Pilar de luz: estudos para o registro e salvaguarda da Festa de Nossa Senhora do Pilar no município de Ribeirão Pires

May 29, 2017 | Autor: Marcílio Duarte | Categoria: Cultural Heritage, Intangible Cultural Heritage (Culture), Immaterial Culture
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Centro Regional para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial de América Latina – CRESPIAL/UNESCO Centro Lúcio Costa – CLC/IPHAN Formação para a Gestão do Patrimônio Cultural Imaterial no âmbito da COOP SUL

Marcílio de Castro Duarte

PILAR DE LUZ: Estudo para o registro e salvaguarda da Festa de Nossa Senhora do Pilar no município de Ribeirão Pires

Rio de Janeiro 2015

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RESUMO

DUARTE, M. C. Estudos para o registro e salvaguarda da Festa de Nossa Senhora do Pilar em Ribeirão Pires. 2015. 15 f. Artigo para certificação no curso livre de Formação para a Gestão do Patrimônio Cultural Imaterial no âmbito da COOP SUL – Centro Regional para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial de América Latina – CRESPIAL/UNESCO e Centro Lúcio Costa – CLC/IPHAN, 2015. O presente artigo tem como objetivo apresentar os argumentos necessários para o Poder Executivo, dentro de suas prerrogativas, torne possível garantir a salvaguarda da Festa de Nossa Senhora do Pilar como Patrimônio Cultural Imaterial do Município de Ribeirão Pires, a partir da constatação de sua relevância históricocultural enquanto tradição, expressão artística e prática social fundamentada na fé e devoção à Virgem Maria. Palavras-chave: Patrimônio Cultural Imaterial, Cultura, Nossa Senhora do Pilar, Ribeirão Pires.

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1. HISTÓRIA DA VIRGEM DO PILAR Para que se possa compreender a devoção à imagem de Nossa Senhora do Pilar no município de Ribeirão Pires1, que motivou a criação da festa em 1936, é preciso investigar a origem dessa tradição mariana em sua cultura original. Sabe-se que a devoção à Virgem do Pilar remonta ao ano 40 d.C., mais precisamente no dia dois de janeiro daquele ano, quando de sua aparição ao apóstolo São Tiago (San Tiago), que pregava o Evangelho às margens do rio Ebro, na província de Saragoça2. É curioso o fato de Maria, a mãe de Jesus Cristo, ainda estar viva em Jerusalém, na época do milagre, tal como diz o relato da beata Anne Catherine Emmerich3: (...)Tiago invocou no coração o socorro e a proteção da Santíssima Virgem, que nesse tempo ainda vivia em Jerusalém e Maria salvou-o, com todos os seus discípulos, por intermédio de Anjos. A Virgem Santíssima mandou-lhe por um Anjo a ordem de ir à Galícia, pregar ali a fé e depois voltar4.

Nota-se uma imprecisão de cinco anos quanto à data do ocorrido, já que a assunção de Maria aos céus é tomada por consenso quando ela tinha 50 anos, no ano 35 do calendário cristão: Dois anos depois de Cristo ter vencido a morte e subido ao céu, Maria começou a chorar no refúgio de seu quarto”, ou seja, Maria passou a viver seus últimos dias. O texto passa a contar esses últimos dias, inclusive sua assunção ao céu. Se Maria concebeu Jesus aos 14 anos, deu à luz aos 15 (idade normal naquele tempo na Ásia Menor para casar) e Jesus morreu em torno dos 33 anos, Maria teria 50 anos ao

1 Município brasileiro localizado na Região Metropolitana do Estado de São Paulo, integrante da subregião do Grande ABC Paulista.

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Do espanhol, Zaragoza, e aportuguesado para Saragoça, forma que será mantida neste artigo. O nome deriva da antiga denominação dada à província (Cesaraugusta), em homenagem ao imperador romano César Augusto (14 a.C). A influência árabe modificou a escrita para Šarakusta, vindo a ser pronunciada como Zaragoza. 3 Anna Katharina Emmerick nasceu em 08 de setembro de 1774 na comunidade agrícola de Flamsche perto de Coesfeld. Ela cresceu em meio a uma série de nove irmãos e irmãs. Ela tinha que ajudar em casa e com o trabalho agrícola em uma idade adiantada. Sua freqüência escolar foi breve, o que tornou ainda mais notável que ela estava bem instruído em questões religiosas. Seus pais e todos aqueles que sabia Anna Katherina percebeu desde cedo que ela se sentiu atraído à oração e à vida religiosa de uma forma especial. (II, s.d.)

