Phd Do Profano e do Sagrado em Miguel Torga: a ascese do jardineiro na criação da flor-verso

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Resumo

A narrativa, enquanto espelho desfigurado da (própria) existência ‒ especialmente no que respeita a autobiografia, é caminho ou peregrinação poética, no encalço da identidade. A noção da existência de um mundo do texto, na perspetiva de Paul Ricoueur, e de um mundo do símbolo, no dizer de Mircea Eliade, manifestam-se na criação e consequente leitura da narrativa torguiana, na medida em que a palavra é eco de uma identidade ontológica em permanente construção, refletindo a descoberta por via do símbolo velado. Se o símbolo é, nas palavras de Ernst Cassirer, a chave do ser humano, Miguel Torga revalida tal premissa, recriando o mundo e reproduzindo uma identidade-imagem de si próprio enquanto poeta através dos mitos, cujo sopro de vida se deve ao cariz religioso do criador. Tal identidade narrativo-poética assenta, portanto, numa urdidura da ordem do simbólico e do mítico, numa ambivalência sagrado-profana. Processo de simbolização, a poética torguiana, mítica, evoca a compreensão do mundo, do outro e do eu, ou, numa última instância, de Deus, palavra-símbolo do ser em si (cf. Paul Tillich). Assim, a criação é manifestação sagrada e por isso de precedência ritual, ou ainda epifânica, de índole intrínseca e intuitiva, sagrando o mundo e o poeta enquanto ser e construção narrativa. Jardineiro-poeta, na senda da perfetibilidade da viagem, da perfeição ou do absolutum, Miguel Torga extasia-se na convivência e amenização dos contrários, deixando, como legado, o verso trinado como salvação.

Palavras-chave: Miguel Torga, sagrado, profano, símbolo, mito, rito, identidade, criação literária

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Abstract Of Profane and Sacred in Miguel Torga: the gardener’s asceticism towards the blooming poem

Narrative, as a blurry portrait of existence – mainly when it comes to autobiography ‒, is a long and lonely searching path for identity. Paul Ricoeurs’ world of the text concept and the world of symbol mentioned by Mircea Eliade are a true manifest while we read Miguel Torga: words come as an echo of a constant construction of the self and they also reflect ontological discovery thanks to the symbol hide-outs. If the symbol is, according to Ernst Cassirer, the main key to understand being, Miguel Torga claims that argument, for he recreates his world (and ours) and reproduces a portrait-identity as a poet. As a myth, the poet embraces his religiousness and raises his own narrative identity. So, Torga’s narrative is a process through which the poet symbolizes the world, the other, the self and God¸ as an ontological word-symbol (vide Paul Tillich). His creation is, therefore, founder in principio, and his speech is mythical and ritual, though it may also be an intrinsic and intuitive manifestation of creativity ‒ an epiphany. Poet and gardener, wishing for faultless journey, infinite and perfect absolutum, Miguel Torga eases opposites, as a bard of redemptive blooming poems.

Keywords: Miguel Torga, sacred, profane, symbol, myth, rite, identity, creation.

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Sonho, mas não parece. Nem quero que pareça. É por dentro que eu gosto que aconteça A minha vida. Íntima, funda, como um sentimento De que se tem pudor. Vulcão de exterior Tão apagado, Que um pastor Possa sobre ele apascentar o gado.

Lê. Mas decifra, Com a razão E o coração […] Todo o poema é um teste Que põe à prova a inquietação De quem nele se aventura. Miguel Torga

É da realidade que o mito se alimenta, é no mito que a realidade se torna significante. Eduardo Lourenço

Diz NÃO à liberdade que te oferecem, se ela é só a liberdade dos que ta querem oferecer. Porque a liberdade que é tua não passa pelo decreto arbitrário dos outros. Vergílio Ferreira

Sê todo em cada coisa. Põe quanto és No mínimo que fazes. Fernando Pessoa

Por isso recomeço sem cessar a partir da página em branco E este é meu ofício de poeta para a reconstrução do mundo. Sophia de Mello Breyner Andresen

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Índice Geral

Resumo ....................................................................................................................................... 6 Abstract ...................................................................................................................................... 7 Índice Geral ................................................................................................................................ 9 Índice de tabelas e gráficos ...................................................................................................... 11 Introdução................................................................................................................................. 13 Capítulo I. Impressões do sagrado e do profano ...................................................................... 19 Capítulo II. Símbolos e ritos sagrados na obra de Miguel Torga ............................................. 33 1.

A família e a casa (lar) .................................................................................................. 33

2.

O parto e a seiva ............................................................................................................ 50 2.1

A palavra perdida ou o «Santo-e-Senha»............................................................... 55

3.

A primavera e a criança ‒ Torga sob o símbolo do ovo ................................................ 62

4.

A caça e a montanha...................................................................................................... 74

5.

A viagem ....................................................................................................................... 97 5.1 A Barca da vida – Entre a Identidade e a outridade ................................................... 97 5.2 Panóias, visita ritual .................................................................................................. 108 5.3 (Eterno) Retorno a casa ............................................................................................. 122 5.3.1 De idas e regressos: o primeiro rito ........................................................ 124

6.

A consulta .................................................................................................................... 132

7.

A leitura ....................................................................................................................... 141

8.

A escrita....................................................................................................................... 146 8.1

As cercaduras ....................................................................................................... 151

8.2

A reflexão sobre comportamentos-rito e locais-símbolo ..................................... 156

8.2.1 A Páscoa e os eternos retornos à casa primaveril ................................................. 157 8.2.2 A viagem à costa, ao mar ....................................................................................... 157 8.2.3 O Natal e o (re)nascimento .................................................................................... 168 8.2.3. a) O ritual de escrita natalício ................................................................ 168 8.2.3 b) Evolução do paradigma de leitura centrado no “Menino Jesus”........ 181 8.2.4 A lembrança do fim do ano e do ano novo ............................................................ 195 8.2.4 a) O rito de escrita diarístico .................................................................. 195 8.2.4 b) Torga sob o símbolo de Ouroboros .................................................... 198 8.2.4 c) Da palavra e do silêncio ..................................................................... 202 9

8.2.5 A telegrafia ou a notícia ficcionalizada: uma análise ............................................ 211 8.2.6 A crítica artístico-literária ou uma fenomenologia da arte .................................... 213 8.2.7 A meditação sobre o aniversário do poeta ............................................................. 219 8.2.8 Os testemunhos necrológicos ................................................................................. 226 Capítulo III. A infância e o Reino Maravilhoso cristalizado ................................................. 239 1.

Os mitos como símbolos ............................................................................................. 239

2.

A narrativa mítica torguiana ........................................................................................ 277

3.

A jardinagem de paraísos como ascese ao absoluto .................................................... 313 3.1 Nihil Sibi ‒ “O poeta é uma fonte/ Nada reserva para a sua sede” ........................... 331 3.2 O Narciso e o Cristo .................................................................................................. 339

4.

Da intuição criativa à flor-verso .................................................................................. 347 4.1 Os paradigmas criativos torguianos .......................................................................... 347 4.2 Kleos de Aquiles – a flor-verso é uma espada da glória da imortalidade ................. 364

Conclusão: O mito do poeta-jardineiro e a essencialidade matizada do jardim..................... 371 Bibliografia............................................................................................................................. 383

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