Petróleo em alta turbina reeleição de Chávez - High oil prices favor Chávez´s reelection

July 1, 2017 | Autor: Claudia Antunes | Categoria: Política fiscal en Venezuela, Venezuelan Politics, Hugo Chávez
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Petróleo em alta turbina reeleição de Chávez

Presidente aposta na manutenção dos preços do produto para seguir investindo no que lhe dá votos: projetos sociais
CLAUDIA ANTUNES
ENVIADA ESPECIAL A CARACAS 

O governo da Venezuela aposta na manutenção do preço alto do petróleo para consolidar a "Revolução Bolivariana", garantindo a reeleição com folga do presidente Hugo Chávez em dezembro de 2006. Ancorados no aumento da renda petrolífera e da arrecadação fiscal em todas as áreas, os gastos públicos subiram mais de 30% nos primeiros quatro meses deste ano -dinheiro que nutre obras de infra-estrutura e uma rede de projetos sociais, as Missões, que alcançam 60% da população.
Para os oposicionistas e parte dos analistas, é uma aposta arriscada, que pode levar à repetição dos ciclos de euforia e recessão que são parte da rotina venezuelana desde os anos 80. Mas integrantes e aliados do governo parecem confiantes em que, desta vez, não há chance de que o preço do barril despenque da faixa de US$ 50 para a de US$ 10 em que estava quando Chávez assumiu um país quebrado, em 1999.
"A teoria que fala de ciclos de preços altos e baixos começa a desmoronar. Há uma demanda enorme de China, Rússia, Índia, Malásia, Cingapura e Tailândia e não existe capacidade instalada para aumento da produção", diz Juan Barreto, prefeito de Caracas e aliado de Chávez.
Entre sério e irônico, Barreto menciona cenários em que poderia haver uma queda abrupta dos preços do barril: uma invasão dos EUA à Venezuela, um colapso da economia chinesa. Ainda nesses casos extremos, afirma, o país teria reservas e verbas de emergência que lhe permitiriam sobreviver por 25 meses. Neste ano, mesmo com o aumento dos gastos, as contas do governo mostram superávit, e o saldo das transações com o exterior, 13,5% do PIB, é o maior da América Latina.
Além de base da ação social do governo, o petróleo também é instrumento diplomático: na busca de mercados alternativos aos EUA, em acordos de integração com os países vizinhos e na venda em condições especiais a países como Cuba e Paraguai. "A Venezuela tem o direito legítimo de utilizar seu gigantesco potencial petrolífero [uma das maiores reservas do mundo] para avançar exitosamente em sua política externa", disse na última quinta-feira o chanceler Ali Rodríguez.
Contra a confiança do governo, o economista Alejandro Grisanti, da consultoria Ecoanalítica, diz que o atual preço do barril é insustentável, porque os países consumidores tendem a buscar fontes alternativas de energia. Segundo ele, há no país um "enigma 2007", o temor de que a economia desmorone se o petróleo baixar e Chávez, reeleito, definir o que seria o "socialismo do século 21".
Na opinião de Enzo del Bufalo, professor de Teoria Econômica na Universidade Central da Venezuela e ministro do Planejamento no governo de Rafael Caldera, nos anos 90, o problema é que o governo montou uma rede de gastos sociais que, aliada à rigidez das despesas fixas do Estado, exige uma arrecadação crescente.
Sinal disso, diz ele, foi a aprovação em primeira leitura na Assembléia Nacional, há cinco dias, da lei de reforma do Banco Central, que estabelece um teto para as reservas e desvia o excedente para um fundo de desenvolvimento que terá disponíveis, no início, US$ 5 bilhões.
Em um ponto, não há discordância: como seus antecessores, o governo Chávez não rompeu com a dependência do petróleo, o bem e o mal do país desde que foram furados os primeiros poços, no início do século passado.
A diferença, diz Edgardo Lander, professor do doutorado em ciências sociais da Universidade Central, é que desta vez o governo fez a "opção política" de reduzir as metas de produção e investimento na produção petrolífera, de modo a favorecer a recuperação dos preços. Além disso, já no início, quando se ateve à administração ortodoxa no restante da economia, elevou os royalties do petróleo de 1% para 30% -arrecadando, segundo cálculo de Enzo del Bufalo, US$ 150 bilhões nos últimos seis anos, mais do que os dois governos anteriores.
"Antes, havia uma visão de que a indústria petrolífera estava além do Estado. O maior recurso do país não servia à sua população. Na crise após a tentativa de golpe de 2002, houve a opção de direcionar o gasto público para quem apoiou o governo", diz Lander.
Além das dotações orçamentárias, Chávez conta com verba direta da PDVSA, a estatal do petróleo, que abriu uma subsidiária, a Palmeven, para tocar projetos sociais. Com os ministérios, incluindo o recém-criado Ministério da Economia Solidária, a Palmeven ajuda a sustentar parte das 15 Missões, que contemplam da educação primária ao terceiro grau, da saúde básica à ambulatorial, formação de mão-de-obra e os "núcleos de desenvolvimento endógeno", que unem os projetos anteriores a cooperativas agrícolas e de pequenas indústrias.
Tanto Lander quanto Bufalo concordam que o crescimento do investimento privado continua sendo o maior desafio se o governo quiser diversificar a economia. A queda desses investimentos, aliada à fuga de divisas, diz Bufalo, vem dos anos 80, quando o bolívar, que valia US$ 1, foi desvalorizado na primeira grande crise causada pela baixa do petróleo. Mas o fenômeno se agravou a partir da posse de Chávez, e os investimentos totais caíram a 9% do PIB, em 2003, depois da greve empresarial que parou o país por quase três meses.
"Já havia uma desindustrialização enorme com a abertura comercial dos anos 90. Com o medo do "castrocomunismo", muitos empresários dos setores de serviço e manufatureiro, justamente os que geram mais empregos, fecharam suas portas", diz Bufalo.
Só em 1999 houve uma fuga de divisas de US$ 10 bilhões. A resposta do governo só veio em 2003, depois da greve, quando o governo decretou o controle cambial. Desde 2004, com o crescimento econômico de 17,3% após dois anos de queda, os investimentos aumentaram -mas teriam sido, no setor privado, conseqüência mais da reativação dos negócios parados, para atender ao aumento do consumo, do que de ampliação da capacidade de produção.
"Por causa do controle cambial, não há opção fácil de transferência de divisas para o exterior e, depois do referendo [de 2004, que confirmou o mandato de Chávez], muitos setores empresariais repensaram sua estratégia. Mas ainda não há ainda uma dinâmica de acumulação", diz Lander. A exceção, diz ele, são investimentos ligados ao capital estrangeiro, que avançam em áreas como telecomunicações e automotiva.
Do ponto de vista dos empresários, a questão é que não está claro o papel do capital privado no projeto político do governo. "Devemos acabar com a grande incerteza que há no país", disse ao jornal "El Universal" o presidente da Confederação Venezuela de Industriais, Eduardo Gómez Sigala.
"Há uma dissonância entre o radicalismo do discurso, necessário para gerar apoio ao governo, e medidas concretas como as mesas de negócios", diz Lander.
Dentro de uma política econômica que considera "reativa, errática e ineficaz nos gastos", Enzo del Bufalo vê dois pontos positivos: a eficácia na cobrança de impostos, que leva a sucessivos aumentos na arrecadação (mais de 60% de janeiro a abril deste ano), e a administração do controle do câmbio. "Para um viajante, o registro pela internet para a compra de dólares leva só dois minutos."
Gigante do setor estatal financia cooperativas
DA ENVIADA ESPECIAL A CARACAS 