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Este relato atribuído a Anna Katharina Emmerick

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morrer. Sabe-se que era a idade média de vida das mulheres naquele tempo e naquela região. (NEOTTI, s.d.).

Relevando-se a inconsistência na data, a fé católica acredita que a primeira aparição da Virgem teria ocorrido mesmo na província de Saragoça, em Aragão, na Espanha. O apóstolo Tiago teria sido mandado a Galícia (Galiza), cumprindo ordens de Maria e transmitidas por um Anjo. Sua missão consistia em pregar a fé no Cristo e retornar a Jerusalém. Nesse tempo, cerca de quatro anos, granjeou muitas almas, obviamente não sem muita resistência dos que professavam o politeísmo grecoromano, chamados pejorativamente de pagãos. Tidos como idólatras por venerarem estatuetas de deuses e semideuses que se falhavam como os humanos, os pagãos tacavam-lhe víboras sobre as quais o apóstolo impunha domínio fazendo com que elas se virassem contra os agressores. Diante deste e outros feitos inexplicáveis, chegou a ser preso já em Granada, ao sul da Espanha, onde invocou o socorro e a proteção de Maria. É neste momento que ocorre o primeiro milagre de sua salvação por meio de Anjos enviados para retirá-lo do cativeiro. Uma vez liberto, ruma para em Saragoça, a norte da Espanha, onde é novamente perseguido. O desespero o leva a correr para além dos muros da cidade e a dobrar mais uma vez os joelhos, pondo-se a rezar pela noite à beira do rio Edro, acompanhado apenas de um pequeno grupo de convertidos. Pedindo a Deus que lhe ajudasse a resolver o dilema de fugir de Saragoça ou enfrentar os pagãos, mesmo em desvantagem, suplicou à Virgem Maria uma intervenção junto ao divino, no que é considerado o primeiro milagre decorrente de uma aparição mariana. 2. O MITO FUNDADOR DO MILAGRE O milagre da aparição, relatado por Anna Emmerick, se deu com a mesma riqueza imagética das parábolas bíblicas, com a presença de Anjos que vieram a Tiago, entoando cantos celestiais e transportando uma “coluna resplandecente, que da base projetava um raio fino de luz sobre um lugar, alguns passos distantes de Tiago, como para indicar esse ponto” (Emmerick, s.d.). A coluna, ou pilar, tinha como

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aspecto um forte brilho vermelho, atravessada por veias, alta e delgada5, ostentando na parte de cima um lírio que também emitia luzes para a direção de Compostela, a noroeste da Espanha. A figura da Virgem – o principal elemento – é descrita na posição vertical, em pé, branca e translúcida, emitindo uma luz forte e brilhante, com um véu sobre a cabeça e um manto que lhe cobria o corpo até os pés, sob os quais havia cinco pétalas do lírio luminoso. Ao perceber a luz da aparição, o apóstolo levanta os olhos e contempla a imagem. Neste momento, recebe a ordem de construir um templo naquele lugar, de modo a cumprir a função de difundir a fé na intercessão de Maria, profetizada pela própria Virgem como uma prática que se tornaria naquele continente tão firme como uma coluna, simbolizando ao mesmo tempo o pilar do cristianismo e o início da evangelização cristã contra o sistema de crenças pagãos. Além da construção do templo – na verdade uma rudimentar capela – a Virgem ordenou que Tiago voltasse a Jerusalém tão logo concluísse sua missão, encerrando seu trajeto de evangelização que começara em Portugal pelas cidades de Braga, Guimarães e Rates passando por Galiza e Granada até chegar Saragoça. Ao caminho da volta, encontrou-se com Maria e seu irmão na antiga cidade de Éfeso, hoje província de Esmirna (Turquia). Lá foi avisado que morreria em breve. Decorre que, ao voltar para Jerusalém, quando passava pela Judeia6, o apóstolo foi decapitado. Martirizado, seus restos mortais foram alvo de disputas e, depois de muitos anos, foram transferidos para Compostela7, onde estão sepultados até hoje. Desde então, a história da aparição da Virgem em Saragoça ganhou força, se difundiu por séculos entre os espanhóis e levou-os a adotarem um forte vínculo com a fé cristã, simbolizado na escolha da Virgem do Pilar como padroeira de toda a Hispânia. Em sua página oficial, a Basílica do Pilar informa que a Sagrada Coluna que

5 A referência que se faz é à pedra de jaspe, de coloração vermelha, mineral opaco, polimorfo de SiO2 e variação criptocristalina do quartzo.

