Pixação, “arte de situação” e resistência historiográfica: Em busca da construção de “los de abajo”

June 15, 2017 | Autor: Cauê Almeida Galvão | Categoria: Criminalização de Movimentos Sociais, Criminalização Da Pobreza, Pixação, Construção Histórica
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Pixação, "arte de situação" e resistência historiográfica: Em busca da
construção de "los de abajo"

Cauê Almeida Galvão[1]





Resumo: Esse artigo aborda a subversão da construção historiográfica a
partir dos contextos periféricos marginalizados da pixação, e a intensa
ação direta na construção da sua própria história e das considerações
acerca do que os leva a ser marginalizados através do sistema capitalista
de direitos a poucos e a justiça seletiva praticada no Brasil sobretudo com
pretos, pobres e sujeitos sem direito a ter direitos.








A partir do texto SUJETOS EN LA HISTORIA: EL NUEVO CINE
LATINOAMERICANO Y LA FRONTALIDAD DEL DISCURSO da autora Silvana Flores,
buscamos aqui apresentar uma perspectiva dos sujeitos na história através
dos ideais do Nuevo Cine Latinoamericano na contemporaneidade através de
produções documentais como o filme PIXO[2], dirigido por João Wainer e
Roberto T. Oliveira além da produção audiovisual Contra a parede – O
grafite e a pichação em Campo Grande/MS[3] dos autores Gustavo Arakaki
Henrique, João Marcelo Correia Sanches e Thaís Lopes Pimenta.

Assim, entendemos que a proposta de Silvana deixa claro a nossa
intenção em apresentar um movimento marginalizado não só socialmente mas
também por pessoas e instituições do meio artístico. Mas também em
contraponto, a organização social desses indivíduos que tem suas próprias
regras e disciplinas e consolidam assim uma estrutura e estilo de vida.
Dessa forma, o audiovisual contribui muito para a construção dos discursos
de resistência, principalmente a partir do século XXI onde uma das grandes
redes sociais (Youtube) garante alguma independência de produção e difusão
das propostas desses sujeitos até então marginalizados pela esfera
artística e audiovisual.

"Un cine que los desarrolle. Un cine que les dé
conciencia, toma de conciencia, que los esclarezca; que
fortalezca la conciencia revolucionaria de aquellos que
ya la tienen; que los fervorice; que inquiete, preocupe,
asuste, debilite, a los que tienen 'mala conciencia',
conciencia reaccionaria; que defina perfiles nacionales,
latinoamericanos; que sea auténtico; que sea
antioligárquico y antiburgués en el orden nacional y
anticolonial y antiimperialista en el orden
internacional; que sea propueblo y contra antipueblo; que
ayude a emerger del subdesarrollo al desarrollo, del
subestómago al estómago, de la subcultura la cultura, de
la subfelicidad a la felicidad, de la subvida a la vida"
(en Velleggia, 2009: 259).


Dessa forma, a contribuição do movimento do Nuevo Cine
Latinoamericano, tentará responder a demanda da ruptura da formalidade
artística, rompendo assim a barreira com o público, afinal para os
realizadores

El empleo de los medios audiovisuales permitiría, según
los realizadores del Nuevo Cine Latinoamericano,
incentivar aún más la conciencia revolucionaria de las
bases populares, debido al poder de persuasión ejercido
por los códigos lingüísticos facilitados por el cine.
(FLORES. p.22)


Assim, no documentário PIXO, logo de início podemos perceber como o
contato com o audiovisual aqui proposto vincula-se a construção de uma
historiografia de uma comunidade silenciada.

A gente mete o foda-se tá ligado, a gente chega ali e tem
uma "par" de burguês, de zé povinho, de hipócrita. Chela
lá e mete o rolo, faz na cara larga mesmo e se vim falar
merda nóis debate e até bate no cara. A gente debate,
debate mesmo, é pra afrontar mesmo. Pixador quer
escancarar mesmo, é anarquia pura, é ódio mesmo.[4]

Quando Djan (Cripta) apresenta essa análise indica a relação da
pichação com o ódio, faz também um contraponto a vida periférica que ocorre
nas grandes cidades como São Paulo, e a condição vulnerável a que a maior
parte da população encontra-se nesses locais. Isso é perceptível pela
imagem ao fundo do autor da citação acima.

