Piqueteros: alguns limites político-ideológicos para a constituição de um movimento unificado

May 22, 2017 | Autor: I. de Sá Cavalcante | Categoria: Argentina, Piqueteros, Movimento Piqueteiro
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Programa de Investigación Sobre el Movimiento de la Sociedad Argentina

Documento de Trabajo nº 73

Piqueteros: algunos limites políticoideológicos para a constituição de ummovimento unificado

Cristina Cavalcante

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Piqueteros: algunos limites políticoideológicos para a constituição de ummovimento unificado * Cristina Cavalcante** Introdução O processo de desenvolvimento do capitalismo na Argentina, até 1950, foi predominantemente de acumulação, no qual o proletariado industrial ocupou o lugar central na atividade produtiva, o que propiciou às classes trabalhadoras uma relativa incorporação no que diz respeito aos direitos sociais e planos de proteção estatal, além de certa estabilidade no trabalho. Tal período corresponde ao modelo fordista de desenvolvimento, que predominou no capitalismo mundial desde o final do século XIX até meados do século XX. Segundo Alain Bihr1, a acumulação com característica dominante intensiva só pôde desenvolver sua dinâmica de expansão contínua com base no quadro institucional definido pelo «compromisso» entre burguesia e proletariado: direitos sociais, seguridade social, poder de compra. Como obstáculos desse modelo de desenvolvimento, temos o inchaço da demanda de meios de produção pela conversão da mais-valia em capital * Este artigo é parte de nossa pesquisa de Iniciação Científica da graduação em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Londrina, vinculada ao programa PIBIC/CNPq/UEL, Brasil. Tal pesquisa foi desenvolvida no período de 2007-2008 sob orientação do Prof. Dr. Eliel Machado/UEL, e contou com a colaboração da equipe do PIMSA (Programa de Investigación sobre el Movimiento de la Sociedad Argentina), ao passarmos o período de dez/2007 a jan/2008 recolhendo dados na sede do programa, em Buenos Aires. Ressaltamos que, por ser uma pesquisa ainda em desenvolvimento, não apresentamos aqui mais do que hipóteses e problemáticas a serem melhor desenvolvidas em trabalhos futuros. ** Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade Estadual de Londrina, Brasil. Pesquisadora do GEPAL (Grupo de estudos de Política da América Latina). Endereço eletrônico: [email protected]. 1 Bihr, Alain; Da grande noite à alternativa: o movimento operário europeu em crise, Sã o Paulo, Editora Boitempo, 1998.2 Sobre esse assunto ver Bihr; op. cit.; Chesnais, Franç ois: A emergencia de um regime de acumulaçâo mundial predominantemente financeiro. Praga, Estudos Marxistas, Sâo Paulo, set. 1997, pp. 19-46; A mundializaçâo do capital; Sao Paulo, Xaria, 1996; A finança mundializada; Sao Paulo, Boitempo, 2005.

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constante, e a limitação da demanda de meios de consumo em relação à capacidade de produção que se acumula. Tem-se aí, uma crise de superprodução, o esgotamento das normas de consumo e a baixa rentabilidade dos investimentos industriais2. Como o capital necessita de uma contínua revolução nos meios de produção e troca e, conseqüentemente, no conjunto das relações sociais3, para driblar a crise do modelo fordista vemos a reconstituição do capital portador de juros e a predominância do capital financeiro. Na Argentina, especificamente, é a partir da última ditadura cívicomilitar (1976-1983) que o capital financeiro passa a ser hegemônico na economia do país. Esse processo resulta em uma forte recessão econômica, maior centralização da riqueza e da propriedade privada, e precarização das condições de vida do proletariado e da pequena burguesia. A ditadura também investe um duro golpe nos setores proletários organizados em sindicatos, fábricas, partidos e organizações de esquerda, como forma de desarticular o movimento operário. Com a queda da ditadura e a retomada «democrática» sob o governo de Raúl Alfonsín (1983-1989), a economia não se altera com relação à situação das classes trabalhadoras que estavam vivendo sob altas taxas de inflação. Ocorrem episódios de saques (principalmente de alimentos), que tiveram como protagonistas os setores mais empobrecidos da sociedade. Só no ano de 1989 foram registrados 282 saques, caracterizados por Iñigo Carrera & Cotarelo4 como revoltas, por apresentarem um caráter espontâneo. Para os autores, o elemento comum dessas ações está em demonstrar a impossibilidade, de uma parte da população, em conseguir seus meios de vida dentro da legalidade do sistema social vigente. Tal situação gerou como efeito político um dos fatores que levou ao abandono do governo, por parte de Raúl Alfonsín, que diante dos conflitos decide antecipar as eleições passando a presidência às mãos 3