No alto de Catia, um dos bairros pobres que dominam as encostas de Caracas, a PDVSA (a estatal do petróleo na Venezuela) gastou US$ 9 milhões na implantação de um "núcleo de desenvolvimento endógeno", que pretende integrar os programas sociais das Missões.
A idéia é criar empregos em cooperativas, romper monopólios de produção e substituir importações de comida e produtos básicos, mas a sustentabilidade do projeto e seu impacto econômico ainda estão por ser testados.
Existem hoje 200 núcleos no país, 23 implantados pela PDVSA, que cede terrenos, constrói instalações e compra as máquinas. O Inapime (Instituto Nacional da Pequena e Média Empresa) dá crédito para compra de insumos, a ser pago sem juros, em oito anos, com um de carência. Outras estatais fazem encomendas às cooperativas, que também fornecem para missões, como o Mercal -que vende alimentos a preços subsidiados.
No núcleo de Catia, há uma praça coberta cercada por uma fábrica de roupas, outra de calçados e um ambulatório médico tinindo de novo, que oferece também tratamento dentário, ar refrigerado e uma TV de tela plana na sala de espera, lotada. São 375 atendimentos por semana, em média. As 227 costureiras, ainda tateantes nas máquinas, têm à disposição um crédito de US$ 500 mil. Todas foram treinadas por um ano na missão Vuelvan Caras, recebendo bolsa de R$ 80 mensais.
Na entrada, há um Mercal. No saco de arroz, o desenho de duas crianças a cavalo e a mensagem: "Bolívar em seu cavalo nos leva a cada manhã à escola bolivariana, eu e minha irmã Juana".
Fundadora de movimento para distender o cenário político critica o autoritarismo oficial e a falta de rumo da oposição

