência fora solicitada ao MEIC e CML, a Comissão Instaladora consegue um espaço mais de acordo com as suas necessidades e desejos – a cedência gratuita, feita por acto voluntário e generoso de Joaquim Machado e irmã, D. Maria da Conceição, de 6 salas vagas e do sótão provisoriamente, da sua casa da Quinta do hospício, que lhes pertencia, ao Cabo do Soito, para o funcionamento do Centro, até vagarem as escolas femininas da Lousã. Como o imóvel carecia de obras logo se deliberou arranjar uma casa de banho no 1º andar e as 6 salas, convocando-se os pais para ajudarem neste trabalho e solicitando-se à Ceres, de Coimbra, louça sanitária, empresa que ofereceria duas casas de banho completas. A partir de então todas as atenções se fixaram na antiga Quinta do Hospício, a primeira e única sede da ARCIL. Uma propriedade de consideráveis dimensões, bem situada, com espaços em redor agricultados e mina para abastecimento de água. E caminhava o ano para o seu final quando a ARCIL recebeu um impulso decisivo para um futuro promissor. Estava-se em Novembro de 1976 e António Maio recorda o momento em que a sorte compensou o grupo de trabalho: «Estando, eu e a minha mulher, no café Avenida, aparece na nossa mesa o Sr. Jorge Carvalho e oferece a bonita quantia de 1100 contos para a ARCIL. Fizemos uma reunião de família, na Fábrica das Alcatifas, e decidimos as cláusulas certas da dádiva e através de quem deveria passar o dinheiro (Câmara Municipal). 74

Pessoas, Ideias e Afectos | ARCIL – um projecto de causas

Passámos à aquisição da casa e do terreno. O Sr. Jorge pediu que se chamasse ao edifício “Centro D. Emília de Carvalho”. Esta foi a primeira dádiva oferecida à Instituição»23. Na verdade, e de acordo com a documentação, a compra do antigo hospício pela CML e cedência à ARCIL envolveu três momentos distintos: A. 23/12/1976: dia em que a Comissão Administrativa da CML, reunida ordinariamente, deliberou aceitar a vontade expressa por carta de 22/11/1976, de Jorge Mário de Carvalho doando «…a quantia de um milhão e cem mil escudos, com o fim de tal importância ser utilizada em benefício da população do Concelho da Lousã»24. A boa nova, a de maior impacto até então, fortaleceu a ARCIL ao nível estrutural: uma imprescindível doação benemérita que ficou registada em acta da instituição: «Pelo Snr. Jorge Carvalho foi doado à Câmara Municipal a quantia de 1100 contos para esta adquirir um terreno e imóvel (Quinta do Hospício) ao Cabo Soito para o funcionamento do Centro da ARCIL. Para evitar que este ficasse em nome da Câmara tentou-se a isenção de impostos do doador (complementar) o que não foi possível apesar de todas as diligências em Lisboa e Coimbra. Procurámos agora operários para as obras de restauro e modificação do edifício e bem assim maiores proventos para as mesmas»25. B. A 09/02/1977, e feitas pequenas alterações ao texto da doação de 23/12/1976, a CML reúne novamente confirmando a deliberação anterior, e aceitando o donativo nas condições indicadas pelo doador: «1. A verba de setecentos e cinquenta mil escudos ou aproximada será aplicada na aquisição de um imóvel e seu terreno anexo, propriedades estas sitas no Cabo do Soito e actualmente pertencentes aos herdeiros de Lino Machado;

António Maio - ARCIL, discurso proferido na cerimónia evocativa dos 25 anos da ARCIL, 2001 AML - Livro de Actas da Câmara Municipal da Lousã, 1974/11/09 – 1977/02/09, fl. 190v. 25 ADA - Livro de Actas da Comissão Instaladora da ARCIL, 1976-1977, 20/12/1976, acta nº 4, fl. 9v. 23

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2. A verba de trezentos e cinquenta mil escudos ou aproximada será aplicada nas despesas de aquisição, indemnização, e, na reparação, beneficiação ou adaptação do imóvel aos fins a que será destinado e que a seguir se indicam; 3. Embora este imóvel e seu terreno venham a constituir património da população do Concelho da Lousã, representada pela sua Câmara Municipal, o seu uso e utilização ficarão afectos ao funcionamento da ARCIL – Associação para a Recuperação de Crianças Inadaptadas da Lousã e seu Centro de Adaptação D. Emília Carvalho, sem pagamento de qualquer renda; 4. Esta afectação à ARCIL nas condições atrás indicadas verificar-se-á enquanto esta Associação existir e se reconhecer o seu funcionamento em benefício das crianças inadaptadas e das populações do concelho da Lousã; 5. Se por qualquer motivo cessar o funcionamento da ARCIL, a população da Lousã, através dos seus órgãos representativos, decidirá da futura aplicação daquele edifício e terreno, em novas modalidades, mas sempre em obras de carácter social para benefício das populações do Concelho da Lousã; 6. verba que sobrar da aquisição e como se indica na 3ª condição, será aplicada em obras de reparação e adaptação da ARCIL, sendo a direção desta Associação competente para mandar executar as obras necessárias até aquele montante; na parte em que exceder esta verba, terá a ARCIL que suportar a diferença, por meio das suas receitas próprias. 7. O donativo a que acima faz referência será entregue a esta Câmara Municipal em três prestações: escudos 400.000.00 imediatamente, para poder ser sinalizada a aquisição das propriedades; escudos 400.000.00 na data em que for marcada a escritura de compra/venda, que poderá ser Janeiro ou Fevereiro de 1977 e escudos 300.000.00 em qualquer mês do ano de 1977»26.

AML - Câmara Municipal do Concelho de Lousã, Livro de Actas, 1974/11/09 – 1977/02/09, fl. 200v.

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C. Por fim, a 21/02/1977, na Secretaria da Câmara Municipal, perante Manuel Pedroso Carvalhinho, chefe de secretaria e notário privativo da Câmara, fez-se contrato de compra e venda: pelo qual os 1º e 2º outorgantes - D. Maria da Conceição Machado de Magalhães Mexia e Doutor Joaquim de Magalhães Pereira Machado – vendiam por 750 contos a Armando de Almeida Silva, na qualidade de Presidente da Câmara, o antigo Hospício assim descrito: «Uma casa com três andares: o primeiro andar com sete compartimentos; segundo andar catorze; terceiro andar sete compartimentos, quatro casas de banho, três retretes e uma cozinha. A casa está rodeada por um jardim com uma superfície superior a quinhentos metros quadrados e uma superfície coberta de trezentos e cinquenta metros quadrados»27. Para lá deste bem os vendedores cediam ainda as terras de semeadura e árvores de fruto da Quinta do Hospicio com uma pequena condição: «Que este terreno se destina a futuras ampliações e construções de que as associações de assistência que ali venham a ser instaladas, possam vir a carecer»28. Em resumo: entre 1976 e 1977, Jorge Mário de Carvalho doou à CML a verba necessária (1100 contos) para que esta comprasse a Joaquim Machado e esposa, D.ª Maria da Conceição, o imóvel necessário (Hospício) para nele se desenvolver a actividade da ARCIL de acordo com a vontade do doador e vendedores. Concluída a transacção, e consciente da importância da mesma, município, na sua reunião de 23/02/1977 exarou em acta e por unanimidade «um voto de agradecimento ao senhor Jorge Mário Carvalho pela oferta de mil e cem contos destinada à aquisição, reparação e beneficiação do imóvel e indemnização aos caseiros»29.

Escrituras, Fl. 66 Idem. Fl. 66v. 29 AML - Livro de Actas da Câmara Municipal da Lousã, 1977/02/09 – 1979/03/07, Fl. 7 27 28

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Aquela doação ocorria num período muito especial na vida de uma família de grande importância na Lousã, facto recordado por Carlos Carvalho: «Na altura da doação a minha família atravessava um período de grande prosperidade e fez várias ofertas na Lousã, essencialmente no campo da habitação. Na altura havia sido criada a Associação ARCIL que era apenas um grupo de pais, com intenções, sonhos e problemas para resolver com os seus filhos. Um dia Jorge Carvalho abordou o Prof. Maio. Estava aquela quinta à venda há anos, havia até um projecto para fazerem ali o Hotel da Lousã. E disse-lhe que oferecia a quinta para a ARCIL fazer a sede da instituição. Quis fazer não só a compra, doá-la, mas reparou o edifício. Gastou quase tanto em obras como na compra. Participou com o coração e empenho»30.

Foto 1 - A Quinta do Hospicio do Colégio de meninas anos 20 (actual sede da Arcil)

Carlos Carvalho, sobrinho de Jorge Carvalho e tesoureiro da ARCIL durante 9 anos. Entrevistado por Marta Ramos, 2011.

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Foto 2 - A Tribuna do Leitor do antigo refeitório dos frades (vestígio conservado na actual Secretaria da Arcil)

APONTAMENTO HISTÓRICO SOBRE A QUINTA DO HOSPÍCIO O edifício sede da ARCIL, ao Cabo do Soito-Lousã, foi doado pelo benemérito Jorge Carvalho em Novembro de 1976. Inserido numa área de terrenos agrícolas, ocupa um espaço conhecido como Quinta do Hospício. Esta tem uma longa história ligada à assistência aos desfavorecidos, como prova o documento datado de 19/05/1750: um termo de doação pelo qual os oficiais da Câmara da Vila da Lousã, Nobreza e Povo doaram aos Religiosos Franciscanos de Santo António da Provincia de Lisboa «…a capela do divino Santo Antonio sita no cimo d’esta (…) para usarem d’ela os religiosos da dita provincia com condição de fazerem junto á dita capela um hospicio dentro de nove annos em que residirão seis religiosos»31. Por aqui se vê que a Capela era anterior à presença dos Frades e que já existia a tradição da festa anual no dia 13 de Junho, exactamente porque outra das obrigações construídas foi a de «fazerem a festa do divino Santo António todos os anos em o seu dia»32.

Fernando Carlos Pinto de Campos de Magalhães Mexia: Vila da Louzan e seu termo (colecção de documentos antigos), Lousan, Tipografia Lousanense, 1936, pp. 160-163. 32 «Antiguidades Lousanenses» In O Povo da Louzã, Ano XXXVIII, N.º 1803, 1970/07/04 31

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Os Padres Frei Pedro de S. José e o Irmão Francisco Maria José e seus companheiros, presentes ao Acto da Doação, «todos juntos e cada um de per si, por ordem que tinham do reverendo Padre Provincial» aceitaram em seu nome e no de toda a Provincia a dita capela com as condições e cláusulas estipuladas. A vida dos frades na Lousã durou 84 anos, ou seja desde a referida doação até à extinção das ordens religiosas em 1834. Este acontecimento provocaria profundas mudanças na posse, utilização e e gestão dos imóveis, que conseguimos reconstituir até meados dos anos 70 do séc. XX: «Foram a Capela, o edifício onde funcionava o Hospício e a cerca anexa, vendidos em praça e adquiridos pelo Pe José de Magalhães Mexia, que, com suas irmãs, D. Rita Flávia, D. Rosa Delfina e D. Comba Emília, viviam na sua vizinha Casa de Santo António. Por falecimento destes, coube a propriedade do Hospício a sua sobrinha D. Maria de Nazareth de Magalhães Mexia que foi casada com o Médico do Partido Municipal e Sub-Delegado de Saúde no Concelho, que ali fixou a sua residência. O Dr. Pinto de Campos que foi um clínico notável no seu tempo e um espírito dotado de excepcional pluricultura, fez construir um andar sobre a casa fradesca. A estes sucederam seus filhos D. Maria José, D. Maria Lusitana e Fernando Carlos de Pinto Campos de Magalhães Mexia, cabendo o prédio, por partilhas entre eles, à co-herdadeira D. Maria Lusitana»33. O imóvel (Casa e Quinta do Hospicio) passou, então, para a posse dos filhos daquela lousanense, D. Maria da Conceição e Dr. Joaquim de Magalhães Mexia Pereira Machado, dado que a Capela foi demolida quando das obras da remodelação da casa. Mais tarde voltou, temporariamente, a ser Casa Religiosa «...quando ali esteve alguns anos instalado o Colégio de S. José para meninas dirigido por Irmãs Terceiras de S. Domingos e que depois mudou para Coimbra»34 (vide foto 1).

Idem. Vide Álvaro Viana de Lemos – A Lousã e o seu concelho (reed.), Biblioteca Municipal, Câmara Municipal da Lousã, 1988, p. 60

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Por fim, em 1976, a Casa e a Quinta do Hospicio seriam comprados por Jorge Carvalho e por ele doados para funcionamento da ARCIL. Do tempo dos frades restam ténues vestigios, como a tribuna do leitor, com a estante para pousar o livro, situada na actual Secretaria (vide foto 2). As leituras, instituídas pela Regra de S. Bento, eram efectuadas enquanto tomavam as refeições. Em termos de obras há a destacar o subsídio da Gulbenkian, com 170 contos, a montagem das pré-oficinas, enquanto as cadeiras e carteiras seriam fabricadas pelos pais e pelo membro da Comissão Instaladora Armando Agostinho e, em Outubro, procedeu-se ao arranjo do telhado do hospício, casa de banho e salas. Neste âmbito e como recorda Amélia Barata, foi fundamental a ajuda exterior: «Eu tinha o contacto dos Companheiros Construtores. Quando a casa foi oferecida, estava a precisar de ser adaptada e eu sugeri ao Prof. Maio que contactássemos aquela organização. De facto, a resposta foi muito positiva. Logo de início vieram voluntários e estabeleceram-se muitos contactos, sobretudo com a Holanda». No final do ano de 1976 e embora algum caminho estivesse desbravado, havia muito a fazer. A actividade da ARCIL, norteada pela adaptação da criança à sociedade, estava limitada às consultas das crianças para um conhecimento do tratamento adequado a realizar. Uma ínfima parte de um vasto programa ou leque alargado de actividades que estava no horizonte dos seus directores: «escolarização; reabilitação física por meio de fisioterapia e educação física; reabilitação sensorial através de trabalhos manuais, educação musical e outras actividades próprias; pré-oficinas para uma iniciação profissional e adaptação aos materiais e ferramentas; desenvolvimento da criança através de métodos próprios, de modo a criar-se-lhes hábitos pessoais e sociais com vista à sua integração e independência no meio familiar e social»35.

ARCIL – «Uma Associação para a Recuperação das Crianças Deficientes da Lousã» In Trevim, Ano X, nº 201, 15/11/1976, p.1

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Lançava-se assim, a filosofia de formação pela aprendizagem do saber ser, estar e fazer, sendo o trabalho a ferramenta para a vida adulta dos que tinham a capacidade de aprendizagem. No entanto, estes desejos esbarravam numa realidade minada por condições financeiras muito débeis, com um saldo entre 2.000$00 a 3.000$00, e uma verba de cerca de 3.000$00 para a carrinha e 120 sócios cujas quotas mensais somavam 2.112$5036, cobradas casa a casa por Sílvio Peneda, primeiro cobrador junto dos associados da ARCIL. Apesar das condicionantes, ainda neste ano se lançaram as sementes da organização dos recursos humanos, designadamente a definição do 1º quadro técnico de 76/77 (professores e auxiliares): Quanto aos professores: vieram destacados do Ministério da Educação e Investigação Cientifica (MEIC). Foram os primeiros na ARCIL: Maria Graciete Pedro, duas professoras do ensino normal de Quadrazais-Sabugal (Maria Amélia e Alice, professoras especializadas no Instituto Aurélio da Costa Ferreira), Maria João Cruz, Eugénio Amaro e Casimiro Jacinto. Ainda neste ano, a instituição contou com o contributo do professor de motricidade Jorge Coelho da Silva, primeiro em part-time, e depois destacado. Também se concederam subsídios de vencimento a trabalhadores com funções pedagógicas. Para Manuel Coquim37 a constituição da 1ª equipa de professores foi um momento de viragem: «Esse conjunto de pessoas determinou o rumo futuro da ARCIL», afirma. No mesmo sentido, e centrando-se na qualidade dos professores destacados, relembra João Pereira: «ARCIL chegou a fazer formação para professores na área da deficiência. Os professores que aqui estiveram foram de uma dedicação estrondosa»38. Quanto às auxiliares: Fez-se concurso para auxiliares de educação no ano 76/77, tendo sido admitidas 7: Maria Teresa Sequeira dos Santos Ferreira, Emília

Idem p. 2 Natural do Seixo-Mira, foi também psicólogo clinico na CerciMira. Integrou a ARCIL em 1978 a convite do professor Maio onde esteve até 1980. Regressou em 1995, como consultor, até 1996. 38 João Pereira entrevistado por João Pinho, 15/11/2013 36 37

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Marta Paiva Pereira, Maria Amélia da Piedade Gonçalves, Maria Manuela da Conceição Fernandes, Maria Celeste Lopes Fernandes Soares, Maria de Lourdes dos Santos Ventura Neves, Maria de Lurdes Alves Cortês39. Vieram a frequentar igualmente as formações ministradas pelo Ministério da Educação. Ao nível do professorado, registou-se, também, a oferta de trabalho gratuito pelos professores de trabalhos oficinais da Escola Secundária: Aires e Carvalhinho. Outra colaboração relevante seria a do psicólogo (um profissional raro à época), Manuel Rodrigues, do Centro de Saúde Mental Infantil, que deu orientações de intervenção aos professores. A ARCIL diligenciaria, também, no sentido de através dos serviços oficiais do Ministério da Educação conseguir uma especialização para dois técnicos; rumo aos Estados Unidos seguiu a educadora D.ª Maria João Cruz (ano lectivo 1977/1978) e, para Londres, o Prof. Jorge Coelho da Silva (motricidade). Na verdade, este 1º ano foi o construir de uma filosofia de intervenção, na instituição, de humanização e de afecto. Porém, o final do ano traria um sério revés, após ser conhecida, em reunião do dia 20/12, a posição dos arrendatários do hospício face a um eventual compromisso para a sua saída: enquanto Pedro Simões aceitou como indemnização um subsídio para compra de terreno para construção de casa, João Barata «rendeiro das terras» ou caseiro, exigira uma «área de terreno grande e 25 contos em dinheiro o que a Comissão não aceitou por serem demasiado elevadas estas exigências». Quanto à família de Manuel Pedro «…que ali foi aceite até à venda do mesmo, por caridade dos donos para com os retornados, não assumiu compromisso de saída e parece querer criar dificuldades à Comissão»40. Uma situação complexa, que levou à constituição de uma delegação da comissão que geria a ARCIL, encarregue de resolver o problema dos arrendatários, e constituída pelos senhores António Maio, Manuel Paulo de Almeida e José Júlio Carvalhinho, e que contou com a colaboração exemplar do notário

ADA - Livro de Actas da Comissão Instaladora da ARCIL, 1976-1977, acta n.º 4, 20/12/1976,

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fl. 8v; António Maio - ARCIL, discurso proferido na cerimónia evocativa dos 25 anos

ADA - Livro de Actas da Comissão Instaladora da ARCIL, 1976-1977, 20/12/1976, acta n.º 4, fl. 10

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e ex-Presidente da CM da Lousã, Henrique Figueiredo, num processo que se arrastaria quase um ano, obrigando a deslocações a Lisboa, onde residiam os proprietários da quinta, D. Maria da Conceição Machado de Magalhães Mexia e Joaquim de Magalhães Pereira Machado. O caso mais complicado foi o do arrendatário Manuel Pedro, que ali vivia com a sua família e possuía umas oficinas. Alegando que não podia deixar de trabalhar, mostrou-se disponível a sair mas querendo como contrapartida «… uma residência de acordo com o agregado familiar e posses financeiras»41. Quanto à família de Pedro Simões aceitou 25 contos para comprar terreno e edificar casa de habitação, enquanto João Barata recebeu a indemnização de 30 contos. E foi em plena situação negocial com a família de Manuel Pedro que começaram as obras de beneficiação do antigo hospício para nele se instalar o Centro (vide foto 3). Esta dupla realidade conduziu a choques inevitáveis. No princípio do ano de 1977 todos os caminhos conduziam à abertura do Centro de Recuperação: através do voluntariado aplicou-se alcatifa nas salas afectas ao funcionamento, electrificou-se o espaço, adquiriu-se carrinha para transporte e contratou-se como motorista José António, limpou-se e reparou-se a mina de abastecimento de água e respectivas condutas, comprou-se material didáctico. Por outro lado, discutiu-se o problema alimentar e os descontos para

Foto 3 - A Quinta do Hospício, primórdios da adaptação do espaço a sede da Arcil, 1977-78

Idem. Acta n.º 5, 30/12/1976, fl. 11

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a Caixa de Previdência, e ainda o enquadramento do pessoal técnico. Parte significativa do material necessário para as salas de aula seria fabricado na casa do Professor António Maio42. Fruto de muito esforço e sacrifício assim se abriu o Centro de Recuperação de Crianças Deficientes da Lousã, a 07 Fevereiro de 1977 (de acordo com Amélia Barata) admitindo os primeiros utentes. Em meados de Maio seria rebaptizado com o nome Centro D.Emilia de Carvalho, em homenagem à mãe do doador Jorge Carvalho e por vontade deste. O centro arrancou com 20 crianças inscritas43 cuja integração foi feita gradualmente e consoante o seu grau de deficiência. Como recorda António Maio, professores e auxiliares compartilhavam de uma dificuldade comum: «Problema maior internamente eram as auxiliares, que não tinham formação e aprendiam no trabalho, com a prática. Professores e auxiliares fizeram cursos de reciclagem. Não estavam preparados para trabalhar com deficientes»44. Aos poucos, os professores destacados foram entrando ao serviço45 tendo como missão ministrar o ensino primário. Contudo, nenhum possuía especialização, valendo então um espirito especial de dedicação e grande colaboração. Tal foi o caso do grupo de professores primários vindos da Escola das Fontainhas e constituído pela Iolanda Bizarro, Jorge Santos e Clara Bandeira, que a partir dos finais de 1977 trabalharam com vários tipos de deficientes, e que foram colher os ensinamentos necessários ao relacionamento com os alunos, aos professores especializados e um pouco mais antigos na casa, caso das professoras Alice e Amélia. Na evocação destes tempos, Iolanda Bizarro recorda com muita simplicidade: «O que eu fiz foi o que se pode fazer naquela altura».46 O que significou muito, na medida em que trabalharam não só com profundos e treináveis sem habilitação especial, como houve necessidade de adquirirem conhecimentos em Maria João Cruz entrevistada por João Pinho Vide Pequenada N.º 1, Ano 1.º, Fevereiro 1982, p. 1 44 António Maio entrevistado por João Pinho, 01/07/2013 45 «Notícias da ARCIL» In Trevim 01/02/1977, Ano X, n.º 206, p. 1 46 Iolanda entrevistada por Marta Ramos em Junho de 2011 42 43

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visitas a cercis, ao estrangeiro, e em cursos de formação, avanços importantes sob a supervisão do psicólogo Coquim. Os meses seguintes seriam dominados por questões transversais e antigas: • Continuação das obras e fornecimento de materiais. Uma questão que foi sendo resolvida com trabalho voluntário (por exemplo na questão da sala de jantar); ou contratação de um carpinteiro para arranjos no refeitório e fechaduras. • Aos poucos, os antigos espaços agricultados cederam lugar a oficinas formativas: em meados de Maio pedem-se orçamentos para a construção das casas de banho, piscina e aquecimento, ao mesmo tempo que se decide montar o ginásio e a fisioterapia (onde actualmente está a Secretaria e onde veio a funcionar o judo para a população e utentes) adquirindo-se material em Lisboa e Lousã. • Quanto à piscina, em especial, era um desejo integrado no apetrechamento contínuo das instalações. A 27/4/1977 a ARCIL apresentou em sessão de câmara uma exposição «…solicitando que seja permitida a instalação, na sua sede, da piscina desmontável com o objectivo de que a mesma possa ser aproveitada pelas crianças inadaptadas, continuando, no entanto, aberta a todas as crianças, como sempre tem acontecido»47. Porém, o município não autorizaria essa cedência, que seria reafirmada no ano posterior, em virtude de tencionar instalá-la no parque do Regueiro». Neste quadro, a ARCIL seria obrigada a procurar uma solução alternativa: primeiro pensou-se em adaptar o tanque existente ao cimo da quinta a piscina coberta e aquecida. Porém, este espaço seria adaptado a oficina de carpintaria. A piscina, coberta com lona azul e branca, veio a construir-se no espaço onde está, actualmente, o ginásio da ARCILSAÚDE»48; • O destacamento de professores acentuou-se, pedindo-se ao MEIC o destacamento do professor de Ginástica Jorge Luís Coelho. Por outro «Uma Piscina na ARCIL?» In Trevim,15/04/1977 «A ARCIL com problemas», In Trevim, 01/10/1977

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lado chegaria uma voluntária e professora holandesa, Ana Petrovak, que veio com os Companheiros Construtores, ficando como supervisora das auxiliares no ramo dos trabalhos manuais. Definiu-se, ainda, o trajecto das viagens da carrinha e a admissão de educadoras de infância, de vigilantes e serventes; • Construção de um Parque de Jogos, «…para comemorar, a seu modo o 25 de Abril, nas suas instalações no Hospício, ao Cabo do Soito, para as crianças deficientes de cuja actividade reeducativa se encarrega» apelando, em especial ás comissões de moradores e jovens para participarem na Obra «com uma enxada e uma pá»49; • Angariação de fundos; • Reuniões com pais, para lançamento de actividades como judo para deficientes, hidroterapia, fisioterapia (vide foto 4).

Foto 4 - Grupo de pais, final dos anos 70 (Professor Maio, ao centro)

«Parque de Jogos na ARCIL» In Trevim, 01/05/1977, n.º 212

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A criação do Corpo Técnico, depressa conduziu a divergência entre os seus elementos e a Comissão Instaladora. Um clima de evidente crispação que atinge o auge no final de Maio de 1977, no seguimento de descoordenação no acompanhamento de crianças durante uma reunião do referido órgão verificada no dia 24. O envio das crianças para casa sem prévio conhecimento dos pais, ou a entrega de todas as crianças a uma auxiliar, prejudicando o trabalho dos médicos que se encontravam a dar consultas, foram alguns dos motivos apresentados e que levaram à realização de reunião extraordinária da direcção no dia 26. Um momento critico que seria aproveitado para tomada de medidas importantes: organizar um Regulamento Interno (aprovado a 22 de Novembro de 1977); nomear, como representante da Comissão e Coordenador do Centro o Prof. António Rodrigues de Almeida Maio; nomeação de mais 2 coordenadores (um a escolher entre os professores; outro entre o pessoal auxiliar); proibir a realização de reuniões ou actividades sem o conhecimento dos 3 coordenadores; programar, com antecedência, todas as reuniões ou actividades do Centro; e que para as reuniões do Corpo Técnico haja um livro de actas50. Em articulação com o Corpo Técnico funcionava a Comissão Pedagógica: «Tinha como papel determinar a actuação em termos pedagógicos: técnicas, meios, materiais, para que todos os técnicos seguissem os mesmos princípios»51.

ADA - Livro de Actas da Comissão Instaladora da ARCIL, 1976-1977, acta n.º 13, 26/05/1977, fls. 21-21v. Manuel Coquim entrevistado por João Pinho, 13/11/2013

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«Lá no alto, ao cimo da quinta, havia um tanque de lavadouro e de rega (sobre o qual estão construídas as actuais instalações da formação profissional e refeitório), A água corrente, vinda de uma mina sob encosta do lado de Gevim, e a sombra das velhas tileiras que o ladeavam, davam ao sítio um ar repousante, encantatório! Ao tempo era por muitos conhecido como o “poço das freiras”. “Este já bebeu a água da mina!...era assim que aqueles que estão há mais tempo na ARCIL, diziam dos recém chegados que se iam integrando bem no espírito da casa, e que imbuídos duma certa “loucura benigna” acertavam o passo com o modo alegre de correr esta aventura solidária» [Eng.º Aristides Adão, “Beber a água da mina” (editorial) In ARCIL (RE) VISTA, Ano 1, nº5 Novembro 2003]

«A ARCIL merecia da Câmara Municipal da Lousã um tratamento mais carinhoso, não só porque estávamos no arranque deste tipo de instituições, mas porque tínhamos um vereador que esteve na origem da própria ARCIL; o Prof. Maio. Era alguém que não abdicava de procurar as soluções para os problemas» [Eduardo Agostinho Teixeira Neto ex-presidente da Câmara Municipal da Lousã entrevistado por João Pinho, 26/11/2013]

CAPÍTULO 1 – A Fundação da ARCIL (1975-1977)

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CAPÍTULO 2 Os Primeiros Corpos Gerentes: 1977-1981

1. AS BASES E ARRANQUE DO PROJECTO ARCIL: A DESOCUPAÇÃO DO EDIFÍCIO, O ENVOLVIMENTO DO PESSOAL NAS OBRAS E O PAPEL DOS COMPANHEIROS CONSTRUTORES

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o dia 9 de Julho de 1977, a ARCIL elegia os primeiros corpos gerentes: a Direcção presidida pelo Prof. António Rodrigues de Almeida Maio, a Assembleia Geral por Jorge Mário de Carvalho e, o Conselho Fiscal, por Carlos Alberto Macedo de Assunção (vide Anexo no final da obra). Elementos que saiam da lista única apresentada pela comissão, subscrita por 25 sócios e apresentada pouco antes do acto eleitoral. Manuel Coquim, que foi admitido como psicólogo na ARCIL em 1978, sistematiza os dois grandes objectivos da direcção presidida pelo Prof. António Maio: «1 – Criar e consolidar uma equipa: na altura não havia técnicos de educação especial 2 – Criar e adaptar as instalações de forma condigna»52.

Manuel Coquim entrevistado por João Pinho, 13/11/2013

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CAPÍTULO 2 – Os Primeiros Corpos Gerentes: 1977-1981

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Nesse sentido, relembra, definiram-se na ARCIL 3 planos, todos eles bem estruturados: Organizativo, Educativo e Estratégico. Na sua óptica este esquema veio a ser decisivo para o futuro: «Foi esta visão de longo prazo que permitiu fazer da ARCIL aquilo que é hoje. Teve, também, a felicidade de ter técnicos em diversos sectores um bocadinho acima do nível normal». A instituição entrava numa nova fase, de alguma estabilidade directiva, ganhando alicerces para dar sequência à caminhada iniciada em 1975. No entanto, a turbulência interna seria mais forte do que o desejável, levando a que a partir de meados de 1979, e no seguimento da eleição de corpos gerentes de 30/6, a dita direcção passasse a designar-se como Comissão de Gestão Provisória. No entanto, havia que resolver os problemas herdados do passado, como a desocupação de parte do edifício do hospício que vinha sendo ocupada pelas famílias de Manuel Pedro e João Barata, sendo especialmente difícil de resolver o primeiro caso: um ex-retornado que ali se instalara com acordo da CML e que estava a atrasar a ampliação do Centro e admissão de novas crianças. Chegou a motivar o envio de exposição ao Presidente da República, Primeiro-ministro, Ministro da Educação, Comissão de Alojamento de Retornados, e RTP.53 Em Outubro, delibera-se pagar a indemnização mas, em Novembro, e porque a situação tardava em resolver-se, delibera-se não abrir o Centro enquanto o problema não fosse resolvido. Aos poucos a situação foi sendo desbloqueada. De facto, a 26 de Janeiro de 1978 deliberou-se, em reunião de direcção, informar a Direcção Geral do Ensino Especial da saída da família «e da abertura das aulas no fim das obras mais necessárias». Paralelamente colocou-se ao advogado «o problema das indemnizações devidas pelos prejuízos causados com a estadia da referida família», tendo em vista uma acção judicial a interpor contra a CML «por tal motivo e contactar a mesma no sentido de saber se está ou não na disposição de indemnizar a Associação, voluntariamente, desses prejuízos (IASE, sócios perdidos e outros que não se inscreveram, atrasos nas obras, encarecimento de mão de obra e materiais)»54. ADA - Livro de Actas da Comissão Instaladora da ARCIL, 1976-1977, acta n.º 22, 20/09/1977, fl. 29v. Id. acta nº 31, 26/01/1978, fls. 7-7v.

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Removidos alguns obstáculos, com excepção do caso da família de Manuel Pedro que se arrastou no tempo, avançou-se para a remodelação do edifício, inserido dentro do «plano de Obras do Centro», que compreendia o arranjo e modificações nas instalações (recreios, consultórios e salas). Intervenção urgentíssima, dado o estado do imóvel, como assinala Lígia Soares – a primeira técnica assistente social a trabalhar na ARCIL, onde permaneceu até Fevereiro de 198755: «A minha primeira impressão quando cheguei era que de facto aquilo era uma casa senhorial. O edifício-mãe, na altura era só esse, era um edifício antigo, que tinha sido um antigo convento, e por fora era um edifício imponente. Mas por dentro estava todo a cair. A cair mesmo, não estou a exagerar! Já tinha havido umas obras para adaptar umas salas para as actividades»56. O espírito de grupo dos primeiros tempos marcou-a profundamente. No seu entender, foram o principal motor para que a Obra se erguesse: «Nós trabalhámos nos primeiros tempos em condições bastante adversas. Mas conseguimos trabalhar naquelas condições e adaptar as instalações. Acho que foi um trabalho do zero, uma casa velha que foi recuperada e o trabalho foi feito todo por nós e pelo pessoal da casa. E encontrei uma massa humana fantástica, que tinha todas características necessárias – espírito de missão, de equipa, de tudo!. O espírito de grupo foi o que levou a ARCIL para a frente naquela altura. O espírito de grupo mas também de sacrifício. Nós sentíamos aquilo como nosso». No mesmo sentido se ajusta o depoimento de Casimiro Jacinto: «As pessoas acreditavam no projecto. O Prof. Maio desenvolveu uma grande equipa. Nós, professores e auxiliares, andámos de carros na mão, para fazer as obras, caso do bar, da primeira piscina. Chegámos a trabalhar até às 4h da manhã na electrificação. Foi preciso muito sacrifício»57.

Natural de Ferreira de Aves, Sátão. Lígia Soares entrevistada por Marta Ramos, 2011 57 Casimiro Jacinto foi professor destacado na ARCIL durante 5 anos na área de trabalhos oficinais. Entrevistado por Marta Ramos, 2011. 55 56

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Foto 5 - Construção das asnas para cobertura da piscina, princípio dos anos 80 (actual pátio, junto ao bar)

António Maio alude ao esforço da comunidade no arranjo das instalações da ARCIL (vide foto 5), destacando os dinamizadores por áreas de actividade: «Iniciámos os arranjos das instalações. Tivemos o precioso contributo, não só dos elementos da comissão, como dos professores, das auxiliares e do povo. Vamos deixar algumas lembranças e agradecimentos, mencionando os nomes que recordámos e pedimos desculpas a algum que fique esquecido: - Na instalação eléctrica: Carlos Alberto de Assunção, Norberto Geada, João Miranda, Casimiro Jacinto, João Luzio. - Na carpintaria: as madeiras foram oferecidas por Armando de Almeida, Cesaltino, António Cândido dos Santos e o trabalho foi de Armando Agostinho dos Santos. - Na serralharia e canalizações – Sr. João Carinhas»58. Estas declarações remetem para a génese da ARCIL e do espirito que a animaria durante anos. Jorge Coelho sintetiza numa frase feliz esse lado menos formal, mas não menos importante duma casa que marcava profundamente quem por lá passava: «Havia um envolvimento. Para além de ser professor nós passávamos a ser uns amigos. Pela carreira, juventude, pós-25 de Abril, a reabilitação acho

António Maio - ARCIL, discurso proferido na cerimónia evocativa dos 25 anos da ARCIL, 2001

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que foi um desfrutar profissionalmente, intelectualmente, individualmente e pessoalmente dos maiores prazeres que uma pessoa pode ter. Foram os melhores anos da minha vida a passagem pela ARCIL. É uma experiência única. Só quem passou por lá»59. Também Isabel Marantes, a primeira pessoa a ser admitida para os serviços administrativos se recorda bem desses tempos difíceis: «Não tinha a noção do tipo de instituição que era. Para além do serviço administrativo fazia o que fosse necessário: auxiliar de carrinha, colónia de férias, ajudava na cozinha…»60. COMPANHEIROS CONSTRUTORES O psicólogo Manuel Coquim foi Presidente do Movimento dos Companheiros Construtores, com sede na Rua Pedro Monteiro, em Coimbra. A organização estruturava-se numa direcção, um Secretário-Geral, Conselho Fiscal e Assembleia Geral. No terreno o movimento organizava-se em núcleos locais, com coordenadores responsáveis pelos diversos campos de trabalho, que eram visitados semanalmente pelo Secretário Geral Manuel Rocha. O professor Ernesto Carvalhinho foi o coordenador deste movimento no núcleo da Lousã. O movimento passou posteriormente a uma fundação. A história dos Companheiros Construtores foi-nos narrada por Manuel Coquim: «O Movimento dos Companheiros Construtores nasceu na Bélgica, com a finalidade de apoiar as famílias mais carenciadas. Dedicavam-se à recuperação de casas para pessoas pobres. Esse movimento estendeu-se a vários países europeus através da criação de núcleos, centralizado em Bruxelas. Beneficiavam de fundos da União Europeia, havendo um conjunto de instituições ligadas à igreja que identificavam as necessidades mais prementes.

Jorge Coelho, professor na ARCIL. Entrevistado por Marta Ramos a 06/02/2011 Isabel Marantes foi oficialmente admitida na ARCIL a 01/07/1978. Natural de Lisboa e residente em Foz de Arouce. Uma das responsáveis pela criação do Rancho ARCIL. Entrevistada por Marta Ramos 2011

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Em Portugal houve um movimento de solidariedade muito grande que se alargou por todo o país. Fazíamos apoio a projectos de desenvolvimento, tendo em vista a melhoria da qualidade de vida das populações. Promovíamos a troca de voluntários internacionais, essencialmente universitários, 300/400 ano, e concentrados durante a época de Verão. Canalizámos na altura muito dinheiro para instituições de apoio à deficiência, como ARCIL ou Cercimira. Integrávamos os voluntários nessas obras, envolvendo a comunidade e gerando movimentos de solidariedade. Houve um movimento de participação activa da população, sempre com base nos jovens vindos da Europa»61. Entre 1978 e 1985, de Julho a meados de Setembro, e fruto de uma parceria com uma ONG – Companheiros Construtores, com sede em Coimbra - a ARCIL contou com a ajuda fundamental de jovens estudantes estrangeiros no Verão, que se organizavam em grupos de 15 (vide fotos 6 e 7). Eram, na sua maioria, oriundos da Alemanha, Holanda e da França que ofereciam as suas férias, pagando a viagem e alimentação. Faziam qualquer serviço que lhes fosse atribuído. Alguns eram voluntários de longo termo, incluindo especialistas na área da deficiência que vieram a ser contratados pela instituição ou operários especializados como o caso do carpinteiro Nico que casou na Lousã. Foram apelidados carinhosamente de “Esgrubers” por José Cantante, em 1982, designação que se enraizou na comunidade ARCIL. De alguma forma, a vivência com estes jovens, as suas experiências e a sua forma de estar influenciou quer a própria cultura da organização, quer a imagem que projectava para o exterior, nem sempre consensual com a sociedade do município lousanense, ainda muito conservadora. Trouxeram abertura de mentalidades e de saber, abrindo horizontes e permitindo intercâmbio enorme de conhecimento técnico, angariando dinheiro e organizando visitas a técnicos, principalmente na Holanda. A partir de 1985 a ARCIL daria um grande salto em termos financeiros, pelo acesso a programas e projectos nacionais e internacionais. A vinda dos

Manuel Coquim entrevistado por João Pinho, 13/11/2013

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Construtores deixou de ser tão necessária: eles existiam para apoio a Pessoas, Instituições e Países muito carenciados, o que deixou de ser o caso da ARCIL com a integração na CEE. Contudo, o Movimento dos Companheiros Construtores começou a fraquejar por outras razões, designadamente com a criação da Fundação de Coimbra – para o desenvolvimento sócio-económico, constituída por escritura pública de 31/08/1983, facto que conduziu à transferência da maior parte dos seus bens activos disponíveis.

Foto 6 - Grupo de companheiros construtores com Carvalhinho na Arcil, 1979

Foto 7 - Recuperação de casa de utente nos Ramalhais, pelos Companheiros Construtores

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Estas obras contaram com o apoio monetário da Junta de Freguesia presidida por João Marçal e, especialmente, com a benemerência de Jorge de Carvalho e família, com sucessivas doações monetárias - uma constante nos primeiros anos da instituição - bem como da firma de José Redondo. Na verdade, e tendo em vista a abertura do Centro sucederam--se as ofertas de materiais e bens alimentares, e campanhas de angariação de fundos, tais como; bailes, venda de autocolantes ou cortejos de oferendas. Era um tempo de fortes investimentos oficiais na instituição aproveitando os contactos e disponibilidade de Henrique de Figueiredo: Em Março de 1977, o IASE e a ARCIL rubricavam contrato para pagamento das refeições e transporte; o primeiro contributo do Estado seria de 550 contos atribuído pelo Ministério dos Assuntos Sociais (António Arnaut) tendo em vista a aquisição de mais uma carrinha para o transporte de crianças e 400 contos pelo Ministério do Trabalho para equipamento de oficinas62. A primeira carrinha da instituição seria uma Toyota de 19 lugares, adquirida em Janeiro de 1977 por subscrição pública, de que foi 1º motorista José António: «Esta carrinha esteve muitas vezes ao serviço da CML, dos ranchos e do desporto. Foi a primeira carrinha do concelho»63 (vide fotos 8 e 9). Esta e outras de 9 lugares, para além de garantirem alguma receita, foram uma das primeiras formas de pôr a ARCIL ao serviço da Lousã, numa altura em que o município não dispunha deste meio de transporte.

Foto 8 - 1ª carrinha comprada com subvenção pública (colocada ao serviço da comunidade)

«Apoio oficial à ARCIL» In Trevim,15/10/1978, nº 242 António Maio - ARCIL, discurso proferido na cerimónia evocativa dos 25 anos da ARCIL, 2001

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Foto 9 - 1º motorista da Arcil, Sr. José António com um grupo de alunos

Sobre o primeiro subsídio estatal atribuído à ARCIL pelo Ministério dos Assuntos Sociais, Olga Maio conta uma história muito curiosa que a envolveu directamente: A ESTÓRIA DO 1.º SUBSÍDIO CONCEDIDO À ARCIL «Fomos a Lisboa (António Maio, Olga Maio, Elvira dos Prazeres e Rui Soares) ao Ministério dos Assuntos Sociais, tentar resolver o pagamento dos transportes e refeições, mas não nos queriam receber porque não tínhamos entrevista marcada. – Não podem entrar disse-nos o segurança. O Maio virou-se para ele e disse: - Não sei como o Senhor se chama mas não venho pedir para mim. Venho pedir para muitos deste país, que talvez o senhor não conhece nem venha a precisar. E ele telefona para cima e diz ao director: - Estão aqui os professores da Lousã, dizem que não vêm pedir para eles e que Deus queira não precisemos deles. Fomos então recebidos pelo Ministro que logo disse – Estamos com dificuldades. Entretanto, e algo desiludidos, saímos mas eu fiquei à porta. Nisto, Deus parece que me iluminou e disse – Fala! Voltei-me para trás e disse: - - Desculpe Sua Excelência, só lhe queria fazer uma pergunta. Tem filhos? Tenho sim, minha senhora, respondeu. Voltei-me para o Secretário e perguntei:- Tem filhos? Tenho sim minha, senhora. Mas porquê tanta curiosidade? – Deus queira que os senhores um dia não venham a precisar de instituições destas. Porque de um dia para o ouCAPÍTULO 2 – Os Primeiros Corpos Gerentes: 1977-1981

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tro podem precisar. Mas como não quero ser maçadora passem muito bem e sejam felizes. Nisto, começam-me a correr as lágrimas e dirigimo-nos para o elevador. Quando vínhamos a chegar à portaria, já estava o segurança à nossa espera, logo nos dizendo: - O Sr. Ministro mandou-os chamar, está à vossa espera. Subimos e fomos buscar o cheque que nos foi entregue pelo Ministro e Secretário, que também de lágrimas nos olhos disseram: - Vamos apoiar a vossa instituição. [Olga Maio entrevistada por João Pinho, 01/07/2013]

Foi no tempo desta primeira direcção que se iniciaram os campos de trabalho e de obras, com troca de experiências e partilha de ideias com outros centros e instituições da área da reabilitação, sendo de destacar o papel dos voluntários Companheiros Construtores, oriundos da Holanda, Suíça, Alemanha e França. O modo como entraram na ARCIL foi relembrado por Manuel Rocha64, então responsável pelos Companheiros Construtores em Portugal (director da associação) e pela organização dos campos de trabalho, e também pela angariação de dinheiro para os projectos portugueses: «O Prof. Maio soube que nós apoiávamos com voluntários e dinheiro. Tínhamos sede em Coimbra. Convidou-me em 1976 a passar uma noite na Lousã. Fomos, conversámos, ficou entusiasmado e disse: vamos trabalhar em conjunto»65. Manuel Rocha recorda, também outro momento chave: «Este intercâmbio foi facilitado em Outubro de 1978 quando a Riek foi para lá trabalhar». Actualmente sua esposa,66 integrou nesse longínquo ano o campo de trabalho e tinha a particularidade de possuir experiência de trabalho, no país natal, ao nível da reabilitação de deficientes motores até aos 7 anos. Carecendo a instituição de

Natural de Seixo de Mira, n. 1936 Manuel Rocha entrevistado por Marta Ramos, 03/01/2011 66 Riek, natural da Holanda, trabalhou no seu país com deficientes motores. Ficou na ARCIL um ano e meio, saindo em Janeiro de 1980, tendo continuado a sua actividade na CerciMira. Quando trabalhava na instituição conheceu o director dos Companheiros Construtores, Manuel Rocha, com quem veio a casar. 64 65

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técnicos habilitados foi a primeira responsável de uma sala pouco organizada e a necessitar de grandes mudanças, como a própria recorda: «Na ARCIL e quando entrei na sala que era para mim encontrei crianças e adolescentes. E o cheiro incomodou-me muito. Disse logo, vamos ter de mudar, de dar uma grande volta. Vamos já fazer uma sala bem cheirosa, para retirar a ideia de baba e maus cheiros. E foi assim»67…. Parte das obras contaram com a colaboração dos companheiros construtores e com dinheiro vindo da Holanda, para cobertura do pátio e oficina de carpintaria e casas de banho, por exemplo. Porém, a acção dos Companheiros Construtores, coordenados na sua dimensão internacional e social pelo incansável e dedicado Manuel Rocha, não se centrou apenas na recuperação do imóvel no Cabo do Soito. Juntamente com a equipa da ARCIL constituíram-se como uma verdadeira rede de apoio social no município da Lousã, colaborando também com as autarquias: «Na ARCIL dávamos apoio a famílias onde havia alguém com deficiência. Alguns tinham grandes carências económicas. Uma das famílias que começámos a apoiar na reconstrução da sua residência foi no Cume, na zona da Papanata. No seguimento fizemos acordo com a Junta de Freguesia da Lousã para fazer mais duas casas que serviram para apoiar famílias com graves carências. Houve sempre na ARCIL, desde o princípio, a vontade de participar para melhorar, ajudar a comunidade, não só no trabalho com deficientes, mas também fornecendo serviços à população. Fazíamos trabalho que a Câmara não conseguia fazer, caso dos campos de trabalho na sede da Associação de Ceira dos Vales». 68. Durante estes anos terão vindo através dos Companheiros Construtores cerca de 300 voluntários de curto termo (um mês) e algumas dezenas de longo termo (mais de 3 meses), pagando do seu próprio bolso a viagem e comida, e abriram horizontes de modernidade e europeísmo na Lousã.

Riek entrevistada por Marta Ramos, 03/01/2011 José Ernesto Carvalhinho entrevistado por Marta Ramos, Maio 2011

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2. A DIVISÃO NO SEIO DA DIRECÇAO Apesar de vários progressos, uma ameaça séria pairava sobre a ARCIL: a divisão entre alguns membros da direcção, motivada, no essencial, por duas situações: por um lado, a questão despoletada com as habilitações necessárias para o desempenho das funções de auxiliares; e, por outro lado, a alteração dos estatutos, designadamente no que se referia à mudança dos membros que a compõem, aumento do número dos mesmos, e onde deviam ser escolhidos. Um problema que transitaria para o novo ano de 1979. De facto, na reunião de 29/1 o Prof. Maio coloca a hipótese da sua demissão aos associados, que é rejeitada com 41 votos contra. Em seguida, D.ª Elvira dos Prazeres Silva, desavinda com aquele, decide apresentar a sua demissão «…baseada numa recusa do professor António Maio em trabalhar com ela» 69. O caldo entornava-se e esta situação, de latente instabilidade directiva, levaria a uma curiosa solução encontrada nessa reunião - a formação da Comissão de Gestão Provisória, como resultado da fusão de duas propostas: «Que a Direcção actual se demitisse; que fosse formada uma Comissão de Gestão constituída por 5 elementos, 3 eleitos pelos sócios, um dos quais, o Presidente, seria sempre o prof. António Maio e dois elementos do Corpo Técnico eleitos por esse mesmo Corpo. Esta Comissão de Gestão dirigiria a Associação até Junho de 1979, segundo o estatutariamente estabelecido».70 Esta proposta, aprovada pela maioria dos associados com 28 votos a favor, 2 contra, e 5 abstenções, obrigou à reformulação do quadro directivo: na prática foram demitidos a Dª. Elvira dos Prazeres Silva (da direcção) a Dª. Maria Graciete Pedro (da Assembleia Geral) e Rui Soares juntando aos 3 elementos da direcção (António Maio, António Alberto Pereira Carvalho e João Madeira Marçal) mais 2 elementos do Corpo Técnico. Apesar da turbulência depressa se alcançou a estabilidade, passando a resolver-se questões prementes da instituição: em Março, os artigos dos estatutos ADA – Livro de Actas da Assembleia Geral da ARCIL, 1979-1995, acta n.º1, fl 2v. Idem.

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seriam aprovados e entregues a uma Comissão de Redacção, que preparou a sua versão final aprovada em reunião da AG de 02 de Junho. Contudo e internamente mantiveram-se os choques entre Corpo Técnico e Direcção.

3. A ESTRUTURAÇÃO ORGÂNICA E FUNCIONAL DA ARCIL O segundo corpo técnico da ARCIL foi o de 1977/1978 tendo como professores Graciete Pedro, Jorge Santos, Iolanda Bizarro, Clara Bandeira, Eugénio Amaro, Casimiro Jacinto Ramiro, Carvalhinho, o psicólogo Manuel Coquin, duas Educadoras de Infância e várias auxiliares. No ano de 79/80 entrariam os professores Américo, João Graça, Carlos Santos, Margarida Ventura, Amélia Galhardo, Gonçalves e a psicóloga Isabel Lopes que substituiu o psicólogo Manuel Coquim. Como adiante se verá a entrada de José Ernesto Carvalhinho - convidado pelo Prof. Maio na sequência do trabalho como voluntário no ano anterior - seria determinante no rumo da ARCIL. As novas exigências institucionais, conjugadas com problemas no funcionamento interno levariam a direcção a aprovar, em reunião de 30 de Março de 1979, o Regulamento Interno da Comissão, onde se estabeleceu o primeiro esquema sectorial da ARCIL: o Presidente, assumindo a função de intercoordenador, coordenador do sector da assistência social, sector da secretaria e serviços externos; o tesoureiro, a de coordenador do sector de obras e elaboração de contas e orçamento; o secretário, o sector de transportes e alimentação, o vogal A, o sector pedagógico e, o vogal B, o de assessor geral. Por fim, o Sr. Moreira daria apoio à Olaria71. Ainda nesse ano, e na reunião de 13 de Julho, se faria a primeira Divisão de Pelouros, melhorando aquela divisão sectorial: Sector dos contactos externos e Secretaria: António Maio; Sector dos contactos internos: António Maio e José

ADA - Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 1977-1981, acta n.º 62, 30/03/1978, fl. 39

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Ernesto Carvalhinho; Sector Oficinal: José Ernesto Carvalhinho; Sector Obras: Idem e, nas férias, Manuel Paulo Rêgo; Sector de Transportes: João Madeira Marçal; Sector de Alimentação e Tesouraria: João Francisco Rodrigues. Parte deste esquema seria vertido no primeiro organigrama da instituição, aprovado no final do ano. Nestes anos tomaram-se pequenas decisões tendo em vista um melhor funcionamento interno da ARCIL: pelo final do ano de 1977 e devido a um volume imenso de informação relativo a actividade do Centro, decidiu avançar-se para a elaboração de um boletim mensal destinado a informar os associados; em Março de 1978 arrancava a organização do sector da biblioteca, ainda de forma embrionária, com ajuda de um subsídio de 20 contos concedidos pela Gulbenkian; em Abril de 1978 adquire-se livro de reclamações e livro de ponto, enquanto no mês seguinte ordena-se a impressão de 500 exemplares dos estatutos para distribuição aos sócios. Por outro lado, no princípio de 1978 e como no Centro se haviam admitido crianças de municípios vizinhos, contacta-se a CM Miranda do Corvo tendo em vista a cedência de uma carrinha para transporte, com o percurso Miranda do Corvo-Lousã. Prosseguiriam por estes meses, as admissões de pessoal técnico, incluindo o psiquiatra António Peres e a terapeuta ocupacional Rick Van Breda, mas também de pessoal oficinal; oleiro, carpinteiro e serralheiro (com apoio do

Foto 10 - A antiga serralharia em 1978 (actual refeitório)

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Fundo de Desenvolvimento da Mão de Obra que também subsidiou máquinas e ferramentas). A primeira oficina de carpintaria funcionou sobre o antigo tanque de água tendo como monitor Manuel António, enquanto a oficina de serralharia se localizava onde actualmente está o refeitório, tendo como responsável o serralheiro Carinhas (vide foto 10). Posteriormente a carpintaria seria transferida instalando-se onde actualmente está o r/c da formação profissional. No talhão mais elevado, onde se encontrava (por cima do actual parque de estacionamento) foi construída a Pecuária, com pavilhões para a cria de diversos animais, um matadouro e câmara frigorífica (vide foto 11). A primeira olaria esteve situada numa dependência actualmente ocupada por serviços administrativos no piso do bar/refeitório e entrou em funcionamento por volta de 1978. Entre 1976 e 1980, a ARCIL teria cerca de 40 utentes e 30 pessoas a trabalhar e funcionava como uma escola de ensino especial com alvará emitido pelo Ministério da Educação. As consultas do Corpo Técnico aos pais das crianças, realizavam-se às segundas-feiras, pelas 10h. A alimentação das crianças baseava-se no abono despendido pelos pais. Atenção especial mereceram os deficientes profundos, que foram divididos, em Março de 1978, em dois grupos - profundos e treináveis - tendo as salas funcionado no edifício-sede, embora os mais profundos tenham passado

Foto 11 - A pecuária nos anos 90

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da sala do 1º andar para o rés-do-chão ocupando o espaço da antiga Secretaria e Olaria (actual Gabinete das Direcções Executivas) (vide foto 13). Quanto aos deficientes designados por treináveis, tiveram a sua primeira sala na sede (marcando o início do SAPO) onde actualmente está a lavandaria – e que antes foi sala de trabalhos manuais – (vide foto 12) transitando depois para o edifício da cadeia. Na actualidade têm as suas salas no CAO, sitas na Quinta de Santa Rita. Por outro lado, deram-se os primeiros passos no sentido de melhorar a visibilidade da instituição através de participações nos festejos do 25 de Abril e nas Festas de S. João (com quermesse) na Lousã, esta última de forma continuada até à actualidade. Com avanços e recuos a ARCIL foi caminhando. Momento delicado, o primeiro de muitos, viveu-se em Maio do dito ano, quando a situação financeira fez perigar o futuro, ao constatar-se um deficit em relação aos dinheiros

Foto 12 - Classe Sensorial/Infantil, final dos anos 70

Foto 13 - Sala dos Profundos, início dos anos 80

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necessários para a construção de várias obras no Centro. Para combater esta necessidade, solicitou-se tanto à educadora de infância Rick como a Manuel Rocha que representassem a ARCIL no pedido de fundos, tanto na Holanda como na Alemanha, aproveitando-se essa deslocação para providenciar acerca de requisição dos campos de férias e de trabalhos, nomeadamente os realizados pelos Companheiros Construtores, levando fotografias das obras realizadas e orçamentos de obras a realizar. Campos de trabalho que constituíram, nestes primeiros tempos, um motor do sucesso, pela participação activa dos Companheiros Construtores: pintura e reboque da carpintaria, montar janelas e envernizar, pintar grades de ferro, cimentar o pátio, colocar cobertura na piscina, organizar o playground, pintura interior das salas de aulas. Em Setembro, e apesar deste apoio, o valor necessário para acabamento das obras no Centro era de 255286$, incluindo o recreio, com baloiço e escorregas. Nos recursos humanos o destacamento de professores passou a contar com a opinião do psicólogo e da Comissão Pedagógica. Ainda assim a fixação da lista final foi uma fonte de problemas, levando a discordância ao seio da comissão. Mantém-se a necessidade de recrutar pessoal, nomeadamente auxiliar, entregando-se, em Julho, ao Carlos Batista, membro da AG, o estudo legal do processo de recrutamento. Ao contrário de outras instituições do género, a ARCIL consolidaria a estratégia de não encerrar nas férias em 1980/1981, dando resposta todo o ano aos seus utentes. A celebração do aniversário da ARCIL foi pela primeira vez programada de forma condigna pelo psicólogo Manuel Coquim (que no entanto sai da ARCIL ainda durante esse mês para desenvolver um projecto pessoal). Avançou-se para um projecto de horário, que foi colocado à experiência: entrada às 9h30, almoço às 12h30-14h e saída pelas 17h. Também em Julho, aprova-se o novo regulamento interno e abre ao público (aos funcionários) o bar; que sempre foi gerido internamente desde turnos voluntários a self-service. Fruto da sua importante actividade é concedido à ARCIL o estatuto de pessoa colectiva de utilidade pública, a 14/04/1980, por despacho publicado CAPÍTULO 2 – Os Primeiros Corpos Gerentes: 1977-1981

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no Diário da República II.ª Série, nº 87, assinado pelo Primeiro-ministro Sá Carneiro a 15/04/1980 (vide doc. 3).

Doc. 3 - Reconhecimento de Utilidade Pública da Arcil, pelo Primeiro Ministro Francisco Sá Carneiro

Nas semanas seguintes, o aspecto económico e financeiro seria a maior dificuldade, designadamente a regularização da divida à Caixa de Previdência, mas também a criação de centros de custos ou o levantamento do património da instituição, tarefas entregues ao Prof. Maio e João Rodrigues, com caracter de urgência dada a possibilidade de inspecção governamental. Aquela dívida seria perdoada pela então Secretária de Estado da Segurança Social, uma medida vital para a sobrevivência económica, tal como a continui110

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dade dos subsídios como foi o caso dos vindos da Fundação Gulbenkian, para biblioteca e montagem de oficinas. Os subsídios merecem, aliás, uma ressalva especial, pois constituem, ao longo do tempo uma forma especial de actuação da instituição: «O reconhecimento pela tutela do esforço da Associação. Não esperava que o dinheiro viesse. Procurava a tutela e demonstrava-lhe resultados. Isso foi premiado»72. Do ponto de vista material, as boas notícias foram também surgindo: para o sector de transportes (vide foto 14), com a aquisição de carrinha garantida através da Gulbenkian (270 contos) e do CRSSC.

Foto 14 - Carrinha de Transporte de utentes, princípio anos 80 (estacionada onde é hoje o refeitório-bar). Auxiliares Aline e Amélia, e educadora Maria João

Em 1981, e ao nível do funcionamento interno chegam boas novas. Caso do aumento do vencimento de todo o pessoal e dos retroactivos, possibilitado pelo subsídio recebido do MEC. É o tempo, também, das primeiras visitas oficiais: Rosa Macedo, em representação da Gulbenkian visitava a ARCIL em Março de 1981.

Amândio Torres entrevistado por João Pinho, 04/11/2013

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Como algumas pessoas se destacavam pelo trabalho que faziam em prol da instituição, foram por ela reconhecidos: caso do Prof. Jorge Coelho da Silva, que na reunião da direcção de 9/12 recebia um voto de louvor. Do ponto de vista externo, a ARCIL marcaria presença em reuniões alargadas para discussão de problemas comuns, caso das reuniões de Cercis para discussão de vencimentos e aumentos salariais. A crescente importância da ARCIL leva a que sejam nomeados seus representantes em vários órgãos: em Abril e no Conselho Municipal da Lousã seria indicada como «representante da infância». As colónias de férias passam a orientar-se por um organigrama o mesmo sucedendo com os passeios anuais dos diversos sectores.

4. M  ARCAS DE PIONEIRISMO: DE UMA PARCERIA INÉDITA A UM VASTO CAMPO EXPERIMENTAL A ARCIL cedo beneficiou da parceria inédita em Portugal, já assinalada por Ana Bénard da Costa, entre a SS, o Ministério da Educação e a Fundação Gulbenkian: a Segurança Social disponibilizava meios para ajudar na parte doméstica de uma escola (alimentação, transporte etc), o Ministério da Educação destacava os professores que eles precisavam para a formação, organizaria cursos intensivos para as classes especiais e pagavam vencimento dos terapeutas e auxiliares e, a Fundação Gulbenkian dava apoio a tudo que fosse obras de adaptação desses edifícios73. Por vezes é preciso estar no sítio certo, na hora certa. Assim sucederia com a ARCIL que dava os primeiros passos, trémulos e inseguros, procurando referências, quando em 1978 foi dado a conhecer o Warnock Report, documento fundamental que levou a mudança de paradigma: «Fez uma análise da educação especial em Inglaterra, propondo mudança de 180 graus: até então quem decidia o futuro das crianças com deficiência era

Ana Bénard da Costa entrevistada por Marta Ramos, 2011

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a perspectiva médica. Nunca chegou a ser traduzido em Português, mas nós absorvemos muito aquelas ideias. Foi quando começou a expressão necessidade educativa especial, porque até aí eram deficientes mentais. Começámos a sentir que algo estava errado»74. Estas novas ideias e perspectivas de mudança, acentuaram a necessidade de recrutamento de pessoal técnico e auxiliar competente. Sob orientação da Dra. Amélia Barata estagiaram na ARCIL 3 alunas do Instituto de Serviço Social de Coimbra (Março-Setembro 1978), de que resultou a contratação da Lígia Soares. As razões pela opção seriam explicitadas pela própria Lígia Soares: «Na altura de escolher o local, tomei conhecimento da ARCIL. E como a deficiência era algo que a tocava, escolheu este local para o fazer. No início, não havia ainda muito material para trabalhar, para fazer o seu trabalho. E terá sido isso também que a motivou a solicitar ficar na ARCIL, depois do estágio. O desafio. Comecei a sentir aquilo também como um bocadinho meu». E assim fez, apesar de todas as limitações: «Na altura tinha uma série de sentimentos meus… era quase um choque. Por um lado, era aquela situação de estar numa escola com um ambiente pesado, com os seus próprios utentes, os deficientes, que desde o mental ao físico, e ao físico e mental, e que de facto mexia comigo em termos de … tinha 22 anos naquela altura e aquele ambiente era muito pesado. Mas por outro lado, qualquer coisinha que um deles fizesse de novo, era compensador! Era um misto de sensações muito esquisito. Agora não teria essa postura. Mas na altura tinha 22 anos, estava a acabar o curso… Qualquer coisinha que os miúdos fizessem era uma grande conquista!» Manuel Coquim, psicólogo clinico da ARCIL entre 1978-1980 envolveu-se activamente no processo organizacional e educativo da ARCIL: «Tinha algum contacto com este tipo de instituições, pois tive o privilégio de visitar, quer na Inglaterra, quer na Irlanda instituições ligadas ao ensino especial e ver como elas funcionavam.

Idem.

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Logo no primeiro ano trouxemos para Portugal vários técnicos, senhoras holandesas com mais experiência em instituições do seu país, que vieram dar um músculo maior à área técnica. O meu trabalho fundamental era tentar implementar um programa educativo, um novo paradigma para aquelas crianças e jovens, A ideia que existia anteriormente ao aparecimento destas instituições era o paradigma assistencial. O desafio era mudar de paradigma educacional, que consistia em dizer que todas as crianças poderiam ser objecto de educação de acordo com as capacidades individuais. Havia que avaliar cuidadosamente as crianças, traçar os objectivos de médio/longo prazo para cada um deles. E implementar técnicas educativas que fossem ao encontro das suas necessidades educativas. Foi preciso ultrapassar diversas dificuldades: não havia material de apoio, tivemos de comprar no estrangeiro manuais, traduzir e adaptar para a nossa realidade. Na altura não havia grandes apoios por parte do Ministério da Educação. A Divisão de Ensino Especial dava orientações muito vagas, mais até no aspecto económico-financeiro do que no educativo»75.

O TESTEMUNHO DE LÍGIA SOARES «A minha primeira preocupação foi tentar perceber o porquê daquelas crianças serem daquela forma, as causas da deficiência. Porque na universidade estudamos, mas é com a experiência que de facto aprendemos. O dia-a-dia, como estávamos no começo, foi por um lado um apoio aos pais, eles nunca tinham tido apoio sistemático. Porque um pai com um filho com deficiência profunda tem uma postura na vida muito complicada. E aqueles pais precisam de alguém que fale com eles e que possam deitar cá para fora o que durante muitos anos andou lá dentro e não conseguiam falar com ninguém.

Manuel Coquim entrevistado por João Pinho, 13/11/2013

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Depois, por outro lado, houve também trabalho muito importante que foi a sensibilização da própria população da Lousã perceber que aquilo não era um depósito de deficientes. Que era uma instituição que estava ali para ajudar e que aquelas crianças que ali estavam eram crianças! E como tal também tinham os seus direitos. Nós fizemos várias acções de sensibilização. Uma das acções era a saída das terças-feiras, que consistia em dar uma volta à feira da Lousã com os miúdos, fosse em cadeiras de rodas, fosse a pé... Para que as pessoas pudessem perceber que eles estão ali e que fazem parte da sociedade da Lousã. E que não fazem mal a ninguém. Com estas estratégias a mentalidade da população começou a mudar: recorde-se, por exemplo, que nestes passeios, as pessoas davam esmolas às crianças, situação que aos poucos se foi mudando.alterando. Eu não tinha trabalho directo com as crianças. Era mais trabalho de retaguarda, com as famílias e a população. Mas claro que ajudava quando necessário. Quando alguma se magoava, era eu que as levava ao hospital e às consultas ao hospital pediátrico. Uma história de vida marcou-me pela positiva. Um jovem tetraplégico, na altura com 21 anos. Teve um acidente de viação. Era um rapaz perfeitamente normal e que depois ficou naquela situação. Chama-se António. Reagiu muito mal à sua condição. Não queria sair de casa. Entretanto os pais, com muitas dificuldades económicas, tiveram que fazer algumas alterações à própria habitação. Nós pegamos naquele jovem e foi fazer um curso de formação profissional, na área administrativa, para Évora. Eu fui lá várias vezes com o Carvalhinho, para acompanhá-lo, saber como ele estava. Ele lá ficou hospedado num lar de freiras lá em Évora. Então ele era o menino! Andava lá nas mãos, o menino daquelas senhoras! Qual não é o meu espanto, quando numa das visitas, à noite, fomos a uma discoteca. E qual não foi o meu espanto quando vejo o Toni a dançar na pista de dança, na sua cadeira de rodas! Aquilo para mim foi uma coisa que achava que não era possível. O António foi uma das pessoas que abriu a carpintaria da ARCIL, como responsável da parte mais burocrática. Depois disso, casou e tem filhos, tem uma loja de venda de electrodomésticos». CAPÍTULO 2 – Os Primeiros Corpos Gerentes: 1977-1981

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A instalação de uma piscina para a hidroterapia foi uma etapa pioneira mas também uma tarefa árdua. Enquanto não foi possível a sua construção, chegou a pedir-se terrenos da associação, tendo o município cedido a piscina no Parque do Regueiro até finais de Junho. No entanto, e pelos primeiros meses do ano, avançou a construção de uma piscina coberta para a hidroterapia, um desejo antigo e dispendioso que se tornou na prioridade de 1979, ficando concluída no final do ano: «A conclusão da piscina é de grande importância para a ARCIL, uma vez que passará a permitir o recurso à hidroterapia – o meio mais eficaz para a recuperação de deficientes motores, Por outro lado, reveste-se de grande importância para a Lousã, pois está previsto que a piscina seja aberta às crianças das outras escolas e à população em geral»76. Esta resposta provocou relutância dos pais dos alunos normais em irem à piscina da ARCIL. Apesar dos seus filhos ganharem com isso, nomeadamente a disponibilização de serviços como a piscina (apoiando assim a natação do município). Localizava-se onde hoje está o Centro de Reabilitação Física e foi construída pelos voluntários Companheiros Construtores, sob supervisão de um monitor de construção civil, contando com a colaboração de Mendes Silva (da DG Desportos) e Pereira dos Reis, da Thermec (caldeira). Para a sua construção seriam fundamentais dois apoios internacionais: «O primeiro e bastante importante é o trabalho do Sr. Padre Arnaldo Groot que na Holanda junto do Neerderlands Comité alcançou a quantia de 1900.000$00 (mil e novecentos contos) para a construção da piscina para hidroterapia. O segundo, a acção da diocese através da credencial do senhor Bispo de Coimbra para a Misereor da Alemanha donde vieram 800.000$00 (800 contos)»77.

«Piscina coberta em fase de conclusão» In Trevim, 01/10/1979 p. 8 «Porque não funciona a piscina» In Trevim, 08/01/1982

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Este dinheiro, concedido pela Misereor, (organização da igreja católica alemã sedeada em Stutegard) seria utilizado na cozinha (vide doc. 4) e encerra uma estória nada agradável: nos princípios de 1980 o padre Alberto, da Lousã, recusou-se a passar um documento justificativo dos fins humanitários prosseguidos pela ARCIL, para assim regularizar a entrada daquela verba nas contas da associação. Mas como recorda José Ernesto Carvalhinho: «Só depois de muita insistência, de católicos da direção da ARCIL e de amigos da associação, o Bispo, na companhia do padre Alberto, dispôs-se a visitar a ARCIL. Após conhecer a instituição, deu-me os parabéns por tudo o que viu e disse que passaria ele próprio o documento necessário pelo qual se declarou que a instituição prosseguia fins de alto valor humanitário»78.

José Ernesto Carvalhinho entrevistado por João Pinho, 19/12/2013

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Doc. 4 - Atribuição de subsídio à Arcil pela Misereor

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Tanto a cobertura da piscina (vide fotos 15 e 16) como, mais tarde, os portões da quinta do Hospício e cobertura do páteo, entre muitos outros trabalhos, seriam produzidos pelas próprias oficinas (serralharia) da ARCIL, cumprindo o triplo objectivo de formação, emprego e autossuficiência.

Foto 15 - Início da construção da piscina, 1980

Foto 16 - Piscina coberta a lona onde hoje é o ginásio, meado anos 80

Foto 17 - Actividades de hidroterapia, 1983; auxiliares Isabel Bicho e Manuela Simões com a terapeuta holandesa Adrianne

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A piscina terá aberto no Verão de 1980, funcionando vários anos com acordo entre ARCIL e CML: a primeira transportava crianças de todas as escolas do concelho, que ali aprendiam a nadar com o apoio de monitores pagos pela CML (vide foto 17). A piscina foi arrasada e, no centro de reabilitação construído nos anos 90 integrou-se uma nova, que também servia a comunidade exterior, com todas as condições técnicas que a antiga não tinha; a cobertura era uma lona fria no Inverno e não funcionava parte do ano. Está na actualidade desactivada embora esteja projectada a sua reabertura. No seguimento do acordo de cooperação Luso Sueco fomentou-se em Portugal, desde 1974, a formação de docentes e técnicos, o desenvolvimento tecnológico e a investigação na educação. Portugal aderia ao modelo sueco, beneficiando do seu apoio, monetário e estratégico, que se traduziu, na ARCIL a partir de 1979, pelo desenvolvimento do Sector Pré-Profissional, com subsídios para a formação profissional dos professores e compra de máquinas industriais. Ana Bénard da Costa refere que a «Criação de estruturas pré-profissionais junto das escolas especiais avançou porque achávamos que os miúdos não iriam fazer a secundária»79. A ARCIL cedo abraçou o processo para instalação de pré-oficinas e oficinas com o apoio da Gulbenkian e Instituto de Emprego. Contudo, como explica Carvalhinho, nunca aconteceu a adesão ao acordo Luso Sueco «porque o responsável técnico do Ensino Especial dizia que o terreno não era adaptado à pré-profissional, pela inclinação que apresentava, não permitindo um bom trabalho na reabilitação, embora o motivo real fosse o facto de já termos equipamentos industriais, monitores com uma visão profissionalizante e a visão dele não passar dos trabalhos manuais»80. Mas, o choque escondia, porém, outras motivações: na altura, a filosofia oficial relativamente ao deficiente passava por esconder/proteger da realidade, quando o que a ARCIL defendia e propunha era a preparação do deficiente para

Ana Maria Bénard da Costa entrevistada por Marta Ramos, 06/07/2011 José Ernesto Carvalhinho entrevistado por João Pinho 19/12/2013

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o mundo do trabalho. Segundo Leonardo da Conceição81 este momento é de fulcral importância para a reabilitação em Portugal: «Isso faz parte da evolução, porque a pré foi construída inicialmente muito à semelhança dos trabalhos manuais e dos trabalhos oficinais do secundário. Há aqui uma ruptura que é feita pela ARCIL e que posteriormente os diversos serviços ligados à reabilitação vêm a fazer. O acordo Luso Sueco ainda estava muito feito na perspectiva da Educação, sem dar o salto para o mundo do trabalho. Em Portugal, houve, aliás, uma relação tensional muito forte entre a Educação e o Trabalho. Cabia às instituições procurarem uma linha de continuidade» 82 Por outro lado, entre 1979 e 1980 ocorreria a primeira experiência de integração de crianças (2 – o Jorge e a Tucha) portadoras de deficiência, em sala regular da Creche da Sta. Casa da Misericórdia da Lousã (vide foto 18), com apoio do Centro Regional de Segurança Social de Coimbra. Foi o lançamento da semente da integração de crianças em meio normalizante, rompendo com respostas institucionais até então segregadoras.Esta colaboração continuaria nos anos seguintes sempre «na perspectiva de ter uma creche integrada»83. Era o caminho a seguir, embora rodeado de momentos difíceis: Os pais das crianças normais não achavam grande piada. No recreio, por exemplo, e quando fazíamos a rodinha, os meninos não queriam dar a mão a quem usava cadeira de rodas, ou a quem deitava a língua de fora, ou os imitassem. Mas foi-se ultrapassando»84.

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Psicólogo na CERCIMOR; actual técnico superior consultor no IEFP Leonardo da Conceição entrevistado por João Pinho, 19/12/2013 José Ernesto Carvalhinho entrevistado por Marta Ramos, Maio 2011 Maria João Cruz entrevistada por João Pinho, 19/10/2013 CAPÍTULO 2 – Os Primeiros Corpos Gerentes: 1977-1981

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Foto 18 - Integração de crianças deficientes na Creche da Santa Casa da Misericórdia 1979-1980

A HISTÓRIA DE UM MENINO AUTISTA Relata a educadora de infância da ARCIL, Maria João Cruz, que ao tempo da integração escolar «um pequeno sucesso era uma grande vitória». Para ilustrar esse pensamento recorda uma história que a marcou, de um menino autista, natural de Poiares. Não falava, repetia tudo o que dizíamos. Eu achava que nem sabia os nossos nomes, nem nos reconhecia. Numa colónia de férias em Mira e no primeiro ano em que fomos para a praia, apercebemo-nos que tinha medo do mar. Ficava sempre ao longe, nunca queria ir. Então, um colega nosso, o Dr. Jorge Santos, resolve pegar nele ao colo e começa a correr em direcção ao mar dizendo “é hoje que vais ao mar”. Foi então que começou a gritar: “Ó Maria João anda cá…!!!”. O Jorge parou logo, ficámos perplexos. Daí para a frente começou a ir ao mar. Aquilo foi um clique». O ano de 1979 ficaria assinalado pela abertura ao exterior, fruto de um acordo luso françês: em Janeiro, as atenções voltam-se para o Centre National D’Etudes et Formation Profissionel de Beaumont-sur-Oise (CNEFASES), Centro Oficinal em França onde alguns técnicos do ensino especial de Portugal iriam estagiar, designando-se o professor de trabalhos manuais, Ernesto Carvalhinho para articular. No entanto, a participação seria adiada para Outubro, contando 122

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apenas com a participação do dito professor, único português presente pois mais ninguém aproveitou este acordo para frequentar estes cursos. A inovação e pioneirismo passam a ser vocábulos definidores da acção da ARCIL (vide doc. 5), já então procurando a via internacional. Em Março de 1979 e muito antes da legislação sobre emprego protegido, foi discutido pela direcção e entregue no Ministério do Trabalho, o regulamento interno das futuras oficinas protegidas, elencando vencimentos para serralheiro e carpinteiro e subsídios necessários85. INTEGRAÇÃO ESCOLAR «A solução dos problemas começa com uma boa integração social do indivíduo deficiente; ela deve começar logo nos primeiros anos de vida, isto é, a criança deve crescer junto com as outras crianças da mesma idade. Quer a nível nacional quer internacional a generalidade dos técnicos de educação reconhece as vantagens da integração das crianças deficientes em Jardins de Infância normais. Esta é também a política adoptada pelo sistema educativo nacional. Seguindo estes princípios, e porque concordamos com eles, optámos por integrar todos os nossos alunos em idade de Jardim de Infância na Escola Pré-Primária da Lousã. Aí temos encontrado boa colaboração por parte de todos e nomeadamente por parte das Educadoras de Infância. Os pais das outras crianças têm também aceitado bastante bem a nova situação. Uma coisa, no entanto, é bastante importante: a integração só será verdadeiramente efectiva se todos colaborarmos em pequenas coisas, às vezes muito simples, mas de grande importância». «Integração» In Pequenada, N.º 12, Fevereiro, 1984

ADA - Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 1977-1981, acta n.º 62, 30/03/1978, fl. 39v.

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Estes anos ficariam também marcados pelo pioneirismo de múltiplas actividades: a criação da modalidade de judo foi tarefa entregue ao prof. Ernesto Carvalhinho, que em Outubro de 1978 é o elemento destacado para diligenciar junto da CML a construção de balneário e duas casas de banho. Algumas actividades nunca chegaram a arrancar enquanto outras se ficaram por pequenas experiências caso da musicoterapia (vide foto 19), de que foram responsáveis três professores destacados: João Rodrigues, Amália e padre Luis Pinho (1978-1983).

Foto 19 - A antiga capela, onde funcionou o 1.º refeitório, depois a sala de musicoterapia (actual fisioterapia)

Apesar do dinamismo das obras no Centro arrastou-se por mais algum tempo a ocupação de parte do antigo imóvel pela família de Manuel Pedro, com óbvio prejuízo para a ARCIL, bloqueando instalações adaptáveis a outros fins e fazendo aumentar a conta da electricidade. Neste contexto, não se estranha que tenha crescido o clima de insegurança sucedendo-se os roubos e queixas na polícia. As idas a Lisboa tornam-se frequentes, designadamente aos ministérios, repartições do Estado e Gulbenkian, apresentando dificuldades e procurando desbloquear apoios e projectos. No mesmo sentido, procuravam-se comparticipações junto da Fundação Gulbenkian e de embaixadas de países desenvolvidos como EUA, Suíça, Holanda e Alemanha. Em sentido inverso, tiveram lugar as primeiras visitas oficiais, designadamente de técnicos do Ensino Especial. 124

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Doc. 5 - Programa de viagem à França, Alemanha e Suíça, de 10 a 23 de Setembro de 1981 (organizado pelo Pastor Neto da Igreja Protestante da Figueira da Foz)

Em Setembro de 1978, organiza-se a primeira colónia de férias da ARCIL, na Gala (Figueira da Foz), duas vezes por semana e ao Domingo, proporcionando aos utentes experiências e viagens que de outra forma estariam fora das suas possibilidades, e especialmente importantes para as crianças deficientes profundas (vide fotos 23 e 24). No final do ano de 1979 começaram a tratar da inscrição na Associação Nacional de Deficientes. A actualização de vencimentos também marcaria o final do ano, numa altura em que a direcção se viu forçada a explicitar a origem dos financiamentos: da DGEB provinha o pagamento às auxiliares, vigilantes c/ funções pedagógicas e educadoras de infância; da SS, para outro pessoal e resto de despesas e, do Ministério do Trabalho, verbas para material e máquinas de oficinas, serralheiro, carpinteiro, oleiro. Ainda em 1979 a ARCIL integrou a comissão concelhia da Lousã para a organização do Ano Internacional da Criança, constituída na Lousã e que reuniu pela primeira durante o mês de Abril. Dela fizeram parte Comissões de CAPÍTULO 2 – Os Primeiros Corpos Gerentes: 1977-1981

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Moradores, Grupo de Jovens da Lousã (Graça Magro e Maria José Barros), Escola Primária da Lousã (professoras Deolinda Barros e Adelina Colaço), Cooperativa Trevim, Junta de Freguesia da Lousã, Comissão de Pais da Escola Primária das Fontainhas, Escola Secundária (Maria Helena Adão, Maria Teresa Valente e António Jorge C. Correia) e Centro de Saúde86. Das actividades desenvolvidas por esta comissão será de destacar a exposição realizada entre os dias 1 e 3 de Junho sobre o tema «Os direitos da criança» e que decorreu nos Paços do Concelho87. A ARCIL afirmava-se como exemplo técnico e formativo tanto externa como internamente: nesse sentido decorreu nas suas instalações de 26 a 29/9/1979 «…um curso de reciclagem para professores do ensino especial. O curso decorreu sob a orientação de uma equipa de técnicos do Instituto Superior de Psicologia Aplicada, dirigida pelo Dr. Victor da Fonseca, tendo sido frequentado por 60 professores dos vários estabelecimentos de ensino especial existentes na zona centro: Mira, Figueira da Foz, Coimbra, Penela e Lousã»88 (vide fotos 20, 21 e 22).

Foto 20 - Acção de reciclagem para técnicos, orientado pelo Dr. Victor da Fonseca, Setembro de 1979. Na primeira fila: Prof. João Graça, Prof. João Rodrigues e Prof. António Maio

«Ano Internacional da Criança-reunião da comissão concelhia da Lousã» In Trevim, 15/11/1979 «Lousã vai comemorar Ano Internacional da Criança» In Trevim, 01/04/1979 88 «ARCIL promove curso de formação para professores do ensino especial» In Trevim, 01/10/1979, p. 7 86 87

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Foto 21 - Curso de Reciclagem orientado pelo Dr. Victor da Fonseca (Professor Catedrático da Faculdade de Motricidade Humana da Universidade Técnica de Lisboa, docente no Departamento de Educação Especial)

Foto 22 - Curso de Reciclagem Dr. Manuel Coquim (primeiro a contar da esquerda), anos 80

A COLÓNIA DE FÉRIAS DO VERÃO DE 1982 «De 1 a 15 de Julho desenrolou-se na Quinta de Frei Gil na Praia de Mira a habitual e ansiosamente esperada Colónia de Férias. Tudo correu às mil maravilhas, incluindo o tempo e o mar, que favoreceram as belas banhocas e o “bronze” da malta. Dizem as más línguas que esse “bronze” foi muito ajudado por produtos caseiros à base de concentrado de tomate. Enfim as habituais partidinhas que ajudam à boa disposição…e não mancham muito a pele!» (vide fotos 23 e 24). «Colónia de Férias» In Pequenada, Ano II, N.º 6, Outubro 1982 CAPÍTULO 2 – Os Primeiros Corpos Gerentes: 1977-1981

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Foto 23 - Colónia de Férias na Obra do Frei Gil, Praia de Mira, anos 80 da esquerda para a direita: Manuela Simões e Emília Gregório Carrinha cedida para a equipa da Lousã se deslocar aos jogos sem fronteiras em Friburgo, Suíca

Foto 24 - Colónia de Férias dos Profundos, anos 90

5. A  CONSOLIDAÇÃO DO PROGRAMA DE OBRAS E OS PRIMÓRDIOS DA SECTORIALIZAÇÃO Ao nível interno, o ano de 1980 foi de consolidação do programa de obras: arrancou com o pensamento na secção «oficina de iniciação a trabalhos em metal», compreendendo uma sala de desenho industrial. No entanto, apenas na reunião de direcção do dia 30/7 se decidiria dar início às obras para as oficinas de serralharia. 128

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A utilização da piscina registava volume crescente procurada pelos mais diversos sectores do ensino no concelho: em Junho, entrava em funcionamento e de forma experimental, para os alunos da ARCIL e Escola Primária89 e, no mês seguinte, passa a servir a comunidade em geral, por 10$ o banho. Com a piscina a funcionar a título de experiência, não foi possível definir de imediato uma programação, algo só possível depois da conclusão de um protocolo entre a Direcção-Geral dos Desportos, a Câmara Municipal e a ARCIL. No ano seguinte, a piscina (única aquecida em todo o concelho) seria utilizada durante o dia por crianças e, à noite, por adultos. Aos fins-de-semana estava «aberta a toda a gente». Fruto destas obras alguns sectores começam a ser repensados, caso da Pré-Profissionalização, iniciando-se pelo princípio de Novembro, o estudo de algumas áreas, nomeadamente: floricultura e jardinagem, construção civil, agro-pecuária, carpintaria, serralharia. No entanto, se havia algo que não poderia parar era a expansão das estruturas da ARCIL. Ao nível da Pré-Profissionalização, dois assuntos assumiam prioridade: a construção do anexo de produção e o projecto para o bloco da Pré-Profissionalização tendo em vista a transferência das instalações provisórias. Em Fevereiro de 1981, a direcção era informada que em Lisboa, e por solicitação do presidente da Câmara da Lousã, Agostinho Teixeira Neto, fora dada ordem ao Arq.º Palma de Melo «…para executar o projecto do bloco da Pré-Profissionalização e que o projecto do novo edifício será objecto dum estudo pedagógico neste Centro»90. O projecto seria aprovado pela DEE e a CML ofereceria 1000 contos «800 dos quais sobre a forma de pagamento do projecto para a construção de oficinas pré-profissionais»91. Estas compreenderam a transferência dos subsectores da carpintaria, serralharia e cerâmica, e foram construídos com subsídios da Gulbenkian (9.000 contos) e equipamento fornecido pelo Min. Trabalho92.

ADA - Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 1977-1981, acta n.º 104, 03/06/1980, fl. 72v. ADA - Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 1977-1981, acta n.º 129, 07/02/1981, fls. 85v-86. 91 «ARCIL: uma realidade actuante que importa conhecer» In Trevim 11/12/1981 92 «ARCIL: uma mão cheia de projectos» In Trevim, 25/12/1981 89 90

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O bloco foi construído de forma modelar: no rés-do-chão, com armazéns, carpintaria, serralharia e pintura (vide fotos 25 e 26); o 1º andar com oficinas de carpintaria pré-profissional e profissional, serralharia, têxteis e cerâmica, e 2º andar com 4 salas de aula. Com forte iluminação natural dos espaços, nele se mantém na actualidade a serralharia e carpintaria (o coração dos serviços de manutenção da ARCIL), enquanto a olaria antes de integrar a actual unidade designada por ARCILCERÂMICA, funcionou na ala nascente junto à sede da ARCILVERDE. Uma pequena unidade têxtil foi também desactivada. Também neste bloco se nota a preocupação de reaproveitar e produzir: os detritos da madeira serviam para aquecimento do espaço, através da caldeira existente no seu interior. Dava-se, assim, continuidade a uma política de reutilização de resíduos produzidos na própria instituição, gerando aquecimentos centrais do Centro D.ª Emilia de Carvalho, Formação Profissional, SAPO, animais e estufas na Agropecuária, entre outros, que se expandiu durante os anos 90. Outra particularidade deste sector, designadamente na carpintaria, foi a aplicação de sistemas de protecção das máquinas, numa época em que os trabalhadores e a sociedade no seu geral não estavam sensibilizados para a segurança no trabalho, nem existia legislação sobre o assunto. Esses sistemas foram estudados no estrangeiro e trazidos para a ARCIL pelo Prof. Carvalhinho em 1984.

Foto 25 - Pré-profissional, primeira etapa (carpintaria e serralharia)

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Foto 26 - Pré-Profissional, início da cobertura do espaço

A 16/06/1981, a direcção da ARCIL solicita à Vogal Helena Adão na qualidade de responsável desde 1979 da Comissão do Ano Internacional da Criança, a aplicação na construção do Parque Infantil (vulgo playground), de uma verba por esta reunida no valor de 36.190$00, a qual foi entregue para tal fim em Setembro do mesmo ano93. Este parque veio a ser construído com o apoio dos Companheiros Construtores em duas áreas: «uma na frente do Centro D Emília,onde antes era jardim, sendo constituído por algumas estruturas em madeira, antigos postes, oferecidos pelos CTT, cortados em perfil quadrado e para além de uma estrutura tipo castelo tinha uns cavalinhos de mola e que foi, fundamentalmente, construído por voluntários Holandeses e que seguia a linha orientadora do que se fazia na Holanda; a outra estava situada na zona onde se situa o campo de basket e o baloiço (junto à actual formação profissional) incluindo uns pneus pendurados a servir de baloiço e umas pequenas casas em madeira»94 (vide fotos 27 A e B). Seguiu-se, em Outubro de 1981, a montagem da cozinha para AVD (Actividades da Vida Diária).

ADA – Actas da Direcção da ARCIL, 1981-1985, acta nº 1, 16/06/1981, fl 2 e acta n.º 5, 30/09/1981, fl. 1 José Ernesto Carvalhinho entrevistado por João Pinho, 19/12/2013

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Fotos 27 A e B - Utentes no playground, anos 80 (actual entrada da Arcil)

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6. O ENQUADRAMENTO DA DEFICIÊNCIA NA ARCIL: DUAS CONCEPÇÕES EM CONFRONTO EM FIM DE MANDATO Esta direcção terminaria mandato em Junho de 1981, apresentando-se fragilizada e desgastada pelos anos continuados de serviço em prol da ARCIL, decidindo não se recandidatar. António Maio afirmava, em reunião da AG de 10/01, que se sentia cansado dos anos à frente da instituição e que era altura de outros se interessarem pela ARCIL. No entanto, seria na reunião de 14 de Junho que se tornaria evidente o grau de conflitualidade latente entre António Maio e a lista entretanto constituída para o substituir. Lamentando a sua não integração escreve uma carta à AG expondo as suas razões: «Não posso aceitar que me digam – e pessoas responsáveis – que levanto os problemas por ciúmes ou para criar dificuldades à Instituição (…) A verdade é que tenho o direito de escolher os companheiros de viagem e nunca gostei de assistir passivamente ao desenrolar dos acontecimentos arcando com responsabilidades de actos com que não concordo». Alerta a AG para a inscrição entre Maio e Junho de 12 novos sócios classificando-os de «sócios eleitoralistas» e agradecendo o recado deixado «na rua» pelo psicólogo: «Sabe o Maio não convém à ARCIL porque é muito duro»95. Mas as razões eram mais fundas do que à primeira vista pareciam ser. Os membros da direcção não comungavam de uma mesma visão sobre o presente e futuro da ARCIL, que sobressaía, por exemplo, no modo como António Maio (Presidente) e José Ernesto Carvalhinho (Secretário), encaravam a dimensão pública de deficiência: no seguimento do peditório realizado para a quermesse da Feira de S. João, os ditos elementos trocariam argumentos, marcando posições antagónicas: Maio repudia a ideia de as crianças inadaptadas andarem pela rua, com os professores, durante as horas lectivas, na Lousã, Poiares e Miranda, por achar que as crianças «não são mostruário caritativo». Carvalhinho relembraria que a decisão foi tomada em anos anteriores por consenso do Corpo Técnico.96. So ADA – Livro de Actas da Assembleia Geral da ARCIL, 1979-1995, Acta n.º 7, 14/06/1981 ADA - Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 1977-1981, Acta nº 144, 12/06/1981, fl. 94

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bre este episódio, acrescentaria Carvalhinho «Na época era visto como castigo sobrenatural ter filhos deficientes. Não era aceite a deficiência, era visto de lado e as pessoas tinham vergonha. Só quem tinha posses lutava. Quando as crianças deficientes começaram a frequentar espaços públicos davam-lhes esmolas. Para mim andar na rua e frequentar, cafés etc, era a forma de complemento à aceitação das pessoas com deficiência e respectiva integração»97. Mas esta visão de Carvalhinho radicava, como o próprio relembra, numa procura global para alargar de conhecimentos: «Fiz formação em França (3 meses), onde alarguei conhecimentos, usufruindo duma bolsa de estudo concedida pelo Instituto Luso Francês. Ali recebi um banho de cultura de reabilitação pela formação polivalente. Uma perspectiva europeia que trouxe para Portugal, em especial a da integração nas escolas e nas empresas»98. Aproximava-se um momento de viragem no rumo da instituição. Em breve António Maio abandonaria a presidência, sendo substituído por João Marçal. António Maio justificou o seu afastamento: «Em 1980, já não me candidatei à direcção, por verificar que não tinha meios humanos, para manter a ARCIL a cumprir os seus objectivos. A mania da grandeza (corpos gerentes) era tal, que quando falava, apontando erros, fi-lo no deserto, porque ninguém quis ouvir. Hoje, infelizmente, o tempo deu-me razão»99. João Marçal chamaria para Vice-Presidente José Carvalhinho, ex-Secretário de Maio. Duma forma mais notória e progressiva, a ARCIL abriu-se ao exterior. Desse tempo, contam-se episódios curiosos, que reflectem a forma como era vista a deficiência na altura. Quando as pessoas com deficiência começaram a frequentar locais públicos, como vimos, davam-lhes esmola, uma visão caritativa da deficiência. Mas, gradualmente, esta cultura de integração veio a revelar-se uma característica diferenciadora da Lousã: quando a sociedade, sob olhares incrédulos começaram a ver os deficientes a sentarem-se numa mesa de café e pagarem o serviço com o seu próprio dinheiro, proporcionado pela autonomia económica como compensação do trabalho realizado.