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Atual Cisjordânia.

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Donde, Santiago de Compostela.

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a Santíssima Virgem deu a Tiago permanece no mesmo lugar desde então e afirma que a tradição não deve ser compreendida a partir de uma análise histórico-crítica, por se tratar de um fenômeno sobrenatural da fé que caracteriza as aparições marianas não podendo a racionalidade humana alcançar a compreensão: (…) Posiblemente, este relato no soportara la crítica histórica más elemental, pero creemos que ese no es el camino correcto para acercarse a la comprensión de esta tradición o de otras apariciones marianas. Es el camino de la piedad del pueblo cristiano, el camino del misterio de lo escondido y lo que es oculto a nuestros ojos, lo que produce en nosotros una apertura a la trascendencia, un intento de aceptar con el corazón lo que ha resistido el paso de los siglos y que nuestra racionalidad no logra alcanzar. Nosotros vivimos unos años, unas décadas en el mejor de los casos, pero tradiciones como ésta perduran durante generaciones y generaciones. Y con la mínima humildad que a uno le exige la vivencia cristiana, acaba por reconocer que no es quién para negar el legado de sus padres y de sus antepasados, ni tampoco el de su comunidad cristiana. Finalmente, percibiendo el amor y la presencia de María en la propia vida personal y en la vida de la comunidad eclesial aragonesa, uno acaba dirigiendo una respuesta también de amor hacia nuestra Madre, la Madre de Dios, y, lleno de emoción y con lágrimas en los ojos, canta aquella jaculatoria cada día ante su camarín: Bendita y alabada sea la hora en que María Santísima vino en carne mortal a Zaragoza. (Pilar, s.d.)

Em Ribeirão Pires, antiga Caguaçú8, a construção da Capela do Pilar ocorre no século XVIII, em 25 de março 1714, com a benção do guardião frei pacífico da Igreja de São Francisco: Em consequência de um evidente milagre, que lhe restituíra a vida de que de uma grave enfermidade já a tinha quase perdida, resolveu o capitão-mor Antônio Correa de Lemos, em cumprimento à promessa que havia feito, anteriormente, levantar uma capela em honra de sua salvadora Nossa Senhora do Pilar. (...) E assim, através de pessoas que dominavam seu artesanato, taipeiros e entalhadores, com a ajuda dos escravos do instituidor, erigiram dita capela sob uma colina que certamente havia sido escolhida para este específico fim. Foi construída pelo sistema da taipa com pilares de madeira trançados de esteiras de palha e barro, tendo suas paredes aproximadamente 40cm de espessura. (s.n., s.d.)

8 Do tupi-guarani, Caayguaaçu. Significa “mata úmida e grande, com rios” – Caa-mata; y-água; iguá-rio; açu-grande (Miguel, 2015).