Oposição beneficia Chávez, diz escritora
DA ENVIADA A CARACAS 

A escritora Yolanda Salas, funcionária licenciada e ex-diretora do programa de cultura popular do Ministério da Cultura, ocupa uma das posições mais difíceis na sociedade venezuelana. Autora de "Bolívar y La Historia en La Consciencia Popular", ela é uma "ni-ni", nem "revolucionária" nem parte da "sociedade civil", como se identificam os dois lados em disputa no país, nem "louca" e nem "esquálida", como cada lado identifica o adversário.
Incomodada com a ausência de espaço para o diálogo, foi uma das criadoras nos primeiros anos do governo Chávez do grupo "Aqui cabem todos", com o objetivo de buscar pontes que pudessem promover a distensão entre as duas partes. Não foi longe: "Aqui não cabe ninguém", foi o que descobriu. Nesta entrevista à Folha, ela analisa o embate venezuelano e afirma: "O discurso da oposição é o melhor aliado de Chávez". (CLÁUDIA ANTUNES)
Folha - O que mudou na sociedade venezuelana depois do referendo que manteve Chávez no poder, em agosto de 2004?
Yolanda Salas - As coisas mudaram para pior. O discurso oficial é "vamos trabalhar todos juntos pelo país", mas há uma discriminação muito grande contra as pessoas que assinaram a petição do referendo. Recentemente, disse a um funcionário do Ministério da Cultura que queria trabalhar em um projeto. Ele me perguntou: "Você assinou?". Isso depois de o presidente ter dito que não haveria represália. Ri porque, se quiser entrar no projeto, tenho outras relações no ministério. Mas percebi que a discriminação está realmente ocorrendo.
Folha - E na oposição, o que piorou?
Salas - Na oposição criou-se uma auto-exclusão. É uma classe média que se exclui da possibilidade de entrar em projetos nacionais. É uma resistência, mas no exílio. Sobretudo, a oposição não suporta ouvir dizer que o governo esteja fazendo alguma coisa boa. Um exemplo: este é um país que nunca teve tradição de pagar impostos. O governo começa a criar uma cultura tributária. Quando se elogia isso, a reação é: para que, para que nos roubem? Temos de lutar contra a corrupção, mas não contra a cultura tributária.
Folha - Qual a representatividade das forças partidárias da oposição?
Salas - Quase nenhuma. A oposição continua jogando com a antipolítica, um jogo perigoso que destrói as suas próprias instituições. Não quer o governo atual, mas também não quer seus próprios representantes. Há um esvaziamento das instituições políticas que é muito grave, e isso nos dois lados. As pessoas não seguem a Quinta República, seguem Chávez, e a oposição está esperando seu messias, um líder forte, e não um partido. Diante disso, que 30% da população continue sendo oposição, sem liderança política, é um número alto.
Folha - A oposição tem propostas que vão além da denúncia do governo?
Salas A liderança política da oposição não apresentou um discurso confiável. Continua fora da realidade do país. Já as pessoas da oposição em geral não têm sensibilidade social. Quando você diz que devem se organizar para fazer trabalho social, dizem que isso é para os partidos políticos. Como, se não acreditam nos partidos? Se pondera que, dessa forma, Chávez continuará tendo o monopólio das massas populares, ninguém responde.
Folha - No governo, a impressão é que há um discurso unificado, no sentido de não permitir que divergências sejam externadas. Que prejuízos isso traz ao próprio governo?
Yolanda - É um governo que, para manter a unidade, impõe uma verdade única e um comportamento autoritário. Além disso, a esquerda deste país sabe que somente com a absoluta unidade pode se manter. E Chávez é um catalisador, porque tem dentro do governo uma combinação de pessoas que divergem entre si. Há um pugilato de projetos, que vão da esquerda ultra-radical aos socialistas reformistas. Mas são pessoas que vêm se organizando no país há muito tempo, têm uma cultura de resistência. E a oposição não tem nem a organização nem a cultura da resistência, porque sempre esteve no poder. Fica gritando "ditadura", "ditadura". Que procure a palavra mais apropriada, que procure um projeto.
Folha - Como a senhora analisa o fato de a oposição se denominar "sociedade civil"?
Salas - Claro que reflete preconceito, é como se dissessem: "somos os civilizados". Mas há desqualificação mútua. A linguagem desqualificante começou com Chávez, que, na campanha de 1998, disse que iria fritar a cabeça dos adversários. Mas é importante ressaltar que ele não cria o ódio nem o ressentimento social. São sentimentos que já existem e ele os aviva, os exacerba.
Boatos sobre tramas pressionam polarização entre o lado chavista e o oposicionista, que temem o golpe ou a guerra civil