José Carvalhinho entrevistado por João Pinho, Março 2012 José Carvalhinho, entrevistado por Marta Ramos, 25/10/2011 99 António Maio – Memorando, 1995 97 98

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João Graça destaca este momento particular da história da ARCIL: «Com o Carvalhinho iniciámos o movimento de inclusão: abrimos as portas do Cabo do Soito e fomos para a comunidade»100. O PROFESSOR ANTÓNIO MAIO – O TESTEMUNHO DE UM COLEGA «O Senhor Professor António Maio faleceu no dia 15 de Agosto de 2014. O desaparecimento físico de alguém é, segundo a Natureza, uma etapa da vida. Sabemos da consternação da Família, Amigos e comunidade pela perda do seu ente querido. No entanto, o Senhor Professor António Maio apenas desapareceu fisicamente, porque continuará entre nós. O passado grandioso do Professor está inscrito em testemunhos vivos que perpetuarão a sua memória. É o caso da ARCIL – Associação para a Recuperação de Cidadãos Inadaptados da Lousã. O Boletim Informativo da ARCIL pediu-me para escrever umas palavras de homenagem ao Professor António Maio. Tarefa muito grata e que muito me honra, mas difícil perante a grandiosidade da personalidade e da acção do Professor Maio. As presentes palavras traduzirão sempre a minha modéstia face à dimensão da generosidade e do saber do meu Mestre. Tive a honra de ser um dos seus “ discípulos” na Escola de Cabo Soito que é a nossa ARCIL. Recordo-me, com infinita saudade, emoção e reverência quando, apesar da minha tenra idade na profissão de Professor, o Mestre Maio me tratava por Colega, transmitindo-me uma grande humildade e saber, que eu procurei guardar na minha vida. Não esqueço que a ARCIL teve as suas discussões aguerridas e participadas sobre o seu modelo e caminho a seguir, mas sempre foi um espaço democrático, no qual, muitas vezes o que parecia teimosia do Professor Maio, não era mais do que persistência e generosidade de um grande Homem. Nunca se afirmou como “dono” da ARCIL, nem nunca se serviu da Instituição.

João Graça entrevistado por João Pinho, 10/10/2013

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Retomo algumas das palavras que escrevi por ocasião do 31º aniversário da abertura da ARCIL às crianças e jovens com deficiência. O Senhor Professor António Maio foi um dos Pais fundadores da ARCIL. Foi o primeiro Presidente da Direcção e mais tarde Presidente da Mesa da Assembleia Geral. Foi o “timoneiro de um barco que deu o primeiro e grande salto na cascata de um sonho” que se tornou realidade até aos nossos dias…a ARCIL. Trabalhou arduamente pela instalação da ARCIL. Foi intransigente na defesa pelo respeito do direito à diferença das pessoas com deficiência, lutando pela qualidade de vida das mesmas, promovendo a sua inclusão social. Liderou uma Equipa Técnica, sem meios, sem dinheiro ou equipamentos, em tempos muito difíceis, mas onde existiu vontade, determinação e brio profissional. O Professor António Maio foi um líder habituado às difíceis lides da pedagogia, muitas vezes esmagada pela burocracia de alpaca de certa gente deum qualquer “poderzinho”. Foi determinado porque sabia ao que vinha. Foi um Pai/ Professor, por vezes pragmático, mas lá no fundo um sonhador que compreendia a realidade da vida, não fosse ele um Senhor da Didáctica. Foi um revolucionário para a época. Ao respirar os ares da revolução de Abril tomou a peito que poderia lutar para que os seus filhos e os filhos dos outros tivessem um lugar de reconhecimento e de afirmação de cidadania. Era tempo de começar a olhar as pessoas com deficiência como pessoas de plenos direitos jurídicos e… sociais. Existiam muitas dificuldades. Nada demoveu o Senhor Professor. A sua determinação estava lá e propagou-a para o futuro e cá temos a ARCIL a continuar o seu caminho, sem esquecer um Homem que um dia teve um sonho, que lutou energicamente por ele e que “lá ao longe nos acena e incentiva para continuarmos”. Pode crer Senhor Professor…nós vamos continuar com a Obra que iniciou e nos ensinou a amar e a respeitar. Bem-haja por tudo o que fez pela nossa ARCIL. Até sempre Colega». [João Graça, Professor/ Presidente da Assembleia Geral da ARCIL In ARCIL’nfo – Rostos, Ideias, Ações, nº 10, Junho-Setembro, 2014, p. 2]

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«E assim, dia a dia, vamos construindo o nosso Centro, visando dar aos alunos com quem trabalhamos o maior número de armas possível para poderem lutar, de igual para igual, por um lugar muito ao sol na nossa sociedade» [«Obras na A.R.C.I.L» In Pequenada, N.º 10, Fevereiro, 1983]

«Enquanto Presidente dei todo o apoio possível às várias necessidades que me eram presentes pelo Carvalhinho: cedemos o edifício da cadeia, loja da praça Cândido dos Reis, o terreno para fazer a serração, o terreno para o Centro de Trabalho na Quinta de Santa Rita, o apoio à Quinta do Caimão e à ARCILCerâmica, o apoio com máquinas e materiais na Silveira» [Horácio Antunes, ex-presidente da CM Lousã, entrevistado por João Pinho, 16/12/2013]

«A ARCIL é a instituição do concelho da Lousã que maior respeito nos merece. Fez a obra que tem. O que seria do concelho da Lousã sem a ARCIL? Como as famílias tratariam os seus deficientes? É uma obra com 35 anos que parece ter mais de 100 anos! É uma obra extraordinária» [João Franca, Provedor da Santa Casa da Misericórdia da Lousã, entrevistado por Marta Ramos, 2011]

«A ARCIL era uma referência o que causava muitas invejas. Porque os seus projectos estavam muito à frente dos outros. Quando se começa a falar de emprego protegido é na ARCIL, quando se começa a falar de residências para autónomos é na ARCIL...O Carvalhinho estava sempre muito avançado nos projectos. Não era um passo, eram dez passos, fosse no trabalho com crianças ou adultos». [Isabel Maia (antiga responsável pela Coordenação Regional Centro Litoral da Divisão de Ensino Especial) entrevistada por João Pinho, 28/10/2013]

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Em Junho de 1981, assumiu a presidência da ARCIL João Marçal, tendo como Vice-Presidente José Ernesto Carvalhinho de Paiva, até então Secretário da direcção presidida por António Maio. Saiam eleitos no âmbito de lista única apresentada aos órgãos sociais, num momento conturbado ao nível directivo e em plena discussão aberta sobre o rumo a tomar para a ARCIL se consolidar, autorentabilizar e autossustentar. José Carvalhinho entrara na ARCIL em 1978, como professor, respondendo afirmativamente a um convite do Prof. António Maio. Aos poucos a sua influência e conhecimento foi-se alargando, fruto dos múltiplos contactos que desenvolveu, a partir de Junho de 1981, quando na divisão das tarefas da coordenação da direcção assumiu a pasta das obras e contactos externos101. Contudo, e como o próprio relembra, a sua situação era especial: «Estive sempre destacado como professor. O destacamento pela Divisão de Ensino Especial e dispensa de serviço lectivo eram justificados pelo Ministério da Educação tendo em atenção o trabalho pedagógico que fazia e gestão de novos projectos, justificados por fins técnicos»102.

ADA – Actas da Direcção da ARCIL, 1981-1985 (pasta), nº 1, 16/06/1981, fl. 2 José Ernesto Carvalhinho, entrevistado por Marta Ramos, 25/10/2011

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As primeiras medidas tomadas pela nova direcção apontam no sentido da pacificação interna: por proposta da sua direcção, é aprovado em AG, no dia 14 de Junho 1981, um voto de louvor ao presidente cessante, Prof. António Maio, por unanimidade realçando o seu «… trabalho e dinamismo desde a criação da Associação». Contudo, António Maio reagiria de forma violenta contra a direcção após ter aprovado, em 1983, uma gratificação ao Presidente da Instituição, considerando que tal medida violava os estatutos e desvirtuava o sentido dos objectivos para que foi criada103. Tratava-se aqui da decisão tomada pela direcção a 29/09/1983 em atribuir um subsídio «…referente ao desempenho de funções de gestor da Associação, funções executivas que efectivamente exerce e que acarretam um acréscimo considerável de horas de trabalho. São funções distintas das inerentes ao cargo de presidente da Direcção que, obviamente, por imposição estatutária, são desempenhadas gratuitamente. Esse subsídio será de 15.000$00»104. O crescimento da instituição seria acompanhado de perto por várias individualidades, que vieram constatar in loco os progressos. Durante o ano de 1982, por exemplo, visitaram a ARCIL; o Governador Civil do Distrito, Manuel Dias Loureiro, o Secretário de Estado do Emprego, Luís Morales, Teresa Macedo, da Direcção do Ensino Especial de Lisboa, Ernesto, da Direcção de Ensino Especial de Coimbra, o Secretário de Estado dos Desportos, Vaz Serra e Moura, Mário Vaz da DG do Equipamento Rural e Urbano, várias escolas do ensino especial, alunos da escola secundária da Lousã, do Magistério Primário de Coimbra. E, em 1986, seria visitada pelo Secretário de Estado da Segurança Social, Pinto Sancho (vide conjunto de fotos pp. 141-145).

António Maio entrevistado por João Pinho, 01/07/2013 ADA – Actas da Direcção da ARCIL, 1981-1985 (pasta), acta n.º 2, fl. 2

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Visitas oficiais

1986 - Visita do Secretário de Estado da Segurança Social, Dr. Pinto Sanches

1988 - Visita do Primeiro-Ministro Cavaco Silva (primeiro plano); da esquerda para a direita: Luís Filipe Pereira (Ministro da Saúde), Carvalhinho (Presidente da Arcil), Fernando Nogueira (Ministro da Presidência) e Silveira Ribeiro (Presidente do CRSS Coimbra)

1988 - Visita do Primeiro-Ministro Cavaco Silva

1990 - Visita da Primeira Dama, Maria Barroso (ao SAPO); da esquerda para a direita: José Gaspar, Maria Barroso, Carvalhinho, Joaquim Almeida, ??, ??, Horácio Antunes (presidente CM Lousã), Lucília Salgado (direcção da Arcil) e José Metello

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Visitas oficiais 1990 - Visita do Ministro do Emprego e Segurança Social, Silva Peneda, ao SAPO da esquerda para a direita: João da Franca (Provedor da SCM Lousã), Dias Correia (IEFP, Lisboa), Oliveira Alves (CRSS de Coimbra), Rama Ferreira (IEFP, Coimbra), José Gaspar (Monitor Arcil), Jaime Ramos (Governador Civil), Luís Torres (Direcção da Arcil), Carvalhinho (Presidente da Arcil), Horácio Antunes (Presidente CM Lousã) e Silva Peneda

1992 - Visita do Secretário de Estado da Saúde, José Martins Nunes (ao centro) Carvalhinho (à esquerda) e Jorge Fontes (à direita) 1992 - Visita do Secretário de Estado, Bagão Félix (ao centro) da esquerda para a direita: Arménio Bernardes (Delegado Regional da Delegação Regional do Centro do IEFP), Carvalhinho, Armando Nunes da Silva (Sub Delegado - área do emprego - da Delegação Regional do Centro do IEFP) e João Lacerda Mexia (Sub Delegado - área da formação - da Delegação Regional do Centro do IEFP)

1993 - Visita do Governador Civil, Pedroso de Lima (oferta de candeeiro fabricado na Arcil)

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Visitas oficiais

1994 - Visita do Secretário Nacional da Reabilitação, António Charana, à olaria (edificio da pré-profissional) 1994 - Visita ao arranque das obras para ArcilCERÂMICA (apresentação do projecto in loco) da esquerda para a direita: Arq. Aristides Lourenço (GAT Lousã), António Barroso (Director Adjunto do INR), Eng. Parola Gonçalves (CM Lousã), Oliveira Alves (SS de Coimbra), Carvalhinho, Jaime Ramos (ADFP), António Charana (Secretário Nacional de Reabilitação), José Barros (Presidente da APCC de Coimbra) e Fátima Januário (APCCC)

1994 - Visita do Presidente da República, Mário Soares (à direita), ao projecto ArcilSERRA (Silveira) da esquerda para a direita: Carvalhinho, Jorge Lacão (Deputado do PS), Dias Loureiro (Ministro da Administração Interna)

1994 - Na mesa principal e da esquerda para a direita: Eduardo Neto (de costas), Romeu Milheiro Dias, Jorge Alves, Parola Gonçalves, Américo Baptista João Pereira, e Alexandre Leitão Em pé e à direita: Vitor Maia e Costa Na mesa da esquerda: Jorge Cosme (Presidente CM Miranda do Corvo) José Dias Coimbra (Presidente da CM Arganil), Eng.º Távora (EDP) e Moura Maia (Gat).

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Visitas oficiais

1999 - Visita do Ministro do Trabalho e da Solidariedade, Ferro Rodrigues (à esquerda): inauguração do Lar de Profundos na SCM Lousã da esquerda para a direita: Carvalhinho e João da Franca (Provedor da SCM Lousã)

2009 - Visita da Ministra da Saúde, Ana Jorge (ao centro) no âmbito da campanha eleitoral da esquerda para a direita: Luís Antunes (vice-presidente da CM Lousã), Pedro Coimbra (distrital do PS), Marques Leandro (presidente da Arcil) e Fernando Carvalho (presidente da CM Lousã)

2009 - Visita de Francisco Louçã (à direita) e José Pureza (à esquerda) à Arcil, no âmbito da campanha eleitoral - Ana Abrantes (ao centro), coordenadora da Formação Profissional

2010 - Visita da Dra. Manuela Eanes, no âmbito da candidatura feita ao Prémio Manuel António da Mota da esquerda para a direita: Fernando Carvalho, Marques Leandro e João da Franca

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Visitas oficiais

2010 - Inauguração do CEO Idália Serrão (Secretária de Estado Adjunta e da Reabilitação)

2013 - Visita do Secretário de Estado da Segurança Social, Marco António Costa, ao CEO (actuação do Rancho Folclórico da Arcil)

Como relembra João Graça, o interesse de pessoas e instituições tinham uma excepcional razão de ser: «A ARCIL na época era um mundo à parte. As pessoas com deficiência mental estavam em casa»105. Isabel Maia, Coordenadora da Região Centro Litoral da Divisão de Ensino Especial, visitou a ARCIL pela primeira vez em 1981, ficando desde logo impressionada com o que via: «Que aquilo era uma fábrica, um local onde se trabalhava imenso. Onde os deficientes não estavam desocupados. Era paradigmático, porque quando visitávamos outros estabelecimentos, como as Cerci, tudo o que faziam era para ocupar o tempo, para estarem entretidos. O que se fazia tinha de ter utilidade, não só para todos, como para cada um deles. Sentiam-se úteis, que pertenciam à comunidade, o que os satisfazia imenso»106.

João Graça entrevistado por Marta Ramos 09/02/2011. Professor destacado, responsável pelo CEP e Presidente da Mesa da AG da ARCIL. 106 Isabel Maia entrevistada por João Pinho, 28/10/2013 105

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A 26 de Junho de 1983, José Ernesto Carvalhinho de Paiva sucederia a João Madeira Marçal como presidente da direcção. Era o momento de catapultar a ARCIL para voos mais altos. Carvalhinho demonstraria uma vitalidade e força impressionante na condução dos destinos da instituição: enquanto a saúde o permitiu foi o grande timoneiro da ARCIL ao longo de 17 anos, correspondentes aos 9 mandatos para que foi sucessivamente eleito. A sua liderança corresponderia a um projecto para a ARCIL, que Isabel Maia define do seguinte modo: «Ele tinha um caminho a percorrer e que percorreu a partir do momento em que começou a liderar a ARCIL: Qual a melhor forma de integrar aquelas pessoas? Dando a cada pessoa um papel importante. Ele vivia para aquilo. Era uma referência para todos, em congressos ou visitas internacionais. O Carvalhinho era a ARCIL, a ARCIL era o Carvalhinho. Era a alma da ARCIL»107. João Graça destaca a visão alargada de Carvalhinho: «Com o Carvalhinho a ARCIL não poderia continuar a ser aquilo que era: uma escola de ensino especial. Os tempos eram outros. Olhávamos para a Europa e noutros países já se promovia a inclusão escolar. Tínhamos de dar respostas: pensámos na Formação Profissional e depois no Emprego»108. Em 1995 Carvalhinho justificava as razões da afirmação da instituição como a principal IPSS da Lousã: «Deve-se a uma filosofia inicial de dar resposta ao deficiente no seu todo, congregando os esforços de uma equipa extremamente dedicada à causa da deficiência. Conseguimos avançar com um conjunto de projectos bastante válidos, que colheram apoios a varios níveis, do religioso ao político. As igrejas apoiaram-nos, da católica aos protestantes, e os governantes fizeram o mesmo, independentemente da sua cor politica. E isto porque procuramos sempre ser apolíticos e tolerantes em questões de religião»109.

Isabel Maia entrevistado por João Pinho, 28/10/2013 João Graça entrevistado por João Pinho, 10/10/2013 109 Jornal da Lousã, 03/02/1995, Ano 1.º, n.º 6, p. 6 107 108

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«O Carvalhinho teve um papel preponderante não só na visão da inserção/ Integração como uma visão muito global de todas estas necessidades. Sem menosprezo para qualquer outro dirigente, foi com o Prof. Carvalhinho que a ARCIL teve um boom, avançando a vários níveis e para vários objectivos. Por exemplo, não era só ter aqui as pessoas, mas dar satisfação às suas necessidades, de se sentirem mais gente, de desenvolverem a sua personalidade» [João Pereira entrevistado por João Pinho, 15/11/2013]

«Havia o grupo das Cercis, o das APP, cada qual com emanação nacional para a área da Reabilitação. O caso da ARCIL era diferente, representava-se por si». [António Charana entrevistado por João Pinho, 19/12/2013]

1. CONSOLIDAÇÃO, PIONEIRISMO E INOVAÇÃO: 1982-1987 1.1. A CONTINUIDADE COM O PASSADO

No projecto global da instituição, datado de Julho de 1982 e apresentado à Fundação Gulbenkian por essa altura para obtenção de apoios, a ARCIL surge dividida em duas grandes áreas: o Sector Pedagógico e o Sector Infraestrutural (vide doc. 6). Trata-se de um documento muito importante, na medida em que situa não só o o realizado em cada sector, mas também o programado para os anos seguintes110: Sector Pedagógico: constituído pelo Anexo de Produção/Madeiras; Pré-Profissionalização; Unidade Residencial; Sector de Apoio Pela Ocupação; Integração da Infantil na Creche e Lar para Profundos. Para o curto prazo (até

ADA - «Organigrama e Estruturação», Julho 1982 In ARCIL – DA INSTITUIÇÃO,

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1981/1982 (dossier).

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2 anos) previa-se a integração na indústria de grupos do SAPO, bem como a Ampliação do Anexo. E, para o médio prazo (5 anos): admitia-se a construção de mini-unidades de produção no exterior – oficina de sapataria, cunicultura, suinicultura, avicultura, caracóis e cogumelos. Sector Infraestrutural: havia-se realizado a cobertura do recreio de Inverno (área do antigo pátio, que depois foi garagem e onde hoje se localiza o refeitório e bar), a piscina, armazéns do Bloco da Pré-Profissionalização, alcatroamento (1ª fase), oficina de carpintaria, play-ground (1ª fase), Anexo de Produção (madeiras), Electrificação (Armazéns e recreio de inverno), bocas-de-incêndio, estrada para entrada de cadeira de rodas, e equipamento da Unidade Residencial. Em construção tinhamos o Parque de Recreio (Infantil), o Bloco da Pré-Profissionalização, a Pecuária e a pintura interior de portas (salas de aula). Já projectado estava o alcatroamento (2.ª fase), o Play-ground (2.ª fase), agricultura exterior, cozinhas e refeitório (vide foto 28), apartamento A.V.D., lavandaria, Posto de Transformação e Ampliação do Anexo. Como áreas a projectar: Agricultura – Estufas (quente e fria), Armazém T.M., Escada de acesso T.M., Sala para profundos, W.C., Remodelação WC e Ginásio (vide fotos 29 e 30). Até meados dos anos 80 a ARCIL foi essencialmente uma escola de ensino especial, mantendo uma organização bem definida que se foi estruturando desde os primeiros anos da instituição e que seria convertida no Projecto Pedagógico desenhado pelo psicólogo Mário do Carmo Pereira entre 1982 e 1985, o qual assentava em duas grandes unidades111: •U  nidade 1 – GLOBAL. Organizada em 3 grupos distintos, segundo idades e características: Infantil, Profundos Dependentes e Escolarizáveis. Sobre os profundos dependentes alude à proposta feita à SCML tendo em vista a formação de um lar para os jovens pernoitarem durante a semana ou residirem em caso de doença dos pais.

ADA - «Projecto Pedagógico» In ARCIL – PROJECTO GLOBAL DA INSTITUIÇÃO,

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1981/1982 (dossier).

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• Unidade 2 – Pré-Profissionalização. Dividida em 2 sectores: Educáveis e Treináveis. Esta unidade englobava ainda o Sector de Apoio Pela Ocupação. Nesta altura, e duma forma muito genérica, os alunos estavam divididos em dois sectores – até aos 12 anos e dos 12 aos 23 – de acordo com as suas características: «Os alunos estão divididos em diversas turmas de acordo com o seu desenvolvimento e objectivos propostos: 1 turma de deficientes profundos dependentes 2 turmas destinadas a crianças que necessitem de aquisições sensoriais básicas 2 turmas de crianças que necessitam de consolidação de aquisições sensoriais básicas e com possibilidade de iniciação de leitura e escrita 1 turma composta na maioria por casos de inadaptação escolar 1 turma de escolarização com alunos que terão possibilidades de, mais cedo ou mais tarde, chegar ao nível da 4.ª classe 1 turma de actividades da vida diária 2 turmas de pré-profissionalização 1 turma de profissionalização em carpintaria com oficina industrial própria Os sectores de educação física e musicoterapia dão apoio a todas as turmas existentes, o mais individualmente possível»112.

Vide Pequenada, N.º1, Ano 1.º, Fevereiro 1982, pp. 1-3

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Doc. 6 - Organigrama de Estruturação, 1982

Foto 28 - Refeitório (actual Sala Jorge Carvalho)

Fotos 29 - Alunos no 1.º ginásio, onde também funcionou o judo (secretaria na actualidade)

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Foto 30 - Actividades no ginásio orientadas pela Prof.ª Ana Gouveia, 1981/82

Foto 31 - Sala infantil, princípio dos anos 80 (actual gabinete de Formação Profissional)

Foto 32 - Profundos no recreio, anos 80 da esquerda para a direita: Mário do Carmo Pereira (psicólogo), Filomena Gomes, Lurdes Pinto, Teresa Ferreira, Cristina Tomás, Lurdes Neves (auxiliares) de costas: Anja Mastelling (terapeuta holandesa)

Foto 33 - Sala de actividades da professora Zé Malta, 1979

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Importa aqui realçar que o funcionamento dos Programas de Pré – Profissionalização, iniciado em 1981/1982, tornou-se cada vez mais importante e relevante no contexto da dinâmica interna da instituição. A Pré-Profissionalização destinava-se a alunos com idade inferior a 14 anos, em especial para aqueles que frequentavam a escola preparatória da Lousã, e que não tendo idade para ingressarem na formação profissional, tinha oportunidade de se integrarem numa área de transição, que os possibilitava para o treino de uma actividade profissional futura. A pré-profissionalização era parte fundamental do já referido Projecto Pedagógico da instituição baseado também numa determinada orientação pedagógica: «As capacidades individuais do grupo “pré-profissionalização” serão bastante diferentes percorrendo um leque que vai desde débeis profundos a débeis ligeiros. Daí a necessidade de subdividir em dois sub-grupos: grupo de treináveis e grupo de educáveis. O grupo de treináveis será formado por débeis profundos que já tendo passado por uma classe sensorial mostrem alguma capacidade no manejo de ferramentas. O grupo de educáveis será formado por débeis médios e ligeiros que já tendo frequentado a escola regular e/ou classes de escolarização no ensino especial, irão prosseguir na aprendizagem das áreas dos currículos do ensino regular, a par da iniciação em áreas pré-profissionais. É de referir que se continuará a dar importância às Áreas dos Currículos do Ensino Regular, por serem factor socialmente sobrevalorizado. Porque essa valorização já foi interiorizada pelos jovens advêm do insucesso escolar sentimentos de inferioridade, que irão bloquear todas as suas potencialidades. Um dos primeiros passos a dar é a descoberta de qualquer talento ou interesse especial do jovem para a partir do trabalho que esteja de acordo com a sua capacidade de realização e que seja significativo, se desenvolver a reeducação não só da “aprendizagem” mas também do “comportamento”»113.

ADA - «Ante-Projecto Pedagógico, ARCIL» 13/08/1983, p.12, In Pré-Profissionalização (Dossier)]

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Para atingir os seus fins, a ARCIL dispunha já nos princípios de 1982 de duas pré-oficinas: «trabalhos de madeira e metal» e uma olaria para «sensibilização aos trabalhos em barro» 114. Como pressupostos vitais para o sucesso do projecto pedagógico consideraram-se os seguintes: a especialidade individual; centração das actividades no sector oficinal, profissional, e nas motivações ambientais; insistência ou preponderância dos conteúdos ligados a uma efectividade eminentemente prática; flexibilidade dos conteúdos e respectiva abordagem; ter em conta o contributo dos alunos na programação das actividades; programação quinzenal das tarefas; avaliação contínua e apurada; e perfeita correlação entre as várias áreas e sectores. Por esta altura o crescimento técnico da ARCIL resulta, em parte, dos estágios e visitas técnicas ao exterior, que passam a ser estimulados e apoiados. Nesse sentido, será por razões formativas e de aprendizagem que o psicólogo Mário do Carmo Pereira frequentaria um estágio na Holanda entre 10/4 e 6/5 de 1983 em instituições de ensino a deficientes, vindo a apresentar relatório à instituição no regresso. O esquema organizativo a implementar no Centro D. Emília Carvalho levou a que a direcção pedisse, em princípios de 1984, propostas e contributos internos, aos responsáveis de cada sector. A partir da subdivisão em três grandes sectores considerados essenciais - Administrativo, Pedagógico e Laboral – pretendia-se estabelecer serviços racionalmente estruturados. O caso do Sector Pedagógico acusaria significativa evolução: o projecto pedagógico elaborado em 1982 seria aperfeiçoado nos anos seguintes, conduzindo a um anteprojecto em 1983 e a uma nova estrutura pedagógica da Associação já em funcionamento em 1985, que dava apoio a um total de 98 utentes: A) Uma Classe Infantil: compreendendo 16 crianças, com idades 3-10 anos, integradas num Jardim de Infância oficial «onde exercem as suas actividades diárias conjuntamente com outras crianças ditas normais.

Pequenada, N,º 2, Ano 1.º, Março 1982, p. 2

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Contam com um apoio especializado de uma Educadora e duas vigilantes com Funções Pedagógicas» (vide foto 31); B) Uma classe de deficientes profundos, compreendendo 7 crianças com apoio de uma terapeuta especializada: «Objectivos são de estimulação geral e de apreensão de um máximo de independência pessoal (alimentação, mobilidade e higiene) (vide foto 32); C) Duas classes de deficientes treináveis, com 14 jovens, de 12-30 anos, com apoio especializado de uma Terapeuta, uma Educadora de infância e 2 vigilantes com funções pedagógicas. «Objectivos essenciais são os de um treino social intenso, englobando treino de transportes, alimentação, frequência de estabelecimentos comerciais» (vide fotos 33, 34 e 35); D) Uma área de trabalho, denominada Sector de Apoio Pela Ocupação (SAPO): composto por 10 jovens dedicados à aprendizagem e execução de determinadas tarefas de carácter repetitivo (produção de escalfetas, electrificação de candeeiros e outras), Trabalha em conjunto com as duas classes anteriores, conta com apoio de 2 monitores e 1 responsável geral; E) Duas classes de escolariedade, com 14 crianças em idade escolar. Visando preparação escolar básica e treino social intenso. Apoio de 2 professores do ensino primário e 1 vigilante com funções pesagógicas; F) Sector de Pré-Profissionalização, onde recebem formação cerca de 37 jovens, distribuídos por diversas áreas: Carpintaria/Madeiras; serralharia/Metais; Têxteis; Olaria/Cerâmica/ (vide foto 36); Têm também apoio escolar específico, contando com apoio de 4 professores de ensino primário, 2 do ensino preparatório e 2 do ensino secundário e 7 monitores115.

ADA - «Estruturação pedagógica da Associação» In ARCIL HISTORIAL E CARACTERISTICAS, 1985 (Dossier)

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Foto 34 - Treináveis graves em limpeza do espaço, anos 80

Foto 35 - Prof. Branco Pires e auxiliar Teresa Ferreira (1.º andar da sede - sala ocupacional dos treináveis), anos 80

Foto 36 - Olaria na sede (actual serralharia), anos 80

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Todo o trabalho do Sector Pedagógico da ARCIL conduziria a uma inovação em Portugal: a elaboração dos Programas Individuais de Educação. Mário do Carmo Pereira foi o responsável pelo arranque dos currículos individuais da ARCIL e recorda a difícil conjuntura que se vivia por volta de 1980: «As condições próprias e as da educação especial em geral não eram, então, as mais propícias para um trabalho assente em métodos científicos de intervenção pedagógica. Assim, os educadores socorreram-se dos seus conhecimentos e experiências adquiridos no ensino regular e tentaram adaptar-se as circunstâncias específicas do novo trabalho. Procurou-se adequar a programação a partir dos curricula do ensino regular pré-primário e primário e utilizaram-se algumas escalas de desenvolvimento como orientação para o trabalho com os grupos de alunos de nível grave e profundo»116 E seria o inconformismo e dificuldades da equipa técnica que levariam a um avanço extraordinário em termos pedagógicos: «A necessidade de alterar este estado de coisas, tornou-se uma urgência sentida por toda a equipa, pois que juntamente com a falta de experiência e formação dos técnicos, criava formas de intervenção pedagógica artesanais e inconsequentes, onde os programas, registos e avaliações eram ao sabor de cada educador, descritivos e subjectivos, de tal modo, que se tornavam, por vezes, incompreensíveis para os próprios colegas. Pareceu-nos na altura (1981), que a solução seria a construção de um curriculum adaptado às necessidades específicas dos nossos alunos, mas havia mais vontade que meios para o conseguir. A construção do primeiro esboço surgiu, devemos dizê-lo, na sequência de uma acção de formação orientada pelo Professor Larsen da Universidade do Texas [Acção de formação promovida pelo Ministério da Educação (D.E.E.) e pela Faculdade de Psicologia do Porto em Maio e Junho de 1981] Desta acção

ADA - «Projecto de Curricula para Deficientes Mentais», 1987, p. 6 In ARCIL-HISTÓRICO

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aproveitámos algumas pistas para a procura de uma resposta à questão: o que vamos ensinar aos alunos?»117. Esta questão era particularmente sentida nos grupos de alunos graves e profundos. O primeiro esboço seria organizado segundo o modelo proposto pelo professor Larsen na referida acção de formação: «O primeiro esboço destinou-se à área de Independência Pessoal, pois os educadores sentiam especiais dificuldades em a abordar. Subdividimos esta área em quatro subáreas: Alimentação, Higiene, Vestuário e Locomoção (…) (vide foto 37) Fizemos, pela primeira vez, a aplicação deste esboço em Outubro de 1981 nos grupos de profundos, infantil e sensorial (como então chamávamos). Conseguimos fazer uma avaliação dos alunos no Curriculum, verificando o que eles já tinham adquirido e, a partir daí, elaborámos Programas Educativos Individuais anuais. Os técnicos que fizeram esta experiência gostaram, o que motivou a equipa para continuar a aprofundar e organizar novos esboços curriculares para outras áreas. No ano seguinte abordámos as áreas do comportamento social e, depois, a área académica e vocacional. 118 A partir de então os curriculuns passariam por várias fases ou versões. Assim, em Setembro de 1986, a equipa técnica da ARCIL organizaria de forma específica um Curriculum para Profundos e Treináveis que seria colocado em funcionamento ainda nesse ano lectivo (1986/87). Em termos metodológicos, dele se retiraram os conteúdos exclusivos para os alunos educáveis e definiram-se as seguintes áreas: Independência Pessoal, Comportamento Social, Area Académica ou Cognitiva e Programa de Actividades Manuais119. No ano seguinte, e no âmbito de uma investigação conjunta da ARCIL e CERCIAV, que contou com o apoio da Fundação Gulbenkian seria desenvolvido o Projecto de Curricula para Deficientes Mentais, tendo como coordenadores Mário do Carmo Pereira (ARCIL) e Fernando David Vieira (CERCIAV) e Supervisores Joaquim Bairrão Ruivo e Jorge Coelho da Silva.

Idem. Idem. pp. 7-8 119 ADA - «Dossier de Programas/Curricula», Setembro 1986, p. 2 In In ARCIL-HISTÓRICO 117 118

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Estes programas tornaram-se as traves mestras do trabalho educativo na ARCIL, contrariando a «utilização excessiva da perspectiva desenvolvimentista na educação especial, pois entendemos que cada aluno deverá seguir um percurso adaptado às suas necessidades individuais, sem que os forcemos a todos a fazer o mesmo percurso, com o pretexto de que têm de seguir os vários passos do desenvolvimento, fixados por uma qualquer escala que entendamos utilizar»120. A organização metodológica dos curricula estabilizaria em dois níveis distintos: um para profundos e treináveis e outro para os educáveis, embora com as mesmas áreas: Independência Pessoal, Comportamento Social, Académica e Vocacional. Todo este trabalho experimental e inovador de quase uma década de investigação seria vertido para a obra Uma Perspectiva de Organização Curricular para a Deficiência Mental, (Textos de Mário do Carmo Pereira e Fernando David Vieira, com a participação das equipas técnicas da ARCIL/Cerciav/EEEI da Lousã), patrocinado pela Fundação Calouste Gulbenkian e editado pelo Serviço de Educação, em 1992. Helena Montez121, psicóloga educacional que assumiu na ARCIL, em 1990, as funções desempenhadas por Mário do Carmo Pereira, reconhece a importância daquela organização curricular individual: «Muito importante na ARCIL, porque desenvolveu uma coisa quase única que ainda hoje se utiliza que são os currículos funcionais para se poder desenvolver um programa individual para cada utente. Cada pessoa com deficiência tinha os seus objectivos de trabalho e desenvolvimento. Encontrei este grande instrumento de trabalho, a base para que depois pudesse ajudar os colaboradores que estavam no CAO a definir para esta pessoa quais são dentro das áreas de autonomia, de vida diária, de motricidade, o que cada um tinha como metas a atingir. Tinhamos de construir um percurso para cada pessoa. Ainda hoje em-

ADA - «Projecto de Curricula para Deficientes Mentais», 1987, p. 7 In ARCIL-HISTÓRICO Trabalhou no CAO, deu apoio ao PIL (Projecto Integrado da Lousã) e à Intervenção Precoce. Saiu da ARCIL em 1997 por razões familiares. Desempenha actualmente as funções de Técnica Superior da CM Cartaxo na equipa de intervenção precoce da Comissão de Protecção de Crianças e Jovens.

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Foto 37 - Sessão de psicomotricidade Prof. Jorge Coelho (actual secretaria), 1980

presto o livro a muitos colegas para se orientarem em diversas instituições Era um livro muito bem construído e especificado. Era uma construção do Mário, foi fundamental»122 No relatório de 1988 sobre a Pré-Profissionalização escrevia-se: «O funcionamento do sector da Pré-Profissionalização foi marcado este ano lectivo pela utilização dos novos curriculuns e respectiva programação – que devido à sua juventude colocaram alguns problemas não lhe tirando por isso o valor importantíssimo que possuem – e pela pretensa autonomia do sector que na prática não se verifica devido ao facto de haver uma ligação da Pré, praticamente com todas as questões de funcionamento do Centro Educacional»123. Ainda sobre a olaria, a ARCIL e a CML firmariam, em Abril de 1985, um protocolo de elevado sentido histórico: «Com o objectivo de criar um artesanato que defina as características do concelho, no campo da olaria e da cerâmica, a ARCIL e a Câmara Municipal da Lousã, celebraram um protocolo de cooperação. No âmbito do acordo, a ARCIL manterá em funcionamento as suas oficinas do Cabo do Soito, bem como incentivará a criação de uma escola livre, aberta à população escolar, que eleve a formação e apoio dos artesãos. Por seu turno, a Edilidade solicitará a Helena Montez entrevistada por João Pinho, 28/12/2013 ADA – Relatório da Pré-Profissionalização, 07/07/1988

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execução de modelos de interesse turístico, contribuindo com cinco mil escudos como complemento do subsídio do monitor, Quirino José Fernandes, oleiro do Carapinhal, Miranda do Corvo»124. Este acordo concretizar-se-ia, por exemplo, no fabrico do pote com o brasão municipal, que a Câmara Municipal oferecia em actos oficiais. A olaria, no final dos anos 80 iniciou actividade de exportação tendo a Suíça como destinatário.

O PROGRAMA PEDAGÓGICO DA ARCIL: BASES PSICOPEDAGÓGICAS, 1983-1985 «Destina-se este programa a estruturar o Centro D. Emilia de Carvalho da ARCIL segundo as bases psico-pedagógicas consideradas mais correctas, tendo em conta, obviamente, todos os condicionalismos que a presente falta de técnicos especializados em vários sectores nos impõe. Tendo como objectivo final a integração da criança na sociedade pretendemos dar-lhe as bases mínimas e a formação imprescindível para que essa integração não vá criar inadaptações irremediáveis. Não pretende este Centro, portanto, ser um local “para onde vêm os deficientes” mas antes um local de passagem, uma escola onde a criança que necessita de educação ou reeducação especial adquire a formação necessária para uma integração o mais correcta possível, seja no ensino normal, no mercado de trabalho, na sociedade em geral ou mesmo no ambiente familiar. A nossa experiência no ensino especial mostra-nos que, nos moldes actuais, o ensino normal é um enorme “produtor” de crianças inadaptadas. Os alunos com atrasos escolares adquirem, em muitos casos, inadaptações dificilmente superáveis. Não sendo da nossa competência a recuperação de atrasos de escolaridade, já o será, isso sim, a correcção ou redução, dentro do possível, das inadaptações por eles provocadas, dadas as suas repercussões inegáveis ao nível da integração e social.

«Olaria da Lousã» In Trevim, 01/05/1985

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Dado que uma percentagem razoável de crianças nestas circunstâncias frequentam este Centro, a correcção ou redução das inadaptações provocadas pelo insucesso escolar é uma das nossas grandes precocupações proporcionando-lhes atractivos do contexto dos programas elaborados, por forma a dar-lhes o gosto pela escola (normalmente afastado), nunca as retirando ao meio social e familiar a que pertencem, diminuindo portanto, gradativamente, as suas inadaptações. Relativamente às crianças normalmente consideradas “deficientes”, pretendemos, com este programa, fornecer-lhes todas as condições para que se tornem elementos socialmente activos competitivos no mercado de trabalho, cidadãos de pleno direito. Pretendemos que todas as crianças que frequentam este Centro não venham a ser pesos sociais, mas contribuintes válidos na sua comunidade. Pretendemos, resumidamente, retirar à palavra “Deficiente”, toda a sua carga negativista, dando à comunidade, com o contributo desta, indivíduos “eficientes”, mesmo com algumas limitações. [ADA - «Ante-Projecto Pedagógico, ARCIL» 13/08/1983, pp.3-4 In Pré-Profissionalização (Dossier)]

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Os primeiros anos de actividade da nova direcção focaram-se na resolução de situações herdadas e mal resolvidas. Assim, entre Setembro e Dezembro, tomaram-se as seguintes decisões: avançar com projecto da pintura das portas interiores (branco e laranja para colorir o espaço); e utilização dos transportes públicos e escolares; estudo pormenorizado das mensalidades a pagar pelos pais, procurando que «todos os pais sejam sócios e que todos paguem a mensalidade a fixar de acordo com os resultados do estudo citado»125; proposta de funcionamento da cozinha Do ponto de vista interno, o registo dos novos estatutos assumiu prioridade, pois tinham em vista a equiparação a Instituição Particular de Solidariedade Social que vem a obter a 18/02/1983. Foram aprovados em reunião de AG no dia 24/04/1982, mandatou-se um conjunto de associados para assinarem o acto de escritura, vindo a ser publicados em DR, III Série, nº 135 de 15/06/1982126. No entanto, o articulado necessitou de retificações em face da lei, sendo aprovados por unanimidade a 17 de Setembro, dando-se poderes aos associados Jorge Mário Carvalho, Jorge Manuel da Cunha Santos e João Marçal, poder para outorgarem e assinarem a escritura de rectificação. Do passado emergia, também, o peso da família Carvalho, sendo o momento de homenagear o esforço continuado, em especial, de Jorge Carvalho, que a partir de 05 de Fevereiro de 1984 se tornava no primeiro sócio honorário da ARCIL, sendo atribuído o seu nome à Sala Nobre.

ADA – Actas da Direcção da ARCIL, 1981-1985 (pasta), acta nº 5, 30/09/1981, fl.2 O grupo de associados era constituído pelos seguintes elementos: Manuel Marques Jorge, Ana Maria Gouveia, Maria Aline Barata da Costa Almeida, Maria Amélia da Piedade Gonçalves, Maria Manuela da Conceição Fernandes Simões, Maria Celeste Lopes Fernandes Soares, Graça Maria Casaleiro Cantante, Rui Carlos Tomás Soares, António Bandeira, João Ferreira Carinhas, António Rodrigues de Almeida Maio, Pedro Santiago, José Maria da Silva, Maria Iolanda Bizarro de Almeida, Lígia Teresa Ramos Figueiredo Soares, João Pedro Correia Graça, Emília Marta Paiva Gregório

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Jorge Carvalho

o maior benemérito da ARCIL

APROVAÇÃO DE JORGE MÁRIO DE CARVALHO COMO SÓCIO HONORÁRIO DA ARCIL «1º Considerando ter sido o Senhor Jorge Mário de Carvalho, através da doação das instalações, que possibilitou o arranque definitivo da ARCIL 2º Considerando todo o apoio económico e moral que vem prestando a esta Associação 3º - Considerando a sua participação nos Corpos Gerentes desde o início. Cumprindo-se uma deliberação da última Assembleia Geral, propõe-se que lhe seja conferida nos termos do art.º 7, n.º 1, alínea a), a categoria de Sócio Honorário. Esta proposta foi aprovada por unanimidade e aclamação» [In Livro de Actas da Assembleira Geral da ARCIL, 1979-1995, acta n.º 12, 05/02/1984, fls. 27v.-28]

O destacamento de professores continuou a gerar preocupação, bem como a relação com as autoridades religiosas. Tal como sucedera em 1980, a recepção de subsídio externo, desta feita dos Companheiros Construtores Suíços, foi barrado pela pároco da Lousã em Julho de 1984, que não aceitou passar documento pelo qual se indicava que a ARCIL era uma associação de fins humanitários, remetendo o assunto para o Bispo. O caso veio a ser resolvido, mas João Graça recorda, a este propósito, os tempos difíceis que se viveram após o 25 de Abril: «Os padres diziam que a ARCIL era um antro de comunistas. Até hoje a política nunca entrou aqui. Éramos gente inquieta. Tínhamos problemas comCAPÍTULO 3 – Um Longo Caminho: 1981-1994

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plicados e tínhamos certa irreverência, que criava dinâmica e contestação. Havia comunistas, como PS, PSD, CDS e outros que nem sabíamos quem eram»127. António Maio, figura preponderante do passado, catapultava para o presente as dúvidas e receios sobre o futuro da sua ARCIL, enviando carta polémica em meados de 1985, que causou grande desconforto a quem dirigia a instituição pois colocava em causa os estatutos e o projecto do parque infantil. Tal como em anos anteriores, as campanhas de solidariedade fortaleceram-se e produziram efeitos: em Setembro de 1985, a campanha desencadeada pela terapeuta Lenny, na Holanda, rendia 300 contos, aplicados na aquisição de cadeiras de rodas – que seria trazida para Portugal pelos Companheiros Construtores, mas que ficaria retida primeiro na fronteira entre a Bélgica e a França e, posteriormente em Lisboa, e só a muito custo resgatada, nos princípios de 1986, fruto da intervenção do presidente da ARCIL, José Ernesto Carvalhinho, após 3 dias de diligências na capital. Esta medida foi, na realidade, um sinal de pioneirismo na procura de Ajudas Técnicas, na altura inexistentes formalmente, e uma resposta às necessidades individuais dos utentes. O voluntariado, desde sempre praticado na instituição, conheceria novo impulso, pelo trabalho de parcerias e procura de recursos no exterior. Os Companheiros Construtores continuaram a dar o seu apoio, fazendo-o agora de uma forma mais específica: «Com o Carvalhinho repensámos a forma de rentabilizar este intercâmbio, E disseram-nos; se possível que venha gente que goste de trabalhar com deficientes e gente que tenha algum conhecimento de construção. A ARCIL desenvolve-se no sentido de mais obras, mais crianças, mais técnicos. Era preciso dinheiro. Começámos a organizar projectos. Não era fácil cá dentro arranjar dinheiro porque havia a mentalidade de que dos deficientes devia tratar o governo. Lá fora era mais fácil reunir dinheiro para coisas sociais»128.

João Graça entrevistado por Marta Ramos 09/02/2011 Manuel Rocha entrevistado por Marta Ramos, 03/01/2011

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A formação dos recursos humanos da ARCIL, numa tentativa de actualização ao que de melhor se fazia à escala mundial, continuaria como marca da instituição. Definida ao abrigo de um Plano de Formação vocacionado para o campo da Educação Especial contou com um apoio muito significativo vindo da Fundação Calouste Gulbenkian. A partir de princípios de 1984, a ARCIL apostou de forma clara na formação interna do pessoal não qualificado. Após o sucesso com a comemoração do Ano Internacional da Criança, em 1979, sucederam-se o Ano Internacional do Deficiente (1982), a Feira Internacional de Coimbra (1983) e o Ano Internacional da Juventude (1985), momentos de afirmação externa da instituição. A ARCIL fez parte da Comissão Municipal para o Ano Internacional do Deficiente de 1981 (AID), constituída em Outubro daquele ano e composta pelos seguintes representantes: Prof. António Maio (indicado pela Câmara Municipal), João Marçal (PS), Aires Ventura (UDP), e Prof. Palmira Sales (APU), indicados pela Assembleia Municipal (O PSD não indicou ninguém); Sílvio Peneda e Joaquim Alberto da Piedade Correia, indicados pelo Conselho Municipal; Psicólogo Mário Pereira e o Prof. Jorge Santos (representando também a Delegação Escolar) pela ARCIL Júlio Ribeiro Santos, indicado pela SCML; e Maria Alice Pereira dos Santos da Rocha Costa, indicado pelo Centro de Saúde. Um dos trabalhos levados a cabo por esta comissão passou por saber quantos eram e como viviam os deficientes. Para tal fim «…resolveu promover um levantamento da situação dos deficientes adultos existentes no concelho. Para o efeito começaram já a ser distribuídas fichas de inquérito pelos professores primários e párocos de várias freguesias. A realização deste levantamento permitirá obter uma informação concreta sobre a situação dos deficientes no concelho, uma vez que existe já um trabalho semelhante, ao nível das crianças, realizado pela ARCIL»129. Por outro lado, a Comissão procurou passar das intenções aos actos e «… decidiu apresentar à Câmara Municipal uma recomendação, no sentido de serem

«Quantos são como e onde vivem os deficientes?» In Trevim, 13/11/1981

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previstas rampas de acesso e elevadores no Palácio da Justiça em construção – e noutros edifícios públicos a construir futuramente – de modo a permitir o acesso a deficientes físicos».Estávamos em 1981 e iniciava-se a luta pela acessibilidade! A ARCIL elaborou um projecto interno para as comemorações, coordenado pela Maria João e prevendo a realização da «semana da ARCIL»130. Uma das iniciativas decorreu durante a tarde do dia 4/12: uma festa infantil, no Cine-Teatro, tendo como objectivo «…que esta festa fosse um meio de informação para a comunidade lousanense, acerca de alguns aspectos do seu trabalho diário, como escola do ensino especial e sobretudo transmitir uma sensibilização para a realidade da criança deficiente»131. A festa contou com várias participações: grupo coral e instrumental do Jardim de infância João de Deus (Coimbra), dupla de palhaços, grupo de ginástica rítmica da ARCIL, grupo de marcha das classes infantis da ARCIL, interpretação de canções pela professora holandesa Adriene, da ARCIL, e Rancho Folclórico da CERCI de Mira. Em meados dos anos 80 viveram-se momentos muito difíceis para o ensino especial, que se uniu em torno de uma causa comum: a 22/01/1986 e junto ao ME promoveu-se «…uma concentração nacional em que participaram pais dos alunos, trabalhadores e directores das Associações e Cooperativas de ensino especial de todo o país. O objectivo da concentração foi protestar contra a redução do subsídio de transporte e de alimentação atribuído pelo IASE, o qual passou de 75$ diários para 25$00»132. Participaram mais de 50 instituições, incluindo ARCIL e teve a liderar a FENACERCI (Federação Nacional das Cooperativas de Solidariedade Social). Em 1987, a ARCIL comemorou os seus 10 anos de existência. O aniversário seria aproveitado para abrir portas aos alunos do ensino primário, preparatório e secundário dos concelhos da Lousã, Góis e Miranda, durante a 1ª semana de Fevereiro intitulada “Semana aberta à comunidade” - alargando

ADA - Actas da Direcção da ARCIL, 1981-1985, nº 1, 16/06/1981, fl. 1 «ARCIL promoveu festa infantil no Cine-Teatro» In Trevim, 11/12/1981 132 «Associações protestam contra redução de subsídios» In Trevim, 07/02/1986 130 131

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uma prática antiga na casa que passava pelas visitas feitas à instituição, no início do ano escolar, pelos professores colocados nas escolas da Lousã. Também naquela data, se realizou um colóquio comemorativo do aniversário no salão polivalente dos Bombeiros Municipais133. Outras iniciativas comemorativas do 10.º aniversário (vide conjunto de fotos p. 168) realizaram-se no decorrer do ano: encontro sobre educação especial reunindo 250 técnicos na Lousã, de 22 a 24 de Abril no Salão dos Bombeiros Municipais; e jornada desportiva, a 22 e 23 de Maio, compreendendo provas de atletismo, e futebol de 5 que decorreram no aeródromo da Lousã e movimentaram 178 jovens das Cercis de Coimbra, Figueira da Foz, Penela, Mira, Pombal, Castanheira de Pêra, Aveiro, APPACDM e ARCIL134.

«ARCIL foi visitado por um milhar de crianças e jovens» In Trevim, n.º 432, 13/02/1987 «ARCIL foi visitado por um milhar de crianças e jovens» In Trevim, n.º432, 13/02/1987; «Encontro sobre educação especial reuniu 250 técnicos na Lousã», In Trevim, 01/05/1987

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10.º Aniversário

1986 - Corte do bolo da esquerda para a direita: Sr. Torres, Rui Soares, Elvira Prazeres, Deolinda Simões

Celeste Soares (auxiliar), Maria do Carmo (terapeuta ocupacional), Maria João (educadora) e Lurdes Neves (auxiliar)

Aspecto geral da festa

Jornada Desportiva

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A FORMAÇÃO DOS TÉCNICOS DA ARCIL «Uma das últimas acções importantes foi a deslocação de um grupo de 9 técnicos a Madrid para visitarem Centros de Educação Especial congéneres e, do trabalho lá observado, extrair o que de mais positivo se adaptasse à nossa realidade. Simultaneamente procurar-se-iam formas de colaboração e de intercâmbio de interesses para ambas as partes. A visita decorreu de 21 a 27 de Outubro e foram visitados 7 Centros da região de Madrid. Muitas ideias interessantes se puderam aproveitar como se pode ler no relatório circunstanciado que o grupo elaborou. Os meios são poucos e as necessidades muitas. De salientar que esta acção só se pôde realizar com o apoio da Fundação Calouste Gulbenkian. Também no âmbito da formação dos nossos técnicos tivemos entre nós nos dias 24, 25 e 26 de Janeiro a Dr.ª Aurora Farinha, psicóloga e professora, que veio trabalhar com as professoras do Ensino Primário. Esta acção foi possível graças à colaboração do Secretariado Nacional de Reabilitação, onde a Dr.ª Aurora Farinha exerce as funções de técnica» [«Formação dos Nossos Técnicos» In Pequenada, N.º 18, Março, 1985]

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1.2. TEMPOS DE MUDANÇA: O PLANO DE OBRAS A LONGO PRAZO

Se, num primeiro momento, a direcção de Marçal procurou solucionar problemas antigos, a verdade é que por volta de 1980 lançou um plano de obras que foi concretizando nos anos seguintes: bloco oficinal, complexo agro-pecuário e reconstrução da ala do velho edifício foram os primeiros objectivos, a que se associou, em 1982, o Apoio Residencial para jovens com alguma autonomia, e o arranque do Sector de apoio pela ocupação para deficientes médios e profundos em 1982, tendo como monitor responsável Francisco Teixeira Gouveia. Em Dezembro de 1983 o até então vigilante com funções pedagógicas João José Gaspar de Matos, no Sector de Treino Ocupacional, vê reconhecida a sua colaboração ao centro, decidindo a direcção que fosse o novo responsável pelo Sector135. Estas novas estruturas revelavam que grande parte das actividades da ARCIL começavam a orientar-se, essencialmente, para objectivos de integração socio-laboral. Uma realidade em parte ditada pela negativa conjuntura sócio-económica nacional que levou a direção a optar pela criação de estruturas de trabalho que pudessem acolher os jovens com a sua formação pré-profissional concluída. Estes factos conduziram ao aumento da área laboral do Centro provocando intenso debate interno sobre a gestão operacional da ARCIL e soluções para os problemas de gestão administrativa entretanto surgidos. A nível externo, e como recorda Isabel Maia «a Divisão de Ensino Especial foi a reboque. Fazia daquele espaço um espaço para visitar e aprender. Não era raro perguntarem-me quando poderiam visitar a ARCIL»136.

ADA – Actas da Direcção da ARCIL, 1981-1985 (pasta), acta n.º 25, 20/09/1982; nº 4, 04/12/1983, fl. 2 136 Isabel Maia entrevistada por João Pinho, 28/10/2013 135

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PEQUENADA Folha informativa da ARCIL, mensal, que começou a publicar-se em Fevereiro de 1982, mantendo-se a sua edição até 1987. Tinha como subtítulo: «Orgão mensal de informação da ARCIL». No seu primeiro número fixou-se o objectivo: «…destina-se a dar, aos associados e ao público em geral, uma informação mais ou menos detalhada do que é esta obra e do que pretende (…) e nela se abordarão os projectos, problemas e actividades principais da Instituição». Incluiu, sempre que possível a colaboração de alunos.

Doc. 7 - Pequenada (I Série - 1) 1982 Fevereiro

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A 28 de Janeiro de 1982 a Câmara Municipal da Lousã aprovava uma proposta histórica em favor dos interesses da ARCIL: «…no sentido de ser cedido à ARCIL – Associação para a Recuperação de Crianças Inadaptadas da Lousã – o direito de superfície sobre os prédios ocupados por aquela associação, estabelecendo-se que a cedência é feita pelo prazo de cinquenta anos, renovável137. (…) A cedência do direito de superfície à ARCIL tem por finalidade, segundo foi explicado, assegurar àquela instituição as condições para requerer a comparticipação da Direcção Geral do Equipamento Rural e Urbano nas obras de adaptação do velho edifício do Cabo do Soito» Aquela decisão tornava assim possível a recuperação da ala antiga do velho edifício, em muito mau estado (vide foto 38), que constituía a mais urgente das necessidades, dado que ali estava localizada a oficina de serralharia no rés do chão e a cozinha e refeitório no 1ºandar, em condições de grande degradação. Tratava-se da reconstrução do Centro e ampliação para uma nova ala (a Nascente), contando com a colaboração do GAT da Lousã que elaborou «…um projecto relativo à transformação da actual ala do edifício onde estão instalados os serviços de cozinha e refeitório, sendo o custo desta obra estimado em 2600 contos»138. A obra contou com subsídio da DG do Equipamento Rural e Urbano que cobriu 80% dos custos, enquanto a organização alemã Misereor financiou o novo equipamento. A relevância deste empreendimento, dada a complexidade e melindre, foi assumido como decisivo e alavanca do futuro: «Esta obra, muito embora vá causar algum transtorno ao actual funcionamento da Escola é, para nós, fundamental. Englobará, além da cozinha, a construção de dispensas que hoje não existem, de um refeitório e de um apartamento onde será ministrada a formação profissional e pré-profissional na área da Indústria Hoteleira, Permitirá, além disso, o fácil acesso às instalações existentes e às que virão a existir no sótão a todos os deficientes que se deslocam em cadeiras de rodas, acesso esse que hoje lhes está vedado pela existência única de escadas como via de acesso ao último piso. «Câmara cede à ARCIL direito de superfície» In Trevim 24/02/1982 ARCIL: uma mão cheia de projectos» In Trevim, 25/12/1981

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Todas estas obras exigiram, como se compreende, programações cuidadas no âmbito pedagógico e projectos técnicos capazes. Só assim se conseguiriam obter a maior parte dos subsídios, além de, como é lógico, só assim se poder, honestamente, planear aquilo a que os nossos reeducandos têm direito: as melhores condições de aprendizagem que nos for possível dar-lhes»139. A nova ala (vide foto 39) ficaria concluída nos princípios de 1985 e nela se fixaram diversos serviços da instituição: «…a nova cozinha, um refeitório em regime de self-service, dispensas, uma sala para projecções e outras actividades, uma lavandaria e um apartamento para treino dos nossos alunos nas Actividades da Vida Diária e na área da pré-profissional de Indústria Hoteleira»140. A lavandaria, a cozinha e o refeitório (então situado na actual Sala Nobre), ficaram concluídos nos finais de 1984.

Foto 38 - Início das obras na Ala Nova

Foto 39 - A Ala Nova, construção dos gabinetes do dentista

«Obras na A.R.C.I.L» In Pequenada, N.º 10, Fevereiro, 1983 «Nova Ala» In Pequenada, N.º 16, Dezembro 1984

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Importante, foi o lançamento do projecto Anexo de Produção, no final do mês de Outubro de 1980. Um projecto inovador, resultado do estudo do prof. Carvalhinho, aprovado pela direcção a 25/11 e redação final de 10/12. Tratou-se, na época de uma experiência piloto na integração de deficientes físicos e mentais ligeiros e médios, numa actividade produtiva de índole industrial., a qual «… só foi possível devido ao investimento inicial na ordem dos 4.100 contos por parte do Ministério do Trabalho e ao apoio prestado pela Câmara Municipal da Lousã que cedeu o terreno e os materiais de construção»141. Eduardo Agostinho Neto, presidente da Câmara Municipal à época, recorda os contornos do Anexo: «Estávamos a acabar a negociação da Quinta de Santa Rita. Na proposta final que apresentei à Assembleia Municipal vinha a cedência do terreno necessário para concretizar o sonho da ARCIL»142. O Anexo foi construído em pré-fabricado no espaço actualmente ocupado pela ARCILMADEIRAS (vide conjunto de fotos p. 177), na época ao lado dos terrenos da VIUFIL, firma com quem se realizou protocolo de acordo de cooperação a 27/01/1981143, para a instalação e funcionamento a título gratuito, tendo-se produzido inicialmente artefactos delas provenientes (taco e outras madeiras aparelhadas). A planta do Anexo foi elaborada em Dezembro de 1980, pelo Gabinete de Apoio Técnico ao Agrupamento dos Concelhos de Lousã, Miranda do Corvo, Penela e VN Poiares. Nele se aplicaram os principios adoptados pelo Emprego Protegido: saber fazer e saber estar, sendo capaz de assumir uma jornada completa de trabalho. O Anexo cumpriu, assim, uma dupla função: como formação profissional a nível de postos de trabalho, por forma a permitir uma posterior integração (emprego possível); e também como garantia de postos de trabalho para todos aqueles que não conseguiram uma integração no mercado do emprego externo.

«Anexo já funciona», In Trevim, 24/03/1982 Eduardo Agostinho Neto entrevistado por João Pinho, 26/11/2013 143 Protocolo de acordo de cooperação entre ARCIL e VIUFIL In ARCIL – PROJECTO GLO141 142

BAL DA INSTITUIÇÃO, 1981/1982 (Dossier)

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A laboração no Anexo constituiu uma das mais bem-sucedidas experiências de visualização de deficientes na perspectiva do emprego: o aspecto segregativo e isolacionista prevalecente até então em estruturas do género, foi desmontado pelo contacto directo, permitindo uma integração lenta mas efectiva: por se encontrar dentro da zona industrial permitiu à população em geral uma visualização das capacidades dos deficientes, desfazendo os preconceitos existentes e demasiadamente arreigados da incapacidade total do deficiente, além de permitir também aos próprios empregados dessa indústria um contacto directo com os aludidos trabalhadores que à partida eram considerados improdutivos, e que recebiam pagamento e regalias sociais iguais às dos trabalhadores da VIUFIL. No Anexo se instalaram e começaram a laborar 7 deficientes, 2 deles só com problemas exclusivamente físicos. Iniciou actividade a 01 de Março de 1982: «O ANEXO é uma pequena instalação industrial onde trabalham alguns dos nossos alunos. Apto para várias tarefas relacionadas com a transformação da madeira, o ANEXO será o posto de trabalho dos alunos que cumprirem com êxito, o programa pré-profissional deste Centro na área de madeiras. Servirá, também, como formação profissional para futura integração em empresas congéneres. (…) A gestão técnica estará a cargo do Manuel Mapa e do António Vinagre»144. A inauguração oficial do Anexo foi a 29/04/1982 contando com a presença Secretário de Estado do Emprego, Luís Morales que afirmou estar «entusiasmado com esta obra e garantiu todo o apoio a esta iniciativa». No acto estiveram presentes a Direcção da ARCIL, o Presidente da CML e diversas individualidades ligadas aos ministérios do Trabalho, Segurança Social e Ensino Especial 145. Ainda quanto ao ANEXO, a direcção tomaria duas medidas relevantes no mês de Maio de 1982: decidindo, por um lado, que o terreno a solicitar à Câmara Municipal para montagem do Anexo, teria uma área mínima de 2.000

«ARCIL dá um passo em frente: começou a funcionar o ANEXO» In Pequenada, N.º 2, Ano 1.º, Março 1982 145 «Noticiário» In Pequenada, Ano 1,Iª Série, º N.º 4, Maio, 1982 144

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m2; e definindo os indivíduos a integrar na 1ª fase do anexo: António da Piedade Francisco, Manuel de Jesus Rodrigues, António Manuel Maio, Miguel Maio, José Alegria, João Leandro e Carlos Seco. A principal produção desta unidade foram as paletes para a fábrica de Papel do Prado. O sucesso alcançado com o Anexo de Produção, tornou necessário um novo projecto tendo em vista a sua ampliação, que veio a ser reformulado em princípios de 1984, ano em que foi entregue para apreciação no Ministério do Trabalho. Em Novembro daquele ano e tendo já em vista a sua rentabilização, dotou-se o mesmo com um conjunto de máquinas: empilhador, charriot e uma alinhadeira146. A 17/12/1984 foi adjudicada a construção da ampliação do Anexo ao empreiteiro Rui Oliveira após análise efectuada pelo GAT147. As oficinas, nos finais de 1985 e dado o sucesso alcançado, alargariam a sua actividade às madeiras de construção ou seja; operava-se a passagem de uma concepção de trabalhos manuais para uma estrutura com cariz de “indústria”.

ADA – Actas da Direcção da ARCIL, 1981-1985, acta n.º 15, 09/11/1984, fl. 2 Idem. Acta n.º 16, 17/12/1984, fl.1

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Anexo de Produção

O Anexo de Produção, aspecto geral, anos 90

Rolaria para serração, anos 90

Corte de madeira por António Vinagre, anos 80

Visita de António Charana (ao fundo briquetes embalados produzidos no anexo)

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A construção do Bloco ou Complexo Agro-Pecuário, junto ao actual parque de estacionamento superior (vide fotos 40 e 41), financiado pelo Ministério do Trabalho, decorreu durante o Verão de 1982, contando com a colaboração de 4 grupos dos Companheiros Construtores (2 alemães e dois holandeses) por períodos de 25 dias cada grupo. Em Outubro de 1982 e com grande parte da obra feita o tempo era de balanço: «Este sector visa uma possível integração numa actividade profissional futura, tendo também a vantagem de contribuir para a satisfação das necessidades da A.R.C.I.L. Os produtos escolhiam-se de acordo com as necessidades de consumo,e tinha também em vista a autossuficiência económica. O sector agrícola funciona com Horto-floro-fruticultura. E a pecuária irá contar com exploração de codornizes, criação de frangos de carne; cria e engorda de suínos e reprodução e engorda de coelhos. Criar-se-à também um pequeno centro de abate. Estão já a ser construídas as instalações da pecuária»148

Foto 40 - Agropecuária: plantação de batatas, anos 80 (actual estacionamento da sede)

Foto 41 - Agropecuária, anos 80 (actual estacionamento da sede)

«Complexo Agro-Pecuário» In Pequenada, Ano II, N.º6, Outubro, 1982.

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Para o Sector da Agro-Pecuária seria admitida em Junho de 1982 e com «funções de monitoragem», a Eng.ª Maria Isabel da Cunha Santos. A 02 de Março de 1984 fizeram-se os primeiros abates de animais – 97 frangos149. E, a 20/05 a primeira matança do porco, momento aproveitando para convívio entre pais, técnicos corpos gerentes e elementos dos ministérios mais ligados à ARCIL150 (vide fotos 42A e B).

Fotos 42A e B - 1984 - Matança do porco seguido de almoço; ao centro Sr. José Ramalho Torres e Prof. João Ramos

Importa acrescentar que as estufas, tanto as aquecidas como as frias, chegaram a ocupar todo o espaço onde actualmente se localiza o parque de estacionamento superior da ARCIL, tendo sido desmontadas e transferidas em 1991 para a Quinta do Caimão. Esta nova dinâmica implicava uma constante busca de apoios por parte da direcção. Carvalhinho relembra as boas relações que sempre teve com todas as instituições no país usando uma alegoria para explicar esses tempos: «Andava com um chapéu na mão a pedir e um projecto na outra»151. Ou, como diria João Graça; «Carvalhinho bateu à porta de muita gente. Era um ponta de lança, eufenisticamente falando».

ADA – Actas da Direcção da ARCIL, 1981-1985, acta nº 7, 02/03/1984, fl. 1 Idem. Acta n.º 9, 07/05/1984, fl. 1 151 José Ernesto Carvalhinho entrevistado por Marta Ramos, 25/10/2011 149 150

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Dessa agilidade traduzida em múltiplos e intensos contactos conseguiram-se não só vários apoios nacionais (Câmara Municipal da Lousã, Ministério da Educação, Ministério do Trabalho, Ministério dos Assuntos Sociais e Fundação Calouste Gulbenkian), mas também internacionais: Misereor e Brot fur die Welt (alemãs), Neederlands Comité (Holandesa), Help to disabled education in Portugal Foundation (Holandesa) e Companheiros Construtores. A ORGANIZAÇÃO DE TOM VAN EERT Help to disabled education in Portugal Foundation era o nome de uma fundação criada e gerida pelo holandês Tom Van Eert tendo em vista apoiar a deficiência em Portugal, em especial através de parcerias com a ARCIL e CERCIMIRA. Captaram fundos, na Holanda, para desenvolvimento destas instituições. Forneceram técnicos especializados para virem trabalhar em Portugal, tendo também recebido e alojado técnicos da ARCIL em estágios/formações. A fundação e os seus dirigentes, em especial, Tom Van Eert estiveram sempre disponíveis para colaborar e apoiar a ARCIL. O esforço não passaria despercebido aos olhos de alguns associados: a 23 de Julho, a direcção em funções seria distinguida com voto de louvor, apresentado pelos associados José Manuel Marques Leandro e Maria de Lurdes Ifigénia Dias Mendes. Por proposta de António Maio, a AG aprova, a 05/Fevereiro uma menção honrosa a Rui Soares, tesoureiro entre 1976-1979, atendendo ao «… grande sacrifício, sem qualquer remuneração». Em Fevereiro de 1982 iniciou-se, também, a edição mensal da folha informativa intitulada “Pequenada,” 152 distríbuida com o Trevim, que a partir de 1986 passou a constituir uma página impressa no mesmo jornal. O já referido plano de obras a longo prazo, englobava não só a recuperação do velho edifício, mas também a construção do novo edifício para a «Recupe-

O primeiro número saiu a Fevereiro de 1982

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ração da Leccionação», ou seja; para a pré-formação e formação profissional, elaborado pelo já referido arquitecto Palma de Melo e que foi pago integralmente pela Fundação Gulbenkian, no que configurou uma situação única no país153. A construção foi adjudicada, a 20/04/1982, à Empresa Construtora Moderna da Lousã, pela quantia de 12.462.070$10154, após parecer positivo emitido pelo arquitecto Palma de Melo e GAT da Lousã, e prazo de conclusão fixado num ano. Foi equipado através de verbas vindas do Ministério do Trabalho155 e ficou concluído nos princípios de 1983 (vide conjunto de fotos p. 182). Tinha uma estrutura base bem definida, onde se destacavam em particular: «Com as suas oficinas de Madeiras, Metais, Têxteis, Olaria e Cerâmica, salas e gabinetes de apoio e uma oficina de Carpintaria será fundamental no âmbito da preparação pré-oficinal e profissional»156. Eduardo Agostinho Neto, presidente da Câmara Municipal da Lousã recorda, a propósito deste projecto: «coloquei o gabinete técnico da câmara ao serviço da ARCIL e disponibilizei-me para acompanhar junto das entidades estatais os projectos da ARCIL. O projecto de arquitectura foi pago pelo município»157. Corolário de um esforço desenvolvido pelas diversas áreas e respectivos técnicos, a 18 de Fevereiro de 1983 ocorreu a inscrição oficial da ARCIL no Ministério dos Assuntos Sociais como Instituição Privada de Solidariedade Social. E, a 10/02/1984 seriam inauguradas as Oficinas de Pré-Profissionalização e Sector de Pecuária da ARCIL, na presença do Secretário de Estado do Emprego e Formação Profissional, Rui Barradas do Amaral, e coordenadora regional da Divisão do Ensino Especia, Isabel Maia.

ADA - Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 1977-1981, acta n.º 52, 10/11/1978, fl. 27v. ADA – Actas da Direcção da ARCIL, 1981-1985 (pasta), acta nº 17, 20/04/1982, fl.2 155 «Obras na A.R.C.I.L.» In Pequenada, n.º 10, Fevereiro, 1983 156 Idem. 157 Eduardo Agostinho Neto entrevistado por João Pinho, 26/11/2013

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Pré-Profissional

O edifício da Pré-Profissional terminado e o arranque das obras no campo de jogos

Carpintaria Pré-Profissional

Serralharia Pré-Profissional

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Ulisses Martins entrou a 01/09/1986 para a ARCIL, como formador da área de madeiras passando depois a monitor responsável pelas oficinas, gerindo tanto o espaço para a pré como para a profissionalização158. Na sua opinião as vantagens da pré-profissionalização eram alargadas: «Acabava por trazer uma melhor adaptação à vida real. Andavam aqui muito tempo, dependendo do percurso escolar, social e família.Não estávamos preocupados se soubessem trabalhar em madeira ou produzir trabalhos. Estávamos preocupados em que ganhassem hábitos de socialização, de higiene, segurança, de conduta, que estabilizassem as questões sociais»159. Fruto do crescimento de alguns sectores, reorganiza-se o Sector Agrícola, Pedagógico e de Produção, entregando-se a responsabilidade dos mesmos aos professores Américo e João Graça. UM CASO DE SUCESSO NA PRÉ-PROFISSIONALIZAÇÃO «Carlos Miguel marcou-me profundamente. É surdo mudo e com deficiência intelectual acentuada. Veio de um ambiente familiar onde estava fechado num quarto só com uma janelinha. Agitadíssimo, tinha a alcunha de “macaco” e adoptava posturas inacreditáveis. Quando me disseram que vinha para a pré-profissionalização disse logo: “Por Amor de Deus, ele mata-se lá, nas máquinas”. Quando o rapazinho chegou não era nada daquilo que diziam: começámos a comunicar por gestos, elaborei um horário de trabalho com base em desenhos (a galinha significava ir à pecuária recolher ovos; o martelo trabalhar na oficina). Tive até de lhe ensinar a ter medo, nomeadamente o medo das máquinas, pois sempre tive receio que se aleijasse. Para meu espanto começou a dirigir-se automaticamente para a realização das tarefas. A dada altura os psicólogos nem queriam acreditar e vinham vê-lo no dia a dia. Era muito mais inteligente e capaz do que se pensava, mas nunca tinha sido estimulado convenientemente. Foi um caso de sucesso; fazia recados, ia ao café, e além das competências, desenvolveu vários hábitos de higiene» [Ulisses Martins entrevistado por João Pinho, 06/11/2013]

Hoje é formador e monitor da ARCIL Ulisses Martins entrevistado por João Pinho, 06/11/2013

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Esta nova unidade, destinada à Pré-Profissionalização, levaria várias instituições da área da reabilitação a visitarem a ARCIL para conhecerem no terreno o novo modelo. A CEERIA de Alcobaça foi uma dessas instituições, como recorda Luís Rodrigues: «Visitámos a ARCIL pela primeira vez em 1985, pois já então era uma referência nas orientações das instituições que trabalham nesta área. Sempre foi uma organização de portas abertas, onde tínhamos o prazer de a visitar. Nunca se escondeu ou protegeu. Era o padrão normal de funcionamento da ARCIL. Fomos levados pela questão da Pré-Profissionalização, onde a ARCIL foi pioneira e serviu de referência para a nossa instituição. Deu-nos a oportunidade de visualizar já no concreto a realização desta sensibilização laboral. O CEERIA acabou na altura também por organizar instalações, metodologias de enquadramento equivalentes àquelas que na altura a ARCIL desenvolvia: carpintaria, serralharia, agropecuária…»160. Aos poucos, e por força da realidade, o contraste com o passado seria assumido pela direcção eleita para conduzir os destinos da ARCIL entre 1983-1985. Do ponto de vista do funcionamento e organização dos serviços preparava-se um corte, inevitável e no sentido da profissionalização e profissionalismo. Na reunião da AG de 05 de Fevereiro de 1984, e pela voz de dois membros do CF, o discurso traduz o fiel da balança, entre passado e presente: Primeiro e pelo vogal Eng.º João Matos Cruz seria enaltecido o esforço «desenvolvido na época citada», lembrando que actualmente «…as condições são bem diferentes, atendendo à dimensão da Associação e à complexidade dos problemas suscitados por actividades mais diversificadas e intensas que não permitem que a Instituição alicerce a sua gestão unicamente nos Corpos Gerentes. Tem que possuir profissionais competentes que coadjuvem aqueles. Se for descurado esse aspecto, a Associação corre o risco de se dissolver». A concluir esta linha de pensamento, usaria da palavra o Presidente do CF João Lopes acrescentando: «…que a ARCIL nasceu, cresceu e isto obriga a uma

Luis Rodrigues entrevistado por João Pinho, 09/11/2013

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constante adaptação das suas estruturas de apoio. Pensa até que, num futuro próximo, se deverá encarar a hipótese de alicerçar a maior parte das actividades em gestores e técnicos privativos».161 A hidroterapia foi outra área fortemente dinamizada pela nova direcção. Em finais de 1985 decidiu-se transformar a piscina em «tanque de hidroterapia e ginásio», uma vez que estaria para breve a construção de uma piscina municipal162. Apesar desta nova dinâmica, a ARCIL mantinha-se próxima e vigilante a tudo o que rodeava o ensino especial. Na realidade, o final do ano de 1985 trouxe novas preocupações, numa altura em que muitas instituições atravessavam situações económicas precárias. Embora não afectada no imediato, a direcção decide agir antecipadamente, e participar numa campanha de sensibilização da opinião pública, para a questão, enquadrada na movimentação desenvolvida pela Federação Nacional de Cercis. Aos tempos de mudança correspondeu, de certo modo, a afirmação de práticas pioneiras. Em Janeiro de 1986 arrancou a renovação do que vinha sendo designado por «Serviço de apoio pela ocupação», levando-o para o exterior da escola, através da criação de um Centro Ocupacional Produtivo financiado com verbas do CRSS. O projecto da oficina de reparação de calçado, também designado por sapataria (e mais tarde ORCA), foi uma iniciativa da direcção assumida na reunião de 10/11/1982: «Arrancar-se com o projecto de uma oficina mecanizada de reparação de calçado, tendo como finalidade uma integração possível dos nossos alunos numa actividade à partida rentável por já escassearem os profissionais do ramo»163. Entrou em funcionamento a 12/04/1983, em imóvel cedido pela CML (uma loja) no edifício da Junta de Freguesia/Centro de Saúde, com entrada para a Rua do Comércio, na Lousã164 (vide fotos 43 e 44).

ADA – Livro de Actas da Assembleia Geral da ARCIL, 1979-1995, acta n.º 12, 05/02/1984, fl. 27v. Idem. Acta n.º 4, 14/10/1985, pgs. 12-13 163 ADA – Actas da Direcção da ARCIL, 1981-1985 (pasta), acta n.º 28, fl.1 164 «Oficina de Reparação de Calçado abriu na Rua do Comércio» In Trevim, 13/04/1983 161 162

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Estrutura de trabalho protegido rebeceu apoio técnico do CFP para a Indústria de Calçado, sedeado em SJ Madeira. Funcionou com 3 jovens sob orientação profissional do Sr. Juvenal, ficou totalmente mecanizada em poucos meses e seria ampliada nos princípios de 1986. Trouxe grande impacto interno e externo.

A OFICINA DE REPARAÇÃO DE CALÇADO «Numa altura em que as pessoas da Lousã sentem sérias dificuldades em arranjar um sapateiro que repare o seu calçado, a ARCIL, com o apoio da Câmara Municipal e com apoio solicitado ao Ministério do Trabalho, propõe-se responder a esta necessidade. Simultaneamente com esta resposta a uma carência da vila da Lousã, esta oficina permitiu-nos a criação de três postos de trabalho. Um deles é ocupado pelo senhor Juvenal, sapateiro profissional e deficiente físico. Os outros dois foram para a Nazaré e para o Carlos Alberto que, sendo ainda nossos alunos, fizeram uma formação que lhes permitiu integrar os postos de trabalho criados. O José Antunes, que também sofreu essa formação está na “lista de espera”. O trabalho que os nossos ex-alunos fizerem na oficina de reparação de calçado será um verdadeiro exame da qualidade do trabalho que desenvolvemos na A.R.C.I.L. Já após a composição do artigo anterior, soubemos que trabalho não tem faltado na nossa oficina…bem antes pelo contrário! O senhor Juvenal, a Nazaré, e o Carlos Alberto não têm tido mãos a medir. Olhe que, embora os sapatos estejam caros e um arranjozito sempre fique mais em conta, de vez em quando também é preciso comprar um par de sapatos novos…» [In Pequenada, N.º 11, Março/Abril, 1983]

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Foto 43 - A Oficina de Reparação de Calçado (ORCA) na Rua do Comércio

Foto 44 - A oficina de reparação de calçado (ORCA), anos 80 da esquerda para a direita: Carlos Alberto, Nazaré, Sr. Juvenal (monitor), José Manuel Antunes

O desporto tem raízes profundas na ARCIL. A natação para alunos da instituição ou de escolas da Lousã, a hidroterapia para casos mais graves, e as várias actividades desportivas desenvolvidas pelo Prof. Jorge Coelho logo nos primóridios da ARCIL constituem momentos decisivos. Nos anos 80 o desporto sofreu novo impulso, em especial o futebol de sala ou futebol de 5. Começou por encontros com equipas adversárias de outras escolas (ciclos preparatórios) mas, em 1985, deu-se a internacionalização: de 8 a 13 de Junho a equipa da ARCIL participaria num torneio europeu de futebol de sala, o «EUROPEAN SPECIAL SPORT 85»165. Ali estiveram presentes mais de 9.000 atletas de 16

«Desporto» In Pequenada, N.º 18, Março 1985

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países, a disputarem provas não só de futebol de sala, mas também de natação, atletismo, ginástica, entre outras. A equipa da ARCIL era constituída pelos seguintes atletas: João Paulo (Capitão de equipa), Paulo Alexandre (Sub-Capitão), Miguel António, Luis Vaz, Belmiro, Joaquim e António Reis. Em Junho de 1986, a ARCIL participou nos Campeonatos Europeus de Desporto Especial, realizados em Madrid-Espanha, com 13 representantes/ participantes em futebol de sala e atletismo, em juvenis e seniores (vide foto 45).

Foto 45 - Campeonato Europeu de Desporto Especial, Madrid, 1986

Foto 46 - Special Olimpics, Viana do Castelo, 1987

Foto 47 - Special Olimpics Tomar; Grupo de utentes com o monitor José Gaspar, 1989

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A 30 e 31 de Maio de 1986 realizaram-se, no Porto, os jogos Special Olympics, para deficientes mentais. A ARCIL participou com um total de 12 elementos, incluindo uma equipa juvenil no mini-futebol, sagrando-se campeã olímpica e uma de seniores no atletismo que obteve várias medalhas. Estes encontros que se sucederam nos anos seguintes (vide fotos 46 e 47) traziam ganhos psicomotores, para além de constituírem fonte de afirmação das pessoas com deficiência. Na verdade, o reconhecimento e a valorização social que acarretava era enorme. O trabalho com os deficientes profundos conduziria à admissão de muitos técnicos especializados, fruto do intercâmbio com outros países, pois em Portugal não existia nenhuma especialidade para trabalhar com pessoas com deficiência. Essa necessidade acentuar-se-ia com o crescimento físico e humano (técnico) da instituição, como se deduz da reunião da direcção de 09/01/1984 onde se trocaram impressões sobre a «…necessidade de, a médio prazo, se aumentar o grau de qualificação do quadro técnico da ARCIL, nomeadamente através da admissão de técnicos especializados»166 Em Setembro de 1982 a direcção da associação congratulava-se e agradecia o trabalho realizado pela voluntária holandesa Adrienne Willerusen: «…durante dez meses, permitindo a resolução dos problemas colocados durante bastante tempo e referente ao trabalho a executar na sala dos deficientes profundos. Esse trabalho, além do directamente executado com os alunos, consistiu num completo conjunto de sugestões que a Direcção do Centro analisou e considerou bastante pertinentes, permitindo uma planificação muito mais correcta para o presente ano lectivo do trabalho pedagógico a executar na referida turma»167. Em Junho de 1983 e analisado o trabalho realizado naquela sala era avaliado pela direcção: «como bastante positivo, decidiu-se procurar criar todas as condições que permitam a continuidade da evolução técnico-pedagógica registada na referida sala»168.

ADA – Actas da Direcção da ARCIL, 1981-1985 (pasta), acta n.º 5, 09/01/1984, fl. 2 ADA – Actas da Direcção da ARCIL, 1981-1985 (pasta), acta n.º 26, 28/09/1982, fls. 1-2 168 Idem. Acta n.º 1, 27/06/1983, fl. 1

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Algumas especialidades fundamentais, como a psicologia conhecem tempos de desenvolvimento: em Outubro de 1986, dá-se a abertura de um gabinete de psicologia da responsabilidade de Mário Pereira e Fernando Silva, onde ficam a trabalhar uma tarde por semana após as 15h, prestando relevante serviço à comunidade e trazendo clientes externos. Os tempos de mudança valiam tanto para aspectos positivos como negativos. Neste último campo, e dada a conjuntura, o final de 1986 trouxe a notícia das dificuldades sentidas pelos Companheiros Construtores. Estes, que tanto haviam auxiliado a ARCIL, solicitavam agora auxílio económico para sobreviver: «Analisada a sua valiosa intervenção quer com trabalho próprio quer na ajuda à aquisição de subsídios de diversas entidades estrangeiras e ainda atendendo à existência de um [subsídio] a fundo perdido de 200 contos, daquela instituição à ARCIL foi decidido que de imediato aquela importância fosse restituída»169. Tempos de mudança também ao nível da formação externa e interna. Inovação do ponto de vista técnico seria a realização em meados de 1987 do encontro sobre temas de educação especial. Toda a dinâmica instalada em redor da ARCIL acentuou a curiosidade de outras instituições que também se dedicavam à reabilitação, as quais acorriam à Lousã, em visitas aos diversos espaços e sectores. Tal foi o caso da CERCIMOR cuja direcção, acompanhada de vários técnicos, se deslocaram à Lousã por volta de 1986. Leonardo da Conceição, psicólogo na dita instituição recorda os contornos daquela viagem: «A ARCIL era na altura uma referência, por isso a escolhemos para visitar tendo em vista o desenvolvimento organizacional. Fiquei com a impressão que a ARCIL era uma coisa grande que era o caminho que tinha de ser feito por muitas outras organizações e, sobretudo, ao nível da produção que não estava ainda na perspectiva das organizações. Nas várias visitas que depois fizemos foi ficando a noção de uma instituição que tinha as várias dimensões que eram necessárias em ter-

ADA – Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 1985-1997, acta n.º 14, 11/12/1986, p. 34

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mos de suporte de vida para as pessoas: a dimensão da residência, os pais estavam a ficar envelhecidos, as crianças estavam a ficar adultas, portanto era uma resposta necessária; a dimensão da produção, os miúdos já começavam a ser jovens e adultos e necessitavam de um trabalho, independentemente dos locais; e ainda a questão de abordagens diferentes das que eram feitas por outras instituições a vários niveis»170. Foi também pelo referencial que a ARCIL representava no contexto nacional que Luís Pedroso de Lima, então Presidente da APPACDM de Coimbra, visita a instituição da Lousã, em meados dos anos 80: «Quem era a melhor associação de deficientes do Distrito de Coimbra? A ARCIL, de longe a referência!. Fui lá para aprender. Nós vivíamos com os deficientes fechados em casas, sem qualquer ideia de futuro. Aquilo era um ATL; não tinham qualquer hipótese de evoluir na vida. Começo a contactar com a ARCIL, na altura em que estavam a trabalhar com as vias profissionais, ou seja; estava a sair do âmbito da Segurança Social e a entrar pela porta do Instituto de Emprego e Formação Profissional»171. Devido à crescente procura da ARCIL como espaço de visita, estudo e conhecimento, a direcção foi obrigada a definir um dia da semana destinado a receber visitantes (vide gráfico 1). Na sua maioria eram provenientes dos serviços regionais e nacionais ligados a esta temática, instituições estrangeiras, bem como instituições congéneres e escolas. 40

Visitas à ARCIL

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Visitas feitas pela ARCIL

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Gráfico 1 - Visitas à ARCIL e visitas feitas pela ARCIL a outras entidades

Leonardo da Conceição entrevistado por João Pinho, 19/12/2013 Luis Pedroso de Lima entrevistado por João Pinho, 08/03/2014. Foi Governador Civil do Distrito de Coimbra, vogal do conselho directivo do CRSSC entre maio de 1986 e e agosto de 1988 e presidente do Conselho Directivo entre agosto de 1988 e junho de 1989. È, actualmente, administrador do Hospital dos Lusíadas.

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1.3. A PRIORIDADE DAS PRIORIDADES: A INTEGRAÇÃO DOS INDIVÍDUOS PORTADORES DE DEFICIÊNCIA

Em meados dos anos 80 a integração escolar e profissional dos indivíduos portadores de deficiência constituia a prioridade das prioridades da ARCIL. Para tal foi fundamental, na escola, o estabelecimento do plano de ligação Escola-Família e Professor-Aluno, e, a aposta na integração social pela via da modificação de comportamentos e criação de hábitos de trabalho. Jean Michel Gueguigner (Director do Centro Bretanhe Atellier e Presidente do Groupemente des Ateliers Protéges), que ficou surpreendido com essa dinâmica quando visitou a instituição pela primeira vez, define este modelo com a expressão: «integração social à escala regional, muito original e modelar na época 172. Durante grande parte da década, a Educação Especial em Portugal permaneceu sem enquadramento legal claro e sem uma política global. Dois tipos de estrutura, Centros de Educação Especial e Equipas de Ensino Especial Integrado dividiam o atendimento aos alunos portadores de deficiência: os Centros de Educação Especial (caso da ARCIL) atendiam deficientes mentais profundos e severos e multideficientes e desenvolviam apoio ocupacional, formação pré profissional e emprego protegido, enquanto as Equipas de Ensino Especial atendiam deficientes mentais ligeiros, deficientes motores ou sensoriais, e desenvolviam intervenção de cariz pedagógico. Perante os obstáculos que surgiam no terreno, o Conselho Pedagógico da ARCIL elaborou um relatório, datado de 15/01/1985, diagnosticando os problemas e tendo em vista a evolução positiva do ensino especial a nível regional. Assim e quanto a problemas assinalava: a dificuldade em fazer a fronteira, em idade escolar, entre os indivíduos a apoiar pelo centros e pelas equipas; e a necessidade imperiosa do Ministério da Educação criar uma Equipa do Ensino Integrado «na nossa área de acção»173, numa altura em que o atendimento das

Jean Michel Gueguigner entrevistado por Marta Ramos, Maio 2011 ADA - «Perspectivas de evolução para os próximos dois anos», In ARCIL HISTORIAL E

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CARACTERISTICAS, 1985

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crianças e jovens portadores de deficiência dos concelhos da Lousã, Miranda do Corvo e Góis era assegurado por duas entidades distintas: ARCIL e Equipa de Ensino Integrado de Coimbra. A partir do momento em que entrou em funções o XI Governo Constitucional (1987-1991) a ARCIL beneficiaria também de uma plena sintonia e compreensão da parte dos titulares das pastas governativas: Silva Peneda (Ministro do Emprego e da Segurança Social) e Bagão Félix (Secretário de Estado do Emprego e Formação Profissional). Como refere o ex-Secretário Nacional da Reabilitação e Director de Serviços do IEFP na época, António Charana, aqueles governantes «nunca regatearam apoios, deram sempre todo o apoio possível». Esta atitude estender-se-ia à liberdade na escolha da sua equipa: «Tinha um grupo de técnicos que eu havia escolhido e que eram do melhor que havia no país, que fui buscar às instituições e que criaram um esteio técnico que de facto era imbatível. As orientações técnicas eram compreensíveis pelas instituições porque muitas delas emanavam das práticas que elas próprias tinham»174.