Este fato foi ressaltado por Karl Marx e Friedrich Engels no Manifesto do Partido Comunista: «A burguesia não pode existir sem revolucionar, constantemente, os instrumentos de produção e, desse modo, as relações de produção e, com elas, todas as relações da sociedade» (Marx, K. E Engels Friedrich; O manifesto comunista, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1998, p. 14). 4 Iñigo Carrera, Nicolás e Cotarelo, María Celia; Revuelta, motín y huelga en la Argentina actual; en PIMSA. Documentos y Comunicaciones, 1997. 188

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do justicialista Carlos Menem (1989-1999). Esse governo representará uma profunda transformação política, ideológica e social por qual passará o peronismo. Em seu primeiro ano de governo, Menem conseguiu aprovar no Congresso duas grandes leis: uma que suspenderia os subsídios, privilégios e regime de promoção, e que autorizava a demissão de funcionários públicos; a outra, a Lei de Reforma do Estado, que conferia ao presidente a escolha de qual seria a melhor maneira para realizar a privatização de uma longa lista de empresas públicas. A implantação do Plan de Convertibilidad (1991) estabelece a paridade entre dólar e peso, assim como reduz barreiras aduaneiras e aumenta a pressão fiscal. O Estado reduz significativamente os gastos públicos e, com o passar dos anos, o desemprego alcança um pico histórico. Desde 1995 até meados dos anos 2000, a somatória dos trabalhadores desempregados e subempregados oscilou numa média nacional de 30%, chegando a ser maior em zonas da Grande Buenos Aires (Florêncio Varela e La Matanza) e em cidades do interior do país, como Tartagal, Mosconi, Cutral-Có e Plaza Huincul. Neste cenário, manifestações populares começam a surgir como resposta às políticas econômicas instauradas até então. Com a segmentação do emprego e a desocupação estrutural, que reduziram relativamente as parcelas sindicalizadas, e a privatização de importantes empresas que mantinham economias locais, teremos o terreno para o surgimento de organizações que estabelecem relações com um foco territorial, e que utilizam de um método de luta que lhes permite uma significativa visibilidade política, sendo ele uma readaptação dos piquetes5: os cortes de ruta. Na impossibilidade de parar a produção, impede-se o trânsito das mercadorias, fechando as principais vias de acesso. Estas manifestações percorreram praticamente todo o país, apresentando substancialmente as mesmas reivindicações e a mesma descrença nos representantes políticos que, embora não tenha culminado em um movimento unificado, propiciou o surgimento de diversos agrupamentos organizados em bairros, que vivem em um processo de fusão e cisão, criação e dissolução, apresentando particularidades e semelhanças entre si. 5

Forma de luta tradicionalmente utilizada em greves, para impedir a entrada de «furagreves», assim como parar a produção de mercadorias. PIMSA

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Na tentativa de compreender os principais limites que poderiam justificar a não constituição de um movimento unificado, buscamos identificar as semelhanças e diferenças entre os diversos agrupamentos do movimento piquetero. Para tanto, dividimos este artigo em três partes, sendo que na primeira discutiremos a composição social do movimento, para identificar quais são os sujeitos que compõem essa luta; na segunda, analisaremos como se dão as formas de organização e estratégias de luta dos diversos agrupamentos, sob o contexto políticoeconômico em que estão inseridos; e, por último, partiremos dos seus objetivos e alianças políticas, a fim de identificar a concepção de transformação social dessas organizações. Ressaltamos ainda que, por ser um «vôo» sobre o movimento piquetero em geral, apresentaremos aqui nossas primeiras impressões após algumas leituras e visitas feitas às diversas organizações, e entrevistas com as principais lideranças. Sendo assim, arriscaremos a colocar na mesma base político-ideológica algumas organizações que, embora originalmente distintas, têm os mesmos objetivos e mesma concepção de transformação social.