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Note-se que, em ambos os casos, o ato que motivou a fundação do templo foi o milagre. Para o apóstolo São Tiago, o milagre da aparição da Virgem sobre uma coluna de jade, resplandecente; para o capitão-mor Antônio Correa de Lemos, a cura milagrosa de uma doença que o colocara à beira da morte. A partir da construção da capela9, tem-se por oficial o povoamento do município de Caguaçú, já que passaram a se transferir para o local, com o passar dos anos, famílias devotas da santa. É o que defende o Prof. João Antônio Ramos, em artigo escrito para o Museu Histórico Municipal Família Pires: Toda essa região, quase inexplorada, passou a ser conhecida e cobiçada pela descoberta de lavras de ouro. Portanto era muito importante a imediata nomeação do administrador e capitão. Foi assim que, em 1677, o capitão-mor Antonio Corrêa de Lemos passou a cuidar da região, embora se fixasse em outro local, hoje conhecido como Pilar Velho. O capitão Antonio Corrêa de Lemos era natural de São Paulo e filho de outro como o mesmo nome de Maria de Quadros, tendo por irmãos José Corrêa de Lemos, Salvador Corrêa de Lemos, Maria das Neves e Francisca. Casou-se em 1678 com Mariana da Luz do Prado. O casal teve nove filhos sendo que todos os homens chegaram à patente de capitão. Até o ano de 1708, Lemos mantevese no cargo de capitão-mor cumulativamente ao de Governador da Capitania. Consta ainda que em 02 de junho de 1708 foi preso por ordem de El-Rei por uma luta com o ouvidor geral desembargador João Saraiva de Carvalho. Esta foi logo tornada sem efeito. Nesta época este já não ocupava mais o posto de capitão-mor. Apesar de existirem várias correntes explicando a construção da Capela Nossa Senhora do Pilar, não existe qualquer dúvida sobre a sua importância enquanto marco histórico de toda a região, uma vez que ao seu redor surgiram os primeiros núcleos habitados (Ramos, 2014).

É possível afirmar que, assim como em Saragoça, o significado do templo é similar ao de Ribeirão Pires, embora em escala relativa. Se no primeiro caso, o mistério da aparição de Maria, ainda em vida, determina a construção da igreja e da devoção mariana naquele país; no segundo, tem-se na cura de Antônio Corrêa de Lemos o catalisador do povoamento cristão na antiga Caraguaçu, que séculos mais tarde daria condições para o surgimento de uma tradição: a Festa do Pilar.

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De 1549 a 1714, a atual capela foi uma ermida dedicada a Santo Antônio de Pádua, santo de origem

portuguesa.

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Existe ainda outra semelhança. Se na Espanha, a aparição da mãe de Cristo às margens do rio Ebro e a construção de templo representam um marco na conversão dos pagãos à fé católica, descortinando um novo período histórico e civilizatório construído sobre as bases do cristianismo, em Ribeirão Pires foi a construção da modesta capela, motivada pelo milagre mariano, que marcou um novo período na região, até então habitada pelos nativos Guaranis. Com o passar dos anos, os índios – também tidos como pagãos – praticamente desapareceram de Caguaçú, na região de Geribatiba, e deram lugar a um povoado majoritariamente cristão, devotos de Nossa Senhora do Pilar, Santa Clara, Santa Luzia, São José, Santo Antônio e outros. 3. A IMAGEM A imagem original da Virgem do Pilar foi destruída em um incêndio ocorrido entre 1434-1435, que arrasou o retábulo da capela em Saragoça. Hoje, a imagem mantida pela Basílica do Pilar, restaurada em 1990 pelo Instituto do Patrimônio Histórico Espanhol, é uma figura de 36 centímetros, de madeira, monóxila, em uma base de formato redondo. Sua estética está afiliada ao período gótico europeu da primeira metade do século XV: (…) [a imagen] representa a María como Reina y Madre, coronada, con regio vestido gótico de gran recato, abotonado desde la cintura y con cuello alzado y también abotonado; es una larga vestidura ceñida por un cinturón con hebilla, abrochado a la altura de su lugar natural; por debajo del vestido asoma discretamente el final puntiagudo del calzado de sus pies, el derecho más visible que el izquierdo, algo retraído; una gran pieza de paño, que sirve a la vez de capa y tocado, sobre la cual ciñe la sencilla corona, la envuelve casi por completo y deja ver parte del peinado suavemente ondulado de su cabello; la mano derecha sostiene un amplio pliegue de este ropaje que, extendido desde el costado izquierdo de la Virgen, cubre todo su abdomen en un primer plegamiento, y la parte alta de su pierna derecha y casi toda la izquierda, en otro interior. (Basílica del Pilar, s.d.)

O menino ao colo também é descrito: El Niño, a quien la Madre mira desde atrás, reposa sentado sobre la mano izquierda, en cuenco, y la cadera materna, sostenido por el brazo de María; aparece desnudo y despreocupado, en posición casi frontal, algo girado a su derecha, y con las piernas, cruzadas, el talón

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izquierdo sobre la pierna derecha; sujeta por debajo de las alas abiertas cuerpo de un avecilla, acaso paloma simbólica de la divinidad o del alma humana, cuya cabeza apunta al cinturón de la Virgen; el Niño extiende el brazo derecho que cruza el pecho de su Madre, para asir al borde del manto. Las partes visibles del cuerpo de María (rostro, cabello y manos) y del Niño tuvieron pigmentos de entonación naturalista.

