PESSOAS, OBJETOS, TEMPO E ESPAÇO Reflexões acerca das relações entre arte rupestre e ocupação do espaço ambiental na pré-história - PARTE 1

May 29, 2017 | Autor: Rodrigo Aguiar | Categoria: Prehistoric Archaeology, Rock Art (Archaeology)
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PESSOAS, OBJETOS, TEMPO E ESPAÇO Reflexões acerca das relações entre arte rupestre e ocupação do espaço ambiental na pré-história* Rodrigo Simas Aguiar** Resumo: Este ensaio de pós-doutoramento na área de Arqueologia, desenvolvido junto à Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, apresenta uma série de reflexões acerca de sí os de arte rupestre situados no Brasil, na Península ibérica e na Escandinávia. A coleção de imagens levantadas no percurso do pós-doutoramento, somada às milhares de fotografias feitas em minhas pesquisas no Brasil, vão cons tuir um amplo acervo que subsidiou estas reflexões. O obje vo máximo foi analisar tão diversa iconografia, que representa uma dilatada escala de tempo em espaços territoriais tão díspares. Em comum, estes grafismos rupestres compar lham a tendência em tema zar o entorno como elemento de grande significância para os agentes de seu tempo, refle ndo a cosmologia de grupos que podem ter propagado produtos e ideias por meio de um sistema de mobilidades e intercâmbios que em princípio foi muito mais amplo e bem mais an go do que tendemos a imaginar.

Abstract: This postdoctoral essay on Archaeology was developed in the University of Coimbra and shows a series of reflec ons about rock art sites situated in Brazil, Iberia and Scandinavia. The stock of images made in the passing of this postdoc added with thousands of pictures from my researches in Brazil will compose a vast collec on that subsidizes those reflec ons. The main goal was to analyze so diverse iconography that represents a dilated scale of me on so diverse territories. On common this rock art imagery share the tendency of thema ze the environment as an element of major relevance to the agents of its me reflec ng also the cosmology of groups. This type of ideology could have ben disseminated by a system of mobility and exchanges that may be more wide and older than we tend to imagine.

COMO SURGIU ESTE ENSAIO Este ano completo 41 anos de idade, dos quais 22 dedicados ao estudo da arte rupestre. Quando do meu ingresso no curso de história da Universidade Federal de Santa Catarina, em 1993, apaixonei-me pelo mundo dos grafismos esboçados nos paredões das praias da Ilha de Santa Catarina e adjacências. Mal iniciara os estudos universitários e já nha a sorte de saber o tema que defenderia quatro anos depois no meu Trabalho de Conclusão de Curso: arte rupestre. À época, exigia-me o curso uma monografia por semestre, das quais pelo menos um par delas foi dedicado à arte rupestre a fim de já delinear o grande ensaio monográfico final. Pesquisava por conta própria, empreendendo viagens aos rincões

das ilhas adjacentes à de Santa Catarina, experiência repleta de vistas magníficas e ves gios enigmá cos daqueles povos que deixaram gravadas as marcas de sua existência nas pedras dos costões. Em alguns ve a companhia de bons amigos, em muitos fui sozinho, mas sempre com o obje vo de registrar as belas gravuras. Assim passei os quatro anos da graduação, até que o somatório das experiências, absolutamente autônomas e financiadas do próprio bolso, foi apresentado à banca de avaliação como requisito parcial para a obtenção do grau de bacharel e licenciado em História. Na sequência veio o doutoramento, que não esteve diretamente ligado à arqueologia ou à arte rupestre, mas sim consis u de observação

* Ar go apresentado à Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra em razão da conclusão de estágio pós-doutoral, sob a orientação da Dra. Raquel Vilaça do Ins tuto de Arqueologia da Universidade de Coimbra e co-orientação do Dr. Klavs Randsborg da Universidade de Copenhagen. Parte dos dados aqui apresentados foi ob da com recursos do Projeto de Inventário da Arte Rupestre de Mato Grosso do Sul, que teve o desembolso financeiro da Eletrosul Centrais Elétricas e o apoio do Ins tuto do Patrimônio Histórico e Ar s co Nacional (IPHAN), cuja execução foi realizada pela Universidade Federal da Grande Dourados e pela FUNAEPE. Todas as imagens que compõem o ar go são de autoria de Rodrigo Simas Aguiar, sendo proibida a reprodução total ou parcial sem autorização expressa ** O autor doutorou-se em Antropologia pela Universidade de Salamanca no ano de 2003 e desde 2008 é professor do quadro efe vo da Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Federal da Grande Dourados, ins tuição onde também coordena o Laboratório de Arqueologia.

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Aguiar, R. L. S. Pessoas, objetos, tempo e espaço.....

etnográfica em uma sociedade indígena brasileira. Tal experiência foi imprescindível porque me permi u perceber uma coisa que parece óbvia, mas mesmo assim é ignorada por muitos arqueólogos: a arte rupestre não consiste tão somente de grafismos executados mediante técnica x ou y, com medidas variáveis, mas envolve antes de tudo a socialização de grupos humanos. Ta i s g r a fi s m o s , à s v e z e s d e s c r i t o s sistema camente pelas caracterís cas técnicas e decompostos em tabelas pológicas são, outrossim, o ponto de conexão com o universo de homens e mulheres que faziam do ecossistema o palco da vida social. Mas se de um lado a Antropologia conta com a observação direta para descrever como vivem as pessoas em determinada sociedade ou subgrupo social, a arqueologia, por sua vez, tem na cultura material seu único veículo de interpretação, lançando assim os desafios a se enfrentar quando se adota um modelo que pretende aproximar a ciência arqueológica da ó ca antropológica. Com todas estas experiências e desafios que se acumularam a esta altura da minha vida, quis para meu pós-doutoramento desenvolver uma pesquisa que não replicasse os velhos textos acadêmicos, similares aos muitos que publiquei, onde a descrição sistemá ca de mo vos rupestres e a contabilização de pologias são a tônica do c o n t e ú d o . Ta m p o u c o q u e r i a u m t e x t o exclusivamente de divulgação cien fica, focado na linguagem de amplo acesso e nas generalizações, como alguns dos livros que idealizei. O repto assumido foi o de elaborar um texto aprazível, de leitura prazerosa a todos os públicos, ao mesmo tempo em que mostrasse valor cien fico agregado. Por isso iniciei com este breve recorte de minha trajetória acadêmica, que acho per nente para o leitor entender como a arte rupestre se transformou em minha principal inquietação cien fica. Já pensando no ensaio de pósdoutoramento, além de tecer releituras dos lugares que estudei, estabeleci um roteiro de visitas a sí os que são verdadeiros 'santuários' para os pesquisadores da arte rupestre. Foi assim que incluí à minha documentação fotográfica o