CENTRO DE RECURSOS PARA A INCLUSÃO ESCOLAR A inclusão de alunos com NEE no sistema regular de ensino só veio a ter expressão legislativa com o DL 319/91, de 23 de Agosto; no entanto, em termos práticos, a ARCIL iniciou experiências neste âmbito em 1979/1980, promovendo a abertura do sistema escolar e da sociedade à inclusão em idades precoces de forma a facilitar todo o processo subsequente de inclusão social e profissional dos jovens e adultos com deficiência. É reconhecido por todos os agentes da área da reabilitação que estas primeiras experiências de inclusão de crianças com deficiência nas estruturas regulares de ensino estiveram na origem da publicação do referido decreto-lei, generalizando a todas as crianças e jovens com NEE a frequência da escola, com os apoios técnicos e pedagógicos necessários.

António Charana entrevistado por João Pinho, 19/12/2013

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A educação especial visa a concretização de liberdades e direitos fundamentais de educação, nos termos da Constituição da República, e no respeito pelos princípios e objetivos fundamentais que enforma as bases do desenvolvimento da educação e as bases da prevenção, habilitação, reabilitação e participação da pessoa com deficiência. A educação especial visa responder a necessidades educativas especiais, resultantes de limitações significativas ao nível da atividade e da participação num ou vários domínios de vida, decorrentes de alterações funcionais e estruturais de caráter permanente, resultando em dificuldades continuadas ao nível da comunicação, aprendizagem, mobilidade, autonomia, relacionamento interpessoal e participação social, dando lugar à mobilização de serviços especializados para promover o potencial de funcionamento psicossocial. A educação especial tem por objetivos a inclusão educativa e social, o acesso e o sucesso educativo, a autonomia, a estabilidade emocional, bem como a preparação para a continuação do percurso escolar ou para a adequada transição da escola para a vida pós-escolar ou profissional. Na sequência da publicação do DL 3/2008, de 07 de Janeiro, que consagrou os Apoios Especializados a prestar na Educação Pré - Escolar e nos Ensinos Básico e Secundário dos sectores público, particular e cooperativo, a ARCIL foi credenciada como Centro de Recursos para a Inclusão. Através da apresentação de Planos de Ação ao Ministério da Educação, o Centro de Recursos para a Inclusão é financiado para assegurar intervenção especializada aos alunos com NEE nas áreas de Psicologia, Terapia da Fala, Terapia Ocupacional, Fisioterapia e na Transição para a Vida Pós Escolar. São considerados alunos prioritários para apoio aqueles que frequentam Unidades de Apoio à Multideficiência e Unidades de Ensino Estruturado para alunos com Perturbações do Espectro do Autismo, a frequentar os Agrupamentos de Escola da Lousã, Góis, Miranda do Corvo e Pampilhosa da Serra. Ao nível escolar importa perceber a dinâmica subjacente ao desenvolvimento do Sector Integrado na ARCIL, bem como o pioneirismo ao nível da desinstitucionalização. Nos princípios dos anos 80 o Ministério da Educação 194

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defendia a política da institucionalização dos deficientes. Mas, estar institucionalizado não era solução: na maioria dos casos as pessoas passavam os dias fechadas dentro de instituições não tendo qualquer contacto, nem com a vida activa, nem com o exterior. De certo modo, e como recorda Luis Pedroso de Lima, na época presidente da APPACDM, a tutela não compreendia a dinâmica de algumas instituições, fosse aquela que dirigia ou a ARCIL: «pelo contrário o que havia aqui eram escolas de ensino especial e centros de especialização em trabalho para pessoas com deficiência. Pelo que a sociedade foi especializando e assumindo aquilo que o Estado não foi capaz de fazer. Era a nossa perspectiva»175. Defendendo, desde o início, a corrente promotora da integração de crianças com atrasos de desenvolvimento, nas estruturas regulares de ensino, a ARCIL preocupou-se em promover a integração de crianças com atrasos moderados. Quando, em 1985 o Ministério da Educação investe na Inclusão Escolar e toma medidas nesse sentido, a ARCIL já tinha, de alguma forma, antecipado essas decisões: no ano lectivo de 1979/1980 ocorrera a primeira experiência de integração de crianças portadoras de deficiência, no Jardim de Infância da Santa Casa da Misericórdia da Lousã com grupo de 2 crianças (Tucha e o Jorge). Os resultados desta experiência foram animadores e levaram a ARCIL a tentar alargar o seu âmbito. A 09/04/1981 aprovou-se o projecto de integração da classe infantil, que veio a ser implementado em 1982/1983, com integração de crianças portadoras de deficiência em Jardim de Infância da rede pública (vide conjunto de fotos p. 197). Tal facto constituiu uma inovação visto acontecer antes da legislação sobre o tema. Para Maria João Cruz, educadora de infância a partir do ano lectivo 1976/77, a ideia da integração escolar deveu-se a três pessoas: à Ana Bénard da Costa, responsável nacional da educação especial, ao psicólogo Mário do Carmo Pereira e, ao Professor Ernesto Carvalhinho176. A ARCIL seria pioneira, uma vez mais, na integração de crianças portadoras de deficiência em salas regulares e salas de apoio permanente em Jardim de Luis Pedroso de Lima entrevistado por João Pinho, 08/03/2014 Maria João Cruz entrevistada por João Pinho, 19/10/2013

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Infância da rede pública com o apoio de 1 educadora e 2 auxiliares da ARCIL. O projecto concretizou-se em duas modalidades177: - 1ª: Uma classe especial funcionando em ligação à ARCIL, para crianças com atraso de desenvolvimento grave e profundo. Envolveu três estruturas: a ARCIL, Câmara Municipal e a escola Pré-Primária da Lousã. A Câmara Municipal cedeu à ARCIL uma sala para funcionar a classe especial (sala de apoio permanente), na escola pré-primária; esta aceitou que a classe especial funcionasse no seu edifício e simultaneamente aceitou crianças com atrasos de desenvolvimento nos seus grupos; a ARCIL garantiu o funcionamento da classe especial em meios técnicos e materiais e além disso assegurou as infraestruturas necessárias para que o grupo frequentasse a pré-primária, nomeadamente transporte e alimentação, assim como, apoio técnico de especialistas. - 2.ª: A integração plena de crianças com atrasos de desenvolvimento moderados e leves. A ARCIL propôs ao Ministério da Educação a integração nas escolas das crianças que apoiava em classes especiais. O desafio foi aceite como projecto-piloto. E as escolas locais responderam ao desafio: «A ARCIL tomou um rumo. Deixou de ser uma escola especial. A aprendizagem tinha de ser num meio inclusivo. As nossas crianças, os nossos jovens em idade escolar tinham de ir para a escola. E a ARCIL como Centro de Recursos deveria era apoiar o ministério da educação nas escolas»178. Como refere Filomena Pereira a ARCIL seria pioneira neste processo de desinstitucionalização «juntamente com a CERCIAV e muitos anos antes da Declaração de Salamanca»179. Uma situação que provocaria uma mudança fundamental, que acontece antes da publicação de legislação sobre o tema, contando com o apoio de Ana Benard, responsável nacional da educação especial. Esta figura incontornável da luta pela dignificação e reabilitação da pessoa portadora de deficiência recorda,

ADA - «Visão Histórica» In INTEGRADO (Dossier) João Graça entrevistado por Marta Ramos, 09/02/2011 179 Filomena Pereira entrevistada por João Pinho, 08/03/2014 177 178

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Integração Escolar

1983 - Jardim infantil (sala de ensino especial em convívio com a sala regular)

Escola primária (sala de apoio), Fernanda (educadora), final dos anos 80

Escola Primária (ao fundo um aluno na escola com computador), final da década de 80

Escola primária (refeitório), meados dos anos 80 Fernanda Baptista, directora (ao fundo)

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sobre o assunto, o documento que escreveu intitulado «Novos rumos para a educação especial», que foi discutido 5 dias no Inatel (Luso) por um grupo de trabalho que preparou a legislação vertida no DL 319/91 de 23 de Agosto - onde se dispôs que os alunos com necessidades especiais, devem frequentar estabelecimentos públicos de ensino dos níveis básico e secundário. Entre as muitas reflexões e conclusões tiradas naquele encontro destaca a de maior impacto ideológico: «Não há razão para haver esta segregação da criança com deficiência mental. Vamos iniciar e tentar ter as crianças na sala de aula ou na escola». E assim se fez a experiência de integração em certos locais, embora os deficientes motores já estivessem em salas regulares. Porém, a mudança era profunda e mexeu com um sistema e práticas até então consideradas como correctas: «Isto vinha contradizer o que tinham feito anteriormente, de criar escolas especiais e apoiar escolas especiais. Começámos a debater com as CERCI’S se eles não queriam entrar neste movimento e fazer a experiência de integração das crianças apoiando os técnicos que eles tinham, pois no Ministério não tínhamos técnicos disponíveis. A proposta foi: eles ficam com os mais velhos e mais profundos»180 Porém, a reacção foi consideravelmente negativa, na medida em que muitas CERCIS e associações se manifestaram contra a proposta. Mas, conta-nos Ana Bénard, esse não foi o caso da ARCIL: «Este problema e proposta foram colocados na Lousã e encontrei da parte do Carvalhinho uma abertura total. Sim senhor, vamos por as crianças nas escolas, vocês pôem lá os professores de apoio, nós colocamos os nosso técnicos no apoio às crianças, desenvolvendo o aspecto profissional em que já vinham trabalhando. E foi assim, uma relação favorável, que correu bem. Foi um exemplo, em nenhuma parte correu tão bem o desenvolvimento da ideia de integração». A legislação, já referida e publicada em 1991, tornou obrigatória para todas as crianças com deficiência a frequência escolar, independentemente da

Ana Bénard entrevistada por Marta Ramos 2011

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complexidade ou tipo de deficiência. Um momento de viragem, no entender de Filomena Pereira: «Até então qualquer entidade, como junta de freguesia, padre, etc. poderia atestar que a criança não poderia ir à escola e era melhor ficar em casa, ficando assim dispensados. Resultou duma negociação entre o Sector da Educação e da Segurança Social, pois implicava uma transferência de responsabilidade e de orçamento, estivessem as crianças em contexto integrado ou em contexto de instituição de educação especial»181. Ainda assim, o processo de integração comportou algumas dificuldades, aqui expressas por António Maio, pai de 3 filhos, dois deles com problemas: «Foi difícil. Na altura e na escola alguns pais quase nos insultaram pela integração. A nossa filha foi prejudicada na escola e ciclo preparatório, por ter irmãos deficientes. Havia uma discriminação. Teve de mudar da Lousã para Coimbra»182 Pelo contrário, Rui Ramos, na evocação da sua adolescência, destaca as mais-valias do processo integrativo: «Eu sou fruto da integração escolar. Eu não tinha necessidades especiais, mas havia alguns colegas meus que tinham. Quando a ARCIL faz as primeiras experiências de integração escolar, para minha sorte algumas foram feitas em turmas minhas. Essas crianças tiveram uma resposta e eu cresci de uma forma muito mais adequada»183 Na prossecução dos seus objectivos, a ARCIL vinha orientando um Centro de Ensino Especial que, para além de outros recursos, contava com Educadores de Infância e professores destacados pelo Ministério da Educação, e com técnicos e pessoal auxiliar, com vencimentos subsidiados pelo mesmo Ministério. Por seu lado, a Equipa de Ensino Integrado de Coimbra disponibilizava dois professores para o Município da Lousã. Estas instituições, que trabalhavam uma mesma área, haviam chegado à mesma conclusão: «Após alguns anos de trabalho, verifica-se que a actuação em

Filomena Pereira entrevistada por João Pinho, 08/03/2014 António Maio entrevistado por João Pinho, 01/07/2013 183 Rui Ramos entrevistado por João Pinho, 23/01/2014 181 182

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prol da educação de crianças e jovens deficientes em idade pré-escolar e escolar deve ser implementada em diferentes moldes de modo a ser fomentada a sua integração escolar e a ser garantida uma maior qualidade na actuação técnica e pedagógica»184. Da análise positiva aos resultados destas experiências concluiu-se que os antagonismos entre Centros de Educação e Equipas de Ensino haviam dado lugar a um saudável processo de cooperação. Assim, em 1987 a instituição considerou que estavam reunidas as condições para o alargamento da Integração propondo formalmente à DEE um projecto, de base concelhia, para a integração de todas as crianças nas escolas regulares do 1º ciclo, reforçando a necessidade de criação de uma Equipa de Ensino Especial na Lousã. Nascia assim o Projecto Integrado da Lousã (PIL), cujo acordo de cooperação (e constituição da Equipa Coordenadora) foi assinado a 18/02/1987, entre a Direcção da ARCIL e DREC (Divisão de Ensino Especial - Coordenação Regional Centro Litoral). O projecto tinha, como linhas gerais: • Uma integração escolar (a nível total, parcial ou simplesmente de ordem sócio-educativa) das crianças e jovens actualmente inscritos na ARCIL • Uma transferência dos Educadores e Professores destacados na ARCIL e que orientam classes pré-primárias e primárias para uma Equipa de Ensino Integrado (1.ª Equipa de Ensino Especial) a criar na Lousã, ou seja; professores e educadores destacados até aí na ARCIL passaram a ser destacados para a equipa oficial que o Ministério da Educação tinha para apoiar a Integração (Equipa de Educação Especial), ficando a gestão do projecto a cargo da ARCIL, sendo o Presidente da Direcção, o seu representante. • Uma participação da ARCIL, através dos seus técnicos e pessoal auxiliar (Psicólogo, Terapeutas e Vigilantes com funções pedagógicas, no apoio educativo às crianças a integrar) • A formação de professores pela DREC.

ADA - Projecto Integrado da Lousã, 1987 (pasta)

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E assim se deu a integração de crianças portadoras de deficiência em Escolas do 1.º ciclo da Lousã, em salas de ensino regular e de apoio permanente (seis anos após a primeira experiência de integração de crianças portadoras de deficiência, no ano lectivo 1979/1980 na creche da Santa Casa da Misericórdia da Lousã). Uma modalidade de integração escolar que assentava, pela primeira vez na história, na integração de crianças com problemas cognitivos graves e que só veio a ter expressão legislativa muito mais tarde, com o DL 319/91 «…o que significa em termos práticos, que a ARCIL sustentou a integração destas crianças, durante 5 anos, no vazio deixado pelo Estado»185. Aliás, é reconhecido por todos os agentes da área da reabilitação que estas primeiras experiências de integração de crianças com deficiência nas estruturas regulares de ensino estiveram na origem da publicação do referido decreto-lei, que estabeleceu a integração dos alunos com necessidades educativas especiais nos estabelecimentos públicos de ensino. Mas tudo derivava duma filosofia institucional, que a Prof.ª Clara Bandeira exprimiu em 1998 de forma eloquente: «Se é verdade que as pessoas com deficiência em tudo nos ajudaram para humanizar a escola, também é verdade que em tudo nos ensinaram para uma nova filosofia de intervenção institucional, e neste sentido, gostaria de referir que por um lado, a A.R.C.I.L. tem investido na adaptação às novas necessidades sociais que se inscrevem na nossa realidade actual e por outro, abandonou, de facto, a cultura assistencialista, preferindo um modelo estimulador e potenciador dos próprios recursos da comunidade em prol do processo de reabilitação e integração da pessoa com deficiência. Este modelo, que se iniciou nos anos 80, assente nas aprendizagens resultantes do trabalho em parceria da A.R.C.I.L. com outras instituições congéneres dos países europeus. Estas experiências permitiram-nos concluir que em matéria de reabilitação e integração já nada é possível fazer-se de forma isolada e quem, ainda, o tentar arriscar não será, com certeza, bem-sucedido nos aspectos sociais»186. Maria Clara Mercês Almeida Nogueira Bandeira - «Percurso da Integração/Inclusão no Concelho da Lousã», 15/12/1998 In Dossier I (INTEGRAÇÃO ESCOLAR). Clara Bandeira esteve destacada na ARCIL desde 1977 como professora, integrando em 1987 a Equipa de Ensino Especial da Lousã. Em 1989 iniciou funções na E.B. 2,3 da Lousã no apoio dos alunos com currículo alternativo. Foi coordenadora da Equipa de Ensino Especial da Lousã e da Pampilhosa da Serra, de 1989 a 1993. 186 Maria Clara Mercês Almeida Nogueira Bandeira - «Percurso da Integração/Inclusão no Concelho da Lousã», 15/12/1998 In Dossier I (INTEGRAÇÃO ESCOLAR). 185

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Esta realidade guindou a ARCIL a um novo patamar: «Integração escolar em todos os graus de ensino tornou-se uma referência nacional e internacional da ARCIL. Vinham visitar-nos de todo o lado»187. Em 1988, e tendo em vista o alargamento da Integração Escolar, a ARCIL assinou acordo de cooperação com a DREC – Dir. Regional de Educação do Centro - para o Projecto de Integração Escolar de crianças e jovens com deficiência / Necessidades Educativas Especiais em todos os níveis de ensino e em meios o menos restritos possíveis. A ARCIL comprometia-se a assegurar uma equipa de Técnicos – Psicólogo, TSS, Prof. Educação Física e Trabalhos Manuais, Terapeuta da Fala, Fisioterapeuta e Auxiliares com funções pedagógica que possam apoiar de forma mais completa as crianças e jovens e que as Equipas de Educação Especial, constituída apenas por Professores e Educadores, não possuiam. A instituição comprometeu-se de igual forma a assegurar o transporte e quando necessário a alimentação das crianças e jovens, bem como algum material didáctico, cabendo a ambas as entidades, ARCIL, DREC, a aprovação de todo este Projecto Pedagógico. Em 1989/1990, e corolário desta colaboração, implementou-se a integração de crianças portadoras de deficiência em Escolas do 2.º e 3.ºciclos (vide foto 48), levando ao aparecimento, tal como noutros concelhos do país, do Modelo de Atendimento destinado a crianças e jovens com necessidades educativas especiais decorrentes de problemas graves de motricidade e cognição. Sobre as vantagens da integração escolar, Clara Bandeira, professora primária, recorda também um projecto que particularmente lhe tocou: «Na actual EB 2/3 da Lousã fiz uma casinha, a ARCIL comprou os materiais e foi uma maravilha. Os meus alunos aprenderam ali tudo: ciência, matemática, português. Até a lavar a louça e a limpar!»188. Nos princípios de 1991, complementarmente, a ARCIL e a DREC elaboraram projecto conjunto para não interromper os apoios durante as interrupções lectivas do Natal, Páscoa e Verão, sendo Directora Regional de Educação do Centro, Fernanda Mota Pinto. Maria João Cruz entrevistada por João Pinho, 19/10/2013 Clara Bandeira entrevistada por João Pinho, 19/10/2013.

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Foto 48 - A inclusão no 2.º ciclo, EB 2,3 da Lousã (sala de apoio)

Para Mário do Carmo Pereira189 a integração escolar foi um momento único e pioneiro: «A coisa que mais me marcou e que ainda hoje é uma inovação foi a inclusão escolar dos deficientes. Fomos os primeiros a acabar com uma escola especial e conseguimos fazer isso em 1987 ou 88. As lutas da inclusão escolar foram momentos loucos, mas marcantes e decisivos que permitiram criar soluções que ainda hoje não são consensuais. Mas são coisas positivas que se conseguiram. A meu ver esse foi o maior legado que a ARCIL deixa, em termos gerais» Mário do Carmo Pereira sairia da ARCIL em 1989, fruto de discordância profunda com Ernesto Carvalhinho. Para José Gaspar este foi um momento importante para a instituição: «Foi a primeira grande cisão na ARCIL, traduzindo um conflito entre as áreas pedagógica e produtiva que já vinha de trás»190. Nesta luta pela integração dos deficientes na sociedade é de salientar os frutos da relação parceira entre a ARCIL, presidida por José Ernesto Carvalhinho, e o Centro Regional de Segurança Social de Coimbra e a APPACDM de Coimbra, instituições ao tempo dirigidas por Luis Pedroso de Lima: «Estas trocas entre a ARCIL, o CRSS e a APPACDM deram como resultado que nós nos colámos ao movimento que a ARCIL estava a desenvolver

Foi director pedagógico, psicólogo e membro da direcção. Desempenhou vários cargos na

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coordenação pedagógica. Entrou em 1981 e saiu em 1989. Nascido em 1957, natural do concelho de Vouzela (Distrito de Viseu). Entrevistado por Marta Ramos, 2011

José Gaspar entrevistado por João Pinho 16/12/2013

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e procurámos ao mesmo tempo criar elementos facilitadores para um projecto estratégico mais global que era a integralidade do distrito e a integralidade das coberturas e valências, ou seja: encontrar um mecanismo de interagir com estes players todos para que se conseguisse fazer duas coisas ao mesmo tempo: cobrir integralmente o território do distrito de Coimbra e encontrar respostas para as pessoas com deficiência também no distrito de Coimbra, desde o nascimento até à morte. Neste movimento peço ao José Ernesto para acompanhar o crescimento da ARCIL, sobretudo na zona Lousã, Miranda do Corvo, Góis, Pampilhosa, enquanto a APPACDM cobriria Arganil, Poiares, Penacova, Cantanhede. Havia em Oliveira do Hospital a ARCIAL, a CERCIMIRA, e em Coimbra a APPACDM e a CERCICOIMBRA (que entra em processo de falência e vem a integrar a APPACDM). Em Tábua havia a Santa Casa da Misericórdia. Creio que no todo nacional não se fizeram grandes alterações em relação ao que fizemos em Coimbra: ter uma cobertura a nível das pessoas com deficiência integral, no distrito. É o único que ainda mantém isso»191. Foi neste sentido que, em Julho de 1986, a ARCIL passou a integrar a Comissão Regional de Deficientes do Centro (CRDC), constituída em cerimónia realizada no Governo Civil de Coimbra. Tinha como principal objectivo a promoção e a defesa da população deficiente atendida pelas instituições sediadas no distrito de Coimbra. De acordo com o seu mentor, o próprio Luís Pedroso de Lima, o novo órgão tinha subjacente uma ideia aglutinadora: «Tentámos criar um organismo que tivesse uma política integrada para a deficiência e mantivesse a autonomia das associações todas mas que ajudasse a cumprir um projecto comum de cobertura. Nunca funcionou muito, mas teve no arranque o projecto de distribuição de carrinhas. Servia muito para discutir experiências 192.

Luis Pedroso de Lima entrevistado por João Pinho, 08/03/2014 «ARCIL integra Comissão Regional» In Trevim, 01/08/1986. Luis Pedroso de Lima entrevistado por João Pinho, 08/03/2014

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A ARCIL NA VIDA DE MÁRIO DO CARMO PEREIRA «Como director pedagógico travei algumas batalhas internas e externas, quer dizer a grande questão, a minha questão que me mudou como psicólogo e a minha crença em algumas coisas, foi de facto perceber que há miúdos que vinham para a formação vindos da escola e que tendo deficiências mais graves do que aqueles que tínhamos connosco desde pequenitos a trabalhar connosco na escola especial, eram mais capazes. Vinham de fora, sabiam mais, mais desenrascados, mais capazes, mais adaptados, sabiam ler e escrever mais, apesar de não terem tido nenhum acompanhamento especial por parte da escola ou professores, até isso sabiam mais. E aí percebi que as escolas especiais tinham um potencial imenso para criar problemas às pessoas difíceis de resolver. E foi ai que optamos por uma solução radical, que ainda hoje é considerada uma coisa radical, que foi acabar com a escola especial e colocá-los na escola normal. Foram momentos de grande luta interna, porque nem todas as pessoas queriam e havia professores lá instalados que deixaram de ter o seu posto de trabalho lá. Foram momentos interessantes. Se há uma coisa em que estive envolvido e que teve uma repercussão ai e noutros sítios, foi mesmo aí. Destaco outras coisas: apoios aos adultos, por exemplo. o que se conseguiu fazer na ARCIL foi muito importante. A ARCIL foi a primeira a não descriminar as pessoas em relação à idade, a aceitar pessoas de todas as idades, coisa inovadora na altura, mas as abordagens utilizadas foram mais tradicionais, mais consistentes, mais seguras. Os momentos em que tive de defender os miúdos e as famílias nas escolas foram muito marcantes. Em especial a defesa de um rapazinho que esteve 4 anos na escola especial da ARCIL, lia e escrevia muito pouco. Depois foi para a escola normal, para uma turma com 20 miúdos, um professora nova, pouco experiente, um mínimo de apoio com uma professora de educação especial, umas horas por semana, e ao fim do 1º ano de estar na escola regular, tinha cumprido o programa do 1º e do 2º ano. Era o Amílcar, Nico-Pico??? Esse exemplo fez ter a certeza que há coisas que são certas. E esta foi uma das que convenceram que o fim da escola especial era o caminho certo. Para que ele ficasse na escola, tive uma reunião em que várias pessoas saíram a chorar. Mas foi importante para o desenvolvimento dele. CAPÍTULO 3 – Um Longo Caminho: 1981-1994

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Sou acérrimo defensor da integração escolar. Defendo que os deficientes mais profundos devem ir para a universidade. Porquê? Porque é vida. A vida existe no sítio onde estão as pessoas. As utopias têm um poder modificador no mundo» [Mário do Carmo Pereira entrevistado por Ana Marta Ramos, 2011]

De facto, a Associação, sempre a inovar, criou um movimento inverso à maioria dos casos, procurando constante abertura à comunidade, hoje um aspecto central da integração e reabilitação, reconhecido consensualmente pelos especialistas neste domínio. Assim, já nos primeiros anos de inclusão escolar, era prática comum a turma da criança com deficiência deslocar-se à ARCIL para fazer por exemplo a aula de Educação Física, promovendo assim a abertura à comunidade e dando corpo àquilo que nas palavras do Professor João Graça, se define como «abrir os portões de Cabo do Soito», não no sentido de saída, porque essa sempre existiu, mas sim para a entrada de toda a gente: ARCILsaúde, ginásio, piscina, campo de basquetebol, venda de produtos agropecuários,madeiras, isto é as pessoas entravam porque lhes era dado acesso a respostas de que não dispunham na comunidade. Na década de 80 e à medida que as primeiras crianças cresciam, a ARCIL começa a ter a preocupação da formação profissional. Inicialmente desenvolve-se a formação designada de “pré-profissional”, que consistia em oficinas de carpintaria, serralharia, cerâmica e agro-pecuária e, que mais tarde veio a dar origem ao desenvolvimento da formação profissional propriamente dita. No sector da Pré-Profissionalização a direcção regozijava-se, pelo final do ano de 1985, com a boa adaptação dos seus alunos, fazendo pensar no aumento da capacidade de resposta. Assim, e em Julho de 1985, começou a planear-se a integração de um aluno numa área profissional na Escola Secundária da Lousã, caso viesse a funcionar o curso profissional de Electricidade193. Esta integração constituiria um marco muito

ADA – Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 1985-1997, acta n.º 1, 01/07/1985, p. 4

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importante: a primeira integração na escola secundária, com currículo adaptado, pelo aluno João Paulo Laranjeira Pinto, num caso de enorme sucesso dada a integração posterior no mercado de trabalho, tendo estado 18 anos a trabalhar numa empresa, a Montadores Reunidos de Electricidade Ld.ª. No final do ano seguinte frequentavam a escola secundária 3 alunos: João Paulo, Mário Jorge e João Henriques. Mas o programa fundamental seria o Fundo Social Europeu. Em Maio de 1985 começou a discussão com o Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) e Secretariado Nacional da Reabilitação (SNR) tendo em vista a integração do projecto da ARCIL no Fundo Social Europeu. A sua aceitação, como nos explica Ana Abrantes seria de uma importância extrema: «Permitiu uma organização e dinâmica diferente na formação e o acesso a programas europeus, que a ARCIL sempre aproveitou de uma forma muito presente. Foi um marco em termos de desenvolvimento, de conhecimento, de práticas, de trocas de experiências, de know-how»194.

FORMAÇÃO PROFISSIONAL Em Janeiro de 1986 a ARCIL abriu o seu Centro de Formação Profissional, enquadrado e cofinanciado pelo Fundo Social Europeu. Ao longo de quase 30 anos, um número muito significativo de jovens e adultos com deficiência ou incapacidade obtiveram uma qualificação profissional em áreas tão diversificadas como a Construção Civil e os Têxteis, a Serralharia Civil e de Alumínios, os Serviços Administrativos, a Carpintaria de Limpos, a Olaria/Cerâmica e a Agro-pecuária, para citar apenas algumas das áreas formativas desenvolvidas. Ao longo do seu percurso foi sendo protagonista de algumas inovações tais como a Formação em Contexto de Trabalho, a qual permitia alargar o leque da oferta formativa e uma resposta à individualidade de cada jovem/adulto, bem como a Formação à Distância, a qual promovia a acessibilidade a pessoas com graves deficiências/incapacidades motoras. Ana Abrantes entrevistada por Marta Ramos a 24/02/2011. Entrou na ARCIL em 1990. Psicóloga Clinica e responsável pela área da formação profissional

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A Formação Profissional destina-se pessoas com deficiências e incapacidade, com idade legal mínima para prestar trabalho, que pretendam ingressar ou reingressar no mercado de trabalho e que não possuam uma habilitação profissional compatível com o exercício de uma profissão ou ocupação de um posto de trabalho. A população em formação é diversificada: jovens/adultos com deficiências intelectuais, psicológicas, de linguagem, auditivas, músculo-esqueléticas, entre outras, e com diversas incapacidades que se podem constituir como fator de exclusão social. A oferta formativa em vigor compreende cursos de continuidade na Formação Inicial: Operador de Acabamentos de Madeira e Mobiliário, Mecânica de Automóveis – Serviços Rápidos, Operador de Jardinagem, Cabeleireiro de Senhoras, Assistente Familiar e de Apoio à Comunidade, Cozinha e Empregado de Mesa e Bar. É de salientar que todos os cursos, exceto Cabeleireiro de Senhoras, se inserem em percursos de Dupla Certificação, permitindo aos formandos a obtenção de uma Certificação profissional na área de formação tecnológica e de uma Certificação Escolar, com equivalência ao 9º ano de escolaridade. É uma conquista importante, mas recente, na formação deste público-alvo, uma vez que durante muitos anos o reconhecimento da formação não era considerado, em igualdade de circunstâncias, com outras formações do mesmo tipo, no acesso ao mercado de trabalho. Os cursos de formação estruturam-se em: - Formação base: Cidadania e Empregabilidade, Matemática para a Vida, Tecnologias da Informação e Comunicação, Formação para a Integração; - Formação Tecnológica – Teórica, Prática Simulada em Posto de Trabalho e Formação em Contexto de Trabalho, esta com a duração mínima de um ano. A organização da Formação, segundo estes novos referenciais, acarretou mudanças significativas, a todos os níveis: na qualificação dos formadores, na organização curricular, na organização de espaços e equipamentos, nos recursos pedagógicos, traduzindo-se num salto qualitativo no desenvolvimento de formação para estes públicos. Duma forma geral, destaca-se a importância da componente de Formação em Contexto de Trabalho, desenvolvida em estreita articulação com as entidades parceiras da comunidade, na promoção do exercício da cidadania, da inclusão e da responsabilidade social. Por outro lado, importa destacar a interdependência entre a formação e o contexto do individuo (habitação, saúde, família, entre outros) e da necessidade da interligação com os serviços da comunidade. 208

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Formação Profissional

João Henriques e Isabel Marantes, formação em informática, segunda metade da década de 80

Entrega de Diplomas aos formandos, final dos anos 80 da esquerda para a direita: Manuela Simões, Rosa Bernardo e Carvalhinho

Formandos numa reunião da Arcil jovem, anos 90

2010 - Entrega de certificados aos formandos da esquerda para a direita: Ana Abrantes, João Graça, Marques Leandro e Ana Araújo

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Formação Profissional

Formação em posto de trabalho Elsa Simões

Oficinas de mecânica, Luís Santos

Formação em posto de trabalho, área de hotelaria (Hotel Palace da Lousã)

Curso de serviços

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Fundamental no percurso formativo seria a abertura, em Janeiro de 1986, do Centro de Formação Profissional, enquadrado e co-financiado pelo FSE. O projecto abrangeu as áreas de: Madeiras, Metais, Texteis, Olaria, Pecuária, Agricultura, Indústria Hoteleira, Informática, Construção Civil, Mecânica-Auto e Formação Profissional em Posto de trabalho, num total de 27 formandos, susceptiveis de integração no mercado de trabalho195. A este propósito, e à semelhança de outras instituições colhiam-se os benefícios de uma política articulada, como recorda António Charana: «Havia uma situação que entendia fundamental: a criação de uma rede de centros de reabilitação e formação profissional. Através do quadro comunitário de apoio criei uma linha de apoio à construção de infraestruturas e equipamentos por esse país fora, cujos grandes apoios vieram do Fundo Social Europeu - fundamental para o desenvolvimento dessa rede e da sua estabilização. Chegámos a ter uma rede com mais de 100 centros de reabilitação profissional. Ao nível dos países da Europa era o país que tinha o apoio financeiro para a reabilitação mais elevado»196. As consequências de boas opções sociais e políticas não tardaram a fazer-se sentir: «Começámos a ser reconhecidos como um dos países que tinha uma das melhores politicas na área da reabilitação. Começámos a ser convidados para fóruns não só no âmbito da política comunitária mas também de cada país. Daí que estabelecêssemos muitas parcerias para isto ser mais cimentado». Mas todo este trabalho, recorda o antigo Secretário Nacional da Reabilitação, assentava num grupo muito especial, onde sobressaía uma instituição em particular: «Havia um grupo de vontades, do sector público e privado, coeso e forte, que dava força àquele motor. Esta política só teria sentido se tivéssemos pilares. E a ARCIL era um desses pilares, era a instituição-pilar ao nível do integrar, que nos dava a garantia da qualidade e da honestidade para que as coisas fossem

ADA - «Historial e Características» In ARCIL HISTORIAL E CARACTERISTICAS, 1985 (Dossier) pp. 5-6 196 António Charana entrevistado por João Pinho, 19/12/2013 195

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bem aplicadas. Sem instituições que nos dessem esta credibilidade isto poderia ser um falhanço. Tudo isto foram processos que não deviam ter parado. Muitas vezes chamáva-mos o José Ernesto Carvalhinho para “ganhar” consensos»197. Na ARCIL vingou um modelo diferente das prácticas de outras organizações cujas actividades eram mais de cariz escolar enquanto na ARCIL já existia a preocupação de aprender “o útil, o fazer”, que ficou bem expresso nos primeiros projectos pedagógicos da instituição. A Formação Profissional destinava-se a individuos com idade igual ou superior a 15 anos que pelos condicionalismos não puderam prosseguir uma vida académica normal: utentes com deficiência diversas, desde a mental (ligeira, moderada e grave), auditiva, motora, multideficiência, borderline e outras. O despiste fazia-se na orientação profissional. Por estas razões o Centro de Formação Profissional da ARCIL constituiu, também, um marco na história da ARCIL na medida em que tem permitido dar resposta à promoção da integração socioprofissional das pessoas com incapacidade (vide conjunto de fotos pp. 209-210), articulando duas realidades dinâmicas: as características desta população e os requisitos do mercado de trabalho, cabendo à estratégia de formação resolver o problema do desfasamento entre capacidades e qualidades das pessoas e as necessidades das organizações em termos de competências dos seus profissionais. Ao nível da integração profissional, desde 1980 que se acentuavam as preocupações em dar resposta de emprego aos utentes adultos, o que para a época era também algo inovador. Fruto da experiência ainda curta mas proveitosa, a ARCIL apostava na reeducação pedagógica, imprimindo a todas as actividades, e sempre que possível, uma orientação laboral. Assim, e no longínquo ano de 1981, ocorreu a primeira experiência de integração em mercado normal de trabalho, que não correu bem na medida em que a pessoa em causa não se adequou à função. Em 1982 lançaram-se os lares ocupacionais, com a criação da primeira residência para jovens com alguma autonomia – o apartamento dos Codessais na Lousã (vide

Idem.

197

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foto 49). Marcou o início do apoio residêncial da ARCIL e era supervisionado por estudantes pagos pela Associação. Surgiu na linha de actuação e filosofia da instituição, procurando dar resposta ao problema da falta de residência das pessoas com deficiência.

Foto 49 - Apartamento Codessais, meados dos anos 80

Para este efeito, preparou-se o alojamento num pequeno apartamento da Lousã, para os alunos da ARCIL que trabalhassem ou viessem a trabalhar nas oficinas no Anexo. Assim, e em Junho de 1982, reuniram os Presidentes das Câmaras Municipais da Lousã, Góis, Miranda do Corvo e Poiares, tendo-se decidido «… alugar a casa comprometendo-se cada município a contribuir com 50 mil escudos para equipamento»198. Embora a CM de Poiares nunca tenha pago a promessa, o apartamento, situado no lugar dos Codessais (Lousã), entrou em funcionamento no dia 06 de Outubro de 1982 como «…residência de dois alunos e um monitor [coordenador], respectivamente, Carlos Alberto, João Leandro e Francisco Gouveia»199. A ideia subjacente a esta iniciativa foi tentar que gradualmente as pessoas com alguma autonomia tivessem capacidade de viver de forma mais independente, procurando potenciá-la através do treino de actividades de vida diária. Nos dias de hoje, esta tarefa é assegurada pelos serviços de Apoio Residencial. Foi uma experiência pioneira que decorreu paralelamente ao treino de actividades (treino ocupacional): partindo do princípio que todos têm direito a «Apartamento» In Pequenada, Ano 1.º, n.º5, Junho 1982 «Apartamento» In Pequenada, Ano II, n.º6, Outubro 1982

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trabalhar, procurou-se desenvolver no dia-a-dia o máximo de autonomia através de «…um treino, de jovens deficientes com grandes dificuldades, para executarem tarefas simples mas produtivas e de utilidade para todos nós. Procuramos que o trabalho destes jovens venha a ser útil à sociedade»200. O treino ocupacional era supervisionado pelo Prof. Gilberto e tinha em vista «…preparar alunos para uma futura integração no mundo do trabalho, se tal for possível. Assim, a Lurdes e Rosário treinam-se na montagem de porcas em parafusos; montagem de molas de roupa em cartões para venda»201. A partir deste princípio estruturaram-se grupos de trabalho que começaram a executar trabalhos para diversas empresas, como o caso da Tipografia Lousanense, onde os alunos começaram a montar caixas e envelopes, ou a fábrica de material eléctrico de Serpins (EFAPEL) que fornecia material que os alunos montavam para posterior comercialização. A ARCIL optou por desenvolver a criação do próprio emprego dentro da Associação. Criou-se então uma serração de madeira em 1982/83, que começou por ser um anexo da empresa VIUFIL. Como esta mais tarde veio a falir, a ARCIL assumiu a estrutura produtiva por conta própria, terminando por motivos óbvios a dependência de matérias primas e comercialização de produtos. Nesta fase, a serração começou a ser explorada por pessoas com deficiência motora, situação inexistente na Associação até então. Desde o início, o Anexo teve o enquadramento de pessoas com deficiências físicas, como foram exemplos os já referidos Manuel Mapa e António Vinagre. A admissão para complemento de um quadro de pessoal em que se misturavam diferentes tipos de deficiência e pessoas ditas normais correspondia à necessidade de dar resposta a deficientes fisicos e sensoriais desempregados ou seja; esta mistura proporcionava uma organização funcional semelhante a qualquer empresa onde se cruzam saberes e capacidades para obter um produto final de qualidade. Esta situação repercutiu-se, aliás, ate à actualidade, dado que em todas «Lares Ocupacionais» In Pequenada Ano 1.º, n.º3, Abril 1982. P.1 «Treino Ocupacional» In Pequenada, Ano 1.º, n.º 5, Junho 1982

200 201

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as estruturas da ARCIL encontramos pessoas com algum tipo de defeciência capazes de realizar trabalho de qualidade. Para Ana Bénard, José Carvalhinho aplicou na ARCIL e na Lousã um modelo conhecido mas inédito em Portugal: «Ele desenvolveu um bocado a ideia da cooperativa de trabalho mista – deficientes e não deficientes – que se vê muito em Itália». Seria aliás pela vontade em integrar pela via da empregabilidade que a ARCIL iniciaria nos princípios de 1984 uma reflexão interna sobre as suas estruturas físicas, existentes e a criar para os alunos, considerando «…as dificuldades de integração dos nossos alunos no mercado de trabalho normal, dificuldades essas já provadas pelas tentativas de integração até agora falhadas»202. Ainda no campo da legislação a ARCIL defendia, em 1985, a aplicação de três medidas legislativas, que considerava fundamentais para a comemoração condigna do Ano Internacional da Juventude: 1 - Decreto-Lei de Emprego Protegido, «…que criará condições de acesso ao trabalho dos jovens deficientes»; 2 – legislação possibilitando a criação de Centro de Trabalho Ocupacional «… ou de apoio através do trabalho, onde possam trabalhar os jovens com grandes deficiências que, por razões várias, não devem continuar nas Escolas»; 3 – regulamentar uma das versões da Lei de Bases do Ensino Especial»203. De facto, o quadro legal de apoio à deficiência acima mencionado, embora existente, não estava a ser praticado: - O Regime de Emprego Protegido fora definido no Decreto-lei nº 40/83 de 25 de Janeiro, elaborado por grupo de trabalho na égide do SNR (integrando elementos da ARCIL) onde se defendia a sua institucionalização: O diploma definiu no Cap. Iº, Art.º 1, a noção de emprego protegido: «Entende-se por emprego protegido toda a actividade útil e remunerada que, integrada no conjunto da actividade económica nacional e beneficiando de medidas especiais de apoio por parte do Estado, visa assegurar a valorização pessoal e profissional das pessoas deficientes, facilitando a sua passagem, quando possível, para um emprego não protegido» ADA – Actas da Direcção da ARCIL, 1981-1985 (pasta), acta n.º 5, 09/01/1984, fl. 2 «Ano Internacional da Juventude» In Pequenada, N.º 19, Maio 1985

202 203

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E, no Cap. II Art.º 4 º a noção de Centro de Emprego Protegido: «Entende-se por centro de emprego protegido, neste diploma designado por CEP, a unidade de produção, de carácter industrial, artesanal, agrícola, comercial ou de prestação de serviços, integrada na actividade económica nacional, que vise assegurar aos deficientes o exercicio de uma actividade remunerada, assim como a possibilidade de formação e ou aperfeiçoamento profissional que permitam, sempre que possível, a sua transferência para o mercado normal de trabalho» No Art.º 11 previa-se a figura dos Enclaves: «Entende-se por enclave um grupo de pessoas deficientes que exerçam a sua actividade em conjunto, sob condições especiais, num meio normal de trabalho» - As Actividades Ocupacionais para pessoas com deficiências graves somente foram definidas no DL nº 18/89, de 11 Janeiro. No seu Art.º 1 – Natureza e objectivos – pode ler-se: «1.º- As actividades ocupacionais constituem uma modalidade de acção social, exercida pelo sistema de segurança social, que visa a valorização pessoal e a integração social de pessoas com deficiência grave, permitindo o desenvolvimento possível das suas capacidades, sem vinculação a exigências de rendimento profissional ou de enquadramento normativo de natureza jurídico-laboral».

CENTRO DE EMPREGO PROTEGIDO - CEPARCIL A filosofia da ARCIL, desde muito cedo, defendeu a importância do exercício de atividades profissionais na valorização das pessoas com deficiência, contribuindo para a sua auto estima e facilitando a sua integração social. Foram criadas diferentes atividades com caráter produtivo, criando condições para avaliar competências e aptidões pessoais e profissionais. Em 1988, foi assinado o Acordo de Cooperação entre a ARCIL e o IEFP criando o Centro de Emprego Protegido da ARCIL, com três valências – Serração de Madeiras, Reparação de Calçado (Sapataria) e Serviços, ao abrigo do DL nº 40/83, de 25 de Janeiro. O Centro de Emprego Protegido é uma estrutura que funciona em moldes empresariais comuns, com autonomia económica, financeira 216

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e administrativa, que visa proporcionar às pessoas com deficiência ou incapacidade e capacidade de trabalho reduzida - capacidade produtiva inferior a 75% da capacidade normal exigida a um trabalhador nas mesmas funções profissionais ou no mesmo posto de trabalho, em razão das alterações estruturais e funcionais e das limitações de atividade delas decorrentes - o exercício de uma atividade profissional e o desenvolvimento de competências pessoais, sociais e profissionais necessárias à sua integração, sempre que possível, em regime normal de trabalho. Actualmente e conforme o Acordo de Cooperação estabelecido ao abrigo do DL nº 290/2009, o CEPARCIL desenvolve atividades nas áreas de Serração, transformação e comercialização de madeiras e presta serviços de agro pecuária, jardinagem, lavandaria, cerâmica/olaria, serviços administrativos, limpeza, bar, cozinha, refeitório, apoio em Medicina Física e Reabilitação, apoio em CAO, transportes. Mantém como objetivo, sempre que possível, a transição dos trabalhadores em regime de emprego protegido para o mercado externo de trabalho. Através de programas de acompanhamento individualizado, é promovido o desenvolvimento da autonomia pessoal, familiar e social dos colaboradores do CEPARCIL e a sua capacidade de auto - representação, enquanto cidadãos a quem se colocam todos os desafios da vida adulta. No domínio profissional, investe-se na qualificação, na flexibilidade e polivalência dos colaboradores com deficiência, na sua colocação experimental em estruturas empresariais externas, de modo a criar condições para a sua posterior integração definitiva em mercado de trabalho não protegido. Nos últimos anos, a aposta na integração de pessoas com deficiência em empresas da região, realizando tarefas correspondendo ao seu perfil de competências e aos seus interesses, não tem obtidos os resultados pretendidos, face às dificuldades económicas com que se depara o tecido empresarial da região.

Quanto à Lei de Bases do Sistema Educativo foi aprovada pelo DL 46/86 embora aguardasse regulamentação pela AR desde 1979!!! Contudo, a mudança chegaria em 1989. António Charana, ex-Secretário Nacional da Reabilitação recorda a importância do aspecto jurídico, que constituiu CAPÍTULO 3 – Um Longo Caminho: 1981-1994

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pedra de toque da sua acção politico-institucional, vertida na Lei de Bases da Prevenção e da Reabilitação e Integração das Pessoas com Deficiência onde se incluíram áreas diversas como a pré-profissional, emprego protegido ou formação profissional (Lei nº 9/89, de 2 de Maio que seria revogada em 2004 pela Lei 38/2004): «Considerava-se que as pessoas com deficiência o que poderiam era fazer a pré-profissional, uma coisa ligeira, era um misto de processo educativo e preparação para a vida activa. Era o modelo Sueco mas não era consequente do ponto de vista de lhe dar ocupação. A minha perspectiva era que se deveria dar, até pela lei de bases educativa, uma igualdade efectiva na participação em geral. Portanto eu considerei que as pessoas com deficiência deveriam ter possibilidade de ter formação profissional que lhes garantisse uma certificação profissional e pudessem aceder ao mercado de trabalho como qualquer pessoa. Isto criou na altura uma grande estupefacção nos meios decisórios públicos porque se considerava que era ir longe demais: não era possível, as empresas não iriam colocar pessoas com deficiência, por isto e por aquilo. Havia milhentas desculpas e eu disse que não podia ser assim, que a sociedade tinha de mudar, e que nós tínhamos de fazer parte da alavanca da mudança»204.

ALEXANDRE “MÃOS DE TESOURA” O exemplo do Alexandre “Mãos de Tesoura” foi destacado por Ana Abrantes como um dos casos mais surpreendentes de sucesso na reabilitação, formação e integração profissional: «É um caso paradigmático. O Alexandre foi criado na ARCIL. Desde pequeno começou a ter apoio na Educação Especial, com a educadora Maria João, depois na escola. Para além dos deficits cognitivos tinha problemas graves ao nível comportamental, passando por diversas respostas da ARCIL – Formação Profissional, Emprego Protegido, Lar Residencial, Centro de Recursos. Depois

António Charana entrevistado por João Pinho, 19/12/2013

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foi para o exterior. Paradigmático porquê? Porque se nós técnicos temos, por vezes, alguns preconceitos e expectativas, quem conheceu o Alexandre quando miúdo e hoje olha para ele ninguém diria que o Alexandre pudesse ser a pessoa que é hoje. Está a trabalhar na jardinagem. Alexandre não domina o dinheiro, mas desenvolveu uma técnica de cálculo, com base na dezena para saber quanto vale determinado bem (10+10+10 = 3 vezes 10). Estas coisas não vêm nos livros. O Alexandre comprou a sua casa e vive sozinho» [Ana Abrantes entrevistada por Marta Ramos, 24/02/2011]

1.4. O CRESCIMENTO VISÍVEL DA ARCIL – O PATRIMÓNIO

O ano de 1986 marcou o início de uma etapa relevante do crescimento da ARCIL: a aquisição de património, possibilitando o alargar das suas actividades. Tal foi o caso do Sector Agrícola, que se tornaria estruturante na acção desenvolvida pela ARCIL, apesar das recomendações para o encerramento da Pecuária, dado que a partir de então a área envolvente tornou-se de construção, criando problemas de higiene. Logo em Janeiro, e porque a área disponível para agricultura era escassa, iniciam-se os primeiros contactos para que fossem disponibilizadas áreas no exterior, ao mesmo tempo que se contacta técnico especializado para obter pistas de trabalho, escolha e tipo de equipamentos, culturas e terrenos. Em Fevereiro, o Eng.º Agrário Júlio Correia, passa a prestar apoio técnico e colaboração pontual. Em Maio, o Presidente da Direcção informava os pares de uma hipótese com vista ao futuro: a utilização da Quinta do Caimão, em Vilarinho, como área agrícola da ARCIL. No mês seguinte a direcção convocaria uma reunião extraordinária tendo como ponto único a aquisição da dita quinta «com vista ao desenvolvimento da área ocupacional de agricultura». Nesta reunião participaria o o Eng.º Silvicultor Joaquim Paul que vinha trabalhando com a ARCIL como consultor técnico e que dava o parecer favorável tendo como base o «estudo das potencialidades agrícolas da referida Quinta». No seguimento, a direcção CAPÍTULO 3 – Um Longo Caminho: 1981-1994

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considera «de interesse» a dita aquisição e, após analisar a parte financeira, coloca fora de hipótese o recurso a financiamento exterior decidindo: «actuar de imediato junto ao vendedor e atendendo a que financeiramente a ARCIL possui de momento uma situação liquida confortável decidiu-se intervir com uma oferta na ordem de 3.000 contos»205. Contacta-se a CGD para averiguar da possibilidade de transacção dado estar a propriedade hipotecada. Em Julho dar-se-iam os passos finais: a 20 de Julho a AG autorizaria, com 17 votos a favor e uma abstenção, a aquisição da Quinta do Caimão por 5 milhões de escudos, valor do subsídio concedido pela Segurança Social, permitindo a celebração do contrato de compra e venda, a 05/11, entre a ARCIL e CAPRISAN, empresa a quem compraram o núcleo da Quinta do Caimão (5 hectares) e parte da aldeia de xisto da Silveira206. Na visita feita à ARCIL a 20 de Novembro, o Secretário de Estado da Segurança Social, Pinto Sancho207, confirmaria a «…atribuição de um subsídio de 7900 contos para esta instituição lousanense, permitindo a aquisição de uma propriedade rústica para o desenvolvimento e manutenção de capacidades dos deficientes»208. Parte deste subsídio seria destinado ao arranque do projecto de hidroterapia209. A admissão de novos utentes levou à expansão e aquisição de novas áreas circunvizinhas (passando de 5 para 15 hectares, comprados parcela a parcela)\ as quais, tendo em vista um bom aproveitamento foram dotadas com infraestruturas produtivas (vide conjunto de fotos pp. 221-222). Em 1988, e dentro da nova estratégia de organização e marketing, define-se a estrutura de produção agropecuária – ARCILAGRO – com implementação dum novo modelo de gestão: a quinta, até então gerida de forma amadora, passa a ser dirigida por um regente agrícola.

ADA – Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 1985-1997, acta n.º 10, 02/06/1986, p. 24 Idem, acta n.º 12, 18/07/1986, p. 27; acta n.º 14, 11/12/1986, p. 33; Livro de Actas da Assembleia Geral da ARCIL, 1979-1995, acta n.º 15, 20/07/1986, fl. 30 207 Pinto Sancho foi um governante de grande visão. Com ele se desenvolveu quer o projecto dos cartões, quer a criação da creche da misericórdia com lugar permanente para crianças com deficiência. 208 «ARCIL vai imprimir cartões da Segurança Social» In Trevim, 20/11/1986 209 «Visita de um membro do Governo à ARCIL» In Voz de Serpins, Dezembro, 1986 205 206

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Quinta do Caimão

1986/87 - A quinta antes das obras de restauração

A quinta depois das obras

1989 - Imagem aérea

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Quinta do Caimão

1989 - Imagem aérea

Rebanho de cabras

Secagem do tabaco, anos 90

Trabalhadores da quinta nos viveiros

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1.5. PRODUZIR E RENTABILIZAR: A VERTENTE EMPRESARIAL DA ARCIL

Para lá da ideia inovadora de integrar profissionalmente o indivíduo portador de deficiência, a ARCIL procurou, simultaneamente, abrir-se a diversas actividades de índole empresarial, fazendo dos seus utilizadores exímios produtores de bens e serviços. A questão produtiva assumia-se como pilar da instituição. A «normalização pelo trabalho» «o pessoal normaliza-se trabalhando» ou «é preciso trabalhar e produzir, interna e externamente» foram ideias surgidas no tempo de António Maio que Carvalhinho desenvolveria «Convém salientar que a qualidade da intervenção técnica de uma forma geral e muito em particular com todos os que não podiam ocupar-se pelo trabalho (casos com deficiências mais graves) continuava a ser uma preocupação fundamental. Na altura quem tinha deficiência era posto de lado, visto como um estorvo, uma vergonha. Os primeiros que entram na ARCIL eram crianças, adolescentes, e alguns adultos. Defendi o trabalho como forma de inserção. Daí o aparecimento das oficinas de trabalhos manuais equipadas com máquinas semi-industriais para ensinar e promover a autonomia. Até então vinha prevalecendo a ideia oficial da formação profissional em que se produzia sem finalidade utilitária. O equipamento de bar, por exemplo, foi todo feito internamente, juntando o útil ao agradável: formando e produzindo bens necessários para a instituição»210. O problema é que nem todos compreenderam esta nova visão e mentalidade, a começar pelo Estado que era contra a autonomia financeira: «O facto de colocarem os deficientes a trabalhar levou a que fôssemos acusados de explorar os deficientes e de não respeitar a lei». Este princípio norteador envolveu não só a criação de novas áreas de produção mas a reformulação /reorganização de serviços existentes: «As unidades de produção antes do emprego protegido existir legalmente, dedicavam-se à agricultura, madeiras, serralharia, e construção civil. Começaram a ter

José Ernesto Carvalhinho entrevistado por Marta Ramos, 25/10/2011

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máquinas industriais de madeira, algumas de segunda mão, na formação no espaço do antigo Centro Ocupacional. Antes disso, e naquele espaço, funcionou a pecuária que se iniciou com o prof. Maio (onde estão hoje os parques de estacionamento foram campos de cultivo, criavam coelhos, codornizes, vendiam alguns destes animais)»211. Momento importante deste paradigma viveu-se no final de 1986. A 20 de Novembro e no final da visita à ARCIL pelo Secretário de Estado da Segurança Social, José Nobre Pinto Sancho, anunciou «…a contratação de serviços da ARCIL para a gravação de novos cartões de beneficiários da Segurança Social, que serão em plástico laminado e com tarja magnética. De tipo semelhante aos já utilizados nas caixas automáticas dos bancos. Para o efeito será fornecido à instituição o equipamento adequado, que importa em largos milhares de contos, estando prevista a sua instalação no antigo edifício da cadeia, que a Câmara vai colocar à disposição da ARCIL»212. Este projecto teve a designação inicial de DECARTES (Desenvolvimento de Cartões por Trabalhadores Especiais) e contemplava outra instituição; a APPACDM de Coimbra (na envelopagem e distribuição), que veio a desistir projecto, dado ter-se verificado, na prática, a dificuldade em fazer funcionar esta parceria, sendo a instituição compensada economicamente. Assim, a ARCIL arrancou sozinha, beneficiando de um subsídio de 70.000 contos. Dado o volume solicitado, em que se previa a substituição de 4 milhões de cartões, e para não sobrecarregar a ARCIL, logo se equacionaria o funcionamento em empresa autónoma. No entanto, o arranque na produção demoraria algum tempo: chegou a prever-se o mês de Setembro de 1988 mas, apenas em Fevereiro de 1989 se encomendaram as impressoras necessárias. A verdade é que, durante anos, a ARCIL produziu diversos cartões, mas nunca os da Segurança Social (que ainda hoje não existem) por falta de entendimento dos diferentes governos. No mesmo sentido e pela mesma altura operou-se a reestruturação da olaria para «…que possa dar resposta a uma solicitação produtiva mais intensa»213. Apostou-se na produção de barro utilitário para outras empresas, exportando para outros países como a Suiça, sendo de referir o apoio da Igreja Protestante e, em particular, do Pastor Robert Ziegler. Idem. «ARCIL vai imprimir cartões da Segurança Social» In Trevim, 28/11/1986 213 ADA – Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 1985-1997, acta n.º 14, 11/12/1986, p. 34 211 212

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O anexo de produção de madeiras produziu durante muito tempo, e de forma exclusiva, paletes para a fábrica de papel do Prado. Foi sem surpresa que se repensaria a sua área produtiva: caixas para baterias, pássaros, caixas de moedas para os correios, entre outras. Esta mudança de conceito, em que a ARCIL passou a prestadora de serviços não foi bem aceite por todos. Mário do Carmo Pereira enfatiza esse aspecto: «No início, a ARCIL, com menos estrutura, teve um potencial de transformador da sociedade muito importante, como todas outras estruturas. Mas depois, o peso de prestação de serviços tornou-se tão grande que abafou o poder de transformação de sociedade. Como em toda a sociedade. E uma das minhas discordâncias, com o passar do tempo, na ARCIL tinha a ver exactamente com isto: o estar-se a transformar em meros prestadores de serviços e deixarem de ser elementos potenciadores de transformação social. A ARCIL, além de um trabalho, foi uma escola, um ciclo de desenvolvimento e de transformação». A 25 de Junho de 1986 abriria uma loja da ARCIL, no mesmo espaço da Oficina de Reparação de Calçado, para venda de artigos produzidos na instituição de artesanato e artigos de interesse turístico (vide foto 50). Tratou-se de uma ampliação das instalações e o projecto foi elaborado pelo GAT da Lousã, possibilitando a remodelação da própria oficina «…oferecendo a partir de agora um serviço mais eficiente e em melhores condições incluindo o serviço de conserto rápido»214.

Foto 50 - O interior da ORCA, anos 80

«Ampliação da Oficina de Repação de Calçado» In Pequenada, 13/06/1986, Ano I, nº 2, 2.ª série

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«A ARCIL com Carvalhinho era mais operacional. Sentia-se mais a organização, funcionava melhor. As pessoas envolviam-se mais em todas as questões. Sentíamos que estávamos a fazer um trabalho diferente, para melhor, o que motivava tremendamente» [Ulisses Martins entrevistado por João Pinho, 06/11/2013]

«Na ARCIL assistiu-se à transformação de uma organização de pendor assistencialista numa organização com pendor predominantemente técnico: já tem visão estratégica, projecto de futuro, aponta caminho. Já não se limita a acolher crianças ou jovens com mais ou menos problemas, mas que tem uma visão de sustentabilidade, de empresarialização, de condições de autonomia. Tudo isso foi na altura lufadas de ar fresco» [Luís Rodrigues entrevistado por João Pinho, 09/11/2013]

«Tinha uma ideia para as pessoas desde que nasciam até que morriam, numa perspectiva integrada. Tenho pelo Carvalhinho um respeito imenso: nunca abriu a casa para si, aquilo era uma casa aberta socialmente, virada para o exterior a responder às necessidades, sem segredos, não virada para si própria. Entrava-se e era uma situação de normalidade» [Filomena Pereira entrevistada por João Pinho, 08/03/2014]

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2. A AFIRMAÇÃO E EXPANSÃO DE UM MODELO (1988-1994) 2.1. O FUNCIONAMENTO INTERNO

A 04 de Junho de 1987 e quando se aproximavam novos actos eleitorais, Mário do Carmo Pereira (então Psicólogo, Director-Pedagógico e Vice-Presidente da ARCIL), interveio na reunião de direcção falando sobre o que designou como «a grandeza do projecto da ARCIL», bem como «do risco de ele se ir desligando das pessoas». De facto, a ARCIL atingira uma dimensão institucional inimaginável há meia dúzia de anos215. A direcção associa-se ao pensamento do seu membro e, na sequência, decide-que haja maior informação e formação interna das pessoas. Porém, estes tempos de harmonia directiva não se manteriam nos anos seguintes. O próprio Mário do Carmo Pereira, importante na instituição pelo seu papel na qualificação técnica, afasta-se progressivamente dos restantes membros a partir dos inícios de 1988, discordando primeiro da intervenção e funcionamento e, posteriormente, do documento suporte de toda a actividade: o Regulamento Interno. De facto e na qualidade de Director Pedagógico critica, na reunião de 28 de Março, a elaboração do dito regulamento assinalando a «falta de funcionamento democrático, diminuição de independência e autonomia pedagógica». Em particular criticaria o desrespeito pelo disposto no anterior regulamento ao nível da «necessidade de acordo entre a Direcção e o Conselho Pedagógico para alteração do referido regulamento». A direcção refutaria as críticas, focando em especial a «necessidade do referido acordo para essa alteração», expressando que tal necessidade no regulamento anterior «é que constitui prepotência se não é mesmo matéria antiestatutária» e pouco flexível216. Sem surpresa, Mário Pereira seria substituído na função de Director Pedagógico, por Luís Morais, que iniciou funções em Outubro 1988. ADA – Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 1985-1997, acta n.º 19, 04/06/1987, p. 41 Idem. Acta n.º 29, 28/03/1988, pp. 52-53.

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Em termos de funcionamento e orgânica interna, este período da vida da ARCIL ficaria marcado pela criação do Conselho Pedagógico, aprovado pela AG a 22/07/1989, sendo composto por um orientador pedagógico e um coordenador por cada sector217. Nesta altura seria lançado de forma regular o boletim informativo, destinado a aproximar os utentes e funcionários da vida da instituição218. A 13/02/1991 e constatado o desenvolvimento acentuado das infra-estruturas da ARCIL e a necessidade da sectorização quer física ou espacial, quer pedagógica e/ou profissional, seria admitido Américo Mendes, com as funções de Director Adjunto com funções e poderes deliberativos e executivos219. Em 1990 a direcção da ARCIL teria de solucionar um problema de recursos humanos. A Lousã mantinha-se a certa distância dos principais meios urbanos da região. Tolhida pelo isolamento, e por isso pouco atractiva à fixação de pessoas, a ARCIL era atingida indirectamente por esse facto tornando-se difícil conseguir que técnicos superiores viessem trabalhar na região. A 27 de Junho de 1990 direcção resolve combater o problema: considerada a necessidade de preencher «com alguma estabilidade os quadros de técnicos especialistas», nomeadamente Psicólogos, Terapeutas, e T.S. Social, e tendo em conta a situação do mercado de emprego, decidiu ajustar os vencimentos dos referidos técnicos para valores semelhantes aos praticados pela tabela da função pública220. Por outro lado, disponibilizou-se o apartamento dos Codessais para quem necessitasse. Exemplo desta dificuldade em conseguir técnicos especializados seria a contratação, nos finais de 1990, de uma terapeuta da fala; uma brasileira, por não existirem portuguesas que quisessem ir para a Lousã. No mesmo sentido, a ADA – Livro de Actas da Assembleia Geral da ARCIL, 1979-1995, Acta n.º 18, 22/07/1989, p. 64 O Boletim Informartivo da ARCIL sofreu várias alterações ao nível dos contéudos e do grafismo, e a sua publicação irregular. Em 1992 ficou responsável pela edição a Prof.ª Preciosa Amaral, em 1993 a Drª Cristina Silva. Em 2003 deu lugar à ARCIL (RE) VISTA, cujo primeiro número se publicou em Julho. Actulmente tem a designação de ARCIL ‘NFO, tendo-se iniciado a publicação da nova série em Junho de 2013. 219 Boletim Informativo da ARCIL, 05/03/1991 220 ADA – Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 1985-1997, Acta n.º 43, 27/06/1990, pp. 67-68 217 218

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admissão também naquele ano de duas terapeutas holandesas, Gherda e Erika, respectivamente, na Sala dos Profundos e Treináveis. Por outro lado, a instituição continuou a usufruir do apoio incondicional de Jorge Carvalho, retribuindo-lhe, o apoio e empenhamento em prol da instituição: a 11 de Junho de 1992, a direcção decide atribuir à sala de reuniões do primeiro piso do Edifício Sede, o nome de Sala Jorge Carvalho, descerrando placa designativa. A 05/12/1992 a AG aprova, por unanimidade, a mudança na denominação social: mantem-se a sigla ARCIL a qual passa de Associação para a Recuperação de Crianças Inadaptadas da Lousã, a Associação para a Recuperação de Cidadãos Inadaptados da Lousã. Esta mudança, de criança para cidadãos, procurava traduzir uma mudança positiva na vida da ARCIL, como explicou o presidente da AG: «Referiu que hoje a ARCIL é uma instituição que apoia crianças e adultos. A expressão “Cidadãos” engloba crianças e adultos e assim facilita a tarefa da ARCIL, quando junto dos vários organismos oficiais, se procurar adquirir financiamento e outras prestações para projectos de apoio a utentes adultos»221.

Evolução do logótipo da Arcil

ADA – Livro de Actas da Assembleia Geral da ARCIL, 1979-1995, Acta n.º 21, 05/02/1992, fl. 38.

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Momentos trágicos como a morte do utente José Botas em meados de 1993, levaram a uma reflexão sobre segurança no trabalho e a fazer um levantamento das condições potenciadoras de risco de acidente, tanto ao nível do trabalho como do recreio, encarregando-se do trabalho Aristides Adão. Problemas de conjuntura económica nacional começaram a fazer sentir-se ainda em 1993: como a baixa de receitas próprias, em particular no Anexo de madeiras. Para resolver algumas das novas situações a ARCIL constituiria uma fundação – a FACIL (Fundação de Apoio ao Cidadão Inadaptado da Lousã), aprovando-se a sua constituição e respectivos estatutos em AG de 05/12/1992. O seu enquadramento e objectivos seriam explicados aos associados pelo presidente da direcção: «…referiu que à ARCIL estão vedadas certas iniciativas de apoio aos utentes às famílias carenciadas, do ponto de vista sócio-económico e ainda a existência de inúmeras dificuldades quanto à formação técnica-cientifica dos vários técnicos intervenientes nos vários processos de reabilitação das pessoas deficientes. Quer as várias actividades e fundamentalmente as respectivas rubricas orçamentais estão absolutamente enquadradas dentro da tradicional burocratização dos apoios dados pelos organismos oficiais, Com a criação da Fundação, com a sua natureza jurídica e a gestão dos seus fundos patrimoniais já é possível a existência de novos projectos de solidariedade social devidamente enquadrados em alguns apoios financeiros». Refere ainda a interligação ARCIL-FACIL «… relevo especial na paridade da composição dos respectivos Corpos Gerentes. As pessoas que compõem os Corpos Gerentes da ARCIL são as mesmas dos órgãos da Fundação FACIL. A Fundação é uma nova figura jurídica, uma nova pessoa colectiva que tem como objectivo principal complementar a actividade da ARCIL»222. A FACIL teve um fundo inicial de 1500 contos e o seu objectivo consistia em proporcionar melhores condições morais, sociais e materiais às pessoas mental

Idem, fls. 39-39v.

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e fisicamente diminuídas dos concelhos da Lousã, Miranda do Corvo, Góis e Poiares. Teve como órgãos: o conselho de fundadores (13 elementos, presidido por Carvalhinho), o conselho de administração (Carvalhinho) e o conselho consultivo (José Leandro). A ARCIL passou a integrar, como associada, a DUECEIRA – Associação de Desenvolvimento do Ceira e do Dueça nomeando seu representante, o vogal da direcção, Jorge Manuel Fernandes Ferreira, por deliberação da direcção do dia 28/02/1994. Mais tarde, por deliberação de 26/07/1994, será fundadora da Associação para o Desenvolvimento do Vale do Ceira/Dueça, designando como seu representante legal o presidente da direcção223. As manifestações de solidariedade continuaram a marcar a vida da instituição: fosse a favor da ARCIL caso do verificado em Setembro de 1988 quando a American Foundation for Charities of Portugal que desde 1984 vinha apoiando instituições nacionais de solidariedade social atribui à ARCIL 3.800 contos224; ou feita pela ARCIL em favor de outros, quando em Dezembro de 1992 decorreu um espectáculo de recolha de fundos para as crianças de Moçambique, uma iniciativa conjunta dos colaboradores da instituição com a SCML. O crescimento físico da instituição (vide fotos 51-53) tornou inevitável a realização de obras no edifício da sede: em Junho de 1991 tanto a secretaria como os gabinetes da direcção passaram a funcionar em novas instalações no rés-do-chão direito do Centro D. Emília de Carvalho225. Também no decurso deste ano seria remodelada a frota automóvel, com aquisição de 6 novas carrinhas.

ADA – Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 1985-1997, Actas n.ºs 61 e 62. «ARCIL recebeu 3.800 contos de fundação de emigrantes nos EUA» In Trevim¸ nº 407, 08/09/1988 225 Boletim Informativo da ARCIL, 11/06/1991 223 224

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Foto 51 - A Arcil no final dos anos 80

Foto 52 - Imagem aérea da Arcil (ainda com Agropecuária), anos 90

Foto 53 - Hall de entrada do Centro D. Emília de Carvalho, princípio dos anos 90 (pintura de Eliseu filho)

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2.2. A AUTOSSUSTENTABILIDADE: PRODUZIR E VENDER

O desenvolvimento dos conceitos de auto rentabilização e auto sustenta­ bilidade transformaram-se no modus operandi e modus vivendi da ARCIL durante os anos em que Carvalhinho foi presidente. O seu discurso não deixava dúvidas quanto à importância desse compromisso: «Promovemos uma certa autossuficiência dentro da instituição, e se possível uma mais-valia, apostando em projectos que não fiquem eternamente dependentes de subsídios. Dai que procuremos fazer uma gestão que seja cada vez o mais económica possível nos custos, utilizando tudo aquilo que se produz, quer nos consumos internos – e nós somos autossuficientes em carnes e em vegetais - quer para comercialização externa»226. Embora dependentes de subsídios, a verdade é que através dos diversos sectores de produção, conseguiu-se cobrir várias despesas da ARCIL, facto considerado fundamental: «É uma situação que julgo única no país, o facto de nenhum deficiente pagar para frequentar a ARCIL»227. Ao apresentar o relatório das contas do exercício de 1987, o tesoureiro Fernando Carvalho capta a atenção da direcção «…acentuando a importância dos valores alcançados pela produção e vendas, salientando que o ano de 1987 foi um ano de consolidação da estrutura financeira da Associação»228. Este seria o primeiro episódio de um rumo que os anos seguintes acentuariam - a consolidação e autossustentabilidade da ARCIL. De facto, e na apresentação das contas de 1989, o tesoureiro chamaria a atenção os meios disponíveis para investimento, salientando o aumento em termos de aproveitamento para a Instituição com especial realce para o Anexo de Produção – Serração de Madeiras. A visão empresarial da ARCIL acentuou-se a partir de Maio de 1989, altura em que a direcção decide criar prémios de produtividade. Situação só existente em empresas e que mais tarde terminou por ser demasiado polémico com o sector técnico. Jornal da Lousã, 03/02/1995, Ano 1.º, n.º 6, p. 6 Idem. 228 ADA – Livro de Actas da Assembleia Geral da ARCIL, 1979-1995, acta n.º 17, 16/06/1988, fl. 33 226 227

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SAPO

O SAPO na antiga cadeia comarcã

Fabrico de escalfetas e montagem de candeeiros no SAPO no edifício da antiga cadeia comarcã, princípio dos anos 90

Fabrico e embalagem de luvas por utentes do SAPO, no edifício da antiga cadeia comarcâ, princípio dos anos 90

A sustentabilidade passava cada vez mais pela produção de bens: Em Junho, o Sector de Apoio pela Ocupação (SAPO) adquiria uma máquina para o fabrico de luvas têxteis (vide conjunto de fotos acima), cuja produção estava já em curso em Março de 1990, vindo a ser distribuídas pela Lousancol e comercializadas na cadeia comercial Minipreço; também por esta altura mas no Anexo de Produção de Madeiras admitiam-se alguns tarefeiros para o serviço de pregagem para dar resposta ao aumento temporário nas encomendas de paletes. 234

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Contudo, e em termos produtivos, nada seria comparável à dinâmica do projecto dos cartões magnéticos. A Arcilcard, nasce em Dezembro de 1989, e arranca com a personalização, envelopagem e endereçamento dos mais de 500.000 cartões de sócios do Círculo de Leitores229. Enquanto se aguardava a autorização para a gravação dos cartões da Segurança Social e Saúde, a Direcção da Arcil elabora um protocolo com a Copinaque, alargando assim a sua carteira de clientes e originando que a Arcilcard, se mantenha nos anos seguintes, como pilar económico e produtivo da Instituição. O Engº António Martins, responsável pela montagem dos equipamentos de personalização, então com maior capacidade produtiva mesmo comparável com as empresas que executavam este serviço para as entidades bancárias, afirma à imprensa: “É um mercado em enorme expansão no qual a Arcil também pretende entrar, até porque temos capacidade para personalizar, codificar e envelopar, mais de 20 mil cartões/dia230» Em meados dos anos 90 estavam em plena actividade, 3 sistemas de gravação e envelopagem de cartões magnéticos, os quais permitiam a simples personalização dos dados variáveis (nome, número, etc), quer em relevo (embossing) quer por incisão (infilling), bem como a respectiva codificação da tarja magnética. Permitiam ainda a envelopagem e endereçamento, ficando assim o produto final disponível para a correspondente expedição. Pontualmente, promovendo e potenciando desta forma a cadeia de serviços, as pessoas com deficiência do SAPO, colaboravam em diversas tarefas, nomeadamente a embalagem. A 29 de Outubro de 1993 e fruto da visibilidade alcançada, a Arcilcard foi objecto de reportagem pela RTP 1, integrada no Jornal da Noite. Nomes como Vodafone, Optimus, Galp Frota, Benfica, Cartão Jovem, entre muitos outros, passam a figurar na carteira de clientes da Arcilcard, sem contudo, alguma vez, se ter atingido a capacidade máxima de produção daquela estrutura (vide fotos 54 e 55).

Idem. Acta n.º 19, 15/09/1990, fl. 35v. «Cartões passados» In Expresso, 02/05/1992, p. 96

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Foto 54 - Instalações da ArcilCARD, Joaquim Gonçalves e João Carvalho

Foto 55 - Cartões produzidos na Arcil

Em meados de 1993 celebrou-se acordo com a Copydata, ficando a ARCIL responsável pela gravação de cartões e a empresa pela sua comercialização (50% dos ganhos de comercialização sobre as encomendas) cedendo também o equipamento. Esta parceria tornou necessário forte investimento na aquisição de equipamentos, que se justificaria pelo aumento de vendas verificado nos meses seguintes e lucros obtidos. Em 1994 integravam a sua lista de clientes importantes empresas como o já referido Circulo de Leitores, a Renault ou a Singer. Um exemplo prático e bem elucidativo do pensar em função da sustentabilidade seria o sistema de aquecimento do SAPO e do edifício antigo do Centro D. Emília de Carvalho que foram instalados pelo final do ano. O sistema, 236

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aprovado e comparticipado a 70% fundo perdido, permitia a reutilização dos resíduos do Anexo de Produção. O do Centro D. Emilia de Carvalho (edifício sede) ainda hoje funciona, testemunho objectivo e prático de autonomia. O Projecto Briquetes, lançado em Julho de 1991, e aprovado pelo IEFP no âmbito do CEPARCIL, seria outro exemplo de produtividade; dado o crescimento do sector de serração e transformação de madeira decidiu-se avançar para o reaproveitamento dos resíduos do anexo de produção (material combustível sucedâneo do carvão) que eram vendidos em vários pontos da Lousã. Este projecto obrigou à ampliação da serração na Quinta de Santa Rita onde foi construída a nova unidade produtora com maquinaria adequada. Permitiu o aumento de 6 postos de trabalho directos e de 2 outros indirectamente, e o total de investimento (Equipamento e Adaptação Instalações) foi de 19.985.000$00231. A visão empresarial da ARCIL concretizar-se-ia no estabelecimento de parcerias comerciais locais como por exemplo, em Janeiro de 1992, a relação comercial estabelecida com a Famacope, tendo em vista a comercialização das luvas.!!!!!! Porém, estas parcerias comerciais alargaram-se à dimensão nacional, nomeadamente com a criação e desenvolvimento do projecto UPA – Unidades de Produção Associadas. A entidade promotora foi o CEFPI (Centro de Educação e Formação Profissional Integrada Vilarinho-Porto), tendo como parceiros nacionais não só a ARCIL, mas também a APPACDM (Viana do Castelo) e a LPDM (Lisboa). Foram parceiros comunitários: o Cabildo Insular de Tenerife, ARPTH (França) e a COIN (Itália), que rubricaram acordo de cooperação a 12/04/1994 em Tenerife. O objectivo geral consistiu na criação de uma entidade de cariz comercial destinada à promoção e comercialização de produtos e serviços prestados pela pessoa deficiente. Os envolvidos no projecto procuraram assim assegurar a

ADA – PROJECTO BRIQUETES, 1991

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adequada divulgação e comercialização de produtos e serviços, tendo em consideração a sua qualidade e a sua competitividade no mercado convencional. O projecto foi desencadeado pelo CEFPI e ARCIL, por of.º de 11/09/1991, enviado ao SNR propondo a criação de uma Associação Industrial e Comercial entre Instituições congéneres. O projecto iniciou-se em Outubro de 1992 e previa-se o seu términus em Dezembro de 1994232 No seu âmbito elaborou-se um catálogo com produtos disponíveis para venda e propôs-se a criação de um Centro de Informação de Marketing (CIM). O Centro de Informação e Marketing seria criado no seio da ARCILCERAMICA e a ele estiveram agregados várias Unidades Produtivas das instituições parceiras da UPA, que rubricaram acordo de participação em Abril de 1996. O Centro de Informação de Marketing foi elaborado pela empresa L2J, tendo o relatório de projecto sido apresentado a 6/6 às entidades promotoras. Funcionou de forma experimental durante um ano, no seio da ARCIL como departamento autónomo, mas apoioado técnica e administrativamente pela instituição. Tinha como prioridades de actuação «Criação de bases de dados relativas às Unidades de Produção, tanto no que respeita aos seus produtos, como a serviços, estruturas, clientes, fornecedores e distribuidores…(…); Desenvolvimento da acção comercial com actuais clientes no sentido de explorar as oportunidades de negócio ainda latentes; pesquisa de novas oportunidades de negócio e novos canais de distribuição»233. A 24/01/1996, na sede da Liga Portuguesa dos Deficientes Motores, em Lisboa, realizou-se a primeira reunião dos parceiros tendo o Presidente da ARCIL, José Ernesto Carvalhinho, sido eleito director do projecto. Naquele mês assumiria funções de coordenador do CIM, Jorge Veloso.

ADA - UNIDADES DE PRODUÇÃO ASSOCIADAS – UPA – PROJECTO E SINTESE ADA – PROJECTO CIM, 1996

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2.3. REABILITAÇÃO, FORMAÇÃO E INTEGRAÇÃO PROFISSIONAL

O final dos anos 80, e primeira metade dos anos 90 do séc. XX, ficariam marcados pela implementação de diversos projectos, visando a reabilitação e integração física e psíquica dos indivíduos portadores de deficiência. O modelo adoptado seria inovador em termos de funcionamento técnico e humano: «O modelo de funcionamento implementado era o social. As pessoas tinham uma deficiência mas a incapacidade não era o problema da pessoa. Esta resultava da falta de condições do meio. Assim, vamos tornar o meio facilitador e a incapacidade desaparece e a pessoa fica a funcionar. Vamos, por exemplo, eliminar as barreiras arquitectónicas. Hoje, que se fala tanto na classificação internacional de incapacidade (2011), orientada para o ambiente, a prática da ARCIL já era essa»234. No relatório da Pré-Profissionalização de 1988 chamava-se a atenção para o crescimento da escola da ARCIL e da necessidade de expandir o Emprego Protegido: «As responsabilidades que a escola assumiu com alguns alunos implica a necessidade de andar no sentido da institucionalização do Emprego Protegido para a área da Olaria e da Cerâmica, como aliás é do conhecimento geral, já que estamos a atingir o limite máximo para a formação de alguns alunos da área»235. A implementação do Emprego Protegido levaria, pelo final do ano de 1987, à necessidade de discutir e oficializar estruturas de trabalho como o anexo, sapataria, e serviços. Uma alavanca importante seria a criação do CEPARCIL (Centro de Emprego Protegido da ARCIL), ao abrigo do artº 9.º do DL 40/83, por despacho do Sec. Estado do Emprego e Segurança Social, Bagão Félix, de 31/12/1987, tendo-se assinado acordo de cooperação entre IEFP e ARCIL em 19/07/1988. Nele se incluíram, inicialmente, três valências – Serração de Madeiras, Reparação de Calçado (Sapataria) e Serviços (abrangendo actividades de mecâ Filomena Pereira entrevistada por João Pinho, 08/03/2014 ADA – Relatório da Pré-Profissionalização, 07/07/1998

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nica-auto, cozinha, serralharia, agro-pecuária, informática, olaria e lavandaria), tendo inicado actividade ainda nesse ano. No CEPARCIL vieram a integrar-se os vários sectores produtivos da instituição: a ARCILAGRO, a ARCILCERÂMICA. ARCILCARD, a ORCA e a ARCILMADEIRAS. Tudo girava em torno da reabilitação. Fruto do sucesso alcançado com as diversas experiências, as instituições públicas cedo reconheceram o papel destacado da ARCIL: em Maio de 1988 passou de observador a vogal do Conselho Nacional da Reabilitação236 A integração profissional das pessoas com deficiência passo decisivo para a reabilitação, carecia a montante de uma adequada formação. Em Janeiro de 1989 dar-se-iam os primeiros passos em adequar a oferta formativa ao Mercado de Trabalho e à igualdade de género. Abordado o problema «…da falta de resposta em saídas profissionais para raparigas utentes da ARCIL (…) mais eficaz para rapazes (…) decidiu-se encarar de frente esta questão, iniciando de imediato contactos no sector têxtil, a fim de tentar criar as saídas profissionais desejadas»237. Estes contactos surtiram efeito dado que entre 1989/1990 ocorreriam as primeiras integrações profissionais de formandos em empresas, beneficiando do decreto-lei aprovado a 17/07/1986 prevendo a redução para cerca de metade da carga contributiva das entidades empregadoras para a Segurança Social e Fundo de Desemprego em função dos trabalhadores deficientes contratados238. Mas, a este nível nada seria tão histórico e marcante como o arranque do projecto de Enclave numa empresa têxtil da Lousã (vide fotos 56 e 57) – Fábrica de Alcatifas da Lousã, gerida pela família Carvalho. Envolveu um acordo tripartido incluindo a ARCIL (apoio psico-social) e o IEFP, naquele que foi o 1.º enclave em Portugal e durante anos o único, sendo classificado como «… uma experiência pioneira no país, que apesar de se poder efectuar e para a qual existe legislação própria, ainda não foi tentada por mais nenhum empresário»239.

ADA – Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 1985-1997 Acta n.º 30, p. 54 Idem. Acta n.º 34, 10/01/1989, p. 58 238 «Deficientes trazem vantagens» In Diário de Coimbra, 18/07/1986 239 «ARCIL:respira-se saúde no Cabo do Soito» In Trevim, nº 566, 17/09/1992 236 237

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Foto 56 - O Enclave da fábrica das alcatifas da Lousã, anos 90

Foto 57 - Visita do Ministro do Emprego e Segurança Social, Silva Peneda, ao Enclave, 1990

O seu arranque data de 1990 e José Ernesto Carvalhinho recorda-nos como contornou uma dificuldade burocrática: «Na época e contrariamente ao que determinava a Lei de Emprego Protegido (que previa o emprego no domicílio, os enclaves e os Centros de Emprego Protegidos), alguém no IEFP não autorizava a criação de enclaves nas instituições. Assim contornámos a situação, propondo a criação da área de serviços que funcionava, na prática, como um enclave na instituição. E dessa forma já foi aceite. Em anos seguintes e com outras pessoas no IEFP foram criados vários enclaves em Instituições»240.

José Ernesto Carvalhinho entrevistado por João Pinho, 19/12/2013

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Os contornos históricos do funcionamento do enclave foram-nos contados na primeira pessoa por Luís Carvalho241: «Quando já estava na fábrica, um dia telefonou-me o tio Jorge de Carvalho falando-me na nova legislação sobre Emprego Protegido. Criou-se um enclave dentro da empresa, com 3 ou 4 raparigas, que faziam trabalho de acabamentos de tapetes, sector menos exigente. Trabalhadores normais e deficientes tinham o mesmo ordenado (o que dava polémica com os outros trabalhadores). Terá sido o 1.º enclave em Portugal e foi durante anos o único, sendo visitado por outras instituições. «Durante esses anos os deficientes sentiam-se pessoas iguais às outras. Tinham ordenado, patrão, horários. O enclave acabou com a reestruturação urgente dos recursos humanos nos anos 90». A Integração em Mercado de Trabalho conheceria por estes anos grande actividade. Rui Moreira recorda algumas das regras básicas do funcionamento deste sector: «Nunca aceitar que ninguém fosse recebido para estágio, serviço ou outra ocupação profissional por pena. Combate à visão caritativa. Levava-se em linha de conta a noção de adaptação, não só das próprias pessoas mas também dos postos de trabalho. Negociar com honestidade. Sermos realistas. Não ultrapassar expectativas com patamares elevados»242. Tal como noutros projectos e áreas realça a vantagem de dar e receber no campo da aprendizagem: «aprendemos muito com entidades nacionais e estrangeiras, mas também ensinámos muito. O trabalho que fazemos aqui é em rede. Já vem de trás. Implica muitas pessoas». Das várias experiências destaca a aprendizagem com o projecto desenvolvido com a CERCIFAFE: «Eram capazes de encontrar soluções de emprego, mas que não tinham nome. Não era um ajudante de carpinteiro, de serralheiro ou pedreiro. Iam bus-

Luís Carvalho n. 1957, nat. da Lousã, neto do fundador da Fábrica de Tapetes da Lousã e neto do fundador e benemérito da ARCIL Mário de Carvalho. 242 Rui Moreira, natural de Malanges (Angola, n.1964). Admitido na ARCIL em 1989 como

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Técnico de Serviço Social, ao abrigo do Programa PAS (Programa de Apoio Salarial). Desempenha funções como técnico de integração laboral. Entrevistado por Marta Ramos em 2011

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car tarefas simples e rotineiras (isto falando de pessoas com mais dificuldades) que eram executadas por vários trabalhadores em vários postos de trabalho, que muitas vezes outras pessoas não gostavam de fazer. A nossa estratégia era rentabilizar essas pessoas, que estavam a ganhar um salário mais alto, deslocando-as para outras tarefas. As pessoas acabavam por encontrar o seu posto de trabalho. Foi o caso do chegador-ajudante. Depois passavam a outras categorias». A integração laboral de alguém com deficiência proporciona-lhe momentos de grande alegria e satisfação pessoal e profissional: «Quando consigo um contrato é uma alegria muito grande. Cheguei lá, ao meu objectivo. E, quando vejo alguém passar com o seu carro, que consegue ter a sua casa, que vai votar, que tem filhos, que tem o seu emprego, e as suas dividas, que é respeitado e que faz as suas compras sozinho, que faz as suas asneiras, que se isola porque quer estar sozinho, e não nos cumprimenta, no fundo que faz aquilo que todos nos fazemos no dia a dia…nessas alturas eu penso: participei um bocadinho para que aquelas pessoas que ali estão, sejam cidadãos de corpo inteiro. São autónomos. Cumprimos o nosso papel».

CENTRO DE RECURSOS No final da década de 80, ocorreu a primeira experiência de integração profissional de um jovem com deficiência numa empresa na Lousã, concretizando uma perspetiva ideológica e técnica defensora da integração profissional em postos de trabalho no exterior. A partir de então, efetuou-se um investimento claro na área da integração em mercado normal de trabalho dos formandos que concluíam os cursos de formação, que veio a traduzir-se em taxas de integração na ordem dos 70% e numa grande disponibilidade das empresas e outras organizações e serviços para o acolhimento destes jovens e adultos em estágios, formação em alternância e emprego, prestando a ARCIL todo o apoio técnico ao processo de colocação e acompanhamento posterior. No âmbito das medidas de apoio à integração, manutenção e reintegração no mercado de trabalho de pessoas com deficiência ou incapacidade, a ARCIL CAPÍTULO 3 – Um Longo Caminho: 1981-1994

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é credenciada como Centro de Recursos para apoio aos Serviços de Emprego da Lousã e Arganil, que encaminham as pessoas inscritas para: - IAOQE – Informação, Avaliação e Orientação para a Qualificação e o Emprego – visa apoiar os destinatários na tomada de decisões vocacionais adequadas, disponibilizando informação necessária, promover a avaliação da sua funcionalidade e capacidade produtiva, identificar as adaptações do meio e os produtos e dispositivos mais adequados à sua adequada integração em mercado de trabalho, com vista a superar as limitações da atividades e restrições de participação no âmbito profissional. - Apoio à Colocação – visa promover a inserção dos destinatários no mercado de trabalho através de um processo de mediação entre as mesmas e as entidades empregadoras, tendo em consideração os aspetos relativos à acessibilidade, à adaptação dos postos de trabalho, ao desenvolvimento de competências gerais de empregabilidade, bem como sensibilizando as entidades empregadoras para as vantagens de contratação deste público, e apoiando os destinatários na procura ativa de emprego e na criação do próprio emprego. - Acompanhamento pós Contratação – destinado a trabalhadores com deficiência ou incapacidade, por conta de outrem ou por conta própria, que necessitem de apoio para a manutenção ou progressão no emprego, e a entidades empregadoras que tenham ao serviço trabalhadores com estas características. É prestado apoio técnico na adaptação às funções a desenvolver e ao posto de trabalho, na integração no ambiente sócio laboral da organização, no desenvolvimento de comportamentos pessoais e sociais adequados ao estatuto de trabalhador e na acessibilidade e deslocações dos trabalhadores para a organização. Mas nem todos compreendiam o papel da empregabilidade na reabilitação da pessoa com deficiência. Nos princípios dos anos 90 levantaram-se várias vozes contra, acusando a ARCIL de usar os deficientes para realizarem determinadas tarefas pagando-lhes muito pouco. Eram, na verdade, aqueles que não compreendiam o papel da formação, e que desconheciam o salário mínimo nacional que era assegurado a quem ia para Emprego Protegido, cerca de 60 indivíduos em 1995! Perante tão gritante desconhecimento, José Ernesto Carvalhinho ex244

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plicaria as vantagens da aposta na formação e empregabilidade: «Há uns bons anos atrás o deficiente era tido como uma pessoa não normal, ou seja, havia uma filosofia que consistia em tratar o deficiente como “o coitadinho” que não era capaz de fazer nada. Nós apostámos, e hoje somos copiados no plano nacional e até internacional, que o deficiente era capaz de fazer coisas e poderia vender essas coisas pela sua qualidade e não por ser o coitadinho de um deficiente que as tinha feito. A prova é que tudo aquilo que vendemos é comercializado, sem que tenha a designação “fabricado por deficientes”»243. Esta clara aposta no Emprego Protegido teve a cobertura inicial da delegação de Coimbra do IEFP e, posteriormente, do Serviço de Emprego da Lousã. Como nos conta um dos seus antigos responsáveis, Filipe Carvalho, o peso financeiro da ARCIL no contexto regional compreendia «…um orçamento significativo, no âmbito das diversas programas apoiados pelo IEFP, tanto mais que algumas das medidas, específicamente o “Emprego Protegido”, dependia de decisões e orçamento dos Serviços Centrais – Xabregas»244. Em 1989, a ARCIL daria um passo importantíssimo com a adesão à Rede Europeia de Centros de Reabilitação Profissional, enquadrada no Programa HELIOS, o único programa da Comunidade Europeia exclusivamente dedicado às pessoas com deficiência. A 15 de Julho de 1991, seria formalizada a adesão à FORMEM - Federação Portuguesa de Centros de Formação Profissional e Emprego de Pessoas Deficientes – como co-fundadora, nomeando o presidente como representante e mandatário da mesma. A procura de resposta a necessidades de pessoas com deficiências físicas continuaria nos anos seguintes. Nos finais de 1992 seria lançado o curso de formação de escriturário para deficientes com a designação de Curso de Técnicas Administrativas. Também neste ano a ARCIL passou a Centro HANDINET – Informação, formação e aconselhamento em Ajudas Técnicas, no âmbito do já referido Programa HELIOS. Jornal da Lousã, 03/02/1995, Ano 1.º, n.º 6, p. 6 Carlos Filipe Carvalho entrevistado por João Pinho, 25/10/2013. Entre 1992 e 1997, Filipe Carvalho foi Chefe de Divisão da Reabilitação do Centro de Emprego da Lousã, responsável por todas as medidas e Programas no âmbito da Reabilitação e, com todas as Entidades que abordavam toda a problemática dos deficientes e da reabilitação.