Virgem do Pilar. Saragoça, Espanha – séc. XV

Nossa Senhora do Pilar. Ribeirão Pires, Brasil – séc. XVIII

A imagem de Nossa Senhora do Pilar, da capela de Ribeirão Pires, é uma figura de madeira, monóxila, em uma base de formato redondo (pilar), com cerca de 30 centímetros. Sua estética está afiliada ao período barroco brasileiro, especificamente o da estatutária sacra, da primeira metade do século XVIII. Sobre as descaracterizações da imagem, diz o relato do Centro de Apoio Técnico ao Patrimônio de Ribeirão Pires: Confeccionado em madeira, provavelmente no início do século XVIII ou final do XVII, sofreu intervenção desastrosa no início dos anos noventa do século XX, quando o corpo da imagem ou parte dele, foi, sem nenhum critério e sem obedecer nenhuma norma de restauração, pintado com tinta a óleo. Essa agressão, embora comprometa o bem, não o invalida como patrimônio cultural. Quanto ao pilar, não temos informações sobre o fato de ser ou não pintado a ouro, apenas a constatação que a região, bem como a Vila de São Paulo à época citada, era bastante pobre. A nobreza do material, no entanto, não interfere no valor do bem do ponto de vista cultural. (Scalabrini, 2004)

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Sem dúvida, o que dá suporte à tradição dessa devoção mariana é a imagem de Maria. Na Espanha, o dia dois de janeiro de cada ano inicia-se na Basílica do Pilar com uma Vigília Eucarística, presidida exclusivamente pelo Arcebispo de Saragoça. A cerimônia comemora a vinda da Virgem à cidade bimilenária. Em memória a esta solene data, a imagem da santa é apresentada sem manto aos fiéis cada dia dos dozes meses do ano. Em Ribeirão Pires, o dia 1º de maio é devotado à Nossa Senhora do Pilar por meio de uma missa realizada na Capela do Pilar, com a presença do pároco do bairro de Santa Luzia. Após a missa, a imagem é colocada em um andor e levada para a região central da cidade, de onde parte novamente para a capela em uma cavalgada e procissão que acontecem simultaneamente. Ao retornar, realiza-se uma missa campal com cerca de 5 mil participantes e a santa é reconduzida ao altar. A procissão parte do município vizinho de Santo André, o que se comprova com o registro do Diário do Grande ABC: Um grupo de 250 peregrinos percorreu 19 quilômetros a pé da Paróquia São Judas Tadeu, no bairro Campestre, em Santo André, até a Capela de Nossa Senhora do Pilar, no bairro Pilar Velho, em Ribeirão Pires. A romaria foi organizada pelo químico Kléber Elói, 45, atendendo aos pedidos da comunidade. (Fernandes, 2015)

4. A FESTA Em Saragoça, os festejos em homenagem e adoração à Virgem do Pilar ocorrem no mês de outubro. Proclamada padroeira da cidade em 1642, o evento proporciona hoje um dos mais emblemáticos encontros culturais da Espanha. Abaixo o resumo da festa publicado pela Prefeitura de Saragoça: Durante dez dias de outubro Zaragoza exala o divertimento e a alegria permeates. A Festa do Pilar é um grande festival de outono que fecha a temporada em grande estilo. Uma das características definidoras deste festival é a sua mistura única de tradição e modernidade. A partir de outubro Zaragoza triplicará sua população, estimada em 700 mil pessoas - e acolherá mais de mil atividades culturais e de lazer para que jovens e idosos – zaragozanos e visitantes – encontrem atividades à medida de seu gosto. 90 por cento das atividades que compõem o programa do festival são gratuitas e têm como cenário a rua. As antigas praças da cidade são cenários que hospedam um grande festival de teatro de rua emblemáticos. Circos, entendido no sentido mais amplo da palavra, dança e humor, palhaços, percussionistas e

