Piza, Douglas de T. 2013. “Chineses no Brasil e Diásporas Chinesas.” Pp. 197-200 in China: Passado e presente edited by R Pinheiro-Machado. Porto Alegre, Brazil: Artes e Ofícios.

July 18, 2017 | Autor: D. de Toledo Piza | Categoria: Brazil, Chinese Diaspora (Migration and Ethnicity)
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CHINESES NO BRASIL E DIÁSPORAS CHINESAS Douglas de Toledo Piza1

A presença de chineses no Brasil é antiga: comemorou-se em 2012 seu bicentenário. A celebração se refere ao provável ano de chegada de um grupo de cerca de duas centenas de chineses trazidos especialmente para o cultivo do chá no Jardim Botânico do Rio de Janeiro quatro anos após a Corte portuguesa ter aí se instalado (LEITE, 1999, p. 271; SHU, 2009). Desde então, houve várias tentativas, algumas bem sucedidas, de trazer mão de obra chinesa para as lavouras brasileiras. Era um número baixo de migrantes majoritariamente cantoneses que vieram especialmente por trabalho, mas suficientemente notável para se fazer descrito nos relatos de cronistas da época, e que acaba rumando à cidade, especialmente no entorno da então capital Rio de Janeiro. Ao longo do século XIX, estima-se que um número não maior do que três mil chineses chegou ao Brasil (LEITE, 1999, p. 243-247). A história da migração chinesa no país precisa ser entendida conjuntamente com a história das diásporas chinesas. Estas diásporas tiveram início marcante com a emigração de coolies, isto é, trabalhadores agrícolas que deixavam especialmente o porto de Cantão para diversas partes, o mais das vezes em migrações subvencionadas e contratadas através de companhias públicas e privadas (LEITE, 1999, p.39). Eles eram mais de oito milhões no começo do século XX e se destinaram para vários países do globo, mais fortemente nos do continente americano (MA MUNG, 2009, p. 33). Assim, entende-se que o aumento do fluxo migratório para Brasil se relaciona com as turbulências políticas depois da Revolução republicana que pôs fim ao Império em 1911. Embora ainda tímida a presença de chineses, o aumento do fluxo levou à criação do Centro Social Chinês do Brasil, em 1919 (SHU, 2009). Apenas na última metade do século XX intensifica-se a chegada de chineses ao Brasil e pode-se falar propriamente em duas grandes ondas migratórias: uma entre as décadas de 1950 e 1970, e outra a partir da segunda metade da década de 1990.

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Bacharel em Relações Internacionais pelo Instituto de Relações Internacionais da Universidade de São Paulo (IRIUSP), mestre em Sociologia pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da mesma universidade (PPGS/FFLCH-USP), cuja dissertação foi intitulada “Um pouco da mundialização contada a partir da região da rua 25 de março: migrantes chineses e comércio ‘informal’”. Foi professor do curso de Relações Internacionais da Faculdade Anglo-Americano de Foz do Iguaçu, onde coordenou o Grupo de Pesquisa em Migrações Internacionais, com foco nas presenças chinesa e libanesa na região da Tríplice Fronteira. Atualmente é dou torando do Programa de Sociologia de The New School for Social Research.

Os muitos chineses que compõem a primeira onda migratória ao Brasil decidem deixar a China em decorrência da emergência do comunismo de Mao Zedong ao poder em 1949. Inicialmente vindos da própria China, nos dois anos em que as portas do país ainda não haviam sido fechadas, e depois desde Taiwan ou de outros países do Sudeste Asiático e da África, têm como principal destino a cidade de São Paulo. Isto revela a importância das redes sociais de acolhida, evidenciando o trabalho de acolhimento realizado, por exemplo, pela Missão Católica Chinesa no Brasil, o que incluía conforto psicológico, facilidades para obtenção de moradia e emprego e até mesmo assistência jurídica sobre a regularização da situação de estrangeiro (PIZA, 2012, p.151). O fato de serem migrantes passados por outros países ou mesmo de segunda geração, adicionado ao sentimento de que o governo comunista não era legítimo para parte dos chineses, gerou uma situação complexa e plural de várias e superpostas identidades nacional, étnica e político-partidária, que acirrava a delicada questão independentista de Taiwan dentre os grupos nas diásporas. De todo modo, as diásporas chinesas neste momento têm diversos pontos de origem e destino, sendo muito intensos os laços e os trânsitos entre chineses de diversas partes do mundo, o que reforça a constituição de uma identidade diaspórica comum (MA MUNG, 2000). Com controle intenso nas fronteiras e forte patrulha ideológica contra os chamados pelo governo de “traidores da pátria”, as migrações de chineses acontecem mais dentre aqueles que já haviam deixado o país, de modo que muitos dos que chegaram ao Brasil passaram e moraram em outros países, e podiam ver este momento como uma etapa mais até destinos futuros. Em decorrência destas migrações entre os polos que concentraram chineses, o grande fluxo migratório do começo da década de 1950 perdurou por mais de duas décadas, e ao longo deste período outras cidades do país como Curitiba e Recife passaram a receber chineses, frequentemente vindos desde São Paulo. Em todos estes lugares, as formas de inserção sócioeconômica eram através das atividades autônomas, desde restaurantes e tinturarias famosos até profissionais liberais. Outro caso que chama atenção, são os chineses e principalmente muitos taiwaneses que estão em Foz do Iguaçu e especialmente na cidade-gêmea de Ciudad del Leste, no Paraguai. Muitos migrantes chegaram à região no final da década de 1970 motivados pela própria vocação comercial da cidade paraguaia – criada por decreto presidencial em 1957 como entreposto comercial na rota entre a capital Asunción e o acesso ao mar na costa brasileira, e tornada nas décadas seguintes zona de redução fiscal com regime de facilitação de importações. Ao longo dos anos 1970 e nos seguintes, pareceu haver laços e mobilidade entre os migrantes nesta região e no restante do país. Neste caso, a importância e a