Vale do Côa (Portugal), a cova de Altamira (Espanha), o parque arqueológico de Tanum e alguns sí os da província de Scania (estes úl mos na Suécia). Também visitei outros sí os peninsulares, alguns nos distritos portugueses de Coimbra e Guarda, outros em Campo Lameiro, Pontevedra, região espanhola da Galícia. Estas visitas se somaram à documentação de sí os do Brasil, especialmente os do litoral de Santa Catarina e os do Estado de Mato Grosso do Sul, tendo por fio condutor uma hipótese: a de como podemos perceber o entorno desde a ó ca dos autores dos grafismos rupestres. Quero destacar que em nenhum momento pretendi, na pesquisa de pós-doutoramento, empreender prospecções, inventários ou o estudo sistemá co de sí os arqueológicos, especialmente no que diz respeito aos parques rupestres europeus, pois tais a vidades arqueólogos portugueses, espanhóis e escandinavos podem desenvolver com muito mais competência e propriedade. A meta foi, pois sim, estabelecer avaliações da paisagem e análise iconográfica de certos mo vos rupestres, entendendo o entorno como conduto da vida social, e como tal aparece tema zado na arte rupestre. Outra preocupação da pesquisa foi a difusão de ideias e o efeito que isso poderia ter causado na pré-história, favorecendo os primeiros adensamentos antes mesmo da propagação da agricultura. Mais adiante explicarei como iniciei este po de abordagem ao reavaliar meus estudos no litoral de Santa Catarina, dando-me conta de que a pesca era temá ca motriz na arte rupestre costeira naquela região (AGUIAR, 2009). Desde 2011 inves go os sí os de arte rupestre no Estado brasileiro de Mato Grosso do Sul, onde para além dos procedimentos técnicos de registro e catalogação, observei uma análoga intencionalidade: o entorno ecológico que se repete tema zado nas figuras rupestres. Estas experiências demonstraram como a arte rupestre se apresenta como uma janela aberta para a cosmologia de grupos para os quais a etnografia não é mais uma possibilidade. Para cumprir sua missão maior, a arqueologia não deve se limitar a estabelecer 2

Ar go de Pós-doutoramento FLUC | Universidade de Coimbra | 2015

análises pológicas e frequenciais (que indiscu velmente são importantes nas primeiras etapas de pesquisa cien fica), mas precisa também, como nos lembra Clive Gamble (2001), buscar as relações dos dados apurados com essa “cultura total”, que engloba o universo imaterial das relações sociais e das dinâmicas de ocupação territorial, aproximando-se do que se denomina “arqueologia antropológica”. Mas Gamble não está sozinho nesta ideia. Drewe (1999) diz que o arqueólogo não é um viajante do tempo, pois o passado se foi; o que o arqueólogo faz é criar interpretações sobre como a vida social poderia ter sido no passado, tendo a cultura material como fonte de informação. Complementando essa ideia, Pedro Paulo Funari (2006) ressalta que a arqueologia estuda a “totalidade de material apropriada pelas sociedades humanas como parte de uma cultural total, material e imaterial, sem limitações de caráter cronológico”. Raquel Vilaça (2006) em seu ar go sobre os “Depósitos de Bronze do Território Português”, explica que a arqueologia pós-moderna em sua ousadia interpreta va permi u uma renovação sobre o tradicional estudo arqueológico da cultura material. Percebemos, então, como o campo da arqueologia mudou, superando as quan ficações e descrições pológicas da arqueologia processual e funcionalista. A par r da posição acima defendida, parece-me evidente que o ambiente se impõe aos grupos humanos como uma das muitas variáveis importantes para a manutenção da vivência social. Parece até um enunciado processualista, mas não é, e vou explicar por que. A exploração do entorno vai além da mera economia de subsistência, demandando a acomodação de categorias simbólicas. É dizer, as relações entre sociedade e ambiente são projetadas na cosmologia dos grupos humanos e a arte rupestre aparece como elemento potencial de se interpretar este fenômeno em sociedades remotas. Foi pensando dessa forma que teci um roteiro de visitas aos já mencionados sí os europeus de arte rupestre e revisei meus estudos anteriores em território brasileiro a fim de propor interpretações e inferências sobre como estes

d i ve rs o s g r u p o s h u m a n o s o c u p ava m e representavam o ambiente circundante nas gravuras e pinturas, acomodando o entorno dentro de seu universo imaterial por meio de categorias simbólicas. Mas antes de dar segmento a esta linha de trabalho, torna-se necessário explicar porque u lizo o termo 'arte rupestre', ciente das crí cas tecidas à terminologia.

SOBRE O CONCEITO DE ARTE E DE ARTE RUPESTRE Nosso conceito ocidental de arte prevê que uma manifestação da cultura humana, para ser considerada ar s ca, deve envolver um sen mento de esté ca ligada à liberdade cria va de um ar sta, cujo produto se torne um reflexo de sua genialidade. Dentro deste conceito, as chamadas 'obras de arte' se afastam totalmente d o ca ráte r u l i tá r i o, re st r i n g i n d o - s e à contemplação. Sendo assim, porque então chamamos de 'arte rupestre' estes grafismos executados em cavernas e paredões rochosos por povos da pré-história? É pra camente de senso comum que as manifestações rupestres da pré-história NÃO estariam ligadas à arte pela arte, exclusivamente para deleite esté co, mas englobavam aspectos de prá ca mágica, materialização do discurso cosmológico e seguiam regras es lís cas em concreto, o que exclui a liberdade ar s ca individual em razão da manutenção de uma etnicidade exibida no produto ar s co. Por outro lado, houve esmero na realização dos mo vos que até hoje nos deixam fascinados, arrancando até mesmo do observador menos atento o tal sen mento de deleite esté co. Dessa maneira, não me parece errado chamar estas manifestações de 'arte rupestre', mas estando ciente de que tratamos de um conceito mais abrangente de arte, tema tão caro à antropologia, que se ocupou especialmente nas úl mas décadas em estudar as produções ar s cas em diversas etnias ao redor do globo. Mas para verdadeiramente convencer o leitor de que o emprego do termo 'arte rupestre' não me parece um equívoco, 3

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preciso transitar pelas definições antropológicas de arte em sociedades não industrializadas. Em recente texto que publiquei em parceria com o colega antropólogo Levi Marques Pereira (2015), tecemos uma apresentação da arte indígena no estado de Mato Grosso do Sul, na região Centro-Oeste do Brasil. Para tanto, percebemos a necessidade de compor uma introdução sobre as par cularidades do estudo da arte indígena se comparada ao fenômeno ar s co do mundo ocidental. De início, par mos da premissa de que a arte existe enquanto fenômeno humano e por isso mesmo está presente em todas as sociedades – ideia que não é nova, confesso. O que muda é a forma como estes produtos são 'digeridos' por cada sociedade em par cular. Antes de tudo, como nos alerta Robert Layton (1991), a arte se manifesta por diferentes veículos – movimentos corporais, uso de pigmentos ou modelagem tridimensional – mas que precisam seguir regras atreladas a es los e expecta vas de audiência, por meio de signos compar lhados, para que estes produtos sejam reconhecidos como arte, já que nem todo movimento corporal, objeto ou comunicação pintada podem ser considerados ar s cos. Assim, entramos na primeira esfera da arte: audiência. A arte é p ro d u z i d a p a ra s e r “c o n s u m i d a ” p o r determinados segmentos da sociedade e m e d i a nte ta l ta refa d e ve re s p o n d e r à s expecta vas desta audiência. Isso cria a primeira camada de significantes atrelada ao media ar s co. Abre-se, então, uma porta ao universo imaterial. A arte é ao mesmo tempo ideia e representação. Eleva-se no transcurso da vida social de grupos humanos para mediar a relação entre o plano material e o universo cosmológico. Em cada cole vo humano, as pessoas necessariamente vivem situadas e envolvidas nas teias de signos e símbolos que herdaram e das quais dependem para orientar e significar suas existências. É dessa forma que deuses e demônios, en dades sobrenaturais e outros fenômenos da cosmologia são, por intermédio da arte, materializados do campo abstrato do discurso, ganhando espaço no plano material por