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Em 1993 foi membro fundador da Rede Europeia PHILADELPHIA, actualmente EAPH – European Association for People with a Handicap. Desempenhou um papel fundamental como lobby internacional de pressão a favor dos direitos das pessoas com incapacidade. Após o Congresso de Salamanca (Junho 1994), Portugal ratificou a declaração e deu-se um grande passo, como recorda Ana Bénard; «do ensino integrado para a educação inclusiva. Passou a desenvolver-se a linha de educação inclusiva em termos de formação, etc». Também Filomena Pereira recorda o momento chave, a partir do qual Portugal «…começou a organizar todo o seu sistema nesse sentido, publicando legislação, continuando as instituições de apoio especial, mas também o desenvolvimento do sector integrado»245. Mas, como vimos, na ARCIL a inclusão era há muito tempo um objectivo e uma prática. Na Lousã circulam várias histórias de reabilitação de pessoas com deficiência. Relembre-se, por exemplo, a do Zé Moreira: «Cego, hoje massagista da ARCILSAUDE em Emprego Protegido. Tem 40 anos e pouco. Cegou aos 7. Tem 3 filhos, e uma empresa de venda de rações para animais. Construiu uma casa onde quem cortou as madeiras e assentou foi ele próprio. Por ter uma deficiência não limita a sua estrutura mental»246. Paralelamente a instituição aposta na formação dos seus quadros: através do programa FOCO as Escolas da Lousã e Miranda do Corvo associaram-se, criando um núcleo de que a ARCIL também fazia parte. A iniciativa de um dos cursos pertenceria à associação e alguns dos elementos da Direcção e do Corpo Técnico actuaram como organizadores e/ou formadores em três dos cursos em funcionamento: Desenvolvimento Pessoal e Social; Problemas de aprendizagem da Leitura e da Escrita; Projecto da Educação para Todos247.

Filomena Pereira entrevistada por João Pinho, 08/03/2014 Cristina Silva entrevistada por Marta Ramos, 25/02/2011 247 ADA – Boletim Informativo da ARCIL, 03/03/1993 245 246

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2.4. NOVAS UNIDADES E SECTORES

A primeira estrutura produtiva – Serração de Madeiras – iniciou actividade em 1983, com a integração de jovens e adultos com deficiência física e mental num mesmo espaço, na produção de tacos e mais tarde na restauração de móveis. E, em 1985 seria criado o Sector de Apoio pela Ocupação (SAPO248) para pessoas com deficiência de grau grave / moderado, que lhes dificultaria a realização de uma actividade profissional. Uma unidade que, segundo Carvalhinho, tinha um objectivo geográfico e comunitário: «Pressupôs colocar no meio da população um conjunto de indivíduos a trabalhar: conceito apreendido no Centro Rainha Fabíola (Bélgica), onde tinham as pessoas distribuídas. Trabalhar normalizava e trazia prazer pelo dinheiro que o deficiente ganhava como todos os outros»249. O monitor José Gaspar, com mais de 30 anos de casa, apoiou o nascimento do SAPO. Recorda-se que até então vinha desempenhando actividade na instituição como auxiliar de funções pedagógicas, a convite do psicólogo Mário do Carmo Pereira, numa altura em que «ainda não existia a figura do ocupacional», refere. Quanto ao novo sector entende que o mesmo nasceu trazido pela necessidade de dar aos utentes algo mais que conhecimento escolar: «Concluímos que a parte da escola já não despertava grande interesse, especialmente aos utentes mais velhos. Gostavam de fazer coisas, sentiam-se muito importantes a fazer coisas e a mostrar aos outros, principalmente o monte, a quantidade produzida. Ficavam no entanto chateados quando o monte ia embora»250. Seguiu-se, em 1987, a constituição formal da valência Centro de Actividades Ocupacionais (CAO), em Acordo de Cooperação com a Segurança Social. Foi um sector muito relevante na área da reabilitação e integração «…que

SAPO, tal como a ORCA são nomes de unidades da ARCIL, cujas designações evocam o nome de animais. 249 José Ernesto Carvalhinho entrevistado por Ana Marta Ramos, 25/10/2011 250 José Gaspar entrevistado por João Pinho, 16/12/2013 248

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esteve dividido por 2 equipas – uma que trabalhava com a Intervenção Precoce, a Integração Escolar e Centros de Dia para pessoas com deficiência profunda e grave e outra – Equipa de Apoio ao Sector de Adultos – que apoiava o Emprego Protegido e o SAPO»251.

Foto 58 - Passeio anual do SAPO (Badoca Park, Vila Nova de Santo André)

Helena Montez recorda-se que por volta de 1990 o CAO da ARCIL sofreria uma alteração no conceito subjacente ao seu funcionamento: «O CAO estava até então um pouco infantilizado; ocupação pelo prazer, pelo bem-estar, sobretudo, faltava dar o salto para fazer algo que a sociedade vai valorizar. Integrei-me nessa filosofia, na ideia da ocupação socialmente útil que o Carvalhinho me vendeu muito bem, no bom sentido, de não transformar adultos em crianças, que devem sentir-se úteis à sociedade, mesmo uma pessoa com grau de deficiência grave».

Ana Araújo entrevistada por Marta Ramos, 24/02/2011

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Esta visão faria a diferença, algum tempo depois, face a outras instituições: «Sentia-se nos deficientes o entusiamo e alegria. Enquanto para uma pessoa normal estar a fazer uma coisa repetitiva e monótona é aborrecido para eles não era porque a segurança de fazer algo que se conhece e sabe fazer bem, mesmo que demorasse todo o dia, a pilha maior era a maior alegria que se pode ter. Não havia a sensação de cansaço. Nunca vi pessoas aborrecidas»252. Paralelamente os utentes de CAO aproximaram a ARCIL da Lousã e vice-versa, numa relação especial: «Funcionava muito bem e não era habitual. Fazíamos questão de todas as semanas vários grupos virem à Vila fazer actividades de sociabilização. O CAO funcionava na sede e esta vinda à vila de pessoas com deficiências várias vinham ao café lanchar, iam às compras, e tudo isso servia como aprendizagem em termos de estar em sociedade, de se dirigir às pessoas, de comunicar e sociabilizar, mas também servia, e acho que isso era notório para que as pessoas se habituassem a ver aqueles clientes»253. A partir de 1998, foram reorganizados os sectores de apoio e todo o CAO passou a ser apoiado por uma Equipa Técnica, liderada pela Ana Araújo.

Helena Montez entrevistada por João Pinho 28/12/2013 Idem.

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CAO – CENTRO DE ATIVIDADES OCUPACIONAIS A resposta a pessoas com deficiência grave constituiu-se numa preocupação dominante desde a criação da Associação. Considerando-se que as pessoas com deficiência grave beneficiam com a integração social ativa, mediante o desenvolvimento de atividades ocupacionais tendentes, fundamentalmente, a assegurar condições de equilíbrio físico e psicológico, foram criadas condições para a prestação de serviços técnicos especializados a pequenos grupos de pessoas com caraterísticas e necessidades semelhantes. Assim, foram estruturadas atividades promotoras de bem estar e estimulação, atividades terapêuticas e psicopedagógicas, atividades sociais e atividades ocupacionais socialmente úteis, respondendo a necessidades e interesses específicos. Actualmente o CAO da ARCIL assegura a prestação de apoios especializados a jovens e adultos com deficiência intelectual de grau moderado, grave e profundo, multideficiência, deficiência motora, autismo, paralisia cerebral e deficiência psicológica grave. No Centro de Estimulação Ocupacional (CEO) é privilegiado o bem estar e a qualidade de vida das pessoas com elevado grau de dependência, contribuindo para o seu equilíbrio físico, emocional e social, recorrendo a material adaptado e polivalente que permite uma oferta seletiva de estímulos em salas de Snoezelen. No Sector de Apoio pela Ocupação (SAPO), no Pólo de Góis, na ARCILCerâmica e na ARCILAgro, são desenvolvidas atividades de caráter ocupacional que contribuem para a valorização pessoal, familiar e social (vide foto 58), favorecendo o aproveitamento máximo das capacidades das pessoas com deficiência. A prestação de Atividade Socialmente Útil (ASU) em serviços internos e organizações externas, com ou sem fins lucrativos, é uma forma por excelência de promover a sua inclusão em ambiente de trabalho e na comunidade. A qualidade de vida, a autonomia, a independência pessoal e social, a aquisição de competências sociais, a expressão do potencial artístico, a participação na vida social da comunidade e a autodeterminação são as áreas chave da intervenção em CAO.

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O crescimento da ARCIL conduziu à necessidade de adaptar ou construir de raiz novas unidades, para garantia de funcionamento e expansão de sectores. Durante o mês de Setembro de 1987 iniciou-se a ocupação do edifício onde funcionava a Escola Secundária da Lousã (antiga cadeia comarcã, em frente à EDP da Lousã), ali se instalando o SAPO (Sector de Apoio pela Ocupação). Conhecido actualmente como «antigo SAPO» nele se introduziu como actividade a recuperação de material ortopédico: «Tratou-se do início do Parque de Ajudas Técnicas, com material que íamos buscar ao Hospital dos Capuchos, em Lisboa, onde se encontrava empilhado e em degradação, e material vindo do estrangeiro (Holanda, Suiça e Alemanha)»254. De comum acordo com o CRSS, decide-se que os arranjos no edifício serão custeados com os juros do dinheiro recebido para a produção de cartões «já que o edifício se destina fundamentalmente ao funcionamento daquele projecto»255. A dinâmica da instituição, assente na expansão das suas unidades, motivou visitas oficiais, de que se destaca, neste período, a do Primeiro-Ministro Cavaco Silva (23/04/1988). Nos anos seguintes visitariam a instituição diversas personalidades: o Secretário de Estado da Saúde, José Martins Nunes e o Secretário de Estado do Emprego e Formação Profissional, Bagão Félix (1992); o Governador Civil Eng.º Pedroso de Lima e o Secretário de Estado do Ensino Básico e Secundário, Joaquim Azevedo (em 1993) este último com a missão de recolher informação para artigo a publicar em livro sobre “Projetos de Educação”. A 15 de Abril de 1994 a ARCIL seria visitada pela primeira vez pelo Presidente da República, Mário Soares, apreciando demoradamente o projecto ligado à dinamização da Silveira.

José Ernesto Carvalhinho, entrevistado por João Pinho, 19/12/2013 ADA – Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 1985-1997 Acta n.º 22, 24/09/1987, p. 45

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VISITAS OFICIAIS EM 1985 «Como dissemos no último número deste jornal, muitas têm sido as pessoas que nos têm vindo visitar, interessadas em conhecer a ARCIL e o trabalho que aqui se desenvolve. Seria impossível, dadas as limitações de espaço deste pequeno jornal, citar todas as pessoas que, desde Janeiro, por cá passaram. Faremos um apanhado que, sem ser exaustivo, dará uma ideia mais ou menos correcta aos nossos leitores: - APPACDM de Coimbra – CERCI-MIRA (Direcção) – Um grupo de técnicos franceses acompanhados por elementos do Serviço Nacional de Reabilitação – CERCIAV de AVEIRO – CERCI de MIRA-SINTRA – Centro de Paralisia Cerebral de Coimbra – Dr.ª Cristina Louro, do Centro de Paralisia Cerebral de Lisboa – Centro Regional de Segurança Social de Viseu – Serviços Sociais das Forças Armadas – Sr. Vicanik, técnico da Organização Internacional do Trabalho (OIT), acompanhado pelo Chefe dos Serviços de Reabilitação do Ministério do Trabalho, Dr. Proença, e pelos Drs. Patrício e Fernandes Martins dos mesmos Serviços – CERCIG da GUARDA – GAT de Leiria – CERCIMB do Barreiro – APPACDM de SANTARÈM – Prof. EDGAR GENE, técnico de Educação Especial nos Estados Unidos, acompanhado pela Coordenadora Regional da DEE.» [«Visitas» In Pequenada, N.º 19, Maio 1985]

O SAPO seria reorganizado nos finais de 1989 com «a ligação da zona do fundo com o edifício principal e instalação de um monta-cargas».256 O Lar de Profundos (ou Residencial) foi lançado a 20 de Novembro de 1986, quando José Nobre Pinto Sancho, em visita oficial à ARCIL enquanto Secretário de Estado da Segurança Social, deu ordem para adaptação do lar para deficientes profundos na Misericórdia e lançamento da creche.

ADA – Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 1985-1997, Acta n.º 40, 14/11/1989, p. 63

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Tinha como objectivo dar resposta aos utentes sem família ou com famílias destruturadas, servindo também para apoio aos pais que momentaneamente não pudessem tomar conta do filho e que pela sua deficiência não tinham a quem os deixar, quando precisavam de descanso, de ir ao médico, ou a actividades sociais. Constituindo uma iniciativa pioneira, serviu de base ao desenvolvimento de acções idênticas pelo país. A 9 de Novembro de 1987, a direcção aprovaria que a sua instalação fosse feita sob orientação da inglesa Sybil Frances Williams, já contactada e disponível257. Abriria em 1988, e compreendeu um acordo celebrado com a SS e SCML. Inicialmente esteve associado a este projecto conjunto uma futura creche. O Lar de Profundos veio a funcionar provisoriamente no 3º piso do Centro de Saúde, durante as obras na Misericórdia e para lá regressou e se encontra actualmente. As Unidades Residenciais da ARCIL conheceram significativa expansão nos anos seguintes: - Apartamento no Bairro do Penedo: localizado na Lousã, em terrenos cedidos pela CM, a sua remodelação seria apreciada pela direcção em Dezembro de 1989. Aquele apartamento ficou concluído em 1990 com projecto de arquitectura elaborado pelo GAT da Lousã. Acolheu, a partir de Março de 1991, jovens do sexo masculino, portadores de deficiência mas com autonomia pessoal. Teve, como primeiros utentes: Paulo Jorge, José Carlos, José Antunes (trabalhadores do Anexo-Serração de madeiras) o João Paulo, (do SAPO), o Alcino Gonçalves (trabalhador na Quinta do Hospício ao lado da ARCIL) e Paulo Caetano (da Mecânica-Auto).

Idem. Acta n.º 24, 9/11/1987, p. 48

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O apartamento foi orientado inicialmente pelo monitor Carlos Galvão258. Em Janeiro de 1992, o espaço seria dividido em duas áreas residenciais: de um lado os residentes que necessitavam de um maior apoio e acompanhamento e, do outro lado, os residentes com vida autónoma259. E, no princípio do ano seguinte teria inicio o apoio pela monitora Manuela Simões na área do treino de independência pessoal a decorrer duas vezes por semana. Como recorda Ana Abrantes a entrada em funcionamento do apartamento do Penedo – Lar no Bairro do Penedo – pensado e projectado inicialmente para ambos os sexos, levantou a questão delicada da sexualidade em pessoas com deficiência: «Fomos inovadores nas respostas – actualmente temos casais a viverem de forma independente. A 1ª Unidade residencial de raiz foi no Penedo, para dar apoio residencial a um conjunto de pessoas. Na altura ponderou-se colocar rapazes e raparigas nesse espaço, o que veio a levantar muitas questões. Tive divergência com Carvalhinho, que dizia “filhos é que não”. Fomos acusados de promover a promiscuidade, tivemos de recuar e colocar apenas rapazes. Também as consultas de planeamento familiar levantaram problemas com os pais dos utentes. A maternidade é um direito; chegámos a trabalhar com a intervenção precoce, com o Centro de Saúde e com a Maternidade que possuía um serviço vocacionado para pessoas com deficiência»260. Sobre aquela divergência, Carvalhinho recorda: «…a minha discordância de ter filhos era para aqueles cuja deficiência mental não lhes permitia tomarem conta de si próprios. Foi uma posição muito polémica que tomei a nível nacional, o direito a afectos e sexo sem filhos (referia-me sempre à deficiência mental). Estava também em oposição a quem achava que os seus meninos, filhos ou alunos, não cresciam sexualmente. Os anos deram-me razão pois os que tiveram filhos criaram mais uma necessidade de resposta institucional.

ADA – Boletim Informativo da ARCIL, 05/03/1991 Idem. Janeiro 1992. 260 Ana Abrantes entrevista por Marta Ramos, 24/02/2011 258 259

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Recorde-se, também, que aquela unidade residencial foi desenhada e construída com duas alas (uma feminina, outra masculina), mas não abriu no sistema misto pois na altura verificámos que tal situação nos iria colocar problemas na comunidade lousanense. É de realçar a diferença na aceitação em Portugal, e em particular na Lousã com a maior naturalidade, da temática da sexualidade, e em especial nas pessoas com deficiência: por exemplo, a pouco e pouco foram-se criando casais formais e informais, alguns com filhos – foi um pioneirismo na época e ainda uma excepção nos nossos dias»261. O apoio residencial é assim, no início da década de 90, confrontado com uma nova realidade – jovens adultas com deficiência intelectual que engravidam e que têm filhos, sem uma estrutura familiar de retaguarda, necessitam de um apoio permanente na vivência da maternidade, para que consigam assegurar aos seus bebés os cuidados necessários. O apoio residencial a mães com filhos exige novas competências aos colaboradores e uma atenção redobrada a todas as questões desenvolvimentais das crianças, com um investimento significativo na promoção de competências de parentalidade das residentes. A residência para raparigas (algumas com filhos), em edifício situado na Quinta de Santo António, entraria em funcionamento no mês de Dezembro de 1993 com 5 utentes, ficando outros tantos nos Codessais (apartamento que vinha acolhendo raparigas desde meados de 1991 262. A preocupação com esta nova realidade leva a que sejam acolhidas ao longo dos anos 90 várias famílias constituídas por mãe com 1, 2 e 3 crianças, por vezes por decisão técnica interna, noutros casos por solicitações externas. Fruto desta dinâmica e aposta interna, a ARCIL desenvolveu e estruturou o Sector de Apoio Residencial entre 1992 e 1993. Para tal fim readmitiu, no final de Novembro de 1992, Fernando Queiróga, psicólogo, para a coordenação e desenvolvimento do “espaço nocturno” relacionado com toda a problemática dos utentes dos apartamentos. Colocava-se, deste modo, um ponto final na dis-

José Ernesto Carvalhinho, entrevistado por João Pinho, 19/12/”013 ADA – Boletim Informativo da ARCIL: 11/06/1991; Nº 12, Dezembro, 1993

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persão deste sector, dividido entre a equipa do CEP, que geria os apartamentos, e Ana Araújo, responsável pela residência para pessoas com deficiência profunda. Este novo sector, entre 1993 e 1995 participaria no Programa HORIZON através de um projecto promovido pela CRINABEL (Cooperativa de Educação de Crianças Inadaptadas de Santa Isabel-Lisboa), denominado “Apoio Técnico à Criação de Projectos de Residências para Pessoas com Deficiência Mental”.

LAR RESIDENCIAL A necessidade de criar respostas residenciais surgiu numa fase muito precoce da vida da ARCIL, no início da década de 80, mantendo-se como uma resposta essencial até aos dias de hoje. De acordo com o Despacho Normativo 28/2006, de 3 de Maio, o Lar Residencial é um equipamento para acolhimento de pessoas com deficiência que se encontram impedidas, temporária ou definitivamente, de residir no seu meio familiar. Ao disponibilizar alojamento e apoio residencial, esta resposta pretende promover condições de vida e de ocupação que contribuam para o bem-estar e a qualidade de vida adequadas às necessidades específicas dos seus destinatários, implementar estratégias de reforço da auto estima, da valorização e da autonomia pessoal e social, assegurar condições de estabilidade e reforço da autonomia para a organização de atividades de vida diária. Em simultâneo, é assegurado aos residentes a frequência da escola, de formação profissional, de atividades ocupacionais ou de emprego apoiado. Sempre que possível é estimulada a manutenção de laços familiares. A autonomia e a independência pessoal assumem primordial relevância para as pessoas com necessidades especiais - ser capaz de viver com independência ou com assistência em função da sua necessidade. Algumas pessoas necessitam de alojamento com supervisão permanente sendo a sua autonomia desenvolvida através do treino de atividades de vida diária. Outras percorrem uma trajetória de aprendizagem que lhes permitirá viver sem monitorização permanente e o nosso papel é acompanhar, orientar, sem definir as suas escolhas, facilitando 256

Pessoas, Ideias e Afectos | ARCIL – um projecto de causas

o exercício individual da autonomia e da auto determinação e a vivência de experiências enriquecedoras. O Lar Residencial da ARCIL acolhe actualmente 60 residentes em 8 equipamentos individualizados, dois dos quais se destinam a pessoas com níveis de elevada dependência, necessitando de apoio permanente em todas as atividades de vida diária. Os restantes 6 equipamentos acolhem jovens e adultos com deficiência, com necessidade de suporte regular na realização de diferentes atividades, com possibilidade de participação no funcionamento do Lar, realizando tarefas de reduzido nível de dificuldade. Ao longo dos últimos anos, um número significativo de residentes tem vindo a transitar para casa própria, em agregados de composição variada, após um investimento significativo na aquisição de competências pessoais e sociais.

Apoio Residencial, Ana Lúcia Cardoso

Apoio Residencial, Pedro Manco

Apoio Residencial, Lurdes Gonçalves

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Em Novembro de 1988 decidiu-se fazer uma nova instalação de lavandaria no local onde funcionou o SAPO (e antes as salas de trabalhos manuais). Paralelamente existia autorização para colocar a concurso a última fase das instalações da hidroterapia, ficando-se a aguardar um parecer técnico do GAT para tomar uma decisão sobre as propostas relativas ao concurso das obras. O projecto dos cartões tornou necessárias instalações apropriadas para esse fim, tendo a CML disponibilizado a antiga cadeia comarcã, onde já funcionava o SAPO desde finais de 1987. Em Setembro de 1989 as instalações adaptadas estavam prontas, as máquinas para impressão disponíveis para levantamento em Lisboa, disponibilizando-se também uma viatura de apoio. Em Dezembro de 1987, apreciou-se o projecto de ampliação das instalações da Hidroterapia, Ginásio e Fisioterapia. Este projecto, feito tal como outros sempre com dedicação e grande disponibilidade pelo Arquitecto Aristides Lourenço, com acompanhamento da terapeuta Júlia (vide foto 59), foi precedido de visitas a Espanha e França para conhecer instalações já em funcionamento e trocar ideias com especialistas desses países.

Foto 59 - Piscina de reabilitação, sessão sob orientação da fisioterapeuta Júlia, princípio dos anos 90

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Um ano depois, em Dezembro de 1988, seria lançado o concurso para a 2ª fase da sua construção, com preço base de 43.583.832$00, prazo de execução de 700 dias, projecto da autoria do GAT da Lousã e totalmente financiado pelo CRSS263. Veio a ser adjudicado à firma J. Santos Ld.ª Nascia assim um novo edifício no Cabo do Soito, que veio a ser inaugurado a 15/11/1990 pelo Ministro do Emprego e da Segurança Social, José Silva Peneda, com a designação de Centro de Reabilitação Física 264 que foi dado como concluído a 22 de Fevereiro data do auto de recepção provisória da obra265. Inicialmente prestava apoio aos utentes da instituição, mas, a partir de 1991 passou a prestar apoio ao exterior, abrindo, a 04/01/1992, o Serviço de Medicina Física e Reabilitação, pelo presidente do CRSS, Queiró de Lima266. Ao satisfazer uma dupla função “obrigava” a que as pessoas sem deficiência entrassem na ARCIL e sentissem que eram tratados com qualidade, banalizando a entrada de pessoas no seu espaço e dos utentes na comunidade. Este Centro de Reabilitação foi, aliás, criado para também trabalhar com clientes de fora: a sua dimensão e financiamento relacionavam-se com a necessidade de resposta qualificada aos utentes e a rentabilização, criando uma resposta até então apenas existente nos HUC. Integrava uma estratégia de recuperação/ reabilitação para a área fora de Coimbra: na época estava prevista a construção de 4 Centros de Reabilitação (Norte, Sul, Este e Oeste de Coimbra), mas apenas foram construídos dois: Lousã e Rovisco Pais. Esta estrutura passou a designar-se, nos finais dos anos 90, como ARCILSAÚDE (vide conjunto de fotos p. 261) e nele se admitiram técnicos especializados estrangeiros; holandeses, colombianos e são tomenses, entre outros. Ainda naquele ano também se instalou e abriu à comunidade no edifício sede, um gabinete de Medicina Dentária, com equipamento vindo da Suiça e oferecido em 2ª mão, que mais tarde seria transformado em serviço de clinica «ARCIL lança concurso público» In Trevim, nº 477, 22/12/1988 «Ministro da Segurança Social inaugurou Centro de Reabilitação da ARCIL» In Trevim, n.º 524, 06/12/1990 265 Boletim Informativo da ARCIL, 05/03/1991 266 «ARCIL abre ao público serviço de reabilitação» In Trevim, nº 550, 09/01/1992 263 264

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dentária – medida tomada após a tentativa infrutífera da cedência do gabinete existente no então Hospital da Lousã, totalmente equipado e que nunca chegou a ser utilizado. O serviço de clinica dentária foi uma resposta pioneira e fundamental, na medida em que na época era praticamente impossível o tratamento de doenças odontológicas em indivíduos portadores de deficiência mental quer nos organismos nacionais de saúde, quer em gabinetes privados. O acolhimento e procura deste serviço pela comunidade teve, no entanto, duas faces: em meados de 1993 registava-se o congestionamento dos parques de estacionamento internos em consequência do número de utentes que afluíam à ARCIL. Como a Agro-Pecuária estava já transferida para a Quinta do Caimão, alargou-se o espaço de estacionamento. A partir de Setembro de 1994 A ARCILSAÚDE passou a dispor de instalações para a prática de ginástica de manutenção em horário pós-laboral e outras actividades como ginástica para grávidas, natação para bebés. Etc.

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Pessoas, Ideias e Afectos | ARCIL – um projecto de causas

ARCILSaúde

Professora Willy Kriek orientando sessão de psicomotricidade no actual ginásio, anos 90

2010 - Piscina de reabilitação física, sessão orientada pela fisioterapeuta Marina Antunes

Equipa da fisioterapia da esquerda para a direita: Carla Costa (fisioterapeuta), Ivo Padilha (atleta de BTT) Fátima Nunes (auxiliar) e José Moreira (massagista)

Gabinete da dentista Dr.ª Nídia Mateus

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SANDRA NARANJO – UMA COLOMBIANA NA ARCILSAÚDE Sandra Naranjo era, nos princípios de 1990, uma fisioterapeuta no seu país natal, na Colômbia, mais propriamente no Hospital de Bogotá. Gozava de uma situação estável, mas tinha interesse em conhecer outras culturas e formas de trabalhar. Um dia enviou o seu currículo para Portugal e veio a ser chamada para integrar a ARCIL em 1992, onde se manteve até 1997. Quando chegou começou por trabalhar com os utentes externos, passando depois a cuidar dos internos. Refere que havia alguns problemas entre os fisioterapeutas holandeses e o fisiatra, fazendo notar uma distinção relevante entre o seu país e Portugal: «lá, o fisioterapeuta faz parte da equipa médica, intervém na escolha da terapêutica, tem mais poder no campo hospitalar, na área da reabilitação». Na ARCIL encontrou condições ideais: «O ambiente, a estrutura, era muito boa», destacando a figura do Prof. Carvalhinho: «Ele sempre escutava as pessoas e sentia-me muito bem, ouvia as minhas ideias e projectos». Guarda com particular satisfação o bom acolhimento que o então presidente deu a uma ideia: «construção de um ginásio à parte, apenas para internos, porque eles distraiam-se com facilidade na presença de externos». Também difícil de esquecer o seu modo de trabalhar: «Chegava um subsídio de repente, Tínhamos de decidir superápido o que iriamos comprar. Não era uma coisa planeada ou programada. Era impulsiva». Embora não possuísse formação base para trabalhar com deficientes profundos não esquece o que aprendeu com eles: «As palavras não funcionam. Para conseguires ganhar a atenção deles tens de gerar uma comunicação bastante pessoal. Eles são muito sensíveis. Tu tens mesmo de querer comunicar-te com eles de coração! O desafio para mim era enorme. Se estivesse com a cabeça noutro lugar não dava. Eles sabiam que eu não estava a prestar atenção, que fazia de conta». Sobre lições de vida recorda muitas, mas há uma muito especial: «Uma miúda que tinha Síndrome de Rett, que vai piorando com o tempo. Tinha dois anos e meio e períodos de ansiedade terríveis. A ideia era tentar rela262

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xá-la. Então, um dia fomos à piscina, ia com ela ao colo mas quando estávamos nas escadas, sentiu a água e mordeu-me no ombro. Era a sua reacção ao medo, às coisas novas, ficou muito nervosa. Habitualmente quando sinto que alguém me provoca dor reajo instintivamente, de forma emotiva e impulsiva. Mas consegui aguentar a dor e continuei a caminhar tranquilamente. A ideia era que ela deveria perceber que não havia perigo nenhum. Eu estava a dar-lhe todo o meu carinho e consegui aguentar a dor, sem reagir. E doía como tudo! Fiquei surpreendida comigo; consegui controlar a dor. Foi uma prova para as duas». [Sandra Naranjo entrevistada por João Pinho, 01/11/2013]

Nos princípios de 1991 começou a ampliação do Sector de Profundos, levando a que as actividades diárias passassem a decorrer no Lar Residencial, situado na Santa Casa da Misericórdia da Lousã, e de acordo com o estabelecido entre as partes267. Ainda neste ano arrancaria o projecto-piloto da CERÂMICARCIL, mais tarde designada ARCILCERÂMICA, que resultou da transferência e ampliação do espaço da Formação Profissional em Olaria e Cerâmica instalado na sede para a Quinta de Santa Rita (vide conjunto de fotos p. 265). O projecto foi elaborado pelo GAT da Lousã e demoraria dois anos a ser aprovado pelo IEFP. Em Fevereiro de 1991 fez-se a 1ª proposta de implementação enviada à Direcção de Serviços de Reabilitação e em Abril de 1991 o projecto seria integrado no Programa Horizon, na vertente FEDER. A CM disponibilizou o terreno necessário na Quinta de Santa Rita para a sua implantação por ofício de 08/07/1991, respondendo afirmativamente às intenções da ARCIL expressas em ofício de 14/06/1991: «Tendo em consideração a prestação de serviços à comunidade escolar, por exigências de alimentação e transporte dos funcionários, bem como pela utili-

ADA – Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 1985-1997 . Acta n.º 45, 20/02/1991, p. 70

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zação da área de Produção como espaço de Formação Profissional de utentes da ARCIL, solicitamos a V. Ex.ª que o terreno se situe na Quinta de Santa Rita»268. A descrição e fundamentos do projecto, constam no documento enviado ao Coordenador Nacional do Horizon em Janeiro de 1993: «permitirá a criação de uma Empresa de Produção e Comercialização de Artefactos Cerâmicos. Visa assegurar a indivíduos deficientes o acesso a um emprego estável e à independência económica, promovendo a sua integração e valorização social e profissional. Por outro lado, contribui para que aqueles que desempenhem as suas tarefas de forma qualificada a partir de um processo de Formação Profissional adequado» Previa a criação de 20 postos de trabalho «…dos quais 75% serão ocupados por, trabalhadores portadores de deficiência». Tratava-se de Formação Profissional em postos de trabalho dos utentes da ARCIL «…provavelmente futuros funcionários, proporcionando uma real aproximação ao mundo do trabalho e a aquisição de conhecimentos técnicos e de competências indispensáveis a um desempenho de qualidade»269. A criação da empresa procurava dar resposta às necessidades de integração destes indivíduos para além de se constituir como uma área de produção economicamente rentável. Tinha como maior inovação o facto de ser gerido em moldes associativos: assente na ARCIL, nos seus técnicos e funcionários, sendo as várias partes co-proprietárias do empreendimento participando na sua gestão e nos lucros resultantes da comercialização dos seus produtos. A ARCIL era o sócio maioritário, «orientando o funcionamento da Empresa para a promoção do bem-estar, e para a valorização pessoal e profissional da pessoa portadora de deficiência»; «Para os indivíduos deficientes, constitui uma forma de assegurar a estabilidade económica necessária para a sua adequada integração e independência pessoal»270.

ADA - ARCILCERÂMICA –PROG. HORIZON – IEFP – Formulários de candidatura (Dossier) Idem. 270 Idem. 268 269

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ARCILCerâmica

Panorâmica do exterior, anos 90

Área de pintura

Trabalho no exterior, montagem de painel

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Esta inovação, no entender de José Ernesto Carvalhinho não foi fácil de transmitir superiormente: «Era um conceito demasiado inovador para ser percebido por quem estava no gabinete em Lisboa, misturava formação profissional, emprego protegido e ocupacional, sempre na óptica de potenciar as capacidades, tendo em conta o seu bem-estar, de cada um, para a execução de um produto de muita qualidade»271. A candidatura foi entregue ao abrigo do programa Horizon. Por despachos de 18/08/1993 e de 31/08/1993 o Sec. Estado do Emprego e Formação Profissional e o Secretário de Estado do Planeamento e Desenvolvimento Regional, respectivamente, aprovaram a candidatura no âmbito do Programa Operacional HORIZON – Medida 4 – FEDER – Projecto P39 – ARCILCERÂMICA, tendo o custo total do projecto, incluindo terreno, transporte, equipamento e edificação, ascendido a 52.200.000$00272. A 17 de Janeiro de 1994 foi presente o orçamento da empreitada e, a 17/02/1994 seria lançada a primeira pedra pelo Secretário Nacional da Reabilitação, António Charana. A área total necessária a afectar ao projecto foi de 1200 m2, repartida por área coberta (500 m2) e descoberta (700m2). O edifício foi desenhado como estrutura empresarial de pormenor, para dar resposta às pessoas com deficiência e ficou concluído em finais de 1995, permitindo o desenvolvimento de actividades diversificadas: trabalhos de molde (casas e aldeias), trabalhos de roda (jarras, candeeiros, objectos utilitários domésticos), trabalhos de modelação de criação individual. Os trabalhos eram executados em barro vermelho, cozidos, vidrados ou pintados à mão. Para lá da venda em todo o território nacional, os produtos fabricados na secção de cerâmica da ARCIL, pelos utentes portadores de deficiências, mentais e fisicas, alcançaram vários mercados externos tais como; Porto Rico, Suíça, Inglaterra, Japão, Canadá e França.

José Ernesto Carvalhinho entrevistado por João Pinho, 19/12/2013 ADA - ARCILCERÂMICA – PROG. HORIZON – IEFP – Formulários de candidatura

271 272

(Dossier)

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De acordo com o projectado a ARCILCERÂMICA tornou-se um espaço educativo, aberto à comunidade escolar da Lousã, de forma a promover e a desenvolver a expressão criativa infantil. Foi bom exemplo o Programa de Acção para a Politica Comunitária do Ambiente -LIFE Natureza/96, com instalação de sala para trabalhos manuais visando a sensibilização de alunos das escolas. A ARCIL foi promotora numa parceria com a CML e a DUECEIRA, tendo-se assinado protocolo de colaboração em Março de 1996. Com a CML, e no Verão de 1996, seria estabelecido outro protocolo que permitiu que as crianças do concelho e os idosos da SCML aprendessem olaria, na ARCILCERÂMICA, várias vezes por mês. Em Maio de 1989 a Quinta do Caimão estava em fase de acabamentos ao nível de anexos «construídos para criação de pequenos animais tais como frangos e galinhas que se destinam fundamentalmente ao auto-consumo»273. Em 1992 a unidade entra numa fase nova de expansão, após reflexão interna sobre a missão institucional. A quinta seria o exemplo perfeito de aplicação das normas e princípios da instituição: «…promoção, dignificação, valorização e integração da pessoa portadora de deficiência; resposta da instituição aos casos mais difíceis, ou seja, ao deficiente que pelas suas limitações físicas ou psíquicas, não pode ser integrado no mercado normal de trabalho; rentabilização de pessoas e bens e pioneirismo que reverta em bem estar e dignificação do deficiente»274. Na verdade, o objectivo principal da Quinta do Caimão passava por «… oferecer ocupação e emprego aos cidadãos portadores de deficiência, difíceis de integrar no mercado normal de trabalho e para os quais a actividade agrícola é considerada adequada»275. Assim, e de acordo com aqueles princípios base norteadores, definiu-se, em Fevereiro de 1992, um conjunto de prioridades a aplicar na Quinta do Caimão: 1º a construção de duas novas estufas; 2º a construção de estábulos para criar vitelos; 3º: o cultivo de pastagens de sequeiro e a instalação de um cabril-ovil

Boletim Informativo da ARCIL, nº 2, 18/05/1989, ADA – Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 1985-1997 Acta n.º 50, 11/02/1992, p. 77 275 Idem. 273 274

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e dotar as pastagens com um rebanho de arranque; 4º: instalação nas áreas de regadio de uma infraestrutura e unidade de rega por aspersão; 5º: aumento da barragem e consolidação do paredão276. A recuperação dos edifícios da Quinta do Caimão teria a colaboração do GAT da Lousã. A ARCIL vivia tempos de expansão e desenvolvimento. Com uma abertura sem precedentes a aposta era clara: empreender activamente de forma multidisciplinar. Nesse sentido se compreende a hipótese da compra de terrenos e casas em plena Serra da Lousã, nos lugares da Silveira de Baixo e Silveira de Cima (onde já possuíam algum património), colocado pelo presidente Carvalhinho a 11 de Junho de 1992: «…com vista ao desenvolvimento de um projecto integrado, no domínio da agro-pastorícia, florestação, turismo e actividades afins. Salientadas e discutidas as potencialidades de tal projecto, numa perspectiva de ocupação de pessoas deficientes, e uma expectativa de grande aceitação pública do mesmo»277. O entusiasmo contagia os presentes dando poderes ao Presidente para desenvolver acções e contactos, tendentes para a sua concretização. Passando a designar-se como «Projecto da Serra (Silveira)» – vide foto 60 – é aprovada a admissão, em Novembro, do Eng.º Silvicultor Amândio Torres tendo em vista o desenvolvimento do mesmo. Iniciava-se assim a aquisição de grande parte das propriedades de duas aldeias da Serra da Lousã, contando com o aval do Secretário de Estado do Turismo Alexandre Relvas: «Estimado em cerca de 260 mil contos, o projecto abrange a realização, por parte da ARCIL, de actividades tão distintas como a limpeza da floresta, roça de mato, aproveitamento de lenhas, criação de gado caprino, recuperando, aliás, algumas das tarefas produtivas tradicionais da zona.

ADA – Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 1985-1997, Acta n.º 50, 11/02/1992,Pp. 77-78 Idem. Acta n.º 55, 11/06/1992 p. 81

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As actividades de lazer, o engarrafamento de águas e o serviço de restauração são outros dos fins propostos, no pressuposto da recuperação de algumas das casas destruídas pelo abandono e pelo fogo»278. A escritura pública de compra e venda dos terrenos seria lavrada a 29/01/1993 no cartório notarial de VN Poiares, e representaria 30% dos prédios do dito lugar, vindo a adquirir-se a 28/05/1993 por compra em hasta pública a parte que pertencia à CAPRISAN.279 Para este projecto seria doada a casa adquirida por Alexandre Barata Mendes.

Foto 60 - A aldeia da Silveira durante os trabalhos de limpeza geral, princípio anos 90

O Eng.º Amândio Torres recorda-se bem da primeira visita feita ao local: «Na primeira vez que fomos à Silveira não conseguíamos ver as casas por causa da vegetação. Era um silvado enorme. Desbastámos a mata e abrimos caminho, em Agosto de 1993, recorrendo-se a uma candidatura aprovada pelo Instituto Florestal da prevenção de fogos»280. Responsável pelo processo de identificação das várias propriedades junto das Finanças, foi ainda por sugestão

«ARCIL quer recuperar lugares serranos» In Trevim, n.º 584, 03/06/1993 Idem. Acta n.º 54, 06/05/1993, p. 84 280 Amândio Torres entrevistado por João Pinho, 04/11/2013

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de Amândio Torres que a partir de 1994 o projecto da Silveira passou a ser designado como ARCILSERRA (sendo também de sua autoria o logotipo). Em termos de objectivo fundamental, destaca o triplo objectivo turístico: «Ocupar as casas, permitir a estadia de pessoas, e dar-lhes que fazer. Tinha dimensão social e empresarial». O projecto, da autoria de Aristides Lourenço (GAT da Lousã), foi iniciado com a recuperação de duas habitações no cimo da aldeia em Março de 1994.281 A 25 de Fevereiro de 1994 e dado o aumento no número de deficientes profundos e havendo possibilidade de obter subsídio do Min. Educação, a direcção autorizou o arranque, a título experimental e pela primeira vez no país, do Projecto Snoezelen: actividade que pretende oferecer um conjunto de estímulos, de forma selecionada, através da luz, sons, cheiros, sabores e texturas de modo a ajudar o deficiente profundo a descobrir-se a ele próprio e ao mundo que o rodeia. Na época era considerado um luxo e a aquisição de equipamento desta técnica custou 2 mil contos. A sala foi montada no espaço onde actualmente se encontra a Secretaria (vide fotos 61 e 62), então ocupada pelo Sector de Profundos, e na sua instalação (como em tantas outras a nível nacional) participou o “faz tudo” da ARCIL, Luís Tomás282. Posteriormente transitou para onde era a garagem, «transferindo as viaturas para o segundo patamar»283. A sala de snoezelen passou, novamente, para onde está hoje a Secretaria, dali transitando para o CEO, onde se encontra nos nossos dias.

ADA – Boletim Informativo da ARCIL, Nº 3, Março 1994 Luís Tomás começou a trabalhar na ARCIL em 1986 na recuperação do edifício e como electricista, passando a partir de 1988 a fazer a manutenção geral: «Participei em quase todas as obras da ARCIL, trabalhei muito», afirma. 283 ADA – Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 1985-1997, Acta n.º 60, 25/02/1994, p. 92 281 282

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Como havia a preocupação de rentabilizar esses equipamentos (e o investimento neles feito) a representação para Portugal da comercialização desse produto seria confiada à ARCIL, tornando-se representante comercial para Portugal da Handico, da Holanda, e prestadores de serviços na montagem e manutenção destas salas bem como na formação de pessoal.

Foto 61 - Sala de Snoezelen, meados dos anos 90 (actual gabinete da direcção executiva)

Foto 62 - Sala de Snoezelen, 2001/02

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Na mesma altura decidiu-se criar uma sala para apoio a surdos, transformando a sala junto à cozinha para intervenção naquela deficiência, constituindo mais uma inovação; a intervenção especializada com surdos. A 21 de Junho de 1994, data dos seus estatutos (publicados em DR de 14/7/1994), iniciou actividade um novo sector da instituição, uma associação de jovens designada como ARCILJOVEM (tendo-se ponderado outra designação; JOVARC – Jovens da ARCIL). Criado pela iniciativa de um grupo de funcionários e utentes da ARCIL ao abrigo do DL 594/74 tinha como objectivo: «…suportar alguns encargos financeiros, decorrentes de actividades de tempos livres, até aí suportadas exclusivamente pela ARCIL. O seu carácter de associação juvenil, permite que as suas actividades sejam financiadas pelo Instituto Português da Juventude, em virtude dos programas de financiamento deste organismo serem na sua maioria exclusivos para este tipo de associações»284. De acordo com os seus estatutos o Presidente da ARCIL era o Presidente da ARCILJOVEM, tendo os primeiros corpos gerentes sido constituídos maioritariamente por utentes da ARCIL. Dinamizou várias actividades de cariz cultural, recreativo e ocupação de Tempos Livres, essencialmente orientadas para a população juvenil do Concelho da Lousã. Em 1997, a ARCILJOVEM seria reestruturada após alteração estatutária, com a criação das seguintes áreas de intervenção: Biblioteca e Jornal, Ecologia, Tempos Livres da hora do almoço, Intercâmbios e campos de férias, Feiras e Exposições, Passeios Pontuais. Entre os vários eventos em que participou ao longo dos anos destaca-se a Homenagem a Zeca Afonso pelo 10º ano da sua morte; o Projecto Biblioteca da ARCIL (com 200 exemplares reunidos num curto espaço de tempo fruto de vários contactos); a biblioteca itinerante que funcionou de forma regular; I Feira das Associações Juvenis do Distrito de Coimbra (Novembro 2001); Mostras Nacionais de Artesanato (vide fotos 63 e 64) e festival de gastronomia Feiras Anuais de S. João; Festival da Juventude; Programa Férias em Movimento.

ADA – «Historial e objectivos de intervenção da ARCILjovem» In ARCILJOVEM, 1997-2003 (dossier)

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Foto 63 - 2002 - Feira de Artesanato em Coimbra (ACIC)

Foto 64 - 2002 - Feira de Artesanato

No âmbito do Plano Municipal de Prevenção das Toxicodependências, participou em 2002 com o projecto Prevenir Integrando e, entre Outubro de 2003 e Outubro de 2004, participou como promotora do projecto Vidas Em Filme – tendo como parceiro a AVEL (Associação Viva a Escola da Lousã). Neste projecto visou atingir diversas áreas de Intervenção: Prevenção na Família, Prevenção em Meio Escolar, Prevenção em Espaços Lazer Desportivos e Prevenção junto de Jovens Situação de Abandono Escolar. Fez parte do Conselho Consultivo Municipal da Juventude (tendo apresentado e sido aprovada a concurso, em Outubro de 2012, a proposta “Cavalos na Quinta” para o Orçamento Participativo Jovem elaborado pela CML), bem como do Conselho Consultivo Regional de Coimbra do IPJ e no ano 2000 CAPÍTULO 3 – Um Longo Caminho: 1981-1994

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aderiu à Federação de Associações Juvenis do Distrito de Coimbra; em 2006 inscreveu-se na Rede Nacional de Associações Juvenis (RNAJ). Estrategicamente criada para aceder a apoios para programas a que a ARCIL não se podia candidatar, direcionou-se para jovens portadores de deficiência grave e profunda. O Grupo Etnográfico, com duas vertentes – Grupo de Cantares do Rancho e Grupo de Cantares Regionais, também começaram no seio desta associação em 1996. A ARCILJOVEM embora não esteja extinta reduziu, significativamente, a sua actividade a partir de 2007.

O PAPEL DO GABINETE TÉCNICO LOCAL (GAT) DA LOUSÃ NO DESENVOLVIMENTO DA ARCIL O Gabinete de Apoio Técnico da Lousã prestou de 1986 até 2007, data da sua extinção, apoio técnico às Câmaras Municipais, Juntas de Freguesia e Instituições de Solidariedade Social (como a ARCIL). A sua actividade estendeu-se por uma vasta região coincidente com o agrupamento de concelhos da Lousã, Miranda do Corvo, Penela e Vila Nova de Poiares. Teve como directores o Eng.º Armando Pimentel Fraústo Basso (até 1990) e o Eng.º Manuel Henrique Moura Maia (até 2006), que conjuntamente com o Arquitecto Aristides Augusto Sequeira Lourenço e Eng.ª Lurdes Abrunhosa (1986-2007) e toda a sua dedicada equipa apoiaram vários projectos de construção civil da ARCIL, designadamente: • Recuperação e reabilitação do Edificio Sede da ARCIL • Edifício do Ginásio, Hidroterapia, Fisioterapia, Eletroterapia e cobertura do pátio • ARCILcerâmica • Reabilitação do edifício da antiga cadeia para Centro de Emprego Protegido • Loja de Artesanato na Praça Cândido dos Reis • Edificio do Lar no Bairro do Penedo • Recuperação dos Edificios da Quinta do Caimão 274

Pessoas, Ideias e Afectos | ARCIL – um projecto de causas

• Recuperação e adaptação dos edifícios do CAO 1 • Participação no projecto de recuperação/reabilitação das Aldeias da Silveira (Serra da Lousã). O Arquitecto Aristides Lourenço recorda que esta participação do GAT se inseria numa parceria alargada com a ARCIL, onde «…por entre muitos experimentalismos, sobressaía a figura dinâmica do professor Carvalhinho, que procurava fazer o melhor possível ao mais baixo preço, trazendo do exterior conceitos e ideias adaptando-as à nossa realidade, coordenando e intervindo directamente não só no projecto mas também na execução das obras»285.

2.5. PARCERIAS E TRABALHO EM REDE

Hoje em dia, o conceito de trabalho em rede aparece referenciado como mais-valia para o trabalho das organizações. Porém, desde sempre a ARCIL cultivou esta prática, participando com técnicos (na altura não abundavam nas diferentes estruturas) e na organização das respostas. O designado Projecto Integrado da Lousã, aprovado em reunião de direcção da ARCIL a 26 de Fevereiro de 1987, constituiu um momento fundamental para a afirmação da instituição ao nível das parcerias, constituindo as primeiras práticas, a nível nacional de efectivo trabalho em rede. No caso concreto, interligaram-se quatro estruturas sociais da comunidade lousanense; ARCIL, Santa Casa da Misericórdia, Câmara Municipal da Lousã e Centro de Saúde da Lousã. O Projecto de Acção Social (PAS) seria lançado na Lousã, em Julho de 1987. A partir de 1988, ano em que foi homologado, passou a designar-se Projecto de Desenvolvimento Integrado de Acção Social (PDIAS). Era regulado por protocolo celebrado ente o CRSS, a CML, a SCML, O Centro de Saúde da Lousã e a ARCIL, dando esta última o suporte jurídico do projecto, enquanto o atendimento da população era feito na CM Lousã.

Aristides Lourenço entrevistado por João Pinho, 11/12/2013

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O PDIAS procurou estabelecer cooperação, articulação e complementaridade entre os serviços e instituições da comunidade. Foi o pivot de muitos projectos de impacto social ao nível do Concelho como por exemplo, os Projectos de Luta Contra a Pobreza, o programa “ Ser Criança”, diversos programas ao nível da Formação/Emprego, ou o PEMIDE (Parque de Equipamento Móvel para Idosos e Deficiência). Foi uma mais-valia a nível local/regional como ferramenta na luta contra a pobreza e deficiência: coordenando apoios (fundos de emergência social) a conceder a pessoas com carências económicas e com necessidades de cadeiras de rodas ou material ortopédico. Entre 1991 e 2003, a ARCIL assumiu o suporte jurídico dos Projectos de Luta contra a Pobreza promovidos pela C. M. da Lousã e foi entidade de suporte jurídico do PDIAS. A ARCIL participa neste projecto, actualmente, através de uma colaboração mútua em diversas acções destinadas a famílias em risco socialm enquadrada na Rede Social do Município da Lousã. Em Maio de 1992 iniciou-se o Projecto de Luta Contra a Pobreza, com assinatura de protocolo entre o Governo (via Comissariado Regional do Projecto de Luta contra a Pobreza), a ARCIL, e a CML. Os intercâmbios, bem como as visitas de estudo, congressos e encontros, passaram a fazer parte do vocabulário e prática corrente da ARCIL levando utentes para novas experiências no estrangeiro (vide fotos 65 e 66). Em Dezembro de 1987 decide-se avançar para um intercâmbio com o Centro Rainha Fabíola, na Bélgica, que se concretizaria no ano seguinte. De facto, na sessão de 13/7/88 seria apresentado o plano de intercâmbio profissional e pedagógico, a realizar em Agosto, com participação de trabalhadores com deficiência da olaria e anexo de produção de madeiras286.

Idem. Acta n.º 25, 17/12/1987, p. 49

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Foto 65 - Intercâmbio de 3 semanas em Birmingham, Inglaterra, organizado pelo Movimento Cristão para a Paz, 1990

Foto 66 - Visita à Itália do CEP da esquerda para a direita: (em cima) Mário Correia, José António Cortez, Elisa Santos (técnica de serviço social) e José Alegria (em baixo) guia italiano e Manuel Vaz, 1988

Por vezes, a proximidade era confundida com parceria ou colaboração activa. Um erro de interpretação que a 16/06/1988 leva o presidente da AG a pedir esclarecimentos à direcção sobre a ligação da ARCIL com a ADFP (Associação para o Desenvolvimento e Formação Profissional de Miranda do Corvo). Usando da palavra José Carvalhinho esclarecerá: «…que essa Associação se destina a apoiar os deficientes do Concelho de Miranda do Corvo, havendo um acordo de não interferência»287.

ADA - Livro de Actas da Assembleia Geral da ARCIL, 1979-1995, Acta n.º 17, 16/06/1988, fl. 33

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Na verdade, esta relação entre a ARCIL e a ADFP (actualmente designada como Fundação de Assistência, Desenvolvimento e Formação Profissional) foi mais profunda do que à partida se poderia supôr: «Em 1987, o então Presidente da CM de Miranda do Corvo, Jaime Ramos, pediu-me para que eu criasse uma delegação da ARCIL no seu município. Na altura propus-lhe, e ele aceitou, a criação de uma instituição autónoma. Durante os primeiros três anos funcionou na dependência económica e técnica da ARCIL, dando-lhe suporte juridico. Depois autonomizou-se e cresceu, sendo hoje uma referência nacional»288. As deslocações internacionais como forma de conhecer e aprender a fazer estreitaram as relações internas e externas da instituição: em Novembro de 1989, a direcção aprovava a deslocação a França de Ernesto Carvalhinho e Luís Delgado, técnico da Quinta do Caimão, para visitarem em Nantes, um Centro de Emprego Protegido, fazendo-se acompanhar por técnico do Instituto de Emprego, tendo em vista «o estudo de questões relacionadas com estufas de plantas ornamentais»289. Com este propósito outras viagens se sucederiam. Em 1990 verificou-se a constituição da ARCIL como Núcleo da Lousã do PIIP – Projecto Integrado de Intervenção Precoce. Foi promotor inicial o Hospital Pediátrico de Coimbra, tinha como objectivo a sinalização e intervenção em casos e envolveu um conjunto alargado de instituições e técnicos. Helena Montez que participou no projecto recorda as muitas situações de risco social que detectou: «grande isolamento geográfico, grande pobreza socio económica. Encontrei crianças sozinhas em casa, sem ligação ao meio, com pouca estimulação e pais que precisavam de ajuda». A seu ver, as dinâmicas de funcionamento em equipa desempenharam um papel fundamental no sucesso do projecto: «A intervenção precoce é tentar prevenir ao máximo o risco. Funcionou muito bem na Lousã porque já tínhamos um espirito de trabalho em equipa na ARCIL. Éramos uma equipa multidisciplinar que deu um salto para a transdis José Ernesto Carvalhinho entrevistado por João Pinho, 19/12/2013 ADA – Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 1985-1997, Acta n.º 40, 14/11/1989, p. 64

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ciplinariedade. A ideia era haver um responsável de caso, que podia ser qualquer membro da equipa, que ia a casa e capacitava e ensinava os pais, evitando a invasão do espaço por vários técnicos»290. Ao perseguirem objectivos comuns as instituições da área da reabilitação foram-se aproximando mutuamente: no Verão de 1991 e por iniciativa da APPACDM de Viana do Castelo, seria celebrado um Acordo de Geminação entre esta instituição e a ARCIL visando «unir recursos e esforços com vista a uma maior eficácia em prol da dignificação e promoção da pessoa portadora de deficiência»291. Em Dezembro de 1992 a ARCIL assinou o protocolo com a Associação de Desenvolvimento da Lousã (ADEL), tendo em vista a gestão e funcionamento de centro de actividades (no âmbito das Actividades de Tempos Livres). Aquele protocolo tinha por finalidade o desenvolvimento de um projecto de implementação de actividades sócio-educativas a partir das estruturas existentes – Escola Preparatória, Escola Secundária, Escola Profissional e Ludoteca. A ARCIL assumiu-se como a instituição gestora das verbas do Projecto de Luta contra a Pobreza tendo-se comprometido «… a funcionar como suporte jurídico para a celebração de novos acordos de cooperação com o CRSS e a transferir para a ADEL os montantes resultantes da celebração dos acordos»292. Por outro lado, cabia à ADEL assegurar a gestão das diferentes actividades que integram os ATL’s, coordenar os diferentes projectos, elaborar plano de actividades de tempos livres.

Helena Montez entrevistada por João Pinho, 28/12/2013 ADA – Boletim Informativo da ARCIL, Setembro 1991 292 «ARCIL E ADEL: de mãos dadas nos tempos livres» In Trevim, n.º 600, 03/02/1994, 290 291

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ATL – CENTRO DE ACTIVIDADES DE TEMPOS LIVRES O Centro de Atividades de Tempos Livres da ARCIL é uma resposta social, que proporciona atividades de lazer a crianças e jovens entre os 6 e os 14 anos, nos períodos não letivos – em período de atividade letiva, nos dias úteis, antes e após o período de aulas, e no período de interrupção letiva, entre as 08:00h e as 19:00, também nos dias úteis. Tem como principais objetivos assegurar a ocupação, de forma lúdica e pedagógica, das crianças e jovens, apoiando as famílias na gestão dos tempos livres das crianças em idade escolar. Procura permitir a cada criança ou jovem a oportunidade de participação na vida em grupo, criando um ambiente propício ao seu desenvolvimento pessoal e social, num clima de compreensão, respeito e aceitação. Cada CATL da ARCIL (perfazem no total 4 e funcionam na Junta de Freguesia das Gândaras, na Escola N.º 1, na Escola N .º2 e numa loja cedida pela Câmara Municipal junto à Escola de Santa Rita) proporciona uma vasta gama de atividades integradas num projeto de animação socio cultural, que as crianças e jovens podem escolher e participar livremente, em função dos seus interesses e aptidões. É essencial assegurar um estreito relacionamento com a família, os estabelecimentos de ensino e a comunidade, numa perspectiva de parceria e de partilha de responsabilidades.

Nascia, assim, o Programa Integrado de Desenvolvimento da Lousã (PDIL), um primeiro projecto de luta contra a pobreza, interligando ARCIL-CRSS-CML, onde estiveram em causa cerca de 800.000 contos, mas que acabaram por ser um terço devido ao desinteresse da CML. Dava prioridade à construção de no máximo, 3 centros sociais, 2 centros de ATL, remoção de barreiras arquitectónicas, apoio domiciliário e restauro de habitações. Neste contexto definiu-se a recuperação da Cantina Correia de Seias, criação de ATL e de um Centro Polivalente nas Fontainhas. Importa referir que o relacionamento entre a ARCIL e a ADEL foi-se tornando cada vez mais crispado, levando a sucessivos adiamentos na discussão e assinatura dos protocolos entre as instituições. Na base do problema estiveram 280

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os sucessivos atrasos ou adiamentos, da parte da ADEL, no envio dos relatórios de execução financeira. Por ofício de 23/02/1996 a ARCIL informa a ADEL da resolução do acordo estabelecido entre as duas instituições, assumindo a gestão dos vários centros de actividade de tempos livres, justificado pelos piores motivos: «A ADEL tem demonstrado, infelizmente, que não está interessada em continuar a organização conjuntamente com a ARCIL, do funcionamento dos ATL’s. Assim sendo, a ARCIL assume, directamente, a partir da presente data, a organização e a gestão dos Centros de Actividades de Tempos Livres, nos espaços das escolas da vila da Lousã (P3 e St.ª Rita) e das escolas do Freixo e Levegadas»293. A partir de 1992 e até ao ano 2000, a ARCIL promoveu e participou em projectos integrados nas Iniciativas Comunitárias do Programa HORIZON, abrangendo diversas temáticas no domínio da reabilitação tendo em vista melhorar as condições de acesso dos deficientes e outros grupos desfavorecidos ao mercado do emprego. Este programa comunitário seria o fio condutor de vários projectos desenvolvidos pela ARCIL: ARCILcerâmica, FORMIND, Nome, Cidadão de Corpo Inteiro, Tangible Dream, UPA, Criação de Residências para Pessoas com Deficiência Mental, Handynet, PROACESSE (Programa de Acessibilidade Fisica), Equitação Terapeutica, METRIS, ATEPRO. Cristina Silva294 assinala esta abertura ao exterior como momento-chave da vida da ARCIL: «A participação em projectos comunitários a partir de 1992. Marcou a equipa, as práticas, a forma de estarmos como organização europeia. Começámos a entrar em rede»295. Foi nesse sentido que em 1993 a ARCIL e a Associação Portuguesa de Paralisia Cerebral – Núcleo Regional do Centro iniciaram o projecto“Equitação –

ADA - DADOS REFERENTES À ARTICULAÇÃO ENTRE A ARCIL E A ASSOCIAÇÃO

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DE DESENVOLVIMENTO DA LOUSÃ (ADEL) NO ÂMBITO DAS ACTIVIDADES DE TEMPOS LIVRES, LOUSÃ, FEV. 1996

Directora Executiva do Departamento de Reabilitação e Directora de Recursos Humanos da ARCIL Cristina Silva entrevistada por João Pinho, 16/10/2013

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Um processo de reabilitação”. Tendo a ARCIL como promotora e a APPC-NRC como parceira o projecto pressupunha a construção de instalações de Equitação Terapêutica em Quinta da Conraria, arredores de Coimbra (vide foto 67), com os seguintes objectivos: criar condições para uma melhor e mais eficaz reabilitação neuro-motora, psicológica e social da pessoa com deficiência, formar técnicos de reabilitação e de equitação em hipoterapia e fomentar a criação de postos de trabalho para pessoas com deficiência. Os beneficiários directos seriam: Formação de técnicos em equitação terapêutica e as Pessoas portadoras de deficiência.

Foto 67 - Visita ao Picadeiro da Quinta da Conraria, equipa da Arcil com um grupo estrangeiro

A candidatura apresentada ao Programa Operacional Horizon seria aprovada por despacho de 22/12/1993 pelo Sec. Estado do Emprego e Formação Profissional, António Pinto Cardoso, com a designação de Projecto P. 137296 e, em Fevereiro de 1994 as duas instituições celebraram um acordo no âmbito do Quadro Comunitário de Apoio para o arraque do Projecto de Equitação Terapêutica, prevendo a implantação de estruturas na quinta da associação em Coimbra. Em Fevereiro de 1997 iniciaram-se as actividades de Hipoterapia, em parceria com a APPC-NRC. Dois grupos de utentes da ARCIL deslocavam-se todas as semanas ao Centro de Equitação Terapêutica da Quinta da Conraria:

ADA - Equitação Terapêutica (dossier)

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«Com esta actividade pretende-se gerar condições para uma melhor e mais eficaz reabilitação neuro-motora, psicológica e social das pessoas com deficiência e a sua eventual integração profissional neste campo» 297. Entre Maio de 1994 e Junho de 1995, e ao abrigo das iniciativas HORIZON, a ARCIL seria parceira do projecto PROACESSE (Programa de Acessibilidade Fisica) promovido pelo SNR. A sensibilização para as questões da acessibilidade foram o motor do projecto, que envolveu vários parceiros nacionais e transnacionais (vide foto 68).

Foto 68 - Rampa da CML executada no âmbito do PROACESS (o utilizador David Ferreira)

Em 1994 procedeu-se à assinatura de Acordo de Cooperação com a Segurança Social para a valência de Actividades de Tempos Livres (ATL). Também neste ano a ARCIL tornou-se membro fundador da Rede Europeia COMETRA, que tinha como objectivo a pesquisa e desenvolvimento de conhecimentos técnicos e realização de seminários sobre a temática da integração sócio-profissional de pessoas com deficiência. Este trabalho de parceria tem, como vimos, raízes antigas na instituição. Para Jaime Ramos, a ARCIL assumiu-se neste particular como referencial técnico: «Quando temos algumas dúvidas contactamos a ARCIL para conseguir ultrapassar algumas dificuldades de funcionamento. É importante a colaboração entre as instituições. A ARCIL é uma referência. Foi pioneira. Sem ela não tería-

«Reabilitação sem limites» In Trevim, 30/04/1997

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mos tanta facilidade em aparecermos»298. Outra instituição com longo historial de parcerias com a ARCIL é a SCML. Para o seu Provedor, Joao da Franca, «As instituições não avançam se não existirem parcerias».

2.6. A ARCIL: BALANÇO NOS FINAIS DE 1994

Por tudo aquilo que até aqui se expôs, torna-se evidente o crescimento e consolidação da ARCIL enquanto instituição pioneira na reabilitação de pessoas com deficiência. A 22 de Outubro de 1994, o Presidente da Assembleia-Geral faria, a este propósito, um balanço sobre a actividade da ARCIL. Usando da palavra «…fez alguns comentários sobre a vida da ARCIL, nomeadamente acerca da evolução da Instituição, o número de utentes apoiados, aproximadamente 300 utentes, a especialização técnica da equipa da ARCIL, abertura para o exterior, ou seja, o envolvimento da instituição em projectos nacionais e europeus e a procura constante dos respectivos apoios financeiros (…) concluiu que a ARCIL tem um grande conhecimento e elogiou a Direcção»299. A parte lúdica fôra também alvo de forte investimento: a 06/10/1994 a ARCIL seria cofundadora do Iº Festival Europeu da Canção para pessoas com deficiência, evento realizado no teatro Orpheus em Apeldoorn – Holanda, mantendo, a partir de então, uma participação constante (vide conjunto de fotos pp. 285-286).

Jaime Ramos, médico e presidente do CA da ADFP. ADA - Livro de Actas da Assembleia Geral da ARCIL, 1979-1995, Acta n.º 23, fl. 42

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Pessoas, Ideias e Afectos | ARCIL – um projecto de causas

Festivais da Canção

1994 - 1.º Festival Europeu da Canção, Apeldoorn, Holanda (stand divulgação da Arcil)

2003 - 1.º Festival Nacional da Canção, Lousã

2007 - 3.º Festival Nacional da Canção

2012 - 5.º Festival Nacional da Canção

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Festivais da Canção

2009 - 4.º Festival Nacional da Canção, Lousã

2005 - 6.º Festival Europeu da Canção, Áustria (celebração da vitória portuguesa) da esquerda para a direita: Paulo Jacob, Márcio Reis, Ana Araújo, Rita Joana, Rui Ramos e Tina

2005 - 6.º Festival Europeu da Canção, Áustria

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Pessoas, Ideias e Afectos | ARCIL – um projecto de causas

Na verdade e dos vários projectos equacionados, apenas a hipoterapia não avançou: «Deram-se os primeiros passos em 1987. Só não foi implementado porque não havia mercado de privados na Lousã para alugar as boxes e assim rentabilizarem o projecto. Visitámos centros de hipoterapia em França, onde se colheu a ideia. Fez-se proposta, projecto e arranjou-se dinheiro. O que existe hoje na Quinta da Conraria iniciou-se com esta proposta da ARCIL [sendo desenvolvido e executado em parceria]»300 Aquilo que a ARCIL era capaz de transmitir a quem a visitava, em meados dos anos 90, está bem expresso no testemunho de Filomena Pereira: «Era já uma instituição diferente. Quando entravámos tínhamos a sensação: nós estamos em Portugal e a Dinamarca aqui tão perto. A questão da visão, da liderança, de definir metas, objectivos, de não se desviar, o ser capaz de comunicar aos outros, de os chamar à causa. E o Carvalhinho conseguiu passar essa mensagem não só aqueles com quem trabalhava diariamente, mas tambem aos parceiros e instituições externas. Era de uma grande persistência. Aquela cultura e política era de tal maneira forte naquela casa, que as pessoas entravam naturalmente no modo de funcionamento. E notava-se essa cultura, essa visão, essa politica nas várias valências. A perspectiva da ARCIL não era a da subsidiodependência, mas sim a da autossustentabilidade. Para consumo da casa tinha vários produtos como ovos, carne, vegetais. Tinha vários serviços orientados para a comunidade como a oficina de automovéis. Estava muito bem posicionada em termos de entidade empregadora local, ocupando os primeiros lugares».301 Para além do apoio educativo, integração e intervenção com pessoas com deficiência graves e profundas, ao longo dos seus quase 20 anos de existência, a ARCIL afirmara-se também como instituição assente em unidades produtivas (vide foto 69). Um espaço do tipo empresarial, bem gerido, onde as pessoas com incapacidade eram os principais intérpretes na arte de produzir, fosse em quantidade como qualidade, conforme expressa a tabela seguinte, onde também incluímos a produção das empresas de inserção criadas no ano de 2000: José Ernesto Carvalhinho entrevistado por Marta Ramos, 25/10/2011 Filomena Pereira entrevistada por João Pinho, 08/03/2014

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UNIDADES PRODUTIVAS DA ARCIL Unidades ARCILCARD

ORCA

SAPO-CAO

Produção Cartões: • Crédito • Controlo de tempos de acessos • Promocionais (calendários) • Cliente • Associativos • Frota • Identificação (com fotografia) • Assistência médica Loja: venda de brinquedos, Sapataria: reparação de calçado, cerâmica, tapetes, duplicação de chaves molduras para quadros Posto de recepção (lavandaria) Luvas de malha Escalfetas Paletes de Secretária Montagem componentes eléctricos Caixas do Licor Beirão Bonecos de barro Cartões de boas festas Envelopes de papel

ARCILCERÂMICA Aldeias Aquecedores Bases Bules Candeeiros Casas Castiçais Chávenas Cinzeiros Colheres Espanta-Espíritos Floreiras Fosforeiras Guarda-Jóias

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Bonecos em Eva Reciclagem de papel Reciclagem de electrodomésticos Quadros para colmeias Espanta espíritos Sacos de papel Ajudas Técnicas (reparação/ reconstrução) Jarros Linha criança Máscaras Medalhas Painéis Placas Potes Pratos Relógios Sinos Tijelas Utilitários Vasos

Pessoas, Ideias e Afectos | ARCIL – um projecto de causas

Unidades

Produção

ARCILAGRO

Criação de coelhos Criação de frangos/galinhas Criação de patos Criação de perus Criação de porcos/leitões Criação de vacas

Criação de ovelhas Criação de codornizes Frutas Hortícolas Ovos Tabaco

ARCILVERDE

Criação e manutenção de Espaços Verdes com e sem Sistema de Rega

Manutenção de Espaços Verdes (ARCIL e serviços ao exterior) Trabalhos Pontuais.

ARCILMADEIRAS Briquetes Caixas Carpintaria (móveis e caixilharia) Lenha Madeira serrada para Construção Civil Madeira serrada para Carpintaria Paletes Tacos Resíduos Serviços Outros ARCILSAÚDE

ARCILAV

Fisiatria Fisioterapia Medicina Dentária Lavar a Roupa Passar a Ferro Secar a Roupa (para toda a instituição e clientes externos)

Efectivamente o futuro parecia promissor. No horizonte, avizinhavam-se novos desafios, ideias e projectos. Aparentemente, a direcção seguia unida, a uma só voz, remando na mesma direcção, comungando dos mesmos princípios e orientações. Nada fazia prever, na verdade, que uma tempestade estava prestes a ensombrar uma tão pujante instituição.

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ECONOMIA SOCIAL: A AUTOSUSTENTABILIDADE O primeiro sector que inicia a comercialização dos seus produtos para o exterior (mercados locais, nacionais e internacionais) e, portanto, a realização de receitas financeiras foi a ARCILMADEIRAS, com a produção de tacos e escalfetas, mas sobretudo paletes. Atingiu-se uma faturação em 1990 superior a € 400.000 e o emprego de mais de duas dezenas de trabalhadores. Seguidamente é criada a ARCILCERÂMICA, onde produtos foram criados e colocados à venda quer na rede de lojas da denominada economia social, quer nas tradicionais. Inicia-se mesmo um processo de exportação para a Suíça tendo-se faturado em 1991 € 5.395, exportações que duraram alguns anos e possíveis pelos contactos da então equipe de gestão com a organização europeia “Companheiros Construtores”. Foram criados outros sectores de negócio sempre com o duplo intuito de integrar utentes, e conseguir-se auto-sustentabilidade financeira para a instituição. Dos vários sectores então criados, há que relevar, no seu tempo, a importância económica atingida pelos sectores dos cartões, ARCILCARD, e da ARCILSAÚDE, respectivamente, com vendas de € 280.000 (1999) e €300.000 (2012). Mais recentemente e aproveitando capacidades/ meios existentes, desenvolveram-se as seguintes áreas de negócio: - ARCILVERDE (vendas de € 88.172 em 2012) dedicada à prestação de serviços de jardinagem - ARCILAV ( € 20.654 em 2012) - BARES (€ 55.840) Outros sectores como o da SAPATARIA e o já referido dos cartões, por razões de mercado, foram desactivados. Todas estas áreas de negócio, estão inseridas num ambiente que é profundamente afectado pela atual crise económica e financeira, pelo que mais que nunca há a necessidade de cada uma ser acompanhada e redimensionada, ajustando-se às realidades do mercado em continua mudança. Nos concelhos da Lousã e limítrofes, a ARCIL movimenta (2013) cerca de 4 milhões de euros anualmente, remunerando os seus cerca de 200 funcionários num valor superior a 2 milhões, tentando dignificar através das múltiplas atividades económicas e ocupacionais cerca de 600 utentes, números estes que reflectem bem a importância que esta instituição representa para a comunidade, quer a nível social quer a nível económico. Luís Carvalho (ex-tesoureiro da ARCIL) 290

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CAPÍTULO 3 – Um Longo Caminho: 1981-1994

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Foto 69 - Plano com implantação territorial da Arcil na Lousã, 1994

CAPÍTULO 4 O Fatídico Ano de 1995: o desfalque abate-se sobre a ARCIL

«As instituições que nos subsidiavam quiseram saber do desfalque e enviaram os seus emissários. Mas rapidamente se aperceberam que era uma obra de um homem. Aquilo que pagavam até então a 6 meses, passaram a pagar a 8 dias. Recuperou-se a credibilidade e não houve nenhum apoio que fosse deixado de dar» [João Graça entrevistado por João Pinho, 10/10/2013]

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1.A HISTÓRIA E AS ESTÓRIAS DO DESFALQUE Ninguém na ARCIL esquecerá o ano de 1995 tal a violência do problema que a atingiu e a todos arrastou. Um golpe fatal seria desferido, à falsa fé, pelo gestor financeiro e homem de confiança da direcção, José Albano Metello Nunes dos Reis, mentor e executor de um desfalque no valor estimado de 150.000 contos. O crime que ficaria conhecido como «Metello ao Bolso» e/ou «Golpada Real», título dos dois principais jornais locais à época do acontecimento. O Natal de 1994 havia passado com tranquilidade. O novo ano arrancara dentro da normalidade e a ARCIL estava pujante de projectos, dinamismo e com invejável saúde económica. Estávamos no final de Janeiro e uma sucessão de factos aparentemente normais seriam mais tarde revisitados como indícios de um crime: • A 26 de Janeiro (quinta feira), pela manhã, Jose Metello pede a Carvalhinho que lhe assine uma declaração em branco justificando a operação \pela necessidade de transferir dinheiro para uma outra conta da ARCIL na Caixa Geral de Depósitos, para pagamento de vencimentos. Ao final da tarde, e conseguida a assinatura de Jorge Ferreira, Carvalhinho assinou também. Remetida para o BPSM conseguia assim transferir 9.000 contos da conta a prazo para a conta à ordem; CAPÍTULO 4 – O Fatídico Ano de 1995: o desfalque abate-se sobre a ARCIL

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• A 27 de Janeiro (Sexta-feira) José Metello apresenta-se no Banco Pinto e Sotto Mayor para levantar os já referidos 9.000 contos, não indexando a nenhum programa específico da instituição, urna conta considerada de salvaguarda. Consegue o levantamento, através de cheque por si assinado e por outro director da ARCIL. Estava conseguido o fundo de maneio para fugir do país. • Dia 28 de Janeiro (Sábado): José Metello reúne na sua casa da serra um grupo de amigos, todos colegas na ARCIL, entre os quais se encontra Ernesto Carvalhinho. No almoço, o presidente da ARCIL nota que o seu amigo se apresentava muito em baixo. Perguntou-lhe que tinha, mas Metello desculpou-se com uma gripe. Carvalhinho desconfiou inocentemente da situação, insistindo para que o amigo lhe ligasse no dia seguinte para falarem um bocado. Mas não voltariam a falar-se, nem tão pouco a ver-se302. A estes sinais próximos e indicativos de que algo não corria bem, poderíamos juntar ainda mais dois: o atraso no encerramento das contas da ARCIL relativas ao exercício de 1994, ou a perda por decisão do tribunal de 12/12 do mesmo ano, da quota de 4.100 contos que José Metello e o irmão Pedro dos Reis detinham na empresa Lousancol. No dia 02 de Fevereiro de 1995, uma quinta-feira, a direcção da ARCIL reúne-se de urgência. O seu presidente, José Ernesto Carvalhinho, tem uma informação importante a comunicar aos elementos que a compõem. Talvez a mais difícil desde que em 1981 tomou conta dos destinos da instituição. Aberta a sessão o espanto tomou conta dos presentes, à medida que Carvalhinho pormenorizava o acontecimento. «…que José Metello teria telefonado no dia 31 do mês findo para o seu irmão Pedro Reis indicando-lhe que fosse buscar o que deixara guardado num cacifo de hipermercado da zona de Lisboa»303. Entretanto, Pedro Reis entregara «Golpada Real» In Jornal da Lousã, Edição Especial, 07/02/1995, p. C ADA – Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 1985-1997, Acta n.º 65, 02/02/1995, pp 97-98.

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e dera a conhecer o conteúdo desse cacifo, onde constavam diversas chaves da ARCIL e duas cartas. Estas missivas constituíam a confissão do crime cometido por José Metello dos Reis perante os grandes lesados com a acção criminosa: a primeira, dirigida ao presidente da instituição lesada (José Ernesto Carvalhinho) e, a segunda, a seu irmão Pedro Reis, membros de uma família doravante manchada (ver caixa de texto). Sobre este assunto, a direcção concluiria naquela reunião e após breves pesquisas, «ter havido por parte de José Metello, utilização fraudulenta de dinheiros da ARCIL, em quantia presumivelmente bastante elevada». A ARCIL levanta-se em estado de emergência. A direcção tomaria imediatamente as resoluções que o momento exigia: «• F  azer participação desta ocorrência à Policia Judiciária, em Coimbra; • Realizar contactos com os bancos para obtenção de informações complementares às já recolhidas; • Mandatar a empresa Contimbra para efectuar uma peritagem aos elementos contabilísticos e situação financeira em geral; • Convocar uma reunião com o pessoal da ARCIL (…) para informar da situação criada;»304.

Idem. p. 99

304

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A CONFISSÃO DO CRIME COMETIDO POR JOSÉ METELLO DOS REIS José Metello dos Reis confessaria o crime de desfalque que perpetrou na ARCIL durante os últimos meses de 1994, através de duas cartas. Uma dirigida ao presidente da Direcção, José Ernesto Carvalhinho e, a outra, ao irmão Pedro Reis. Ambas foram lidas pelo Prof. João Graça na reunião de direcção do dia 02/02/1995. Carta de José Metello dos Reis ao presidente José Ernesto Carvalhinho: «Carvalhinho Não tenho palavras para vos pedir desculpa de tudo o que fiz e que vós vos ireis aperceber. Algumas das coisas que fiz foi com as tuas assinaturas do Jorge e talvez do Fernando e não quero que isto vos prejudique de algum modo pois assumo inteiramente os meus erros, e a vossa total inocência em tudo isto que só erraram por confiar cegamente em mim. Estes dois últimos anos não têm sido para mim viver mas sim sobreviver à custa de doses cada vez maiores de tranquilizantes. No Sábado em minha casa não tive coragem de falar contigo pois isso levar-me-ia ao suicídio, e acho que não resolveria nada. Obrigado por terem sido meus amigos, mas eu perdi o controlo da situação pela incapacidade que tenho em lidar com estas irregularidades e vocês com certeza que ultimamente se aperceberam da minha total inoperância. Até sempre (Segue-se uma rúbrica de José Metello)» Carta de José Metello dos Reis ao irmão Pedro dos Reis: «Pedro Não sei se com alguma situação de troca de cheques ou transferências poderei ter posto alguém em questão, afirmo de livre vontade que sempre arranjei estratagemas para levar as pessoas a colaborarem inocentemente comigo, assumi todas as culpas sozinhas, e as minhas desculpas a quem puder ter lesado involuntariamente» (Segue-se assinatura de José Metello)

[In Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 1985-1997, Acta n.º 65, 02/01/1995, pp.98-99] 298

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No dia seguinte, Sexta-feira dia 03/02/1995, a notícia do desfalque começa a circular na Lousã, a imprensa local desencadeia uma mega investigação, narrando o sucedido e procurando obter o maior número possível de testemunhosde pessoas com ligações à ARCIL. Dada a amplificação da notícia, a própria RTP chegou a ter uma reportagem programada que não avançou, diz-se, por pressão de Pedro Reis, irmão de José Metello, e na época assessor do Presidente da República para as questões autárquicas. A primeira conclusão a retirar do desfalque remetia para o excesso de confiança que toda a direcção depositava em Metello, o que facilitou, e muito, grande parte das operações fraudulentas, nomeadamente a movimentação dos títulos bancários que careciam da assinatura de Metello e de mais um elemento da direcção (do Presidente Ernesto Carvalhinho, do Tesoureiro Fernando Carvalho, ou do Vogal Jorge Ferreira). Aquele facto contribuiria também para que entre o povo cedo começassem a circular rumores perversos: que o próprio presidente da ARCIL estaria envolvido no caso e dele retirara dividendos, que Metello dos Reis usara o dinheiro para petróleo, diamantes ou estupefacientes. A matéria permitia uma ampla gama de possibilidades fantasiosas, contribuindo para o adensar do mistério. A verdade é que o desfalque serviu para lavar muita roupa suja da ARCIL, promovendo julgamentos rápidos na praça pública, retirando de factos duvidosos conclusões precipitadas sem ponderação de todos os factores. A outro nível, o desfalque deu lugar a um jogo de interesses político-partidários instrumentalizando, em especial, os directamente envolvidos na questão: bastará, para tal, comparar o tratamento noticioso conferido pelos principais órgãos de imprensa local – Trevim e Jornal da Lousã (ver docs. 8 e 9).

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Doc. 8 - Jornal TREVIM - 1995-02-09

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Doc. 9 - Jornal da Lousã - 1995-02-17

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O esquema utilizado por Metello, como dissemos, teve como base fundamental o excesso de confiança de que o próprio gozava no seio da direcção: a falsificação de documentos durava desde pelo menos 1992 (como se veio a apurar), e um dos estratagemas consistia em não pedir sempre ao mesmo director uma das duas assinaturas necessárias à validação dos cheques. Foi por esta via que levantou da dependência da Lousã do Banco Pinto e Sotto Mayor mais de 9.000 contos – o culminar de uma série de burlas, e deixando um rasto de ilegalidades que se traduziram num desfalque que ascendeu a mais de 150.000 contos através de sucessivas operações bancárias, apresentando junto da direcção documentos forjados que faziam aparentar uma situação financeira estável. Dada a gravidade dos factos, realizou-se uma reunião conjunta dos corpos gerentes a 13/02. Nesta, o tesoureiro Fernando Carvalho explicaria em detalhe a utilização fraudulenta do dinheiro, o modus operandi de José Metello junto dos bancos e serviços administrativos da ARCIL. No Banco Comercial Português a conta apresentava um saldo negativo sendo de imediato detectada a operação fraudulenta: «…existira uma conta a prazo de 36.000 contos, que cobria uma conta caucionada de 30.000 contos, completamente ocupada. Aquela conta cobria ainda uma garantia dada pela ARCIL sobre uma livrança da Lousancol. A garantia terá sido estabelecida através de uma carta forjada para esse efeito (…) A reforma sucessiva da referida livrança terá assim conduzido a um saldo negativo de cerca de 21.000 contos, desde Novembro último». O banco justificava a «não comunicação desta situação (…) pela confiança que a Instituição Bancária depositava em José Metello». No entanto questionado sobre o assunto «…se terá escudado com o aguardar para breve de uma verba de 110.000 contos do Instituto do Emprego e com o qual pretenderia negociar novas taxas. Por outro lado, José Metello, na qualidade de gestor administrativo, terá instruído os funcionários que trabalhavam na sua dependência, para que qualquer comunicação telefónica ou fax do Banco Comercial Português fosse encaminhada para o seu gabinete» Ainda no BCP foi detectável «uma sucessão de cancelamentos de Depósitos a Prazo na altura do seu vencimento e os quais são refeitos de seguida por 302

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importâncias inferiores. Embora parte daquele diferencial possa ter sido efectivamente aplicado na concretização de projectos da ARCIL, é presumível que cerca de 100.000 contos tenham sido desviados por este processo»305. Por outro lado, detectou-se ainda um cheque de 23.000 contos sobre o Banco Pinto & Sotto Mayor depositados na conta da Lousancol (de que José Metello era proprietário, juntamente com seu irmão Pedro Reis), na Agência da Lousã da CGD. Mais informações só seriam recolhidas depois de extracto do Banco Comercial, cópias de cheques e análise exaustiva à contabilidade. No entanto, o montante global do desfalque e extensão dos danos colaterais apenas foram dados a conhecer aos associados em AG pedida pelo CF. A mais concorrida das assembleias da ARCIL desde a sua fundação realizou-se a 18/02/1995 na presença de 171 associados e numa altura em que alastrava pela comunicação social a noticia do nefando acontecimento. Nesta sessão, que teve como ponto único a análise da «Situação criada pelo Sr. José Metello dos Reis», a mesa aprovaria a transmissão do evento, em directo, pela rádio local «e tendo em vista o esclarecimento total da opinião pública». Uma vez mais caberia ao tesoureiro da ARCIL, Fernando Carvalho, a responsabilidade de informar os presentes dos contornos do crime que abalara a ARCIL, sendo pela primeira vez estimado o valor do desfalque: «Explicou que só foi possível existir grande quantidade de dinheiro porque em 1987, foi atribuído à ARCIL o Projecto dos Cartões da Segurança Social num valor de 70 milhões de escudos. Porém, em virtude de dificuldades entre entidades governamentais, só dois anos depois é que teve início, e nesse espaço de tempo foram feitas diversas aplicações financeiras. Depois do projecto dos cartões já realizado ficaram libertos cerca de 70.000 contos (…). Assim, em 1992, existiam dois depósitos a prazo, um no Bano Fonsecas & Burnay no valor de 50 milhões de escudos e outro de 100 milhões de escudos no BCP, com uma melhor taxa.

Idem. Acta n.º 66, 13/02/1995 pp.101-102

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Este dinheiro não era para despesas do dia-a-dia e só se mexia com a autorização de toda a Direcção, sendo o pé-de-meia da ARCIL». Na verdade José Metello «…contabilizava os proveitos das contas e controlava a chegada dos extractos bancários, protelando as explicações aos funcionários administrativos já que era ele quem fazia a gestão financeira, estimando-se em 149 milhões de escudos o furto de dinheiro feito pelo Senhor Metello».306 Foram muitos os que usaram da palavra na sessão de 18/02/1995. Das intervenções do presidente do CF, Eng.º João Cruz, e do tesoureiro Fernando Carvalho torna-se claro o quanto José Metello usou e abusou da confiança que os órgãos sociais nele depositaram: - O primeiro aludiria aos atrasos nas reuniões do CF «…uma vez que o Senhor Metello não apresentava documentos, justificando-se com a falta de tempo e a informatização de serviços, dizendo sempre que estava tudo em ordem e prometendo que no passado dia 26 de Dezembro de 1994, seria feita uma reunião com a descriminação de todas as aplicações financeiras pedidas pelo Conselho Fiscal. A referida reunião nunca se realizou porque o Senhor Metello disse que não tinha ainda os balancetes prontos e que tinha havido outras solicitações importantes de outras entidades aos serviços administrativos e adiou para daí a alguns dias. (…) que de 1994 não viu nenhum balancete e mais uma vez o Senhor Metello afirmou a todos os elementos do Conselho Fiscal que tudo estava em ordem sendo uma surpresa o desfalque perpetrado»307. - O segundo colocando o enfoque na questão da confiança, explicaria aos associados «…que as contas eram movimentadas através de cheques, os quais eram assinados pelos elementos da Direcção, Prof. Carvalhinho e Jorge Ferreira, cujas assinaturas eram obtidas pelo Senhor Metello, com justificações plausíveis e relativas ao funcionamento normal da Instituição, abusando da confiança que nele depositaram, Leu também uma carta enviada ao BCP pelo Senhor Metello em que penhora a conta naquela instituição por livrança»308.