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mímicos, grupos folclóricos aragoneses e de fora da Comunidade – na Plaza San Felipe e Plaza del Pilar – e grandes concertos. Esta é apenas uma parte do vasto programa que a cidade de Zaragoza prepara para todos os envolvidos, e ninguém é deixado em casa. Este programa gratuito é completado com feiras de artesanato, amostras de artesãos, performances de teatro de rua, playgrounds, Cores de Outono e espetáculos de água, luz, música, La Comparsa de Gigantes y Cabezudos ou os Tragachicos. Mas o grande momento da Festa do Pilar, para todos os que vivem dentro e fora da cidade, é a oferta de flores a partir de 12 de outubro. Neste dia, a Padroeira da Espanha, também sai às ruas em direção à Praça do Pilar para subir em uma enorme pirâmide de metal para que os cidadãos depositem seus pedidos em seus pés, vestida com trajes regionais, com cerca de seis a oito milhões flores. (Zaragoza, 2015)

As principais atividades que compõem a Festa do Pilar, em Saragoça, são: o Solene Missa de Infantes: Missa de abertura, celebrada às 4:30 da manhã, na Basílica do Pilar. o Oferenda de flores: No dia 12 de outubro, na Praça do Pilar, fiéis de toda a Espanha comparecem para deixar suas oferendas à padroeira nacional. o Missa Pontificial: Missa celebrada na Basílica do Pilar, seguida de desfile. o Oferenda de frutas: São frutas trazidas de toda a Espanha por devotos da santa. Ocorre no dia subsequente à oferenda de flores. o Rosário de Cristal: Um desfile de 29 carros alegóricos feitos de vidro e iluminados. Quinze deles representam os mistérios do rosário, enquanto os demais são sobre temas diversos. A procissão se estende pelas principais ruas centrais de Zaragoza o O Gigantes Cabeçudos: Pessoas que se vestem com cabeças gigantes representa o lado mais simpático da festa, agradando muito as crianças. Em Ribeirão Pires, a Festa de Nossa Senhora do Pilar se originou em 1936, por iniciativa de José Obeda, devoto da santa. Em relatório encontrado no Museu Histórico Municipal Família Pires, o fato é assim descrito: Em Santo André, um senhor de nome José Obeda, que defendia a paz em todos os aspectos, prometeu que se encontrasse uma igreja da

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devoção de Nossa Senhora do Pilar, enquanto vivesse realizaria romaria em todos os anos. E sabendo da existência desta, visitou-a pela primeira vez em 1936, encontrando-a completamente isolada de tudo, inclusive seu piso que estava arrebentado e que formava uma cratera servindo de abrigo aos animais. Para atingi-la, fazia-se o percurso a pé, entre a Igreja e a estação. E o Sr. José Obeda, fez renascer o povoado de Pilar Velho, que atrás dele tinha policiamento, reivindicado a Fioravante Zampol e padres que vinham de Santo André. (s.n., s.d.)

E após descrever a situação da sacristia e do cemitério localizado atrás da capela, continua o relatório: (...) O cemitério de romeiros que vinham de Santo André aumentou tanto que a partir de 1940 o percurso de viagem era feito com caminhões e ônibus. E cada vez aumentava mais o número de devotos que a visitavam no dia 1º de maio, o que ainda acontece em nossos dias. (s.n., s.d.)

Ao terceiro dia de maio de 1955 viria a falecer aos 73 anos o Sr. José Obeda, deixando viúva e filhos. Consta no relatório que os herdeiros de Obeda deram prosseguimento à tradição das romarias, entretanto, esta informação carece de maior investigação. Em seu livro de memórias, o Sr. Américo del Corto, um antigo morador da cidade, registra o aspecto bucólico da Festa de Nossa Senhora do Pilar nos idos da década de 1950, então chamada de “Festa do Pilar Velho”: Atualmente, milhares de pessoas comparecem ‘a festa do Pilhar Velho que se realiza todo dia 1º de maio, ao lado da centenária igreja do Pilar. Muitas barracas de comes e bebes, artesanatos, enfim, uma verdadeira feira livre, animada com apresentações musicais. Mas, com isso fugindo completamente das tradições de outros tempos quando ali vinham caravanas de cidades vizinhas para um piquenique entre famílias e amigos cada pessoa trazendo seu próprio lanche para saboreá-lo à sombra da mata então existente ao redor da igreja. As atrações ficavam a cargo das tradições do local como a dança do maxambique, congada, rezas e a procissão religiosa em redor da igreja com o andor levando a imagem da santa carregado pelas pessoas com muito respeito e religiosidade. Tudo acontecia somente durante o dia 1º de maio. Dois rapazes se encarregavam de manter algumas garrafas de bebidas, principalmente, guaranás, soda limonada e alguma cerveja bem ao lado, porque na eventualidade de alguém precisar de um reforço nas imediações não os havia. (Corto, 2006)