meio dos media ar s cos. O que busco aqui é reiterar a ideia inicialmente exposta de que a 'arte' enquanto fenômeno atrelado a camadas de significados e na forma de veículo de comunicação de ideologias, sempre exis u e persiste, pois é um fenômeno onipresente em nossa espécie. Mas ao inserir a discussão no campo da antropologia, tomamos consciência de que a percepção do conceito de arte varia entre as diferentes sociedades, gerando tão caloroso debate acerca de como a arte deve ser tratada em diferentes contextos sociais. A dificuldade em definir no meio acadêmico o que é e o que não é arte ao se tratar de sociedades díspares à nossa tem sua origem na forte influência que a noção ocidental exerce sobre os pesquisadores do meio. A primeira diferença reside no caráter u litário que a arte assume em sociedades tradicionais. Disso tanto Robert Layton (1991) como Els Lagrou (2010) vão tratar, ins tuindo esta diferença como o debate crucial que marca as fronteiras entre arte ocidental e arte em sociedades tradicionais. Quando traçamos uma reflexão acerca da arte em sociedades de pequena escala, percebemos que é impossível dissociar a arte da função prá ca da cultura material. Inversamente ao que ocorre nas sociedades industrializadas, o sagrado e o profano não estão simetricamente divididos, mas se interpolam e se mesclam, conferindo um ordenamento dos conteúdos cosmológicos a serem vivenciados pelo grupo. Nestes casos adornar, que em primeira instância consiste em dotar um objeto de qualidade esté ca, é também ves r o objeto de etnicidade (AGUIAR & PEREIRA, 2015). A par r daí se consolida uma das grandes diferenças entre a arte nas sociedades ocidentais industrializadas e aquela nas sociedades de pequena escala. Enquanto que na primeira predomina a liberdade cria va do ar sta e o caráter exclusivamente esté co, na segunda o ar sta precisa seguir regras que garantem a adesão do produto ar s co como elemento de etnicidade. Estas duas faces da arte foram destacadas por Els Lagrou (2010), que usando como exemplo a arte em sociedades indígenas, 4

Petroglifo da Ilha do Campeche, litoral de Santa Catarina. 5

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reitera como os produtos ar s cos são controlados pela cole vidade que mantém expecta vas acerca de sua correspondência com os elementos étnicos, rejeitando todas as obras que fujam dos padrões pré-concebidos. Tanto Layton (1991) como Lagrou (2010) colocam exemplos em que a inovação ou alteração nos padrões não só ferem esta expecta va como se torna algo perigoso, pois os seres sobrenaturais envolvidos na manufatura podem se vingar do artesão por haver produzido uma versão mal feita de sua representação sica. Outro tópico de discussão se apresenta neste ponto: em muitas sociedades objetos ar s cos não são meros artefatos adornados ou embelezadores, mas cumprem o papel de receptáculos de espíritos e en dades sobrenaturais. São diferentes ó cas sobre um mesmo elemento sico: ao contemplar uma árvore, nós leigos podemos ver o colorido e a beleza de suas formas; o botânico se centrará nas caracterís cas biológicas; um xamã pode ter nela um veículo de cura; um artesão africano vê o receptáculo de um espírito que se manifestará na sociedade a par r da máscara dela entalhada. E os exemplos se avolumam. Em comum, surge o papel que um elemento natural assume para um grupo ou subgrupo social, incorporando-se ao conteúdo simbólico de significantes. Este enunciado cons tui-se o alicerce das ideias que debaterei ao longo do texto. É com base nos conceitos aqui expostos que considero legí mo o emprego do termo 'arte rupestre'. Primeiro porque, estando no meio acadêmico, é preciso superar o conceito ocidental de arte, entendendo-a desde uma ó ca antropológica, transcendendo assim o mero caráter esté co. Segundo porque não resta dúvidas de que há um empenho dos autores dos grafismos em produzir um efeito esté co, ainda que este não seja o fim e sim o meio. Terceiro porque o termo 'arte rupestre' tornou-se uma convenção, especialmente entre os estudiosos da arqueologia pré-histórica, aparecendo em um sem fim de publicações escritas em múl plos idiomas. Por fim, conforme expus acima, a arte rupestre se enquadraria na condição da arte como

Zarabatana guarani: arte como expressão de etnicidade.

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conduto de simbologias abstratas que conecta o universo imaterial com a vivência social, materializando e dando forma a en dades e narra vas cosmológicas e, por isso mesmo, um importante elemento diacrí co, que manifesta etnicidade – ainda que seu significante esteja irremediavelmente perdido nas areias do tempo. Mas a ideia de relacionar a arte rupestre com um sistema de comunicação tampouco é nova. Layton (1985) dá sustentação a esta linha de raciocínio ao considerar a arte rupestre como uma série de textos gerados por um sistema cultural, cuja forma é concedida por meio do trabalho de um determinado ar sta. É evidente que associar uma variável arqueológica a uma unidade étnica em concreto é um exercício perigoso, haja vista ser impossível constatar uma etnicidade em populações de deixaram de exis r há muitos séculos ou milênios – mesmo sendo esta forma de arte uma expressão de etnicidade, ainda que perdida. Mesmo assim, as potencialidades que uma interlocução entre a arqueologia e a antropologia pode oferecer ao pesquisador não devem ser simplesmente negadas. Lembremo-nos que a etnicidade é o receptáculo de todos os elementos que sinte zam a iden dade de um grupo e, portanto, é constantemente comunicada pelos seus membros a fim de dotar o universo de sen do. Como lembra Barth (2000) os grupos étnicos se auto-iden ficam e comunicam sua etnicidade por meio de elementos diacrí cos e sen mento de pertencimento. Ao transpor este conceito para a arte rupestre acabamos por não rejeitar de todo os vínculos que guardam entre si pinturas rupestres que compar lham estreitas caracterís cas es lís cas, ainda que estes complexos rupestres estejam separados por centenas ou até mesmo mais de mil quilômetros. Neste ponto, nos é claro que alguns painéis de arte rupestre são a materialização de um discurso cosmológico, conver do em narra va pictórica. A repe ção de composições em diferentes sí os, por sua vez, poderia em alguns casos ser a con nuidade deste corpus cosmológico, transmi do através de diferentes segmentos sociais e ao longo de sucessivas