Teorias de conspiração marcam país cindido
DA ENVIADA ESPECIAL A CARACAS 

Menos de dez quilômetros separam o bairro popular de Catia, na zona oeste de Caracas, da praça Altamira, em Chacao, no leste da capital venezuelana. Mas a distância de ânimo político entre os moradores de um e do outro lado da cidade parece intransponível.
Em Catia, na recém-inaugurada cooperativa têxtil do "núcleo de desenvolvimento endógeno" Fabricio Ojedas (homenagem a um guerrilheiro dos anos 60), a costureira Carmem Ferrara, 50, diz que chora (e seus olhos se enchem de lágrimas) sempre que lembra da tentativa de golpe contra o presidente Hugo Chávez, em abril de 2002: "Senti-me como se tivesse perdido pai e mãe".
Na praça Altamira, próximo a uma fonte luminosa adornada com a imagem de Nossa Senhora, Juan Carlos Nuñes, 35, diz que foi demitido da PDVSA, a estatal de petróleo, em 2003, e discursa contra "o louco", os médicos cubanos, as escolas "bolivarianas", a nova exigência de que as rádios dediquem 50% de sua programação à música venezuelana.
Para boa parte dos moradores de Catia, os que desceram daquele aglomerado de casas de tijolo aparente para pedir a volta do presidente nos dois dias em que ele esteve preso em 2002, Chávez veio para tirá-los da insignificância, tornou-os sujeitos políticos.
Para os que vivem perto da praça Altamira, ponto de partida das grandes manifestações oposicionistas contra o governo, o presidente dividiu a Venezuela e transformou suas vidas em um pesadelo. A "boliburguesia", como a oposição chama os que ascenderam no governo Chávez, não freqüenta os restaurantes do leste, sob pena de ser expulsa por vaias.