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A partir da década de 1970, após um período de abandono, capela passou por intervenções do Poder Público. Em 1971, por meio do Drecreto Municipal 976, o prefeito Antônio Simões desapropria a área pertencente à Congregação São Carlos e Instituto Cristóvão Colombo, tornando-a de interesse público. A partir de então, a Prefeitura passa a cuidar do terreno e da capela, com serviços de limpeza urbana, entre outros. No ano de 1975, o Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arqueológico e Turístico de São Paulo (Condephaat/SP), decreta o tombamento da capela descrevendo em sua resolução: Antônio Correa de Lemos foi nomeado capitão-mor de Caaguassu e, em pagamento de uma promessa, mandou erigir a Capela do Pilar Velho que se tornou o centro das romarias da região. Neste local originou-se um povoado que, em 1831, transformou-se no Bairro do Pilar, vinculado à Freguesia de São Bernardo. A capela constitui-se em importante exemplar arquitetônico do século XVIII. De pequenas dimensões, apresenta em sua elevação frontal uma torre, acréscimo feito em 1809, e, no trecho que corresponde à nave, apenas uma porta, com verga em arco pleno. Lateralmente, a fachada apresenta uma varanda reentrante, típica das construções bandeiristas. A edificação chegou até os dias de hoje praticamente inalterada. (CONDEPHAAT, 2015)

Com a medida, o patrimônio histórico passou a ser protegido pelo Estado de São Paulo, garantindo a preservação material da capela. Em 1978, a Prefeitura de Ribeirão Pires, movida pelo interesse cultural e turístico, passa a organizar e realizar a Festa do Pilar, contratando artistas, abrindo espaço para exposição de artesanato e financiando a estrutura de palco de som para as festividades. Embora se fale em “oficialização” não existe de 1978 até os dias atuais, uma lei ou decreto municipal que oficialize a festa e crie obrigações para o Poder Executivo Municipal. Em 1986, em razão do cinquentenário da festa, a Prefeitura realiza uma ampla reforma da capela e as escadarias, até então um precário aclive de terra. Em 1991, é criada por lei a Música “Festa do Pilar”, de Nilo Bento Evangelista e Toninho, como parte do patrimônio cultural de Ribeirão Pires, com os seguintes versos: Na capela do pilar velho ao povo de Ribeirão vem gente de toda parte 11

formando a multidão trazendo a Santa do Pilar muita fé e devoção (refrão) Tem folclore, tem procissão tem churrasco, tem pipoca sem contar os "bicho bão" Esta festa nos lembra a devoção de um povo que nos leva a todo ano a nos reunir de novo Na Capela do Pilar é muito fácil de vir esperamos nos ver de novo se Deus assim permitir (refrão)

Desde sua “oficialização”, formou-se um certo padrão para a Festa Nossa Senhora do Pilar, embora essa prática tenha se baseado na reprodução do que vem sendo feito por cada governo, variando-se um ou outro detalhe. Nesta perspectiva, as principais atividades que compõem a Festa do Pilar de Ribeirão Pires são: o Romaria: Romeiros da Paróquia São Judas Tadeu saem por volta das 4 horas da madrugada do município de Santo André em direção ao bairro do Pilar Velho, em Ribeirão Pires; o Missa: Realiza-se às 10h do dia 1º de maio uma missa no interior da capela, com a presença do pároco de Santa Luzia. o Cavalgada: Fiéis do município vizinho de Mauá se dirigem com suas carroças e cavalos enfeitados para o centro de Ribeirão Pires onde aguardam os romeiros de Santo André para partirem ao bairro do Pilar Velho. o Missa Campal: É o momento do encontro entre os romeiros de Santo André, cavalgada de Mauá e devotos de Ribeirão Pires no alto do morro do Pilar para celebração de missa em campo aberto. 12