gerações. As con nuidades, por meio das quais se percebe a dispersão de es los análogos por extensas parcelas territoriais, foram tratadas durante boa parte do século XX como subsídio para a montagem de grandes categorias a fim de promover classificações. Mas os trabalhos recentes apontam uma questão unanime: as an gas grandes divisões precisam ser revistas; e, com efeito, estas formas de classificação passaram a ser ques onadas de maneira global. Similar situação é registrada no Brasil, onde as macro-classificações propostas para a arte rupestre, chamadas de “tradições”, são alvo de discussões acaloradas e de revisões. As tradições seguem em uso no Brasil, mas como chaves de classificação es lís ca, onde os elementos são ordenados pelas semelhanças técnicas e gráficas, mas sem com isso reconhecer qualquer po de filiação étnica. Isso porque semelhança gráfica não implica necessariamente con nuidade étnica, podendo ser fruto de compar lhamentos culturais entre dis ntos povos. O foco hoje passou a ser outro: mo vações, intencionalidades, relações com um possível modus vivendi. O fato comunicado passa a ser o alvo, e não a busca pela origem étnica dos autores – mesmo porque esta pode resultar impossível. A classificação por tradições e todos os problemas conceituais decorrentes vem sendo amplamente deba dos desde o início dos anos de 1990 (MARTIN, 2005; PROUS, 1992; PESSIS 1992) e recentemente foi historiada na tese de doutoramento de Carlos Costa (2012) in tulada “Representações Rupestres no Piemonte da Chapada Diaman na”, defendida na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. As relações entre os grafismos e os domínios ecológicos dão a tônica para os estudos atuais. Cenas culturais - caça, pesca, danças e outros episódios da vida social - ficaram registradas de maneira perene, cabendo ao arqueólogo rupestre estudá-las, abrindo uma porta à interpretação, sempre que possível. A antropologia pós-moderna já nos mostra que o próprio texto etnográfico é uma representação percebida pela ó ca da parcialidade que o 7

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antropólogo cons tui. Ainda que resultado de uma observação empírica, o texto etnográfico será indubitavelmente regido pelas parcialidades inerentes à vida do observador. O passado, assim sendo, deve ser igualmente interpretado para abrir as portas a novas formas de pensar os contextos, sem cair no reducionismo extremo, mas ainda assim percebendo que a imparcialidade absoluta pode ser ina ngível. O próximo passo é definir o que aqui entendo por ambiente e por apropriação antrópica, pois este será um dos recursos para discu r a produção da arte rupestre.

travar reflexões acerca da produção rupestre desde os primeiros ensaios paleolí cos até a formação de grupos de chefatura, com poderes centralizados e especialização dos modos de produção. No que tange os grupos do final do paleolí co, estes dependiam do reconhecimento preciso do entorno para garan r a eficácia no forrageio. A economia baseada na caça, coleta e pesca representa a maior parcela da história do homem. É com base nesse modo econômico que nos remotos tempos da pré-história hordas transitavam por ambientes ecológicos específicos em busca do sustento da prole. Era fundamental formar um conhecimento profundo das caracterís cas geográficas e das espécies animais por meio de um processo empírico, sendo os conhecimentos adquiridos pela cole vidade cuidadosamente repassados às gerações seguintes. Em ambientes secos, estabelecer uma memória fotográfica que tornasse o indivíduo capaz de armazenar mentalmente caracterís cas da paisagem, como perfis montanhosos ou disposição de vegetação, poderia ser a diferença entre a vida e a morte. Esse conhecimento permi a que caçadores transitassem por amplas áreas em busca de sustento e retornassem aos assentamentos em segurança. Para as primeiras hordas humanas, o conceito de espaço habitacional certamente era bem dis nto daquele que mais tarde viria a ser empregado pelas primeiras chefaturas. Os assentamentos eram normalmente transitórios, pois quando os recursos disponíveis se tornavam escassos o grupo migrava em busca de novos espaços de subsistência, por isso mesmo tendemos a chamar esses grupos de nômades. Mas esse nomadismo deve ser entendido com bastante rela vismo, já que em espaços ecológicos favoráveis uma mesma área poderia ser explorada por mais de uma geração. Há ainda aqueles grupos cuja subsistência implica o uso de deslocamentos ditados pelas caracterís cas sazonais, explorando determinadas áreas no inverno e outras no verão. Em comum, esses cole vos compar lham a necessidade de conhecer com precisão e, em dada medida, de

PAISAGENS ANTRÓPICAS: A FORMAÇÃO DE ESPAÇOS ANTROPIZADOS NO MEIO NATURAL Não pretendo entrar em discussões técnicas acerca do meio ambiente enquanto espaços ocupados por grupos humanos em tempos remotos. Mesmo porque, na qualidade de arqueólogo com formação em história e antropologia, me faltam os requisitos técnicos para tratar do meio ambiente desde a ó ca das ciências da terra ou da vida, como a Biologia ou a Geologia. O que proponho então é tratar o meio ambiente desde a perspec va cultural. Transformar o ambiente foi, desde nossa remota origem enquanto espécie, uma condição essencial para a sobrevivência. O homem só é capaz de subsis r porque desenvolveu a habilidade de converter os recursos naturais. Na pré-história, pequenos agrupamentos de caçadores e coletores veram que desenvolver um preciso conhecimento da geografia e da ecologia para encontrar formas eficazes de subsis r. De diferentes meios ecológicos resultaram dis ntas formas de economia, desencadeando respostas grupais diante das pressões do meio. Para este ensaio trataremos predominantemente de grupos pré-históricos autores de painéis de arte rupestre em dados locais da Península Ibérica e do Brasil. A abordagem se estenderá também a alguns casos do mesolí co e da idade do bronze, razão pela qual foram visitados sí os arqueológicos de Portugal e da Suécia. Desta forma, será possível 8

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alterar o ambiente. Foi indispensável a formação de um calendário para marcar os ciclos anuais in mamente relacionados com a subsistência. Conhecimentos astronômicos se tornaram o fundamento de tais calendários, onde sol e lua regiam a vidades de caça, pesca e coleta. O sol aparece como en dade divina importante em muitas culturas tradicionais em que o calendário econômico e fes vo se dá em razão do ciclo solar, que também influencia fortemente o universo imaterial destes povos. Assim, tanto o dia mais curto do ano como o mais longo são marcos fundamentais nesses calendários. Algumas s o c i e d a d e s d a p ré - h i stó r i a co n st r u í ra m alinhamentos de pedra que seriam u lizados justamente para marcar com precisão a transição

entre ciclos, como as registradas em muitos pontos da Europa ou ainda no estado Brasileiro do Tocan ns. O que isso tudo nos revela? Que a análise do ambiente permite muitas interpretações de valor para a compreensão da reprodução da vida social. Como exemplo, há o ar go de Raquel Vilaça (1998) in tulado “Hierarquização e conflito no Bronze Final da Beira Interior”. No texto de Vilaça, a paisagem, associada a outras evidências materiais – como estelas e arte rupestre, além dos artefatos e estruturas – são brilhantemente interpretados de modo a repensar as relações sociais do período em tela. Gamble (2001) nos lembra de que a cultura material é a va na sociedade que a criou, sendo bem mais que mero reflexo dela – cultura material para construir,

Alinhamento de pedras pré-histórico cuja função era marcar transição entre ciclos do ano. As pedras estão dispostas no sen do leste-oeste e em uma data específica do ano coincidiria precisamente com o movimento solar. Região do Jalapão, Estado do Tocan ns – Brasil. Este alinhamento foi registrado por primeira vez em Aguiar & Eremites de Oliveira (2010).