Militares
Entre os dois lados, com nuances que variam menos na essência do que segundo o interesse político ou a sofisticação teórica do interlocutor, proliferam especulações e notícias mal explicadas que geram uma "guerra psicológica", como define a escritora Yolanda Salas.
No último mês, depois que o presidente não apareceu numa manifestação convocada pelo próprio governo, ministros anunciaram ter informações sobre uma articulação para matar o presidente.
Na semana passada, o ministro do Interior, Jesse Chacón, denunciou a participação de Pedro Carmona -o ex-presidente da Fedecámaras que assumiu brevemente o poder em 2002- numa conspiração iniciada na Colômbia, onde está exilado.
Na mídia de oposição, surgem informações sobre insatisfação nas Forças Armadas com a participação de militares no governo e com o processo recém-reaberto contra quatro oficiais acusados de participação no golpe de três anos atrás. Haveria também uma disputa entre o Exército e a Guarda Nacional por causa do fechamento de um quartel da Guarda, depois de denúncias de corrupção e narcotráfico contra seus chefes.
Anteontem, dez dias após ter sido anunciado o cancelamento do desfile militar em comemoração à mais importante data nacional, o aniversário da Batalha de Carabobo (que selou a independência venezuelana, em 1821), Chávez compareceu à cerimônia de mais de quatro horas e exaltou a "coesão monolítica das Forças Armadas", contra "os que desafiam a Venezuela de fora e de dentro".
Na cerimônia, Chávez anunciou aumento salarial para os militares e denunciou ter tido conhecimento de planos dos EUA para uma invasão da Venezuela.

Origem
Em seus extremos, a polarização política está descolada da economia. Os muito pobres mantiveram o apoio a Chávez apesar de o país ter chegado a recordes de pobreza e de desemprego em 2003. E mesmo agora, quando os gastos sociais maciços levaram a uma recuperação de 30% na renda dos mais pobres e a uma estagnação da classe média, de acordo com pesquisa do instituto Datos, a zona leste de Caracas continua sendo o centro da riqueza visível.
"O conflito político nasce em 1999 por um efeito midiático. Chávez não fez nada senão falar para alienar a classe média, que pensa pouco e vê muita TV", diz o economista Enzo del Bufalo, ministro do Planejamento no governo Rafael Caldera (anos 90). Em seguida, segundo ele, veio o rompimento dos empresários que apoiaram o presidente na campanha, mas que não puderam opinar na formação do governo: "Chávez rompeu os laços clientelistas com os grupos poderosos do país, não os recebia no palácio, como faziam seus antecessores".
Com a radicalização do "processo revolucionário", e sua penetração nas instituições do Estado, cristalizaram-se dois países diferentes, ambos pautados por Chávez . "O medo, da guerra civil ou do golpe, é o que une os dois grupos", diz Salas. (CLÁUDIA ANTUNES)
Chavismo põe duas alas da esquerda em lados opostos
DA ENVIADA ESPECIAL A CARACAS 

Com a oposição fragmentada em quase 20 partidos políticos, dos quais 11 dividem 78 das 165 cadeiras da Assembléia Legislativa, um dos debates mais acalorados na Venezuela é o que se trava entre a esquerda que está no governo e a que nunca esteve ou se afastou dele, formada por pequenas siglas, acadêmicos e profissionais liberais.
Boa parte dos partidos de oposição com representação legislativa não aceita o resultado do referendo que ratificou o mandato de Hugo Chávez e põe em questão, junto com a organização Súmate, a confiabilidade do sistema eletrônico de votação montado pela Comissão Nacional Eleitoral (CNE) para a eleição de vereadores, em 7 de agosto deste ano. A esquerda oposicionista aceita o referendo e acha que não é hora de aglutinar contra o governo forças que divergem entre si, mas de criar um contraponto à "Revolução Bolivariana".
"Chávez está sozinho no cenário, e o processo de reconstituição política vai levar dez anos", prevê Túlio Hernández, colunista do jornal de oposição "El Nacional" e próximo dessa última corrente. Para ele, o governo "é neoautoritário": "[O ex-presidente peruano Alberto] Fujimori mostrou que não é preciso ditadura para controlar a sociedade".