Composição social Os primeiros piqueteros foram (ex)trabalhadores bem remunerados e com carreiras estáveis do período de estabilidade econômica na Argentina; são assalariados de empresas estatais estratégicas como a YPF (Yacimientos Petrolíferos Fiscales) que, ao perderem seus empregos, saíram às ruas e receberam apoio da população provincial. Com o agravamento da situação econômica, os cortes de ruta ganharam dimensão e passaram a contar com a presença de diversos setores sociais afetados de maneira desigual pela desestruturação das economias locais. Entre eles, temos trabalhadores do setor público e privado, trabalhadores informais, subempregados e desempregados. Uma vez que o desemprego estrutural atingiu tanto os setores populares quanto a classe média argentina, vemos por parte de algumas organizações piqueteras a tentativa de reintegrar os desempregados ao mercado de trabalho, e o resultado obtido tem sido a inserção em trabalhos precários, com contratos de curta duração. Em suma, podemos dizer que a base social do movimento piquetero 190

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está entre os setores que, na década de 1990, passaram por um processo de maior precarização de suas condições de vida, foram submetidos ao desemprego em massa e «esquecidos» pelo Estado. São frações da pequena burguesia proletarizada, setores da classe operária e do chamado lumpemproletariado.

Formas de organização e estratégias de luta As primeiras ações instauradas na década de 1990 ainda não tinham a estrutura organizativa que os piqueteros apresentam hoje. Talvez tenham tido um caráter mais espontâneo, expressão de revolta, desespero e vingança por parte dos setores mais atingidos pela crise econômica, ações que expressavam o protesto contra o governo e a política econômica, como é o caso da pueblada de Santiago del Estero6. A partir de 1997, as diversas organizações piqueteras começam a surgir. Podemos dividir o movimento piquetero em dois momentos políticos: o primeiro vai da segunda metade do governo Menem à entrada de Kirchner no governo; o segundo desde o governo Kirchner até os dias atuais. O primeiro período ficou marcado pelo descontentamento dos setores populares e da pequena burguesia argentina com o cenário econômico e político. Os representantes políticos estavam desacreditados, o que se manifestou claramente na rebelião popular chamada de Argentinazo (dez/2001), e culminou na renúncia do então presidente Fernando de la Rúa. Nessa fase, os agrupamentos piqueteros se uniram em torno da necessidade de retirar do governo os atuais representantes e surgiram como sujeitos políticos em âmbito nacional, com apoio de diversos setores sociais. Neste período é que ocorrem as Assembléias Nacionais Piqueteras, uma tentativa conjuntural de unificação do movimento. Até os governos de transição (2001-2002), as organizações piqueteras - salvo suas particularidades político-ideológicas -, assim como os outros setores sociais, compartilhavam do rechaço aos governantes e às 6

A pueblada de Santiago del Estero (1993), teve como estopim, a demissão de dez mil servidores públicos, além do rebaixamento e atraso salarial dos restantes; a corrupção, por parte do governo provincial; e a falta de recursos públicos para atender as demandas sociais. Os manifestantes atacaram as sedes das instituições do poder político provincial, e as mansõ es dos políticos considerados corruptos, resultando na derrubada do poder político local. Não houveram ataques à estabelecimentos comerciais. PIMSA

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políticas econômicas que foram instauradas. A entrada de Néstor Kirchner no governo criou uma grande expectativa em amplos setores sociais, e representou um realinhamento das organizações piqueteras em relação aos seus posicionamentos diante do governo, além de suas estratégias de luta. As políticas instauradas por este governo estiveram voltadas para a cooptação das organizações piqueteras e a desarticulação daquele movimento que vinha despontando como um ator coletivo no cenário nacional. Como resultado, vemos o processo de integração daqueles agrupamentos que se identificam com a ideologia nacional-populista, e daqueles que buscam um retorno aos tempos do justicialismo. Entre estas organizações7 podemos citar o movimento Barrios de Pie e a Federación Tierra, Vivienda y Habitát (FTV). Com relação às organizações opositoras, Kirchner buscou, através dos meios de comunicação, criminalizá-las em nome da «normalidade institucional», como se estes agrupamentos, por meio de seus métodos de luta, estivessem indo contra a democracia8. Temos assim, como resultado das políticas engendradas por Kirchner, o rechaço, por parte da opinião pública, aos protestos sociais que permitiu, de certo modo, a legitimação da repressão policial em diversos lugares do país, sob um governo que se dizia defensor dos direitos humanos. Atualmente, muitas das organizações piqueteras deixaram de utilizar os cortes de ruta, optando pelas passeatas. A argumentação daqueles que integram o setor «governista» é de que o cenário político se alterou e, com isso, suas estratégias de luta. Os outros setores do movimento não deixam muito claro o porquê da diminuição dos cortes, mas acreditamos que isso esteja vinculado à criminalização do movimento, que faz com que este perca o apoio outrora recebido por diversos setores sociais. Aqui nos colocamos a seguinte questão, a ser analisada mais adiante: o que define o movimento piquetero é seu método de luta ou sua condição social, ou ambas as coisas? 7