O contexto e escolha do documentário PIXO, tem como fator
determinante, observar as ações e consolidações culturais no meio da
pixação. Entre as ações, o filme apresenta algumas ações diretas de pixação
pelos prédios de São Paulo, cenas essas que apresentam como a adrenalina do
ódio social transcende as barreiras de nossas compreensões teóricas e
sociológicas, cabendo a nós apenas fazer uma análise da importância de sua
difusão no contexto de ver e ser visto socialmente com os instrumentos
alternativos de distribuição e difusão do conteúdo e de suas disciplinas.

Nesse aspecto William (Operação) um dos atores do audiovisual nos
apresenta como é a realidade de muitos pichadores na cidade de São Paulo.

A quebrada é bem diferente do que o Alphaville mano,
Alphaville é um bagulho de luxo truta, favela é bem
diferente do que um bagulho de luxo né mano. Os morador
não é igual né truta. Tipo, pra quebrada tá ligado mano,
pixação tá no peito, pixação pra nóis aí né mano, pra nós
é compensável né truta. Pra nóis que mora dentro da
favela e não tem como sobreviver, aí nóis faz essas
pichação aí truta.Mas aí, o bagulho tá no sangue tio.[5]


Em outro momento do documentário, Djan (Cripta) apresenta os tipos de
pichadores em São Paulo e como se articulam.

Em São Paulo tem várias categorias de pichação. Tem os
caras que faz só muro, tem os caras que faz janela, tem
os caras que faz mais prédio, tem os caras que faz
escalada, tem cara que faz tudo. Mas o fundamental da
pichação aqui em São Paulo independente das categorias, é
o cara ter bastante pichação.[6]


O vínculo que Djan fala em relação à anarquia refere-se muito a
consolidação do movimento de pixação durante os anos 80 em São Paulo, como
bem aponta Dino (Dino) que "a pixação na verdade, ela migrou do movimento
punk, no começo da década de 80" [7]

Segundo o fotógrafo Choque que aparece no filme os pixadores em São
Paulo na década de 80 tiveram algumas inspirações para produzirem sua arte.

E eles se inspiraram pra criar os logos deles, os
letreiros, os logos das bandas de rock e que por sua vez
esses logos, foram inspirados nas runas anglo-saxônicas
de milhares de anos atrás. E na verdade essas runas, são
o primeiro alfabeto da Europa, que é o alfabeto dos povos
germânicos, escandinavos, anglo-saxões e os pichadores se
apropriaram dessa escrita e criaram em cima. É uma
antropofagia, não é uma simples cópia das runas, é uma
evolução mesmo em cima disso.[8]


Djan representa muito bem uma figura que não conhece o Nuevo Cine
Latinoamericano, mas que todavia, sente a importância de construir a
história da pixação, a entendendo como um movimento social articulado em
seus assuntos e ações.

Silvana Flores nos coloca de forma interessante através de Marcel
Martín que devido a visão subjetiva do autor, a produção cinematográfica
revolucionária poderia ser uma outra visão artística de realidade. Essa
concepção todavia, não leva em consideração que a produção subjetiva
produzida pelas pessoas é um campo de poder político, e no campo
audiovisual, produzir essa visão como aponta Martín que não outorga a
demanda real por conta da subjetividade do autor, prende-se muito mais ao
debate anterior da estrutura do cinema e das artes profissionais, ou de
boutiques do que a uma prospecção – teórica – de arte.

Dessa forma, buscamos aqui não apresentar a resolução audiovisual para
a tentativa de uma revolução ou manutenção de tal ideia, mas sobretudo,
apresentando como os movimentos silenciados a partir do século XXI passam a
consolidar um aspecto histórico de suas construções sociais, como vimos, na
fala de Djan durante o documentário PIXO onde deixa claro que era
importante registrar o movimento, ou seja, os sujeitos de ação também são
conscientes de sua construção enquanto sujeito histórico, que faz e
constrói sua realidade na forma artística revolucionária e marginal.


Já o documentário Contra a Parede, apresenta um pouco da cena no
centro-oeste brasileiro, em Campo Grande/MS. Esse documentário traz a tona,
uma grande discussão que tem acontecido no movimento de pixação e grafite a
partir dos anos 90 e 2000, onde o grafite passa a ser de certa forma
cooptado pela ideia de arte profissional, isso gera uma certa cisão em um
movimento até então unitário. Isso se deve, ao que o pichador Rastro
identifica pela cidade.