Trator legislativo
As críticas de Hernández têm três focos principais: "personificação do poder em Chávez, militarização da sociedade, com militares em cargos públicos e o início da convocação de 2 milhões de reservistas, e desrespeito à autonomia dos Poderes".
A bancada governista na Assembléia é acusada de atropelar a Constituição Bolivariana, para aprovar com maioria simples projetos que exigiriam maioria qualificada.
Os exemplos mais significativos desse "atropelo" seriam a nomeação de novos juízes para o Tribunal Supremo de Justiça e a escolha dos cinco reitores do CNE: neste caso, como não houve acordo no Poder Legislativo, a indicação passou ao Supremo.
Juan Barreto, prefeito da região metropolitana de Caracas, contesta: a oposição, com "oportunismo e preconceito", julga o governo por critérios que não aplica a outros países: "Aqui não temos um Pinochet. Se Chávez é militarista e autoritário, a Colômbia o que é? E os Estados Unidos, onde o presidente nomeia os juízes da Suprema Corte?".
O que os oposicionistas chamam de sociedade civil na Venezuela, diz Barreto, "são quatro famílias vinculadas a meios de comunicação e empresas cujos interesses devem ser atendidos imediatamente, passando por cima da maioria que só pode se expressar nas eleições".
O governo, afirma o prefeito, não compartilha do conceito da separação entre "uma sociedade que cria supostos consensos de opinião e um Estado árbitro". Defende, ao contrário, o "Estado social de direito e justiça", que "garante o direito de participação dos cidadãos" e é oposto à "despolitização da política, segundo a qual os políticos devem ser gerentes e o Estado deve ser administrado como uma empresa".

Juízes provisórios
Barreto reconhece que existem problemas na Justiça e nos Poderes fiscalizadores, mas acusa a oposição a Chávez de bloquear a aprovação de leis regulamentadoras da Procuradoria Geral, da Controladoria Geral e da Defensoria do Povo.
"São instituições que funcionam com leis da Quarta República, quando os juízes eram nomeados pelo Conselho da Magistratura, com apresentação de currículo. Por isso todos os juízes são provisórios. Agora começamos a fazer concurso."
A deputada Iris Varela, do governista Movimento Quinta República, diz que tanto o caso do Supremo quanto o do CNE seguiram trâmites constitucionais: "O que a oposição quer é impor sua minoria. Seu conceito de democracia é o de que a minoria deve prevalecer".
"No fundo desse debate, está a idéia de que o país está em revolução, e revolução em contexto constitucional é complicado", analisa Edgardo Lander, professor do doutorado em ciências sociais na Universidade Central.
Nova doutrina militar do país projeta "guerra assimétrica" no caso de uma eventual invasão ou bloqueio armado

Plano chavista prevê ataque militar dos EUA
CLAUDIA ANTUNES
ENVIADA ESPECIAL CARACAS 

O governo de Hugo Chávez mudou a doutrina militar da Venezuela para atender ao cenário de uma possível invasão ou bloqueio militar e econômico dos EUA.
A nova doutrina, consagrada numa Lei da Força Armada em discussão na Assembléia Nacional, prevê uma "guerra assimétrica" e justifica a convocação de milhares de reservistas, parte deles recebendo soldos. A lei também prevê que o presidente poderá determinar a formação de "zonas de defesa integral" se considerar que a segurança do país esteja em risco militar ou econômico.
Para a oposição, a nova doutrina e a crescente confrontação retórica de Chávez com os EUA -que se aprofundou no último ano, sem no entanto atingir os interesses econômicos americanos na Venezuela ou o fornecimento de petróleo- têm os objetivos de promover a união nacional em torno do presidente, baseada na resistência ao inimigo externo, e de justificar a militarização da sociedade numa espécie de fusão "cívico-militar".
Em seu livro "Duas Esquerdas", lançado na semana passada, o ex-ministro e ex-dirigente do MAS (Movimento ao Socialismo) Teodoro Petkoff chama de "ocas e não pouco ridículas" as recorrentes declarações de Chávez sobre a "guerra assimétrica" que o país estaria para travar no futuro.
Outros analistas levam a sério.
"Os EUA traçaram três objetivos para 2005 que não conseguiram alcançar: a Alca (Área de Livre Comércio das Américas); a finalização do Plano Colômbia, com a conseqüente derrota da guerrilha e a erradicação do narcotráfico; e a insistência no bloqueio de Cuba, o que parece brincadeira, porque Cuba está se relacionando maciçamente com o continente pela via da integração econômica com a Venezuela", disse o analista político Alberto Garrido ao jornal "El Nacional".
Garrido continua seu raciocínio: "Há poucas semanas, Washington fracassou na OEA [Organização dos Estados Americanos] com a idéia de enviar missões preventivas a países com democracias em conflito. Fecharam-se todas as portas. É preciso começar a pensar que, se o político-diplomático fracassou, é possível que nos setores mais radicais [do governo americano] se pense em uma saída político-militar".
No governo, a idéia de que uma ação militar americana poderia ocorrer baseia-se no fato de que a Venezuela seria "uma pedra no sapato" -como diz o prefeito de Caracas, Juan Barreto- na "estratégia americana de controlar direta ou politicamente as reservas mundiais de petróleo, gás e água, como única forma de garantir seu próprio crescimento".
"Essa estratégia foi traçada em 1996 pelo Departamento de Energia americano. Começaram os planos de invasão do Iraque, de conquista política da Venezuela. Conseguiram uma queda brutal dos preços do petróleo. Mas o que aconteceu é que depararam com o imponderável em sua política, que se chama Hugo Chávez Frías", afirma Barreto.
Seja como estratégia para reforçar o controle político interno ou como possibilidade crível, o fato é que supostos planos de uma invasão dos EUA à Venezuela foram um dos principais temas do discurso que Chávez fez na última sexta-feira, na comemoração do aniversário da Batalha de Carabobo, que selou a independência do país em 1821. Ele afirmou ter tido acesso a informes da inteligência americana nesse sentido.
"Que o mundo saiba que não queremos a guerra, mas estamos prontos para ela. Se as tropas libertadoras [de Simón Bolívar] percorreram esta terra numa guerra de guerrilhas, faremos o mesmo", disse. "Os fatores que impulsionam a globalização e os centros mundiais de poder estão determinados a nos apontar como uma ameaça subregional", discursou na mesma cerimônia o chefe do Exército, Raúl Baduel.
Governo venezuelano conta com vasta rede de comunicação pública
DA ENVIADA A CARACAS 