A Corriente Clasista Combativa (CCC) demonstrou, no início do governo Kirchner, uma certa aproximação às suas políticas, mas atualmente se coloca como opositora. 8 Svampa, Maristella y Pereyra, Sebastián; Entre la ruta y el barrio: la experiencia de las organizaciones piqueteras, Buenos Aires, Editorial Biblos, 2004. 192

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No que concerne às estratégias buscadas para superar as dificuldades enfrentadas num contexto de crise econômica, as organizações têm encontrado basicamente as mesmas soluções: a gestão de projetos produtivos, traduzidos em cooperativas de trabalho que se mantêm através dos subsídios estatais com uma produção destinada ao consumo interno e ao mercado. Mas esta estratégia apresenta problemas: os subsídios acabam por não serem suficientes para a compra de matérias primas, instrumentos de trabalho e à capacitação profissional. Além disso, por não conseguirem competir com o capital, muitas vezes as organizações dependem do consumo estatal. Isso cria uma dependência contínua do Estado, tanto na gestão e produção, quanto no consumo. Com relação às formas de organização interna, os agrupamentos expressam o caráter territorial na divisão em comissões de bairros, com delegados locais. Desenvolvem reuniões regulares, primeiramente nos bairros, onde tiram os pontos que serão levados em assembléias gerais. As decisões são tomadas através destas assembléias, porém aqui se encontra uma linha sinuosa, pois todas as organizações declaram o princípio da horizontalidade na tomada de decisões, mas percebemos que isso não se efetiva em algumas delas, por exemplo, na distribuição hierárquica de cargos onde as vozes dos líderes nacionais acabam por ter mais peso do que a dos delegados locais. Em organizações como o Movimiento Independiente de Jubilados y Desocupados (MIJD), o personalismo do líder é tão grande que os militantes passam a falar das conquistas que Raúl Castells obteve, sem reconhecer todo o trabalho do conjunto do movimento. Encontramos também, entre as organizações, comissões divididas por áreas de trabalho como saúde, educação, comunicação, entre outras, que buscam sanar as necessidades dos integrantes do movimento, e muitas vezes da população local que não está diretamente ligada ao movimento, o que reconhecemos como uma tentativa, por parte dos agrupamentos, de denunciar o abandono do Estado para com os setores populares, assim como uma estratégia para superar as investidas do governo na criminalização do movimento piquetero.

Objetivos, alianças políticas e concepção de transformação social PIMSA

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A maioria das organizações do movimento piquetero se autodefinem como herdeiras do movimento operário argentino. Muitos de seus líderes possuem um histórico de luta em partidos e sindicatos. Já as bases sociais, em sua maioria, não possuem uma experiência política anterior. Algumas das organizações também reconhecem suas influências no peronismo, tão fortemente arraigado na cultura política desse país. Com relação às vinculações políticas e concepção de transformação social, as diferenças são maiores. Buscamos aqui apontar as vinculações políticas das diversas organizações, agrupando-as, em primeira instância, por seus objetivos e perspectivas políticas e, a partir daí, definir qual seria a concepção de transformação social destas organizações.9 Em função das mudanças conjunturais, a «divisão» apresentada a seguir é de caráter provisório.

"Kirchneristas" Possuem em comum o fato de estarem diretamente ligados ao governo atual (Néstor Kirchner/Cristina Kirchner). Apresentam um caráter nacionalista, fortemente populista, considerando que a resolução dos problemas do povo argentino está no estabelecimento de alianças entre o capital e os setores populares organizados em partidos, sindicatos e movimentos políticos. As alianças com o governo Kirchner possibilitaram a conquista de cargos oficiais, como é o caso de Luís D’Elía – Federación Tierra, Vivienda y Hábitat (subsecretário de Tierras para el Hábitat Social, dependência criada para ele); Roberto Baigorria Barrios de Pie (funcionário do Ministério de Desenvolvimento Social); e Emílio Pérsico - MTD Evita (vice-chefe do gabinete bonaerense do governador Felipe Solá). Estas posições estratégicas também permitem às organizações «kirchneristas» maior controle sobre os planos sociais e subsídios cedidos pelo Estado.