ADA – Livro de Actas da Assembleia Geral da ARCIL, 1979-1995, n.º 24, 18/02/1995, fl. 44 ADA – Livro de Actas da Assembleia Geral da ARCIL, 1979-1995, n.º 24, 18/02/1995, fl. 44v. 308 Id. 306 307

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Mais difícil foi explicar a articulação da ARCIL com a empresa LOUSANCOL e suas implicações no desfalque. A dita empresa, sedeada no Alto do Padrão, pertencia a José Metello dos Reis e seu irmão Pedro dos Reis, e dedicava-se à comercialização de collants desde 1990. Através de uma parceria a Lousancol passou a distribuir a título gratuito as luvas de malha produzidas pela ARCIL no edifício da antiga cadeia na zona da estação, aceitando que o pagamento da mercadoria fosse feito por meio de letras. O assunto viria à baila na sessão de 18/02 na pergunta do associado José Pereira «como é que se confunde a ARCIL com a firma LOUSANCOL e como era possível mover fundos só por uma pessoa»?, obrigando à intervenção não só do tesoureiro mas também do próprio presidente da direcção: Fernando Carvalho explana o seu raciocionio: «…que para fazer os movimentos, eram necessárias duas assinaturas e que algumas vezes, pela confiança que depositavam no Senhor José Metello, foram assinados cheques em branco. Em relação à LOUSANCOL, foi informado pelo Prof. Carvalhinho que só existia um acordo para esta empresa distribuir as luvas do sector ocupacional da ARCIL e a LOUSANCOL através do Senhor Metello, seu proprietário, propôs pagar através de letra, a qual foi assinada em branco devido à confiança que tinha no Senhor José Metello, sendo esta a forma de conseguir assinaturas em documentos vários, como na carta enviada ao BCP a qual foi forjada no exterior porque a letra não é de nenhum elemento da ARCIL»309. No decorrer dos trabalhos da AG, o presidente da direcção José Carvalhinho intervém para historiar a sua ligação à ARCIL, então já com 17 anos, exprimindo aos associados a sua visão dos factos e denunciando o ataque pessoal e institucional por parte de alguns órgãos de informação. A terminar a sua exposição assume toda a responsabilidade pelos acontecimentos, colocando o lugar à disposição. A AG da ARCIL reagiria com firmeza, reiterando a confiança em todos os membros da direcção, ratificando sem votos contra uma moção de solidariedade

Id. fl. 45

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anteriormente aprovada em reunião geral de trabalhadores. Colocada à votação a proposta de «voto de confiança à Direcção», foi aprovada com 7 abstenções, todas de membros da direcção. Alguns meses depois e fruto da grande pressão existente sobre os membros da direcção, Fernando Carvalho coloca o lugar à disposição na reunião do dia 02/10. A direcção não aceitaria a demissão, redefinindo os pelouros, passando a gestão económica e administrativa para a responsabilidade de Fernando Carvalho e Prof. Ernesto Carvalhinho, e a ligação com os pais a cargo do Sr. Torres. Mas a grande pressão, quase insuportável, esteve sempre em cima dos ombros de quem liderava a ARCIL: o presidente José Ernesto Carvalhinho. Na primeira entrevista dada após o desfalque, exprime todo o seu sentir perante o corrupio de acontecimentos: Revelando Metello como «o seu melhor amigo», afirmaria sobre o desfalque: «Sinto-me pessimamente. Traído não só em relação à amizade, mas essencialmente traído em relação a-anos de um trabalho intenso, forte, para termos uma situação estável. Agora está tudo tremido!». E, com alguma coragem afirmaria ainda «com o barco no fundo não me demito»310. Nesta altura, José Ernesto Carvalhinho, ainda não sentia no corpo e na alma o verdadeiro estrago provocado pelo drama. Dir-se-ia que tudo estava ainda quente e as repercussões apenas haviam começado. Mas, mais de uma década volvida sobre o assunto, diria algo mais profundo: «Foi como uma bomba dentro de mim, de que me ressinto até hoje, psíquica e fisicamente. A ARCIL e eu nunca mais fomos os mesmos»311.

«Presidente da ARCIL ainda está atordoado» In Jornal da Lousã, Edição Especial, 07/02/1995, p. E

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José Ernesto Carvalhinho entrevistado por João Pinho, Março 2013

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JOSE ALBANO METELLO NUNES DOS REIS TRAJECTO E PERSONALIDADE Natural de Angola, industrial, veio com a família para a Lousã depois do 25 de Abril de 1974, na sequência do processo de descolonização. Foi sócio fundador, na década de 70, de uma empresa de transformação de papel higiénico e afins“Metello e Carvalho”. Em 1990 cria a Lousancol (empresa ligada à produção de collants) juntamente com seu irmão, Pedro Metello, assessor do Presidente da República. Antes do desfalque na ARCIL, parte da quota da empresa foi vendida em tribunal, devido à existência de uma divida de 40.000 contos. Ainda jovem foi vereador pelo PSD na CML entre 1979-1982, durante o mandato de Teixeira Neto , ocupando o pelouro do Turismo. Em 1985 foi de novo eleito como vereador, agora pela AD, no primeiro executivo presidido por Horácio Antunes. Era uma presença habitual em importantes realizações de todo-o-terreno, nacionais e estrangeiras. Um facto sucedido algum tempo antes do desfalque (quiçá com ele relacionado) foi a perda de um jipe e diversos equipamentos em África, quando, em conjunto com um seu amigo e vereador municipal, Parola Gonçalves, participavam num “raid” que deveria ligar Lisboa a Luanda. Sucessivos assaltos dos povos do deserto, designadamente de tuaregues obrigaram a organização a interromper a marcha, face à situação de penúria em que ficou a maioria dos aventureiros. Entrou para a ARCIL em 1985, integrando a lista presidida por José Ernesto Carvalhinho para 1985-1987, como 2.º Secretário e gestor administrativo, tendo assumido funções a 01/05/1985. Carvalhinho recorda que o admitiu tendo em conta o bom trabalho que fez na parte económica e de gestão nas empresas por onde passou, designadamente na de papel. Conhecido entre os amigos por «Zé-zé» manteve-se formalmente na direcção até ao desfalque (1995) e posterior irradiação por decisão da Assembleia Geral. Mentor e executor do desfalque na ARCIL nos finais de 1994, ao estilo de Alves dos Reis, seria irradiado da qualidade de associado da ARCIL pela prática de factos ilícitos e acções dolosas, na reunião da AG de 01/07/1995, com 79 votos a favor, 1 em branco, 1 nulo, 1 contra. CAPÍTULO 4 – O Fatídico Ano de 1995: o desfalque abate-se sobre a ARCIL

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2. A RESPOSTA DA INSTITUIÇÃO Apesar da gravidade dos factos, a ARCIL respondeu de forma segura e eficaz ao momento de maior turbulência da sua história. Ainda em Fevereiro, a direcção avisa do sucedido os diversos organismos que subsidiam o funcionamento e os projectos da instituição: Ministério do Emprego, Ministério da Educação, Ministério da Saúde e Segurança Social. Em simultâneo, tomaram-se várias medidas para que no final do mês fosse possível garantir os pagamentos aos utentes remunerados, nomeadamente, em formação, e aos trabalhadores em geral, e assegurado o pagamento de fornecedores até Novembro de 1994. Desde logo se cancelaram algumas obras e projectos em curso, como o projecto ARCILSERRA, orçado em 450 mil contos, que previa a recuperação das aldeias serranas da Silveira, comparticipado pela Secretaria de Estado do Turismo e colaboração da CML. Por outro lado, reduziram-se as despesas com colónias de férias, avançou-se para a contenção de salários e reequipou-se o sector da ARCILCARD, um dos mais lucrativos, para dar resposta à concorrência nacional. Apesar das dificuldades, não ficou comprometida «a conclusão da Cerâmica cujo financiamento está já programado e autorizado», nem o projecto dos triciclos motorizados – embora José Metello não tenha feito a encomenda como fez crer, deliberou-se dar andamento ao projecto, por ter sido atribuída para o corrente ano a verba de 7.500 contos312. Em meados de Março a direcção tomou medidas adicionais para a prossecução da actividade da instituição como o encerramento do Bloco de Dentista, «temporariamente e para reorganização dos serviços», redefinindo os serviços de fisiatria e optimização dos custos, e não renovando alguns dos contratos com pessoal. Decisiva seria, também, a solidariedade de instituições e pessoas: as primeiras palavras do representante do Governo no Distrito, Eng.º. Pedroso de Lima, seriam de apoio, declarando-se «…empenhado em ajudar a ARCIL dentro dos

ADA – Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 1985-1997, Acta n.º 66, 13/02/1995 Pp. 102 e 103

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critérios da legalidade, a ultrapassar as dificuldades financeiras que a associação atravessa na sequência do desvio de avultadas verbas. «O professor Carvalhinho é uma das pessoas que mais respeito no Distrito de Coimbra e com quem muito aprendi na área da reabilitação de deficientes»313; a CML desbloqueia 3.000 contos que devia à ARCIL ao abrigo do Projecto de Luta Contra a Pobreza ao mesmo tempo que o seu executivo aprova por unanimidade «um voto de inteira solidariedade com a ARCIL»314; o CRSS manifesta a possibilidade de suspender os pagamentos por 2 meses, a CENEL, S.A sugere a suspensão do pagamento da energia por 2 meses e a CGD (Agência Lousã), mostra-se disponível para estudar meios de financiamento que a ARCIL necessite. Durante o ano, o Diário de Noticias doaria 506 contos (receita de festa de Natal) enquanto os Empresários da Lousã colocaram em marcha uma iniciativa com o objectivo de angariar fundos. Do estrangeiro (Holanda e França) chegam apoios financeiros. Com boas perspectivas de se erguer do choque, a ARCIL contaria com o sacrifício de trabalhadores e sócios. Para explicar a delicada situação a direcção decide enviar cartas a várias entidades para articulação da questão de financiamento. Junto do Ministério do Trabalho fez, em Março, o pedido de financiamento no âmbito do Fundo de Socorro Social. Em finais de Maio e produto de uma rigorosa gestão financeira, nos meses seguintes ao desfalque, a ARCIL apresentava-se equilibrada: tinha a receber do Estado: 47.500 contos, a receber de clientes 21.000 contos, dívidas a fornecedores no valor de 53.000 contos e as contas de Fevereiro a saldar com 6.000 contos315. Em Julho avançou-se para o processo e auditoria às contas da ARCIL, pelo qual se evidenciaram mais algumas irregularidades (uma constante ao longo das primeiras semanas após o desfalque), como o pagamento de viagens ao estrangeiro de pessoas que não eram funcionários da Associação, situação logo comunicada ao Ministério Público. Mas seriam as relações comerciais entre a

«Governador Civil solidário» In Trevim, Ano XXVIII, nº 626, 23/02/1995, p. 9 «Câmara desbloqueia 3.000 contos em divida» In Trevim, Ano XXVIII, nº 626, 23/02/1995, p. 9 315 Idem. Acta n.º 69, 10/05/1995, p. 111 313 314

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ARCIL e a FAMACOPE a emergir da auditoria como adicional problema. Constatar-se que a partir de certa altura a ARCIL passou a vender luvas e a prestar serviços para a indústria do Freixo, numa relação comercial inferior a 10.000 contos. Mas, de acordo com a exposição do tesoureiro Fernando Carvalho as relações alteraram-se de forma extraordinária: «…que se resumiam a cerca de 8.000 contos, mas neste momento havia um valor de 66.867.547$00 de cheques passados pela ARCIL à FAMACOPE. O que significa que a ARCIL quase serviu de banco a esta empresa porque recebia letras e passava cheques. Neste momento temos mais responsabilidades com esta empresa do que os serviços que lhe prestámos. Como isto tem a ver com pessoas da Lousã os associados tirarão as conclusões que entenderem»316. Para se inteirar o melhor possível dos factos ocorridos, a ARCIL solicitou vários documentos aos bancos envolvidos, tendo encontrado algumas barreiras inesperadas: em Julho de 1995, Fernando Carvalho lamentaria a resposta obtida na sequência da carta enviada ao BCP pedindo cópia dos cheques e documentação já pedida anteriormente, obtendo-se a maioria dos documentos pedidos mas sem os pormenores que se desejavam.

3. A LUTA NOS TRIBUNAIS José Ernesto Carvalhinho, presidente da direcção da ARCIL foi ouvido pela PJ no dia em que se tornou público o desfalque, tendo os investigadores afastado logo aí a possibilidade de estar directamente envolvido no esquema fraudulento. A ARCIL, enquanto instituição lesada, apresentou logo que possível queixa-crime ao Delegado do Ministério Público, junto ao Tribunal Judicial da Comarca da Lousã, ficando o processo em segredo de justiça. Vários membros da direcção seriam ouvidos pela Inspecção da Segurança Social e pela Policia Judiciária nos dias que se sucederam ao desfalque procurando reunir o máximo de informações.

ADA – Livro de Actas da Assembleia Geral da ARCIL, 1979-1995, Acta n.º 25, 01/07/1995, fl. 47v.

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O processo foi inicialmente acompanhado pelo advogado Soveral Martins. Em Setembro moveu-se acção contra o BCP «pelo não cumprimento dos acordos efectuados (…) e uma outra contra José Albano Metello Nunes dos Reis e esposa, seu irmão Pedro Reis e esposa, por tentativa de reversão de uma livrança de 5.400 contos». «…havia sido proposta uma acção judicial contra aquela Banco pelo incumprimento do contrato realizado com este no que se referia à conta caucionada». A 07/08/1996, a Policia Judiciária emitia nota onde acusava formalmente José Metello do desvio de mais de 200.000 contos, explicando os contornos da sua actuação: «Beneficiando da confiança de pessoas envolvidas na gestão da instituição assumindo só por si os contactos com a banca e omitindo documentação, o suspeito autor terá feito encaminhar para si, pessoalmente, e para uma empresa de que era sócio-gerente, durante alguns anos, essas quantias obtidas ilicitamente»317. Sobre a acção judicial movida contra o BCP chegar-se-ia a um acordo em finais de 1996, pelo qual a ARCIL desistiu do processo e a instituição bancária pagou à ARCIL 19.000 contos318. Em Janeiro de 1998 a Direcção aprovou a seguinte proposta sobre a situação do débito da FAMACOPE à ARCIL: «Empresa ITF por encontro de contas com a FAMACOPE assume a responsabilidade de pagar 7.267.190$00; b) a ARCIL procederá ao estorno dos juros e despesas bancárias lançadas na conta da FAMACOPE entre 1995/96 no valor de 3.124.216$40»319. Em Março de 1999 o julgamento de Metello seria adiado. Em Dezembro de 2004 a ARCIL seria reembolsada pela Lousancol (Indústria de collants Ld.ª que havia falido), no valor de 25.480.70€, muito distante do reclamado 726.416,97€.

«José Metello com mandato de captura» In Jornal da Lousã, p. 7, 16/8/1996 ADA - Livro de Actas da Assembleia Geral da ARCIL, 1996-2007, Acta n.º 27, 07/12/1996, fl. 4 319 ADA – Livro de Actas da Direcção da ARCIL 1998, Acta n.º 112, 19/01/1998, P. 5 317 318

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Nos princípios de 2005 seria conhecida a falência de José Metelo dos Reis. Em carta enviada pelo Gabinete de Advocacia de Alexandre Soveral Martins, comunicava-se «…que paralelamente ao pedido de indemnização cível instaurado (…) poderá ser apreciado pelo Tribunal um processo de reclamação de crédito (sentença proferida pelo Tribunal Judicial da Lousã, sobre o processo 110-A/1997, de reclamação de créditos»320. A audiência realizou-se em Abril, de que resultou sentença proferida pelo TJ da Comarca da Lousã, comunicada pelo dito gabinete em of.º de 20/5. Remetendo cópia de sentença proferida pelo TJ da Comarca da Lousã: reconhecendo o crédito da ARCIL no montante de 977.367,47 € não reconhecendo o montante em relação a juros de mora. Assim, o crédito «…proveniente da responsabilidade do falido apenas deverá ser suportado pela respectiva meação no património comum do casal». A ARCIL aceitaria a sentença, concordando com proposta de não recurso por não trazer «grandes benefícios para a mesma, já que a obtenção de uma ínfima parte do seu crédito seria efectuada através de bens que pertencem à mulher do falido»321 Em Setembro de 2008, o CG informou a direcção da reunião realizada com o Advogado Amílcar José Sandinha relativa ao Processo-crime de José Albano Metello Nunes dos Reis. As notícias constituíram um golpe duro: «Informa que, segundo a lei em vigor, os crimes de burla qualificada e de peculato, em causa podem prescrever passados 10 anos a contar da prática do último acto considerado ilícito e que ocorreu em Janeiro de 1995. O arguido poderá, neste caso, ser desresponsabilizado criminalmente».322 Embora ferida, a instituição não se deu por vencida e concordando com proposta do CG decidiu pela «continuidade das diligências que o Advogado considere necessárias, para que o processo não seja arquivado».

ADA - Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 2005, Acta n.º 5, 05/04/2005 Idem. Acta n.º 8, 31/05/2005 322 ADA - Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 2008, Acta n.º 22, 03/09/2008 320 321

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No entanto veio a suceder a previsão do advogado que por ofício de 05/12 informava que o Tribunal da Lousã «…julgou extinto por prescrição o procedimento criminal instaurado contra o arguido José Albano Metello Nunes dos Reis e em consequência, declarou cessada a situação de contumácia, determinando o arquivamento dos autos. Mais declarou extinta a instância civil por inutilidade civil, absolvendo da instância o demandado José Albano Metelo Nunes dos Reis e ordenando, também nessa parte, o arquivamento dos autos»323. Ainda assim, a ARCIL não desistiria dos seus direitos e, em Dezembro de 2008 foi interposto recurso da decisão para o Tribunal da Relação de Coimbra. Posteriormente, em Fevereiro de 2009, o Tribunal da Lousã, dando a “mão à palmatória” decidiu reparar parcialmente a sua própria decisão e mandar prosseguir o processo para análise do pedido de indemnização civil, que a ARCIL havia deduzido contra o arguido José Albano Metello Nunes dos Reis, mantendo, todavia, a decisão sobre a prescrição do procedimento criminal. A 27/05, o advogado Amílcar José Sandinha, remetia carta anexando cópia de decisão do Tribunal da Relação de Coimbra, em que a ARCIL fora recorrente, negando provimento ao recurso, somente da parte criminal, uma vez que entendeu que o procedimento criminal estava prescrito desde Janeiro de 2005. A Direcção nada mais poderia fazer e «…deliberou conformar-se com a decisão do Tribunal»324. O julgamento do processo, no que respeita ao pedido de indemnização civil, chegou a estar agendado, por diversas vezes, no Tribunal da Lousã. Todavia, como não se conseguiu notificar pessoalmente o arguido, o julgamento tem sido adiado “sine die”. Em Janeiro de 2014, foi enviada pelo Tribunal da Lousã uma carta rogatória dirigida às autoridades judiciárias do Brasil - por ser o país onde o arguido tinha residência conhecida - a fim de o notificar do pedido de indemnização civil deduzido pela ARCIL e à qual se vem aguardando uma resposta. Sabe-se,

ADA - Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 2008, Acta n.º 30, 11/12/2008 ADA – Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 2009, Acta n.º 13, 03/06/2009

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também, que reside em Angola, tem empresas e vários passaportes (português, angolano e brasileiro). É caso para perguntar, porque motivo as autoridades incumbidas para tal, ao longo de todos estes anos nunca conseguiram encontrar o arguido? Que forças e que interesses?

4. A ARCIL PARA LÁ DO DESFALQUE Apesar do desfalque, e passado o trauma das primeiras semanas, o funcionamento da ARCIL foi retomado dentro da normalidade possível. Internamente decide-se abrir concurso para admissão de um gestor administrativo, vindo a ser admitida Elsa Bigares, na difícil sucessão a José Metello. Em Março toma-se conhecimento de que a instituição ganhara a produção do Cartão Jovem e o concurso para uma cadeia de hotéis. Ao nível das obras faz-se um ponto de situação: tendo 28.000 contos a receber do Estado decide-se apresentar projectos no âmbito do programa HORIZON e HELIOS; por um lado,a transferência da pecuária para a Quinta do Caimão e transformação daquele espaço em salas para o CAO, numa modificação que orçava nos 30.000 contos; e, por outro, estando o financiamento aprovado e disponibilizado para a obra da cerâmica, seria dado impulso à sua concretização. Porém, algumas obras não avançam no imediato mas apresentam-se estimativas dos montantes necessários para a sua conclusão: tal foi o caso da Sala de Snoezelen (200 contos), ou das Instalações da ARCILCARD (400 contos). Relativamente ao projecto Aldeias da Silveira a CCRC consideraria o processo em aberto. Dadas as dificuldades de tesouraria e ao envolvimento da CML decide-se auscultar esta última para ultrapassar o impasse redefinindo o Protocolo de Cooperação existente. As parcerias e protocolos mantêm-se: em Maio arrancaria o programa de cooperação com PALOP’S, que previa a permanência, por 2 meses, de 2 cidadãos de S. Tomé e Príncipe, com actividade na oficina de reparação de calçado.

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No mesmo sentido estreitam-se os contactos internacionais: no referido mês com a ECO (empresa de trabalho temporário com quem desenvolveram um projecto internacional), em Paris, sobre a reunião de coordenadores do Programa HORIZON. Entre Outubro de 1995 e Dezembro de 1997, desenvolver-se-ia o projecto ATEPRO (Apoio Técnico ao Emprego Protegido). Tinha como objectivo geral a análise e definição de modalidades alternativas de emprego protegido e teve especial incidência na área da integração profissional. Desenvolveu-se entre Outubro de 1995 e Dezembro de 1997, no âmbito do Programa HORIZON e procurou atingir 3 objectivos específicos: • Promover a efetiva integração socioprofissional das pessoas com deficiência em regime de Emprego Protegido, e sempre que possível, a sua transição para estruturas do mercado normal de trabalho (vide foto 70); • Criar um Núcleo de Apoio Técnico ao Emprego Protegido, na ARCIL, constituído por uma equipa multidisciplinar, que procedesse ao teste do funcionamento e organização dos serviços no domínio do Emprego Protegido, à definição de modelos alternativos e inovadores e à implementação de boas práticas; • Implementar um sistema integrado de Gestão dos Recursos Humanos no CEPARCIL, por forma a organizar e sistematizar ações em vários âmbitos:

Foto 70 - Exponor: mostra de CEP organizada pela Arcil, anos 90 da esquerda para a direita, Lídia (L2J), Carvalhinho, Helena Montez, Beatriz Jacinto (Instituto Nacional de Reabilitação) e Cristina Silva

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Na sequência do trabalho realizado no âmbito do ATEPRO definiram-se linhas de intervenção a privilegiar no futuro, que permitiram o desenvolvimento continuado daquele projeto através do METRIS, entre 1998 e 2000. Na ARCILSAUDE seria detectada a acção dolosa de Jose Metello, na factura fraudulenta da deslocação do dentista ao Brasil e venda de materiais dentários à ARCIL. Contactada e admitida como nova dentista Nídia Mateus, verificou-se uma melhoria do serviço tornando-o exemplar. Paralelamente estabeleceu-se um regime onde os preços cobrados aos externos permitissem cobrir os custos com as consultas dos internos. Em Julho, feito o balanço dos custos e benefícios do reinício de actividade, aceita-se a proposta de «os utentes internos que usufruam deste serviço, possam pagar uma percentagem da redução de que beneficiam (50% do valor dos externos)»325. Ficaram salvaguardadas situações de «maior carência», justificadas pelos técnicos de serviço social. Um dos aspectos positivos consequência do desfalque seria a reorganização dos serviços. Num primeiro momento, procurou-se reduzir os custos com os transportes, o projecto dos cartões passou a contar com a colaboração de voluntários (maioritariamente colaboradores da instituição), e solicitou-se à empresa CONTIMBRA: que implementasse um sistema para introdução de dados permitindo «com precisão conhecer rapidamente os custos em diversos sectores»326. Debatida a forma de «implementação da análise sectorial em termos de custos de produção», optou-se, em Julho, pela «apresentação de mapas mensais por parte dos coordenadores responsáveis de sector, à gestora, Dr,ª Elsa Bigares»327. Também no mesmo mês foi unanimemente aceite a reorganização dos diferentes sectores: nos Transportes, Ulisses Martins, monitor, ficou com a «responsabilidade da coordenação e gestão de todas as viaturas», em estreita ligação com sector administrativo e serviço social; na Agropecuária e Jardinagem, atribuiu-se ao Eng.º Amândio Torres a supervisão das áreas; na Cozinha, soliciou-se

ADA - Livro de Actas da Assembleia Geral da ARCIL, 1996-2007 Acta n.º 72, 6/07/1995, p. 117. ADA – Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 1985-1997, Acta n.º 67, 15/03/1995, p. 104 327 Idem. Acta n.º 72, 06/07/1995, p. 118 325 326

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à monitora Manuela Simões o diagnóstico da situação actual e propostas de alteração; na construção e reparação de imóveis, atribuiu-se responsabilidades da área ao monitor Jorge Ferreira; na Formação profissional decidiu-se «…rever o processo de planeamento dos trabalhos a efectuar nas oficinas e o cumprimento rigoroso do pedido dos mesmos» bem como uma «…análise da hipótese de redução do pessoal docente como consequência dos cortes efectuados à candidatura do Fundo Social Europeu de 1995»328 Complementarmente, em Setembro decidiu-se implementar um Sector de Compras com controlo efectuado nos Serviços Administrativos Centrais que apenas em Março do ano seguinte entraria em funcionamento. Na tentativa de captar recursos abriria na baixa de Coimbra, e no Centro Comercial D. Dinis uma loja da ARCIL. Inaugurada a 23/9/1995, seria concedida à exploração. Projecto que no entanto não conseguiu atingir os seus objectivos, devido não só a uma má localização, mas também aos custos de pessoal. Em Dezembro do mesmo ano a experiência seria interrompiada «uma vez que as vendas não atingiram níveis de rentabilidade que justificassem a continuação da utilização daquele espaço»329. No mês seguinte seria revalidado o acordo feito com os HUC no que toca às condições de prestação de serviços acordadas em 18/4/1994, tendo em vista a «…consulta de problemas relacionados com o Alcool na qual serão atendidos utentes da ARCIL» e ligação com o Serviço de Medicina Fisica e Reabilitação e outros serviços dos HUC, de que resultou, por exemplo, a vinda da psicóloga Fernanda Duarte, que contribuiu com o seu profissionalismo para a excelência do trabalho realizado pela ARCIL 330. Marca de pioneirismo seria o reinício, em 1995, das actividades de musicoterapia.

Idem. Pp. 119-120 ADA – Boletim Informativo da ARCIL, Dezembro 1995 330 ADA – Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 1985-1997, Acta n.º 77, 12/10/1995, pp. 126-127 328 329

CAPÍTULO 4 – O Fatídico Ano de 1995: o desfalque abate-se sobre a ARCIL

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CAPÍTULO 5 Tempos de Recuperação e Afirmação (1996-2000)

1. O REEQUILÍBRIO FINANCEIRO E INSTITUCIONAL O desfalque de 1994/1995 cortou um caminho notável de desenvolvimento e afirmação da ARCIL, com grandes consequências no funcionamento da instituição. João Graça alude a uma nova realidade interna: «Ficámos mais unidos, mas a ARCIL nunca mais voltou a ser a mesma. Tornou-se mais organizada, mas um pouco mais fria. Foi sempre uma casa de portas abertas. Que funcionou na base da confiança pessoal. Basta dizer que o director responsável pelo desfalque não falsificou nenhuma assinatura. Ele levou as pessoas a assinar documentos. Se me tivessem dito a 30 de Janeiro de 1995, quando se soube do desfalque, que alguém tinha roubado a ARCIL e me pedissem para elaborar uma lista de suspeitos ele vinha cá para o fundo»331. Mas, ultrapassado o trauma, a instituição reergueu-se nos anos seguintes, procurando cumprir a sua missão e objectivos. A principal missão da direcção passava por reequilibrar a gestão financeira. E, sobre este aspecto, foi decisivo o apoio e compreensão recebidos de diversas instituições e pessoas a nivel nacional.

João Graça entrevistado por Marta Ramos, 09/02/2011

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CAPÍTULO 5 – Tempos de Recuperação e Afirmação (1996-2000)

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Ao raiar o novo ano de 1996 chegavam notícias promissoras pela voz dos directores da ARCIL. Na reunião da direcção a 01/02, o seu presidente anunciava o controlo sobre a situação económica actual: saldo positivo, tendo em conta os depósitos bancários, dividas a fornecedores, e dívidas de clientes, e a reformulação de acordos existentes com o CRSS e Ministério da Educação, implicando «… um acréscimo de subsídios no valor aproximado de 1500 contos»332. Na mesma linha, interveio o tesoureiro Fernando Carvalho, na reunião da AG de 29/03/1996. Ao apresentar as contas da turbulenta gerência de 1995 informou os associados do relatório de auditoria feita pela Contimbra à contabilidade e que estava à disposição de todos. Assim e apesar do desfalque anunciou o que todos desejavam ouvir: «…situações de variação positiva nas diversas actividades da Associação, e tendo-se conseguido efectuar pagamentos a fornecedores de dívidas atrasadas e actualmente o pagamento a estes é já feito com desconto de pronto pagamento». Acrescenta que baixara o passivo da associação «substancialmente».333 Na sequência daquela intervenção Marques Leandro sintetizaria o pensamento de quase todos os presentes: «o futuro da Associação já não estava em risco e que se poderia encarar o mesmo com algum optimismo». Era, no entanto, a ultima intervenção de Fernando Carvalho como membro da direcção e tesoureiro da ARCIL. Desgastado com a situação, mas com a consciência do dever feito alegaria indisponibilidades, quer pessoais, quer profissionais, para a partir daquela data se considerar desvinculado da Direcção. Em seguida, aprova-se por unanimidade e aclamação a proposta do Engº Fontinha para que fosse considerado sócio honorário «…face ao esforço desinteressado que fez pela Associação durante vários anos». Foi substituído na direcção pelo Eng.º Amândio Torres. Apesar da vitória do reequilíbrio financeiro, a ARCIL seria atacada publicamente por pessoas mal-intencionadas: umas justificando o sucesso da instituição e a sua rápida recuperação em relação à fraude de Janeiro de 1995, ADA – Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 1985-1997, Acta n.º 80, 01/02/1996, p. 131 ADA – Livro de Actas da Assembleia Geral da ARCIL, 1996-2007, Acta n.º 26, 29/03/1996, fl. 1

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com a utilização do trabalho dos cidadãos deficientes; enquanto outras lançavam graves insinuações pelo facto de uma instituição de cariz social ter tanto dinheiro. Carvalhinho teve de sair a terreiro para explicar como dera a volta à situação: «A Instituição ficou em situação de total ruptura com um buraco de 60 mil contos. Graças a amigos, ao apoio do Estado e à entrega incondicional de responsáveis e funcionários, a ARCIL manteve-se de pé e hoje considera-se de boa saúde. (…) A ARCIL funcionava com os pés bem assentes na terra quando no ano passado nos aconteceu aquela desgraça. Tivemos que adiar alguns projectos e apertar bem os cintos. Valeu-nos o apoio de amigos e a manutenção dos subsídios do Estado para segurar a instituição sem fechar nenhuma das valências e, mesmo, avançar para a concretização de alguns sonhos»334. Aqueles sonhos eram a ARCILCERÂMICA investimento na ordem dos 42.000 contos do FEDER, que continuava de pé, ao contrário da ARCILSERRA (recuperação de duas aldeias da Silveira), ou da transferência do sector agro-pecuário da sede para a Quinta do Caimão. Foi também por esta altura que arrancou, na quinta, o cultivo de tabaco, em resultado de acordo com a Tabaqueira. A implementação desta cultura traria um episódio triste, dado o incêndio que a 29/12/1999 destruiu o armazém de secagem335. O equilíbrio financeiro foi uma aposta ganha pela instituição. Contudo, a verdade é que as dificuldades de tesouraria manter-se-iam nos anos seguintes, conjugadas com uma conjuntura adversa, evidente na apresentação das contas do 1.º semestre de 1999, quando o tesoureiro Carlos Carvalho e o gestor Paulo Pinho lançavam o alerta: registara-se uma redução significativa dos subsídios atribuídos pelo ME (devido à alteração do acordo) e FSE (consequência da aprovação parcial dos valores da candidatura e menor número de formandos com redução prevista de 35.000 contos). Aquela situação, aliada aos resultados negativos na área de produção (embora com melhorias em relação ano anterior) conduziam à conclusão «… que a ARCIL, está a gastar mais do que aquilo que recebe, o que é insustentável «O mundo (d)eficiente da ARCIL» In Diário As Beiras, 24/05/1996, p. 12 «Fogo na ARCIL» In Diário As Beiras, 30/12/1999, p. 13

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a prazo», prevendo-se resultado negativo no final do ano mas sem «previsões de insolvência»336. Para fazer face a este problema, a direcção tomaria medidas internas de contenção, pedindo a funcionários e colaboradores cuidados adicionais nos gastos (telefones, electricidade etc.). Para lá do equilíbrio financeiro, a instituição também procurou reorganizar-se internamente procurando-se a descentralização orgânica. As decisões seriam tomadas após reflexão interna: a partir de meados de 1997, seria discutida a questão das áreas de responsabilidade conduzindo para o Presidente os contactos internacionais e o domínio dos contactos nacionais com entidades governamentais. José Andrade substituiria Elsa Bigares como assessor de gestão. Tomando posse em Março e consciente da herança pesada decide enviar uma mensagem interna de esperança e bom senso: «O nosso propósito será o de gerir bem. Trata-se principalmente de gerir e de cultivar relações pessoais. É que utentes, trabalhadores, clientes, fornecedores, estado, organizações, mercados…são pessoas. Os instrumentos ou ferramentas de gestão é que variam, tal como, consoante a natureza da matéria e o objecto visado, assim variam as ferramentas do carpinteiro, do pedreiro, ou de qualquer outro artífice» (…) O planeamento, a organização e o controle de gestão, além de já por si próprios serem factores de produção, isto é, geradores de valor acrescentando, darão o conhecimento e a sabedoria necessária para enfrentar os problemas que se nos deparam, permitindo prevenir o futuro e crescer de modo mais auto-sustentado, isto é, cada vez mais assente nas capacidades próprias e menos dependente da (boa ou má) vontade dos outros. Todos, não seremos demais para cumprir este desiderato»337. A direcção procederia à listagem de áreas de intervenção, tendo em vista proceder à definição de objectivos estratégicos consubstanciado «num Plano de Acção e orçamento». Esta missão seria entregue à Drª Cristina Silva, em Julho, vindo a ADA – Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 1999, Acta n.º 161, 20/09/1999, pp. 54-55 ADA – Boletim Informativo da ARCIL, nº 4, Abril 1996

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identificar-se as áreas globais de intervenção: reorganização interna da área de recursos humanos, a optimização da intervenção técnica global e o sector de produção. O novo modelo de funcionamento da ARCIL seria vertido no documento apresentado à direcção a 06/12/1999, intitulava-se A Gestão de Recursos Humanos na ARCIL. Em Setembro do mesmo ano e no seguimento desta politica interna seriam distribuídas propostas para um Projecto de Gestão de Recurso Humanos. A direcção concordaria, na generalidade com a proposta de projecto apresentado por Cristina Silva para a criação desta área de gestão. Solicitado um programa operacional de acção (para a constituição da área na estrutura ARCIL), seria proposta a estruturação em 4 áreas: Admissão de Pessoal, Formação Inicial e Contínua, Avaliação de Desempenho e Motivação do Pessoal. A descentralização das áreas, assente na supervisão técnica, foi uma das medidas tomadas pela última direcção presidida por José Ernesto Carvalhinho. Era uma das decisões tomadas no âmbito de um novo modelo de funcionamento no sentido de melhor responder às necessidades sentidas e que começou a desenhar-se em 1998. No conjunto veio a designar-se como ARCIL 2000 e teve momento especialmente importante com a realização do workshop de 25 e 26 de Outubro de 1999 orientado pelo Prof. Ulrich Schieffer e enquadrado no projecto METRIS. Compreendeu uma Acção de Diagnóstico Organizacional onde foram identificadas como áreas deficitárias no funcionamento da instituição: Planeamento/Avaliação/Acompanhamento;Comunicação/Articulação;Qualidade/Eficácia/Intervenção Técnica; Formação de Pessoal; Cultura Organizacional; Liderança/Relações de Poder e Modelo de Gestão. Na sequência seriam aplicadas medidas/objectivos para cada uma das áreas, tendo-se operado uma grande mudança em termos de modelo de gestão, com a criação de duas direcções executivas e um conselho de gestão. Nuno Guedes enaltece o papel do prof. Schieffer na introdução do conceito do planeamento participativo e das metodologias participativas de planeamento: «…contratámo-lo para vir à ARCIL fazer um diagnóstico participativo, que veio a dar origem a que o Secretariado Nacional replicasse a experiencia»338.

Nuno Guedes entrevistado por Marta Ramos

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A 13/07/1999 e respondendo a uma solicitação da direcção foi apresentada a proposta para a «formulação da estratégia global de Marketing da instituição», que seria considerada «ajustada às necessidades da ARCIL», remetendo-se para análise em detalhe a partir de Setembro339. Procurava-se, pela primeira vez na história da instituição, e dentro da lógica empresarial, produzir uma imagem capaz de vender os seus produtos, dando origem não só ao aperfeiçoamento dos antigos logos mas também ao aparecimento de novos, os quais no conjunto eram correspondentes às diversas áreas ou sectores existentes.

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Logos antigos das áreas da Arcil

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MADEIRAS 2013 - Logos actuais das áreas da Arcil

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ADA – Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 1999, Acta n.º 157, p. 45.

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Esta nova área de preocupação seria secundada por uma reflexão muito mais alargada: a Missão da ARCIL, ou seja a clarificação dos objectivos, metas e valores. A discussão seria iniciada em Dezembro de 1999. Estes anos foram, também, o momento de reconhecer aqueles que vinham trabalhando de forma abnegada pela instituição: a 12 de Julho de 1997 e por proposta do presidente da direcção, aprovou-se por unamidade e aclamação o Sr. Luís Torres, fundador da ARCIL, como sócio honorário «…dado tratar-se de um elemento que se manteve nos seus órgãos desde a sua criação»340. De facto, foi um elemento muito dedicado à causa da ARCIL, pertencendo à Comissão Instaladora e primeira direcção (1977-1979), mantendo-se nos seus corpos sociais até 1997. De uma dimensão humana enorme, com muita sensibilidade, inteligência e dedicação ao seu filho Zé Luís, foi sempre grande amigo e conselheiro da instituição. Em Setembro de 1999 a ARCIL aderia ao Fórum Nacional das Organizações de Intervenção Social para as Pessoas com Deficiência. Com sede em Lisboa, acabou por não avançar devido ao interesse pessoal de responsáveis associativos. A vertente desportiva, depois do incremento notável dos anos 80, seria novamente estimulada em meados dos anos 90, mas em moldes mais profissionais. De facto, em 1991/1992, foi destacado o Prof. Mário Maia com a missão de requalificar toda a área desportiva: «O Carvalhinho um dia disse-me: Tens 6 meses para apresentar um projecto de intervenção na ARCIL através da actividade física. Ficas também com a responsabilidade de formar o Alcindo como monitor»341. Desencadeou-se então um processo que Mário Maia caracteriza como de investigação-acção, inovador, colhido do terreno, da experiência: «Nesse processo de avaliação a primeira impressão que tive foi que a actividade física era importante, mas não na forma caritativa como até então. Apercebi-me logo que no desporto aquilo não funcionava. Fomos percebendo que não era importante desenvolvermos o desporto a sério, mas sim actividades ADA – Livro de Actas da Assembleia Geral da ARCIL, 1996-2007, Acta n.º 29, 12/07/1997, fl. 8 Prof. Mário Maia entrevistado por João Pinho, 04/11/2013

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e exercícios físicos, com situações motrizes, que proporcionassem a aquisição de um conjunto de condutas, permitindo tranquilizar, equilibrar emocionalmente e controlar pequenas fraquezas de atitude» «Isso obrigou-nos a redimensionar toda a estrutura de funcionamento. Tal foi o caso da formação de grupos de pessoas que seguia a lógica da deficiência (ligeiros, moderados, profundos), de acordo com orientações da fisioterapia e dos professores» O projecto solicitado pelo Prof. Carvalhinho seria aprovado pela direcção em Dezembro de 1991, onde se aplicou nova fundamentação e estratégia: «primeiro organizaram-se grupos e só depois os professores fizeram os horários. Tinhamos de funcionar ao contrário». A aposta passou pelo desenvolvimento de três modalidades – futebol, basquetebol e atletismo – organizando quadros competitivos internos, partindo das experiências felizes no passado. Numa primeira fase desenvolvendo o futebol de salão/futebol de 5, com participação em vários torneios, de que se destaca o 1º torneio de futebol de salão promovido pela ARCIL, entre 10 e 19 de Julho no Polidesportivo do Cabo do Soito, envolvendo várias equipas da instituição e seus alunos e funcionários. No entanto, como relembra Mário Maia: «O desporto era um meio, nunca foi um fim. Os atletas foram treinados para se inserirem em clubes. Nunca tivemos a preocupação qualitativa de formação desportiva. Não era o módulo central. O fundamental era o projecto de vida»342. Nos finais de 1993 a prática desportiva passou a funcionar também em horário pós-laboral às segundas e quartas, das 18 às 19h343. A partir de Janeiro de 1994, a ARCIL em articulação com a escola nº2 da Lousã desenvolveriam actividades no âmbito da Educação Fisica com todas as turmas daquele estabelecimento de ensino: «Pretende-se assim realizar um trabalho específico com os alunos com Necessidades Educativas Especiais (NEE), que se encontram integrados nestas turmas, e que não são, desta forma Idem ADA – Boletim Informativo da ARCIL, nº 10, Outubro 1993

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desinseridos do seu grupo e do seu meio. Em simultâneo, proporcionam-se aos restantes alunos da escola actividades deste tipo, essenciais a um desenvolvimento global harmonioso»344. A partir de 1998 a ARCIL investiria fortemente na vertente desportiva de competição. Impulso decisivo seria o sucedido no Campeonato do Mundo de Basquetebol, promovido pela Federação Internacional do Desporto para o Deficiente Mental, que decorreu entre os dias 15 e 22 de Dezembro de 1998, em S. Paulo (Brasil), com participação de 2 jovens da ARCIL, José Cunha e Vitor Carinhas que trouxeram a medalha de bronze. A participação nos Jogos Paralimpicos de Sydney 2000 mereceria honras de voto de louvor pela CM Lousã. No entanto, Mário Maia alerta para o facto de nunca ter sido a vertente de alta competição o objectivo fundamental da área desportiva, vendo essa afirmação como um sub-produto: «Nós desenvolvemos mais tarefas cooperativas e psicomotoras dentro da instituição do que tarefas cooperação-posição. Entendemos sempre que a cooperação era fundamental. As actividades psicomotoras transmitiam aos miúdos perseverança, tolerância e repetição. Fazer consecutivamente coisas e manter-se no seu local de trabalho. Éramos um sector de interacção. O nosso Plano de Actividades servia para a Formação profissional, para os treináveis. Etc. A ARCIL reconheceu à Educação Fisica um papel importante na educação dos jovens. Nós percebemos aqui dentro que as várias valências tinham de contribuir para a formação». As visitas oficiais continuaram a suceder-se num ritmo apreciável: do Sec. Estado da Reinserção Social, Rui Cunha (1997), Sec. Estado do Emprego e da Formação, Paulo Pedroso (1998)

ADA - Boletim Informativo da ARCIL, nº 3, Março 1994

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CURRICULO DE JOSÉ CUNHA E VITOR CARINHAS ATLETAS DE ELEIÇÃO 1996: convidados pela primeira vez a representar a selecção nacional de basquetebol no campeonato do mundo 1998: campeonato do mundo no Brasil 1999: campeonato da Europa (Polónia) ficando em 1º lugar 2000: Taça Ibérica e o 4º lugar nos jogos Paralímpicos de Sidney 2001: representam a selecção no Campeonato da Europa, na Grécia (2º lugar) 2002: Campeonato do Mundo no Funchal (vencedores, sendo distinguidos pela CML com a medalha de mérito desportivo na modalidade de basquetebol) 2003: Campeonato da Europa (Polónia) 2004: Jogos Paralímpicos: Atenas 2013: Campeonato Mundial: tetra campeões em Ankara ao serviço da selecção nacional (Turquia).

2. OS NOVOS PROJECTOS E AS PARCERIAS A ARCIL retomou a participação em projectos de parceria, tanto nacionais como internacionais. Nestes anos fomentou-se o intercâmbio entre instituições europeias da Rede Philadelphia, criada pela fundação com o mesmo nome, que visava a promoção e valorização da pessoa com deficiência tendo a ARCIL como co-fundadora em 1993 e única representante de Portugal. Como realça Cristina Silva «…a década de 90 foi rica em projectos europeus e para a área da reabilitação – HELIOS e HORIZON – permitiram o contacto com organizações estrangeiras (vide fotos 71 e 72). A ARCIL sempre teve essa perspectiva. Ir ao exterior para aprender. Muitas organizações vieram aprender connosco. Chegámos a trabalhar em 14 projectos»345. Cristina Silva, Directora Executiva da área da Reabilitação. Entrou na ARCIL em Janeiro de 1991, como psicóloga para a equipa de apoio ao emprego. Entrevistada por Marta Ramos a 25/02/2011

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Foto 71 - Deslocação à Holanda, constituição da rede PHILADELPHIA, 1993

Foto 72 - Visita a Londres, no âmbito do projecto HELIOS, 1995

O emprego protegido da ARCIL era um exemplo para a o país: nos finais de Abril de 1998 a ARCIL contava com 188 funcionários, dos quais 68 em regime de emprego protegido, ou seja; 36% de trabalhadores com deficiência/incapacidade! A ARCIL daria suporte jurídico, técnico ou estratégico a várias situações. Em Setembro de 1997 deliberou-se estabelecer protocolo entre a CML para gestão e funcionamento do equipamento do Centro Social das Fontainhas (nas valências de Centro de Dia, Apoio Domiciliário e ATL’s) e, em Outubro, com o CRSS para as valências de ATL’s e Sócio Educativo. Em Dezembro de 1997 arrancou o projecto METRIS - Metodologias de Trabalho em Rede para a Inserção Social – a desenvolver no âmbito do Programa HORIZON, que sucedeu ao ATEPRO (Apoio Técnico ao Apoio Protegido lançado em 1995). Tinha como objectivos gerais promover o desenvolvimento de competências profissionais de pessoas com deficiência e criar condições para a sua efectiva CAPÍTULO 5 – Tempos de Recuperação e Afirmação (1996-2000)

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integração socio-profissional, em regime de emprego protegido e em mercado normal de trabalho. Em termos especificos procurou criar uma bolsa de empresas sediadas na área de intervenção da ARCIL (Arganil, Góis, Lousã, Miranda do Corvo, Pampilhosa da Serra e Vila Nova de Poiares), com a finalidade de promover uma prospecção mais orientada na procura de postos de trabalho para pessoas com deficiência e identificação de potenciais empregadores (a duração prevista era de 2 anos: Dezembro 1997- Dezembro 1999). Foi no seu âmbito que se decidiu contratar um elemento para assumir a função de gestão das unidades de produção. Ao abrigo deste projecto avançou-se, em 2000, para um «Sistema de Informação sobre Formação e Emprego» e realização de um «Diagnóstico de Necessidades de Teletrabalho e a implementação do Sistema de Informação nas Unidades Produtivas». Em 1998, a ARCIL participava em diversos projectos e programas locais e regionais: • Rendimento Mínimo Garantido • Projecto de Luta contra a Pobreza • Projecto de Desenvolvimento Integrado de Acção Social • Rede Europeia Anti-Pobreza • Comissão de Protecção de Menores/Ser Criança • Comissão Concelhia de Saúde • Parque de Equipamento Móvel 346 Alguns projectos procuravam actualizar-se face aos tempos da globalização e comunicação em rede. Tal foi o caso do projecto Análise de Sistemas, apresentado ao Instituto Pedro Nunes, de Coimbra. Em Novembro de 1998 seria aprovada a proposta de adjudicação para a 1ª fase do dito projecto: «diagnóstico de necessidades a nível de sistemas de informação», constituindo-se uma equipa de trabalho.347. ADA – Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 1998, Acta n.º 131, 12/10/1998, p.45 Idem. Acta n.º 134, 16/11/1998, p. 53

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Nos principios de 1999 gerava preocupação o estabelecimento do acordo com a DREC, rejeitando-se a proposta de cooperação relativa «…à integração/ inclusão, no sistema regular de ensino e no meio social de origem, de crianças e jovens com necessidades educativas especiais». A direcção, pronunciando-se sobre o documento recebido da DREC aludiria ao «…desfasamento entre a proposta recebida e o projecto de organização e funcionamento do Sector de Integração Escolar enviado pela ARCIL…».348 Em Dezembro de 1999 arrancou o intercâmbio com o Centro Social Rocha Barros, de Góis, e uma entidade de reabilitação do País Basco, onde participaram 5 utentes da ARCIL. No ano seguinte a iniciativa repetia-se, com a participação de um grupo de 10 utentes do CAO, CEP e FP, em acção de intercâmbio na cidade de Amoribieta, entre 1 e 6 de Dez. Como se de uma grande empresa se tratasse, a ARCIL foi estabelecendo parcerias com outras empresas a quem prestava serviços: em Março de 2000 retomou a parceria com a EFAPEL, através do Sector de Apoio pela Ocupação, responsável pela montagem de peças e componentes electricos de acordo com as necessidades da empresa e possibilidades de resposta.

3. A CONCLUSÃO DA SECTORIALIZAÇÃO E A REORGANIZAÇÃO SECTORIAL Ao chegarmos a 1999 a ARCIL apresentava-se estruturada, em termos funcionais, em três grandes áreas: Reabilitação, Produção e a Administrativa/ Financeira. Uma das linhas de actuação da direcção passou pelo reforço do investimento na reorganização das estruturas de produção no sentido de conferir carácter mais empresarial ao sector. Tratou-se de uma aposta clara na gestão profissional de cada unidade e aplicação concreta de planos de intervenção. A este propósito, e a partir de 1999, aplicar-se-ia o conceito e metodologia inerentes à

ADA – Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 1999, Acta n.º 148, 30/03/1999 p. 24

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Gestão de Projectos, colocando-se ênfase nas necessidades de formação, investimentos previstos e dificuldades encontradas por sector. Jean Michel Gueguigner recorda o impacto provocado pela área industrial da ARCIL quando dela tomou conhecimento: «modelo muito rigoroso e complementar»349. Cada sector passou, também, a apresentar de forma regular e sistematizada o seu Plano de Actividades anual. Em Setembro de 1999, deu-se início ao processo de recrutamento de um gestor para as unidades de produção pela «necessidade de profissionalizar a gestão» com enquadramento financeiro do programa HORIZON.350 No entanto, em Outubro e por «motivos económicos e estruturais» a direcção decide não admitir a curto prazo um Director de Produção, designando Paulo Pinho (Director Administrativo e Financeiro), para apoiar a direcção e os responsáveis pelas unidades de produção «no que diz respeito à sua organização e gestão». Neste Sector (de Produção) e de acordo «com as prioridades globais de intervenção» a direcção foca-se na ARCILCERÂMICA a qual, a partir dos finais de 1999, passou a ter representantes nacionais (contratos de agencia). Em Fevereiro de 1996, a ARCILCARD, dentro da linha de redução de custos foi objecto de reformulação. Feita análise da situação ao sector e após reunião com a Copidata decidiu-se limitar a produção de cartões a um máximo de 10.000 (de forma a reduzir custos). Em aberto ficaria um estudo de viabilidade económica, levando em consideração a candidatura ao IAPMEI para novo investimento de modo a aumentar a capacidade para grandes produções. A 8/07/1997 a ARCIL candidatou a unidade de produção ao Programa RIME «…aproveitando a experiência adquirida, a assistência da COPIDATA nas áreas técnica e comercial, a expansão do mercado de cartões plástico e a possibilidade de reconversão financiada por esse Programa»351. Reconvertia-se assim o «Projecto Económico da Expansão da Capacidade Produtiva» para o

Jean Michel Gueguigner entrevistado por Marta Ramos, Maio 2011 ADA – Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 1999, Acta n.º 160, 13/09/1999, p. 53 351 ADA - RIME – PROJECTO ARCILCARD (dossier) 349 350

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domínio do RIME (Regime de Incentivos a Pequenas e Médias Empresas), uma vez que no dominio do SIR (Sistema de Incentivos Regionais) não contemplava instituições deste tipo»352. De acordo com a memória descritiva do projecto o investimento global na ARCILCARD foi de 77.855 contos (incluindo construções e instalações, equipamentos, estudos e projectos) sendo o subsídio RIME de 52.556 contos. Tinha como objectivos a «expansão significativa da capacidade produtiva» e «aumento substancial da produtividade e da qualidade dos produtos/serviços, com a introdução de equipamentos produtivos tecnologicamente inovadores», fornecidos pela empresa de maior prestigio mundial neste ramo, a OAKWOOD353. Em Julho de 1997 a Copidata propôs-se avançar com o investimento económico antes da aprovação do projecto, decidindo-se estabelecer protocolo escrito e implementação do projecto de reconversão, tendo em vista o incremento da produção de 1 milhão para 4 milhões de unidades – o maior esforço de dinamização daquele sector produtivo354. Na candidatura ao RIME foram propostos 9 postos de trabalho, todos de pessoas com deficiência e desempregadas. Em Janeiro de 1998 deu-se reinício à laboração da unidade reconvertida e, em 28 de Janeiro de 1999, assinou-se o contrato de concessão de incentivos com algumas das pessoas com deficiência. Contudo, duas vicissitudes abalaram este projecto: • Nos princípios de 1998 foi conhecida a falência da empresa OAKWOOD fornecedora de equipamento para este sector, levando a nova reestruturação, contratando-se, em Março, a OASYS TECHNOLOGIES como nova fornecedora de equipamentos. • As condições existentes foram alteradas pela evolução técnica dos cartões de plástico, exigindo da produção uma qualidade acrescida que tornou difícil garantir as condições propostas, nomeadamente, no que respeitava ao perfil dos trabalhadores. Como alguns dos deficientes com que a

ADA – Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 1985-1997, Acta n.º 96, 8/05/1997, p. 160 ADA - RIME – PROJECTO ARCILCARD (dossier) 354 «Director dinamiza sector produtivo» In Trevim, 30/04/1997 352 353

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instituição contava para integrar o quadro não tinham capacidade para responderem às novas exigências, a ARCIL solicitou à CCRC a alteração dos perfis e qualificações das pessoas a admitir no âmbito do RIME. Em Março de 1996, a direcção procurou dar impulso à Quinta do Caimão, designando o Eng.º Amândio Torres como responsável pelas medidas necessárias à implementação do «projecto de construção de infraestruturas e aquisição de equipamento». Como recorda o próprio, parte dos objectivos da quinta foram alcançados: «Chegou a garantir 60 a 70% das necessidades alimentares da ARCIL. Conseguia produzir excedentes embora não estivesse estruturada para vender para fora»355. Na reunião da direcção de 09/05/1997 seria apresentada a ARCILVERDE (vide conjunto de fotos p. 337); proposta efectuada pelo Engº Celestino António Fidalgo Belo e parecer emitido pelo assessor José Andrade relativa ao seu desenvolvimento, sendo deliberado assinar o protocolo com a DR das Florestas para a sua implementação356. Também naquele ano o IFADAP aprovou o projecto dos viveiros para a Quinta do Caimão, no âmbito Medida 3 do PAMAF - Programa de Apoio à Modernização Agrícola e Florestal – com inicio em Setembro de 1997 e fim em Maio de 1998. Em Maio do ano seguinte arrancaria o projecto dos viveiros e, no mês seguinte a unidade já prestava serviços tanto no Centro de Saúde da Lousã como em jardins particulares.

Amândio Torres entrevistado por João Pinho, 04/11/2013 ADA – Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 1985-1997, Acta n.º 85, p. 141

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ARCILVerde

Intervenção no Jardim da praceta Sá Carneiro, anos 90 Manuel Patrício e Carlos Gonçalves

2005 - Intervenção no Jardim do Hotel Palace Paulo Jorge e António “Americano”

Uma equipa da jardinagem

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Sobre o projecto ARCILSERRA a direcção deliberou, em Setembro, continuar a celebrar escrituras de compra e venda de prédios urbanos e rústicos nas freguesias da Lousã e Vilarinho. No entanto, o aproveitamento e rentabilização não arrancou nos anos próximos, devido à falta de parceiros financeiros. Nos finais de 1999 o seu aparente abandono lançava receio nos associados obrigando a direcção a prestar esclarecimentos: não havendo possibilidade para o desenvolver sozinhos, estavam a decorrer contactos com grupos empresariais com vista a futuro desenvolvimento. Nos finais de Outubro do ano seguinte a direcção fez um ponto de situação relativamente ao Projecto ARCILSERRA aludindo a «possíveis actividades alternativas, no âmbito do Turismo e do Desporto Aventura», tendo-se apresentados contactos estabelecidos para «prospecção de possíveis parcerias e/ ou financiamento» e deliberando contactar a CML para eventual integração357. Em Abril aprovou-se o pré-projecto para o Sector Pré-Ocupacional, tendo sido disponibilizada verba do PIDAC para prossecução das obras em Junho do ano seguinte. Assim, e na reunião de direcção de 05/11/1997 seriam apreciadas as propostas para construção do CAO I - Centro de Actividades Ocupacionais (1.ª fase) - optando pela proposta de menor custo – 3.647.735$00 de Elias dos Santos Ld.ª, sede na Lousã358. O projecto para recuperação e adaptação dos edifícios, situados no terceiro talhão (antiga pecuária) seria elaborado pelo GAT da Lousã. Obra urgente, que transitaria para o ano seguinte apesar dos vários pedidos de admissão de utentes que diariamente eram comunicados à instituição. A 17/11/1997 decorreu a abertura de propostas, tendo-se adjudicado à firma Elias dos Santos Ld.ª pelo valor global de 16.441.152$00 e prazo de execução de 180 dias, remetendo-se o processo ao Serviço Sub-Regional de SS do Centro que comparticipa no custo da obra359. No mês seguinte o CRSS autorizaria a adjudicação da 2ª fase das obras, vindo a alargar o acordo para mais 5 utentes. Em Fevereiro de 1999, o sector mudou para as novas instalações na

ADA – Livro de Actas da Direcção da ARCIL 2000, Acta n.º 199, 30/10/2000 ADA – Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 1985-1997, Acta n.º 89, 05/11/1996, p. 148 359 Idem. Acta n.º 107, 17/11/1997, p. 187 357 358

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antiga pecuária «…compostas por duas salas de actividades (Pré-Ocupacional 1 e 2), uma sala de relaxamento, um refeitório e uma sala de trabalhos manuais»360. A construção do Sector de Apoio pela Ocupação (SAPO) levaria também algum tempo a ser concretizado. Em 1997, a CML dificultaria essa tarefa e cederia um talhão que já pertencia à ARCIL, na Quinta de Santa Rita, por duas vezes, e não os dois talhões imprescindíveis. Assim, avançou-se para o estudo e análise de solução para o problema de cedência do terreno para implantação do sector no âmbito do FEDER (100% a fundo perdido). Na reunião de 29/09/1997 e para que não se perdesse o subsídio concedido e se aproveitasse a abertura da CML para implantação na dita quinta, a direcção decide avançar com o CAO – II. Os primeiros estudos, de definição e programação do novo espaço, seriam executados pelos técnicos José Gaspar e Maria Emilia, entregando-se o projecto de arquitectura ao gabinete de Lousã Henriques. A 21/04/1998, fez-se a recepção e abertura de propostas para a construção do edifício do SAPO, já com a designação de CAO – II. A 07/05 a direcção concordaria com o parecer da Comissão de Análise, adjudicando a obra à empresa QUIMLENA, Construções Ld.ª, pelo valor global de 37.182.000$00, prazo de execução 180 dias. Na dita proposta e sob informação de José Gaspar, incluiu-se a substituição do equipamento de aquecimento a fuel pelos desperdícios de madeira obtidos na serração, fazendo elevar o valor da proposta para 37.946.869$00 mas introduzindo uma inovação ao nível da energia renovável361 . O novo edifício, com investimento cifrado em 70.000 contos, seria inaugurado a 10/09/1999 pelo Ministro do Trabalho e da Solidariedade, Ferro Rodrigues. O CAO da ARCIL é, na actualidade, um espaço de intensas vivências pessoais e profissionais (vide conjunto de fotos p. 340).

ADA – Boletim Informativo da ARCIL, nº 0, Abril 1999 ADA - Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 1998-2011, Acta n.º 121, 07/05/1998, p. 22

360 361

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CAO

Sala de actividades com a auxiliar Emília Gregório e educadora Ana Teixeira, anos 90

2005 - Actividades de culinária da esquerda para a direita: Luís Alves, Isabel Margarida, Mónica Poim, Elisabete Sequeira e João André

2008 - Montagem das caixas de Licor Beirão

2014 - Ida a Santiago de Compostela

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Pessoas, Ideias e Afectos | ARCIL – um projecto de causas

A gestão empresarial baseada na sectorialização e respectiva capacidade produtiva comportava alguns riscos económicos. Em Março de 1997, na análise à conta de gerência de 1996 feita em AG, o tesoureiro Amândio Torres intervém para explicar «…alguns dos motivos pelos quais em alguns sectores de actividade tinha havido diminuição de proveitos, especialmente no sector da Serração de Madeiras e Pecuária bem como no Sector da Cerâmica e Cartões e que isso se explicava pela dificuldade que tinha havido na colocação no mercado dos produtos oriundos daqueles sectores»362 Contudo alguns associados solicitam esclarecimentos sobre «resultados menos bons nos diversos sectores de actividade. Insistência que motivaria uma oportuna intervenção do associado Abílio: «…que não se poderia pensar em bons resultados atendendo a que as actividades eram desenvolvidas em grande parte pelos utentes da ARCIL e todos sabem as limitações dos mesmos. Estes sectores nunca podem ser tão rentáveis como os das empresas em que não há limitações quer físicas quer psíquicas e que o desenvolvimento das actividades são um complemento para os subsídios oficiais sem os quais não era possível à ARCIL prosseguir».363 Em Junho de 1997 aprovou-se a abertura de concursos para a realização de obras na ARCILAGRO e ARCILMADEIRAS pela delegação regional do centro do IEFP. A 24 do mês seguinte e por imposição da DR Agricultura «quanto ao lay out do matadouro e sua localização», houve necessidade de se rever e alterar os projectos já postos a concurso, sendo estes anulados. Reformulado o projecto e caderno de encargos seria aberto novo concurso. Na mesma reunião tomou-se conhecimento «que o IEFP – Delegação Regional do Centro – atribuíra 18.454.000$00 para a execução dos projectos»364. A 16 de Setembro seriam as obras adjudicadas, no valor de 4.424.000$00 para a ARCILMADEIRAS e 17.390.210$00 para ARCILAGRO365. Sobre esta última, a direcção atribuiria, em Dezembro de 1998, a Jorge Manuel Fernandes

ADA – Livro de Actas da Assembleia Geral da ARCIL, 1996-2007, Acta n.º 28, 22/03/1997, fl. 6 Idem fl. 6v. 364 ADA – Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 1985-1997, Acta n.º 100, 24/07/1997, pp. 168-169 365 Idem. Acta n.º 102, p. 173 362 363

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Ferreira, a responsabilidade pela supervisão das obras de adaptação do Anexo e Construção de Instalações para Agro-Pecuária na Quinta do Caimão. Na ARCILMADEIRAS avançaria a reorganização do projecto, em Novembro de 1999, estabelecendo-se contactos com potenciais clientes para novos produtos, em regime de subcontratação. Em Outubro, estava concluído e submetido à direcção o levantamento da situação da reestruturação global da unidade Lar Residencial para pessoas com deficiência profunda efectuado pela Dª Rosa Fontinha. O ano de 1998 trouxe a continuidade da reorganização sectorial: em Janeiro arrancou a dos Sectores de Apoio à Integração Escolar e ao CAO, programando-se a admissão de psicólogos e técnicos de serviço social. Outros sectores, como o Residencial seria, também, reestruturado neste ano bem como os serviços de cozinha e refeitório. No primeiro caso foi responsável pelo processo o TSS Nuno Guedes, coordenador de sector que assumiu a gestão da resposta social conjunta Lar Residencial366. Quanto às Unidades Residenciais - residências para autónomos - foram assumindo uma dimensão cada vez maior: nos finais de Janeiro de 2000 a direcção aprovava o arrendamento de um apartamento na R. Gen. Humberto Delgado para 6 utentes com maior autonomia que estavam no lar; e, o arrendamento de apartamento na Praceta do Mercado, para um casal já apoiado a nível residencial que entrou em funcionamento a 19/02/2000 367. Era a resposta possível ao aumento significativo do número de utentes nos apartamentos do Penedo e no 1º andar do Apartamento da Viscondessa, com a particularidade de se introduzir um momento de inovação na intervenção: casais de pessoas com deficiência a viverem em residências autónomas. Nuno Guedes recorda o pioneirismo inerente a estas residências e apartamentos: «Aparecem os casais, depois os filhos. A ARCIL na época era uma instituição de vanguarda e encontrámos soluções, respostas. Na ARCIL a filosofia era tornar os deficientes o mais autónomos possível. Aprendiam a cozinhar, lavar a loiça, fazer compras, gerir o dinheiro do bolso. Tudo era trabalhado com eles»368. Nuno Guedes esteve em actividade na ARCIL de 1993 a 2001, como Técnico de Serviço Social. ADA - Livro de Actas da Direcção da ARCIL 2000, Acta n.º 174, 31/01/2000 368 Nuno Guedes entrevistado por Marta Ramos 366 367

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Pessoas, Ideias e Afectos | ARCIL – um projecto de causas

À medida que se caminhava para o final do ano de 1998, outras áreas sofreriam modificações no esquema de funcionamento, tornadas inevitáveis por força das circunstâncias: em Novembro aprovou-se proposta de prestação de serviços da Associação das Industrias de Madeira e Mobiliário de Portugal, para o licenciamento industrial da serração; enquanto no mês seguinte seria apresentado um documento pela coordenadora da ARCILSAÚDE no qual se abordavam problemas de funcionamento e propostas de alteração das seguintes áreas: Medicina Dentária, Medicina Física e Reabilitação, Instalações e Equipamentos, Psicologia Clinica e Ajudas Técnicas. A continuidade da natação para bebes e abertura ao exterior seria decidida na sequência da reflexão em torno do sector. A ARCILSAÚDE seria objecto de obras de vulto, iniciadas em novembro de 2000, para facilitar acesso a consultas e melhorar a qualidade de atendimento e conforto dos utentes. Com o novo ano manteve-se a política de análise e reorganização de sectores: logo em Janeiro de 1999 apresentou-se a proposta para o funcionamento do Sector da Integração Escolar. Um momento oportuno na medida em que, e no sentido de renegociar o acordo estabelecido com o ME, se incumbiria a equipa técnica do sector de elaborar projecto técnico contemplando a inventariação «de todos os apoios inerentes ao funcionamento do sector e a sua posterior valorização». A 17 de Janeiro do ano seguinte, seria aprovado pela direcção, na generalidade, a transferência da ORCA – Oficina de Reparação de Calçado - para o Intermarché, vindo a abrir em 2001 (vide foto 73).

Foto 73 - Loja da ORCA no Intermaché, 2001

CAPÍTULO 5 – Tempos de Recuperação e Afirmação (1996-2000)

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Sempre de olhos postos na melhoria das condições, a direcção apreciaria, em Julho, o projecto de arquitectura e caderno de encargos do novo Lar e Centro de Dia, da autoria do Arquitecto Luís Neto, em regime pro bono, cuja candidatura a programa de financiamento não foi aprovada. Em simultâneo, diligenciou no sentido de implementar uma Quinta Pedagógica na Quinta do Caimão (produção de ervas aromáticas e medicinais com complemento na ARCILSERRA) e projecto de arquitectura oferecido pelo arquitecto, a que não foi dado sequência. ANIMARCIL – A COMEMORAÇÃO DOS 20 ANOS DA ARCIL Por ANIMARCIL se designou o programa comemorativo dos 20 anos da instituição, sob o lema 20 anos, do passado ao futuro. No dia 01/06, marcou-se encontro no Aeródromo da Chã do Freixo, onde um milhar de pessoas confraternizaram, entre pais, utentes, funcionários e parceiros institucionais. De manhã actuou a Fanfarra dos Bombeiros da Lousã antes da realização dos jogos tradicionais; à tarde exibiu-se a banda da Filarmónica Lousanense, seguindo-se um festival de folclore local «…para a qual está anunciada a estreia de um rancho constituído por beneficiários e trabalhadores da ARCIL». Participaram os ranchos folclóricos de Vilarinho, Serpins e Estrelinhas da Ponte do Areal. Por volta das 18h principiou o encontro de tocadores de concertina da região; bombos e gigantones da APPACDM, de Viana do Castelo, marionetas, palhaços e música pelo grupo Marimbondo, da Lousã (vide conjunto de fotos p. 345). Este evento teve o patrocinio da Seguradora Bonança e foi a festa da retoma do funcionamento equilibrado da instituição após o desfalque. Aberto à população teve uma enorme afluência. Outras acções programadas para o dito ano: Em Julho: promoveram-se duas exposições sob o lema da comemoração, onde foram expostos 35 trabalhos em pintura, madeira e bordados e 78 obras em cerâmica (presépios e máscaras), na Sala de Exposições Temporárias do Museu Municipal Viana de Lemos; e uma exposição fotográfica e documental sobre a História, patente no átrio da CML. Em Dezembro: visitas guiadas aos departamentos destinadas a entidades particulares e oficiais dos 4 concelhos abrangidos pela associação (Lousã, Miranda, Góis e Pampilhosa). 344

Pessoas, Ideias e Afectos | ARCIL – um projecto de causas

20.º Aniversário (1996)

Feira de S. João, stand da Arcil Seminário enquadrado no 20.º aniversário da Arcil Criação da Equipa de Ensino Especial da Lousã. Da esquerda para a direita: Carvalhinho, António Charana (Secretário Nacional de Reabilitação), Fernanda Mota Pinto (Directora Regional de Educação do Centro), Marques Leandro (Presidente da Assembleia Geral da Arcil) e Mário do Carmo Pereira (Director Pedagógico da Arcil)

Parque de viaturas em exposição no 20.º Aniversário, aérodromo

Vista geral do evento, aérodromo da Lousã

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4. O INVESTIMENTO NA ÁREA DA FORMAÇÃO E EMPREGO O final dos anos 90 trouxe uma clara aposta no binómio formação-emprego como suporte à reabilitação e integração (vide doc. 11). Em Novembro de 1997 foi solicitado ao Departamento de Educação Básica a cessão do estatuto de Escola Particular de Ensino Especial «de acordo com a realidade do funcionamento da ARCIL ao nível dos utentes em idade escolar»369. Em Fevereiro de 1998, e por despacho do Sec. Estado do Emprego e Formação, deu-se a «… acreditação da ARCIL como entidade de formação profissional, por um prazo de 3 anos, nos seguintes domínios: concepção, organização e promoção, desenvolvimento e execução»370. Um marco importante de certificação dos serviços, tendo-se obtido o período máximo e em todos os domínios, muito antes das exigências colocadas pela Qualidade. Em 1996 foi atribuído à ARCIL o estatuto de Centro Prescritor e Financiador de Ajudas Técnicas através de um despacho interministerial - Saúde, Educação e Segurança Social, tornando-se desde então e até aos nossos dias, uma das poucas entidades nacionais prescritora e pagadora de ajudas técnicas.

Doc. 11 - Organograma da Arcil, anos 90

Idem. Acta n.º 108, 25/11/1997, p. 188 ADA – Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 1998, Acta n.º 113, 02/02/1998, p. 6

369 370

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Pessoas, Ideias e Afectos | ARCIL – um projecto de causas

Com esta realidade deu-se um grande passo na melhoria da qualidade de vida das pessoas com incapacidade. A segunda metade da década de 90 trouxe atenção especial ao CEPARCIL (vide conjunto de fotos p. 348), operando-se duas reestruturações. Em 1996, a Equipa de Apoio ao Sector de Adultos passa a denominar-se Equipa de Emprego «uma vez que integra também a componente Integração em Mercado Normal de Trabalho, para além do Emprego Protegido e SAPO». Uma mudança justificada «pela importância de criar uma dinâmica de funcionamento no Centro de Emprego Protegido da ARCIL, promovendo a transição dos trabalhadores do CEP para o mercado externo de trabalho»371. Mas, seria em Janeiro de 1999 que o Sector de Emprego Protegido foi objecto de profunda análise e reflexão. De facto, a 18/01 os técnicos da equipa de apoio apresentaram um diagnóstico do sector, abordando items fundamentais como: caracterização da população alvo, evolução do CEPARCIL, Equipa de Apoio Psico-Social, Projecto Horizon, estratégias de mudança no sector, análise do projecto Emprego Protegido e propostas. Assumiria particular relevância a «clarificação dos critérios de enquadramento dos utentes em Emprego Protegido, a prestação de apoios de carácter psico-social e pedagógico de acordo com as características e necessidades efectivas dos utentes, a dinamização do processo de transição para estruturas do mercado normal de trabalho, e a importância de conferir ao CEPARCIL uma vertente de reabilitação profissional…»372. O futuro justificaria toda esta atenção colocada no Centro de Emprego Protegido da ARCIL: em Outubro de 2000 e no seguimento do número crescentes de pedidos de prestação de serviços externos «efectuados por trabalhadores do CEP», seria aprovada a proposta do Dep. Administrativo e Financeiro relativa a «valorização do custo/hora do trabalho prestado»373.

ADA – Boletim Informativo, Dezembro 1995 ADA – Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 1999, Acta n.º 141, p. 5 373 ADA – Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 2000, Acta n.º 196, 03/10/2000 371 372

CAPÍTULO 5 – Tempos de Recuperação e Afirmação (1996-2000)

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CEP

Torneio de matraquilhos de funcionários e formandos (sala de convívio), meados dos anos 90 da esquerda para a direita: João Graça, Nuno Guedes, Mário Maia, Abílio Lima e Guilhermino Gomes

1997 - Jantar do CEP da esquerda para a direita: Rui Moreira (Técnico SS), Zé Gaspar e Manuel João (vogais da Direcção da Arcil),Carvalhinho (Presidente da Arcil), Marques Leandro (VicePresidente da Arcil), Luís Fontinha (Secretário da Direcção da Arcil) e Carlos Carvalho (Tesoureiro da Direcção da Arcil).

2004 - Jantar de Natal

2008 - Visita ao Estádio da Luz

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No mês seguinte a vertente da empregabilidade esteve subjacente à reunião com a Comissão Responsável pelo Mercado Social de Emprego, organizado pelo Centro de Emprego, pela adesão à Rede Regional de Emprego do Pinhal Interior Norte e decisão de manter a integração na Associação para o Desenvolvimento do Teletrabalho, de que a ARCIL foi cofundadora. A própria instituição se abriria, como nunca, ao desenvolvimento de estágios profissionais e curriculares em diversas áreas, sendo uma parte considerável internacionais, como os da Associação PHILADELPHIA – Holanda. Em finais de Novembro de 2000, deu-se um passo inovador ao nível dos estágios: na sequência de convite do Centro de Emprego da Lousã, deliberou-se apresentar candidatura ao Programa Estágios Profissionais para «…jovens recém-diplomados pelo Ensino Superior área do Ensino, dando resposta às necessidades a nível do apoio socio-pedagógico, aos utentes do Programa de Formação Profissional»374. Apesar desta aposta interna na Formação Profissional, a verdade é que os sinais vindos do exterior não eram favoráveis. Em Março de 1999 tomou-se conhecimento dos constrangimentos à Medida 3 – Sub-Programa Integrar, onde a candidatura da ARCIL sofrera uma redução de 8%. Tal facto levaria a um encontro de entidades promotoras de acções de formação profissional na sequência de «problemas de financiamento, cortes efectuados às candidaturas para 1999», tomando-se conhecimento de várias medidas tomadas: moção e definição de programa de acção.375 Perante dois sinais tão negativos sobre o futuro da reabilitação profissional, a ARCIL, concertada com outras organizações com fins idênticos (FORMEM, APPC, APPACDM, ACAPO, APS e FENACERCI) solicitam reuniões com urgência, enviando carta, em Setembro de 1999, ao Primeiro-ministro, Ministério do Trabalho e da Solidariedade e notas à imprensa: «…denunciando a situação de incerteza que actualmente atravessam as organizações que prestam apoio a pessoas com deficiência nos domínios da Idem. Acta n.º 202, 29/11/2000 ADA – Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 1999, Acta n.º 148, 30/03/1999, p. 23

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formação e da integração profissional. Esta situação, que advém de uma completa ausência de informações e orientações em relação ao futuro da reabilitação profissional em Portugal, exige a implementação de medidas que permitam a continuação do processo de formação e integração profissional de pessoas com deficiência, enquanto não forem definidas as alterações inerentes à entrada em vigor do novo Quadro Comunitário de Apoio»376 Três meses depois a apreensão tomava conta da direcção, perante a ausência de directrizes em relação ao Programa de Formação profissional para pessoas com deficiência, numa altura em que se constatava que a integração laboral no mercado normal de trabalho vinha a aumentar de ano para ano. O assunto tornou-se recorrente e transitou para o ano seguinte. Em fevereiro de 2000 o Programa de Formação Profissional volta a ser classificado como «situação preocupante» dada a ausência de «orientações claras quanto à sua continuidade», aguardando-se intervenção do IEFP. Mas, voltando a 1999, boas notícias chegariam no mês de Maio, quando foi apresentado o projecto de candidatura à medida “Empresas de Inserção” promovida pelo Mercado Social de Emprego «…a qual será constituída na área de Multi-Serviços (lavandaria e limpeza). A estrutura, com autonomia administrativa e financeira tinha por fim a reestruturação dos serviços existentes promovendo «… a reinserção sócio-profissional de desempregados de longa duração ou em situação de desfavorecimento face ao mercado de trabalho»377. A criação destas empresas resultou, na verdade, dum pedido expresso pelo ministro Paulo Pedroso na área da Responsabilidade Social à ARCIL, para servir de exemplo nacional: resposta a outras necessidades (pessoas desempregadas). Na altura não existiam tantas medidas como actualmente e a decisão motivou alguma discussão interna dado entender-se que a intervenção deveria circunscrever-se às pessoas com deficiência. A direcção seria informada da aprovação do projecto em Setembro, deliberando desde logo procurar alternativas para algum equipamento, tendo em vista Idem. Acta n.º 161, 20/09/1999, p. 57 Idem. Acta n.º 153, 19/05/1999, p. 35

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maior adequação às necessidades de serviço. Previa-se a admissão de 5 pessoas com deficiência e 4 desempregados de longa duração a afectar às actividades em articulação com o Centro de Emprego da Lousã. No entanto, a Empresa de Inserção ARCILAV arrancou bem mais tarde, a 11/01/2000, com a 1ª fase de contratações de beneficiárias daquela medida: admissão de 6 candidatas, 4 para limpeza e 2 para lavandaria,378 iniciando actividade com posto de recepção no SAPO (vide fotos 74 A e B). A criação desta empresa integrou-se num movimento nacional mais amplo, levando à criação da Associação Nacional de Empresas de Inserção.

Fotos 74 A e B - ArciLAV

ADA – Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 2000, Acta n.º 172, 05/01/2000

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Em Setembro de 1999 a instituição passou a contar com a prestação de um Monitor de Musicoterapia, para apoio a utentes do CAO, Integração Escolar e Formação Profissional. A experiência seria conduzida com sucesso por Rui Ramos, que relembra os contornos da mesma: «Antes da minha experiência há alguns anos atrás tinham passado 20 anos onde a ARCIL fizera 2 tentativas de educação musical com pouco sucesso. Foi desafiador, com um conjunto de pessoas interessantíssimas que existia, poder construir um programa estruturado na área da expressão musical»379.

APOIOS COMPLEMENTARES A música, o canto, a dança, a pintura, a escultura, a expressão dramática, são algumas das formas privilegiadas de expressão da inteligência artística, certamente presente e manifesta nas pessoas com necessidades especiais, sempre que lhes são propostos o espaço e o tempo necessários. A aceitação e o empenho são claramente visíveis, em atividades que se alicerçam no sentir, mais do que no saber, pelo que trazem de essencial para o seu equilíbrio e bem-estar. A qualidade de vida das pessoas com deficiência ou incapacidade decorre também da manutenção e desenvolvimento da sua condição física. Assim torna-se fundamental a prática desportiva, sempre que possível, ou a intervenção terapêutica, em sessões de Fisioterapia, Terapia da Fala, Terapia Ocupacional, Hidroterapia ou Hipoterapia (vide foto 75), procurando a manutenção de capacidades motoras, o reforço de competências no domínio da mobilidade, da comunicação, da autonomia, contribuindo para melhorar a sua auto-imagem. A percepção que têm sobre si próprios, sobre a relação com o outro, a estabilidade emocional, a aquisição de competências para gerir conflitos ou situações complexas, a gestão dos afectos, são algumas das vertentes do funcionamento cognitivo-emocional alvo de intervenção em Psicoterapia, um contributo indispensável num processo de habilitação das pessoas com necessidades especiais. Rui Ramos entrou na ARCIL em Dezembro de 1995. Foi o primeiro monitor de musicoterapia em 1999, voltando mais tarde como musicoterapeuta. Desde 2004 lecciona na ESEC. É actualmente Presidente da Direcção da ARCIL. Entrevistado por Marta Ramos a 25/02/2011.

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Foto 75 - 2011 - Hipoteria, Quinta do Caimão; João André (no cavalo) e Vicente Henriques

A aprovação do Projecto DELFIM, em Fevereiro de 2000, pela entidade coordenadora do Sub-Projecto FORMILLENIUM trouxe uma dupla satisfação: a «qualificação dos recursos humanos da ARCIL e que não acarretará despesas para a instituição», bem como «…o desenvolvimento de acções no âmbito da formação pedagógica dos formadores da Instituição, por um período de 16 meses»380. Em Maio o Centro de Emprego da Lousã lançava um conjunto de iniciativas, desafiando a ARCIL na apresentação de candidatura às medidas “Escolas-Oficinas” e “Formação Especial”. Assim se concretizaria mais uma inovação: a formação para públicos sem deficiência e o desenvolvimento em co-autoria da formação com a SCML. Para além do alargamento da oferta formativa, os novos cursos (Jardinagem e Cozinha), permitiriam o contacto com diferentes modelos formativos. Ainda no ano 2000, a ARCIL participaria no Projecto do INOFOR Boas práticas – de identificação à disseminação, o qual visava «…identificar, caracterizar, desenvolver e validar processos de capitalização, transferência e disseminação de práticas inovadoras na formação profissional, através da constituição de uma rede de entidades ligadas à formação»381. Em Setembro do dito seria decidida a participação nos módulos de formação “Planeamento e Avaliação de Projectos” e “Modelos de Gestão” promovido pelo SNRIPD382 no âmbito do programa PROGEST EM VIAGEM. Idem. Acta n.º 175, 07/02/2000 Idem. Acta n.º 186, 05/06/2000 382 O Secretariado Nacional para a Reabilitação e Integração das Pessoas com Deficiência (SNRIPD) foi o órgão criado Pelo Decreto-Lei nº 35/96, de 2 de Maio, sucedendo ao Secretariado Nacional da Reabilitação (SNR). 380 381

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A REABILITAÇÃO – PILAR DA ARCIL O mais importante sector da ARCIL foi sempre a Reabilitação, no fundo a razão máxima da sua existência. Quando, em Novembro de 1999, João Graça foi indicado como Director da Reabilitação da ARCIL, explicitaria as áreas prioritárias de intervenção na Associação: «- Reabilitar a ARCIL - Fomentar a participação dos pais na vida da Associação - Defender os interesses dos utentes, dando resposta às suas necessidades - Desenvolver o modelo de “Gestão por Projectos” - Combater a passividade e a não participação, observada na última Reunião de Trabalhadores - Tentar conciliar os interesses financeiros da instituição com os interesses das pessoas - Organizar os fluxos de informação interna, melhorando a comunicação - Combater alguns sentimentos de inequidade, advindos da predominância das relações pessoais sobre o desempenho - Dinamizar a formação de pessoal». Para o exercício eficaz da função considerou ainda necessário proceder a «definição rigorosa da Área de Reabilitação e da sua articulação com outras áreas, nomeadamente com a Àrea de Produção». [ADA – Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 1999, Acta n.º 167, 26/11/1999, p. 81]

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5. PARTICIPAÇÃO EM EVENTOS NACIONAIS E INTERNACIONAIS Em 1996 retomou-se, com grande intensidade, a tradição de participar em eventos internacionais (vide foto 76): Feira Internacional de Estrasburgo (artesanato), festival ARTSHARE, em Inglaterra, e deslocação à Bélgica, e França, no âmbito do projecto ATEPRO, do Presidente e Assessor. Em termos nacionais seria retomada a participação em feiras de artesanato, nomeadamente em Vila do Conde e Santarém e, em 1998, no festival europeu da canção. O evento decorreu na Holanda, tendo participado 2 utentes da ARCIL: Luis Antão (CEP) e Sara Martinho (CAO), acompanhados ao piano pelo musicoterapeuta Rui Ramos, interpretando a canção “Queda do Império” . Em 1998 deu-se a 1ª participação da ARCIL no desfile de Carnaval e, em 2001, nas marchas de S. João, organizados pela CML, embora estes eventos já tivessem tradição na instituição (vide conjunto de fotos pp. 356-359). Em Setembro de 2000 assinale-se a participação no Fórum Internacional de Cartões.

Foto 76 - Stand da Arcil na Feira Internacional de Milão, Itália, anos 90

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Carnavais

Pré-Primária, anos 80

1984

Grupo de cabeçudos da APPACDM Viana do Castelo, anos 90

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Carnavais

Profundos do CAO, anos 90

2010 - SAPO

2012 - CAO

2012 - CAO

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Marchas de São João

1983 - Terapeuta Anja Masterlling, José Gaspar, Lurdes Pinto (auxiliar), Luísa Simões e Isabel Santos

2001 - 1.ª participação nas Marchas da Lousã

2009 - Marchas da Lousã

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Outros momentos festivos

Festa de carnaval de utentes e técnicos

1996 - Jantar de Natal dos funcionários, Restaurante “A Cave” Foi a 1.ª apresentação de um grupo de pendor teatral GAFF (Grupo de Artes Farras e Folclore)

2005 - Festa de Natal

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6. A COLABORAÇÃO ARCIL-SCML E ARCIL-CML Desde princípios da década de 90 que existia uma salutar colaboração entre a ARCIL e a Santa Casa da Misericórdia da Lousã (SCML). A ARCIL prestava serviços aos utentes da SCML em áreas diversificadas, tais como: Ginástica, Piscina, Fisioterapia, Dança, Cerâmica e Transportes. Em reunião ocorrida em Janeiro de 1999, a Direcção e o Provedor da SC congratulavam-se pelo trabalho desenvolvido em conjunto «…em prol da acção social no concelho da Lousã», no que constituía um claro triunfo na área da Responsabilidade Social. 383 Por acordo entre ARCIL, CRSSC e SCML, o Lar de Deficientes Profundos Dependentes vinha funcionando nas instalações da SCML desde final dos anos 80: a 30/12/1987 o Centro Regional de Segurança Social de Coimbra e a Santa Casa da Misericórdia da Lousã assinaram um acordo de cooperação tendo por finalidade o desenvolvimento por parte da Santa Casa da Misericórdia da Lousã e nas suas instalações «…de actividades de apoio a crianças e jovens (…) tendo especificamente em vista o desenvolvimento de actividades de apoio em lar residencial a deficientes médios e severos, visando a sua integração em estruturas que lhes permitam realizar tarefas ocupacionais socialmente úteis»384. A lotação do equipamento fixou-se em 6 pessoas e ao CRSSC cabia dar o apoio necessário, na gestão administrativa e financeira, designadamente uma comparticipação financeira encontrada através de estudo económico-financeiro por si realizado no valor de 25 contos/utente. Contudo, e como o espaço necessitou de obras, o lar transitou provisoriamente para uma ala do 4º piso do Centro de Saúde da Lousã, espaço que a ARS cedera à SCML por protocolo de 25/10/1989 comprometendo-se esta «…a proporcionar, nessa área, assistência e internamento aos utentes do Serviço Nacional de Saúde que o Centro de Saúde da Lousã lhe solicitar até ao limite de 12 camas simultâneas bem como a idosos, deficientes e acamados crónicos»385. ADA – Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 1999, Acta n.º 142, 19/01/1999, p. 9 ADA - Acordo de Cooperação entre o Centro Regional de Segurança Social de Coimbra e a Santa Casa da Misericórdia da Lousã. 385 ADA - «Protocolo de cedência de internamento, 25/10/1989» In Transferência do Lar de Profundos da St.ª Casa Misericórdia para o Centro de Saùde por motivo de obras (dossier). 383 384

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A ARS oficiaria à ARCIL a 03/07/1995 que a SCML lhe dera conhecimento na qualidade de senhoria da autorização de cedência daquele espaço «a fim de nele ser instalado, provisoriamente, o Lar de Deficientes Profundos, até que as obras na Santa Casa da Misericórdia estejam concluídas»386. Assim, e durante aquele mês seria transferido o lar para o espaço do Centro de Saúde da Lousã. Contudo, o processo seria polémico, com as notícias vindas a público e relativas à ocupação indevida (na perspectiva interessada de alguns) pela ARCIL da ala do 4º Piso do Centro de Saúde da Lousã com o Lar. O Deputado Ricardo Castanheira, mal informado, apresentaria requerimento na AR pedindo esclarecimentos e mencionando a ARCIL. A 27/02 e após envio de convite, aquele deputado visitou a instituição e o Centro de Saúde tendo ficado esclarecido sobre os contornos do processo. Em Setembro de 1999, tendo-se concluído em grande parte as obras para instalação do novo lar, em espaço pertencente à SCML, iniciaram-se negociações para a transferência do mesmo do Centro de Saúde, algo que se concretizaria em Fevereiro de 2000. Por acordo de 01/03/2000 a SCML cedeu uma parte das instalações sitas no seu edifício sede, identificado como Lar de Deficientes Profundos para os utentes apoiados (20 deficientes profundos) e prestação de serviços de manutenção, limpeza, lavagem da roupa das camas, fornecimento de produtos de higiene e outros. A ARCIL, e em contrapartida de subsídio recebido, prestaria aos utentes do Lar «todos os serviços especializados de reabilitação, através dos seus técnicos e pessoal auxiliar»387. A 04/08 deste ano seria entregue oficialmente, o 4º piso do Centro de Saúde. A ARCIL deu continuidade àcolaboração com a Câmara Municipal da Lousã (CML). Em meados de 1999 e entre as áreas desenvolvidas em parceria destacavam-se os projectos/actividades desenvolvidas no concelho da Lousã: PDIAS, PDIL, PEMID, Colónias de Férias, Cerâmica, entre outras. Contudo, eram as colaborações técnicas as mais profícuas: em Junho de 2000 e por acordo com a autarquia, a ARCIL assumiu a gestão dos ATL’s da Escola St.ª Rita e da Escola de Foz de Arouce. Idem. ADA - «Acordo de cooperação entre SCML e ARCIL, de 01/03/2000, In TRANSFERÊNCIA DO LAR DE PROFUNDOS DA ST.ª CASA MISERICÒRDIA PARA O CENTRO DE SAÙDE POR MOTIVO DE OBRAS (DOSSIER)

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O estreitamente de relações com a autarquia levou, por exemplo, à participação da instituição em iniciativas dinamizadas pelo municipio: Feira da Lousã – Capital do Papel e do Livro em Maio de 2000; Feira de S. João, no mesmo ano e com a particularidade de ter sido adjudicada à ARCIL a limpeza da Nave de Exposições pela equipa de serviços de limpeza; XI Mostra Nacional de Artesanato da Lousã (Julho 2000). JOSE MOREIRA, UM MASSAGISTA ESPECIAL José Moreira, invisual, é um dos rostos mais conhecido na ARCILsaúde, pelos anos que leva de ligação à instituição como massagista. Começou a trabalhar na ARCIL ainda estudante, na serração, a fabricar paletes, durante o distante Verão de 1987. Após concluir o 12º ano de escolaridade, obteve um curso de massagista na APEDV (Chelas-Lisboa), com apoio da ARCIL, para onde veio estagiar em 1993. Encara a sua instituição como um espaço de mais-valias: «é o meu local de trabalho, de valor incalculável do ponto de vista humano, uma das maiores empregadoras da Lousã, uma referência». Sobre a incapacidade entende que a sociedade coloca os invisuais entre extremos: «A deficiência visual continua a ser um tabu tanto para as instituições como para as pessoas no geral. A ideia que se tem duma pessoa com incapacidade visual. Tanto somos lisonjeados no exagero, quase nos pondo capacidades que não temos, como somos diminuídos exageradamente, utilizando o termo de coitadinho dizendo coisas do tipo: não faças isso que te podes aleijar, não vás para aí que podes cair, cuidado com as escadas. Chegam a dizer-nos para irmos pelo elevador em vez da escada quando não temos qualquer deficiência motora. Recordo-me também de quando andava na escola ter sido o cabo dos trabalhos convencer os meus professores a deixarem-me trabalhar em madeiras. A professora chegou a pedir ao Conselho Directivo um termo de responsabilidade que me autorizasse a cortar madeiras. Acabei por fazer um barco não tão perfeito como o dos meus colegas mas que ainda hoje está em exposição» [José Moreira entrevistado por João Pinho, 13/12/2013] 362

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«Homem extremamente criativo e entusiasta, muito inconformado com as coisas. Apareceu na altura própria e com a idade própria. Foi lá fora ver como se fazia e tentou fazer melhor cá. E deu-se bem!» [Eng.º Amândio Torres entrevistado por João Pinho, referindo-se a José Ernesto Carvalhinho, 04/11/2013]

«Teve uma fase de grande planeamento, em que andávamos todos a aprender e que se fizeram muitas coisas. Havia uma dinâmica muito grande, os trabalhadores tinham uma grande importância, gostávamos de trabalhar na ARCIL. Depois penso que o Carvalhinho com aquele trabalho todo perdeu-se, penso que se perdeu a ele próprio, cansou-se, e não conseguiu continuar a juntar as pessoas. Mesmo assim conseguiu abarcar muito mais do que eu conseguia imaginar. Se ele cá estivesse hoje atribuía-lhe o papel no relacionamento com instituições, de relações externas, que ele sabia fazer extraordinariamente bem». [José Gaspar entrevistado por João Pinho, 16/12/2013]

«O José Ernesto Carvalhinho teve a grande virtude de ter continuado o trabalho que vinha de trás, com muita abnegação paixão, sensibilidade e devoção, do professor Maio. Fez da ARCIL uma instituição exemplar a nível nacional. Fruto de múltiplas inovações várias instituições nacionais vieram aqui ver como se fazia para conseguir apoio para os seus projectos. Foi sempre uma pessoa honesta e isenta, que mereceu tudo aquilo que as pessoas lhe reconheceram. Penso que merecia ainda mais porque fez um trabalho espectacular, não só do melhor a nível nacional, mas também internacional conseguindo trazer ONG’s para a Lousã, fazendo da ARCIL uma das instituições de âmbito social mais reconhecida na Europa» [Horácio Antunes, ex-presidente da CM Lousã, entrevistado por João Pinho, 16/12/2013]

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7. O  FIM DE UM LONGO CICLO: A SAÍDA DE JOSÉ ERNESTO CARVALHINHO Nos finais de Outubro do ano 2000, o presidente José Ernesto Carvalhinho de Paiva apresentou pedido de demissão das suas funções, por carta enviada à direcção e que produzia efeitos a partir do dia 01 de Novembro. Traído pela doença, era obrigado a afastar-se das funções que vinha desempenhando na ARCIL desde o longínquo ano de 1983! Os membros da direcção foram surpreendidos pela decisão, manifestando apreço pelo trabalho de décadas desenvolvido pelo seu presidente, logo na primeira reunião do executivo após tomarem conhecimento do facto: «A sua acção ao longo de muitos anos perdurará como referência importante na história desta instituição e também na memória de todos os que se dedicam ao apoio de pessoas portadoras de deficiência»388. Carvalhinho aguentara vários golpes que o destino lhe lançou enquanto esteve à frente dos destinos da ARCIL, inclusivamente o grande desfalque. Mas este era forte demais e o tempo era de retirada. O reconhecimento público da ARCIL ao seu presidente seria tomado na Assembleia Geral quando foi aprovada pelos associados, por unanimidade e aclamação e na presença do próprio José Ernesto Carvalhinho, a proposta assinada por todos os membros da direcção de um voto de louvor e agradecimento e a sua designação como Sócio Honorário:

ADA – Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 2000, Acta n.º 198, 23/10/2000

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VOTO DE LOUVOR E AGRADECIMENTO E DESIGNAÇÃO DE JOSÉ ERNESTO DE PAIVA CARVALHINHO COMO SÓCIO HONORÁRIO DA ARCIL [APROVAÇÃO POR UNANIMIDADE E ACLAMAÇÃO EM AG]

«Considerando o pedido de demissão apresentado pelo Presidente da Direcção, Prof. José Ernesto Carvalhinho de Paiva, por motivos de saúde (...) a sua colaboração na ARCIL entre o ano de 1978 e a presente data; (…) foi Presidente da Direcção entre o ano de 1985 e 31 de Outubro de 2000; considerando que “a sua actividade durante aquele longo período ficou assinalada pela influência que teve na resolução de problemas de centenas de pessoas portadoras de deficiência e das respectivas famílias na área territorial em que a ARCIL actua; na consolidação da ARCIL como instituição privada de solidariedade de grande dimensão; na projecção nacional e internacional que alcançou; na credibilidade que conquistou; nas parcerias com outras instituições públicas e privadas que permitem minorar imensos problemas sociais; na afectividade que dedicou aos utentes da ARCIL, leva a que toda a sua actividade seja reconhecida como uma referência importante que não será esquecida por todos os que dela beneficiaram”. Assim sendo a Direcção propôs: - Que seja aprovado um voto de LOUVOR ao Professor Carvalhinho de Paiva e de AGRADECIMENTO pela excepcional actividade que desenvolveu durante muitos anos. - Que o Professor Carvalhinho de Paiva seja considerado SÓCIO HONORÁRIO da ARCIL» [In Livro de Actas da Assembleia Geral da ARCIL, 1996-2007, Acta n.º 35, 02/12/2000, fls. 18-18v.]