Se você for procurar saber mesmo a pichação é primeiro tá
ligado, tipo assim, o cara não chegou lá já e fez um
grafite ou fez um "bomb" tá ligado. Tinha os caras que
iam e que faziam as "tags" isso aí tipo mano nas gringas
Estados Unidos, decáda de 80 e mais atrás já fazia os
rolês. Então mano o cara não chegou fazendo grafite, é
através da pichação, através do rabisco mesmo que a
galera começou. Tipo assim, o grafite mano, o movimento é
o mesmo, o jeito de você fazer é o mesmo. Se você tiver
uma lata você faz o grafite com uma lata, com uma cor tá
ligado. Você não precisa fazer colorido, tem os manos que
faz uns "bomb". Eu acho zuado, tipo assim, o que eles
passam tá ligado, igual teve uns eventos que os caras fez
aí é Grafite sim e pichação não, nada a ver né, eles
estão querendo qualificar o pichador?[9]


Essa divisão se dá por conta do movimento do grafite ter passado a
receber incentivos privados e públicos e por assim ter saído da zona de
marginalidade. Como bem aponta Rastro, o movimento de pixação é um
movimento de contestação, e o grafite nasce dentro do seio desse movimento.
Todavia, não somente no evento citado por Rastro mas diversos outros
movimento fora de Campo Grande tem como alvo a mesma prática, disseminar o
grafite em contraposição ao pixo.

Esse binarismo todavia, serve em realidade de instrumentação
institucional para o silenciamento e a perda de força de um movimento
social que atua de forma autônoma perante aos incentivos, e que se
concentra sobretudo nas periferias das grandes cidades e capitais. Nesse
sentido, a "gourmetização" da arte de rua, constrói um cenário ideal para a
criminalização do pichador enquanto sujeito artista, além evidente, do
sujeito jurídico-social.


Nesse aspecto, o próprio documentário corrobora para a consolidação
dessa divisão social, denotando desde a apresentação dos sujeitos
entrevistador, fazendo a diferenciação entre pichador e grafiteiro.


Os indivíduos que aparecem nos dois documentários, intentam construir
uma historiografia e cinematografia de movimentos historicamente
silenciados, e assim fortalecem os ideais de ligação dos movimentos aqui
apresentados, assim como da arte marginal e da intensa necessidade de
ruptura com a institucionalização de uma arte profissional, deixando claro,
e sustentando, mesmo que inconscientemente a ideia de uma arte consciente,
de uma arte política e sobretudo de uma arte periférica e marginalizada,
que cotidianamente sofre atentados a suas imagens e consequentemente, são
criminalizados pelo sistema judiciário e social não porque passaram fome na
infância ou viveram as margens do esgoto, mas porque depredam o patrimônio
privado e por isso são bandidos, vândalos e marginais.


Essa desconstrução é a que intentamos nesse artigo, garantizar que a
sociedade não vincule uma divisão binária entre movimentos sociais como o
grafite e a pichação pela lógica econômica do sistema que garante
privilégios a um em detrimento da dissolução do outro não porque é feio,
mas sim, porque é um movimento social incômodo e que não dialoga na lógica
quadrada de um Estado e sociedade representada primordialmente, pelo
direito a propriedade privada, antes mesmo da vida.


Dessa forma, consideramos extremamente necessário relembrar um caso
recente de 2014 ocorrido em São Paulo, onde a polícia militar assassinou
dois pichadores. Esse assassinato representa muito bem, a condição desses
pichadores e a necessidade de o Estado legitimar não só a ideia surreal de
"segurança pública" mas sobretudo, legitimar suas ações de extermínio de
classe e raça na capital brasileira bastante conhecida pelas seus
esquadrões da morte muito bem apontados por Hélio Bicudo em seu livro,
assim como a excelente análise de Caco Barcellos em seu livro Rota 66 – A
história da polícia que mata, onde aponta muito claramente as intenções da
Ronda Ostensiva Tobias de Aguiar, o esquadrão de "elite" da Polícia Militar
de São Paulo. A mesma instituição que em 2015, absolveu os policiais do
assassinato garantindo como em toda ação de extermínio por parte do Estado,
o direito à legitima defesa, e a consolidação de que a vítima por ser
pobre, morar em local periférico e ter atitudes de vândalo (ser pixador)
passou a ser então o agressor, e o policial, assegurado seu direito de
legítima defesa, se coloca como vítima de uma situação que ele mesmo criou.
Andamos na contemporaneidade esquecendo que quem mata com farda ou sem ela,
também é um criminoso igual aquele a quem matou.