Cristina Calvacante ORGANIZAÇÃO Barrios de Pie

VINCULAÇÃO POLÍTICA Inicialmente vinculada ao Patria Libre – organização nacionalista de esquerda, de forte inspiração populista. Atualmente, integra o Movimiento Libres del Sur – organização nacionalista revolucionária.

Federación Tierra, Vivienda y Hábitat (FTV)

Organização nacionalista, vinculada à Central de Trabajadores Argentinos (CTA).

Frente Barrial 19 de Diciembre

Organização nacionalista de esquerda, vinculada ao Movimiento Libres del Sur.

Movimiento de Trabajadores Desocupados (MTD) Evita, Resistir y Vencer

Vinculado ao Partido Justicialista (PJ).

Corriente Nacional y Popular 25 de Mayo

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Agrupación 26 de Julio

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Frente de Desocupados Eva Perón

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Autonomistas Os autonomistas se caracterizam pelas críticas que fazem às formas tradicionais de organização do proletariado, como os partidos e sindicatos. Consideram que as lutas pela emancipação humana devem ter por objetivo maior a construção de novas relações sociais, e assim, de novas subjetividades. Elevam como princípios a horizontalidade, autonomia, democracia direta e independência de partidos e sindicatos. A assembléia é a principal forma de tomada de decisão; evitam usar o termo «lider», preferindo em seu lugar , atuar com o que chamam de «referentes» – aqueles que acabam por ser apontados como porta-vozes do movimento. Como todas as outras organizações, dependem dos subsídios do Estado para darem andamento aos seus projetos produtivos. Os autonomistas acreditam ser necessária a superação do sistema capitalista através da divisão igualitária do produto social10. Para o seu

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As terminologias aqui propostas, com exceção dos «autonomistas» que se autodefinem dessa maneira, são apenas de caráter ilustrativo. As organizações que não apresentam informações no campo «Vinculação Política», não vinculam o seu surgimento diretamente a nenhuma outra organização.

Carvalho, Soraia de; Lutas sociais, piqueteiros e autonomismo: a experiência politicoideológica da Frente Popular Darío Santillán; Londrina, 2008. Dissertacao de mestrado em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Londrina.

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alcance, a revolução nas relações cotidianas é necessária. Negam a estratégia da tomada do poder para a transformação social e apostam nas cooperativas de trabalho que seria uma das possibilidades de superação da lógica capitalista e da criação de novas relações sociais. ORGANIZAÇÕES Coordenadora de Organizaciones Barriales Autónomas (COBA) Movimiento de Trabajadores Comunitários de Luján Movimiento de Trabajadores Desocupados (MTD) «La Juanita» de La Matanza MTD Allén MTD Aníbal Verón («La Verón») MTD Solano Frente Popular Darío Santillan (FPDS): MTD «Darío Santillan» da Capital Federal MTD «Darío Santillan» de Alte. Brown MTD «Darío Santillan» de Cipolletti MTD «Javier BarrioNuevo» de Esteban Echeverría MTD «La Verdad» de Guernica MTD 26 de Junio MTD Berisso MTD Ezeiza MTD La Cañada MTD La Plata MTD Lanús MTD Lomas de Zamora MTD Lugano

Os "brandos"11: Estas são as organizações que fazem críticas ao atual governo, porém, não diretamente ao modo de produção capitalista. Acreditam que a solução dos problemas econômicos se dá com uma maior repartição da riqueza socialmente produzida - o que poderíamos traduzir como maior igualdade de consumidor - e de um pagamento «justo» pelas horas trabalhadas, ou seja, em um processo de «humanização» do modo de produção capitalista. Suas principais reivindicações giram em torno do trabalho «branco», o trabalho formal, com carteira assinada e benefícios, além de planos sociais e subsídios do Estado.