O governo venezuelano montou uma extensa rede de comunicação que inclui quatro canais de televisão, pelo menos oito jornais e revistas próximos do oficialismo, duas agências eletrônicas de notícias -a Agência Bolivariana e o site do Ministério de Comunicação- e mais de cem rádios comunitárias. Em todas elas, é absoluta a presença de Hugo Chávez.
Essa estratégia começou a ser desenvolvida no início do governo, quando a principal TV estatal, que antes transmitia apenas para Caracas, passou a alcançar todo o país. Mas se aprofundou a partir do golpe de abril de 2002, quando as principais redes privadas de televisão participaram do movimento que tentou depor Chávez.
Chávez passa pelo menos 40 horas por semana falando ao público, segundo calculou o ministro da Comunicação, Andrés Izarra. Todas as cerimônias de que ele participa são transmitidas pela Venezolana de Televisión. Nessas cerimônias, geralmente encontros com beneficiários de programas sociais do governo, ele entrevista pessoas, canta e discursa.
Além do programa Alô Presidente, que Chávez protagoniza todos os domingos e é transmitido pela Venezolana e pela Rádio Nacional da Venezuela, o presidente costuma requisitar redes nacionais de rádio e TV. Fez isso no sábado, quando falou no relançamento da empresa petroquímica estatal, Pequiven, que se tornou independente da PDVSA, a estatal do petróleo.
Os principais jornais e emissoras privados continuam fazendo oposição militante a Chávez -o que se reflete principalmente nas entrevistas e nas páginas de opinião, onde não há espaço para defensores do governo. Eles denunciam como restritiva à liberdade de informação a Lei de Responsabilidade Social para Rádio e TV, aprovada em dezembro passado.
Como em muitos países, a lei determina a classificação etária de programas segundo conteúdos de sexo e violência. O problema, segundo as TVs, é que proíbe programas que incitem "à quebra da ordem pública" ou sejam "contrários à segurança nacional".
Para as redes privadas, ainda não está claro o efeito dessas proibições, mas fala-se que elas já provocaram uma tendência de moderação nos ataques ao governo. Jornalistas queixam-se da dificuldade de acesso a informações oficiais, mesmo nos órgãos técnicos.
Na prática, a principal exigência imposta pela nova lei é a de que os meios eletrônicos dediquem parte de seu horário a programas educativos.



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