CAPÍTULO 5 – Tempos de Recuperação e Afirmação (1996-2000)

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O presidente demissionário estava presente, e agradeceu o gesto «especialmente aos deficientes». Em Abril de 2002 seria publicado em DR o louvor do Ministério da Educação ao Prof. Carvalhinho pelo trabalho desenvolvido na ARCIL. Amélia Barata recordou o papel de José Carvalhinho como o de «um excelente gestor. Uma das razões para o grande sucesso da ARCIL foi a ligação com o estrangeiro». Nos termos estatutários a direcção seria reorganizada, ascendendo a Presidente da ARCIL o até então Vice-Presidente, José Manuel Marques Leandro, passando para VP Luís Augusto Morais Fontinha e entrando como vogal Paulo Manuel Ribeiro e Pinho.

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CAPÍTULO 6 A ARCIL no séc. XXI: a continuidade da obra e os novos desafios

«Face às razões atrás expostas, entendi ser meu dever cívico, institucional e legal afastar-me da direcção da ARCIL, salvaguardando, assim, os superiores interesses da ARCIL, ou seja, permitindo que outros garantam para o futuro a continuação do desenvolvimento adequado, de modo a que a ARCIL prossiga a sua nobre missão que é, e será sempre, a reabilitação e a integração de pessoas com deficiência e de outros socialmente excluídos». [«José Ernesto Carvalhinho: Adeus à ARCIL» In Trevim, 25/01/2001]

«Ninguém sabe como seria o concelho da Lousã sem a ARCIL. Mas hoje também digo o contrário: o que seria da ARCIL sem o apoio da CML?. Nós cedemos definitivamente, a preço zero, um conjunto de propriedades que eram da CM: Quinta de Santa Rita, edifício da cadeia, e cedência definitiva da sede como propriedade plena» [Fernando Carvalho ex-presidente da Câmara Municipal da Lousã, entrevistado por Marta Ramos 2011]

«A ARCIL desempenha um papel importantíssimo. Todos sabemos o que é a Lousã actualmente. Não saberíamos de certeza o que seria a Lousã sem a ARCIL. Não consigo imaginar. A ARCIL faz parte da identidade, do ADN da Lousã, e desempenha uma missão que considero de relevante interesse para o concelho, para a região e para o país» [Luís Antunes, Presidente da CM Lousã, entrevistado por João Pinho, 11/11/2013]

«Somos uma instituição onde todos podemos dizer a nossa opinião que seremos ouvidos e respeitados. Aqui trato quase todas as pessoas por tu e elas fazem o mesmo em relação a mim. Não há abusos de confiança e todos cumprem o seu papel. Conseguimos falar e até nos divertimos com isso. Em muitas instituições isto não é possível» [José Gaspar entrevistado por João Pinho, 16/12/2013]

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1. A CONTINUIDADE A saída de José Carvalhinho, em Dezembro de 2000, e a sua substituição por Marques Leandro, não provocaria, nos primeiros anos, alterações significativas no caminho que a ARCIL vinha trilhando. A ruptura mais evidente era sentida internamente, no tipo de liderança adoptada, como expressa Cristina Silva: «Carvalhinho centralizava a maior parte das decisões. Era a representatividade externa, a imagem da instituição. Houve uma transicção para um modelo executivo profissionalizante que não existia, perdendo-se o controlo e a proximidade. Para mim o Carvalhinho era um visionário. Tinha um sonho para a ARCIL e para os clientes da ARCIL. Punha tudo ao serviço disso. Tinha uma liderança mobilizadora, nem sempre pacífica, tínhamos momentos de discussão, de reflexão e tensão. Partíamos muita pedra. Confiava pessoalmente e tecnicamente num conjunto de pessoas, permitindo uma grande abertura»»389.

Cristina Silva entrevistada por João Pinho, 16/10/2013

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CAPÍTULO 6 – A ARCIL no séc. XXI: a continuidade da obra e os novos desafios

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António Maio, primeiro presidente da direcção da ARCIL aproveitaria a comemoração dos 25 anos da instituição, em 2001, e o facto de ser o orador principal para traçar uma perspectiva animadora e conciliadora sobre o futuro: «Em 1980, seguiram-se outros que souberam herdar e aumentar a instituição. Os Homens foram passando e a obra continuou. A Instituição tem crescido e isso verifica-se nos jovens e adultos que a ARCIL tornou válidos para o trabalho e integrou na sociedade, A Associação é hoje uma realidade que dignifica os seus fundadores e continuadores, não só a nível concelhio e nacional, como no estrangeiro. Apesar de divergências de opinião que ocasionalmente surgem, a obra continua a progredir. Possui uma gama de actividades que respondem às exigências dos seus utentes. É necessário estar atento ao futuro. Há que pensar que estamos a caminhar para o tempo das vacas magras. Nós, os fundadores e colaboradores, começámos a obra na época das vacas magras e da desconfiança. Tivemos de desbravar muito terreno. Estamos gratos aos que a continuaram e fizeram progredir, Desejamos ânimo aos que hoje a dirigem e trabalham nela»390.

1.1. O MODELO DE GESTÃO E A CONSOLIDAÇÃO DA MISSÃO

Estes assuntos vinham ocupando amplo espaço de debate no seio das últimas direcções presididas por Carvalhinho. Logo na primeira reunião de direcção presidida por Marques Leandro os dois temas foram objecto de reflexão, tendo-se decidido: «Continuar a implementar o modelo de gestão por programas e projectos (…) Realçar a necessidade de rapidamente se consolidarem a definição de Missão da ARCIL, a Visão, e os Objectivos Estratégicos».391 Rui Ramos, actual Presidente da ARCIL, reflecte sobre o modelo de gestão seguido pela instituição interligando-o com a sucessão na liderança:

António Maio - ARCIL, discurso proferido na cerimónia evocativa dos 25 anos da ARCIL,

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2001

ADA – Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 2000, Acta n.º 203, 04/12/2000

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«Carvalhinho formou-se como líder na ARCIL. Era preciso um corajoso, teimoso e desbravador. Era preciso construir a identidade da instituição. A ARCIL cresce imenso com o Carvalhinho, mas a instituição era totalmente dependente do Presidente da Direcção. Com uma casa tão grande era necessário rever o modelo de gestão. É aí que entra o Dr. Marques Leandro, com a sua carreira feita, era altura de tomar um conjunto de decisões corajosas como profissionalizar as chefias intermédias. Faz outro tipo de liderança, igualmente carismática, não na figura do executivo, mas de conciliador. Era inevitável fazer o conjunto de alterações que foram feitas»392. Assim, e neste modelo de gestão manteve-se a nomeação de um gestor para cada área, sendo designados: Administração e Finanças e Serviços de Alimentação (Paulo Pinho), Serviços de apoio, incluindo transportes, construção, reparação e conservação de edifícios; manutenção e reparação de equipamentos (Ulisses Martins); Recursos Humanos e Serviços de Limpeza (Cristina Silva). Especial atenção mereceria a gestão da área de produção, com nomeação de uma equipa composta por Luis Fontinha, Carlos Carvalho, Paulo Pinho e Eugénia Guerra. Uma novidade trazida pelo modelo de gestão implementado, em fase de conclusão de mandato, seria a criação do Conselho de Coordenação, por deliberação da direcção tomada a 23/01/2001. Seria constituído pelo PD e Directores das áreas de Reabilitação, Produção, Administração e Finanças e Gestores de Serviço e outras pessoas convidadas. Tinha como objectivo o «…reforço da coesão interna e da coordenação das intervenções, facilitando o conhecimento das actividades dos diversos serviços, a troca de informações e a avaliação dos resultados, face aos objectivos e metas definidas»393. O novo modelo provocou alterações também ao nível dos Programas e Projectos, que passaram a ter um controlo mais apertado: cada um deles acompanhado por uma Comissão de Coordenação, constituída por 2 elementos da direcção (sendo um o gestor da área e o respectivo gestor do projecto ou programa). Em simultâneo implementou-se um novo sistema de acompanhamento e Rui Ramos entrevistado por João Pinho, 23/01/2014 ADA – Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 2001, Acta n.º 206

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controlo assentes na profissionalização: os gestores de cada programa e projecto deverão fazer registos contínuos das actividades executadas, donde se extrairão indicadores periódicos de gestão que traduzam o nível de qualidade de serviço prestado, a eficácia e a eficiência. Contudo, e apesar de um enorme esforço das pessoas envolvidas, as novidades do modelo de gestão implementado, na prática, nunca funcionaram Marques Leandro seria, pela primeira vez, directamente eleito na condução dos destinos da ARCIL, em Junho de 2001. As preocupações relativas ao modelo de gestão a implementar, conduziriam logo na primeira reunião, realizada nos finais do mês, ao início dos trabalhos para a elaboração de novo Regulamento Interno394. No entanto, a grande decisão resultou de uma profunda análise dos serviços, que resultou na apresentação de uma proposta de macroestrutura. A 17 de Outubro de 2001 e após avaliação feita à proposta da macroestrutura, a direcção deliberava o fim da Direcção Executiva sob orientação do Presidente da Direcção, deliberando em alternativa: «Agrupar os serviços em dois departamentos operacionais: Departamento de Reabilitação e Departamento de Gestão»395. O Departamento de Reabilitação integrava todos os Programas de Reabilitação e o ATL enquanto o Departamento de Gestão incluía a Administração e Finanças, a Logística e a Produção. Neste contexto, seriam nomeados como directores Cristina Silva (Dep. Reabilitação) e Paulo Pinho (Dep. de Gestão) que definiram como linhas mestre e prioritárias da sua actuação: no primeiro caso a inclusão no mercado de trabalho exterior e, no segundo, encontrar novas formas de financiamento. Simplificava-se assim o modelo anterior que previa 3 áreas de serviços, criando-se o Conselho de Gestão, presidido pelo PD e os dois directores de departamento, que vinha substituir o Conselho de Coordenação. Nesta reunião, o

A ARCIL ainda não dispõe, actualmente, de um Regulamento Interno Geral, mas a maior

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parte das respostas possuem regulamentos próprios.

ADA – Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 2001, Acta n.º 224, 17/10/2001

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Presidente Marques Leandro, Cristina Silva e Paulo Pinho, formularam proposta sobre o Conselho de Gestão, que foi aprovada a título experimental: «a) A Direcção reservará para si os poderes para definição das políticas, da estratégia de desenvolvimento, da definição de programas e projectos, da avaliação de resultados, do acompanhamento e vigilância da gestão …. Da decisão em casos que considere importantes (…) a) O Conselho de Gestão terá poderes de concertação e coordenação de actividades dos dois departamentos (…) b) Os Directores de Departamento estarão subordinados directamente à Direcção (…) Compete-lhes, principalmente, coordenar, através das unidades subordinadas, a programação, a direcção, a execução de programas, projectos e actividades e o seu controlo». Nos primeiros anos do novo ciclo, o modelo de gestão esteve permanentemente em discussão levantando muitas dúvidas internas: para muitos a equipa de gestão nunca funcionou em pleno e o controlo e indicadores nunca foram perceptíveis, gerando confusão nas lideranças, acentuando uma divisão entre a reabilitação e a produção. Também o Conselho de Gestão não logrou consenso, designadamente como mais-valia em termos de tomada de decisão e eficácia na gestão. A 07/09 de 2005 a direcção aprovaria uma proposta tendo em vista a prossecução da descentralização, libertando a direcção dos actos de gestão corrente, acelerar procedimentos e maior participação dos serviços nas decisões. Nesse documento estabeleceu-se a seguinte delegação de poderes (corrigido em 2008 para delegação de competências) e níveis de responsabilidade: AG – DIR – CG - Dir. REAB + Dir. GESTÃO - Programa, Projecto ou Unidade de Produção396. Por outro lado, operou-se, em Outubro de 2005, uma distribuição de projectos pelos elementos da direcção, tendo em vista «estabelecer uma ligação mais concreta a determinadas áreas/projectos que a N/ Instituição desenvolve»:

ADA – Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 2005, Acta n.º 14, 07/09/2005

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Finanças e Recursos Humanos - Dagoberto Marujo; Terrenos e Instalações, Produção, Marketing e Comunicação - João Bandeira; criação de grupo de reflexão (Filosofia/Politica de Intervenção), qualidade no Dep. De Reabilitação e acordos com DREC - Aristides Adão; Residências, Saúde, Comemoração dos 30 Anos, Comissão de Protecção de Crianças e Jovens da Lousã - Clara Costa; Valências da SS, Lar (SCML) e outras: Henrique Mendes; Logística e Hipoterapia - Joaquim Ramos397. A revisão estatutária arrancou em Maio de 2002 com a nomeação de um grupo de trabalho constituído por Marques Leandro, João Graça e Aristides Adão. A 25/11/2003 seria analisado pela direcção o Projecto de Estatutos, parte respeitante à estrutura orgânica. Em 2007 e depois de algumas rectificações, o CRSS também sugeriu algumas alterações estatutárias. A missão da ARCIL voltou à discussão profunda em meados de 2008. No âmbito da revisão estatutária a direcção apresentaria proposta para posterior decisão tendo em vista a alteração da Missão da ARCIL, «…designadamente o conteúdo para aumentar as possibilidades de candidatura a determinados projectos específicos». Foi também colocada a hipótese da alteração da designação: mudando de Associação para a Recuperação de Cidadãos Inadaptados da Lousã para Associação para a Reabilitação de Cidadãos com Incapacidade da Lousã398 algo que não chegou a ocorrer dada a necessidade de aprovação da alteração de Estatutos pela Segurança Social e esse processo ainda estar em curso. Daqui se passou, no seio directivo, para a discussão de assuntos estratégicos de interesse para a instituição, ocupando grande parte do mês de Julho: No que dizia respeito à Missão concluiu-se «…a necessidade de clarificar bem e rever, se for o caso, a Missão adequando-a à realidade actual»; as preocupações sobre garantir o futuro retomando-se a «…possibilidade de se criar um órgão consultivo (…) tendo como função aconselhar a Direcção e Direcção Executiva, sendo o seu parecer obrigatório em assuntos estratégicos, de forma a blindar eventuais iniciativas inadequadas aos interesses da ARCIL e também de ser um Idem Acta n.º 17, 12/10/2005 ADA – Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 2008, Acta n.º 17, 25/06/2008

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garante da prossecução da sua Missão e do desenvolvimento do caminho…»; a abordagem ao Papel dos Dirigentes e «…a necessidade de se reverem os papéis de cada um. Essa precisão trará benefícios na eficácia e sentimento de contribuição de cada um e, também, melhor clareza para a organização e exterior»; o Reforço da Descentralização da tomada de decisões: «…necessidade de se reanalisar a delegação de competências existente, por forma a reforçar eventualmente as competências do Conselho de Gestão e intensificar a descentralização dos níveis de tomada de decisão, com o duplo objectivo de libertar os Directores Executivos (…) e deslastrar responsabilidades de gestão operacional para níveis hierárquicos deles dependentes»; a Revisão dos Estatutos, a apresentar na próxima AG, «… tendo em vista actualizar a denominação da instituição, mantendo a sigla ARCIL, o respectivo objecto tendo em vista a Missão e para dar cobertura a actividades de promoção de um modo geral da igualdade, e particularmente entre sexos…»; a Gestão de Pessoas tendo em vista «…reforçar a coesão interna e de se ter uma politica de gestão das Pessoas ajustada à realidade actual e dimensão da ARCIL, focadas num sistema de gestão e avaliação do desempenho e num plano de formação relevante»; a Comunicação & Marketing com criação na instituição duma área específica «…por forma a dar visibilidade à ARCIL e alavancar o programa de desenvolvimento em curso»; e a Angariação de fundos/subsídios: «…melhorar a eficácia na captação de subsídios (regulares e outros); bem como a Certificação da Qualidade: «…avançar com a implementação de um sistema de qualidade e certificação»399. Ao entrar no ano de 2009 a direcção apontava como principais preocupações o lema de actuação atè à actualidade: «Qualidade, Sustentabilidade e Crescimento». Porém, o balanço de 2009 lançava de novo a instituição em perigosa situação financeira: crise instalada desde 2008, a falência de muitas empresas, a retração dos mercados, ou a concorrência desleal que a serração estava a sofrer, com alguns dos concorrentes vendendo e tendo prejuízos na sua produção, eram

Idem. Acta n.º 20, 18/07/2008

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motivos apontados para desequilíbrio económico da instituição. De facto, o resultado líquido negativo era de 134.288 euros quando o previsto em orçamento era 15.000 euros, reflectindo também a actualização salarial dos trabalhadores que venciam acima do salário minimo nacional e uma diminuição das vendas e dos serviços prestados em cerca de 15% e 3,5%, ou seja, 87.000 e 15.000 euros respectivamente400. Neste contexto, a congelação de salários nos anos seguintes seria, uma vez mais, a solução encontrada. Rui Ramos recorda o momento difícil vivido a este nível, em 2011: «Uma das situações mais complicadas onde participei relacionou-se com os recursos humanos: a ARCIL tinha um quadro de pessoal que não era sustentável mas também não podia deixar de ter aquele quadro. Então houve um conjunto de medidas negociadas e tomadas com os trabalhadores (vide foto 77) que foram especialmente difíceis. Houve pessoas que tiveram de prescindir de direitos adquiridos, outras que gostaríamos de continuar a contar com a sua colaboração. Foi um período difícil para todos mas ao fim de 3 anos todos recebem o seu ordenado»401.

Foto 77 - Reunião geral dos trabalhadores da Arcil, 2011

ADA – Livro de Actas da Assembleia Geral da ARCIL, 2007-2011, acta n.º 52, 21/04/2010, fl. 32v. Rui Ramos entrevistado por João Pinho, 23/01/2014

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Sem conseguir estancar o problema financeiro, em Julho de 2011 a ARCIL promoveu uma audição com dois empresários; Manuel Delgado e Carlos Carvalho. Naquela ocasião seriam evidenciados «…vários indicadores da situação económica e financeira da ARCIL (…) medidas necessárias ao reequilíbrio financeiro». Ambos foram de opinião em «…intervir rapidamente na procura e reformulação de receitas e na redução de despesas»402. Ainda neste mês e tendo em vista a sustentabilidade tomaram-se várias deliberações com base na apresentação de gráfico metodológico para análise da situação económica e financeira e formulação de medidas e métodos para o tão desejado reequilíbrio económico e financeiro da ARCIL. Os próprios colaboradores da ARCIL demonstrando grande responsabilidade constituíram um grupo de trabalhadores, constituído por Ulisses Martins, Alcindo Quaresma e Paulo Renato, para os representar junto da direcção «…e transmitir propostas de medidas para implementação de forma a contribuir para o equilíbrio financeiro da Instituição»403. E foi no âmbito da discussão entre o grupo de trabalhadores e a direcção tendo em vista a implementação das medidas de reequilíbrio financeiro, que em Outubro ocorreu o donativo dos subsídios de Natal e férias dos colaboradores à instituição. Estas movimentações indicavam o pior dos cenários: a ARCIL derrapava de forma assustadora no campo económico e o ano de 2010 ficava na história como «o pior ano para a ARCIL», sendo a situação classificada pela direcção como «grave». Em Setembro a direcção solicitaria uma reunião extraordinária para transmitir aos associados a situação da ARCIL. Com a linha de mira na sustentabilidade, analisam-se eventuais medidas correctivas. Entre elas, e uma das mais dolorosas foi a extinção de postos de trabalho, bem como o não pagamento de subsídios de Natal e de férias. ADA – Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 2011, Acta n.º 28, 11/07/2011 Idem. Acta n.º 41, 22/09/2011

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Na dita reunião da AG de 15/10/2011, realizada a pedido da direcção, o Vice-Presidente Dagoberto Marujo traçaria um quadro devastador sobre a situação: - Referindo-se à evolução dos últimos 10 anos sublinhou «… que os resultados da ARCIL foram negativos em todos os exercícios, excepto no ano de 2008. Apesar desta situação o exercício económico/financeiro era suportável, na medida em que, apesar dos resultados líquidos negativos, os meios libertos eram suficientes para manter o funcionamento da Associação, sem necessidade de medidas urgentes para reverter a situação»404. - Em especial referiria a alteração, em 2010, e por iniciativa da SS, do acordo tripartido entre ARCIL, SCML e ISS, relativo ao Lar de Produndos: «Esta alteração veio agravar a situação financeira, na medida em que, apesar do aumento da comparticipação recebida da Segurança Social, desta alteração resultaram custos de rendas, higiene e conforto, alimentação, água, energia e outros, cujo valor é muito superior ao aumento da comparticipação que a ARCIL passou a receber. Em consequência, a situação económica e financeira sofreu um agravamento substancial que se traduziu num resultado negativo de -312,424, euros». - Em seguida apresenta quadro comparativo dos primeiros semestres de 2010 e 2011 com resultados líquidos de – 39,666,00 no primeiro caso e 183.101.00, no segundo, como resultado «…da estagnação das vendas dos produtos da ARCIL; do congelamento das alterações dos acordos com organismos públicos de tutela; de alteração de critérios de elegibilidade de despesas para comparticipação por parte daqueles organismos; aumento dos custos de fornecimentos e serviços externos, por exemplo combustíveis e rendas». - Entretanto a Direcção «…procurou identificar as tendências de evolução dos custos e proveitos de cada programa e unidade de produção, concluindo que todos apresentam resultados negativos, excepto o ATL, a ARCILVERDE, e a ARCILAV (Lavandaria), apesar de os resultados

ADA – Livro de Actas da Assembleia Geral da ARCIL, Acta n.º 56, 15/10/2011, fls. 48v.-49v.

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positivos destas duas unidades serem pouco significativos, considerando toda a estrutura produtiva da ARCIL» - Havia ainda a questão dos encargos bancários resultantes de amortizações junto da CGD, BES e BPI, com custo mensal de 7,081,00€. - Assim, previa-se que no final de 2011 o resultado negativo fosse de 604,485,00 € - Em conclusão e considerando «os valores estacionários» das comparticipações do Estado; que as vendas dos produtos «dificilmente inverterão a tendência de quebra»; que os custos correntes «têm tendência de crescimento e os resultados negativos continuados», «Existe um risco elevado de ruptura financeira pelo que há necessidade urgente de proceder à adopção de medidas correctivas para repor o equilíbrio económico e financeiro da ARCIL»405. Nunca como nesta ocasião esteve tão em causa o futuro da ARCIL, nem mesmo nos tempos turbulentos trazidos pelo desfalque em 1995. O presidente da direcção anunciaria aos associados um conjunto de medidas correctivas que procuravam impedir «o risco de insolvência da ARCIL a curto prazo». Entre as medidas para aumentar as receitas aprovaram-se as seguintes: 1. «Existe na ARCIL a cultura de fornecer todos os serviços tendentes à satisfação de todas as necessidades dos clientes independentemente do financiamento desses serviços. Trata-se de uma cultura que não pode ser incutida, sendo imprescindível garantir o financiamento ou a comparticipação de todos os serviços prestados ou a prestar e cujo financiamento não esteja garantido pelos acordos celebrados com outras entidades» 2. «Promover a revisão dos acordos existentes», aproveitando abertura do Governo 3. «Foi já iniciado um processo de reestruturação das Unidades de Produção com vista a melhorar a rentabilidade dos mesmos»

Idem.

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4. «Tomar iniciativas de angariação de fundos [FL.52] com carácter sistemático» 5. «Implementar um plano de marketing dos produtos e serviços da ARCIL, com vista a inverter a quebra das vendas e lançamento de novos serviços;» 6. «Solicitar apoio do Governo para reequilíbrio financeiro» (enviada ao Sec Est. SS exposição fundamentada) 7. «Recorrer ao mecenato para financiamento de projectos específicos» Quanto às medidas para redução da despesa apresentaria o seguinte pacote: 1. «Optimizar a utilização dos transporte e percursos efectuados, reduzindo-os ao mínimo indispensável e rever o regulamento dos transportes incluindo também a comparticipação de todos os transportes não financiados» (chama a atenção para o estado «critico» da frota automóvel) 2. «Implementar politicas de redução de consumos de energia, de custos com comunicações, alimentação e outros; [Fl.52v.] 3. «Redução de custos com o pessoal através da uniformização das tabelas salariais (…) aplicada a tabela das IPSS a todos os colaboradores da ARCIL» (eram utilizadas várias tabelas salariais ao longo dos anos adaptadas às circunstâncias) 4. Revisão ou eliminação dos suplementos remuneratórios 5. «Readequação do quadro de efectivos através de reformas antecipadas, readequação de horários de trabalho, reconversão de postos de trabalho, rescisão por mútuo acordo e extinção de postos de trabalho» Medidas difíceis que se juntavam a um quadro recessivo de novo realçado: «Congelamento de admissões, sem que seja posta em causa a qualidade dos serviços prestados pela ARCIL». O recrutamento de recursos humanos será satisfeito «através de recrutamento interno», excepto quando «ponha em causa o padrão mínimo exigível da qualidade dos serviços prestados aos clientes da Instituição». 380

Pessoas, Ideias e Afectos | ARCIL – um projecto de causas

- «Não renovação dos contratos de trabalho a termo. - «Não substituição de trabalhadores com baixas médicas de longa duração, procedendo-se à sua substituição com recursos internos» - «Aumento do recurso a candidaturas a “Contratos de Emprego e Inserção». - «Negociação de alterações contratuais» - «Suspensão dos suplementos remuneratórios a partir do mês de Outubro de 2011». O impacto destas medidas foi estimado pela Direcção em 271.189,00 €, sem inclusão de outras que veio a implementar, como a formação do pessoal feitas por recursos internos, revisão das comparticipações familiares nos serviços do CAO e Lar Residencial em mais 10%, continuação da exploração do Bar do Parque Carlos Reis e diversas medidas previstas para as Unidades de Produção, tais como: nomeação de novos responsáveis conferindo-lhes mais autonomia e responsabilidade com o objectivo de identificar novos negócios e aumentar os negócios viáveis e optimizar o funcionamento, definir metas e objectivos para as unidades de produção, e a suspensão da actividade da ARCILCARD (produção de cartões e reconversão dos postos de trabalho) dada a «desadequação e desactualização dos equipamentos». Contudo, e a bem da verdade, esta desadequação só acontecia para o fabrico de cartões com chip, sendo uma consequência da inexistência naquele sector de uma organização funcional ou plano de vendas.

Foto 78 - Reunião das equipas de gestão e produção, 2007

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A 12 de Novembro de 2009 aprovaram-se os conceitos de Missão e da Visão. Por outro lado, e no âmbito do Programa EQUASS, e entre diversas medidas, foram aprovadas: em Dezembro, as propostas dos valores e conceitos que decorrem da missão da ARCIL; em Junho de 2010, a Política de Gestão e Tratamento de Reclamações; e, em Setembro, a implementação de um sistema de Gestão Documental. A 30/02/2010 a AG aprovaria a mudança de denominação social da instituição, bem como a criação de um conselho consultivo, ideia antiga que remontava aos anos 90, mas que não seria criado. No primeiro caso o nome seria alterado para Associação para a Reabilitação de Cidadãos com Incapacidade da Lousã, sendo justificado por a designação estar «ultrapassada face às novas realidades da reabilitação, principalmente em relação ao conceito de incapacidade»; sobre o segundo definiu-se como elo de ligação da ARCIL à comunidade, com funções de «…aconselhamento face às grandes e complexas questões relacionadas com a nossa Missão». Seria constituído um grupo de trabalho para definição de critérios, acordando-se a sua incorporação na próxima revisão de estatutos, e teria a participação de pais, fundadores, antigos membros dos Corpos Gerentes, representantes da Educação, Saúde, empresários, autarcas e outros406. Em Fevereiro de 2011 rescindiu contrato com a ARCIL o responsável do Dep. de Gestão/Produção da ARCIL, Paulo Pinho, estando a ARCIL a atravessar uma situação muito difícil, quase catastrófica. No seguimento operou-se uma reorganização da direcção com atribuição de áreas específicas de actuação: Recursos Humanos, Técnico Pedagógico e Investigação, Área Administrativa e Financeira, Sustentabilidade e Produção, Qualidade, Representação Externa, Património e Logística. Num primeiro momento e com a saída do director executivo de gestão não se admitiu nenhum Director de Gestão/Produção (vide foto 78). Porém, e como modo de assegurar a continuidade do trabalho do departamento alguns colaboradores passaram a trabalhar directamente com a direcção. Em Janeiro de 2012 a direcção financeira do Departamento de Gestão (DEG) passou a ser ocupada pelo Eng.º Alexandre Francisco Malheiro Aragão.

ADA – Livro de Actas da Assembleia Geral da ARCIL, 2007-2011, Acta n.º 51, 30/02/2010, fl. 26v.

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A MISSÃO E OS VALORES DA ARCIL No âmbito do projecto EQUASS e tendo em vista a certificação da qualidade dos serviços prestados, a ARCIL veio a definir e aprovar a sua Missão, Visão e Valores, em reunião de direcção de 21/12/2009: A Nossa MISSÃO Agir activamente, de forma sustentável e empreendedora na reabilitação e na promoção da cidadania e da qualidade de vida, acreditando no potencial humano da diferença. A nossa VISÃO Ser uma organização sustentável e de excelência que garanta o respeito pela diferença e a igualdade de oportunidades. Os nossos VALORES VALORES que definem o carácter da ARCIL, alicerçam a sua cultura organizacional, orientam a nossa conduta e fundamentam as nossas atitudes e decisões: A Afectividade, como a base a partir da qual se constroem as relações que ligam o indivíduo ao seu meio, permitindo a estabilidade emocional e a construção e desenvolvimento de projectos de vida. A dignidade humana como valor universal, inalienável e inviolável que permite o conforto e o bem-estar (físico e emocional) exigidos pela situação de vulnerabilidade em que a pessoa se encontra. O Empreendedorismo e inovação como processo dinâmico e proactivo, relacionado directamente com a menor dependência e sustentabilidade da ARCIL, através do qual se procuram identificar e levar à prática oportunidades de negócio de forma criativa. A Ética como o compromisso com a prática do respeito pelas pessoas, da lealdade, da cooperação, da confidencialidade (a nível profissional), de regras do jogo claras, de práticas equitativas, de remunerações justas e cumprimento dos compromissos (a nível organizacional). A Inclusão como processo para a construção de um novo tipo de sociedade, através de transformações nos ambientes físicos e na mentalidade de todas as pesCAPÍTULO 6 – A ARCIL no séc. XXI: a continuidade da obra e os novos desafios

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soas, por meio do qual as pessoas com deficiência ou outras necessidades especiais passam a ser vistas pelo seu potencial, habilidades e outras inteligências e aptidões. O Respeito pela diferença como a aceitação das pessoas com deficiência e outras necessidades especiais, ou outras minorias, como parte da diversidade humana, logo como seres com direito a cidadania plena. A Responsabilidade social como o compromisso com o cumprimento dos deveres e obrigações dos indivíduos e organizações para com a sociedade em geral. Rigor e transparência como a tomada de decisões baseadas em factos, na clara definição de funções, níveis de competência e responsabilidade, e na plena abertura da ARCIL aos seus clientes, famílias, parceiros e comunidade em geral.

1.2 DEMONSTRAÇÕES DE SOLIDARIEDADE E O RECONHECIMENTO AOS FUNDADORES

Nestes anos, continuou a captação de receitas pela via da solidariedade: de donativos de empresas como Tranquilidade e Wurth (2002), Farmácias Serrano e Fonseca (2005), ou de eventos sociais como Lousã Fashion (2002), Agenda (2006) (vide foto 79) e Calendário (2010) (vide foto 81). Em termos materiais, destaca-se a entrega de 15 cadeiras de rodas pelo Reverendo Richard missionário inglês da Igreja Siloam Christiam Ministries (em 2008) – vide foto 80 – ou a oferta do alcatroamento de acessos e estacionamentos pelo grupo Isidoro, dentro das suas iniciativas de responsabilidade social, finalizados nos finais de Março de 2010.

Foto 79 - Agenda Solidária Glória Antunes com Rosa Mota, 2006

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Foto 80 - Recepção de cadeiras de rodas (doadas por igreja evangélica de Inglaterra) da esquerda para a direita: António “Americano”, Cristina Silva e Marques Leandro, 2009

Foto 81 - Calendário Dora Ângelo com o jornalista João Ramos, 2010

As iniciativas solidárias estenderam-se à CML, que concederia, por deliberação de 05/07/2011 a exploração do bar no Parque Carlos Reis, a título gratuito e experimental, abrindo ao público no dia 25 do mesmo mês407 (vide foto 82). No final do ano o bar encerrou, para reestruturação das instalações, reabrindo a 05/04/2012 com aposta na formação profissional, área da restauração – Empregado/a de Mesa e Bar. Foto 82 - (re)Inauguração do Bar do Parque, 2012 da esquerda para a direita: Hélder Bruno (vereador da CM Lousã), Marque Leandro (presidente da Arcil), Ana Araújo (vereadora da CM Lousã), Ricardo Fernandes (vereador da CM Lousã), João Pereira (vogal da direcção da Arcil) e Carlos Seco (vereador da CM Lousã)

ADA – Livro de Actas da Direção da ARCIL, 2011, Acta n.º 27, 05/07/2011

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A 09/11/2011 foi ratificada pela direcção a criação do Grupo de Angariação de Donativos (GAD), tendo como objectivo formular propostas para a execução de actividades para angariar donativos, nomeadamente no âmbito da Campanha Ponha o seu nome no CEO (vide fotos 83 e 84), que consistia na aquisição de um ou mais azulejos, personalizados na ARCILCERÂMICA, com o nome de pessoas ou instituições adquirentes, num mural do edifício disponibilizado para este efeito. O painel foi inaugurado no Dia Internacional da Pessoa com Deficiência de 2012, mantendo-se o projecto e respectiva campanha de solidariedade em vigor.

Foto 83 - Lançamento da campanha “Ponha o seu nome no CEO”, 2011 da esquerda para a direita: Eng. João Cruz (presidente do conselho fiscal da Arcil), Luís Antunes (vice-presidente da CM Lousã), Fernando Carvalho (presidente da CM Lousã) e Marques Leandro (presidente da Arcil)

Foto 84 - Painel de Azulejos “Ponha o seu nome no CEO”

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RANCHO FOLCLÓRICO DA ARCIL O Rancho Folclórico da ARCIL (vide conjunto de fotos p. 388) foi um projecto interno da ARCIL, que nasce com o início das actividades de expressão da Formação Profissional sob orientação do Prof. Mário Maia. Depois de interrupção motivada pela sua saída, foi retomado no âmbito das actividades da ARCILJOVEM de 1996. A última reconstituição data de Setembro de 2002, no âmbito de uma proposta de actividade a nível do Programa de Formação Profissional. A ideia terá sido do Prof. Mário Maia: «Disse uma vez ao Alcindo, já depois de várias tentativas falhadas de experiências culturais, que a única coisa que resulta com esta gente é um grupo de danças tradicionais, porque isso faz parte da sua cultura, não é nada de fora, apenas tem de ser ensinado, é uma mais-valia na formação. Começámos a dar os primeiros passos na aula de Expressões, na 5ª de tarde»408. A primeira actuação do Rancho decorreu no Campo de Aviação da Lousã, a 01/06/1996, integrando a programação dos 20 Anos da ARCIL. Um momento inesquecível pela surpresa causada pelos executantes: «Levámos uma gravação de músicas dos grupos da região para a nossa actuação. Nesse dia pedimos a 2 grupos presentes (Vilarinho e Serpins) para cada um deles tocar uma dança. E aquilo que reparámos foi que estas actuações foram muito mais eficazes para o nosso Rancho do que a própria gravação. Quem viu achava que os miúdos tinham ensaiado». Os seus objectivos passam por proporcionar a melhoria da auto-estima e das competências sociais, psico-motoras e integração social, e proporcionar oportunidades lúdicas e de enriquecimento pessoal e em paralelo despertar o interesse pela dança folclórica para um mundo novo de criatividade e comunicabilidade no âmbito da música e da dança tradicional portuguesa. Tem como ensaiadoras Gracinda de Fátima e Isabel Marantes, com larga experiência em grupos folclóricos da região. Com aproximadamente 45 elementos, entre funcionários, utentes e amigos da instituição, o seu repertório baseia-se em danças e cantares da região da lousã, adequadas às capacidades do grupo. Prof. Mário Maia entrevistado por João Pinho, 04/11/2013

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Rancho Folclórico

1996 - 1ª actuação do Rancho Folclórico (20.º Aniversário da Arcil)

2006 - I Festival de Folclore (Nave de Exposições da Lousã)

2006 - O Rancho Folclórico em Soure

2009 - O Rancho Folclórico cantando os Reis ao Presidente da República

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As comemorações dos 30 anos da ARCIL (vide conjunto de fotos p. 390) foram objecto de especial atenção: - Um evento solidário nascido no interior da instituição, seria o lançamento da Agenda, em Janeiro de 2006, da responsabilidade da Comissão Restrita dos 30 anos da ARCIL. Contou com a solidariedade de várias personalidades nacionais: Pacman (vocalista da banda Da Weasel), Diana Pereira (modelo) Diogo Cayolla (velejador), Nuno Delgado (judoca), Helena Coelho (modelo), João Ramos (jornalista), Margarida Vila-Nova (actriz), Miguel Maia (jogador de voleibol), Nelo Vingada (treinador da Académica), Nuno Assis (jogador de futebol), Ricardo Pereira (modelo/ actor), Rita e Márcio (vencedores do Festival Europeu da Canção para pessoas com Deficiência – em 2005) Rosa Mota (campeã olímpica de atletismo) - e o produto foi comercializado junto de empresas e entidades, tendo o patrocínio do Governo Civil e Páginas Amarelas. A 08/02/2006, constatado o sucesso da iniciativa, seria exarado um «voto de congratulação pelo êxito da iniciativa que está a contribuir, de forma notável, para a divulgação das suas actividades» e um voto de louvor às coordenadoras; Ana Araújo e Ana Bandeira409. Esta agenda seria de certa forma a percussora do Calendário lançado em 2009 que teve adesão «entusiástica» de diversas entidades e empresas, atingindo cerca de 22.000 euros, e serviu como experiência para a Agenda Acessível, aprovada pela direcção a 30/06/2010 (e que procurou a angariação de receitas): «Pretende ser um produto inovador e acessível através de uma capacidade de comunicação intuitiva, baseando-se num esquema de utilização de símbolos, pictogramas e cores…»410; - 13/14 Maio: acampamento que reuniu diversas instituições nacionais com participação em passeio pedestre e actividades de animação envolvendo 57 pessoas; Dia 13: Encontro Nacional de BTT, organizado pela Associação Nacional de Desporto para a Deficiência Mental, em parceria com ARCIL. Reuniu 67 participantes; ADA – Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 2006, Acta n.º 3, 08/02/2006 ADA – Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 2010, Acta n.º 13, 30/06/2010

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30.º Aniversário

2006 - Os parabéns e o corte do bolo da esquerda para direita: Fernando Regateiro (ARS), Fernando Carvalho (presidente da CM Lousã), Marques Leandro (presidente da Arcil) e Henriques Fernandes (Governador Civil Coimbra)

2006 - Perspectiva sobre a zona de festa na Arcil

2006 - Pinturas faciais

27/5: Gala comemorativa: mega evento na sede com convívio entre utentes e famílias, dirigentes, funcionários e convidados - I Festival de Folclore da ARCIL, realizado a 11/11, com a participação do Rancho Folclórico da ARCIL, com participação de 6 instituições nacionais, realizada durante a XVII edição da Feira do Mel e da Castanha no Pavilhão Municipal de Exposições na Lousã; - Visita oficial do Presidente da República, Aníbal Cavaco Silva, a 19/12; 390

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Estes anos revestiram-se de inevitável tristeza, com a partida de alguns sócios fundadores e directores – Luis Torres (2002), Jorge Mário Carvalho (2006), José Júlio dos Santos Carvalhinho (2006) e João Lopes, antigo membro do CF (2008) - e de dedicados colaboradores como o Juiz Conselheiro António da Costa Neves Ribeiro (2006) e Américo Viana de Lemos prestigiado médico e delegado de saúde (2008). O momento seria sentido pela direcção que lançaria homenagens aos seus fundadores e colaboradores no âmbito dos 31 anos da instituição: a 21 de Abril de 2007, a AG aprovou por unanimidade a proposta de José João Rodrigues (2º Secretário da AG) de louvor ao Prof. António Maio enquanto sócio fundador, primeiro presidente da direcção e Presidente da Mesa da Assembleia Geral; a 07/02/2008 e por sugestão da AG decidiu-se homenagear Fundadores, Ex-Presidentes da Direcção e amigos da ARCIL, colocando fotografias das personalidades homenageadas na sala de reuniões e de direcção (vide foto 85).

Foto 85 - Cerimónia de Homenagem, 2008 da esquerda para a direita: Amélia Barata, António Maio, António Marçal, José Carvalhinho e Marques Leandro Presidentes da Arcil

António Maio (1977-1981)

João Marçal (1981-1983)

José Ernesto Carvalhinho de Paiva (1983-2000)

José Marques Leandro (2000-2013)

Rui Ramos (2014-…)

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O BENEMÉRITO JORGE MÁRIO DE CARVALHO A 23 de Março de 2005 falecia Jorge Mário Carvalho, o maior benemérito da história da ARCIL. Foi presidente da Assembleia Geral da instituição enquanto a saúde permitiu (até 1983). Por deferência à sua pessoa e até 2005 esteve sempre um elemento da família ligado aos corpos gerentes (ver Anexo no final da obra): Luís Carvalho e Carlos Carvalho (sobrinhos do benemérito). A direcção aprovaria, a 26 de Abril, e por unanimidade, um voto de pesar, baseado no respeito e reconhecimento onde com poucas palavras se expressou uma grande obra: «Recordamos que o Sr. Jorge Carvalho adquiriu a Quinta do Cabo do Soito e ofereceu-a em 1976 para nela se instalar a sede da ARCIL. O edifício principal tem o nome de sua mãe, D. Emília de Carvalho, por vontade dele. Esse contributo foi fundamental para o arranque e o êxito da Instituição. Foi ele o primeiro Presidente da Assembleia Geral. Recordamo-lo também pelo interesse que sempre manifestou pela Instituição. Foi sócio honorário e o seu nome está inscrito no salão principal desta casa». [Livro de Actas da Direcção da ARCIL, Acta n.º 6, 26/04/2005]

1992 - O benemérito Jorge Carvalho com José Ernesto Carvalhinho e José Marques Leandro

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OS FUNDADORES – SÓCIOS HONORÁRIOS DA ARCIL Em Assembleia Geral do dia 20/04/2002 seria aprovada, por unanimidade, a proposta da direcção para que os fundadores da ARCIL passassem a Sócios Honorários: Amélia Barata, Luís Torres de Carvalho Dias (a título póstumo), José Júlio dos Santos Carvalhinho, António Rodrigues de Almeida Maio, Arménio Tomás, Rui Carlos Tomás Soares, Manuel Paulo de Almeida Rego, Elvira dos Prazeres Silva, Deolinda Fernandes Simões, Armando Jorge Agostinho de Carvalho e Gualter Baeta Sequeira Neves Barreto (a título póstumo). Um movimento coletivo muito importante que mostra o carinho pela ARCIL, resultou de uma das mais mediáticas parcerias celebrada em 2008 com a empresa Licor Beirão «… na qual a Associação ficou responsável pela montagem de mais de 300 mil caixas de cartão. Muita gente da ARCIL e de fora colaborou [voluntariamente] na montagem das referidas caixas para o Licor Beirão, o que permitiu a entrada de rendimentos»411. Dado o sucesso da iniciativa o volume de caixas a montar subiu para o dobro em 2010 (600.000), objectivo que seria alcançado no final do ano, provocando grande satisfação nos utentes, que assumiam aquela tarefa com grande empenho e entusiasmo. Outras formas de solidariedade surgiram com o donativo de parte da verba do espectáculo de lançamento do disco de Tiago Gonçalves, em 2008, ou o reforço de encomendas da Companhia Papel do Prado e empreza Bitzer de Castelo Branco (2011). No ano seguinte temos a assinalar algumas iniciativas solidárias: verba dos espectáculos da Associação Kronkrets; espectáculo Amália Hoje; desfile de moda com pessoas em cadeiras de rodas (grande êxito); jantar e sarau dedicado ao tango, com presença do Embaixador da Argentina, promovido pelo Círculo de Cultura Portuguesa; o Rugby Club da Lousã, dentro dos prémios a várias

ADA – Livro de Actas da Assembleia-Geral da ARCIL, 2007-2011, Acta n.º 48, 13/12/2008, fls. 11v.-12

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personalidades da Lousã concedeu o de “amizade” ao utente Jorge Antunes e elegeu Marques Leandro, personalidade do ano de 2009. Igualmente interessante, e nascido de um contexto económico muito complexo, foi o espectáculo solidário para angariar fundos, lançado por um grupo de mães de utentes da instituição em Janeiro de 2012. Decorreu no Parque Municipal de Exposições, envolvendo um concerto e quermesse.

1.3. O REFORÇO DAS PARCERIAS

A ARCIL tem nos últimos anos cooperado e reforçado a colaboração com várias instituições da região: Câmara Municipal da Lousã, Centro de Emprego da Lousã, ARSC – Associação Recreativa, Social e Cultural das Gândaras, CPCJL - Comissão de Protecção de Crianças e Jovens da Lousã, Núcleo Local de Inserção, Rede Social do Concelho da Lousã, Santa Casa da Misericórdia da Lousã, Centro de Saúde da Lousã, Unidade de Saúde Familiar Serra da Lousã, Unidade de Saúde Familiar Trevim Sol, Comissão Consultiva de Saúde, Centro Paroquial de Serpins, Centro Social de Casal de Ermio, IAC – Instituto de Apoio à Criança, ARS – Administração Regional de Saúde, Centro Hospitalar de Coimbra, Provedoria Municipal das Pessoas com Incapacidade da Lousã, Projecto Lousã Destino de Turismo Acessível, IRS – Instituto de Reinserção Social, Agrupo de Escolas da Lousã e Activar. Logo em Dezembro de 2000, seriam celebrados novos acordos com o CRSS relativos às valências de ATL nas escolas de Santa Rita (revisão do acordo existente para mais 20 utentes), Foz de Arouce (Acordo Novo para 20 utentes) e valência de apoio domiciliário das Fontainhas (revisão do acordo já existente para mais 10 utentes). Na ARCILSAÚDE, estabeleceu-se uma parceria com o Instituto Português de Oncologia de que resultou a colaboração dedicada da Dr.ª Emília Albuquerque (Psiquiatra) entre 1999-2003. Em Janeiro de 2001 a ARCIL passou a assumir a gestão financeira do PDIAS, por solicitação do Conselho Executivo do projecto. 394

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Entretanto, os objectivos e metodologia de intervenção seriam transpostos para a Rede Social, levando a ARCIL a solicitar em Junho, a denúncia do protocolo celebrado em 1998 com o CDSS. A relação DREC-ARCIL manteve-se, como no passado, instável e, em Maio de 2001, as dúvidas voltavam a pairar sobre o acordo para 2000/2001. A direcção deliberaria assinatura apesar de «…não preencher, em termos de recursos financeiros, as necessidades de funcionamento do Projecto de Integração Escolar». Ao mesmo tempo decidiu manter diligências para «alterações ao enquadramento legislativo nesta matéria».412 Os anos seguintes conheceram uma melhoria nas relações com a assinatura destes protocolos. Em 2005, e por Despacho do Sec. Estado da Educação de 22/07 o projecto de cooperação para actividades de apoio às escolas do ensino regular, foi aprovado sem grandes problemas, compreendendo: - «Atribuição de verbas para pagamento de vencimentos, incluindo os encargos com a Segurança Social, de 1 psicólogo, 1 fisioterapeuta, 1 TSS, e 8 auxiliares pedagógicos; - Atribuição de verbas para deslocação de técnicos (…) e para aquisição de material específico»413. No entanto em Março de 2007 voltaram a pairar nuvens cinzentas sobre a relação DREC-ARCIL devido ao não pagamento de diuturnidades pela DREC relativas aos colaboradores abrangidos pelo projecto no âmbito da Educação Inclusiva, assinado com a ARCIL. Ainda neste ano uma boa notícia seria conhecida no âmbito da parceria DREC-ARCIL. Em Abril seria aprovado, após apresentação na DREC, o Projecto Inclusão/Transição Escolar para 2007-2008 elaborado pelo Programa Infância e Juventude, em parceria com os agrupamentos de Escolas da Lousã e Álvaro Viana de lemos, ao abrigo da portaria 1102/97 de 3/11414.

ADA – Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 2001, Acta n.º 214, 02/05/2001 ADA – Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 2005, Acta n.º 15, 14/09/2005 414 ADA – Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 2007, Acta n.º 7, 19/04/2007 412 413

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O mesmo sucederia com o Projecto Inclusão/Transição Escolar no ano letivo seguinte. A mudança ocorre em 2009, após um processo de Certificação da ARCIL como CRI – Centro de Recursos para a Inclusão - pelo Ministério da Educação. Em Setembro de 2009 foi aprovado pela DREC o Plano de Acção 2009-2010, elaborado pela ARCIL em parceria com os Agrupamentos de Escola dos 4 concelhos que passaram então a integrar a área de intervenção do CRI da ARCIL – Lousã, Miranda do Corvo, Góis e Pampilhosa da Serra. Na génese do CRI da ARCIL esteve uma reunião realizada na Lousã, promovida pelo CMEL, na qual foi estabelecido um Acordo de Compromisso assinado a 09/10/2007 entre a CML, Escola Secundária, Agrupamento de Escolas Álvaro Viana de Lemos, Agrupamento de Escolas da Lousã, ARCIL e a DG da Inovação e Desenvolvimento Curricular do Ministério da Educação, com o objectivo de criar um Centro de Recursos, com psicólogos, assistentes sociais, terapeutas da fala, e ocupacionais, entre outros, para apoio especializado aos alunos com NEE. O CRI disponibilizaria apoio especializado a crianças e jovens até aos 16/18 anos com necessidades educativas especiais em estruturas regulares de ensino, em articulação com os docentes, a família e a comunidade. Desenvolvem-se actividades de reabilitação física- funcional, intervenção psicopedagógica e socio - familiar e participam no processo de Transição para a Vida Activa, no final da escolaridade, através de acções de sensibilização e orientação vocacional. Este plano de acção seria revisto para 2010/2011 aprovando-se o redimensionamento de apoios e financiamentos. A ARCIL disponibilizava os técnicos que intervinham nas escolas segundo os programas educativos estabelecidos e a DREC financiava os custos com esses recursos técnicos. No seguimento da redução de financiamento, cessou em 2010 o apoio da DREC ao financimento «das retribuições das nossas auxiliares que prestavam serviço de apoio às crianças jovens com deficiência ou com necessidades educativas especiais». Valeu então o apoio da CML em 20.000 euros, que permitiu manter duas auxiliares pedagógicas da ARCIL ao serviço do Agrupamento de Escolas da Lousã, tendo-se realçado o empenho do presidente da CM Fernando Carvalho e vereador Hélder Bruno415. ADA - Livro de Actas da Assembleia Geral da ARCIL, Acta n.º 53, 27/11/2010, fl. 37

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As parcerias com a CML sofreram forte dinamismo com a ascensão do antigo tesoureiro da ARCIL à chefia dos destinos do município. Uma nova realidade, exaltada quer pelo anterior presidente da ARCIL, quer pelo novo presidente. Na AG de Junho de 2001 Carvalhinho diria que «…é com grande satisfação que vê o actual Presidente da Câmara promover e aceitar parcerias e contratação de serviços com a ARCIL. Exemplo disso são os contratos de prestação de serviços de jardinagem»416, enquanto Marques Leandro acrescentaria: «…é justo realçar a atitude do Sr. Presidente da CM, porque tem demonstrado estar verdadeiramente interessado em considerar a ARCIL como agente de desenvolvimento do concelho. O que é muito importante, pois há cada vez mais transferências do governo para as Câmaras Municipais e assim sendo, a CM será um dos interlocutores privilegiados da ARCIL». Assim, no princípio de 2002, e a pedido da CML a ARCIL assumiu a gestão do ATL do Padrão. Ao abrigo do Programa de Luta contra a Pobreza a ARCIL seria parceira no âmbito do Programa Agir e Desenvolver para Integrar. Os serviços de jardinagem passaram a ser requisitados com frequência pela autarquia.Fruto do estreitamento de relações com a autarquia, seria a atribuição à ARCIL, em 2002 da medalha de mérito do concelho da Lousã. Actualmente, e em articulação com a Câmara Municipal da Lousã, a ARCIL dinamiza Actividades de Tempos Livres a crianças do 1.º Ciclo do Ensino Básico, com e sem deficiência, desenvolvendo actividades de natureza lúdica e sócioeducativa – expressão plástica, animação musical, desporto, sensibilização à informática, dança, descoberta do meio, natureza e actividades de índole escolar. Em 2003 a ARCIL tornou-se membro do CLAS – Conselho Local de Acção Social da Lousã, vindo a dar relevante contributo ao Plano de Desenvolvimento Social 2004-2007, e onde seria incluído o eixo proposto contemplando acções direccionadas para as pessoas com deficiência e outras necessidades especiais. A 26/03/2003 e na presença de Cristina Louro417, Comissária do Ano Europeu das Pessoas com Deficiência, seriam assinados 2 protocolos de cooperação ADA – Livro de Actas da Assembleia Geral da ARCIL, Acta n.º 37, 23/06/2001, fl. 24v. Foi directora da APPC Lisboa e também Secretária Nacional de Reabilitação

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entre CML e ARCIL «…para resolver os problemas de acesso a pessoas com deficiências», os quais previam a realização de actividades diversificadas, tais como: concursos, exposições, um Festival da Canção; criação do Provedor Municipal; eliminação de barreiras arquitectónicas e de acesso à cultura, recreio e desporto418. Cristina Louro aludiria a algumas medidas que considerava como necessárias: nova Lei de Bases da Deficiência e das Associações das Pessoas para a Deficiência; reestruturação do Secretariado Nacional da Reabilitação e Plano Nacional de Acessibilidades. Por decisão da direcção de 16/12/2003 foi aceite a proposta de cooperação com Corpo de Escuteiros para desenvolvimento de um pólo de actividades, de natureza ambiental e ecológica, na aldeia da Silveira, com parecer favorável do Conselho de Gestão. As parcerias com o IPJ mantiveram-se desde 1991, nomeadamente, com o programa Férias em Movimento: em Março de 2005, com 2 candidaturas sob as temáticas «Reciclar está na moda e A magia dos ovos da Páscoa», onde participaram 45 jovens em campos de férias. E, a 25 de Abril do mesmo ano seria assinado o protocolo de colaboração entre ARCIL, CML e Páginas Amarelas SA, no âmbito do Programa de Apoio a Pessoas com Deficiência e/ou necessidades especiais prevendo a criação de um folheto informativo, de um logótipo e de um concurso de fotografia subordinados ao tema. Uma das parcerias mais conhecidas da ARCIL com a CML dizia respeito aos transportes. Na verdade e além dos serviços facultados aos seus utentes, a ARCIL vinha efectuando transportes a pedido da Câmara Municipal, da Segurança Social e de particulares, sempre que devidamente solicitados. No entanto, nestes anos a requisição aumentara de forma muito significativa levando à sobrelotação e falta de meios. A resposta da instituição seria a elaboração de um Regulamento de Transportes, concluído em Setembro de 2005 e colocado na prática em Novembro, onde o transporte externo passou a ser solicitado em modelo próprio, especificando elementos pertinentes, com decisão pelo Coordenador e valor cobrado mediante trajecto percorrido.

«Protocolos vão deixar marcas» In Diário As Beiras, 27/03/2003

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Em Outubro, a ARCIL e CML assinariam um protocolo relativo a transportes de crianças com necessidades educativas especiais e outras, atribuindo subsídio mensal, que foi sendo revisto e assinado nos anos seguintes. Dois anos depois a realidade ditou novo regulamento de transportes, havendo necessidade de implementar medidas para redução de número de utilizadores, angariação de financiamento do serviço e consequente plano de redução de custos e de circuitos diários. O novo decreto-lei nº 13/2006 – regime juridico do transporte colectivo de crianças e jovens até aos 16 anos – impôs alterações e reparações de acordo com novos procedimentos, tornando obrigatória a adaptação das viaturas mais recentes, para cumprimento da lei mencionada e a procura de financiamento para a restante remodelação da frota automóvel. No âmbito do Dia Internacional das Pessoas, com Deficiência, em 2005, realizou-se na Lousã, um conjunto de iniciativas decorrentes de parceria entre a ARCIL, CML, Provedoria Municipal das Pessoas com Deficiência (de que era Provedor o antigo presidente da ARCIL, José Ernesto Carvalhinho) e Páginas Amarelas: «O programa prevê uma acção de sensibilização e uma simulação de barreiras arquitectónicas para intervenientes nos domínios do Urbanismo e Construção Civil, a inauguração do espaço da Provedoria Municipal das Pessoas com Deficiência, a simulação de barreiras arquitectónicas para a comunidade, um espectáculo no Cine Teatro da Lousã com os 5ª PUNKADA, do Núcleo Regional do Centro da APPC e a Orquestra Clássica do Centro e o lançamento do concurso de fotografia (In) Acessibilidades»419. Em Dezembro de 2002 formalizou-se a adesão à HUMANITAS - Federação Portuguesa para a Deficiência Mental e, em Fevereiro de 2005 decide aderir ao FORIN - Fórum Não Governamental para a Inclusão Social com sede em Lisboa, constituído por Federações e outras pessoas colectivas da área da reabilitação de pessoas com deficiência, tendo como objectivo a defesa dos interesses das pessoas com deficiência, concentrando esforços das várias entidades nacionais, não governamentais, que têm como missão a reabilitação e a integração social dos

ADA – Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 2005, Acta n.º 20, 30/11/2005

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mesmos. No mesmo mês decide-se aderir à ANDDEM - Associação Nacional de Desporto para a Deficiência Mental. Em Junho de 2005 foi decidida a adesão à rede Construir Juntos, do IAC – Instituto de Apoio à Criança, nomeando a Dir. Executiva do Dep. Reabilitação como representante da ARCIL. Em Outubro de 2006, a ARCIL organizou as Jornadas de Educação Inclusiva – Direitos, Recurso e Práticas, marcando presença na abertura a Secretária de Estado Adjunta e da Reabilitação (vide fotos 86-88).

Foto 86 - Jornadas de Educação Inclusiva da esquerda para a direita: Henriques Fernandes (Gov. Civil Coimbra), Fernando Carvalho (presidente da CM Lousã) e Idália Serrão (Secretária de Estado Adjunta e da Reabilitação), 2006

Foto 87 - Jornadas de Educação Inclusiva da esquerda para a direita: Ana Bénard e Emília Santos, 2006

Foto 88 - Jornadas de Educação Inclusiva Jorge Santos, 1.º director pedagógico da Arcil, 2006

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Um pouco antes, em Janeiro de 2006, avançou o projecto de implementação e desenvolvimento de um serviço de medicina física e reabilitação da ARCILSAÚDE no Centro de Ssaúde de Eiras-Coimbra, tendo a ARS solicitado resposta da ARCIL relativamente a assumir a gestão global do serviço em questão. Posteriormente o projeto foi encaminhado para o respetivo Ministério e parou, por alteração de propósitos da ARS em relação ao equipamento. Com o IEFP continuaram as parcerias no campo das Ajudas Técnicas, com regulares subsídios do Estado atribuídos para esse fim. Sobre esta matéria, em Março de 2006, a instituição fez-se representar, em Barcelona, numa reunião preparada pela Handicap & Libertés, onde se recolheram informações sobre o Projecto Mamed, tendo em vista as Ajudas Técnicas, designadamente as possibilidades de financiamento a que a ARCIL poderia concorrer e qual a forma de o colocar em prática e de forma sustentável. Mais tarde, em Janeiro de 2008, deu-se início à 1ª fase do Projecto Trama: em parceria com a Handicap & Libertés arrancou o processo de recuperação de ajudas técnicas.

A PROVEDORIA MUNICIPAL DAS PESSOAS COM INCAPACIDADE DA LOUSÃ A Provedoria Municipal das Pessoas com Incapacidade da Lousã, foi criada a 02 de Dezembro de 2003, data em que a Câmara Municipal, através do seu executivo, aprovou por unanimidade a proposta da ARCIL para designar como Provedor Municipal das Pessoas com Deficiência o Prof. José Ernesto Carvalhinho Paiva. Contudo, só a 03 de Dezembro de 2005 se inaugurou o espaço físico onde veio a funcionar - o rés-do-chão do imóvel sito na Praça da Igreja em instalações cedidas pela autarquia junto aos serviços sociais do município integrando as comemorações do Dia Internacional das Pessoas com Deficiência. Surgiu como um processo natural para dar continuidade aos esforços desenvolvidos, num ano especialmente dedicado a dar voz às pessoas com deficiência, o “Ano Europeu das Pessoas com Deficiência”. Apoiou-se numa equipa de técnicos especializados de várias áreas que participaram, parcialmente, a tiCAPÍTULO 6 – A ARCIL no séc. XXI: a continuidade da obra e os novos desafios

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tulo gracioso, tendo em José Ernesto Carvalhinho a sua grande figura, homem experimentado, com conhecimento de causa e proximidade, colhidos nos mais de 20 anos de ligação à ARCIL. O objectivo primordial que presidiu à criação da Provedoria foi a promoção dos direitos das pessoas com incapacidade do município da Lousã, potenciando a visibilidade destas pessoas, dando-lhes voz, tentando ao mesmo tempo encontrar soluções para os problemas que enfrentavam no seu quotidiano. A assumpção deste compromisso implicou desde logo uma grande responsabilidade, para a qual se exigia independência do poder político, que deste modo permitisse liberdade e autonomia para levar a cabo as diferentes acções e iniciativas consideradas necessárias. Assim foi ao longo de 7 anos, com balanço francamente positivo, assente num imenso esforço conjunto, em que se mobilizaram vontades para a resolução dos problemas identificados, alertando e envolvendo os actores locais, potenciando a responsabilidade de todos para fazer da Lousã uma vila acessível. O trabalho desenvolvido foi de largo espectro: seminários, congressos (sendo de destacar o 1º Congresso Internacional de Turismo Acessível em 2007), encontros, acções de formação e sensibilização, protocolos, parcerias, apoio técnico no âmbito das acessibilidades, levantamento de necessidades, pedidos de informações/pareceres, e projectos inovadores como a criação do Selo “Lousã-Acessível”, ou “Lousã Destino de Turismo Acessível”. Um trabalho conseguido com uma equipa voluntária, que envolveu peritos em diversas áreas para memória futura! Em 2011 a Provedoria foi reactivada, tendo actualmente como Provedor Municipal, João Henriques, antigo assessor do prof. Ernesto Carvalhinho.

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De 18 a 21 de Julho de 2007, decorreu na Lousã organizado pela Provedoria em pareceria com a ARCIL, CML e HANIMA (Associação Francesa) o Workshop – Partilhar Sensações: acção de sensibilização dirigida a prestadores de serviços turísticos e /ou empresas de animação turística, na área das actividades de animação/desporto adaptado. Uma iniciativa oportuna, na medida em que na época estava em discussão a aposta da instituição no turismo. Do programa constaram demonstrações de várias actividades, tais como parapente (vide fotos 89 e 90) e todo o terreno, destinadas a pessoas com mobilidade reduzida.

Foto 89 - Demonstração de parapente organizado pela Provedoria Municipal das Pessoas com Incapacidade da Lousã no âmbito do projecto “Lousã Destino Turismo Acessível”, 2007 da esquerda para a direita: José Gaspar, António Vinagre e Alcindo Quaresma

Foto 90 - Demonstração de parapente

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Alguns acordos foram revistos e assinados com a Segurança Social. A instituição foi assegurando o funcionamento de vários ATL’s por acordos de cooperação estabelecidos com o CDSSC: a 1 de Janeiro de 2008 assinaram-se de acordos de ATL para Freixo e Foz de Arouce, embora com algumas críticas uma vez que a assinatura foi feita sem informação prévia da redução no financiamento em relação aos anos anteriores, algo que estava a suceder na maioria dos acordos de ATL’s. Aliás, neste início de ano o clima era de evidente crispação com a Segurança Social dirigida, a nível regional, por Mário Ruivo, antigo presidente da Associação de Desenvolvimento Local. Numa altura em que decorria o pedido de alargamento para 5 utentes na valência CAO e SAD e na sequência de reunião com técnicos da SS do Núcleo de Cooperação de Respostas Sociais, o presidente lamentaria nessa ocasião «…a forma como as Instituições têm vindo a ser tratadas, especificamente na falta de conhecimento prévio de Acordos de ATL, não assinando os Acordo no momento, para serem remetidos previamente à consideração da Direcção da ARCIL». Mais acrescentaria, no decorrer da reunião de direcção que «… a sua preocupação com os cortes efectuados nesta valência, sem prévia comunicação por parte da Segurança Social, assinando os acordos em questão, mas registando o seu desagrado pela forma como este processo tem decorrido»420. Em Julho de 2008 deu-se início às diligências para junção dos ATL de Foz de Arouce e Fontainhas (este último estava nas mãos da ARCIL desde 2006) no mesmo equipamento para rentabilização de recursos. Em Setembro de 2009 aprovou-se a adesão ao Projecto europeu SAGRA - Social Agricultural Application em parceria com uma associação italiana. Em Junho de 2010 a ARCIL delegou em Henrique Mendes a representação na Comissão Instaladora da Agência de Inovação Social: organismo surgido da iniciativa da UC e Centro de Cultura Portuguesa, designada Roteiro de Solidariedade,

ADA – Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 2008, Acta n.º 7, 06/03/2008

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Ciência e Artes, destinado a criar produtos e serviços que melhorem a qualidade de vida e a inclusão dos cidadãos com deficiência e/ou com incapacidade. E, em Setembro formalizaria a adesão à ADXTUR – rede de Aldeias do Xisto – beneficiando de Serviços de Apoio como Candidaturas, Publicidade e Marketing Animação e Formação. Em Fevereiro de 2011 o Agrupamento de Escolas da Lousã apresentou proposta para criação da Unidade de Apoio Especializado para a Educação de Alunos com Multideficiência (2º e 3º CEB), solicitando que a ARCIL calculasse as comparticipações relativas aos custos de transportes de 5 alunos apoiados no circuito escola-unidade (participação da instituição). Com a entrada em vigor do Decreto-lei nº 281/2009, foi criado o SNIPI – Sistema Nacional de Intervenção Precoce na Infância, o que implicou a alteração do modelo de funcionamento e a retirada da ARCIL da estrutura de apoio direto a bébes e crianças até aos 6 anos e suas famílias, que passou a ser assumida pelas Equipas Locais de Intervenção – ELI, coordenadas pela ANIP – Associação Nacional de Intervenção Precoce.

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O TESTEMUNHO DE JOÃO HENRIQUES, PROVEDOR MUNICIPAL DAS PESSOAS COM INCAPACIDADE DA LOUSÃ Em meado dos anos 80 do séc. XX, João Henriques sofreu um acidente de viação e ficou tetraplégico. Procurou a ARCIL para a reabilitação e ali obteve um curso de formação profissional na área da informática, desenvolvendo também aptidões em termos de dactilografia e secretariado. A importância da ARCIL na sua vida é, como seria de esperar, de grande relevância: «A ARCIL significa ter qualidade de vida, dar conforto, no fundo ter um suporte para pessoas com deficiência. Há pessoas que não têm família, outros que têm família mas não podem ser acolhidos. Acolhe cidadãos com necessidades especiais e faz a sua inclusão na sociedade» João Henriques teve uma das primeiras cadeiras eléctricas em Portugal que obteve por intermédio da ARCIL: «Precisava de uma cadeira eléctrica para poder sair de casa, ir ao cinema, beber um café, para me poder deslocar. Pedi ao prof. Carvalhinho uma cadeira eléctrica, quando na altura e para muitos, a cadeira eléctrica era a americana, utilizada para outros fins. Contactaram-se, então, instituições holandesas, que enviaram uma em segunda mão. Através dessa cadeira consegui sair de casa, fazer uma vida normal. Mais tarde, outras pessoas da ARCIL passaram a ter este equipamento». João Henriques assessorou o Prof. Ernesto Carvalhinho na Provedoria, durante 7 anos: «fomos buscar os melhores técnicos que existiam para aconselhar e orientar. Tínhamos como objectivo fazer da Lousã um destino de eleição, da serra ao rio. As praias fluviais passaram a ser acessíveis, na serra abriu-se a loja do xisto, completamente acessível. Lançámos também o selo Lousã-Acessível, pois havia que identificar os estabelecimentos que tivessem as condições mínimas de acessibilidade, baseado nas normas existentes. Marcámos uma diferença pela positiva». Entre os projectos dinamizados assinala o Lousã Turismo Acessível, relembrando, em particular, a «parceria perfeita ARCIL-Provedoria-CML, na elaboração dos estudos e documentos». João Henriques passou a Provedor Municipal das Pessoas com Incapacidade da Lousã a partir de 2011. «Dei continuidade ao trabalho do Carvalhinho», afirmou. [João Henriques entrevistado por João Pinho, 14/11/2013] 406

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1.4. O FORTALECIMENTO DA FORMAÇÃO, INTEGRAÇÃO E EMPREGABILIDADE

A ARCIL, nos princípios de 2001 e por despacho do INOFOR, foi acreditada como entidade de formação profissional, por um período de 3 anos, nos domínios de intervenção; Planeamento, Concepção, Organização e Promoção, Desenvolvimento/Execução. Em Abril e ao abrigo do Programa Constelação seria aprovada a candidatura no âmbito da Formação Profissional para pessoas com deficiência para o período Janeiro-Dezembro 2001. No mesmo mês, a ARCIL seria creditada como Centro de Recursos Local dos Centros de Emprego da Lousã e de Arganil, ao abrigo da medida “Integrar pelos Centros de Emprego”. A credenciação foi conferida pelo IEFP e a ARCIL funcionou como suporte técnico para as questões de reabilitação. Na instituição, os estágios curriculares sempre foram bem recebidos desde que existisse uma compatibilidade nos interesses dos intervenientes (desde que viesse acrescentar algo, sendo regra não receber estagiários por receber). Os estágios curriculares, de nível superior, permitiram a continuidade do trabalho realizado há anos na instituição como incubadora de futuros técnicos. Para além das áreas tradicionais, como Psicologia ou Serviço Social, foram-se diversificando a outros graus académicos e domínios tais como: Informática, Fisioterapia, Terapia da Fala, Design e Multimédia, Contabilidade, Gestão, Técnica Administrativa e Jardinagem (a partir de Maio de 2011 os estágios curriculares passaram a ser realizados de acordo com regulamento próprio elaborado por Rui Ramos). Em Maio de 2001 seria lançado o primeiro Programa Ocupacional, autorizado pelo IEFP para admissão de 2 desempregados por um período de 9 meses, exercendo funções de motoristas. A ARCIL cimentaria a sua posição enquanto Centro de Emprego Protegido, que o IEFP apoiava e comparticipava em encargos com pessoal, manutenção e conservação de equipamentos e estruturas. Nesta altura, eram áreas de CEP na instituição: a ARCILMADEIRAS, ORCA, ARCILCARD, ARCILCERÂMICA, AGRO, Serviços Gerais e Saúde, as quais existiam para proporcionar às pessoas com deficiência uma formação integral e promover a sua valorização pessoal através de um trabalho remunerado. CAPÍTULO 6 – A ARCIL no séc. XXI: a continuidade da obra e os novos desafios

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Foi com agradável satisfação que a ARCIL tomaria conhecimento da publicação do DL nº 29/2001, de 3/2 que veio estabelecer o sistema de quotas de emprego para pessoas com deficiência, com um grau de incapacidade funcional igual ou superior a 60% em todos os serviços e organismos da administração local, central e regiões autónomas. Entre Maio de 2002 e Fevereiro de 2004 a instituição participou no Projecto MOLIS (Modelo de Intervenção Local de Integração Social de Pessoas com Deficiência), de que foi promotora a Cercifafe. A equipa de formação profissional da ARCIL teve a seu cargo 3 das 11 acções previstas: Estudo de Formandos Colocados; Estudo de Satisfação dos Beneficiários; Formação dos Profissionais de Reabilitação. Em Abril seria aprovado o Plano de Formação. Por outro lado, manteve-se uma antiga prática de participação em eventos internacionais: de 30/09 a 1/10/2004 participaram, em França, nas Jornadas Europeias sobre Inserção Social e Profissional, promovidas pela associação “Les Ateliers de la Collogne” de Marvejols, antigo parceiro da ARCIL. A integração da pessoa com incapacidade foi o denominador comum a todas as direcções que presidiram à ARCIL. Fruto de anos de trabalho e sensibilização da comunidade para as capacidades (dificuldades), os diversos governos despertaram finalmente para o problema. Em Dezembro de 2005 o governo expressava publicamente o desejo em integrar, anunciando que em Janeiro iria ser apresentado o Plano Nacional para a Inclusão das pessoas com deficiência (PAIPDI). Plano de 3 anos visando «…garantir a igualdade de oportunidades, apostar na educação e formação, emprego e no acesso a serviços e equipamentos de apoio, além de estimular a investigação»421. José Vieira da Silva, ministro do Trabalho e da Solidariedade Social também anunciou estar concluído o plano sobre acessibilidades das pessoas com deficiência, para tornar edifícios mais acessíveis. A 01/02/2006 o I Plano de Acção para a Integração de Pessoas com Deficiência ou Incapacidade (2006-2009) seria apresentado pelo Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social, prevendo a criação de 400 estágios para pessoas com deficiência e meta de inserção no mercado de trabalho de 50%. «Governo quer integrar deficientes» In Público, 04/12/2005

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O dito plano seria apresentado em Coimbra pela Secretária de Estado Adjunta e da Reabilitação Idália Moniz: «O Governo vai celebrar protocolos com 20 empresas nacionais para a contratação de pessoas com deficiências ou incapacidade, no âmbito da responsabilidade social das empresas. «Juntamente com esta medida, o Estado pretende promover (até 2008) a reabilitação profissional de 800 trabalhadores que devido a acidentes de trabalho ficaram com uma deficiência e não estão no activo»422. Sobre este assunto, a ARCIL deliberaria diligenciar para a continuidade dos projectos previstos e enquadráveis no mesmo. Em Novembro de 2008 avançou a candidatura à medida 3.2 do POPH – Programa Operacional Potencial Humano - Formação para a Inovação e Gestão visando a realização de 14 acções de formação interna em 2009 para colaboradores. A candidatura ao POPH – Formação Profissional seria aprovada para 2010. A partir de Outubro de 2009, e no âmbito do Mercado Social de Emprego, submeteram-se candidaturas ao programa Contrato Emprego Inserção (CEI e CEI+, medida que veio substituir os antigos POC) para as áreas de lavandaria, lavagem de viaturas e manutenção. Nos princípios de 2010, o CEP viveu momentos de sobressalto, derivado dos problemas decorrentes do novo regime de emprego protegido definido no DL 290/2009. Este estava em fase final de regulamentação, trazendo alterações de fundo e colocando em causa 11 CEP a nível nacional. A nova lei definia um prazo de 5 anos para o fim do subsídio do Estado aos postos de trabalho de pessoas com deficiência. A ARCIL tinha um dos maiores CEP do país mas a nova legislação lançava apreensão: «…não é nada favorável aos legítimos interesses do CEP da ARCIL, dado que prevê, a curto prazo (cinco anos), deixar de financiar a retribuição dos nossos trabalhadores do CEP. A ARCIL é obrigada a pagar, no mínimo, o salário mínimo nacional»423. «Criados 400 estágios para pessoas com deficiência» In As Beiras, 14/03/2006, p. 2 ADA – Idem. Acta n.º 51, 30/02/2010, fl. 24v.

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De facto e no caso da ARCIL colocava em causa 69 pessoas e das duas, uma: ou ARCIL pagava os ordenados por inteiro ou ficavam desempregadas. A extinção destes postos obrigaria a ARCIL a pagar os direitos dos trabalhadores, uns em funções há mais de 20 anos agravando as dificuldades financeiras. Como na comunicação social se chegou a escrever «que o Centro da ARCIL estava para fechar», o PAG (João Graça) e coordenador do programa Emprego Protegido explicariam conjuntamente, em Assembleia Geral, algumas disposições do DL N.º 290/2009 de 12/10 que aprovou o «…programa de emprego e apoio à qualificação das pessoas com deficiência e incapacidade e as suas consequências a prazo para a ARCIL, nomeadamente, o corte dos apoios financeiros à retribuição dos trabalhadores do CEP daqui a cinco anos ou talvez dez anos, dificuldades na inclusão de pessoas com deficiência nas empresas e a possibilidade de as entidades empregadoras serem obrigadas ao pagamento de avultadas indemnizações perante a hipotética cessação dos contratos de trabalho»424. João Graça «sossegou a Assembleia, quanto à continuidade do programa e fez referência às diligências que a ARCIL está a efectuar com outras instituições, com vista a alterar a legislação em vigor». A confiança que então se depositou na alteração do DL seria justificada algum tempo depois. De facto, a 14 de Abril de 2011 a direcção congratulava-se com a aprovação das alterações ao DL 290/2009, que contemplavam as reivindicações das instituições com efeitos para OE 2012. Um feito conseguido pela Comissão dos CEP’S do país «…por forma a que o Emprego Protegido continue a desempenhar a sua função no nosso Sistema de Reabilitação»425. Foi uma vitória nacional, de um movimento liderado pelo CECD de Mira Sintra, ELO SOCIAL e ARCIL, graças ao facto de haver forte coesão entre as diversas entidades. Um marco na luta dos direitos das pessoas com incapacidade, tendo desempenhado papel preponderante José Ernesto Carvalhinho, que a pedido de vários CEP, inclusive da ARCIL, foi consultor e estratega do movimento. Em Maio de 2010 foi aprovada pelo IEFP a candidatura IAOP/2010, anteriormente indeferida, para financiamento no âmbito do Programa de Qualificação das Pessoas com Deficiência e Incapacidade. Idem. Acta n.º 52, 21/04/2010, fl. 32 ADA – Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 2011, Acta n.º 14, 14/04/2011

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Em Dezembro de 2010 e no âmbito do POPH – Tipologia 6.2 – Qualificação das Pessoas com Deficiência e Incapacidades – a ARCIL expandiu a sua oferta formativa: aquisição de serviços de formação para a área de cabeleireiro (Curso de Cabeleireira de Senhora) adjudicado a BELALBI – Formação e Serviços Ldª e, para área de mecânica, adjudicando ao formador António Amorete Ruivo. UM CASO DE SUCESSO: ANTÓNIO VINAGRE António Vinagre é um conhecido comerciante da Lousã, da área dos electrodomésticos. O infortúnio bateu-lhe à porta em 1979, quando um acidente de viação o levou, como tantos, a procurar a ARCIL para tentar reabilitar-se. Contudo, a sua história é a da afirmação como empreendedor apesar das limitações: «Sempre gostei de comércio. Antes de ter o acidente já trabalhava por minha conta. Com 18 anos era electricista e canalizador. Sempre gostei de gerir as coisas à minha maneira e logo depois do acidente comecei a vender relógios e auto-rádios. A dada altura o prof. Carvalhinho propõe-lhe uma formação e sugere a sua integração no Anexo para trabalhar. Um momento chave para António Vinagre: «Ele estar-me a falar de trabalho quando eu tinha tido um acidente tão grave…», refere. E no Anexo se manteve feliz com a possibilidade de reabilitar em contexto de trabalho mas insatisfeito por não ter um negócio próprio: «Falei com o Carvalhinho e pedi-lhe para sair e ele deu-me todo o apoio. Fui crescendo como comerciante: em primeiro, tive uma pequena loja, com 12 m2; com o aparecimento das lojas dos chineses, tive de os acompanhar e partir para outra situação, abrindo um espaço com 50 m2 onde comecei a trabalhar mais com os electrodomésticos. Posteriormente, um fornecedor meu abriu uma cadeia de lojas, fiz-me associado da Tien 21, permitindo a expansão para esta loja, onde estamos, com 200 m2» Este caso de sucesso encerra, na própria opinião de António Vinagre, um certo mstério: «Tive o azar ou sorte de ter o acidente. Por vezes há males que vêm por bem: arranjei uma namorada, casei com ela, construí uma vivenda, tivemos uma filha…é difícil traduzir em palavras…sou uma pessoa realizada. Às vezes vejo colegas meus que nunca tiveram acidente e parecem uns infelizes que andam aí…». [António Vinagre entrevistado por João Pinho, 12/11/2013] CAPÍTULO 6 – A ARCIL no séc. XXI: a continuidade da obra e os novos desafios

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1.5. OS SECTORES: AVANÇOS E RECUOS

Em Janeiro de 2001 a ARCILVERDE vivia momentos de crescimento e expectativa, com a aprovação da candidatura à medida “Empresa de Inserção”, apresentada ao Centro de Emprego da Lousã, visando o alargamento das actividades da ARCILVERDE, através da qual foram criados 5 postos de trabalho para ex-utentes da Formação Profissional e ex-formandas do curso de jardinagem. A ARCILVERDE, dedicada à jardinagem, juntamente com a ARCILAV, dedicada à lavandaria, foram as empresas de inserção criadas pela instituição em 2000/2001, permitindo a criação de postos de trabalho para pessoas portadoras de deficiência e pessoas desempregadas de longa duração e ou em situação de desfavorecimento. Estas estruturas produtivas prestam serviços quer à Instituição, quer à comunidade envolvente e podem funcionar como espaços de formação, de ocupação e de emprego. Esta simultaneidade de respostas constitui-se numa característica diferenciadora da intervenção da ARCIL, desde há longos anos, uma vez que não condiciona a resposta aos espaços específicos mas sim às características e necessidades individuiais de cada utente. Sobre a ARCILSERRA seria colocada a hipótese, em Maio de 2001, pelo Vogal Paulo Pinho, de investimento em actividades de desporto e aventura relacionadas com a montanha. No entanto, a direcção acabou por não participar como investidor, dado não possuir «vocação para este tipo de actividades» e a mesma estar «fora do seu âmbito estatutário e com alguns riscos associados». Para a Quinta do Caimão – ARCILAGRO – esteve prevista a construção de «um equipamento social denominado “Centro Comunitário” destinado a apoiar pessoas com deficiência mental profunda e grave, a construir em terrenos da Quinta do Caimão». Surgiu na sequência da candidatura à medida 5.6 - Desenvolver a Rede de Equipamentos de Promoção ao Desenvolvimento Social, no âmbito do Eixo 5 do Programa Operacional Emprego, Formação e Desenvolvimento Social426. Em Junho chegou a rubricar-se acordo de cooperação

Idem. Acta n.º 218, 19/06/2001

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entre ARCIL, CML e Sub-Região de Saúde de Coimbra tendo como objectivo a construção daquele espaço que funcionaria como lar e centro de dia. Para o mesmo sector, avançou em Fevereiro de 2004, o projecto «para reconversão da cultura do tabaco», que foi apresentado à DRABL. O fim do apoio da Tabaqueira na região, a fraca produção de tabaco devido à escassez de água, e a necessidade de aumentar a produção de hortícolas para melhorar o auto abastecimento da instituição aliadas à luta contra o tabagismo na Europa, levaram a que ARCIL tomasse a decisão de aderir ao programa de resgaste de quotas e, por sua vez, à reconversão da cultura do tabaco em outras culturas, nomeadamente o cultivo de hortícolas quer ao ar livre, quer em estufa. Com este projecto pretendeu-se aumentar a área de hortícolas, através da afectação do terreno ocupado com a cultura do tabaco à produção de hortícolas e, com a aquisição de 2 estufas, possibilitar o aumento da área coberta. Grandes transformações seriam trazidas pelo ano de 2008. Em Fevereiro seria aprovado um acordo com a empresa ARBORLUSITANIA, que tendo como pano de fundo o desenvolvimento da Quinta do Caimão estabeleceu: «…a colocação de uma equipa de recursos humanos da ARCIL ao dispor da empresa em questão (…) assim como o arrendamento dos espaços centrais da Quinta do Caimão. Considerando os prejuízos que a Quinta tem vindo a apresentar, o elevado valor dos encargos fixos com pessoal, o valor reduzido da exploração agrícola, a reduzida vocação comercial da Unidade e o potencial de empregabilidade e transferência de know-how que a empresa ARBORLUSITANIA representa, propõe concretamente arrendar por um período de 6 anos o espaço estimado de 6 hectares, com retorno da empresa assegurar a gestão agrícola de todo o espaço que a ARCIL explora e efectuar um contrato de prestação de serviços de 5 trabalhadores do CEP, por idêntico período de tempo»427. O arrendamento de algumas parcelas de terreno na Quinta do Caimão, à empresa ARBORLUSITANIA com a contrapartida de pagarem à ARCIL a

ADA – Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 2008, Acta n.º 4, 06/02/2008

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prestação de trabalho de cinco trabalhadores do CEPARCIL, seria celebrado em Abril de 2009428. No entanto, em princípios de 2010 e pese todos os esforços em dinamizar a Quinta do Caimão, o prof. António Bandeira (membro do Conselho Fiscal) classificaria o estado da quinta como «confrangedor». Em AG assinalou que a quinta necessita de uma intervenção para melhorar a qualidade do trabalho prestado, propondo aquisição de maquinaria, «estufas operacionais, o que implica ausência de produção»429, bem como melhorar o sector dos animais. A intervenção deste membro da direcção seria escutada e levada a sério, na medida em que no mês de Maio de 2011 a direcção decide pela afectação a tempo parcial do colaborador José Gaspar à ARCILAGRO para «…concretização de ideias para uma intervenção na Quinta do Caimão, em articulação com o Projecto Lousã Destino de Turismo Acessível»430. Apesar destas medidas a quinta permaneceu sem dinâmica. Em Outubro e após reunião com vários colaboradores para discussão do ponto da situação deliberou-se tomar um conjunto de medidas: suspender a criação e abate de porcos, frangos e vacas; definir culturas para sustentabilidade e ocupação de recursos; estudar e definir projecto, polivalente; rever contrato com ARBORLUSITANIA, iniciar recrutamento interno para tractorista; e melhorar imagem da quinta431. Em 2014 terminou, por vontade da direcção, a relação contratual com esta empresa. Localizada a poucos quilómetros da Vila da Lousã, a ARCILAGRO está vocacionada para a produção agrícola, sobretudo para consumo interno e alguma produção pecuária de frango do campo e caprinos, em especial para venda. As actividades agrícolas estão essencialmente relacionadas com o cultivo de hortícolas, em estufa e ao ar livre, de forragens e de frutos. A nível de pecuária, são produzidos animais de pequeno, médio e de grande porte.