Cristina Calvacante ORGANIZAÇÃO Agrupación 17 de Julio Bloque Obrero y Popular (BOP) Coordinadora de Organizaciones Populares Autónomas (COPA) Corriente Clasista y Combativa (CCC)

VINCULAÇÃO POLÍTICA Vinculada ao Partido Comunista Revolucionário -

Frente de Desocupados Unidos (FOU) Movimiento Independiente de Jubilados y Desocupados (MIJD) Movimiento de Trabajadores por la Dignidad de Cipolleti Movimiento de Unidad Popular (MUP) Movimiento Sin Trabajo (MST)-Matanza Movimiento Territorial de Liberación (MTL) Vinculado ao Partido Comunista Argentino, e à Central de Trabajadores Argentinos (CTA). MTD «Maximiliano Kosteki» de Guernica MTD 17 de Julio MTD 1º de Mayo de Parque Patricios, Floresta e Mataderos MTD 23 de Julio de Allen, Neuquén MTD Berazategui MTD Claypole MTD Florencio Varela MTD Ituzaingó MTD La Boca Ex-Barrios de Pie. MTD Mataderos Ex-Barrios de Pie. MTD Moreno Unión de Trabajadores Desocupados (UTD) Unión de Trabajadores Desocupados, Ocupados Integram o Bloque Obrero y Popular y Changarines (UTDOCH) (BOP) Unión de Trabajadores Piqueteros (UTP) -

Os "duros"

Esta expressão, assim como os chamados «duros» que veremos mais à frente, foi utilizada por G. Almeyra, porém, nem todas as organizações definidas pelo autor foram mantidas. Almeyra, G; La protesta social en la Argentina (1990-2004): fábricas recuperadas, piquetes, cacerolazos, asambleas populares; Buenos Aires, Ediciones Continente, 2004.

Nestas organizações encontramos um discurso crítico ao sistema capitalista, que aponta para a sua superação a partir da conquista do poder pelas classes trabalhadoras. Porém, não deixam de receber os subsídios do Estado, que utilizam como as outras organizações, para a gestão de suas cooperativas, embora demonstrem um maior rechaço a estes planos dando preferência à luta pelos postos de trabalho. Entre as reivindicações encontramos a redução da jornada de trabalho e o aumento dos salários. A preocupação com a formação política das bases se mostra maior. Apontam a necessidade da tomada do poder

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através do Estado e privilegiam as ações de massa, na tentativa de abarcar setores sociais cada vez mais amplos na luta contra o capitalismo e o imperialismo. ORGANIZAÇÕES Coordinadora de Unidad Barrial (CUBA)

Frente de Organizaciones en Lucha (FOL) Frente Único de Trabajadores Desocupados y Ocupados (FRUTraDeyO) Movimiento 29 de Mayo Movimiento Sin Trabajo (MST)-Teresa Vive

VINCULAÇÃO POLÍTICA Vinculada ao Partido Revolucionário de la Libera ción (marxista-leninista). Atualmente, estabeleceu aliança com um setor do MTR, e denominam-se MTR-Cuba. Ex- CTD Aníbal Verón. Denominam-se marxistas. Ex-Partido Obrero.

Define-se como marxista. Vinculado ao Movimiento Socialista de los Trabajadores (MST), de perspectiva trotskista. MTD Neuquén Vinculado ao Partido de los Trabajadores por el Socialismo (PTS). Polo Obrero (PO) Diretamente vinculado ao Partido Obrero, de perspectiva trotskista. Unidad y Lucha Bloque Piquetero Nacional Federación de Trabajadores Combativos (FTC) Vinculada ao Movimiento al Socialismo (MAS). Definem-se como Trotskistas. Movimiento Teresa Rodríguez (MTR) Definem-se como marxistas, de tendência guevarista. Movimiento Teresa Rodríguez (MTR)12 de Abril Unión de Trabajadores en Lucha -

Considerações finais A partir destes levantamentos identificamos que, com relação à composição social, os diversos agrupamentos piqueteros não se diferenciam substancialmente. Entre eles, diferentes setores sociais compartilham da precarização e pauperização de suas condições de vida, gerada pelas políticas econômicas instauradas a favor do capital. As formas de organização e as estratégias que têm encontrado para driblar os problemas enfrentados pela situação de pobreza também têm suas semelhanças: constituem-se em âmbito territorial, ainda que algumas das organizações, por sua expressividade, tenham uma visibilidade nacional; e têm encontrado nas cooperativas de trabalho, mantidas com o subsídio estatal, a forma de garantir o 198