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manter, controlar e transformar iden dades e relações sociais. Promovemos uma aproximação entre arqueologia e antropologia ao pensarmos os objetos como atores sociais dotados de intencionalidade e que são capazes de interferir no fluxo da vida cole va, algo claramente exposto no conceito de agency de Gell (1988). Já na introdução apresentei o desafio a que me proponho: abordar como sociedades tão díspares – como as do paleolí co na Península Ibérica ou da idade do cobre em Portugal e na Escandinávia, ou ainda as sociedades caçadoras e coletoras do Brasil central e do litoral de Santa Catarina – promoviam a ocupação do espaço tendo como elemento de interpretação a arte rupestre. Todavia, resulta impossível tratar o tema de maneira exaus va, englobando toda a cultura material produzida por tão grande diversidade de povos. Portanto, usarei a arte rupestre como material de reflexão, tendo como premissa o papel destacado que elementos da natureza assumem para um grupo humano, incorporando-se ao conteúdo simbólico de significantes. Na sequência será apresentado um breve recorrido pelas áreas selecionadas para esta pesquisa, discu ndo seus contextos arqueológicos e os sí os de arte rupestre visitados.

intrincada rede de intercâmbios de produtos e de migrações, o que veio comprovadamente se intensificar na idade do cobre. Raquel Vilaça (2012) trata de quão rela va é esta perspec va de centro e periferia, ao mesmo tempo em que ressalta como o fluxo de ideias moldava as sociedades situadas no extremo oeste da Peninsula Ibérica há mais de 4 mil anos, numa dinâmica que converteu um pretérito «finis terrae» em locus de convergência dos mundos Atlân co e Mediterrâneo. Estas situações demonstram quão rela va pode ser a tendência de ver 'centros' e 'periferias' em tradições humanas. A solução é estabelecer uma reflexão ponderada acerca do fenômeno de mul plicidades de sí os, entendendo que a préhistória não é marcada essencialmente por isolamentos de hordas e clãs, mas por sistemas de mobilidades e alianças que começaram muito antes do que a maioria quer imaginar. Nuno Bicho (et al, 2007) vê a Península Ibérica como um refúgio durante o úl mo máximo glacial que se converteu no maior centro da arte paleolí ca europeia. Não podemos esquecer que aposição que ocupa, entre o Atlân co e o Mediterrâneo, com clima favorável e abundância de recursos, faz da Peninsula Ibérica um lugar excepcional. A arte rupestre do Vale do Côa tem apontado para este caminho. Os escarpados vales por onde o rio Côa corre até encontrar-se com o Douro guardavam há dezenas de milhares de anos uma megafauna variada. O clima, certamente mais frio que o atual e possivelmente mais seco, de certa forma propiciava um modo de subsistência de caça-pesca-coleta muito favorável ao adensamento das ocupações humanas. Tais grupos de economia de forrageio vão reconhecer nas sequências de montanhas e vales, tão formosos quanto abruptos e que cortam toda a massa de terra que forma o eixo interior de Portugal, seu locus privilegiado, o palco de sua vida social. As montanhas íngremes não parecem ser empecilho para o deslocamento e forrageio, o que constatamos pelos sí os de arte rupestre que se avolumam nos afloramentos xistosos. A arte rupestre do Côa é proposta por muitos autores como um centro cerimonial (LUIS, 2008;

DE BISÕES A MEGÁLITOS: A PENÍNSULA IBÉRICA Após um ano de viagens pela Europa, visitando sí os arqueológicos, uma coisa saltou aos meus olhos: a Península Ibérica é um locus privilegiado de ocupação pré-histórica. O interior de Portugal é marcado por uma imensa quan dade de sí os arqueológicos situados em sequências muito próximas. Evidentemente são sí os pré-históricos dentro de uma longa escala de tempo, que compreende do paleolí co ao neolí co, incluindo o fenômeno megalí co e a idade dos metais. Mas mesmo considerando a escala de tempo que separa muitos sí os, é inegável que houve um trânsito considerável de comunidades, seja qual for a era. De imediato isso sugere não uma condição de isolamento ou periferia, mas o centro de uma 10

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BAPTISTA, 2009) que congregava grupos de certa forma relacionados entre si, em torno da prá ca rupestre. Os deslocamentos e o fluxo de produtos envolvendo rotas alargadas são comprovadas pela presença de sílex trazido de jazidas distantes mais de 150 quilômetros (SAMPAIO & AUBRY, 2008). Os mo vos rupestres do Vale do Côa mantém a representação de animais da megafauna como o eixo temá co que conecta a arte paleolí ca a céu aberto de Portugal com outros sí os peninsulares, como os da Meseta ou da Cantábria. Contudo, certas caracterís cas na técnica de representação colocam em evidência importantes par cularidades da arte rupestre do Côa. Entre estas caracterís cas par culares está a

acumulação de mo vos por meio de sobreposições, que ocorre nos principais sí os localizados às margens do Côa (BAPTISTA, 2001). De certa forma, um sen do cênico é alcançado pela acumulação de mo vos, onde 99% dos animais representados são as quatro grandes espécies de herbívoros que dominam a Arte do Côa: equídeos, bovídeos, caprinos e cervídeos (BAPTISTA, 2008). Estas informações nos levam à conclusão de que as sobreposições não podem ser simplesmente interpretadas como o resultado de prá cas temporal e es lis camente distanciadas, ou ainda como manifestações de hos lidade de u m gru p o su cesso r p ara co m grafi smo s predecessores. A sobreposição integra o código

A arte mobiliária do Côa vista com o auxílio de uma lupa. Acervo do Museu Arqueológico do Vale do Côa.

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Região de Foz Côa. 13

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Ao lado e acima: gravuras paleolí cas do Vale do Coa.

transmi do, seja na tenta va de remontar cenas de movimento, de expressar abundância ou ainda de contrapor diferentes núcleos de pensamento, onde cada animal é um representante em concreto. Com efeito, o movimento das figuras, tanto nas composições bicéfalas como nas sobreposições e sequências de espécimes, é elemento assinalado por Bap sta (2009). Este movimento parece ser a grande marca registrada da arte rupestre paleolí ca ao ar livre de Portugal. A paisagem, em hipótese nenhuma, pode ser dissociada do código rupestre expresso nas paredes do Vale do Côa, posição defendida por muitos inves gadores da temá ca (BAPTISTA, 2001; ALVES, 2002; LUIS, 2008). Vários textos tratam o Vale na perspec va de um santuário arcaico, ponto de convergência de grupos em torno de uma ritualís ca ligada à prá ca rupestre (BAPTISTA, 2001; BICHO et al,2007). Os mo vos

gráficos e o es lo na representação presentes nas paredes rochosas do Vale do Côa se repetem também em uma arte mobiliária formada por plaquetas rochosas descobertas no sí o Fariseu 1, descritas por Marcos Garcia Diez e Thierry Aubry (2002). Esta arte mobiliária poderia ser responsável pelo fluxo do código rupestre do Vale até os extremos onde as mobilidades e contatos podiam a ngir, convertendo-se em extensão do santuário, mas isso é apenas suposição. Ao deparar-se com os sí os de arte rupestre paleolí ca há um detalhe que salta à vista do observador: a ausência (ou presença limitada) do elemento humano nas cenas. A Caverna de Altamira, em San llana del Mar, região espanhola da Cantábria, é sem dúvida o mais icônico sí o da arte rupestre paleolí ca. O teto dos policrômicos apresenta repe das reproduções da fauna de então, principalmente 15