ADA – Livro de Actas da Assembleia Geral da ARCIL, 2007-2011, Acta n.º 50, 22/04/2009, fl. 20 Idem. Acta n.º 51, 30/02/2010, fl. 25v. 430 ADA – Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 2011, 02/05/2011 431 Idem. Acta n.º 46, 04/10/2011 428 429

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Em Julho de 2012 abriu-se uma nova oportunidade para a Quinta do Caimão. O programa EDP Solidária premiou um projecto da ARCIL intitulado “Coisas da Quinta”, sendo selecionado entre 1125 candidaturas e contemplada com 30.000 euros. Tratou-se de um projecto que previa: «…a requalificação dos vários espaços da Quinta do Caimão, situada em Vilarinho, desde os balneários às instalações sanitárias, passando pelo refeitório, sala multi-usos e cozinha antiga»432. Como objectivo maior: ocupar adultos com deficiência nos dias em que chover ou esteja muito calor, em actividades no interior. O projecto arrancou em Setembro de 2012 estando as obras concluídas. A ARCILSAÚDE tornou-se um serviço de excelência prestado pela instituição. O volume crescente de utentes obrigou, em meados de 2001, a obras de adaptação que resolveram a situação durante alguns anos. Porém, em Junho de 2006, e perante a lista de espera aos Serviços de Fisioterapia, levou a direcção a concordar com proposta de Paulo Pinho «…concentração de todo este serviço num só espaço físico»433. Em Julho de 2009 a direcção aprovou a criação da Consulta Externa de Psicologia Clinica dado o aumento de solicitações, propondo o mesmo regime para o Serviço Externo de consultas da Terapia da Fala. Entretanto, esta consulta foi alargada à Terapia Ocupacional e Apoio Pedagógico. A 15/11/2011 e por informação do Dep. da Reabilitação seria apresentado à direcção a «… necessidade de prestação de apoios a particulares nomeadamente no que diz respeito à Hidroterapia e Hipoterapia». Em resposta, a direcção relembra que no primeiro caso a sua criação estava decidida em informação anexa da ARCILSAÙDE/2011 sob a designação «criação de pólo de serviços diferenciados», enquanto sobre a Hipoterapia solicita-se que o departamento «… avalie a possibilidade de englobar no referido pólo de serviços diferenciados»434.

«EDP Solidária premiou “Coisas da Quinta” da ARCIL» In Diário de Coimbra, 05/07/2012 ADA – Livro de Actas da direcção da ARCIL, 2006, Acta n.º 10, 07/06/2006 434 ADA – Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 2011, Acta n.º 56 15/11/2011 432 433

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Em ambos os casos a criação do dito pólo estava destinado à população infanto-juvenil e, no tocante à hidroterapia, com resposta prestada no espaço CEO. Em Dezembro de 2011 reforçou as consultas de dentista, com a particularidade de atendimento ao domicílio para pessoas acamadas e trabalho com a população escolar através do cheque dentista. A ARCIL chegou a ter uma candidatura aprovada pelo PRODER em Dezembro de 2011, tendo em vista a implementação da Hipoterapia com a designação HIPOARCIL, vindo a prescindir da sua execução por dificuldades económicas. Em Setembro de 2001 e na ARCILCERÂMICA decorriam as obras da 2ª fase. Esta unidade também funciona como área de formação, ocupação e emprego para pessoas com dificuldades de integração. Na verdade, e em primeiro lugar, está sempre a resposta às necessidades das pessoas com deficiência, razão da sua criação. Contudo, e em simultâneo, a unidade afirmou-se na produção de artefactos decorativos e utilitários cerâmicos, sendo os trabalhos adaptados às capacidades dos utentes, executados individualmente e à mão. As pequenas variações na peça, na cor e na tonalidade, são garantia de uma peça produzida artesanalmente. A produção está ajustada não só às capacidades internas mas também aos mercados de comercialização. A 15 de Março de 2012 foi inaugurada junto ao espaço de produção a Loja ARCILCERÂMICA. Contudo, a excelência e originalidade das produções ceramistas têm sido reconhecidas ao longo do tempo: em 2013, por exemplo, a ARCILCERÂMICA colaborou na execução do tríptico evocativo dos 500 anos da atribuição de foral manuelino à Lousã elaborado pela artista plástica Ana Marta Pereira 435. Na área da ARCILSERRA foi celebrado a 13/03/2003 um protocolo entre a ARCIL, a Câmara Municipal e a Empresa EMPOI S.A., que tinha como intenções desenvolver várias actividades nas aldeias da Silveira, e onde foram colocadas grandes expectativas uma vez que se previa a construção de

Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 2013, Acta nº 14, 06/05/2013, p.1

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infraestruturas de apoio ao turismo, com recuperação das casas das Silveiras ou construção de uma pista de neve artificial. Porém a situação cairia num impasse. Em Outubro de 2005 seria analisada a questão do Casal da Silveira em reunião na CML, tendo a ARCIL denunciado a 19/10/2005 o protocolo assinado com a EMPOI, para exploração turística do espaço, dada a impossibilidade de execução do mesmo por alterações às condições referentes ao seu objecto. No entanto, a EMPOI não concordaria com a denúncia do protocolo, comunicando o facto em ofício de 21/10. A situação tornar-se-ia melindrosa na medida em que as informações recebidas da CML «…referem actos preparatórios da expropriação por parte desta Entidade (…) ponto de partida para a criação de empresa e transferência para a mesma do aludido património». Por outro lado, a EMPOI insistia que «…nada está atrasado, e não pode ser imputado atraso algum quer à ARCIL quer à CML pois não foram estabelecidos prazos para a expropriação nem para a transferências das propriedades para a empresa em constituição»436. Perante os factos o CG delibera contactar a CML. Sem solução à vista, a ARCIL decide contactar, em Junho de 2006, um especialista em expropriações, e elucidar Câmara Municipal da Lousã sobre a nova iniciativa, insistindo na expropriação dos terrenos e agendando reunião com a EMPOI para discussão da eficácia do acordo assinado. Em Novembro de 2008 surgiram problemas com alguns terrenos na Silveira, motivando o envio de minuta á Comissão dos Baldios da Freguesia de Vilarinho «…no âmbito do processo de demarcação de limites territoriais da Silveira, que aponta no sentido de se informar a Comissão dos Baldios da necessidade de retirada de marcos que foram impropriamente colocados em terrenos de que a ARCIL é proprietária»437. A colocação de tais marcos seria negada pelo Conselho Directivo dos Baldios em Janeiro de 2009. Para o Projecto ARCILSERRA, mantêm-se em aberto várias hipóteses de trabalho mantendo como objectivo a recuperação de duas aldeias serranas ADA – Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 2005, Acta n.º 17, 12/10/2005 ADA - Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 2008, Acta n.º 28, 12/11/2008

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Silveira de Cima e Silveira de Baixo, e enquadrado no movimento ecológico generalizado de aproveitamento de recursos naturais com potencialidades turísticas. A ARCILMADEIRAS, unidade que engloba a Serração e a Carpintaria, foi objecto de grandes transformações. A 08 de Março de 2004, a CML aprovou a concessão da propriedade plena do terreno de que ARCIL era detentora do direito de superfície, e onde tinha implantada a sua serração, na Urbanização de Santa Rita. Na sequência de reunião com o Presidente da autarquia lousanense acordou-se, em Setembro de 2005, na transferência da ARCILMADEIRAS para a zona industrial do Padrão, algo que nunca se veio a concretizar. Esta estrutura terá sido aquela que dentro do universo ARCIL maiores impactos sofreu decorrentes da conjuntura nacional. Em Fevereiro de 2008, Paulo Pinho apresentou detalhada informação descrevendo as dificuldades do sector: «devido a graves dificuldades de abastecimento de madeira e os preços de mercado têm sofrido aumentos muito significativos, facto que associado a problemas de ordem financeira do nosso principal fornecedor – Empresa Poiarense Madeiras – estão a gerar preocupação em relação a este negócio». No seguimento, propôs quatro medidas aprovadas pela direcção: a) Redução da dependência de madeira serrada b) Utilização de MDF e outros nos tampos das paletes 438. c) Aquisição de estufa com recursos a financiamento bancário d) Investigar o recurso a outros materiais que possam ser utilizados na produção de paletes com atenuação dos custos de produção. A situação difícil deste sector sucedia numa altura particularmente sensível: em plena luta para a edificação de novas instalações industriais e construção de um equipamento – Centro de Estimulação Ocupacional ou CEO – para qualificar a resposta de apoio diurno a pessoas com deficiência grave e profunda,

ADA – Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 2008, Acta n.º 4, 06/02/2008

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naquele terreno, com apoio financeiro do PARES – Programa de Alargamento da Rede de Equipamentos Sociais. Em Fevereiro de 2008 estava concluído o processo de doação, pela CML em favor da ARCIL, do terreno da serração, tornando-se esta proprietária daquele prédio urbano. No entanto, havia a necessidade de alterar o alvará de loteamento, onde se situava o dito prédio, considerando que o mesmo tinha natureza industrial na sua constituição – tendo-se elaborado um pedido para esse fim com assinaturas de colaboradores da ARCIL. No seguimento, a ARCIL apresentaria à autarquia um projecto de loteamento que necessitava da declaração de concordância de pelo menos 51 % dos proprietários. Contudo, em Abril de 2008 tomou-se conhecimento que 43 das autorizações escritas de proprietários de fracções e/ou lotes constantes do alvará de loteamento 01/94 se encontravam incompletas. Para a regularização dos 282 proprietários precisavam-se de 142 autorizações conformes. A demora neste processo administrativo chegou a implicar a continuidade do Programa PARES, tendo-se solicitando com urgência a correcção da situação439. A 15/09/2008 a CML aprovaria a alteração ao alvará 1/94 referente ao Lote nº 43 (até então reservado apenas para instalação de indústria), após consentimento por escrito dos proprietários da maioria dos lotes constantes do referido alvará. Através de novo projecto de loteamento era possível a ampliação do SAPO para Centro de Estimulação Ocupacional Aos poucos foi-se desbloqueando a situação relativa ao pedido de alteração do alvará de loteamento nº 01/94: em Novembro a CML solicitava a entrega do plano de acessibilidades, declaração de apólice de seguro da empresa “Isidoro Correia Silva, Ld.ª”, indicação do prazo de execução das obras de urbanização e indicação do industrial de construção civil responsável pelas obras de execução das infraestruturas; a 13/03/2009 a CML emitia despacho de concordância de emissão do 4º aditamento ao alvará de loteamento nº 1/94.

Idem. Acta n.º 11, 23/04/2008

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Actualmente, a ARCILMADEIRAS é uma estrutura produtiva onde se produzem caixas de madeira, paletes, móveis entre outros. Na ARCILCARD continuou a bom ritmo a produção de cartões, se bem que alguns projectos não tenham corrido da melhor forma. Tal foi o caso dos cartões solicitados pela Fundação Cartão do Idoso, cujo não pagamento e satisfação dos serviços prestados conduziu a um procedimento judicial. A resolução desta complexa situação passaria por subsídio do Min. Trabalho e da Solidariedade Social, no valor de 28.000 euros, atribuído em Junho de 2006, na forma de reequilíbrio financeiro destinado a compensar parcialmente a dívida da Fundação do Cartão do Idoso. Entre Fevereiro e Junho de 2006 a parceria com a Copidata seria revista baseada num business plan onde se perspectivava um novo modelo de negócio e, em Fevereiro de 2008 esta parceria seria profundamente revista, levando a um novo acordo entre as partes e o estabelecimento de uma meta de produção para 3 milhões de cartões. Mas, em Junho do dito ano eram conhecidas as principais dificuldades do sector: «…nomeadamente o decréscimo de produção devido a menor número de encomendas e a desadequação, em termos tecnológicos do equipamento utilizado». Abordada a relação com Copidata foi considerada como urgente o «reposicionamento desta empresa em questões comerciais»440. Em meados de 2010 a parceria com a Copidata e cartões era já reconhecida como inexistente apesar do contrato assumido. A 25 de Outubro de 2011 a direcção deliberaria suspender a produção de cartões na unidade de produção pelos «prejuízos originados pela perda de rentabilidade»441. Uma decisão tomada apenas por um mês e para avaliação da unidade. Porém, não voltou a abrir portas levando à extinção de postos de trabalho e à venda do equipamento de impressão. A título de curiosidade, até essa data, a Arcilcard produziu 25.018.351 cartões. ADA - Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 2008, Acta n.º 16, 04/06/2008 ADA – Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 2011, Acta n.º 53, 25/10/2011

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A estrutura de apoio residencial responde, no início de 2000, a pessoas que frequentam a resposta CAO, CEP, FP e a crianças que frequentam as escolas, algumas das quais apoiadas pelo Programa Integração Escolar. Estas crianças são encaminhadas para apoio residencial na ARCIL por entidades com responsabilidades na matéria da proteção de crianças e jovens em risco. A heterogeneidade dos grupos acarreta dificuldades de organização e gestão de comportamentos e atividades e condiciona o planeamento e o funcionamento. Por outro lado, a capacidade de resposta estava esgotada e havia já um número significativo de residentes que não eram abrangidos pelo Acordo de Cooperação em vigor para a resposta Lar Residencial – durante vários anos a ARCIL apoiou em estrutura residencial 10 crianças e jovens sem financiamento direto. Iniciam-se contactos com a Segurança Social no sentido de avaliar a pertinência de criação de uma nova resposta – Lar de Crianças e Jovens, autónoma e permitindo uma resposta diferenciada a crianças e jovens, a maioria das quais com necessidades educativas especiais. Em 2004, foi assinado o Acordo de Cooperação para a resposta social Lar de Apoio, formalizando o acolhimento de 10 crianças e jovens com necessidades educativas especiais. Em Setembro de 2005 seria colocada a hipótese de contracção de empréstimo que permitisse a aquisição de imóvel capaz de acolher 15 utentes, possibilitando o alargamento do Acordo de Lar de Apoio. No entanto, em Fevereiro de 2006, constatou-se a dificuldade na compra de imóvel com recurso a empréstimo bancário. Esgotadas as iniciativas de redução de valor de compra, providenciou-se para encontrar soluções para instalação de Lar de Apoio. Em 2006, o grupo de crianças e jovens passa a ser acolhido em edifício próprio – Apartamento do Bairro do Penedo, com instalações mais adequadas às necessidades e características das crianças, incluindo espaço exterior e sala de atividades, localizado em zona residencial. Atendendo à necessidade sentida pela ARCIL de alargamento da resposta e à capacidade definidade para o equipamento – 15 pessoas -, é alargado o Acordo de Cooperação de Lar de Apoio para 15 crianças e jovens no início de 2007. O Apartamento do Penedo passa a designar-se “Casa das Cores”. CAPÍTULO 6 – A ARCIL no séc. XXI: a continuidade da obra e os novos desafios

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LAR DE APOIO O Lar de Apoio é uma resposta social desenvolvida em equipamento residencial, destinada a acolher crianças e jovens entre os 6 e os 16/18 anos que, por razões de deficiência ou necessidades educativas especiais, necessitem de frequentar estruturas de apoio específico situadas longe do seu local de residência, ou que, por comprovadas necessidades familiares, necessitem de resposta substitutiva da família. A acção desenvolvida pelo Lar de Apoio fundamenta-se na consagração dos direitos e garantias das crianças/jovens e das famílias. O Lar de Apoio tem como objetivos proporcionar alojamento que se aproxime tanto quanto possível do ambiente familiar, contribuir para a valorização pessoal das crianças e jovens e para o seu desenvolvimento global em colaboração com a família, escolas e outras entidades, garantir os cuidados de saúde necessários, particularmente nos aspetos preventivos e de despiste de situações-problema, e assegurar a possibilidade de participação em atividades de ocupação de tempos livres, de acordo com os seus interesses e potencialidade, preferencialmente em estruturas da comunidade, numa perspetiva de inclusão e participação social (vide fotos 91 e 92).

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Em Maio de 2002, e na sequência de reunião na Segurança Social, o acordo celebrado em 1988 para o funcionamento do Lar de Profundos foi considerado como inválido perante as regras em vigor. Como a ARCIL assinara acordo com a SCML para o seu funcionamento, a direcção reuniria com o Provedor tendo em vista estabelecerem bases de entendimento nas relações das duas Instituições. Assim, e nesta primeira reunião as direcções acordaram em considerar os acordos de 1988 como válidos e em vigor tomando uma posição em relação ao futuro: «A sua alteração (…) deve ter em consideração as características especificas dos apoios prestados a pessoas em situação de grande dependência»442.

Foto 91 - Lar de Apoio, 2013

Foto 92 - Lar de Apoio (utentes), 2013

ADA – Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 2002, Acta n.º 245, 03/07/2002

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A 3/7/2002 ocorreria nova reunião, desta vez na SS, com técnicos e representantes da SCML e ARCIL. Tendo em vista revisão do acordo de 1988 ficou decidido que: «A ARCIL assume a titularidade de um futuro acordo com a Segurança Social e contratará com a Santa Casa o regime de prestação de serviços; A ARCIL e a Santa Casa apresentarão à Segurança Social a demonstração dos seus custos»443. Contudo, este processo arrastou-se no tempo e seria bastante turbulento devido à complexidade que envolvia a celebração dos dois acordos: um para Lar de Apoio a Profundos e outro para Apoio Residencial (Unidades Residenciais). A 07 de Setembro de 2004 e no seguimento de reunião com o Director da SS, Oliveira Alves, a ARCIL tomava conhecimento do ponto de situação: a) Sobre o Lar de Profundos a SS notificara a SCML «…de que denunciará o acordo que tem com aquela Instituição e com a iniciativa que está a desenvolver para alterar o acordo em vigor com a ARCIL». Em resultado destas iniciativas a SCML pediu à ARCIL renda mensal de 7.500 euros, que foram incluídos no projecto que apresentou à SS do qual se aguardava decisão final. b) No que dizia respeito às propostas de acordos para Lar de Apoio e Apoio Residencial e perante as dificuldades das duas instituições, o Director Distrital prometeu aceitar uma parcela da proposta da ARCIL para Lar de Apoio, com pagamento correspondente a 10 utentes, no mês de Dezembro, e seu reforço para 15 utentes no mês Janeiro e nos meses seguintes de 2005. Contudo, estas propostas teriam de ser submetidas a parecer prévio da DG em Lisboa. A falta de decisão, que foi provocando «grandes preocupações à ARCIL»444, seria resolvida nas semanas seguintes com financiamento possível por libertação de fundos de projecto de outra entidade que não iniciou a sua execução. Idem. ADA – Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 2004, Acta n.º 10, 08/09/2004

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Em Maio e aproveitando o Programa Pares - Programa de Alargamento da Rede de Equipamentos Sociais - a ARCIL apresentou duas candidaturas para áreas que procurava dinamizar: Lar Residencial (a instalar num terreno doado no lugar da Gândara, para 12 residentes) e Centro de Actividades Ocupacionais (construção de novas instalações para pessoas com deficiência profunda e grave). Os desafios na área do apoio residencial continuaram, acompanhando as alterações vivenciadas pelos residentes. A intervenção técnica em Lar Residencial, desenvolvida com os residentes com capacidade de aquisição de competências básicas de vida diária, tinha como objetivos a promoção da sua autonomia, desenvolvendo ao máximo as suas potencialidades, com a meta de transição para estruturas com menor necessidade de supervisão. Desde final da década de 90, algumas famílias transitam para apoio residencial em apartamentos familiares integrados no edificado urbano, com supervisão regular, mas vivendo em família e não em contexto institucional. Os resultados são animadores e a capacidade de autodeterminação dos residentes é estimulada; de facto, a opção por viver de forma autónoma passa a ser uma realidade. Estão nesta situação: casais com ou sem filhos, em que ambos os elementos do casal apresentam uma condição de deficiência intelectual, mães com deficiência intelectual com filhos, adultos com deficiência intelectual, solteiros e sem filhos – todos têm em comum a capacidade de viver na sua casa, necessitando de apoio de retaguarda da ARCIL (vide foto 93). Neste contexto surge a possibilidade de criar uma nova resposta social na ARCIL – o Serviço de Apoio Domiciliário (SAD). O Acordo de Cooperação com a Segurança Social é celebrado em 2004, com capacidade para 20 utentes.

Foto 93 - Utentes do Lar Residencial em jogo da selecção nacional de futebol, 2012

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SAD – SERVIÇO DE APOIO DOMICILIÁRIO O SAD é uma reposta social que consiste na prestação de cuidados individualizados e personalizados no domicílio a indivíduos e famílias quando, por doença, deficiência ou outro impedimento, não possam assegurar, temporária ou permanentemente, a satisfação das suas necessidades básicas e/ou as atividades de vida diária. Tem como objetivos principais contribuir para a melhoria da qualidade de vida das pessoas e famílias, prevenir situações de dependência e promover a autonomia, evitando ou retardando a institucionalização. O SAD proporciona um conjunto diversificado de serviços, em função das necessidades das pessoas – cuidados de higiene e conforto pessoal, colaboração na prestação e no acesso a cuidados de saúde, higiene habitacional e tratamento de roupa, confeção de alimentos no domicílio e/ou distribuição de refeições, apoio no acesso a serviços da comunidade adequados à satisfação de outras necessidades, acompanhamento em atividades no exterior, aquisição de bens e serviços e promoção/acompanhamento em atividades de animação. A ARCIL presta, também, serviços de Apoio Domiciliário especializado a pessoas com necessidades especiais, em alojamento individual ou familiar, assegurando o apoio necessário na gestão da vida doméstica e na educação parental, sempre que se trate de membros adultos com deficiência na condição de mães/pais. A maioria dos beneficiários de SAD são pessoas com deficiência ou incapacidade que transitaram da resposta Lar Residencial para casa própria, após um investimento significativo na consolidação de competências pessoais que lhes permitem viver de forma autónoma, com os apoios necessários.

Em 2008, a ARCIL estabeleceu como meta negociar com a Segurança Social a situação do Lar de Profundos, sem a intervenção da Santa Casa da Misericórdia da Lousã. Pretendia vir a celebrar um acordo atípico para 23 residentes, englobando a prestação de todos os serviços, idealmente em instalações próprias. Contudo, e após reunião a 23/10 no CDSS definiu-se a necessidade de cancelamento do acordo atípico com a SS, impossibilitando «a ARCIL de assumir 426

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esta valência, dada a situação financeira actual»445. Perante a realidade a ARCIL decidiu analisar a criação de alojamento próprio para estes utentes no interior das próprias instalações e outras possibilidades de angariação de fundos para a sua instalação sem dependência directa da SCML a nível residencial. Em Agosto de 2009 foi de novo abordada a situação do Lar para pessoas com deficiência profunda. Acima de tudo havia a necessidade de celebrar contrato de arrendamento com a SCML, onde o lar estava sedeado, «…para consolidação de acordo com o Instituto de Segurança Social»446. Quando tudo parecia bem encaminhado, o processo ficaria envolto em polémica que rebentou no final do ano: A 17/12 realizou-se no CDC do ISS uma reunião com a finalidade de assinar a cessação do acordo vigente, englobando 23 utentes do Lar de Profundos e 37 de Residências Autónomas. Nesse dia, de forma inesperada, e em substituição do documento cessante, o ISS deu a assinar dois documentos: - 3 acordos típicos para 37 utentes para residências Autónomas; - 1 Acordo Atipico para o Lar de Profundos, como contrapartida pelo serviço prestado de 1.020€/mês/utente, acrescido de uma prestação mensal de 7.000€ para pagamento da renda à SCML no valor de 7500 €. A ARCIL, representada pelo seu VP e na sequência do sucedido «…apresentou ao Director, Mário Ruivo, o habitual protesto pela não disponibilização antecipada de uma cópia dos documentos para análise, como julgamos seria princípio normal no relacionamento entre parceiros». O documento não seria assinado sendo assunto para reunião interna, tendo os membros da direcção deliberado que se proponha um valor à SS por consenso entre as partes, resolvendo-se enviar «ofício de descontentamento ao Centro Distrital»447.

ADA – Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 2008, Acta n.º 27, 29/10/2008 ADA – Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 2009, Acta n.º 16, 19/08/2009 447 ADA – Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 2009, Acta n.º 24, 21/12/2009 445 446

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O ano seguinte trouxe, no entanto, a resolução da situação. Em Janeiro, conseguiu-se estabelecer acordo com CDC ISS, aceitando proposta de 1288€ mês em detrimento dos 1303,86 da ARCIL448. A SS só queria um acordo com uma das instituições: ARCIL ou SCML. Assim e como as instalações eram da Santa Casa, a ARCIL obrigou-se a pagar uma renda e passou a ter dificuldades em manter os encargos com o funcionamento do Lar. Contudo, e após negociações fixou-se a quantia de 7.500 euros, facto que reforçou a urgência em criar um espaço próprio para o seu lar. Em 2010, em nova fase de candidaturas ao PARES, a ARCIL apresentou candidatura para construção de Lar Residencial nos terrenos da antiga cadeia da Lousã, propriedade da CML. Mas quando foi apresentada verificou-se «… que a Câmara Municipal não tinha registado a propriedade, o que era exigido pelo Programa de Financiamento». Feito o registo a ARCIL enviou a respectiva certidão «…mas o gestor do programa não aceitou o documento porque tinha passado o prazo. A candidatura foi indeferida com base nessa falha»449. Apesar de se ter recorrido, a decisão manteve-se. Nos princípios de Maio de 2011 a direcção aprovaria o projecto para angariação de fundos para recuperação do edifício onde funciona o Lar de Apoio Casa das Cores. Em Setembro, seria aceite a proposta de voluntariado, para actividade de angariação de fundos, baseada em trabalho conjunto dos vários Programas da ARCIL. O futuro das Unidades Residenciais da ARCIL está, actualmente, em discussão, havendo uma proposta muito concreta para o futuro: a fusão do XM com o Novidades, numa casa arrendada perto do CEO, mais acessível e funcional. A implementação do Projecto CEO decorreu da aprovação da candidatura ao Programa de Alargamento da Rede de Equipamentos Sociais (PARES), tendo a ARCIL remetido, a 25/05/2006, a documentação necessária ao CDSSC; formulário candidatura, estudo prévio e ficha técnica do projecto denominado CEO a apresentar no âmbito do Programa PARES. ADA – Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 2010, Acta n.º 1, 13/01/2010 ADA – Livro de Actas da Assembleia Geral da ARCIL, 2007-2011, Acta n.º 52, 21/04/2010, fls. 29v.-30

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O Instituto da Segurança Social (ISS) informaria a 13/02/2007 que a candidatura ao PARES reunia as condições necessárias, solicitando entrega de documentação para completar o processo. Aprovada a candidatura, assinatou-se contrato de comparticipação financeira e cooperação técnica entre o ISS e a ARCIL a 25/05/2007, visando «…o desenvolvimento da resposta social Centro de Actividades Ocupacionais, com a capacidade de 30 utentes, localizado no concelho da Lousã, freguesia da Lousã, cujo valor da candidatura ascende a €680.297,00, que o segundo outorgante, na qualidade de entidade promotora do projecto de investimento, se propõe executar»450. A concessão de financiamento público seria fixada inicialmente no montante global máximo de €448,992,00, através do PARES (Cláusula I) tendo a ARCIL recorrido ao empréstimo bancário junto do BES para suportar o financiamento privado. Porém, e por força da aplicação da Portaria n.º 37/2009, de 16 de Janeiro, que alterou o Regulamento do PARES e criou um adicional ao financiamento público, de valor igual a 10% do montante elegível comparticipado, relativo à rubrica infra-estruturas o financiamento público ao CEO ascendeu a €487.128,50. A área de construção do edifício fixou-se em 1035m2 (prevendo-se a remodelação de 70m2 e efectiva construção de 965m2) e o prazo de execução em 23 meses. Por oficio de 12/06/2006, a CML deu viabilidade de construção ao CEO «…desde que seja previamente criado um novo lote de terreno independente do lote n.º 43, cujas características permitam a construção do referido equipamento. Para esse efeito é necessário proceder à alteração do alvará de loteamento n.º 01/94, de 11 de Janeiro»451. O terreno onde foi edificado o CEO – Lote nº 43, na Quinta de Santa Rita cujo direito de superficiei fôra cedido à ARCIL no ano 2000 para edificação do CAO - seria doado pela CM Lousã, na forma de propriedade perfeita do terreno, por escritura celebrada a 13/07/2007 (vide foto 94): «Que o Município da Lousã seu representado e legitimo possuidor de um lote de terreno designado por lote quarenta e três no Alvará de Loteamento ADA - PARES – CEO – CANDIDATURA E DECISÃO DE APROVAÇÃO (Dossier) Idem.

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número 1/94, datado de 11 de Janeiro de 1994 com a área de 6.400 metros quadrados, que se encontra descrito na Conservatória do Registo Predial de Lousã sob o número 05879/970429 (…) Que no lote de terreno supra mencionado foram construídos, a expensas da ARCIL, dois edifícios com a seguinte composição: a) Um edifício destinado a actividades ocupacionais para cidadãos deficientes (…) b) Um edifício destinado a serração de madeiras (…) Que actualmente o referido prédio encontra-se inscrito na matriz predial da freguesia da Lousã sob o artigo matricial número 8539 (…) com o valor patrimonial de €250,442,86. Que pela presente escritura e de acordo com a deliberação da Câmara de 05/02/2007 e deliberação da Assembleia Municipal da Lousã de 23/02/2007, doa à ARCIL o prédio supra referido, atribuindo-se o valor à referida doação constante na respectiva inscrição matricial e que é de €250,442,86452.

Foto 94 - Escritura de doação do terreno do CEO, 2007 da esquerda para a direita: Dagoberto Marujo (vice-presidente da Arcil), João Bandeira (vogal da direcção da Arcil), Marques Leandro (presidente da Arcil), Fernando Carvalho (presidente da CM Lousã) e António Nunes (notário privativo da CM Lousã)

ADA - Livro de Notas de Escrituras Diversas nº 37 da CML, fls 55-56 (cópia) In - CEO –

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LICENCIAMENTO CML, Anotações (dossier)

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A 20/11/2007 a ARCIL apresentaria na Secção de Obras Particulares e Loteamentos Urbanos da CML um pedido de licenciamento de obras de ampliação e de alteração no Centro de Estimulação Ocupacional, sito na Rua Vicente Silva Martins, Quinta de Santa Rita, Freguesia da Lousã. Porém, a lei em vigor exigia procedimentos complexos, morosos e de difícil execução para se aceitar essa alteração. Em face desta situação, que protelava a abertura de concurso público, adjudicação e consignação da empreitada, a ARCIL chegou a solicitar à Secretária de Estado Adjunta e para a Reabilitação, Idália Moniz, por carta de 08/04/2008, a sua intervenção para que fosse permitida a abertura do concurso público enquanto decorressem aqueles procedimentos453. Na reunião ordinária da CML de 04/05/2009 seria deliberado por unanimidade ratificar o despacho do Presidente de 30/04/2009 – pedido de emissão do alvará de autorização para a alteração e ampliação de um edifício existente - CEO Concluída a alteração do loteamento de St.ª Rita, ficou acordado que terreno podia ser divido em 4 para construção, ficando um dos lotes destinado à construção do CEO, exigindo a CML nos termos legais uma caução ou hipoteca de um daqueles lotes, como garantia do cumprimento das operações de alteração ao alvará daquele loteamento, tendo a a ARCIL optado pela hipoteca do lote n.º 54, após autorização concedida pela AG a 07/02/2009 - Autorização de hipoteca sobre o lote 54 da Urbanização de Santa Rita a favor da CML454. Quanto aos outros 3 lotes a AG autorizaria a direcção, na mesma data, «..a alienar os mesmos, através de venda, permuta ou outra forma de transmissão onerosa (…) Esta pretensão da Direcção tem a ver com a necessidade urgente de hipotecar o lote n.º 54 para garantir a alteração ao alvará de loteamento exigido pela Câmara Municipal da Lousã». O processo seria bloqueado pela impossibilidade prática da transferência da serração de madeiras e demolição das instalações existentes, para um lote cedido pela autarquia na zona industrial do Padrão, então dependente da alteração do PDM da Lousã para que nele se pudesse construir. No mesmo sentido, ADA - PARES – CEO – CANDIDATURA E DECISÃO DE APROVAÇÃO (Dossier) ADA – Livro de Actas da Assembleia-Geral da ARCIL, 2007-2011, nº 49, 07/02/2009, fl. 18

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levantou-se também a questão da designação de um espaço para depósito dos materiais decorrentes daquela demolição, situação resolvida pela cedência de um pavilhão pela firma Carvalhos Ld.ª A execução da obra do Centro de Estimulação Ocupacional envolveu dois procedimentos: - 1º procedimento: na reunião de direcção da ARCIL de 04/03/2009 abriu-se concurso para aquisição dos serviços de fiscalização para da empreitada do CEO, tendo o ajuste directo como procedimento e enviando-se convite para apresentação de propostas, vindo a ser adjudicado, em Maio, à Printeg.455 No âmbito do mesmo projecto deliberou contratar a execução da empreitada de construção com o preço de €520.705.77. Contudo e lançados convites a 10 empresas ficou o concurso deserto. - 2º procedimento: contratou-se a execução da empreitada de construção do CEO pelo preço de 584,800,00€, prazo de execução de 12 meses, convidando a HAPARALELA – Construções Ld.ª a apresentar proposta no procedimento de ajuste directo, tendo-lhe sido adjudicada a construção na sessão seguinte de 22/04/2009 e assinado auto de consignação da empreitada a 30/04/2009 456. A 20/05/2009, e em complemento da decisão acima, a direcção adjudicaria a prestação dos serviços de fiscalização da empreitada à PrinteG por 11,500,00, assinando-se Contrato Administrativo de Fiscalização de CEO, a 05/06/2009. Pelo Alvará de Obras para Ampliação do CEO, nº 31/2009, emitido pela CML a 30/04/2009 e válido de 30/04/2009 a 24/04/2010 foi possível dar início à nova construção.

ADA - PARES – CEO – EXECUÇÃO ADA – Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 2009 Acta n.º 9, 15/04/2009

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TRABALHAR EM CAO – O TESTEMUNHO DE JOSÉ GASPAR O monitor José Gaspar está diariamente com 10 pessoas de CAO. O seu depoimento acerca do dia-a-dia em que lida proximamente com a deficiência é desmistificador: «Os meus utentes têm capacidades, personalidades e interesses totalmente diferentes. São muito gozões. Estou mais tempo com eles do que com a família, fizemos já tudo juntos, não há uma definição. São pessoas como eu, que são meus amigos, que me fazem partidas a quem lhes faço partidas. A mim já me fizeram quase de tudo: balde de água em cima da porta, piripiri no pão, fazer cócegas quando estou a dormir. É cansativo, mas é muito divertido. Já fomos a muitos sítios e temos uma relação de cumplicidade bastante grande. Se eu precisar de ajuda sei que me ajudam mesmo. Ninguém com deficiência mental é burro. Sabem o que querem e por vezes tentam dar-me a volta. A coisa principal que aprendemos com eles é que são normais. No fundo têm os nossos problemas, as nossas dificuldades, gostam de se divertirem, de serem bem atendidos e bem alimentados. Tudo aquilo de que gostamos eles também gostam mas à maneira deles. Tudo o que fazemos é para satisfazer as necessidades deles e, se possível suplanta-las». Entre os diversos momentos passados com as várias gerações de utentes sob sua responsabilidade, destaca um em especial: «Quando deixei os meus utentes fumarem, há 25 anos atrás. Pois se directores e técnicos fumavam, porque razão não poderiam fazer o mesmo os utentes que tinham supostamente os mesmos direitos? Sentia essa necessidade, expliquei aos utentes e aos meus superiores a minha opinião, fui criticado, mas só no primeiro dia, depois aceitaram e compreenderam as minhas razões» [José Gaspar entrevistado por João Pinho, 16/12/2013]

A 19/10/2009 fez-se o lançamento da obra CEO, com a presença da Secretária de Estado Adjunta e da Reabilitação, Idália Moniz. Este equipamento, que teve a comparticipação do programa PARES, veio dar resposta a pessoas na CAPÍTULO 6 – A ARCIL no séc. XXI: a continuidade da obra e os novos desafios

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sua maioria com multideficiência. Esta valência poderia receber um total de 30 utentes. Perseguia 4 objectivos: «criar condições para dar resposta aos pedidos em lista de espera, eliminar condicionantes de acessibilidade, permitir a criação de espaços qualificados para apoio aos utentes e possibilitar a qualificação dos apoios a prestar aos utentes em fase de envelhecimento»457. Outro obstáculo surgiu nos princípios de 2010, pelo indeferimento dos pedidos de isenção para os prédios urbanos pelo Ministro das Finanças. A ARCIL assumiria a responsabilidade solicitando de imediato a revisão do indeferimento dos 3 processos pois «…por lapso, declarámos incorrectamente a finalidade dos lotes destinados a construção, quando efectivamente os prédios/lotes são utilizados actualmente no desenvolvimento da nossa missão institucional, ou seja, a reabilitação e integração de pessoas com deficiência (...) lá desenvolvemos desde 1988 actividades em madeira por pessoas portadoras de deficiência, promovendo a sua inclusão»458. Em Março seria aprovado o plano de investimentos da obra e valores suportados pela SS, agradecendo-se a doação de equipamentos sanitários para apetrechamento do edifício feito pela ROCA. A obra de construção do CEO seria prorrogada para lá do prazo inicial para a finalização dos trabalhos. Em Abril de 2010 a direcção da ARCIL concordaria com o pedido apresentado pela HAPARALELA de prorrogação até dia 30/10 devido a situações detectadas no início da obra: «…existência de uma conduta adutora de abastecimento de água ao depósito da Papanata que cruzava o terreno; alteração do traçado de uma linha de alta tensão que atravessava a zona de construção e alteração do projecto de estabilidade (Fundações)…»459. Durante o ano de 2010 adquiriu-se o material necessário ao funcionamento do CEO: mobiliário, equipamento de cozinha, sistema de elevação de pacientes. A 11/10/2010 fez-se o auto de recepção provisória, pelo dono da obra. O CEO seria inaugurado a 04/12/2010 na presença da Sec. Estado para a Reabilitação, Idália Moniz, entrando em funcionamento em Janeiro de 2011 (vide foto 95).

«Idália Moniz lança Centro de Estimulação Ocupacional da Lousã» In Diário de Coimbra, 13/10/2009 ADA – Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 2010, Acta n.º 1, 13/01/2010 459 Idem. Acta n.º 8, 14/04/2010 457 458

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Foto 95 - Inauguração do CEO, 2010 da esquerda para a direita: Fernando Carvalho (presidente da CM Lousã), Idália Serrão (Secretária de Estado Adjunta e da Reabilitação) e Marques Leandro (presidente da Arcil)

Uma das mais desejadas valências da ARCIL para o séc. XX foi a criação de uma creche, algo que nunca se concretizou. Nos princípios de 2008 corriam notícias não oficiais que a candidatura fora aprovada o que foi recebido com euforia: «A construção da creche é importante para dar resposta aos filhos dos nossos utentes, filhos dos colaboradores da ARCIL e às crianças do exterior. Há uma grande procura para este atendimento no concelho da Lousã» (…) servirá para ajudar a sustentabilidade financeira»460. Esta novo sector foi designado como ARCILJUNIOR, tendo o respectivo projecto e contrato de comparticipação financeira sido assinado no âmbito do Programa PARES (2ª fase do Programa – Alargamento da Rede de Equipamentos Sociais), com o ISS no dia 28/3 tendo em vista a «construção e equipamento de uma creche – ARCILJÚNIOR», com Edificio a construir nos terrenos na sede «…com recurso à demolição de instalações existentes» e procurando responder a «…necessidades básicas do concelho da Lousã (…) dar resposta às necessidades dos colaboradores da Instituição»461. Previa uma capacidade para 52 crianças, dos 3 meses aos 3 anos, um custo total de 321.453 euros, comparticipação de 225.017, sendo o restante assegurado pela instituição. Prazo de execução de 18 meses e área de implantação de 575m2. Porém, a ARCILJUNIOR não sairia do papel. Em Outubro de 2011, a direcção deliberou não executar em 2012 o projecto CRECHE, suspendendo-

ADA – Livro de Actas da Assembleia Geral da ARCIL, 2007-2011, Acta n.º 46, fl. 4 ADA – Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 2008, Acta n.º 9, 03/04/2008

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-o, não só por dificuldades de implantação (terreno) mas em especial devido às dificuldades económicas e financeiras462. A ARCIL beneficiou, em 2008, da Medida de Apoio à Segurança dos Equipamentos Sociais (MASES), permitindo a aquisição de muito material: veículos para transporte de pessoas com deficiência, material de cozinha, e sistemas de vigilância. Nos princípios de 2008 a ARCIL previa abrir um pólo do CAO em Góis que se concretizaria no ano seguinte: Em Fevereiro, realizou-se uma reunião em Góis com os pais dos utentes abrangidos e com a vereação da CMG preparando o início de actividade. Em Abril, a direcção da ARCIL daria luz verde para a assinatura do contrato de comodato com a autarquia de Góis «para utilização de equipamento» durante 20 anos e «…para instalação de pólo da ARCIL, onde funcionará um Centro de Actividades Ocupacionais»463. A aquisição de equipamento para esta resposta de CAO foi feita no âmbito do Projecto PROGRIDE (Programa para a Inclusão e Desenvolvimento), de que foi promotora a Câmara Municipal de Góis e parceira a ARCIL. O pólo seria visitado pela Secretária de Estado Adjunta e da Reabilitação, Idália Moniz e abriu portas a 06 de Julho de 2009 em cerimónia presidida pelo director do CDSSC, Mário Ruivo (vide conjunto de fotos p. 437). Este equipamento destinava-se a amparar utentes daquele concelho. Apoiou, inicialmente, 8 utentes com deficiência mental que frequentavam diariamente o Centro de Actividades Ocupacionais na Lousã. Situado no Bairro Verde, Pé Salgado, perto da BM Góis, em edifício pré-fabricado, que servira anteriormente como jardim-de-infância. Obra no valor de 34.000 euros, custeada pela CMG464. Em Março de 2011 seria finalmente concedido o deferimento dos pedidos de isenção dos terrenos onde estavam implantados importantes edifícios: Sede, ARCILCARD e Loja da Quinta das Morgadas (quiosque cedido à ARCIL mas

ADA – Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 2011, Acta n.º 48, 12/10/2011 ADA – Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 2009, Acta n.º 8, 06/04/2009 464 «ARCIL abre pólo em Góis» In Trevim, 16/06/2009 462 463

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Pólo de Góis

2009 - Inauguração do Pólo de Góis da esquerda para a direita: Mário Ruivo (director do CDSS), Marques Leandro (presidente da Arcil), António Carvalho (presidente da AM de Góis) e José Girão (presidente da CM de Góis)

2012 - Carnaval

Actividade ocupacional

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que nunca foi utilizado), enquanto se manteve o indeferimento para o pedido ARCILCERÂMICA465. A ARCIL dispõe, também, de Serviços de Logística; serviços de apoio aos programas tais como serviços de alimentação, transporte, manutenção e limpeza. Acoplado ao serviço de Transportes e sendo também uma área de formação profissional está a oficina de Mecânica, com largos anos de existência, que regularmente assiste e mantém toda a frota da Instituição, efectua limpeza das viaturas, pequenas e grandes reparações. Nestes anos a ARCIL continuou a ser visitada de forma oficial, por vários governantes, embora se note certo abrandamento. Devemos destacar a visita do Presidente da República, prof. Cavaco Silva, a 19/12/2006, Secretária de Estado Adjunta e da Reabilitação, Idália Moniz (2009).

O TESTEMUNHO DE UMA MÃE Isabel Almeida Santos vive na Lousã há 30 anos, sendo funcionária da ARCIL há 5. Tem uma filha utente da instituição há 20 anos, devido a deficiente assistência no parto: «Ser mãe de filhos com deficiência depende da mãe que se é. Nunca perguntei porquê eu. Fui absorvendo tudo o que era possível e me foi aparecendo para a Mónica». O seu testemunho transmite o quanto pode significar a ARCIL para uma mãe: «A ARCIL sempre foi vista por mim como uma segunda casa, uma mais-valia, que me transmite alguma paz e segurança, para que a minha filha seja encaminhada para áreas que possa desenvolver e sempre muito bem acompanhada. Isso foi sempre muito importante para mim.

ADA – Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 2011, Acta n.º 11, 21/03/2011

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Eu caí no sítio certo. Pela ordem da vida irei primeiro que ela e conhecer as pessoas que aqui trabalham foi uma mais-valia. A ARCIL sempre deu resposta a tudo aquilo que achei que a Mónica devia ter». Isabel destaca, de forma vincada, a integração social das pessoas portadoras de deficiência à escala local: «As pessoas da Lousã, quando olham para os nossos meninos, que são diferentes, não os encaram como deficientes, pois estão habituadas a lidar com eles. Os nossos meninos não estão fechados na instituição. Fazem uma vida social para além das tarefas e ocupações que têm. Vão a um café e ninguém fala ou cochicha. São vistos como normais» Funcionária há 5 anos da ARCIL considera que a instituição tem um ambiente diferente, especial e muito particular: «Quando se é escuteiro é para toda a vida. Quando se trabalha na ARCIL nunca mais se é a mesma pessoa, porque nós ficamos sensibilizados para outras coisas, para outros modos de vida, e para aquilo que uma criança destas nos pode dar, que pode ser muitas vezes muito mais daquilo que nós esperamos. A Mónica foi sempre muito acompanhada e trabalhada, sem aquele emblema do diferente que não consegue fazer isto ou aquilo. Antes de trabalhar cá costumava dizer a algumas pessoas “vocês parecem todas escolhidas a dedo”. Porque são todas duma entrega, que só estando em contacto com algumas pessoas se consegue compreender o que estou a dizer. Por exemplo, quando vou a um serviço de saúde público há muitas vezes prepotência, uma forma de estar em que a pessoa se afirma muito, o seu lugar distanciando do outro…e aqui não há isso! Eu acho que quem nos muda são os nossos meninos da ARCIL» Quanto à importância da ARCIL para a sua filha, Isabel não tem dúvidas do papel decisivo da instituição: «A Mónica não vive sem a ARCIL e gosta muito da ARCILCERÂMICA. Chega a uma altura em que está farta. Mas está um ou dois dias em casa, ou tem um interregno, como agora nas férias de Natal. Ao fim de pouco tempo em casa já me perguntava quantos dias faltava para vir. No Verão não troca as colónias de férias por nada. Mesmo não gostando de campismo vai de qualquer forma e maneira, porque se não vai é o fim do mundo» [Isabel Almeida Santos entrevistada por João Pinho, 09/01/2014] CAPÍTULO 6 – A ARCIL no séc. XXI: a continuidade da obra e os novos desafios

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1.6. A DIVULGAÇÃO E REPRESENTAÇÃO: NOVOS E ANTIGOS EVENTOS

A ARCIL continuou a participar tanto em eventos onde se tornou usual a presença, como em novos eventos. Quanto aos tradicionais destaca-se a Feira de S. João com as marchas sanjoaninas populares, a Feira Lousã – Capital do papel e do livro, onde divulgou em Maio/Junho de 2001 os seus produtos de carpintaria e papel, e a Feira Nacional de Artesanato, em Vila do Conde. Quando a novos eventos destaca-se a Feira de Material Didáctico e Pedagógico da Lousã (Maio 2001), onde colocou um stand alusivo às actividades desenvolvidas nas Escolas e divulgação do material de Snoezellen. Eventos com tradição na instituição, como o desfile de Carnaval organizado pela CML, mereceram redobrado empenho: na edição de 2005 contou com a participação de mais de 100 pessoas que sob o tema “Colectividades da Lousã” se dividiram em 4 grupos: Rancho, Fanfarra, Banda Filarmónica e Desporto. A nível da representação externa a ARCIL participaria em 2001: no Encontro Anual da European Association for People with Handicap e na FIA (Feira Internacional de Artesanato de Lisboa), de 30/6 a 8/7. Em Setembro de 2002, participou na Feira Cartes, em Paris, no sentido do conhecimento das últimas novidades, e recolha de fornecedores alternativos e da pesquisa de equipamentos relacionados com a ARCILCARD.

Foto 96 - Medalha comemorativa do 25.º aniversário da ARCIL

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As comemorações do 25.º aniversário (vide foto 96), em 2001, foram assinaladas de forma condigna: nos dias 19 e 20/11 com a realização de Jornadas Técnicas e de uma exposição de 16 a 19, designada por Expo-ARCIL; e uma gala realizada a 01/12, no Cine-Teatro, onde se homenagearam os fundadores - Amélia Barata, Américo Lemos, João Marçal, Jorge Carvalho, Luís Borges, e os Sócios Fundadores - Luís Torres de Carvalho Dias, José Júlio dos Santos Carvalhinho, António Rodrigues de Almeida Maio, Arménio Tomás, Rui Carlos Tomás Soares, Manuel Paulo de Almeida Rego, Elvira dos Prazeres Silva, Deolinda Fernandes Simões - e José Ernesto Carvalhinho de Paiva, que deixara a presidência da ARCIL após mais de duas décadas de intenso trabalho. Em Janeiro de 2002 a ARCIL seria eleita representante das IPSS do concelho no Conselho Local de Educação da Lousã (CLEL), que mais tarde daria origem ao Conselho Municipal de Educação da Lousã (CMEL). No ano seguinte, a instituição integrou o programa nacional das comemorações no âmbito do Ano Europeu da Pessoa com Deficiência 2003, tendo participado na Semana da Juventude com sensibilização para as acessibilidades (barreiras arquitectónicas); nas 15 horas em movimento; e nas marchas populares. No âmbito das mesmas comemorações realizou-se a 10/12 no Cine Teatro da Lousã, e organizado pela ARCIL e CML o encontro A construção da Cidadania: actores e perspectivas. Também ao nível de eventos, a ARCIL mostrou a sua faceta de inovação: em 2003 participou, enquanto co-responsável, no projecto «Artes Mental e Motora», que consistiu na organização de uma exposição de peças de arte produzida por pessoas com deficiência de todo o país, apoiadas por instituições ou a título individual, que incluiu, também, peças de clientes da ARCIL. Foi uma iniciativa que marcou o ano 2003 – Ano Europeu da Pessoa com Deficiência e a exposição realizou-se em Coimbra, no liceu Jaime Cortesão. E, em Maio de 2005 realizaria um convívio inédito intitulado «Descida da Serra da Lousã em cadeira de rodas» (vide foto 97). Compreendeu um percurso descendente de 12km, com 2 horas de duração, com partida da aldeia de xisto do Candal. Aderiram 15 participantes oriundos de Poiares, Lousã, Miranda do Corvo, e Coimbra. Iniciativa que se mantém até aos nossos dias. CAPÍTULO 6 – A ARCIL no séc. XXI: a continuidade da obra e os novos desafios

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Até 2003, a instituição continuou a representar-se directamente nos festivais europeus da canção para pessoas com deficiência (cofundadora desde 1994), por utentes dos vários programas de reabilitação. A ARCIL tem organizado os 5 festivais nacionais da canção realizados até à actualidade. Em 2003 decorreu o I Festival Nacional da Canção da Pessoa Com Deficiência no Cine-Teatro da Lousã, no dia 12/7, numa organização conjunta da ARCIL, CML, ESEC e apoio da Agenda Setting – Gabinete de Comunicação, e da Academia de Música da Lousã. Neste novo modelo passou a selecionar-se o representante português ao festival europeu entre várias instituições concorrentes. O festival de 2003 foi inserido no âmbito das actividades comemorativas do Ano Europeu da Pessoa com Deficiência e seria financiado em 12.000 euros pela Comissão Nacional de Coordenação do Ano Europeu, contando com o patrocinio de 3 firmas lousanenses: Construções Bandeira, CDL – Inspecções Auto e Farmácia Serrano466. Venceu a canção escrita e interpretada por Célia Monteiro, da CERCI-Guarda que veio a representar Portugal no Festival Europeu de Jovens com Deficiência (em Outubro na Alemanha). O júri era composto pelas cantoras Lara Li e Né Ladeiras, Prof. Rui Antunes, (Presidente do Conselho Directico da ESEC), Cristina Faria (responsável do Curso de Educação Musical da ESEC) e Hélder Martins (Musicólogo).

Foto 97 - Descida da Serra da Lousã em cadeira de rodas, 2006

ADA – ARCIL (RE) VISTA, Ano 1, nº 2 Agosto 2003

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A II edição realizou-se a 02/07/2005, um Sábado, no Cine-Teatro da Lousã. Com apoio da ESEC, CML, Academia de Música da Lousã e Agenda Setting. O espaço encheu e constituiu um êxito. Marcou presença a Sec. Estado Adj. E da Reabilitação e o Secretariado Nacional de Reabilitação. Saiu vencedor do certame o duo Rita Joana e Márcio Reis utentes da APPC de Coimbra, que em Novembro do mesmo ano venceriam o Festival Europeu da Canção para Pessoas com Deficiência realizado em Gratz, Austria. A III.ª edição decorreu de novo no Cine-Teatro da Lousã a 13/07/2007 e foi apresentado por Fernando Ramos e Helena Coelho. Teve como objectivo selecionar o candidato português ao Festival Europeu que a instituição veio a organizar no CAE a 9/11, saindo vencedor a APPC do Porto com “hip hop”. Destes festivais nacionais resultava a selecção dos representantes aos festivais europeus, os quais se realizavam de dois em dois anos. Importantíssimo seria a realização do VII Festival Europeu da Canção para Pessoas com Deficiência, realizado na Figueira da Foz no Centro de Artes e Espectáculos (CAE), a 09/11/2007. Foi apresentado por Fernando Ramos e Fernanda Freitas para uma plateia de 800 pessoas. Saiu vencedor, entre candidatos de 12 países, o holandês Danny Smoorenburg de 20 anos com a canção “Pessoas Alegres”, sucedendo a Portugal nos vencedores (vencedor na ultima edição em 2005, com Rita Joana e Márcio Reis). Contou com a participação especial de Rui Veloso e Grupo de Fados Coimbra. Rui Ramos, que em articulação com Ana Araújo organizou o evento, recorda esse momento especial: «Envolvia uma logística enorme, muito maior do que qualquer festival nacional da canção que tivéssemos feito até então. Foi necessário haver recursos afectos com uma exclusividade maior: por um lado angariar investimento para a realização do festival, e por outro promover as diligências para o próprio evento»467. Em 2012, a suspensão do festival europeu trouxe grande preocupação aos seus utentes participantes, tendo a ARCIL decidido realizar o V Festival Nacional, a 20 de Outubro «…correspondendo assim aos desejos e ao esforço que tem vindo a ser feito nas instituições para qualificar a participação»468. Rui Ramos entrevistado por João Pinho, 23/01/2014 ADA – Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 2012, Acta n.º 43

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VII FESTIVAL EUROPEU DA CANÇÃO PARA PESSOAS COM DEFICIÊNCIA, 2007 Evento de enorme projecção realizou-se na Figueira da Foz, no Centro de Artes e Espectáculos (CAE), a 09/11/2007. Teve o alto patrocínio da Presidência da República e da Secretaria de Estado para a Reabilitação e apoios fundamentais como Centro de Artes e Espectáculos, Casino da Figueira da Foz, Caixa Geral de Depósitos e outras entidades, bem como, da RTP que gravou integralmente o Festival para o transmitir no dia 24 de Dezembro. O evento originou um movimento de solidariedade por todo o País, tendo os fundos recolhidos permitido custear todas as despesas do festival, que foi ganho pelo representante da Holanda. A ARCIL recebeu o «agradecimento expresso» do presidente da organização europeia Philadeplhia que gere e coordena o festival na europa. Teve como coordenadores e programadores Ana Araújo e Rui Ramos. Ambos seriam homenageados pela direcção e assembleia geral. A primeira, na qualidade de produtora executiva tanto deste festival europeu como dos 3 nacionais seria homenageada pela direcção a 06/09/2007. Nesta reunião assinalou-se a sua disponibilidade, competência e empenhamento, bem como os resultados que foram elogiados por todos, recebendo a ARCIL felicitações de representações estrangeiras «…pela organização, a qualidade e os serviços que lhe foram prestados. Continuamos a receber aplausos». Por estes motivos se lançou o seguinte voto de agradecimento: «A Direcção da ARCIL, reconhecendo estes valores, regista um agradecimento especial à Senhora Dr.ª Ana Araújo por ter permitido que a ARCIL e o País sejam citados com apreço por todos». Quanto a Rui Ramos a direcção fez-lhe especial menção na reunião de 15/11, registando o agradecimento a um voluntário «…que montou o espectáculo, muito para além da Direcção musical, em prejuízo da sua vida pessoal e profissional». Recordaram ainda a sua participação nos 3 festivais nacionais e no festival europeu, como director artístico e musical, a quem coube planear aqueles projectos. Em seguida a direcção registou um voto de agradecimento: «A Direcção da ARCIL, reconhecendo que sem a participação do Dr. Rui Ramos não teria sido possível alcançar aquele êxito, regista um especial agradecimento e deseja-lhe a continuação de uma brilhante carreira profissional»469. ADA – Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 2007, Acta n.º 16, 15/11/2007

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A 20 e 21 de Abril de 2007 a ARCIL participaria no congresso Turismo Acessível, promovido pela Provedoria Municipal das Pessoas com Incapacidade, com o apoio da DUECEIRA, CML, ESEC, SNRIPD, e DRE (Direcção Geral de Economia do Centro). Deste congresso nasceria o Projecto Lousã – Destino Turístico Acessível dinamizado pelo município através de proposta da Provedoria Municipal da Pessoa com Incapacidade tendo a ARCIL feito parte da estrutura de missão encarregue da gestão. Pretendia criar condições para tornar o concelho da Lousã no primeiro destino turístico acessível de Portugal. Em Abril de 2008 o projecto estava em fase de aprovação aguardando os contributos dos parceiros, cabendo à ARCIL a análise às linhas orientadoras do mesmo. O projeto avançou e foram desenvolvidas as ações previstas: divulgação em eventos – feiras, encontros, congressos, participação em projetos de investigação, acolhimento de turistas com deficiência, realização de atividades de animação adaptada, para além da capacitação de colaboradores através de formação especializada. Este projecto, “propriedade” da CML, tem sido apresentado em vários encontros internacionais, e é hoje tido como modelo a seguir pela ENAT (European Network For Acessible Turism). A 14/04/2007, a Presidência da República promoveu uma conferência intitulada Compromisso Cívico para a Inclusão, integrada no Roteiro para a Inclusão, em simultâneo com exposição de produtos no Centro Nacional de Exposições (CNEMA), em Santarém, convidando a ARCIL que se fez representar no evento. O evento seria aproveitado para divulgar a actividade da instituição com demonstração das técnicas de produção dos utentes. No stand da ARCIL os presentes poderam assistir a «…um exemplo de trabalho desenvolvido em CAO, no qual o Carlos Alberto, o David, o Toni e o Carlitos, demonstraram as suas habilidades na embalagem de produtos para uma empresa nossa cliente». Esta demonstração era acompanhada por fotografias, amostras de produtos, e um documentário vídeo. Marques Leandro apresentaria, a convite do PR, «o exemplo da ARCIL como organização empreendedora». Sensibilizado, o próprio Presidente da República realçou, no seu discurso, duas organizações empreendedoras «…que não limitam a sua missão ao acolhimento; a nossa ARCIL e a ADFP de Miranda do Corvo»470. ADA – Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 2007, Acta n.º 7, 19/04/2007

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Com a criação dos Agrupamentos de Escolas, a ARCIL passou a ter assento em 2008 no Conselho Geral Transitório: Agrupamento de Escolas da Lousã e Agrupamento Alvaro Viana de Lemos e, mais tarde no Conselho Geral do Agrupamento de Escolas da Lousã (2009). Em 2010 atletas da ARCIL participaram no Campeonato do Mundo de Basquetebol para pessoas com incapacidade, integrando a selecção nacional. Dado o brilhantismo da participação a CML apresentaria um voto de reconhecimento à ARCIL, aos seus atletas e ao treinador Alcindo Quaresma. Em Maio de 2012 a equipa de basquetebol adaptado da ARCIL voltaria a fazer história sagrando-se campeã nacional em taça organizada pela ANDDI Portugal. Constituída pelos atletas José Cunha, Ricardo Martins, Carlos Duarte, Rui Pereira, Rui Piteira, Luis Simões, Carlos Gonçalves, Carlos Araújo, treinados pelo monitor Alcindo Quaresma. A direcção atribuiu de voto de louvor à equipa e treinador, tendo a Câmara Municipal atriubuido voto de reconhecimento a toda a equipa e distinguido Alcino Quaresma com o prémio Cidadania e Dedicação, na sessão solene do dia do município a 24 de Junho 471 Por decisão da direcção, de 27 de Janeiro de 2011, foi constituída e aprovada a Comissão Organizadora das Comemorações dos 35 Anos sob orientação do Vogal da direcção Rui Ramos e responsável pelo Plano de Actividades. Este compreendia diversas actividades, tais como: execução de vídeo institucional, descida da Serra da Lousã em cadeira de rodas e Mostra ARCIL. O logotipo seria elaborado pelo colaborador Hugo Martins. Neste âmbito seria integrada, a 31 do mesmo mês, a proposta do Prof. José Ernesto Carvalhinho «…para concretização de um livro acerca da origem e história da ARCIL. Solicita autorização para cedência de material de arquivo que contenha informações relevantes para o livro»472. Este projecto procurou reunir registos, do escrito ao audiovisual, sobre factos e figuras da associação desde o nascimento à actualidade dando corpo ao presente livro, o qual foi produzido sem custos para a instituição. A 14/03/2011 a direcção da ARCIL deliberou aderir à Rede Nacional de Responsabilidade Social, designando o terapeuta João Canossa Dias para ligação. ADA Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 2012, Acta n.º 21 (15/05/2012); Acta n.º 23 (25/07/2012) ADA – Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 2011, Acta n.º 4

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2. A REDEFINIÇÃO DOS OBJECTIVOS: A COMPONENTE TÉCNICA, A PRODUTIVIDADE E A QUESTÃO FINANCEIRA Nas contas relativas ao ano 2000 e apesar da evolução positiva das mesmas, do reforço financeiro vindo de alguns subsídios estatais o Tesoureiro alertava a Assembleia Geral para «manter o espirito de recuperação e de alguma contenção na gestão financeira e económica da ARCIL». Em seguida evidenciou a conveniência em manter algum fundo financeiro de modo a garantir a possibilidade de realizar futuros investimentos e também ter capacidade de resposta face a imprevistos. O enfoque na questão financeira seria, na verdade, a pedra de toque do longo mandato de Marques Leandro, que em termos programáticos daria a prioridade ao controlo das finanças. Ao terminar os primeiros seis meses de actividade como presidente, e nas vésperas de ser reeleito, o discurso proferido na AG mostra que estava perfeitamente consciente de uma realidade que se mostraria difícil de gerir: «Referiu as dificuldades sentidas com a saída do anterior presidente (…) a procura constante de assegurar a estabilização económica e financeira da Associação (…) assegurar o cumprimento daquilo que é a missão da ARCIL, ou seja; ajudar na reabilitação e integração de pessoas com deficiência»473. Os sinais surgidos do exterior, em princípios de 2002, também não ajudavam a equilibrar a balança: dificuldade em obter subsídios de departamentos do Estado, resistência do mercado à entrada dos produtos e os primeiros sinais de recessão económica nas unidades produtivas da ARCIL: serração (paletes), cartões e cerâmica. A 8 de Janeiro de 2003, o Conselho de Gestão apresentou à direcção o Plano de Reequilíbrio Económico e Financeiro. Nele se previa a suspensão das alterações de salários e outras remunerações, exceptuando os salários correspondentes ao Salário Mínimo Nacional. No entanto, o ano revelou-se mais duro do que o previsto: o

ADA – Livro de Actas da Assembleia Geral da ARCIL, 1996-2007, Acta n.º 37, 23/06/2001, Fl. 22

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congelamento de salários seria comunicado em Setembro, através de nota interna e dada a situação financeira concluiu-se não ser possível repor o que fora suspenso. Também foi por esta altura que se acentuou a reavaliação dos recursos humanos afectos à estrutura levando à recolocação de efectivos e redução de pessoal. As medidas sistemáticas de contenção foram surtindo efeito. No relatório de actividades de 2003 assinalou-se a «melhoria na situação financeira», apesar de novas dificuldades derivadas de conjuntura nacional de recessão provocando «atrofiamentos orçamentais». Uma melhoria que, no entanto, tinha um preço: decorria do «empenho dos trabalhadores» ou seja; de prescindirem do seu aumento salarial referente ao ano de 2003. Com as várias intervenções em AG a ficarem marcadas pelas preocupações financeiras, o Tesoureiro apontava o caminho que desejavam seguir: «…apesar de não haver saldo negativo, a situação da ARCIL contínua difícil, porque a ARCIL não tem rendimentos disponíveis para investir. O próximo passo será garantir a existência de fundos para gerar investimentos imprescindíveis ao funcionamento e aos objectivos da Associação»474. A mudança de paradigma suscitou reações diversas junto dos associados, que em AG expressavam as suas dúvidas e receios. Na discussão do relatório de actividades e contas relativo a 2004, os associados Rui Moreira e José Carlos Ferreira apontavam o dedo à direcção: o primeiro alertava para uma mudança urgente pois na sua opinião a ARCIL «…necessita de ter muito mais qualidade face aos recursos financeiros e materiais que tem (…) ser mais humilde, menos virada para o seu umbigo (…) deve estar mais atenta a novos projectos (…) dá pouco valor aos empresários»; enquanto o segundo foi ainda mais contundente: «…nos cargos de chefia da ARCIL deviam estar pessoas que incomodam e produzem (…) a ARCIL não produz novos produtos para venda (…) tem muitos vícios, não tem marketing e nada faz para promover os seus produtos»475. A exposição obrigaria o tesoureiro a intervir: «…situação financeira da ARCIL não é preocupante. Melhorou relativamente aos anos anteriores. Houve Idem. Acta n.º 41, 28/04/2004, fl. 36 Idem. Acta n.º 42, 27/04/2005, fls. 39-39v.

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um aumento de receitas através das vendas e das prestações de serviços. A preocupação existente tem a ver com a falta de meios financeiros para investimentos, nomeadamente, para renovar os equipamentos dos vários serviços da Associação». Porém, na discussão do relatório e contas de 2005 esta melhoria assinalada pelo tesoureiro seria contraditada por Marques Leandro, que anunciando os efeitos da crise económica que avançava pelo país alertava: «A gestão financeira da ARCIL torna-se mais difícil, atendendo a cortes nos financiamentos e ao aumento dos custos»476. Os anos seguintes trouxeram uma espiral recessiva económica que varreu o país. No balanço de contas de 2006 o cenário pintava-se a negro, dado o saldo negativo de 236.000 euros, onde se apontavam diversos factores: «diminuição das comparticipações do Estado, a existência de serviços prestados pela ARCIL que não são pagos, o aumento do número de utentes, o auto-financiamento não teve a evolução positiva (…) e a necessidade de ter o quadro de pessoal existente, de modo a garantir a qualidade dos apoios prestados»477. A partir de 2008 os problemas financeiros começaram a lançar fortes constrangimentos ao normal funcionamento da instituição. No começo do ano seria conhecido o balanço de 2007 sendo a situação financeira classificada como preocupante, apesar da recuperação de 44,6% face a 2006, levando a medidas duríssimas sobre os trabalhadores: «Face às dificuldades financeiras e a necessidade de conter custos, os trabalhadores da ARCIL viram os seus aumentos salariais “congelados”, assim como, as progressões de carreira». Tendo a consciência «dos prejuízos causados às justas expectativas dos colaboradores da ARCIL e aos danos materiais concretos face ao aumento do custo de vida» a AG exprimiria um voto de agradecimento aos seus funcionários478. Para combater um imenso polvo a direcção lançou o Plano Estratégico 2007-2012, com a pretensão óbvia de reduzir os custos e aumentar os proveitos

Idem. Acta n.º 44, 20/04/2006, fl. 43v. Idem. Acta n.º 45, 21/04/2007, fl. 48 478 Idem. Acta n.º 46, fl. 2v. 476 477

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e onde se renovou a necessidade de angariar fundos. Apesar das dificuldades financeiras e medidas tomadas na redução dos custos, a verdade é que em 2007 manteve-se o nível de apoio da ARCIL com 410 pessoas. O problema financeiro começou a interferir no planeamento das actividades dos vários sectores da ARCIL: em Fevereiro de 2008 a Coordenadora do programa de CAO, Ana Araújo, e a coordenadora do Lar de Profundos, Teresa Costa, assinalam à direcção as dificuldades que vinham sentido, em particular «…a diminuição de apoios complementares como a Fisioterapia aos utentes, como resultado de falta de recursos humanos»479. No mesmo sentido, seria a intervenção da coordenadora da Formação Profissional, aquando da apresentação do programa respectivo. Ana Abrantes e o técnico de integração em mercado normal de trabalho, Rui Moreira, assinalariam as dificuldades que o sector evidenciava «…tendo sido dado enfoque à falta de recursos humanos para promover a integração dos nossos utentes em mercado normal de trabalho».480 À medida que o ano de 2008 avançava as restrições financeiras foram tomando conta da actividade dos diversos sectores e valências, reflectindo-se negativamente na sustentabilidade da Instituição. Em Maio, a ARCIL entregaria em reunião na SS documentação relativa às dificuldades que experimentava em termos de Centro de Actividades de Tempos Livres, Lar Residencial, Viaturas e Transportes, Programa PARES, Equipamentos e CAO Rui Ramos, membro da direcção, destaca o ano de 2010 como momento de nova reflexão interna e alteração no modelo de gestão: «A crise internacional faz com que a ARCIL tenha de alterar radicalmente o seu paradigma de gestão. Todo o investimento começa a ser questionado. Todos os membros de direcção tiveram de arregaçar as mangas e tornar-se gestores-amadores»481.

ADA – Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 2008, Acta n.º 4, 06/02/2008 ADA – Livro de Actas da Assembleia Geral da ARCIL, 2007-2011, Acta n.º 5 14/02/2008 481 Rui Ramos entrevistado por João Pinho, 23/01/2014 479 480

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Com a crise económica instalada e sem fim à vista, houve necessidade de abordar a sustentabilidade da ARCIL, definindo-se novas medidas de contenção. Assim e após reunião no dia 30/5/2011 com Coordenadores de Programas e Responsáveis das Unidades de Produção, foi deliberado: - «Congelar as admissões de novos colaboradores», com excepções e «não efectuar renovações de contratos a prazo»482. Por outro lado, foram revistas todas as comparticipações nas respostas sociais – CAO, LR, LA, SAD e ATL - em função do aumento da inflação. Neste ano foram revistas as tabelas de comparticipação familiar que até à data se encontravam abaixo dos valores definidos pela Segurança Social. Em 2011 houve um esforço de aproximação dos valores das comparticipações às Tabelas definidas pela tutela – SS, implicando aumentos maiores do que habitualmente nos valores a pagar.

3. NOVOS DESAFIOS E PROJECTOS Nos últimos 13 anos a ARCIL vem desenvolvendo projectos com várias entidades, a maioria com ligações ao Estado: Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social: Delegação Regional do Centro do Instituto de Emprego e Formação profissional - IEFP (Medida de Qualificação para pessoas com Deficiência; Medida de Informação, Avaliação e Orientação Profissional, Medida de Acompanhamento e Apoio à Colocação; Ajudas Técnicas, Centro de Recursos Local da Lousã e Arganil e Programas Vida – Emprego); Centro de Emprego da Lousã (Centro de Emprego Protegido, Programas Emprego Inserção e Emprego Inserção +, Empresas de Inserção, Estágios Profissionais, Passaporte Emprego, Medida Estímulo); Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social de Coimbra – protocolos de cooperação em diversas valências – Centros de Actividades de Tempos Livres, Centro de Actividades

ADA – Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 2011, Acta n.º 23, 08/06/2011

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Ocupacionais, Lar Residencial, Lar de Apoio e Apoio Domiciliário, PCAAC – Programa Comunitário de Ajuda Alimentar a Carenciados; Ajudas Técnicas). Ministério da Educação: DREC/DGEST – Projecto Centro de Recursos para a Inclusão - CRI Ministro da Presidência: Secretaria de Estado do Desporto e da Juventude – Agência Nacional para a Juventude – Projecto EVS (European Voluntary Service) INR – Instituto Nacional para a Reabilitação483 - Sub Programa II Cultura e Lazer Cooperação com Instituições de Ensino: Conselho Geral do Agrupamento de Escolas da Lousã, Conselho Geral da Escola Secundária da Lousã, Instituto Superior Miguel Torga, Escola Superior de Saúde Jean Piaget do Algarve, Escola Profissional da Lousã, Centro de Estudos e Formação do Instituto Bissaya Barreto, ESEC – Escola Superior de Educação de Coimbra, Escola Superior de Saúde da Universidade de Aveiro e Faculdade de Psicologia e Ciências de Educação de Coimbra. A ARCIL é associada de Organizações Não Governamentais, de âmbito Regional e Nacional: FORMEM - Federação Portuguesa dos Centros de Formação Profissional e Emprego de Pessoas com Deficiência, CNIS – Confederação Nacional das Instituições de Solidariedade Social, DUECEIRA - Associação de Desenvolvimento do Ceira e Dueça, CNOD – Confederação Nacional dos Organismos de Deficientes, ANACED - Associação Nacional de Arte e Criatividade de e para as Pessoas com deficiência, EAPN - Rede Europeia Anti – Pobreza, HUMANITAS – Federação Portuguesa para a Deficiência Intelectual, ANDDI Portugal – Associação Nacional de Desporto para a Deficiência Mental e AFLOPINHAL. Ao nível da Cooperação Internacional, a ARCIL é associada da Organização Internacional Não Governamental - EASPD (European Association of Service Providers for Persons with Disabilities).

Instituto Nacional para a Reabilitação (INR) foi criado na sequência das orientações definidas pelo Programa de Reestruturação da Administração Central do Estado (PRACE), e pela orgânica do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social (Decreto-Lei nº 211/2006, de 27 de Outubro), levando à extinção do SNRIPD

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Estes desafios e projectos entroncam numa longa história. A partir de Dezembro de 2000 a ARCIL passou a nomear representantes para a Comissão de Protecção de Crianças e Jovens da Lousã (tanto para a Comissão Restricta como para a Comissão Alargada). Seria representada na 1ª reunião plenária, a 29/3, pelo Dir. da Reabilitação, Nuno Guedes e pela Psicóloga Clinica, Cláudia Moreira. O 3º Quadro Comunitário de Apoio levou a instituição a corresponder de uma forma rápida e eficaz. Assim, em Janeiro de 2001 a direcção aprovaria uma proposta para corresponder «…de forma adequada aos diversos apoios e iniciativas (…) através do recurso à subcontratação para a execução de candidaturas a empresas ou a parceiros dos projectos, nos casos em que tal seja de todo impossível com os meios internos nos prazos estabelecidos»484. Mantendo a visão empresarial, e sustentado em estudo de viabilidade económica, a ARCIL decidiria abrir uma loja no Intermarché, em 2001, cuja imagem seria produzida pela empresa Clickart. Este novo espaço procurou ser resposta à baixa procura dos serviços na antiga loja, situada junto aos correios. O novo espaço assegurou vários serviços: vendia peças de artesanato produzidas pela cerâmica, produzia chaves e serviu de posto de recepção de roupa para a lavandaria. Para este espaço seria transferida a oficina de reparação de calçado (ORCA) que funcionava na antiga loja, a qual se manteve aberta mas apenas para venda de produtos de artesanato cerâmico. No entanto, o futuro mostraria a deficiente avaliação dos riscos: nos finais de Outubro de 2006, o Dep. De Gestão informava a direcção que o estipulado sobre as obras nas instalações do Intermarché e ORCA não estava a ser cumprido na íntegra sugerindo a «…transferência futura desta loja para outra superfície»485. No ano seguinte, e na reunião de 19/04/2007 a direcção da ARCIL optaria pelo encerramento definitivo do espaço, com efeitos a partir de 31/5, concordando com proposta do Dir. Dep. de Gestão onde referia um conjunto de situações irreversíveis: «…valores do prejuízo consecutivo verificado, o esgotamento das possibilidades de reduzir o custo da renda e/ou pessoal, o ponto de situação económico ADA – Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 2001, Acta n.º 218, 19/06/2001 ADA – Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 2006, Acta n.º 16, 25/10/2006

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da ARCIL e a confirmação de entrada no mercado de dois ou três espaços, com perspectiva de redução de tráfego no Intermarché»486. Intimamente relacionado com a discussão em torno do modelo de gestão, a ARCIL emergiria, em 2008 a questão da certificação social de que resultaria a implementação de dois projectos de qualidade. O primeiro passo deu-se na reunião de direcção do dia 10/09, quando de acordo com informação do Dep. Reabilitação se concordou com parecer do CG em avançar com candidaturas aos projectos: QUALIS - «…relativo à implementação de processo de qualificação dos recursos nas organizações sociais» e ARQUIMEDES - «…implementação de processos de certificação de qualidade, no âmbito da medida 6.4 do POH»487, tendo em vista qualificar e certificar os seus serviços com reflexos directos na eficiência das actividades da Associação. Para acompanhamento seria nomeada uma equipa de trabalho: Dagoberto Marujo (Vice Presidente), Psicólogo Fernando Silva (do Dep. Reabilitação) e Eugénia Guerra (Dep. Gestão). Sobre o programa Arquimedes realizou-se a 02/03/2009 um workshop para todos os colaboradores. No mês seguinte e sobre o Programa Arquimedes deliberou-se escolher o procedimento de ajuste directo com convite a uma entidade para apresentação de proposta para prestação de serviços de consultoria, que seria efectuado à Global Change – Consultores Internacionais Associados. Em Dezembro de 2008 seria aprovada a candidatura “EQUASS-A qualidade ao serviço de todos» no âmbito do POPH – medida 6.4 Qualidade dos Serviços e Organizações. O projecto QUALIS teria a primeira sessão de consultadoria em Janeiro de 2009, dinamizada por Pedro Antunes, da Logframe. A qualidade seria uma das palavras e pensamentos chave destes anos levando à realização de várias diligências. Internamente constituiu-se uma equipa gestora do sistema de qualidade constituída por Dagoberto Marujo, Cristina Silva, João Canossa e Eugénia Guerra. ADA - Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 2007, Acta n.º 7, 19/04/2007 ADA - Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 2008, Acta n.º 23, 10/09

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A 10/01/2011 aprovaram-se todas as políticas, os processos (Processos Chave, Processos de Gestão e Processos de Suporte) e procedimentos do Sistema de Gestão de Qualidade (SGQ), bem como um conjunto de políticas e documentos estruturantes do sistema de Gestão da Qualidade: a Carta de Direitos e Código de Ética e a Carta de Direitos do ATL e, a 14 do mesmo mês, o Manual da Qualidade e Manual de Funções. No entanto, a 07/02/2011 foi conhecida a não certificação EQUASS na sequência de auditoria de certificação realizada a 17 e 18/1. Em resposta foi deliberado introduzir alterações de melhoria proposta a curto prazo e preparar auditoria de seguimento que seria assumida pela I-Zone. Contudo, a 07/03/2011 tomar-se-ia conhecimento da aprovação da candidatura do Projecto Rumo à Excelência, no âmbito do POPH – Tipologia 6.4; Qualidade dos Serviços e Organizações. Uma notícia recebida com evidente regozijo «…não só pela notoriedade e visibilidade que a futura conquista do nível de certificação Excellence do EQUASS virá conferir, mas também pelos novos desafios decorrentes da exigência de se preencher mais requisitos EQUASS, alargando o espectro de possibilidades de melhoria contínua».488 Em Setembro de 2011, recebeu-se a desejada comunicação da certificação EQUASS, ASSURANCE nível 1: «Esta certificação culmina um intenso e prolongado trabalho de adaptação a normas e procedimentos rigorosos, o que contribui para a valorização da qualidade dos nossos serviços, sendo este certificado a demonstração dessa qualidade»489. Graças ao empenho dos seus colaboradores, todas as áreas da ARCIL foram certificadas ao nível da qualidade dos serviços A certificação EQUASS, EXCELLENCE, nível 2, chegou a estar prevista para 2011 mas a instituição decidiria não avançar considerando os efeitos negativos para a execução deste projecto pela difícil situação económica e financeira que a Instituição vinha atravessando. Por outro lado será de realçar a elaboração do Plano Estratégico 20102014, aprovado em Junho de 2010 e ratificado pela AG a 27/11/2010, com ADA - Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 2011, Acta n.º 9, 07/03/2011 ADA – Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 2011, Acta n.º 40, 19/09/2011

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calendarização e codificação de todos os processos chave e criação do sistema de registo e monitorização de acções de formação às equipas de implementação dos procedimentos. Em Janeiro de 2003, começaram as primeiras reuniões entre a ARCIL e a SS, tendo em vista a formalização de candidatura para a criação de um Centro Comunitário, mas que não foi aprovada. Este projecto apoiaria várias populações, nomeadamente, com deficiência, crianças em risco social, jovens excluídos socialmente, mulheres maltratadas e outras pessoas com problemáticas especificas de natureza social. A ARCIL participaria de forma activa na discussão e implementação de legislação sobre reabilitação. Em Agosto de 2002 enviaria carta ao Ministro do Trabalho e da Solidariedade Social, Bagão Félix, apresentando «diversas situações sobre a Reabilitação», do que resultou uma reunião com a ARCIL por altura da elaboração do «Projecto de Lei de Bases da Reabilitação»; e nos princípios de 2004, participaria no Projecto de Decreto-Lei do Ensino Especial, com contributos vários fornecidos ao respectivo Ministério. Em meados de 2004 a ARCIL apresentou duas candidaturas ao programa Leader+: o Locomove, para aquisição de uma viatura para as unidades produtivas e o Encaixa que consistia na produção de caixas de madeira para vinho, tendo em vista o desenvolvimento da ARCILMADEIRAS. Contudo, este último não se chegou a desenvolver conforme o previsto. Em Junho de 2010, e na sequência do pedido de apoio da Acção 332 – Serviços Básicos para a População Rural no âmbito do Sub-Programa 3 do PRODER, o projecto apresentado pela ARCIL e com a designação ARCIL LOCOMOVE, obteve parecer favorável. Previa uma taxa de financiamento de 75% sendo o valor total elegível de 29,927,87€ de que resultou o subsídio de 22.445,90€ para aquisição de carrinha de 9 lugares 490. Projecto que se veio juntar ao ARCILPROMOVE que tentou, sem sucesso, a aquisição de uma carrinha para venda de cerâmica.

ADA – Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 2010, Acta n.º 12, 09/06/2010 e Acta n.º 15, 21/07/2010

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Em 2010 seria aprovado o Projecto Trama Mamed financiado pela Comissão Europeia, que envolveu 14 países tendo como objectivo «… fomentar a reparação de material médico e mecânica para ajudas técnicas».491, Na qualidade de representante de Portugal no programa a ARCIL assinou acordos com os HUC, Centro de Medicina de Reabilitação do Hospital Rovisco Pais e ARS, com vista à reparação de equipamentos que aquelas unidades possuiam. Promoveu-se ainda um curso de formação de pessoas com algumas incapacidades para aquisição de conhecimentos. Desta forma, a ARCIL desenvolveu conhecimentos técnicos e formação profissional especializada para a reparação de equipamentos médicos usados, tendo-se constituído uma oficina. Porém, esta não chegou a abrir para o exterior e tendo resolvido algumas necessidades internas enquanto oficina de formação veio, posteriormente, a extinguir-se. Recorde-se, a propósito das Ajudas Técnicas, que a ARCIL é, desde 1996, um Centro Prescritor de Ajudas Técnicas. Actualmente, uma equipa (EAT- Equipa de Ajudas Técnicas) é responsável pelo processo de prescrição e aquisição de ajudas técnicas para utentes e outros indivíduos que necessitem deste apoio, procurando a obtenção da máxima funcionalidade e qualidade de vida das pessoas com base numa avaliação das suas situações particulares. Sempre que necessário, é efectuado um levantamento das necessidades particulares dos utentes quer seja na Instituição, no âmbito dos diversos sectores, quer seja na habitação do utente, ou nos transportes da ARCIL no sentido de serem feitas as adaptações necessárias em termos de acessibilidades, mobilidade, segurança e conforto. A necessidade de dar sequência a projectos obrigou a decisões com algum risco. A 01/03/2010 o executivo da CML aprova a transferência para a ARCIL das propriedades seguintes: Cabo do Soito, Santa Rita (onde funciona a ARCILCERAMICA), e o local da antiga cadeia na Rua Eng.º Duarte Pacheco onde estava instalada a fábrica de cartões. A doação seria oficializada a 02/06/2010, com excepção da propriedade ao Cabo do Soito, só mais tarde regularizada:

ADA – Livro de Actas da Assembleia Geral da ARCIL, 2007-2011, Acta n.º 52, 21/04/2010, fl. 30v.