o Violeiros e berranteiros: Realiza-se apresentação cultural com os violeiros e berranteiros de Mauá, que anunciam o retorno da santa à capela. o Show católico: Por volta das 18 horas, realiza-se uma apresentação musical, geralmente com um padre tido como famoso, de inserção midiática, como forma de atrair devotos e público em geral para os festejos. o Eventos internos: Nos dias que seguem, 02 e 03, são realizadas apresentações culturais pequenas no interior da capela. Em 2015, apresentaram-se o Grupo ORBE, de violas, violinos e flautas e a Orquestra de Arte Barroca, do município de Santos. Em geral, são apresentações que recuperam repertório da música popular e tradicional brasileira. 5. CONSIDERAÇÕES FINAIS A Convenção para a Salvaguarda do Patrimônio Cultural Imaterial, realizada em 2006 pela Unesco, entende por patrimônio cultural imaterial: (...) as práticas, representações, expressões, comportamentos e técnicas - juntamente com os instrumentos, objetos, artefatos e lugares que lhes são associados – que as comunidades, os grupos e, em alguns casos, os indivíduos, reconhecem como parte integrante de seu patrimônio cultural. Esse patrimônio se transmite de geração a geração e é constantemente recriado pelas comunidades e grupos em função de seu ambiente, de sua interação com a natureza e de sua história, gerando um sentimento de identidade e continuidade. (Costa, 2015)

Portanto, estando em acorde com o que explana a Prof. Maria Elizabeth Costa em seu artigo, o patrimônio imaterial se manifesta nos seguintes campos: a. Tradições e expressões orais, incluindo o idioma: Expressa-se na Festa de Nossa Senhora do Pilar a tradição da fé católica, cujo suporte se dá na forma de uma efígie, uma imagem da Virgem do Pilar de Saragoça, caracterizando, de certo modo, a extensão da tradição espanhola no Brasil. b. Expressões artísticas: A Festa de Nossa Senhora do Pilar ocorre em função das inúmeras atividades artísticas que enriquecem a simbolização 13

da fé na Virgem Maria. São manifestações musicais, plásticas, visuais, teatrais e artesanais que compõem o universo dos festejos. c. Práticas sociais, rituais e atos festivos: A feitura do andor, os cuidados com a imagem, a procissão, a cavalgada, a apresentação dos violeiros e berranteiros de Mauá são prática profundamente vinculadas à vida dos devotos e dão sentido à realização da festa. d. Comportamentos e práticas relacionados à natureza e ao universo: A liturgia católica percebida nas procissões e na missa compõe o universo dessa manifestação cultural tradicional na cidade. e. Técnicas artesanais tradicionais: Nesta categoria enquadram-se a feitura do andor, a roupagem da santa, a escolha das músicas religiosas para serem cantadas na procissão e a confecção de roupas para apresentações folclóricas. Tomando como referência os requisitos acima e a argumentação expostos neste artigo, conclui-se como necessário o registro e salvaguarda da Festa de Nossa Senhora do Pilar, pela relevância cultural e histórica de sua tradição e por constituir o mais antigo festejo no município de Ribeirão Pires. Assim, recomenda-se que no ano de 2016, ocasião em que se comemorará os 80 anos da festa, o Poder Executivo, representado pela Prefeitura, faça a gestão necessária a partir de julho de 2015, para reconhecer por Decreto Municipal o registro de Patrimônio Cultural Imaterial a Festa de Nossa Senhora do Pilar. Bibliografia Basílica del Pilar. (s.d.). La imagen de la Virgen. Acesso em 20 de Maio de 2015, disponível em Basílica del Pilar: http://www.basilicadelpilar.es/imagen.htm CONDEPHAAT. (2015). Bem Tombado. Acesso em 20 de Maio de 2015, disponível em

Secretaria

de

Cultura

-

Condephaat:

http://www.cultura.sp.gov.br/portal/site/SEC/menuitem.bb3205c597b9e36c366 4eb10e2308ca0/?vgnextoid=91b6ffbae7ac1210VgnVCM1000002e03c80aRC RD&Id=16b31aa56faac010VgnVCM2000000301a8c0____

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