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bisões. A perfeição com que estes animais são representados é um dos elementos que torna Altamira tão especial. Mas estes bovídeos não estão representados em cenas de caça, o que sem dúvida contrapõe a hipótese de magia simpá ca ligada à captura do animal. Os bisontes de Altamira parecem replicar quadros comportamentais da vida destes animais: dormindo, emi ndo sons, lambendo-se, enfim, como uma en dade em seus ciclos de existência, atos e a tudes, recriados no interior do corpo social e transpostos fielmente às paredes da caverna. Lá o bisão, longe de mera representação gráfica, assume a condição de uma en dade atuante no sistema cosmológico, que hipote camente se projeta para além das pinturas e se converte em agente. Este caso nos revela a possível relação entre potências, ou poderes especiais, atribuídos a determinados segmentos sociais, e as figuras animalistas. Humanos e certos animais compar lhariam espaços privilegiados na criação e no ordenamento do cosmos. Não raro, nas mitologias de grupos atuais certas espécies animais são dotadas de caracterís cas que na cultura ocidental são exclusivas dos humanos, como capacidade de comunicação, i nte n c i o n a l i d a d e , d e s e j o e afe v i d a d e , convertendo-os em seres especiais com os quais a sociedade humana necessariamente interage e dos quais depende para desenvolver sua vida social (PEREIRA, 2004). O sí o de Altamira não é um sistema fechado em si, mas integra um conjunto de sí os paleolí cos que se desdobra por toda a Cantábria.

Acima e abaixo: arte mobiliária paleolí ca. Acervo do ‘Museo de Altamira’ (Ministerio de Educación, Cultura y Desporte de España).

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Os famosos bisões de San llana del Mar, no ‘Museo de Altamira’ (Ministerio de Educación, Cultura y Desporte de España).

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A mesma reprodução realista da fauna vai aparecer em outros importantes sí os, como os de Ponteviesga. Este sistema ar s co inclui, também, u m a a r t e m ó v e l p r e s e n t e n o s ex t ra t o s arqueológicos de vários destes sí os, que recebe o mesmo tratamento naturalista e é contemporânea às pinturas (GONZALEZ SAINZ, 2005). Sabemos que a arte rupestre cantábrica vai surgir há 40 mil anos (PIKE et al, 2012), sendo que por volta dos 14 mil anos A.P. se dá a elaboração dos bisões policrômicos de Altamira, num momento em que o naturalismo se torna supremo. Tendemos a ver a arte rupestre como um fenômeno exclusivo do Homo sapiens, sua principal marca dis n va em face às demais espécies do gênero Homo. Contudo, a descoberta em Gibraltar de arte parietal relacionada aos Neanderthais e datada em mais de 39 mil anos (RODRIGUEZ-VIDAL et al, 2014) vem demonstrar que é preciso revisar os conceitos relacionados à arte paleolí ca. Assim, outros sí os paleolí cos, como o de El Cas llo (Cantábria), também poderiam conter expressões ar s cas relacionadas a ocupações anteriores a de seres gene camente ligados ao homem moderno (PIKE

et al, 2012; RODRIGUEZ-VIDAL et al, 2014). Abstração de ideias, uma mostra incontestável da habilidade cogni va que nos torna tão humanos, agora não é mais uma exclusividade de nossa espécie, a ciência nos prova isso. Outra espécie hominídea já de nha esta tão complexa capacidade de abstração, necessária para a formulação de um cosmos idealizado que integra o meio circundante à vida social. A transição da era dos grandes bisões gravados e pintados para o surgimento dos cul vos e o aumento do número de indivíduos por grupos vai acontecer em um dilatado período genericamente conhecido por mesolí co. Entre muitos há uma inclinação em pensar os grupos de modo econômico pré-hor cultor ou de agricultura insipiente como diminutos con ngentes que viveram absolutamente isolados em sua parcela de território, onde pra cavam o forrageio para sustento da prole. Penso ser ilusória tal concepção. Quem já acompanhou grupos indígenas atuais em incursões de caças sabe quão necessário é um domínio da ecologia e da geografia e os tantos quilômetros de deslocamentos envolvidos. Agora imagine isso associado aos rituais exogâmicos e aos

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Ao lado e acima: bisões da sala dos policrômicos no ‘Museo de Altamira’ (Ministerio de Educación, Cultura y Desporte de España). 19

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intercâmbios, que além de prá ca econômica nham no passado a igual função de manter as relações de reciprocidade. O que se tem como resultado é uma rede de fluxos de pessoas e mercadorias que sulcam caminhos cancestrais, sendas que conectavam famílias extensas e parentelas. Novas evidências arqueológicas estão aí para mostrar que muito do que pensávamos ser advento exclusivo do neolí co agora recua milênios na história da humanidade. Homens e mulheres da era pré-história, em tese, teriam o conhecimento de como manejar as plantas bem antes do surgimento generalizado da agricultura. Mas cul var demandava mais horas de trabalho, dependência de fenômenos climá cos e outra noção de território. O que quero dizer é que o território era tão importante para os caçadores e coletores como o foi para os agricultores, mas a diferença é que antes a 'casa era maior'. Havia sim vínculos de territorialidade e a arte rupestre paleolí ca está aí para confirmar. As mudanças grada vas no modo de subsistência e na tecnologia parecem coincidir com a estabilização climá ca. Tais inovações são predecessoras de uma transformação maior, que irá incluir a domes cação de plantas e animais. Haverá reflexo também nas manifestações sicas do conteúdo simbólico, nomeadamente na arte rupestre e na introdução de novas categorias, como os dolmens. Mas seriam as primeiras manifestações megalí cas verdadeiramente obras de sociedades agropastoris? Os dolmens e os cromeleques são monumentos pré-históricos no sen do estrito do termo. Mover gigantescos blocos de pedra que pesam toneladas e enterrá-los em uma área previamente limpa e preparada requer a movimentação de uma força de trabalho que, certamente, estaria disponível somente em estruturas de famílias extensas ou parentelas organizadas. E mais, a grande quan dade de estruturas megalí cas existentes em Portugal – e em toda a Europa – demonstra que em dado momento houve a expansão deste novo sistema, que abriga muito mais indivíduos por núcleo, se comparado às hordas de caçadores e coletores. Neste ponto sinto-me tentado a propor que esta

Arte mobiliária paleolí ca. Acervo do ‘Museo de Altamira, Ministerio de Educación, Cultura y Desporte de España’.