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sustento de seus integrantes. Com relação à concepção de transformação social, podemos definir as organizações piqueteras, substancialmente, entre aquelas que acreditam na possibilidade de um capitalismo mais humano, com uma maior repartição da riqueza nacional e aquelas que acreditam na necessidade da superação do capitalismo. Neste ponto, devemos problematizar onde se enquadram os autonomistas; esta é uma ala do movimento com características particulares que não nos consideramos aptos a discutir aqui. O que podemos dizer é que encontramos problemas em seus métodos de luta e projeto de transformação social, por não apresentarem a problemática da abolição da propriedade privada. Mas, salvo as particularidades ideológicas apresentadas pelas diversas organizações do movimento piquetero, temos como ponto em comum a composição social, as formas de organização e, principalmente, as reivindicações apresentadas. Se nos determos nestas, percebemos que o foco tem sido a reposição das necessidades imediatas de seus integrantes. Mesmo entre os «duros», que apresentam um discurso voltado para a superação do capitalismo, no momento de suas aparições políticas, onde lançam suas reivindicações, estas ainda aparecem presas ao plano econômico. Não podemos desconsiderar que, objetivamente, esses sujeitos vivem em situações precárias cuja primeira manifestação é para saciar a fome. Sendo assim, não negamos que a luta para suprir necessidades imediatas são importantes. Todavia, ela não pode se resumir ao plano econômico, mas deve estar vinculada ao plano político e, em última instância, a um projeto de sociedade. No entanto, as discussões políticas que vão ao cerne dos problemas enfrentados pelos piqueteros são prioridade de poucos. E mesmo a formação política das bases sociais, que em sua maioria não possui uma trajetória de militância anterior, é colocada em um segundo plano, o que fortalece o caráter assistencialista do movimento para aqueles que se inserem apenas para obter os planos sociais gerenciados por estas organizações. George Rudé, na tentativa de criar uma teoria do protesto popular, apresenta elementos interessantes para problematizarmos aqui: ele afirma que a ideologia popular se caracteriza por uma fusão entre o que ele chama PIMSA

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de ideologia «inerente» – elementos baseados na experiência direta e histórica das classes populares – e ideologia «derivada» – idéias mais estruturadas, como as idéias políticas12. Afirma também que há uma relação entre os dois tipos de ideologias onde, em determinados momentos, a ideologia «derivada» é absorvida pela ideologia «inerente». Partindo dessa perspectiva, pensamos na cultura política da classe trabalhadora argentina, fortemente sindical, considerando esta forma de organização como uma ideologia «derivada» absorvida pela ideologia «inerente». Por este ponto, podemos considerar que as organizações piqueteras, através de suas reivindicações de planos sociais, postos de trabalho etc., estejam manifestando reivindicações «inerentes» ao proletariado e direcionando ao Estado suas reivindicações outrora feitas ao patrão. Dessa maneira, o limite maior que encontramos na luta piquetera é que esta tem se dado de maneira fragmentada no interior do movimento, com um foco no plano econômico, o que parece fazer com que as organizações caminhem em direção a um corporativismo que as impedem de fazer alianças mais sólidas entre si. Elas ficam relegadas a momentos mais específicos, quando a conjuntura e a reivindicação necessitam de uma maior visibilidade do movimento. Mas, no geral, tem sido comum a realização de diversas manifestações isoladas, que apresentam as mesmas reivindicações. Mais ainda, este limite se dá porque a luta política das diversas organizações tem se fixado na conjuntura, embora algumas das organizações apresentem no discurso um projeto futuro, além do capitalismo. Para o surgimento de uma identidade de classe, é necessário que a luta perpasse a conjuntura e reconheça que o movimento piquetero, no geral, é resultado de um problema estrutural do capitalismo: embora dependa da exploração da força de trabalho humana, ele não dá conta de suprir as necessidades de toda a humanidade, outrossim, necessita também da existência de um exército industrial de reserva. Sendo assim, lutar por medidas paliativas apenas reforça a própria lógica do capitalismo.

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Resumen A partir de la implantación del neoliberalismo en la Argentina, pretendemos analizar la composición social y política de las principales organizaciones que componen el llamado movimiento piquetero, haciendo hincapié en su unidad y ruptura en relación a sus formas de organización, sus objetivos, alianzas, estrategias de lucha y concepciones de transformación social, a fin de comprender cuáles son las posibilidades de unidad política e ideológica entre ellas. Abstract After the imposition of neoliberalism in Argentina, we intend to análise the social and political composition of the main organizations that form the so called piquetero movement, focusing on its unity and partition in relation to their forms of organization, their objectives, alliances, struggle strategies and ideas of social transformation, in order to understand the possibility of political and ideological unity among them.

Rudé, George; Ideologia e Protesto Popular, Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1982.

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