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«…por questões técnicas, na medida em que a Câmara é co-proprietária desses terrenos com um outro individuo e a transferência da propriedade implica uma permuta de uma das parcelas da Câmara pela parcela do outro proprietário para que se possa legalizar a doação de propriedade à ARCIL»492. A CML justificou a doação pela divida do concelho para a ARCIL, um acto de justiça, pois há anos que estava ao dispor da ARCIL que ali fizera diversas benfeitorias. A 27/11/2010 a AG deu autorização á direcção para a celebração de contratos onerosos, nomeadamente com garantia especial de hipoteca sobre o prédio urbano da sede da Associação, sito em Cabo Soito com o objectivo de adquirir financiamento para vários projectos da ARCIL. Assim seriam celebrados com a CGD contrato de mútuo até ao montante máximo de 500.000 euros, utilizando esse montante de acordo com as necessidades, ou seja: a) De mútuo, pelo prazo de 2 anos, para adiantamento dos subsídios a fundo perdido dos projectos: PROAGRO (27.500 euros) ARCILPROMOVE (15.000 euros) LOCOMOVE (22.500 euros) b) Financiamento de mútuo de médio/longo prazo de 25.700 euros pelo prazo de 5 anos, para financiamento das parcelas não subsidiadas nos investimentos naqueles projectos c) Financiamento a médio/longo prazo de 18.000 euros pelo prazo de 7 anos, para financiamento de um sistema solar fotovoltaico, 100.000 euros, pelo prazo de 6 meses prorrogável.493

«Câmara transfere propriedade de terrenos à ARCIL» In Trevim, 11/03/2010 Idem. Acta n.º 53, 27/11/2010, fl. 38

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ARCIL hoje

Edifício Sede da Arcil (Centro D. Emília Carvalho)

Edificio sede da Arcil - acesso principal

Salas de formação (antiga pecuária)

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ARCIL hoje

Sede da Arcil - Edificio da Formação Profissional (antigo bloco da pré-profissional)

Sede da Arcil - Oficinas de mecânica

Sede da Arcil - Jardins

Sede da Arcil - Ringue desportivo

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Pessoas, Ideias e Afectos | ARCIL – um projecto de causas

ARCIL hoje

Edifício de CAO-CEO

ArcilCERÂMICA - exterior

ArcilMADEIRAS

Lar de apoio, Casa das Cores

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ARCIL hoje

Lar 1 - Pessoas com deficiência profunda (Santa Casa da Misericórdia da Lousã)

Lar 2 - Pessoas com deficiência grave/profunda (Santa Casa da Misericórdia da Lousã)

CAO - Pólo de Góis

Quinta do Caimão

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4. A ARCIL ENTRE O PRESENTE E O FUTURO Como afirma Leonardo da Conceição, a ARCIL assume um papel destacado na história da reabilitação em Portugal que em muito se deve à qualidade dos seus corpos directivo e técnico: «Conseguiu mais cedo colocar no terreno algumas respostas que mais tarde se vieram a desenvolver no âmbito nacional: começar a pensar no emprego, descolar do ambiente puramente educativo, criar outras respostas integradas nas várias dimensões do que eram as necessidades das pessoas com deficiência, deu suporte às escolas. Teve um papel de pioneiro nas diversas áreas»494. Importa referir que até meados dos anos 90, a abertura da sociedade não era a mesma que temos agora. O olhar das pessoas sobre a deficiência era a do coitadinho, prevalecendo uma visão assistencialista e caritativa. Perante problemas comuns, as instituições reuniam-se e trocavam ideias: «Havia uma defesa do grupo de instituições face a um terreno marginal na sociedade. Discutíamos coisas em grupo e precisávamos do conforto do grupo para o que estávamos a fazer. Porque havia muitas expectativas em cima de nós, nossas, dos pais, dos próprios jovens»495 Actualmente, como quase todas as associações em Portugal, a ARCIL debate-se com problemas financeiros. Como assinalou Marques Leandro «Vendemos bens e serviços e o mercado está em crise. Todo o mercado está em crise e nós estamos a lutar com essa dificuldade conjuntural»496. Mas, até neste ponto e nos últimos anos, a instituição se destacou pela positiva: em Dezembro de 2011/Janeiro de 2012 desencadeou-se uma onda de solidariedade interna em que 90% dos seus colaboradores doaram os subsídios de Natal e de férias como forma de contribuir para o equilíbrio financeiro, gesto que sensibilizou a direcção que emitiu um voto de louvor aos seus colabora-

Leonardo da Conceição entrevistado por João Pinho, 19/12/2013 Idem. 496 Marques Leandro entrevistado por Marta Ramos 494 495

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dores497; e em Dezembro 2012/Janeiro de 2013 não sendo possível à direcção pagar os subsídios e as remunerações mensais, um grupo de trabalhadores498 toma a iniciativa de pedir aos seus colegas a doação dos subsídios, conseguindo o montante de 84.260€ no total de 109.714 €499 A atribuição pela Segurança Social, em Dezembro de 2011, de subsídio para reequilíbrio financeiro no valor de 150.000 euros e, em Dezembro de 2012, de subsídio extraordinário no valor de 250.000 euros, também para equilíbrio financeiro, foram momentos muito importantes, que se devem assinalar, na medida em que reflectem a projecção nacional do importante papel social que a instituição tem desenvolvido. Esta acção seria reforçada, no ano seguinte, e nas comemorações do 37º aniversário da ARCIL, pela presença de Marco António Costa, Secretário de Estado da Solidariedade e da Segurança Social. Importa também sublinhar, e ainda a este nível, o grande apoio dos lousanenses e organizações regionais, que se uniram e deram provas de grande solidariedade e apreço em relação à instituição ARCIL, auxiliando-a num momento muito difícil. Assim, superar a grave crise económica e financeira é, a todos os níveis, o maior desafio que se coloca a esta instituição dados os condicionalismos à implementação de planos de investimento. Desta forma, a busca de soluções inovadoras, uma característica diferenciadora da instituição ao longo do tempo, mas também novas formas de gestão e de comunicação, são imperativos para que se mantenham as condições necessárias ao apoio dos seus utentes. A alteração legislativa do emprego protegido, há muito pedida pelas associações do sector, veio a revelar-se uma enorme surpresa, em que foram, depois de muito debate, consideradas as sugestões destas associações. Embora ainda não esteja regulamentada, a lei introduz grandes mudanças ao nível da organização e

ADA - Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 2012, nº1 (03/01/12) e nº 17 (16/04/12) Constituido pelos trabalhadores: Alcino Quaresma, Eugénia Guerra, Paulo Renato, Rui Moreira e Ulisses Martins 499 Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 2013, acta nº 1, 07/02/2013, pp. 1-2 497 498

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empregabilidade das pessoas com deficiência, o que coloca à ARCIL e aos outros Centros de Emprego Protegido grandes desafios no futuro próximo. No fundo não foi respeitado o passado: «As práticas da ARCIL ajudaram a criar a legislação. Temos uma boa relação com a legislação. Sempre atentos e críticos»500. O emprego protegido criou estruturas económicas, onde o Estado apoiou no investimento inicial e na manutenção. Os trabalhadores devem ser integrados no mercado de trabalho sempre que possível, mas agora têm um período de 5 a 10 anos, findo o qual deixa de poder pertencer ao emprego protegido. Na década de 90 foi definido o número máximo de trabalhadores de Emprego Protegido em 69 individuos. No entanto, o novo Acordo de Cooperação define a necessidade de reduzir o quadro de trabalhadores enquadrados pelo regime de Emprego Protegido a 40, até 2017, o que implica a impossibilidade de admissão de novos colaboradores e a saída de colaboradores por integração em mercado normal de trabalho ou por outros motivos, nomeadamente por reforma. Acima de todas as preocupações sobre o emprego protegido está o interesse politico em que a medida acabe e se torne um pouco como as empresas de inserção: «Ao fim da formação e profissionalização, vão embora sem garantias de que aquilo que obtiveram na ARCIL lhes garanta o sustento lá fora. Criação de respostas ocupacionais para pessoas deficientes é um desafio actual. Terá de haver flexibilidade. Temos pessoas a trabalhar há mais de 20 anos em emprego protegido, quase todos na ARCIL. Existem outras pessoas colocadas em empregos mas não em apoio protegido»501. A Lousã é, hoje em dia, impensável sem a ARCIL, mesmo em termos de empregabilidade. Desde o seu início, a responsabilidade territorial vem abrangendo não só o Município da Lousã, mas também Góis (onde possui um CAO), Miranda do Corvo, Pampilhosa da Serra e Poiares, apesar da predominância dos utentes do município sede. A ARCIL emprega, atualmente, 202 pessoas, das

Rui Ramos entrevistado por Marta Ramos 25/02/2011 Cristina Silva, Directora Executiva do Departamento de Reabilitação entrevistada por Marta Ramos, 25/02/2011

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quais 60 com deficiência ou incapacidade e, para além deste quadro, tem cerca de 50 pessoas em prestação de serviços em áreas muito variadas. Em 2012, a ARCIL apoiou nos diversos serviços 600 clientes mais 184 no ATL e, em 2013, foram apoiadas 723 pessoas mais 184 no ATL. Além destes aspectos, importa referir a necessidade de estar atento às novas necessidades dos seus utentes, o que acarretará requisitos de recursos humanos diversificados e a actualização dos seus técnicos para fazer face a novas necessidades. Neste sentido, a ARCIL aceitou, em Outubro de 2013, a parceria proposta pela Câmara Municipal da Lousã para assumir a coordenação técnica, administrativa e financeira do Programa de Contratos Locais de Desenvolvimento Social (CLDS+), o qual se traduziu na implementação de 3 eixos fundamentais: emprego, em especial para pessoas com deficiência; intervenção em crianças e familias em risco; e capacitação das instituições. Neste contexto, ARCIL desempenha, também, a função de interlocutora da parceria com o Instituto da Segurança Social502. Grande parte dos utentes da ARCIL continuam a ser pessoas com deficiência intelectual, embora tenham vindo a ser integrados, em maior proporção, utentes com outras tipologias de deficiência, nomeadamente deficiência psicológica ou doença mental. Estas questões estão subjacentes à execução do Plano Estratégico da instituição para 2014-2016 (aprovado pela AG de 23/11/2013), depois de revisto e apresentado por Rui Ramos, em 2013, e ainda na qualidade de vogal da direcção. A criação de um lar residencial que substitua os elevados encargos com a renda à SCML é outro dos projectos em equação há vários anos. Aguarda-se pela abertura de nova medida que possibilite a sua concretização. A inclusão escolar também tem sido muito debatida. Ana Araújo, responsável pelo CAO, alerta no entanto para a necessidade de prudência neste campo: «Continuo a acreditar na integração escolar. Desde que haja condições, quer físicas, quer recursos humanos para o fazer com qualidade. Porque ter

Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 2013, Acta nº 33, 08/10/2013, p.1

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crianças com deficiência numa escola não é logo sinónimo de integração escolar. Eles têm que participar na vida escolar»503. O pioneirismo manteve-se como traço da actividade da instituição: em Junho de 2012, por exemplo, promoveu curso em Portugal para a aprendizagem da fala, coordenado por Diane Lewis. Para Marques Leandro504, e apesar das muitas dificuldades que a ARCIL tem ultrapassado, devemos acreditar num futuro melhor, baseando a sua afirmação em variados aspectos: «Há várias manifestações de reconhecimento da capacidade dos nossos técnicos a todos os níveis. Os Estagiários encontram aqui boas práticas, bons orientadores e um espirito de voluntariado, de vocação e afectividade».505 O desenvolvimento de novos projectos e o enquadramento de candidaturas que se ajustem à sua filosofia e missão continuam a nortear a instituição. Acima de todas as preocupações mantém-se a acessibilidade, traduzida por exemplo, no plano Turismo para todos, assente num grupo de trabalho interno que desde Junho de 2013 vem amadurecendo a ideia. No mesmo sentido realizou-se no CoimbraShopping, entre 23/11 e 03/12/2013 uma acção de sensibilização dirigida a lojistas e colaboradores para o atendimento de pessoas com necessidades especiais, designada por Mostra ARCIL, com especial ênfase às atividades artísticas, música e dança. Nos últimos anos, e fruto da evolução da sociedade, a ARCIL teve de apostar em áreas chave ligadas à imagem de que foi exemplo a aprovação do Plano de Marketing e Identidade Gráfica da ARCIL (2013). Ainda na perspectiva da Qualidade, a melhoria contínua tem obrigado à constante renovação de metodologias e processos colocando novos desafios na prestação dos serviços. Em 2014 entrou em funções a nova direcção presidida por Rui Ramos. O seu projecto para os próximos anos passa pelo retorno ao primado do técnico sobre o financeiro: «É uma perspectiva difícil, porque a ARCIL foi obrigada nos últimos anos a ter uma perspectiva de gestão para o equilíbrio económico-financeiro. Man-

Ana Araújo entrevistada por Marta Ramos, 24/02/2011 Presidente da Direcção da ARCIL. Ex-Secretário de Estado da Administração Regional e Local 505 Marques Leandro entrevistado por Marta Ramos

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tendo um patamar de qualidade digno mas, todos os olhos, sobretudo a gestão de topo, estiveram para a sustentabilidade da instituição. Era inevitável, pois não seria possível desenvolver mais nenhum projecto se isso não estivesse resolvido. O meu projecto de mandato tem muito a ver com a recuperação das prioridades técnicas. A ARCIL como instituição de técnicas de qualidade, que devem ser para a excelência, mas ao mesmo tempo uma instituição que consiga produzir conhecimento e se torne uma instituição de referência para a própria comunidade científica. Nos últimos anos o pilar técnico não teve o investimento desejável, não por questões de prioridade mas por incapacidade financeira. Seria grave se isso perdurasse. Ninguém pode criar o melhor produto do mundo se não tiver uma estrutura para o financiar. Acho que a ARCIL deve criar condições durante um período para financiar o melhor produto do mundo, a nossa qualidade técnica. É a altura da ARCIL criar condições de investimento para a área técnica»506. No fundo, a ARCIL continua aquilo que sempre foi: uma casa de afectos, onde as manifestações de solidariedade e compreensão pautam o dia-a-dia, entre funcionários, entre estes e os utentes, ou através de manifestações da comunidade vinda das pessoas mais humildes e desconhecidas, às figuras públicas. Tal foi o caso da visita do cantor Tony Carreira no dia 16/8/2013 à instituição na qual referenciou a instituição como receptora de oferta de 5000 euros em produtos alimentares Continente. Contudo, Portugal mudou, a Europa e o Mundo também. Nos tempos difíceis e incertos que atravessamos, sobretudo ao nível da reabilitação, convém olhar o passado com extrema lucidez e recordar algumas conquistas em que a ARCIL participou mas que estão hoje perdidas: o departamento da reabilitação no IEFP já não existe ou a legislação que há 2/3 anos esteve para acabar com o Emprego Protegido são sinais preocupantes para o futuro. Como afirma Carvalhinho «há um conjunto de conquistas do passado que se hoje não forem asseguradas podem levar as instituições a terem de mendigar como antigamente»507. É este o futuro que queremos para a reabilitação e deficiência em Portugal? Rui Ramos entrevistado por João Pinho, 23/01/2014 José Ernesto Carvalhinho entrevistado por João Pinho, 19/12/2013

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PRÉMIOS E DISTINÇÕES Em Junho de 2004 o Instituto Superior Bissaya Barreto elegeu a ARCIL como «instituição modelo do ano». Em 2007 ARCIL foi finalista do Prémio Cidadania das Empresas e Organizações, promovido pela PricewaterhouseCoopers em parceria com a revista Exame, o qual pretendia reconhecer as empresas e ONG mais bem sucedidas na aplicação de politicas de responsabilidade social nas componentes económica, social e ambiental. Momento alto da história da instituição seria vivido no dia 10 de Junho de 2007, em Setúbal, por ocasião da comemoração do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades Portuguesas: a ARCL tornava-se Membro Honorário da Ordem de Mérito, atribuída pela Presidência da República508. A distinção trouxe maior visibilidade para a Associação, mas também responsabilidade. Alguns anos depois, o Prémio BPI Capacitar 2010, no valor de 200,000€ distinguiria a ARCIL e a candidatura Sustento, constituindo um motivo de grande orgulho: «Esta distinção resulta do elevado Valor Social reconhecido ao nosso projecto para a melhoria da qualidade de vida e integração na sociedade de pessoas portadoras de deficiência ou incapacidade permanente»509. O prémio foi entregue no CCB a 22/11/2010. Submetido entre 300 concorrentes, consistia na construção de um edifício, orçado em 1,7 milhões de euros, onde todos os serviços da ARCIL fossem centralizados. Considerado ambicioso, pretendia valorizar as pessoas com deficiência, pela afirmação da autossustentabilidade e redução de dependências face a apoios estatais.

A Ordem de Mérito destina-se a galardoar actos ou serviços meritórios praticados no exercício

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de quaisquer funções públicas ou privadas ou que revelem desinteresse e abnegação em favor da colectividade

ADA – Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 2010, Acta n.º 15, 21/07/2010

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Também em Junho deste ano a ARCIL seria uma das 10 IPSS destinguidas no âmbito do programa Portugal Solidário – Mota Engil, com o prémio Manuel António da Mota, entregue no Palácio da Bolsa, no Porto, pelo PR, a 21/11. Entre 346 projectos a concurso, a ARCIL apresentou a candidatura “Comunicação Acessível”, no âmbito do Ano Europeu do Combate à Pobreza e Exclusão Social, da autoria de 2 jovens terapeutas da fala do CRI, João Canossa e Mariana Teixeira, que constava de uma “Agenda para todos” relativa ao ano de 2011 e que pelos seus formatos e disposição tornavam fácil a comunicação às pessoas. Receberam menção honrosa e 5.000 euros. Na TSF passou uma reportagem sobre ARCIL “Onde Começa o Arco-Iris”.

2007 - Arcil recebe a medalha da Ordem de Mérito

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2013 - Colaboradores e utentes da Arcil CAPÍTULO 6 – A ARCIL no séc. XXI: a continuidade da obra e os novos desafios

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Integração da Arcil na Lousã, 2015.

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DEPOIMENTOS

M. Amélia Martins Amaro Barata

ARCIL, UM EXEMPLO DE PARTICIPAÇÃO CÍVICA E EMPOWERMENT Fico feliz por poder dar o meu contributo para o livro sobre a história da ARCIL, quer como cidadã, quer como assistente social, que trabalhou para que esta Associação se formasse. Após o 25 de Abril de 1974, as pessoas com deficiência passaram a ter direitos que não lhes eram reconhecidos, anteriormente, no nosso país. As políticas, social e educativa, passaram a permitir condições especiais de educação e desenvolvimento destes cidadãos, possibilitando a promoção das suas aptidões e a sua realização como pessoas que podem dar contributos válidos à sociedade. Por outro lado, no caso de deficientes profundos, permitiu apoiar e aliviar o enorme esforço dos seus pais e familiares, assim como responder à sua angústia pelo futuro dos filhos, através da resposta dada pelos lares-residência. Exercia a minha actividade como assistente social, no Posto Médico da Lousã, dependente da Caixa de Previdência e Abono de Família do Distrito de Coimbra, desde Agosto de 1975. Fase de grande mudança e dinâmica social e em que, apesar dos poucos recursos, havia o entusiasmo dos meus vinte e sete anos de idade para construir algo que fosse socialmente útil. A minha formação em serviço social e os objectivos que perspectivava no meu trabalho, tinham mais afinidade com a saúde pública, do âmbito do centro de saúde, do que a acção curativa dos postos médicos, pelo que comecei a trabalhar em articulação com aquele, antecipando-me à legislação que viria a integrar os serviços de saúde. Assim, acompanhei as equipas de saúde escolar com médicos policlinicos de serviço à periferia, em que, além da observação das crianças se ouvia o depoimento das e dos professores, se fazia educação para Depoimentos

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a saúde para os pais e mães presentes. Esta foi uma oportunidade de conhecer algumas das realidades no que se refere aos problemas da deficiência, no concelho. Essa informação foi-me complementada com a identificação de famílias, com o mesmo problema, que eram do conhecimento da enfermeira Natália, especialista em saúde pública, a trabalhar há muitos anos na Lousã. Tinha conhecimento das novas políticas educativas e dos movimentos em desenvolvimento no país: a criação da Divisão de Ensino Especial, a formação de professores para o «Ensino Especial Itinerante», o movimento Cerci. Recolhi informações e visitei as Cercis de Lisboa e posteriormente a de Aveiro.510 Existiam, portanto, recursos consistentes que era urgente aproveitar e que permitiam passar, numa perspectiva sistémica, de um trabalho individual para uma intervenção nas famílias e na comunidade. Visitei e motivei, um a um, os primeiros pais, para o projecto que pretendia dar resposta aos problemas dos seus filhos. Convoquei-os depois, por escrito, para uma reunião, que se realizou no Centro de Saúde da Lousã. 511 A informação e conhecimento que tinha, passei-os aos pais; era essencial que assumissem este poder para que tomassem o projecto nas suas mãos. Depois de ter proporcionado o seu encontro, continuámos a debater ideias e a tomar decisões, em muitas outras reuniões, à noite, porque todos trabalhavam durante o dia. A estes pais outros se juntaram e foi uma experiência de grande participação cívica em que as decisões eram democráticamente tomadas. Uma dessas decisões foi que se contituisse uma associação e não uma cooperativa (Cerci), pelo que pedi a colaboração a um casal meu amigo, a assistente social, Maria Etelvina Pires Marques e Manuel Pires Marques, sócios fundadores, em 1975, do Cire (Centro Infantil de Recuperação) em Tomar, que prontamente se deslocaram à Lousã e além de nos darem os estatutos do Cire, falaram sobre a sua experiência.

A presidente da Cerci de Lisboa, actual presidente da FENACERCI, Julieta Sanches, pron-

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tificou-se a ir à Lousã, dar a sua colaboração.

A mãe, Deolinda Fernandes Simões, ainda hoje guarda essa convocatória, segundo me disse,

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num dos encontros recentes, na ARCIL.

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A coesão do grupo e o envolvimento afectivo dos pais permitia que cada um desse o seu contributo em ideias e trabalho: o pai e professor, António Maio, que logo manifestou a suas aptidões de liderança, foi escolhido para presidente da associação, com a vantagem de ter ficado destacado, a tempo inteiro, na Associação; o logotipo inicial foi elaborado por outro pai, Luís Torres; a mãe e professora, Olga Gama Maio, aderiu de imediato ao projecto e, quando os visitei, foi ela que motivou o marido a que aceitasse integrar o grupo inicial e posteriormente sempre participou nas reuniões. Os primeiros pais ajudavam a motivar outros conheciam. Outro aspecto que esteve sempre presente, foi a informação e o envolvimento da comunidade, pelo que se realizaram diversas reuniões. Uma, com os professores do «ensino primário» do concelho, com a finalidade de dar a conhecer a ARCIL e os seus objectivos. Houve muita participação e um professor, cujo nome não recordo, sugeriu que, dependendo do nível de dificuldades das crianças, estas não se deslocassem para um centro, mas antes que houvesse salas, nas escolas, para as mesmas, de modo que convivessem, com todos os outros colegas, nos recreios. Esta proposta teve concretização, na Lousã, por iniciativa e com a participação da nossa Associação, alguns anos mais tarde e com bons resultados. Outra reunião, aberta a toda a comunidade, realizou-se no Cine Teatro da Lousã, onde se deu a conhecer a intenção de abrir um centro quais as suas finalidades, a importância do apoio de todos e em que foi esclarecedora a intervenção da assistente social, Beatriz, socia fundadora da Associação de Paralisia Cerebral, em Coimbra, a quem pedi que ilustrasse, com diapositivos, o trabalho que já se realizava naquele Centro. O estabelecimento de redes e parcerias com outras pessoas e serviços, quer antes da abertura do Centro, quer depois de estar em funcionamento, foi uma constante, de modo a responder às necessidades e aproveitando os recursos e conhecimento de outros. Assim e, sem ser exaustiva, nestas redes de boas vontades, (pois tudo se resolvia sem necessidade de despachos ou burocracias), tenho que referir a colaboração do neuro pediatra, Luís Borges, que observou as crianças com deficiências mais severas, deslocando-se à Lousã, ao sábado e, mais uma vez, usámos as instalações do Centro de Saúde, disponibilizadas pelo delegado de saúde, Américo Viana de Lemos. Depoimentos

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Como não tinhamos psicólogo, pedi a colaboração do Centro de Saúde Mental Infantil de Coimbra e o psicólogo, Joaquim Rodrigues, recebeu-nos nesse Centro e analisou com os professores da ARCIL algumas estratégias de intervenção educativa, tendo em consideração os problemas das crianças que iam ser admitidas. A colaboração da assistente social, Beatriz, da Associação de Paralisia Cerebral de Coimbra, já referida, foi muito importante para esclarecer as pessoas presentes sobre a reabilitação que desenvolviam, pois, na época, era uma realidade quase totalmente desconhecida. A grande maioria dos pais e dos filhos com deficiência ficavam entregues à sua sorte e sem qualquer apoio. Estabelecemos articulação com a «Divisão de Ensino Especial» logo que se formalizou a Associação e recebemos na Lousã, Ana Araujo, uma colaboradora da Chefe desta Divisão do Ministério da Educação, Ana Maria Benard da Costa, que tomou conhecimento de todo o processo e esclareceu sobre o âmbito de intervenção da DEE e sobre os recursos com que poderiamos contar. A professora do «Ensino Especial Itinerante», Pilar Ribeiro, colaborou, orientando e exemplificando, aos professores e auxiliares da ARCIL, algumas técnicas de relaxamento e de motricidade para as crianças com dificuldades motoras. As parcerias estenderam-se a outros países: sugeri ao professor Maio, que logo aceitou, o contacto com o Movimento dos Companheiros Construtores. Esta ligação permitiu uma ajuda no trabalho de reconstrução da casa oferecida à ARCIL por Jorge Mário de Carvalho, empresário da Lousã, mas sobretudo estabeleceu uma articulação de conhecimento com outras realidades e recursos de que a instituição veio a beneficiar. É exemplo disso ter sido, mais tarde, doado à nossa Associação o equipamento de Snoezelen, vindo da Holanda. Talvez tenha sido a primeira instituição do país a ter este meio terapêutico, actualmente muito divulgado e utilizado também e com bons resultados, em doentes de Alzheimer e idosos. O meu trabalho, como assistente social, prolongou-se durante o primeiro ano de funcionamento do Centro, em que eu ia à ARCIL dois dias por semana. Nas entrevistas, para a admissão das auxiliares educativas, procurei transmitir-lhes toda a informação sobre a Associação e a importância do seu futuro trabalho e penso que ficaram motivadas. 478

Pessoas, Ideias e Afectos | ARCIL – um projecto de causas

A entrevista aos pais, que realizava antes da entrada dos filhos no Centro, permitiu colher informação essencial para tentar conhecer as causas do seu problema (anamnese), nem sempre fáceis de identificar e a situação socio-familiar. Este registo era essencial para a compreensão das situações e o delinear do plano individual de educação que procurava promover o desenvolvimento global de cada criança ou jovem. A equipa era ainda constituida, de início, por duas professoras do ensino básico, com especilidade atribuída pelo Instituto António Aurélio da Costa Ferreira, um professor de oficinas, um professor de educação fisica, uma educadora e auxiliares de educação. Tivemos oportunidade, logo no início, de participar numa acção de formação da DEE, aberta a todos e que decorreu em Aveiro. Depois da fase de intenso trabalho, com os pais, na organização da Associação, este trabalho em equipa, foi também muito entusiasmante, pois considero que constituiu a raiz de uma filosofia de intervenção, baseada no humanismo, no afecto e na participação. Ouvir e defender os pais, manter a articulação com todos ou ser porta-voz dos que tinham dificuldades em transmitir o que pensavam, de modo que fossem atendidos os seus anseios, como por exemplo, o atendimento das crianças com deficiência mais profunda e mais dependentes, foi um dos meus objectivos, conseguido. Na minha perspectiva, as crianças com condições de frequentar a escola, estariam na escola. Divergências? Houve: não acompanhei os pais na divulgação feita nas igrejas, embora fosse essa a forma mais fácil de encontrar o maior número de pessoas, nas várias localidades; senti, na altura, que não seria o contexto mais adequado para o esclarecimento objetivo das pessoas com o fim de obter a sua adesão e apoio; por discordância dos pais, as crianças e jovens não estiveram presentes na primeira feira em que se venderam os produtos dos seus trabalhos; expressei a opinão que seria uma oportunidade de promover a sua integração e que os mesmos se sentiriam valorizados pelo que tinham feito, mas a opinião emotiva dos pais foi contrária. No segundo ano de actividade da ARCIL, orientei o estágio de três alunas da licenciatura em serviço social, tendo uma, Lígia Soares, sido contratada no ano seguinte, exercendo a sua actividade na Associação, durante vários anos, com grande motivação. Depoimentos

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Algum tempo depois eram seis os profissionais de serviço social e, pelo que percebi, com o mesmo empenhamento e entusiasmo pelas causas da instituição. O serviço social, trabalhando com as pessoas directamente interessadas neste projecto, ajudou a gerar dinâmicas sociais que provocaram mudanças estruturais, de mentalidades e de cultura. A visão global da realidade, as competências para intervir, a empatia com os pais, o afecto e empenhamento, permitiram mudanças positivas e desenvolvimento social e económico ou seja, desenvolvimento sustentável. O importante, é abrir espaços de participação, num ambiente de confiança, e a criatividade manifesta-se, depois há que dar-lhe concretização. A ARCIL respondeu às necessidades de cidadãos do concelho da Lousã e de outros concelhos limitrofes, desenvolveu estratégias pioneiras em educação especial, criou emprego, produzindo bens e serviços socialmente úteis e promovendo, de facto, a integração social das pessoas com deficiência. A ARCIL, penso, constitui um pólo de desenvolvimento na Lousã. Como a história desenvolvida, neste livro, testemunha, a ARCIL tornou-se uma instituição de grande prestígio a nível nacional. Agradeço os convites e oportunidades de estar presente em aniversários e homenagens que também me foram dirigidas, designadamente durante a presidência de Marques Leandro. Essas foram ocasiões para recordar, encontrar amigos e ficar feliz pelos progressos da ARCIL. Mais uma vez os afectos estiveram presentes e isso é sempre importante. Agradeço ao professor Carvalhinho o presente livro e o convite para participar na construção da história da ARCIL. Termino com uma frase de G. M. Young, citado por M. Filomena Mónica e que traduz o sentimento de quem está a construir esta história: «A História não é, ou não é apenas, sobre o que aconteceu, mas sobre o que as pessoas do tempo pensaram que lhes estava a acontecer». Penso que fui fiel ao que senti, na época. M. Amélia Martins Amaro Barata, Assistente Social 480

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Idália Serrão

SEMPRE NA LINHA DA FRENTE! Acompanho há anos as atividades da Lousã, nomeadamente aquelas que são desenvolvidas pelas pessoas com deficiência, mobilizadas pelas suas famílias e enriquecidas por profissionais e académicos, cujo impacto se vem gradualmente traduzindo na comunidade, trazendo mais qualidade de vida a todos os cidadãos, alterando hábitos, promovendo a mudança e fazendo da diferença um ponto de partida para o desenvolvimento. Nas duas últimas décadas pude observar a dinâmica de um concelho que se foi modernizando de forma direcionada para a inclusão e onde foram tomadas decisões e feitos investimentos com base em efetivas preocupações de igualdade de oportunidades. Neste processo de construção de uma sociedade mais acessível, destaco três entidades que souberam congregar vontades, esforços, conhecimento e recursos, e que fizeram da Lousã um território em permanente construção e aperfeiçoamento na senda do cumprimento dos direitos básicos das pessoas com deficiência e das suas famílias, prestando a minha homenagem a todas as mulheres e a todos os homens que fizeram e fazem parte desta mudança. O grupo de pais que em 1976 fundou a ARCIL, inovando nas respostas. Ter um filho com deficiência no tempo da ditadura significava colocá-lo numa estrutura asilar ou então permanecer isolado e ver a família privada de vida social. É sensivelmente por esta altura que surgem em Portugal as primeiras movimentações associativas em busca de respostas diferenciadas para as pessoas com deficiência e que nasce o projeto da Lousã que acolhe adultos com deficiência em regime residencial e lhes dá uma ocupação funcional; reconhecendo à ARCIL a excelência da intervenção ao longo de todos estes anos, a satisfação Depoimentos

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daqueles para quem direciona o seu trabalho, a forma ágil e hábil como potencia o desenvolvimento de parcerias com o Estado e com diferentes agentes económicos e sociais, acrescento, com convicção, que o impacto do trabalho dos seus dirigentes e dos seus colaboradores se deve também medir através de uma observação atenta da forma como a Lousã olha para as pessoas diferentes e para o impacto que essa mudança trouxe à decisão política e à intervenção sobre o território enquanto realidade multidimensional. Hoje a Lousã é um espaço de integração e a ARCIL esteve na base de toda esta mudança. À Câmara Municipal da Lousã e ao Fernando Carvalho, presidente durante três mandatos, economista de formação, humanista certamente por convicção, que teve sobre um território de baixa densidade como a Lousã uma visão assente na valorização da diferença enquanto fator de desenvolvimento económico e social. O município rapidamente entendeu que uma parceria estratégica com a ARCIL seria catalisadora de vontades e de conhecimento; mobilizadora de apoios, dinâmicas e de novas parcerias. Foi com base numa decisão política habilitada e no investimento de recursos da autarquia, que se interveio no espaço público eliminando gradualmente barreiras arquitetónicas com uma abrangência maior que a sede do concelho, se acolheram novos investidores, se valorizou o papel da comunidade educativa e o potencial humano, se deu uma nova dimensão à deficiência na estrutura municipal e se criou a marca Lousã Acessível. Se por um lado Fernando Carvalho e as equipas de vereadores e técnicos que o acompanharam nesta jornada souberam entender os sinais saídos da ARCIL, também marcaram de forma irreversível o futuro do desenvolvimento da Lousã e a história da relação do território com a integração das pessoas com deficiência em Portugal. O primeiro Provedor das Pessoas com Deficiência com quem estabeleci contacto poucos dias após assumir funções governativas foi o Ernesto Carvalhinho. Antigo dirigente da ARCIL, mobilizador e mobilizado para uma causa em que sempre militou, assumiu a importância do Provedor da Lousã como agente facilitador dos contactos entre a autarquia, os cidadãos com e sem deficiência, os técnicos de diferentes organismos públicos e entidades privadas e as diferentes organizações representativas e prestadoras de serviços às pessoas com deficiência 482

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e às suas famílias. Os cidadãos encontraram em Carvalhinho não apenas o conhecimento sobre as causas dos seus problemas, mas uma imensa disponibilidade para encontrar as melhores soluções transmitindo-as aos responsáveis autárquicos para que as desenvolvessem e aplicassem. Pioneiro na implementação da Provedoria no município da Lousã, a primeira no território nacional, Carvalhinho deu-lhe uma dimensão que saiu dos limites do concelho, influenciando outros municípios para que implementassem a mesma metodologia. Poucos são hoje os municípios que a adotaram; provavelmente por receio de poderem encontrar não um parceiro mas uma força de bloqueio à independência do trabalho autárquico e da decisão política. Nada mais errado! A Provedoria para as Pessoas com deficiência é a primeira porta onde se bate sempre que no município existem conflitos relacionados com acessibilidade ou com violação dos direitos das pessoas com deficiência, amortizando o impacto do inconformismo, congregando conhecimento especializado e apresentando soluções consonantes com a necessidade e os recursos existentes. Mas é também na Provedoria que estão os melhores interlocutores para acompanhar intervenções no espaço público e na construção e remodelação de novos equipamentos para uso coletivo. Acompanhei com particular interesse a batalha de Ernesto Carvalhinho pela acessibilidade plena na Pousada da Juventude da Lousã, ganha através do respeito e do reconhecimento de todos os envolvidos, e de uma luta contra o tempo para a conclusão em tempo útil da obra, assim como acompanhei, entre outras, a iniciativa da Provedoria que permitiu aprofundar o conhecimento sobre turismo, empregabilidade, oportunidades de investimento, ou desenvolvimento económico e social, numa ligação estreita às universidades portugueses, parceiros imprescindíveis nesta jornada, por ser nestas instituições que reside o conhecimento. Trazendo para a comunidade uma nova dinâmica na apresentação de temas relacionados com a deficiência, a Lousã tem sabido estar sempre na dianteira, chegando a confrontar-nos com questões que nos perturbam pela abordagem sem preconceitos de matérias intencionalmente lançadas para discussão. Sempre na linha da frente! Ancorada no conhecimento e na determinação. Suportada pela Depoimentos

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unidade deste triângulo virtuoso que se materializa na ARCIL, nos decisores políticos do Município e na Provedoria das Pessoas com Deficiência. Uma unidade critica na individualidade de cada uma das organizações que nunca deixa de ter opinião própria e de dizer presente, com a perseverança de querer estabelecer as pontes fundamentais para desenvolver a Lousã e de criar condições para que as famílias aí permaneçam e para que novas famílias escolham o município para se fixarem (e quantas já chegaram e ficaram). Uma unidade desenvolvida por um conjunto de protagonistas que deram forma a este projeto, continuada, em boa hora e com sucesso, pelos seus sucessores. Idália Serrão Secretária de Estado Adjunta e da Reabilitação no XVII e XVIII Governos Constitucionais

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Carlos Veloso da Veiga

A ARCIL E O EMPREGO PROTEGIDO: MEMÓRIAS DE UM TEMPO DE INVESTIGAÇÃO Neste pequeno texto recupero as memórias do investigador que passou 15 dias na ARCIL em trabalho de campo por ocasião da realização da minha tese de doutoramento em Sociologia no ano de 1999, salvo erro durante o mês de Setembro. Recordo que expostos, à direcção e coordenação do centro de reabilitação profissional, os objectivos que me levavam a solicitar à ARCIL a minha presença, os mesmos foram aceites sem reservas. Fui recebido com simpatia e amabilidade por todos os membros da ARCIL, dirigentes, profissionais e “clientes”. A abertura da ARCIL para colaborar no meu projecto de investigação foi total. Pude, sem quaisquer entraves ou restrições, consultar documentos, observar as actividades, realizar inquéritos e entrevistas às mais diversas pessoas. Tive ainda longas e muito interessantes e instrutivas conversas informais com várias membros da organização. Em suma foram 15 dias de muito trabalho que, mercê de um ambiente amigo e acolhedor, se transformaram num tempo bem passado e amplamente recompensador, tanto a nível pessoal como científico. Confirmando que os critérios que me levaram a escolher a ARCIL como um dos locais ideais para realizar a investigação, posso dizer que foi sem grande surpresa que rapidamente compreendi que estava de facto a investigar numa organização onde vigorava um tipo de cultura que os sociólogos das organizações costumam denominar de “cultura organizacional forte”. O ponto de partida para esta constatação foi encontrado após consulta e análise de um documento onde se dava conta e se reflectia de forma profunda sobre as razões de apenas em Setembro de 1998 ter sido efectuada a primeira Depoimentos

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transição para “mercado normal de trabalho” de um dos trabalhadores do Centro de Emprego Protegido da ARCIL (CEPARCIL). Na verdade, normalmente apenas as organizações com culturas organizacionais, que podem classificar-se como fortes, onde a partilha dos valores, crenças e símbolos é bastante elevada entre os seus membros, existe capacidade de questionar as suas próprias práticas e seus resultados. Esse questionamento revelava-me a existência de baixos níveis de dúvida quanto à importância dada na ARCIL à forma correcta como se deveriam realizar os objectivos das estruturas de emprego protegido, designadamente o da transição dos seus trabalhadores com deficiência para o mercado de trabalho não protegido. Além de que da minha análise da situação decorria a certeza de estar a mergulhar num contexto organizacional onde a partilha de imagens entre os membros da ARCIL sobre si próprios e sobre o seu colectivo eram factores que seguramente expressavam que apenas deveria haver lugar à aceitação das acções congruentes com uma cultura que privilegiava a inclusão social em detrimento dos interesses especificamente organizacionais. Assim sendo, esse questionamento era claramente tributário de uma cultura organizacional que se poderia avaliar pela alta preocupação com a congruência das suas práticas. Esse acontecimento, a transição de um trabalhador com deficiência para o mercado de trabalho, que pode ser considerado como um caso de ocorrência excepcional, e que acontecia cerca de 11 anos depois do CEPARCIL ter sido criado (1988), era assim alvo de uma profunda reflexão critica. A criação do próprio CEPARCIL correspondendo à aprovação pelo Ministério do Trabalho e Segurança Social de um requerimento apresentado em Julho de 1986, com o objectivo de criar alguns postos de trabalho para utentes que haviam terminado a então designada como “formação pré-profissional”, permitiu-me também perceber que uma das características que os dirigentes e profissionais da ARRCIL possuíam em quantidade apreciável era a capacidade criativa e de inovação na acção. Capacidade essa que lhes permitia não só questionarem as suas práticas como também ancorá-las na classe onde se incluem as outras práticas inovadoras, adaptativas e transformadoras da realidade organizacional em acordo com as oportunidades criadas ou disponíveis. 486

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Na verdade, a própria criação do CEPARCIL foi a forma encontrada para enquadrar as três estruturas produtivas Serração de Madeiras, Oficina de Reparação de Calçado e Agro-Pecuária, as quais já empregavam alguns trabalhadores com deficiência, garantido a sua continuidade e a continuidade dos postos de trabalho existentes. Daí que a criação do CEPARCIL possa ser vista como uma acção adaptativa da ARCIL para enquadrar formal e legalmente as actividades produtivas realizadas por aquelas estruturas produtivas na legislação do emprego protegido então em vigor: Decreto-Lei nº 40/83 e 194/85, bem como o Decreto-Regulamentar nº 37/85. Esta acção mostrou-me e deixou-me relativamente seguro de que a mesma estava profundamente articulada com o futuro, com a vontade de ter algum controlo sobre as incertezas do devir, enquanto factor crucial que alimenta e justifica todas as práticas transformadoras e adaptativas entendidas como essenciais para a continuidade das organizações. Na esteira do pioneirismo e da capacidade adaptativa e empreendedora da ARCIL foram propostas diversas actividades, embora a aprovação oficial tenha obrigado a que o CEPARCIL se viesse a estruturasse em torno de 3 grandes áreas ou valências: Serração de Madeiras, Oficina de Reparação de Calçado e Serviços, esta última composta pela ARCILCARD, ARCILAGRO e ARCILCERÂMICA. Além disso esta marca de organização pioneira e empreendedora também levou a ARCIL a ser a primeira organização dedicada à reabilitação profissional de pessoas com deficiência a promover a criação do 1º enclave de emprego protegido em Portugal. O enclave da firma Carvalhos limitada, sedeada na Lousã, no ano de 1990. Retornando ao episódio da “transição do 1º trabalhador do CEPARCIL para o mercado de trabalho não protegido”, ficou claro que a reflexão dos membros da ARCIL era também um indicador de como a imagem de inovação e criatividade da sua cultura se estava a reconstruir em torno de um estratégia mais ampla, que visava operar uma transformação do próprio modelo da política portuguesa de reabilitação profissional delineado nas regras do Programa do Emprego Protegido em vigor. Uma acção estratégia, cujo objectivo último poderia ser a destruição da estrutura de dominação do campo, em especial no Depoimentos

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que se refere à situação de dependência das organizações como a ARCIL face ao poder formal das organizações tutelares do Estado. Ora bem, na prática os membros da ARCIL tinham como alvo os princípios inerentes ao Programa do Emprego Protegido plasmados nos textos legislativos como no próprio Regulamento Interno do CEPARCIL e que apontavam para a presença dos trabalhadores em regime de emprego protegido ter como finalidade expressamente assumida a sua passagem ou integração no mercado normal de trabalho. Esse desiderato seria assim como um corolário lógico e objectivo de que a contratação de pessoas com deficiência como trabalhadores de um CEP seria provisória e exclusivamente pelo tempo necessário a que valorização profissional o permitisse. Na prática considerando os CEP como um mero suporte do princípio da formação e da transitoriedade para os trabalhadores com deficiência nele integrados. Havendo consonância, pois, de princípios entre os textos legais e a vontade discursivamente expressa pela ARCIL, ambos concordavam que os CEP não se destinavam a empregar as pessoas com deficiência mas a promover a sua integração no mercado normal de trabalho. A um observador desatento não deixaria de ser estranho que ao fim de 10 anos estivéssemos perante o 1º trabalhador a cumprir efectivamente esse objectivo primordial do emprego protegido. Porém, simplesmente, acontece que tal situação se me afigurou como reveladora de que o não cumprimento dos objectivos declarados também podia ser um indicador dos dilemas e fragilidades que atravessam as organizações do sector social, especialmente as que se ocupam de pessoas socialmente fragilizadas e/ou com dificuldades acrescidas devido a incapacidades físicas ou mentais. E neste caso um indicador das dificuldades sentidas pelos dirigentes e profissionais da ARCIL em compatibilizar os propósitos de missão com as suas reais possibilidades de os prosseguir, tal como foram discursivamente ou formalmente assumidos. Também ficou evidente esse caso também colocava a nu as por vezes insanáveis contradições entre a vontade teórica e a capacidade prática. Entre as regras e as práticas. E ainda o facto de as práticas tenderem a prosseguir inalteradas mesmo quando os actores estão conscientes de que as mesmas não correspondem aos princípios que as deveriam suportar, mas a outros princípios por vezes altamente contraditórios com os enunciados. 488

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É também nesse particular registo que interpretei a consciência critica dos responsáveis da ARCIL e a sua capacidade de auto-reflexão e auto-questionamento sobre as suas práticas e os resultados dessas práticas. Nesse caso, o reconhecimento de que o CEPARCIL não estava a cumprir as suas principais finalidades, designadamente: a transição dos seus trabalhadores do regime do emprego protegido para o regime normal de emprego; o aperfeiçoamento dos conhecimentos e aptidões dos trabalhadores do CEP; o desenvolvimento da formação contínua desses trabalhadores. E esse reconhecimento, mostrava também a contradição entre as finalidades teoricamente desejadas e as finalidades efectivamente prosseguidas. Ou seja, entre um CEP que deveria funcionar como instrumento de inclusão profissional das pessoas com deficiência e um CEP que funcionava sobretudo orientado no sentido de tentar garantir a sua rentabilidade económica, numa lógica de pura sobrevivência organizacional. Portanto ao tempo da minha permanência na ARCIL a organização confrontava-se com a necessidade reflectir sobre funcionamento do CEPARCIL e encontrar soluções para a crise de identidade e financeira com que essa estrutura interna se encontrava de certo modo confrontada. Essa crise derivava de vários factores que comprometiam a necessária harmonização entre finalidades contraditórias entre si, legitimadoras em boa medida de apenas ao fim de 11 anos se ter processado a transição de um dos trabalhadores do CEP para um emprego não protegido. Desde logo, o reconhecimento de que a dimensão empresarial, a necessidade de sobrevivência do CEP, não permitia ter em conta as necessidades de formação e de aperfeiçoamento dos trabalhadores do CEP. Desta constatação pude reter também o facto de os seus profissionais e responsáveis reflectirem de forma aberta e clara sobre a própria debilidade das condições estruturais da ARCIL para responder com eficácia aos problemas colocados à organização e derivados da existência de um tipo CEP concebido para conciliar as vertentes atrás referidas. Ainda por cima um CEP repartido por várias áreas de actividade e com diferentes objectivos produtivos. Desde logo, as dificuldades decorrentes do facto da estrutura directiva da ARCIL, devido à falta de competências específicas de Depoimentos

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gestão empresarial dos próprios responsáveis directos pelo CEP, ter de se envolver directamente na gestão operacional, descurando a coordenação dos recursos e a gestão estratégica e politica do próprio CEP. A reflexão sobre as razões dessa crise mostraram ainda que a mesma se ancorava não apenas na experiência prática mas também num trabalho de investigação cuidado e criterioso que permitia à ARCIL ter um diagnóstico rigoroso da situação do CEPARCIL. Só a existência de um espírito crítico, reflexivo e científico poderia permitir a produção de um diagnóstico tão profundamente revelador das razões da crise. Esse diagnóstico apontava, ainda no sentido de ser necessário integrar as várias áreas de actividade, as estruturas de suporte e encontrar o equilíbrio formação vs produção capaz de compatibilizar os objectivos formativos com os objectivos empresariais associados à necessária rentabilidade do trabalho produzido pelos trabalhadores em regime de emprego protegido. Ou seja, compatibilizar os princípios sociais do emprego protegido com os interesses económicos do CEPARCIL enquanto entidade formadora e empresarial. E nessa reflexão não ficaram de fora as questões relacionadas com as próprias debilidades dos trabalhadores com deficiência em regime de emprego protegido, designadamente a falta de rigor colocada nos processos de admissão desses trabalhadores, levando ao recrutamento de pessoas sem os requisitos necessários para garantir a consecução do duplo objectivo dos CEP devido a limitações de competência e capacidade em termos de: autonomia social e pessoal; ritmo de trabalho; atenção; concentração; persistência. Tais limitações impeditivas da por vezes tão necessária flexibilização, criatividade, complexificação e integração de tarefas e funções para inovar e dinamizar as actividades produtivas ou os serviços prestados. Sobre as razões do insucesso do princípio da transição dos trabalhadores do regime de emprego protegido para um regime de contratação normal, bem expresso no caso do CEPARCIL, a minha estadia na ARCIL permitiu elencar e compreender as várias razões desse insucesso. Razões teóricas e razões práticas. Das razões práticas faziam parte as próprias incapacidades decorrentes da situação de deficiência impeditivas de um progresso profissional suficientemente consoli490

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dado para garantir que a transição se faria sem custos adicionais para as empresas contratantes, uma vez que a presença de pessoas com limitações decorrentes da deficiência obriga a apoios individuais especializados. Não apenas em termos de gestão da vida diária como em termos de apoio médico e psicológico que deixam de ser prestados após a entrada no mercado normal de trabalho. E nesse sentido, os responsáveis da ARCIL reconheciam de forma objectiva e clara que proporcionar tais apoios também interage com interesses produtivos do CEP na medida em que se a transição (como se deseja) incidir sobre os trabalhadores que já atingiram um nível de desempenho e de adaptação ao posto de trabalho no CEP, tal implicar a perda de uma activo cuja formação se perde e cuja substituição exige mais um tempo longo de formação para que o trabalhador substituto possa atingir o rendimento perdido com a saído do anterior. Sem esquecer que no aprofundamento da análise desse processo me foi dado a conhecer a presença dos interesses egoístas e instrumentais das próprias famílias dos trabalhadores do CEPARCIL que, funcionando como um grupo de pressão, tentavam evitar a sua transição para o mercado de trabalho preferindo a estabilidade contratual a arriscar numa solução mais inclusiva mas com riscos em termos de continuidade do emprego obtido no mercado normal de trabalho. Quando terminei o meu trabalho de campo recordo-me de pensar o quanto tinha sido enriquecedora e gratificante a minha estadia na ARCIL e também o facto de ter regressado à minha memória o título de um artigo lido anos antes e que classificava a ARCIL como “uma experiência que vale a pena”. Continua, seguramente, a valer a pena.

Carlos Veloso da Veiga Doutor em Sociologia, Professor do Departamento de Sociologia da Universidade do Minho e Investigador do Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade

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Rogério Roque Amaro

I DE INOVAÇÃO “I” da sigla A.R.C.I.L. quer dizer “Inadaptados”, de “Cidadãos Inadaptados da Lousã” (tendo começado por ser de “Crianças Inadaptadas da Lousã”), mas bem poderia ser de “Cidadania Inovadora da Lousã”. É essa a minha proposta! Mas comecemos pelo princípio. A Lousã sempre me atraiu e criei os meus mitos nessa Serra com mistérios. Primeiro, o mistério de uma ocupação em aldeias “escondidas”, longe dos caminhos, encavalitadas nas encostas, algumas bem íngremes, lá em cima, longe das ribeiras e dos vales, ou seja, com uma (i)lógica aparente de fuga e esconderijo, como propunha o economista agrário Eugénio de Castro Caldas, um dos responsáveis dos Recenseamentos Agrícolas dos Anos 50 e 60 e, aliás, com raízes familiares e casa na Lousã. Aldeias que (algumas) eu percorri a pé no Outono de 1975 , por alturas do S. Martinho, não muito antes do 25 de Novembro (de 1975), nas minhas/ nossas caminhadas a pé pelas encostas acima até ao Trevim, com a base do acampamento na Senhora da Piedade. Foi nessa altura que conheci os mistérios dos últimos 2, 3 ou pouco mais residentes que resistiam nessas aldeias alcandoradas no isolamento dos meses agrestes do Outono e do Inverno. Cerdeira, Talesnal, Catarredor... Logo de seguida foram os mistérios dos poços da neve em Santo António das Neves, o (suposto) “frigorífico” de Sua Alteza Real, gerido pelo Neveiro de Sua Majestade, já noutros território concelhio (Castanheira de Pera), mas de facto tão da Lousã quanto os outros mistérios e desafios. 492

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No meio, o mistério do crime de Cerdeira, dos três habitantes que eu tinha conhecido, do reencontro com o Sr. Constantino depois da “travessia no deserto”, o filme sobre esses acontecimentos. Depois vieram os mistérios dos alemães e belgas e ingleses (a inglesa que pintava em Cerdeira...) e portugueses, que descobriam encantos nas aldeias abandonadas ou quase e se procuraram reconciliar com a Natureza ou consigo próprios, nos mistérios e isolamentos da Lousã. Até que, em 1991, eu conheci e espantei-me e aprendi com outro mistério da Lousã - a ARCIL - Associação para a Recuperação de Crianças (e depois Cidadãos) Inadaptadas da Lousã. Estava a contas com uma missão, que me encantou, que era o da identificação e caracterização de Iniciativas de Desenvolvimento Local em Portugal. Que tinha encontrado acolhimento e apoio no Dr. Acácio Catarino, então Presidente do conselho Directivo do I.E.F.P. (Instituto do Emprego e da Formação Profissional). A percepção de que havia, pelo país fora, vários/as cidadãos e cidadãs que ousavam tomar o destino das comunidades nas suas mãos e procurar, com as suas próprias forças e capacidades, encontrar respostas e soluções para os problemas e necessidades fundamentais locais, levou-me à vontade irresistível e imperiosa de conhecer essas experiências e de as sistematizar e reflectir em termos do conceito de Desenvolvimento Local. Fui para o terreno com a ajuda de duas colegas e realizámos uma caracterização de 27 Iniciativas de Desenvolvimento Local em Portugal, dando corpo ao primeiro Estudo sobre estas experiências, de forma alargada, em Portugal, editado como Relatório do IEFP em 1992. Foi aí que descobri a ARCIL e um dos seus Sonhadores mais activos - o José Ernesto Carvalhinho, na altura, para mim, o Prof. Carvalhinho. Tinham-me falado que havia na Lousã uma Iniciativa Inovadora que, partindo de um problema - a existência de um número elevado de crianças portadoras de várias deficiências orgânicas no concelho da Lousã e nos vizinhos, apresentando algumas incapacidades funcionais, sem qualquer tipo de apoio ou enquadramento, ou seja, entregues a si próprios e às suas famílias e que, por isso, sofriam disDepoimentos

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criminações diversas e eram objecto de exclusão social, sofrendo desvantagens sociais -, procurou dar resposta a essa necessidade, a partir das capacidades e das vontades de um punhado de pais, mães e técnicos/as que resolveram ser actores dos seus sonhos (hoje dir-se-ia “empreendedores”). Foi uma das experiências que mais me marcou e encantou por várias razões... nem todas descortinadas na altura. Primeiro foi a perspectiva de Desenvolvimento Local, que emanava de todo aquele dinamismo que esteve na origem da ARCIL (em 1976). Um grupo de cidadãos e cidadãs locais, contando, antes de mais com as suas próprias forças, vontades e competências, lançava-se à aventura de construir uma solução para o acompanhamento e a dignificação daquelas crianças... abandonadas à sua própria sorte e destino à margem da sociedade, por serem consideradas “deficientes”. E fê-lo, convocando e desafiando parcerias (locais e extra-locais), mobilizando recursos exógenos (pessoas, dinheiro, materiais, ideias, cooperações várias), não para substituir, mas para fertilizar as suas próprias capacidades (endógenas). E fê-lo de uma forma integrada, ou seja, partindo da Educação, mas juntando-lhe progressivamente as terapias da Saúde, a Economia, (o Emprego), a Habitação, a (Re)Integração Social e Afectiva (até ousando abordar e valorizar as questões da sexualidade nestas pessoas), a Democracia e a Cidadania, a Ecologia. E fê-lo enraizando no Território, envolvendo a Comunidade Local, (re) conectando essas pessoas com as suas identidades territoriais e comunitárias. E fê-lo aprendendo com outras experiências e testemunhos (nomeadamente estrangeiros, da Alemanha, da França e da Suiça), mas propondo e criando o seu próprio caminho, na especificidade e na diversidade dos seus problemas e dos seus recursos. Por tudo isto, a ARCIL foi, sem dúvida, uma das experiências que me ensinou a formular o conceito de Desenvolvimento Local como: • Um processo de mudança; •C  entrado numa comunidade territorial de pequena dimensão; • Que tem, como um dos seus objectivos, dar resposta a necessidades fundamentais não satisfeitas na comunidade; 494

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• A partir, essencialmente, das suas próprias capacidades e recursos (endógenos); • O que implica uma dinâmica de participação e de «empowerment» dos actores envolvidos; • Com o apoio de recursos exógenos, que completam e fertilizam as capacidades locais; • De uma forma integrada, ou seja, multidimensional, das componentes da Vida consideradas; • O que convoca uma lógica de trabalho em parceria com outras organizações e serviços locais; • Com envolvimento e impacto tendencial (de) em toda a comunidade. • E segundo uma grande diversidade de problemas de partida, actores, processos, soluções e resultados. Tudo isto eu encontrei na ARCIL (de forma muito clara na altura, finais de 1991, talvez menos depois...). Também me impressionou, desde o início, a ousadia da Inovação (Social). A Inovação dos modelos educativos e das formas pedagógicas adoptadas, implicando nomeadamente a integração e interacção nas escolas locais e não a criação de enclaves de “educação protegida”. A Inovação das terapias desenvolvidas (por exemplo, com a utilização da água - hidroterapias- e da ocupação pelo trabalho - ocupacionais - e pela criatividade das mãos - artesanais). A Inovação da integração pela Economia, “amiga” das pessoas e estimuladora de novas formas de produtividade - a cerâmica, a oficina de sapateiro, mas sobretudo, a novidade e a perplexidade da fábrica de luvas, onde se casavam os modernos sistemas tecnológicos CAD-CAM (“Computer Assisted Design”-”Computer Assisted Manufacturing”), que concebiam e produziam automaticamente qualquer tipo de luvas com materiais têxteis, com os arranjos finais, a partir da criatividade, da persistência e da recorrência ds homens e das mulheres com problemas mentais e psíquicos, tornados símbolos de uma Nova Eficiência, passando a ser (d)eficientes. Depoimentos

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As Inovações sonhadas (“utopizadas”, eu diria) e propostas pelo José Carvalhinho, e partilhadas comigo, por exemplo, dos cidadãos invisuais formados como fisioterapeutas e massagistas, com a vantagem competitiva do tacto apurado e... de poderem ser propostos às clientes/ mulheres mais púdicas e com reticicências de serem vistas enquanto “menos vestidas”. Ou também desses mesmos invisuais a especializarem-se na monda pela sensibilidade do tacto, na Quinta da ARCIL, substituindo, com vantagem ecológica, os malefícios das mondas químicas. Inovações estas que o empreendedor-sonhador não teve tempo de levar à prática, mas que estão na bolsa das ideias para outros projectos. Mais tarde, das várias outras vezes que fui à Lousã - ARCIL, em colaborações várias com a organização, ou para dar a conhecê-la e conviver com os grupos comunitários e de crianças e jovens, onde eu próprio estava envolvido nos bairros de Habitação Social de Carnide - Lisboa, fui descobrindo outras dimensões e ensinamentos do Projecto - ARCIL. Um dos mais importantes e interessantes é do tipo de economia que propunha ou de que era portador: uma Economia Plural, que conjuga quatro princípios. O princípio da Reciprocidade e da Dádiva, que é a sua essência, e que assenta na mobilização de um trabalho voluntário, da Cidadania Participativa, de contribuições e donativos vários e da partilha de recursos e serviços com outras organizações congéneres. O princípio da Redistribuição de Recursos, que resulta dos acordos com o Estado (central e local) e do acesso a recursos públicos por e para contribuir para o Bem Comum. O princípio do Mercado, na medida em que a ARCIL vende alguns dos seus bens e serviços no mercado, obtendo receitas importantes para o cumprimento da sua missão social. O princípio da Domesticidade, no sentido da valorização e da articulação da produção doméstica e, portanto, do papel económico das famílias envolvidas no Projecto. Ora, ao articular estas quatro lógicas económicas, estamos perante uma proposta de Economia Solidária (e não apenas de Economia Social), no sentido 496

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em que o conceito é definido actualmente, implicando uma Solidariedade Sistémica da Economia com as dimensões sociais, ambientais, culturais, territoriais, cognitivas e políticas dos cidadãos e das cidadãs envolvidos/as. Neste sentido, a ARCIL deve ser também vista como uma iniciativa de Empreendedorismo Social e Solidário. Em síntese, através destas lógicas e desafios, a ARCIL é, essencialmente, uma Prática de CIDADANIA INOVADORA, propondo a dignificação, a integração e a emancipação de cidadãos e de cidadãs postos/as à margem de uma sociedade produtivista e excludente.

Rogério Roque Amaro Professor Associado do Departamento de Economia Política da Escola de Ciências Sociais e Humanas, do ISCTE 

Depoimentos

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Jean Michel Gueguiné

En 1993, La commission européenne souhaitant identifier les pratiques d’intégrations socio professionnelles dans chaque Etat, a créé une commission HELIOS. Cette commission constituée de 2 professionnels par Etat a identifié les pratiques des structures innovantes dans chacune des 15 nations constitutives de l’Europe de 1993. C’est ainsi que j’ai rencontré à plusieurs reprises à Bruxelles et Lousa José Ernesto Carvalhino directeur d’ARCIL à Lousa. Dans les pratiques européennes ARCIL étonnait positivement, par l’étendue de la palette de l’offre au service de la réinsertion sociale et professionnelle, par le processus continu de l’intégration en partant du scolaire, en touchant à l’artistique et débouchant sur des mise au travail dans des activités productives, tertiaires, agricoles, artisanales, de service etc. ARCIL par son dynamisme, sa gouvernance collaborative avec les professionnels montrait une voie globale innovante dans un monde européen où les pratiques sont cloisonnées, saucissonnées. De plus, le cadre règlementaire portugais semblait autoriser des initiatives inattendues en France, telles que des échanges de services et mise en commun de moyens pour aider à résoudre momentanément une prise en charge de mineurs mis en détention pour des faits de petites délinquances. Etc… L’installation d’un cabinet dentaire au sein d’ARCIL apportait une véritable solution aux besoins des personnes accueillies par ARCIL. Ce cabinet dentaire, comme d’autres services et permanences étaient ouverts à toute la population de LOUSA, créant ainsi une intégration d’ARCIL dans la Cité. Au fil des années, ARCIL a toujours cherché à s’ouvrir à toutes les initiatives remarquables européennes. Les visites des professionnels d’ARCIL dans 498

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les établissements des nombreux pays témoignent de cette vitalité de toujours innover. Ainsi, aujourd’hui, dans la continuité d’ARCIL, dans sa quête de l’excellence, le centre d’accueil et de soins pour les personnes dépendantes de LOUSA est une vitrine des meilleures initiatives au niveau mondial. Grand Bravo à ARCIL, José et sa belle équipe. La vie est plus belle lorsque l’on connait ARCIL.

Jean Michel Gueguiné Directeur Général Fondateur de BRETAGNE-ATELIERS - FRANCE Ex. president GAP(Groupement des Ateiers Protégés) actuellement UNEA (Union National des Antreprises Adaptées)

Depoimentos

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Jean Michel Gueguiné

(TRADUÇÃO)

Em 1993 a Comissão europeia, desejando identificar  práticas de integração sócio profissionais em cada Estado membro, criou a comissão HELIOS. Esta comissão, constituída por dois profissionais de cada Estado, identificou as práticas das estruturas inovadoras em cada uma das quinze nações que constituíam a Europa de 1993. Foi assim que encontrei por diversas vezes, em Bruxelas e na Lousã, José Ernesto Carvalhinho, diretor da ARCIL. Dentro das práticas europeias, a ARCIL surpreendia positivamente pela grande diversidade de oferta ao serviço da reinserção social e profissional, por um processo continuo de integração que partia da escolaridade, passava pela arte e conduzia a postos de trabalho em atividades produtivas, terciárias, artesanais, de serviços etc. A ARCIL pelo seu dinamismo, pela sua direção colaborativa com os profissionais, mostrava uma via global inovadora, num mundo europeu de práticas compartimentadas e formatadas. Além disso o quadro normativo português, parecia autorizar iniciativas inesperadas em França, tais como troca de serviços e partilha de meios no sentido de ajudar a resolver de imediato, situações de apoio a menores detidos por pequenos delitos. Etc... A instalação de um gabinete dentário dentro da ARCIL, proporcionava uma verdadeira solução para as necessidades das pessoas acolhidas pela instituição. Este gabinete dentário, bem como outros serviços e permanências, eram abertos a toda a população da Lousã, o que proporcionava a integração da ARCIL na comunidade local.

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Pessoas, Ideias e Afectos | ARCIL – um projecto de causas

Ao longo dos anos, a ARCIL procurou sempre abrir-se a todas as iniciativas europeias de destaque. As visitas dos seus profissionais a estabelecimentos de numerosos países, são testemunho desta permanente vitalidade inovadora. Assim, atualmente, na continuidade da Arcil, na sua busca pela excelência, o centro de acolhimento e de tratamento para pessoas dependentes da Lousã, é um exemplo das melhores iniciativas a nível mundial. Parabéns à ARCIL, ao José e à sua excelente equipa. A vida fica mais bela quando se conhece a ARCIL. Jean Michel Gueguiné Diretor Geral Fundador de BRETAGNE- ATELIERS - FRANÇA Ex-Presidente GAP(Groupement des Ateiers Protégés) actualmente UNEA (Union National des Antreprises Adaptées) (tradução de Ana Pinto)

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Rui Ramos

ARCIL: UM PERCURSO QUE SE FEZ, UMA HISTÓRIA QUE SE FAZ, UM FUTURO QUE SE CONSTRÓI Reconstituir a história da ARCIL é, de certo modo, reviver a minha própria história. Na pesquisa documental para a elaboração deste livro, foi encontrado um documento em que o meu pai, quando eu tinha apenas um ano de idade, manifestou a vontade de que eu me tornasse associado da ARCIL. Dos quatro filhos, fui o único que o meu pai decidiu tornar associado. Este gesto, parecia tornar-se premonitório de uma vida muito marcada, quer pela instituição, quer pela sua causa. Outra coincidência, o facto de ter partilhado o início do meu percurso escolar com as primeiras crianças a serem integradas em turmas regulares do concelho da Lousã. Desde aí percebi e vivenciei a essência da missão e do sonho da ARCIL: poder viver numa sociedade em que a diferença não é um problema, mas antes um factor multiplicador do potencial humano. Com a ARCIL aprendi os valores do trabalho, da amizade, da cidadania ativa e participativa mas, sobretudo, aprendi a conhecer amigos que me tornaram uma pessoa melhor. Este documento faz muito mais do que parte da minha história pessoal. Constitui-se como um marco na história da reabilitação em Portugal. É notório o facto da ARCIL, com o seu pioneirismo e espírito de aventura, ter andado sempre à frente no seu tempo. Nesta casa nunca esperámos que a legislação nos desse todas as soluções técnicas para a nossa intervenção. Procurámos sempre o caminho que considerávamos que melhor defendia os interesses das pessoas que apoiávamos, depois, deixávamos que as nossas boas práticas influenciassem o legislador. 502

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Destaco o papel daquele que foi, ao longo de muitos anos, líder deste projeto, o meu antecessor e amigo José Ernesto Carvalhinho, que teve a coragem e a persistência de fazer com que este livro acontecesse. Ele liderou muitos anos a “cruzada” em busca das melhores práticas em reabilitação. Correu a Europa à procuras das soluções que não encontrou cá dentro. Fez-se rodear de um conjunto de bravos companheiros que ajudaram a fazer da ARCIL o que é hoje. Nos últimos anos, tenho integrado a Direção da ARCIL, órgão que presido desde o início de 2014, tendo a honra de, no meu mandato, ser lançado o livro que retrata quase quatro décadas de história daquela que, acredito ser uma das mais marcantes instituições portuguesas no trabalho com pessoas com deficiência. Rui Ramos, Presidente da ARCIL

Depoimentos

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A EQUIPA E OS CUSTOS

Da esquerda para a direita e de cima para baixo: 1.ª fila - R  ui Ramos, Sérgio Eliseu, Cristina Silva, João Pinho, Nuno Beirão e Anabela Cardoso 2.ª fila - A  na Bandeira, Ana Araújo e Ana Seco 3.ª fila - João Graça, Ernesto Carvalhinho e Ana Abrantes

DESPESAS

VALOR

Trabalho de Historiador/Investigador - Ana Marta Ramos 1 800,00 € Trabalho de Historiador/Investigador - João Pinho 5 005,58 € Impressão de 1000 livros 6 996,00 € Despesas de deslocações com os investigadores 1 546,13 € Um portátil, dois discos externos e material informático 852,28 € Gravação de 1000 DVD’s 738,00 € Design e paginação 1 000,00 € Outras despesas 1 095,92 € Total 19 033,91 €

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APOIOS

Câmara Municipal da Lousã EFAPEL, S.A. J. Carranca Redondo, Lda Instituto Nacional Reabilitação Anibal Antunes Bandeira, Lda C.D.L. Inspecções Auto, Lda Lousanicosmetica, Lda Proasolutions Arqui. Gestão Acessib. Mobil, Lda Caixa Geral de Depósitos Santos Carvalho & Associados, SROC, S.A. Total

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VALOR

6 105,60 € 5 000,00 € 5 000,00 € 603,31 € 500,00 € 500,00 € 500,00 € 500,00 € 250,00 € 75,00 € 19 033,91 €

BIBLIOGRAFIA E FONTES

BIBLIOGRAFIA AMARO, Rogério Roque – Não à pobreza: erradicação da pobreza (1997-2006), Ministério do Trabalho e da Solidariedade, Comissariado Regional do Norte da Luta contra a Pobreza, Porto, 2001 CHARANA, António; FRAGOEIRO, Marília – «Breve caracterização dos principais resultados do programa Horizon: algumas recomendações para o futuro», In Integrar, nº 10, Abril-Junho, 1996 CONCEIÇÃO, Leonardo da – «Programa integrado de formação profissional e emprego», In Integrar N.º 1, Lisboa, Abril-Julho, 1993 COSTA, Ana Maria Bénard da – «O vinte e cinco de Abril e a educação especial: um testemunho», In ESES, Santarém, 1999 COSTA, Ana Maria Bénard da; CARMO, Hermano Duarte de Almeida e (colab.) – Integração de crianças deficientes em Portugal, 1987 FÉLIX, António Bagão – Politicas de protecção social, Contemporânea Editora, Câmara Municipal de Matosinhos, Matosinhos, 1995 LEMOS, Álvaro Viana de – A Lousã e o seu concelho, (Reed.) Biblioteca Municipal, Câmara Municipal da Lousã, 1988 MAIO, António – ARCIL, discurso proferido na cerimónia evocativa dos 25 anos da ARCIL, 2001. MEXIA, Fernando Carlos Pinto de Campos de Magalhães (1936), Vila da Louzan e seu termo (colecção de documentos antigos), Lousan, Tipografia Lousanense, pp. 160-163. PEREIRA, Filomena (coord.) – Educação especial: manual de apoio à prática, Direcção de Serviços da Educação Especial e do Apoio Sócio-Educativo, Lisboa, 2008 SALGADO, Lucília – O outro lado da educação: para além do instituído, In Revista Critica de Ciências Sociais nº. 29, Coimbra, Fevereiro - 1990 SERÔDIO, José Madeira - «A legislação e a reabilitação das pessoas com deficiência», In Integrar, n.º 14, 1997 SIMÕES, Maria Luisa Paiva– Inclusão, um percurso…vários caminhos, Relatório de Estágio, Educação Especial, UC, FPCE, Julho 2002 UNESCO – Declaração de Salamanca e enquadramento da acção na área das necessidades educativas especiais, Sep. de Inovação, Vol. 7, Instituto de Inovação Educacional, 1994 VEIGA, Carlos Veloso da - As regras e as práticas : factores organizacionais e transformações na política de reabilitação profissional das pessoas com deficiência, Secretariado Nacional para a Reabilitação das Pessoas com Deficiência, Cadernos SNR, 20, Lisboa, 2006 WILLIAMS, Neville; WALLER, Philip; ROWETT, Jonh – Cronologia do Século XX, Edição Portuguesa, Círculo de Leitores, 1999, 485 pp. Bibliografia e Fontes

507

PERIÓDICOS

Trevim: Ano IX, n.º 188, 15/04/1976; Ano IX, n.º 191, 1/6/1976; Ano IX, n.º 192, 1/7/1976; 15/07/1976; Ano X, n.º 200, 1/11/1976; Ano X, n.º 201, 15/11/1976; Ano X, n.º 206; 01/02/1977; 15/04/1977; 01/10/1977; 15/10/1978, n.º 242; 01/04/1979; 01/10/1979; 15/11/1979; 13/11/1981; 11/12/1981; 25/12/1981; 08/01/1982; 24/02/1982; 24/03/1982; 01/05/1985; 07/02/1986; 01/08/1986; 28/11/1986; n.º 432, 13/02/1987; 01/05/1987; n.º 407, 08/09/1988; n.º 477, 22/12/1988; n.º 524, 06/12/1990; n.º 550, 09/01/1992; n.º 566, 17/09/1992; n.º 584, 03/06/1993; n.º 600, 03/02/1994; Ano XXVIII, n.º 625, 09/02/1995; Ano XXVIII, n.º 626, 23/02/1995; Ano XXVIII, n.º 636, 13/07/1995; 30/05/1996; 03/06/1996; 20/02/2003; 16/06/2009; 13/10/2009; 11/03/2010. O Povo da Louzã: Ano XXXVIII, n.º 1803, 1970/07/04 Jornal da Lousã: Ano 1.º, n.º 6, 03/02/1995; Edição Especial de 07/02/1995; 16/08/1996; 8/11/1996; 28/03/1997. Voz de Serpins: Dezembro, 1986 Diário de Coimbra: 18/07/1986; 09/10/2007; 05/07/2012 As Beiras: 24/05/1996; 27/03/2003; 14/03/2006 Expresso: 02/05/1992 508

Pessoas, Ideias e Afectos | ARCIL – um projecto de causas

Jornal de Notícias: 03/06/1996 Público: 04/12/2005 Pequenada: I Série: Ano 1.º - n.º1 (Fevereiro 1982), n.º 2 (Março 1982), n.º 3 (Abril 1982), n.º 4 (Maio 1982), n.º 5 (Junho 1982), n.º 9 (Janeiro 1983), n.º 10 (Fevereiro 1983), n.º 11 (Março/Abril 1983), n.º 12 (Fevereiro 1984), n.º 13 (Março 1984), n.º 18 (Março 1985), n.º 19 (Maio 1985), n.º 21 (Novembro 1985), n.º 22 (Dezembro 1985). II Série: n.º 2, 13/06/1986; n.º 4, 03/01/1987 Boletim Informativo da ARCIL: n.º 2, 18/05/1989; 26/06/1990; 05/03/1991; 11/04/1991; 11/06/1991; Setembro 1991; Janeiro 1992; Janeiro 1993; 03/03/1993; n.º 10, Outubro 1993; n.º 12, Dezembro 1993; n.º 3, Março 1994; Dezembro 1995; n.º 4, Abril 1996; n.º 0, Abril 1999. ARCIL (RE)VISTA Ano 1, n.º 2, Agosto 2003; Ano 1, n.º 5, Novembro 2003. ARCIL’nfo – Rostos, Ideias, Ações n.º 10, Junho-Setembro 2014

Bibliografia e Fontes

509

FONTES ARQUIVO DOCUMENTAL DA ARCIL (ADA)

- Livro de Actas da Comissão Instaladora da ARCIL, 1976-1977 (30 fls.) - Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 1977-1981, (100 fls.) - Actas da Direcção da ARCIL, pasta 1981-1985 (cópias) - Livro de Actas da Assembleia geral da ARCIL, 1979-1995 - Livro de Actas da Direcção da ARCIL 1985-1997 - Livro de Actas da Assembleia Geral da ARCIL, 1996-2007 (50 fls.) - Livro de Actas da Direcção da ARCIL, 1998 (66 fls.), 1999 (97 fls.), 2000 (s/n), 2001 (s/n), 2002 (s/n), 2003 (pasta, s/n), 2004 (s/n), 2005 (s/n), 2006 (s/n), 2007 (s/n), 2008 (s/n), 2009 (s/n), 2010 (s/n), 2011 (s/n), 2012, 2013 - Livro de Actas de Tomadas de Posse, 1977-1979 - Livro de Actas de Tomadas de Posse, 1981-2011 - Documento de reconhecimento legal da ARCIL: pessoa colectiva de utilidade pública e Instituição Particular de Solidariedade Social - Acordos e Protocolos com entidades públicas (pasta), sem data - Relatório da Pré-Profissionalização, 07/07/1988 - Memorando, 1995 DOSSIERS:

- EQUITAÇÃO TERAPÊUTICA - PROGRAMAS COMUNITÁRIOS, PROGRAMA HORIZON - MOVIMENTO DOS COMPANHEIROS CONSTRUTORES, 1985-1988 - ARCILCERÂMICA –Prog. Horizon – IEFP – formulários de candidatura - RIME – PROJECTO ARCILCARD - ARCILJOVEM, DOCUMENTOS OFICIAIS - PROJECTO DA ARCILJOVEM - ARCILJOVEM, 1995-1997 (1) - ARCILJOVEM, 1995-1997 (2) - ARCILJOVEM, 1997-2003 - ARCILJOVEM, 1998-1999 510

Pessoas, Ideias e Afectos | ARCIL – um projecto de causas

- ARCILJOVEM, 2000-2001 - ARCILJOVEM, 2002-2003 - ARCILJOVEM, 2004-2007 - CEO: LICENCIAMENTO CML, Anotações (Dossier) - PARES – CEO – CANDIDATURA E DECISÃO DE APROVAÇÃO - PASTA PARES – CEO – EXECUÇÃO - PARES – CEO – EXECUÇÃO (2) - ARCIL HISTORIAL E CARACTERISTICAS, 1985 - PROJECTO INTEGRADO - TRANSFERÊNCIA DO LAR DE PROFUNDOS DA ST.ª CASA MISERICÒRDIA PARA O CENTRO DE SAÙDE POR MOTIVO DE OBRAS - PROJECTO BRIQUETES, 1991 - HORIZON, PARCERIA COM A CRINABEL, 1993 - PROGRAMA HORIZON – RELATÓRIO DE PROGRESSO - PASTA HORIZON CRINABEL - ELO SOCIAL - ARCIL-PROJECTOS – I - ARCIL - HISTÓRICO - PROJECTO CIM, 1996 - PROJECTO CIM, 1997 - PROGRAM METRIS, 1998-1999 - DELFIM - DADOS REFERENTES À ARTICULAÇÃO ENTRE A ARCIL E A ASSOCIAÇÃO DE DESENVOLVIMENTO DA LOUSÃ (ADEL) NO ÂMBITO DAS ACTIVIDADES DE TEMPOS LIVRES, LOUSÃ, FEV. 1996 - UNIDADES DE PRODUÇÃO ASSOCIADAS – UPA – PROJECTO E SINTESE - PROJECTO COMUNITÁRIO PARA A INTEGRAÇÃO ECONÓMICA E SOCIAL DE PESSOAS E GRUPOS MENOS FAVORECIDOS, 1991-1994 - PROJECTO DOS VIVEIROS, 1997 - PROJECTO CRECHE, 2007-2010 - ATEPRO/METRIS - METRIS - PROACESSE - PRÉ-PROFISSIONALIZAÇÃO - DOSSIER I (Integração Escolar, cedido pela Prof.ª Clara Bandeira) Bibliografia e Fontes

511

ARQUIVO MUNICIPAL DA LOUSÃ (AML)

- Livro de Actas da Câmara Municipal da Lousã, 1977/02/09 – 1979/03/07 - Livro de Actas da Câmara Municipal da Lousã, 1974/11/09 – 1977/02/09

REGISTOS ÁUDIO E VÍDEO

Entrevistas de Marta Ramos: Amélia Barata, 2011 Ana Abrantes, 24/02/2011 Ana Araújo, 24/02/2011 Ana Maria Bénard da Costa, 6 de Julho 2011 Carlos Carvalho Cristina Silva, 25/02/2011 Fernando Carvalho Guida Faria, 2011 Iolanda Bizarro, Junho 2011 Isabel Marantes, 2011 Jaime Ramos, 2011 Jean Michel Gueguigné, Maio, 2011 João Graça, 09/02/2011 Jorge Coelho, 06/01/2011 José Ernesto Carvalhinho, Maio 2011 e 25/10/2011 Luis Carvalho Manuel Rocha, 03/01/2011 Mário do Carmo Pereira, 2011 Marques Leandro, 2011 Nuno Guedes, 2011 Riek Van Breda, 03/01/2011 Rui Ramos, 25/02/2011 512

Pessoas, Ideias e Afectos | ARCIL – um projecto de causas

Entrevistas de João Pinho: Amândio Torres, 04/11/2013 Ana Maria Rodrigues, Dezembro 2014 Aníbal Santos e Herminia Santos, 16/12/2013 António Charana, 19/12/2013 António Maio, 01/07/2013 António Vinagre, 12/11/2013 Aristides Lourenço, 11/12/2013 Cristina Silva, 16/10/2013 Eduardo Agostinho Neto, 26/11/2013 Filipe Carvalho, 25/10/2013 Filomena Pereira, 08/03/2014 Helena Montez, 28/12/2013 Horácio Antunes, 16/12/2013 Isabel Almeida Santos, 09/01/2014 Isabel Maia, 28/10/2013 João Graça, 10/10/2013 João Henriques, 14/11/2013 João Pereira, 15/11/2013 José Ernesto Carvalhinho, Março 2013 e 19/12/2013 José Gaspar, 16/12/2013 José Moreira, 13/12/2013 Leonardo da Conceição, 19/12/2013 Lucília Salgado, 31/10/2013 Luís Antunes, 10/11/2013 Luís Pedroso de Lima, 08/03/2014 Luís Rodrigues, 09/11/2013 Luís Tomás, 22/11/2013 Manuel Coquim, 13/11/2013 Maria João e Clara Bandeira, 19/10/2013 Mário Maia, 04/11/2013 Rui Ramos, 23/01/2014 Sandra Naranjo, 01/11/2013 Ulisses Martins 06/11/2013 Bibliografia e Fontes

513

ANEXO CORPOS GERENTES DA ARCIL (1976-2015)

ANEXO – Corpos Gerentes da ARCIL (1976-2012)

517

- António Rodrigues de Almeida Maio (Presidente), - Jorge Luís Machado Coelho da Silva (Secretário) - João Madeira Marçal (Tesoureiro) - Casimiro de Almeida Jacinto (vogal) - António Alberto Pereira Carvalho (vogal)

- António Rodrigues de Almeida Maio (Presidente) - José Ernesto Carvalhinho de Paiva (Secretário) - João Francisco Rodrigues (Tesoureiro) - João Madeira Marçal (Vogal) - Manuel Paulo de Almeida Rego (Vogal)

1979- 1981 (Eleita a 30/06/1979 e posse a 04/07/1979)

- António Rodrigues de Almeida Maio (Presidente) - Elvira dos Prazeres Silva (Secretário) - Rui Carlos Tomás Soares (Tesoureiro)

Direcção

- Jorge Mário de Carvalho (Presidente) - Carlos Manuel Pereira Baptista (1º Secretário) - Eugénio Manuel Ferrer Lemos Amaro (2.º Secretário)

- Jorge Mário Carvalho - Carlos Alberto Macedo de Assunção - Jorge Manuel da Cunha Santos

- Jorge Mário Carvalho (Presidente) - Maria Graciete Simões Rodrigues Pedro (1.º Secretário) - Manuel Paulo de Almeida Rego (2.º Secretário)

Assembleia Geral

João Carlos de Almeida Miranda (Presidente) Armando Albano Simões Henriques (vogal) Casimiro de Almeida Jacinto (vogal)

Não foi nomeado ou eleito ninguém.

- Carlos Alberto Macedo de Assunção (Presidente) - João Jorge da Fonseca Leal (1.º Vogal) - Luís Torres Carvalho Dias (2.º Vogal)

Conselho Fiscal

José Júlio dos Santos Carvalhinho, Armando Jorge Agostinho Ribeiro de Carvalho, Arménio Tomás, Manuel Paulo de Almeida, António Rodrigues de Almeida Maio, Gualter Baeta Sequeira Neves Barreto, Luis Torres Carvalho Dias, Rui Carlos Tomás Soares, Deolinda Fernandes Simões e Elvira dos Prazeres Silva.

1979 Comissão de Gestão Provisória (21/JaneiroJunho)

1977-1979 (posse a 9/7)

1976-1977

Comissão Instaladora

518

Pessoas, Ideias e Afectos | ARCIL – um projecto de causas

- João Madeira Marçal (Presidente) - José Ernesto Carvalhinho de Paiva (Vice-Presidente) - Joaquim Simões Rodrigues (Tesoureiro) - Jorge Manuel da Cunha Santos (1º Secretário) - Maria João Barradas Matos da Cruz (2º Secretário) - Luís Torres Carvalho Dias (vogal) - Maria Helena Adão Almeida (Vogal)

- José Ernesto Carvalhinho de Paiva (Presidente) - Mário do Carmo Pereira (Vice-Presidente) - Jorge Manuel Cunha Santos (1.º Secretário) - Maria Helena Santos Martins Adão Almeida (2.º Secretário) - Joaquim Simões Rodrigues (Tesoureiro) - Luís Torres Carvalho Dias (Vogal) - José Ramalho Torres (Vogal)

- José Ernesto Carvalhinho de Paiva (Presidente) - Mário do Carmo Pereira (Vice-Presidente) - Fernando dos Santos Carvalho (Tesoureiro) - Aristides dos Santos Martins Adão (1.º Secretário) - José Albano Metelo Nunes dos Reis (2.º Secretário e gestor administrativo) - Luís Torres Carvalho Dias (Vogal) - Aires da Silva Caetano (Vogal)

- José Ernesto Carvalhinho de Paiva (Presidente) - Luís Torres Carvalho Dias (Vice-Presidente) - Fernando dos Santos Carvalho (Tesoureiro) - Aristides Martins dos Santos Adão (1.º Secretário) - José Albano Metelo Nunes dos Reis (2.º Secretário) - Jorge Manuel Fernandes Ferreira (Vogal) - Ulisses Manuel Carvalho Martins

1981-1983 (eleição a a14/06/1981, tomada de posse a 27/06/1981)

1983-1985 (eleição a 26/06/1983, tomada de posse a 27/06/1983)

1985-1987 (eleição a 30/6/1985, posse a 3/7/1985)

1987-1989 (eleições a 12/7/1987 e posse a 23/07/1987)

Direcção

- João Matos Cruz (Presidente) - António Nogueira Bandeira (Vogal) - Luís Pedro Matos Carvalho (Vogal)

- João Matos Cruz (Presidente) - António Nogueira Bandeira (Vogal) - Luís Pedro Matos Carvalho (Vogal) - José Manuel Marques Leandro (Presidente) - Mário do Carmo Pereira (1º Secretário) - Aires da Silva Caetano (2.º Secretário)

- João Lopes (Presidente) - Eng.º João Matos Cruz (Vogal) - António Nogueira Bandeira (Vogal)

João Lopes (Presidente) Mário do Carmo Pereira (Vogal) António Teixeira Pinto (Vogal)

Conselho Fiscal

- José Manuel Marques Leandro (Presidente) - Jorge Manuel da Cunha Santos (1º Secretário) - João M. Poiares da Silva (2.º Secretário)

- João Madeira Marçal (Presidente) - José Manuel Marques Leandro (1º Secretário) - João Manuel Poiares da Silva (2º Secretário)

Jorge Mário de Carvalho (Presidente) Henrique Pereira de Figueiredo (1º Secretário) João Poiares da Silva (2.º Secretário)

Assembleia Geral

ANEXO – Corpos Gerentes da ARCIL (1976-2012)

519

- José Manuel Marques Leandro (Presidente) - Aires da Silva Caetano (1.º Secretário) - Ulisses Manuel de Carvalho Martins (2.º Secretário)

- José Ernesto Carvalhinho de Paiva (Presidente) - Luís Torres Carvalho Dias (Vice-Presidente) - Fernando dos Santos Carvalho (Tesoureiro) - Aristides dos Santos Martins Adão (1º Secretário) - José Albano Metello Nunes dos Reis (2.º Secretário) - Jorge Manuel Fernandes Ferreira (Vogal) - Lucília Maria Salgado Mexias Alves (vogal)

- José Ernesto Carvalhinho de Paiva (Presidente) - Luís Torres Carvalho Dias (Vice-Presidente) - Fernando dos Santos Carvalho (Tesoureiro) - Aristides dos Santos Martins Adão (1º Secretário) - José Albano Metelo Nunes dos Reis (2.º Secretário) - Jorge Manuel Fernandes Ferreira (Vogal) - Lucília Maria Salgado Mexias Alves (vogal)

- José Ernesto Carvalhinho de Paiva (Presidente) - Luís Torres Carvalho Dias (Vice-Presidente) - Fernando dos Santos Carvalho (Tesoureiro) - Ana Maria Abrantes dos Anjos (1.º Secretário) - Maria Fernanda dos Prazeres Duarte (2.º Secretário) - Jorge Manuel Fernandes Ferreira (Vogal) - Amândio José Oliveira Torres (Vogal que passa a Tesoureiro a partir de 07/12/1996, saindo a 22/03/1997) Carlos Carvalho (tesoureiro a partir de 22/03/1997)

1991-1993 (eleição a 28/09/1991; tomada de posse a 01/10/1991)

1993-1995 (eleição a 18/09/1993; tomada de posse a 20/09/1993)

1995-1997 (eleição a 01/07/1995; tomada de posse a 3/07/1995)

- José Manuel Marques Leandro (Presidente) - João Pereira (1.º Secretário) - Eduardo Agostinho Teixeira Neto (2.º Secretário)

- José Manuel Marques Leandro (Presidente) - Ulisses Manuel de Carvalho Martins (1.º Secretário) - Aires da Silva Caetano (2.º Secretário)

- José Manuel Marques Leandro (Presidente) - Aires da Silva Caetano (1.º Secretário) - Ulisses Manuel de Carvalho Martins (2.º Secretário)

- José Ernesto Carvalhinho de Paiva (Presidente) - Luís Torres Carvalho Dias (Vice-Presidente) - Fernando dos Santos Carvalho (Tesoureiro) - Aristides dos Santos Martins Adão (1º Secretário) - José Albano Metello Nunes dos Reis (2.º Secretário) - Jorge Manuel Fernandes Ferreira (Vogal) - Lucília Maria Salgado Mexia Alves (vogal)

Assembleia Geral

1989-1991 (eleição a 22/7/1989; tomada de posse a 27/06/1989)

Direcção

- João Matos Cruz (Presidente) - António Nogueira Bandeira (Vogal) - Luís Pedro de Matos Carvalho (Vogal)

- João Matos Cruz (Presidente) - António Nogueira Bandeira (Vogal) - Luís Pedro Matos Carvalho (Vogal)

- João Matos Cruz (Presidente) - António Nogueira Bandeira (Vogal) - Luís Pedro Matos Carvalho (Vogal)

- João Matos Cruz (Presidente) - António Nogueira Bandeira (Vogal) - Luís Pedro Matos Carvalho

Conselho Fiscal

520

Pessoas, Ideias e Afectos | ARCIL – um projecto de causas

- António Rodrigues de Almeida Maio (Presidente) - João Pedro Correia Graça (1º Secretário) - José João Ferreira Rodrigues (2.º Secretário)

- José Ernesto Carvalhinho de Paiva (Presidente) - José Manuel Marques Leandro (Vice-Presidente) - Carlos Manuel Matos Carvalho (Tesoureiro) - Ana Cristina Gonçalves Moreira da Silva (1.º Secretário) - Luís Augusto Morais Fontinha (2.º Secretário) - Nuno António Lopes da Silva Guedes (Vogal) - Ulisses Manuel Carvalho Martins (Vogal)

- José Manuel Marques Leandro (Presidente) - Luís Augusto Morais Fontinha (Vice-Presidente) - Carlos Manuel Matos Carvalho (Tesoureiro) - Ana Cristina Gonçalves Moreira da Silva (1.º Secretário) - Nuno António Lopes da Silva Guedes (2.º Secretário) - Ulisses Manuel Carvalho Martins (Vogal) - Paulo Manuel Ribeiro e Pinho

1999-2001 (eleição e tomada de posse a 10/07/1999)

Reorganização da direcção a (02/12/2000 com a saída do Presidente José Ernesto Carvalhinho: Marques Leandro sobe a Presidente, Paulo Pinho passa a Vogal e, Luís Fontinha ascende a vicepresidente.) Idem.

- António Rodrigues de Almeida Maio (Presidente) - João Pedro Correia Graça (1º Secretário) - José João Ferreira Rodrigues (2.º Secretário)

- José Ernesto Carvalhinho de Paiva (Presidente) - José Manuel Marques Leandro (Vice-Presidente) - Carlos Manuel Matos Carvalho (Tesoureiro) - Ana Cristina Gonçalves Moreira da Silva (1.º Secretário) - Luís Augusto Morais Fontinha (2.º Secretário) - Mária da Conceição Correia das Neves Graça (Vogal substituída a 18/04/1998 por Manuel João Fernandes) - João José Almeida Gaspar Matos (Vogal)

Assembleia Geral

1997-1999 (eleição e tomada de posse a 12/07/1997)

Direcção

Idem.

- João Matos da Cruz (Presidente) - António Nogueira Bandeira (Vogal) - Dagoberto Manuel de Carvalho Chaves Marujo (Vogal)

- João Matos da Cruz (Presidente) - António Nogueira Bandeira (Vogal) - João Pereira (Vogal)

Conselho Fiscal

ANEXO – Corpos Gerentes da ARCIL (1976-2012)

521

- António Rodrigues de Almeida Maio (Presidente) - João Pedro Correia Graça (1º Secretário) - José João Ferreira Rodrigues (2.º Secretário)

- José Manuel Marques Leandro (Presidente) - Luís Augusto Morais Fontinha (Vice-Presidente) - Carlos Manuel de Matos Carvalho (Tesoureiro) - Cláudia Sofia Barata Neves Moreira (1.º Secretário) - Henrique Manuel de Oliveira Mendes (2.º Secretário) - Maria Graciete Neves Sandinha (Vogal) - Aristides dos Santos Martins Adão (Vogal)

- José Manuel Marques Leandro (Presidente) - João Carlos das Neves Bandeira (Vice-Presidente) - Dagoberto Manuel de Carvalho Chaves Marujo (Tesoureiro) - Aristides dos Santos Martins Adão (Vogal) - Henrique Manuel de Oliveira Mendes (Vogal) - Joaquim João de Carvalho Ramos (Vogal) Maria Clara dos Santos Costa (Vogal)

- José Manuel Marques Leandro (Presidente) - Dagoberto Manuel de Carvalho Chaves Marujo (VicePresidente) - João Carlos das Neves Bandeira (Vogal) - Henrique Manuel de Oliveira Mendes (Vogal) - Maria José Malta Lopes Martins (Vogal) - Carlos Manuel Henriques Neves (Vogal) - Nelson do Amaral Pina Tiago (Vogal)

2003-2005 (eleição e tomada de posse a 14/06/2003)

2005-2007 (eleição e tomada de posse a 09/07/2005)

2008-2010 (eleição a 15/12/2007; tomada de posse a 09/01/2008)

- João Pedro Correia Graça (Presidente) - Fernando Cardoso da Silva Queiroga (1.º Secretário) - José João Rodrigues (2.º Secretário)

- António Rodrigues de Almeida Maio (Presidente) - João Pedro Correia Graça (1º Secretário) - José João Ferreira Rodrigues (2.º Secretário)

- António Rodrigues de Almeida Maio (Presidente) - João Pedro Correia Graça (1º Secretário) - José João Ferreira Rodrigues (2.º Secretário)

- José Manuel Marques Leandro (Presidente) - Luís Augusto Morais Fontinha (Vice-Presidente) - Carlos Manuel de Matos Carvalho (Tesoureiro) - Cláudia Sofia Barata Neves Moreira (1.º Secretário) - Henrique Manuel de Oliveira Mendes (2.º Secretário) - Maria Graciete Teixeira Nunes Neves Sandinha (Vogal) - Aristides dos Santos Martins Adão (Vogal)

Assembleia Geral

2001-2003 (eleição e tomada de posse a 23/06/2001)

Direcção

- João Matos Cruz (Presidente) - António Nogueira Bandeira (Vogal) - João Pereira (Vogal)

- João Matos Cruz (Presidente) - António Nogueira Bandeira (Vogal) - João Pereira (Vogal)

- João Matos da Cruz (Presidente) - António Nogueira Bandeira (Vogal) - Dagoberto Manuel de Carvalho Chaves Marujo (Vogal)

- João Matos Cruz (Presidente) - António Nogueira Bandeira (Vogal) - Dagoberto Manuel de Carvalho Chaves Marujo (Vogal)

Conselho Fiscal

522

Pessoas, Ideias e Afectos | ARCIL – um projecto de causas

- José Manuel Marques Leandro (Presidente) - Dagoberto Manuel de Carvalho Chaves Marujo (VicePresidente) - Maria José Malta Lopes Martins (Vogal) - João Pereira (Vogal) - Nelson do Amaral Pina Tiago (Vogal) - Rui Miguel Correia Ramos (Vogal) - Isabel Costa Jacinto Fonseca (Vogal)

- Rui Miguel Correia Ramos (Presidente) - Nélson do Amaral Pina Tiago (Vice-Presidente) - Ana Cristina Silva Dinis Parreira (Vogal) - Henriqueta Cristina Ferreira da Silva Baeto de Oliveira (Vogal) - João Carlos das Neves Bandeira (Vogal) - João Pereira (Vogal) - José Rodrigues Nunes (Vogal)

2011-2013 (eleição a 18/12/2010; tomada de posse a 10/01/2011)

2014-2016 (eleição a 12/10/2013 e tomada de posse a 07-012014)

Direcção

- João Pedro Correia Graça (Presidente) - Fernando Cardoso da Silva Queiroga (1º Secretário) - José João Ferreira Rodrigues (2.º Secretário)

- João Pedro Correia Graça (Presidente) - Fernando Cardoso da Silva Queiroga (1.º Secretário) - José João Rodrigues (2.º Secretário)

Assembleia Geral

- Isabel Costa Jacinto Fonseca (Presidente) - António Nogueira Bandeira (Vogal) - Amílcar Castelo Branco (Vogal)

- João Matos Cruz (Presidente) - António Nogueira Bandeira (Vogal) - Amílcar Simões Castelo Branco (Vogal)

Conselho Fiscal

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