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transformação no modo de organizar e congregar os habitantes da pré-história teve suas raízes num processo que surgiu ainda no paleolí co: a materialização do cosmos mediante a arte rupestre e a arte mobiliária. Locais como o Vale do Coa e a caverna de Altamira seriam exemplos destes centros de congregação atuantes por meio de uma força motriz, centrada na simbolização, que impelia uma nova dinâmica social. Vou explicar melhor. Na úl ma fase do paleolí co – também mesolí co, como é classificado em alguns países – esta força social, totalmente centrada na simbolização do cosmos, se propagou com intensidade. O número de indivíduos organizados em torno desta nova ordem cresce e tem início a edificação de centros rituais, como as estruturas megalí cas. Göbekli Tepe, na Turquia, seria um modelo perfeito deste sistema. Caracterizado em suas fases iniciais por Klaus Schmidt (2010) como um sí o neolí co pré-cerâmico, seria um centro não habitacional, mas sim cerimonial, formado por recintos megalí cos circulares, cujas origens recuam 12 mil anos. Destaca-se aqui que em sua fase mais an ga não há evidências de plantas cul vadas. O Cromeleque dos Almendres (região de Évora, Portugal), erigido inicialmente no VI milênio aC e cujo uso se estendeu até o III milênio aC (GOMES, 2011), é outro exemplo desta congregação em torno da ritualís ca. Varela Gomes ressalta esta caracterís ca cosmológica do fenômeno megalí co ao assinalar que “...a iden ficação\transformação, durante a Pré ou Proto-História, de um bloco natural em figura antropomórfica, não corresponde a uma intervenção ar s ca, mas a uma elaboração conceptual em que o resultado cons tuía a criação de uma en dade viva” (GOMES, 2011: 26). A ideia de menires e recintos datando do neolí co inicial (e não do final como se acreditou por muito tempo) é reforçada por Manuel Calado e Leonor Rocha (2006). Os mesmos autores discutem a possível relação entre menires e comunidades anteriores à chegada do 'pacote neolí co', mas que apresentavam um rumo à complexificação social num contexto pré-agropastorial em que o

Transformações na cultura material vão integrar o que muitos chamam de ‘pacote neolí co’. Artefatos passaram a ser confeccionados com técnicas mais apuradas de lascamento, sendo empregado também o polimento. De cima para baixo: Machados polidos da coleção do Museu Arqueológico de Innsbruck (Áustria) e pontas de lanças da coleção do Museu de América (Espanha).

meio passaria a ser intensamente manipulado (ibid, p. 83). Em se tratando de suas caracterís cas sicas, os recintos megalí cos são normalmente em formato de ferradura e sua implantação se dá junto ao topo – mas não no topo – de encostas voltadas ao nascente, percebendo-se neles um eixo de simetria leste-oeste e uma monumentalidade reforçada no lado ocidental, onde se destaca um menir de maiores dimensões (CALADO, 2003). Fica evidente que a expansão nos novos santuários indica a entrada em um modelo protoneolí co, onde apesar de a agricultura ser conhecida, ainda não era densamente pra cada 21

Estruturas megalí cas em Portugal. Acima: Cromeleque dos Almendres. Abaixo da esquerda para a direita: Anta Grande do Tapadão, Menir da Bulhoa e Menir do Outeiro.

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como pivô do sistema econômico. O aumento do número de indivíduos por núcleo – inicialmente simbólico-religioso – e a propagação dos centros cerimoniais pode ter trazido também tensões entre grupos em razão do controle do acesso aos recursos naturais, agora sim mais escassos, o que levou ao desenvolvimento das técnicas de cul vo. O que me atrevo a dizer é que a agricultura pode não ter sido a causa, mas sim a consequência da organização de pessoas em núcleos populacionais mais ou menos fixos. Sei que isso contraria a visão generalizada de que a agricultura foi a revolução do neolí co, mas a linha de raciocínio que aqui proponho fica como uma inquietação cien fica que, espero, possa fomentar novas formas de interpretar o passado pré-histórico. Seria então a arte a grande revolução, que conduziu aos pos de sociedades que se propagarão amplamente no neolí co? Ainda que pesem as transformações, com a edificação de monumentos cerimoniais, a arte rupestre não deixou de ser pra cada. Muito pelo contrário, con nuou a acompanhar as sociedades até os princípios da história (e até os dias atuais, se englobarmos as sociedades aborígenes da Austrália). Assim, os grafismos rupestres formam o fio condutor para se interpretar as transformações e con nuidades sen das ao largo de um dilatado período da história humana na terra. Neles encontramos as evidências simbólicas relacionadas ao processo de complexidade social decorrente do adensamento dos modelos cosmológicos. Vai ser somente quando do surgimento de acentuada diferenciação de estratos, somado à intensificação das relações comerciais, que todas as caracterís cas de núcleos duráveis, como entendemos historicamente, vão exis r - é o momento em que um núcleo populacional mais estável vai gerir parcelas de terras dominadas por determinados segmentos de sua sociedade e que juntos formavam o poder polí co e exerciam sua dominância sobre outros segmentos da população. São precisamente estes núcleos que vão ser reocupados ao longo dos períodos préromano e romano (e que na maior parte dos casos abrigam povos até a formação das cidades atuais)

pela razão de serem os lugares melhor posicionados – abrigados dos ventos, com oferta de água e possibilidades de exploração econômica, etc. Mas isso não pode dar margem à sustentação da ideia de que sociedades simples são isentas de diferenciações sociais. Relações de perversidade estão presentes em todos os cole vos humanos. Ou seja, não há e nunca houve sociedade idílica, onde predomina o igualitarismo. Isso é manifestação de uma cosmologia atual, uma representação de um passado e de um presente idealizados onde se busca uma versão idílica do cole vo humano. Classes de especialistas sempre exerceram sua parcela de poder ante o cole vo, influenciando as decisões polí cas e garan ndo a manutenção dos estratos. Isso aparece nos enterramentos diferenciados, nos adornamentos dis n vos (inclusive marcas corporais) ou ainda no uso de determinados mobiliários por segmentos específicos. Tais indica vos foram negligenciados por certas linhas da história e da arqueologia, o que nos levou a interpretações equivocadas do passado. Estas assimetrias sociais, as relações de territorialidade, os intercâmbios de pessoas e bens, as alianças e os conflitos, devem ser pensados inclusive para as etapas mais recuadas da epopeia humana, contribuindo com novos aportes na interpretação dos primeiros monumentos pré-históricos, como a arte rupestre (que na condição de veículo de significação do espaço assume também a forma de monumento) ou as estruturas megalí cas. Na arte rupestre que virá a se desenvolver na Península Ibérica com o início do neolí co sobressaem as figuras abstratas acompanhadas de mo vos antropomorfos e de instrumentações, como armamentos. Sanches (1990) divide a arte rupestre do norte peninsular em duas vertentes, uma de gravuras litorâneas em rochedos ao ar livre, com o predomínio de representações abstratas e de objetos; e outra de expansão interiorana com abundante representação antropomorfa e figuras circulares. Contudo, esta divisão em dois grandes grupos (Grupo Atlân co e Grupo NW) vem sendo ques onada, estando no consenso a necessidade de revisão dos modelos 24

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pelos povoados da Moreirinha, Alegrios, Pedrichas, Monte do Frade e Covilhã Velha” (VILAÇA, 2000: 34).

