Pinturas rupestres, Arqueologia e Direitos Humanos

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Funari, P.P.A. Pinturas rupestres, Arqueologia e Direitos Humanos,

in Justamand,

Michel. O Brasil desconhecido. As pinturas rupestres de São Raimundo Nonato – Piauí. São Paulo, Alexa, 2015, ISBN 9788563354396, pp. 5-7. Pinturas rupestres, Arqueologia e direitos humanos

Por que as pinturas rupestres nos fascinam? Quem não se deixa encantar por imagens, algumas delas com milhares de anos, pintadas em cavernas antiquíssimas? De onde viria essa admiração? São perguntas que se voltam para os mais profundos sentimentos humanos. Nossa simpatia por representações de humanos e animais, danças, festas e rituais, barcos e muito mais, relacionam-se com nossa identificação com aqueles nossos antepassados, que viveram tantos milhares de anos atrás, mas que mostravam comportamentos e preocupações que ainda nos tocam. Os antigos habitantes do que viria a ser o Brasil produziram uma linguagem, uma forma de expressão visual que consegue transmitir os mais recônditos sentimentos. Mas, apesar disso tudo, nem sempre a Arqueologia Brasileira esteve aberta a tais aspirações humanas. Durante a ditadura militar (1964-1985), houve uma política arqueológica contrária ao reconhecimento dos indígenas, em geral, e da sua capacidade intelectual milenar, expressa nas pinturas rupestres. Como isto se deu? A Arqueologia acadêmica foi introduzida no Brasil pela atuação humanista de Paulo Duarte (18991984). Duarte foi um democrata que se opôs à ditadura do Estado Novo (1937-1945) e que, no exílio, entrou em contato com a Antropologia e a Arqueologia humanista em defesa da valorização cultural dos seres humanos em geral e dos iletrados em particular. A partir de seu contato com os humanistas, Duarte pôde trazer, a partir da década de 1950, arqueólogos interessados em mostrar que os indígenas eram tão portadores de cultura e dignos de respeito como todos os outros seres humanos. Isso ficava claro pelo projeto de estudo das pinturas rupestres, evidência mais clara e irrefutável da imensa capacidade intelectual dos mais antigos seres humanos. Duarte, após contato com Paul Rivet e André Léroi-Gourhan, trouxe Joseph Emperaire, que abriu o caminho para o estudo científico das pinturas rupestres no Brasil e para a formação dos primeiros arqueólogos stricto sensu, como Niède Guidon. Após o golpe militar de primeiro de abril de 1964, o país entrou em um período de crescente

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repressão, que logo chegou à Arqueologia e ao humanismo. Paulo Duarte foi cassado em 1960, Guidon ficou por muitos anos em Paris, enquanto uma Arqueologia empirista, reacionária e imperialista era imposta pela mão de ferro da ditadura e de seus acólitos. Uma noite de trevas iria predominar por um período muito duro, no qual os indígenas, tanto vivos como mortos, sofreram de forma exacerbada. Niède Guidon retornou ao Brasil, na década de 1970, com apoio francês, tanto financeiro, como intelectual, em particular dos seus colegas humanistas que defendiam os direitos humanos. Pôde, com isso, voltar-se para os vestígios rupestres milenares que atestavam a imensa capacidade intelectual e expressiva dos antigos indígenas. Esta investigação punha por terra, em pleno ápice do poder discricionário e da Arqueologia empirista e anti-humanista apoiada pelo Estado, o arcabouço teórico que explicava e condenava no Brasil ao que se chamava, então, de subdesenvolvimento. Esta perspectiva reacionária e imperialista, propugnada por Betty Meggers, foi difundida em nosso meio, com apoio de seus pupilos. A pesquisa na Serra da Capivara, em São Raimundo Nonato, Piauí, foi, portanto, decisiva para colocar a Arqueologia no Brasil em sintonia com os ventos democráticos que começavam a soprar a partir de fins da década de 1970. A Arqueologia, que fora arma da opressão, como advertia o arqueólogo peruano Luís Lumbreras, começava a desafiar o poder, com a revelação constante e contínua da capacidade indígena de reflexão e produção cultural. Este volume representa um tributo a essa trajetória de valorização indígena, em prol dos direitos humanos. Michel Justamand, professor da Universidade Federal do Amazonas e pesquisador colaborador da Universidade Estadual de Campinas, tem-se dedicado ao estudo arqueológico das pinturas rupestres, defensor incansável dos direitos humanos. Este volume resulta de um estudo original de doutoramento em Antropologia, na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, sob a orientação de Edgard de Assis Carvalho. Representa uma análise original desses vestígios antiquíssimos da presença humana no Brasil e faz parte de uma luta pelos direitos humanos e pelo reconhecimento da diversidade como um valor a ser compartilhado. Um tributo aos direitos humanos e à ciência a serviço do humanismo, a leitura desta obra a todos instruirá. Mais do que isso, sua narrativa agradável e envolvente levará o leitor a um passado tão longínquo, mas tão relevante para nós.

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Pedro Paulo A. Funari Professor Titular, Departamento de História, IFCH, Unicamp

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