complexidade da questão de Taiwan são aumentadas devido ao fato de se adicionarem mais diferenças por haver, além de chineses continentais e outros que passaram por Taiwan ou de segunda geração, taiwaneses de várias gerações. Dentre esta mistura de nacionalidades, há, em todos os lados, os contrários ao governo comunista e os que são favoráveis. Vale lembrar que o governo do Paraguai reconhece a independência de Taiwan. O número de taiwaneses e chineses em Ciudad del Este parece ter diminuído nos últimos anos enquanto há um crescimento do número de chineses em Foz do Iguaçu. A segunda grande onda migratória de chineses ao Brasil, desde meados dos anos 1990 para cá, ocorre em decorrência de momento inicial de reabertura política que reativa as migrações diretamente desde a China. É fruto das transformações estruturais econômicas, políticas e sociais daquele país na era Deng Xiaoping. Há uma diversificação das províncias de origem, não mais fortemente concentradas no sudeste do país. Muitos dos migrantes desta onda encontram no comércio a forma de sustento e as próprias migrações adquirem o sentido de busca por oportunidades econômicas. Se esta característica das diásporas parece se repetir onde quer que haja chineses no mundo atualmente, não poderia ser diferente em São Paulo, na esteira da presença chinesa mais antiga. Mas certo caráter aventureiro dessas migrações, e as dificuldades relativas de oportunidades comerciais nesta cidade levaram muitos chineses a migrarem novamente para diversos cantos do país. Atualmente, a crescente presença de chineses se faz sentir em quase todos os cantos, frequentemente acompanhada da atividade comercial. Estima-se haver cerca de 190 mil chineses no Brasil hoje em dia, a maior parte na cidade de São Paulo (VERAS, 2009, p. 183), mas com presenças significativas no Rio de Janeiro, Recife, Curitiba, Brasília e tantas outras cidades. A dispersão pelo país é um fenômeno novo e apressado, que parece acontecer cada dia mais. A configuração final da migração chinesa para o Brasil é emblemática das chamadas "novas migrações internacionais". Em um mundo altamente globalizado, há cada vez mais migrações entre países do sul global, movidas por certo espírito comercial e aventureiro. Isto faz do Brasil um país de emigrantes e também de imigrantes, oficialmente aberto ao multiculturalismo. A intermediação cultural entre Brasil e China é, em parte, operada por estes migrantes e descendentes, favorecendo as trocas comerciais entre atores importantes do cenário internacional contemporâneo. Uma história das migrações que contribui para o futuro das relações entre potências emergentes.

Referências bibliográficas

LEITE, José Roberto Teixeira. A China no Brasil: influências, marcas, ecos e sobrevivências chinesas na sociedade e na arte brasileiras. Campinas: Editora da Unicamp, 1999. MA MUNG, Emmanuel. La diáspora chinoise: géographie d’une migration. Paris: Ophrys, 2000. ______. La nouvelle géographie de la diáspora chinoise. Accueillir, n. 249-250, p. 33-35, 2009. PIZA, Douglas de Toledo. Um pouco da mundialização contada a partir da região da rua 25 de Março: migrantes chineses e comércio “informal”. Dissertação de mestrado, USP, São Paulo, 2012. SHU, Chang-sheng. Imigrantes e a imigração chinesa no Rio de Janeiro (1910-1990). Leituras da história, v. 17, ano II, p. 44-53, 2009. VERAS, Daniel. A imigração chinesa em São Paulo: importante ponto de contato entre Brasil e China. In: PAULINO, Luis; PIRES, Marcos (org.). Nós e a China. São Paulo: LCTE Editora, 2009.

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