(BAPTISTA, 1983). Se o Coa é o locus privilegiado da arte paleolí ca, é no Tejo que se congrega o novo momento da arte rupestre, iniciado às portas do neolí co - ou até mesmo antes. Mario Varela Gomes (1983; 2004; 2010) elabora uma descrição detalhada dos grafismos rupestres do vale do Tejo, que na pré-história abarca desde o mesolí co à idade do bronze. Contudo, António Mar nho B a p sta ( 2 0 1 1 ) d e m o n st ra q u ã o d i l ata cronologicamente pode ser a prá ca rupestre no Tejo ao relatar lá a existência de uma figura paleolí ca: o Cavalo Grave ense do Ocreza. O Tejo, bem como o Douro, são as vias que sulcam as terras interioranas nas porções norte e centro de Portugal. Por meio destas vias, circulam bens e pessoas, agora integradas por laços polí cos e de parentesco. A importância destes rios se intensificou especialmente com o fluxo de metais nos períodos pré-romano e romano. Mas ao voltar-se à arte rupestre, não se nota tão claramente a incorporação de tais vias hídricas como elemento simbólico-cosmológico, ao contrário do que passa com o ambiente terrestre. Isso porque, talvez, as vias ancestrais que cruzam as cadeias montanhosas vessem maior inserção na cultura simbólica destes primeiros povos da Península Ibérica. São as mesmas vias que depois servirão de trânsito aos pastores transumantes. Nuno Ribeiro (2014) descreve várias destas vias em seu inventário da arte rupestre na região central de portugal, indicando como se estendem tanto a oriente quanto ao oceano, havendo em todas pontos de intersecção e monumentos arqueológicos, como arte rupestre e sepulturas do po mamoa.. As rotas ligavam também povoados que, em razão do fluxo do metal, ocupavam os topos das cadeias montanhosas (Vilaça, 2000) e cuja posição estratégica ia além do domínio visual do espaço geográfico:

Richard Bradley e Ramón Fábregas Valcarce (1998) estabelecem uma nova visão acerca dos padrões da arte rupestre peninsular. Os autores entendem o Norte de Portugal e sua fronteira com a Galícia como ponto de conjunção de dois grandes conjuntos es lís cos: o da Arte Rupestre Esquemá ca, que se estende até o Mediterrâneo; e o da Arte Rupestre Galaica. Dada a sua situação geográfica, esta região estaria na interseção de dois mundos, um originado no Mediterrâneo, outro vindo de terras distantes mais ao norte, processo que se intensificou na Idade do Cobre e na Idade do Bronze (BRADLEY & FABREGAS, ibid). Para ter uma visão mais apropriada da arte rupestre peninsular, Richard Bradley (2002) chama a atenção para a

Por outro lado, essa visibilidade não é só direccional, de cada povoado para o respec vo território. Ela é complementar, relacional e recíproca, ou seja, diversos povoados avistam-se uns dos outros, como são os casos, entre outros, do núcleo formado

Gravura rupestre do sí o arqueológico ‘Pedra Letreira’, Gois, Portugal. Estariam estes sí os marcando rotas usadas no fluxo de produtos e ideias pela Península Ibérica?

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necessidade de se analisar os dois grandes complexos, o galaico e o esquemá co, num contexto mais amplo, envolvendo a arte megalí ca e outros elementos das idades do Cobre e do Bronze. De fato, o megali smo em território português não pode ser dissociado de todo este processo de trocas sociais e comerciais, pois como visto os monumentos megalí cos podem ser o marco de uma profunda transição econômica, fundamentada na aliança e no intercâmbio e que possibilitará a entrada do metal nos modos de produção e seu fluxo entre grupos e chefaturas por amplas áreas da Europa. Se as sociedades de caçadores e coletores não podem ser entendidas como núcleos estanques, mas como grupos ligados por redes de aliança e reciprocidade, todo o contexto pós-mesolí co será voltado para tratados, trocas, intercâmbios e alianças que paula namente se estenderão para muito além da Península Ibérica. Para tanto, entra em cena outra forma de mobilidade: a navegação transoceânica. A constatação deste cenário propício para ricos intercâmbios na Idade do Bronze peninsular vem com o ar go de Raquel Vilaça (2007) in tulado 'Todos os caminhos vão dar ao ocidente: trocas e contatos no Bronze Final'. Na visão de Vilaça, o “...Centro do território português, correspondeu, de facto, a uma das áreas mais dinâmicas de produções, exportações e importações, assimilando, irradiando e interligando o Atlân co, o Mediterrâneo e também a Europa além-Pirenéus” (VILAÇA, 2007: 136). Assim que, defende a autora, as rotas fluviais interiores devem ser somadas ao fluxo atlân co, ambas a alimentar o trânsito de produtos. As redes de trocas de cobre e estanho também eram fundamentais para as sociedades do norte europeu, como veremos a seguir.

Escandinávia. Acompanhado do arqueólogo dinamarquês Klavs Randsborg, recebi uma aula de como o bronze era o fundamento de uma sociedade organizada em torno do comércio ultramarino, incorporando-se à estra grafia social como elemento de afirmação de status e pres gio. Objetos de bronze também poderiam servir de obséquios conferidos a pessoas que prestavam serviços destacados, retroalimentando este caráter ostenta vo. Seria demasiado pensar em rotas comerciais tão dilatadas? Pode ser que sim, mas antes de tudo, é preciso notar o vínculo existente entre sociedades escandinavas e navegação transoceânica. A presença de âmbar de origem bál ca em Portugal (comprovada por VILAÇA et al, 2002) é uma evidência de como o fluxo de produtos e de ideias a ngiu proporções ultramarinas. Para entender esta dinâmica a arte rupestre é um bom ponto de par da. Se existe uma figura pra camente onipresente na arte rupestre escandinava, esta é o barco. Kolpakov e Shumkin (2012) propõem que muitos dos sí os de arte rupestre com representações de barcos pertenceriam a um período que abrangeria do final do neolí co ao princípio da metalurgia – desde 5 mil anos atrás. (KOLPAKOV & SHUMKIN, 2012). Na Suécia, as gravuras rupestres com mo vos de embarcações datam de pelo menos 3.700 anos (LING & STOSGALE, 2015). Há décadas já se sustenta que a análise dos sí os de arte rupestre com representações de barcos permite inferir tanto o sen do econômico como o uso simbólico e ritual das embarcações para as sociedades que ocuparam a Escandinávia em tempos préhistóricos (HELSKOG, 1985). Em Madsebakke, Bornholm (Dinamarca), escavações em áreas de ocorrência de gravuras rupestres revelaram a vidades ligadas à Idade do Bronze, com ações de evidenciação de pres gio e poder que envolviam todos os membros da sociedade (FELDING, 2009). Com efeito, Kalle Sognnes (2008) ao estudar a rocha de Bardal (Noruega), percebeu uma sequência cronológica a par r das sobreposições, onde figuras animalistas pertenceriam ao Mesolí co e as representações de barcos à Idade

SOBRE BARCOS E METAIS – A IDADE DO BRONZE ESCANDINAVA E A GLOBALIZAÇÃO DE IDEIAS Em visita ao Museu Nacional da Dinamarca, ve a oportunidade de perceber como o cobre peninsular alimentou sociedades da 26

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