A história[10] de Alex Della Vecchia (ALD) e Ailton dos Santos
(ANORMAL) obteve grande repercussão graças a difusão entre os pixadores de
imagens e outras provas que consolidavam a ação de extermínio por parte do
Estado. Essas difusões se deram sobretudo nas redes sociais e atingiram uma
grande repercussão. Todavia, como os militares são julgados em tribunais
especiais, o corporativismo da instituição consolidou mais uma vítima
exterminada pelo Estado como auto de resistência.


Assim, acredito de extrema importância o fator da difusão de
informações, pois, as opressões diárias praticadas pelo Estado e suas
instituições são os maiores legitimadores do racismo, da guerra entre as
classes e da lógica binária de controle dos corpos e dos nossos direitos
jurídicos. Sendo assim, faz se de suma relevância, a organização e
fortalecimento dos movimentos sociais marginalizados utilizando-se não só
do audiovisual que aqui é abordado mas também de outras fontes como a
música muito bem representada pelo RAP brasileiro e latinoamericano de
protesto, além das construções teatrais e diversas outras áreas que
necessitam da ruptura com a esquizofrênica criação de que ganhar dinheiro
com a arte e a profissionalizá-la é o caminho para o sustento no
capitalismo.


Conclui-se então que Proudhon quando faz sua análise sobre a arte,
deixa muito claro o ideal de "arte de situação" que a pixação se apropriará
no século XX e XXI, e representará de forma bastante coesa o que Djan nos
falou nesse artigo e também no documentário PIXO, de que a pixação é
anarquia.


Entendendo a arte como uma experiência, os anarquistas
colocam em oposição a "arte que sofre" e a "arte que se
cria", tendem a ver em "cada indivíduo um artista
criador" e concebem o ato criador como mais importante do
que a própria obra. "Proclama [a estética anarquista] a
morte da obra-prima, a abolição do museu e da sala de
concertos", bem como condena o "criador genial". Os
anarquistas criticam o profissional da arte, aqueles que
fazem da arte o seu ganha-pão. Eles os consideram "o
símbolo de uma época passada". Convocam os artistas a
engajarem-se e pretenderem "destruir tudo aquilo que
separa a arte da vida". Defendem uma "arte de situação"
(Proudhon. Apud DE SOUZA, 2003)




REFERÊNCIAS

DE SOUZA, Dimas Antônio. O mito político no teatro anarquista brasileiro.
Achiamé. 2003.

FLORES, Silvana. Sujetos en la História: El Nuevo Cine Latinoamericano y la
frontalidad del discurso. Perspectivas de la comunicación - Vol. 4, Nº 2,
2011 · ISSN 0718-4867 Universidad de la frontera – Temuco – Chile. p. 20-
31.


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[1] Graduando em História – América Latina na Universidade Federal da
Integração Latino-Americana.
[2] PIXO – Documentário sobre pichação e pichadores. Acesso em:
https://www.youtube.com/watch?v=JjS0653Gsn8
[3] CONTRA A PAREDE – O grafite e a pichação em Campo Grande/MS. Acesso em:
https://www.youtube.com/watch?v=oTGoxcKFvHo

[4] Trecho extraído do documentário PIXO nos minutos de 0m55s até 1m25s.
[5] Trecho extraído do documentário PIXO nos minutos de 4m59s até 5m44s.
[6] Trecho extraído do documentário PIXO nos minutos de 6m44s até 7m14s.
[7] Trecho extraído do documentário PIXO nos minutos de 9m22s até 9m30s.
[8] Trecho extraído do documentário PIXO nos minutos de 9m31s até 10m12s.
[9] Trecho extraído do documentário Contra a parede nos minutos de 2m13s
até 3m05s.
[10] Para maior informação sobre o caso dos dois pixadores. Acesso em:
http://www.vice.com/pt_br/read/a-policia-militar-matou-dois-pixadores-no-
alto-de-um-predio-em-sao-paulo
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