Planejamento Composicional Baseado em Síntese FM Controlada por Estruturas Seriais

July 25, 2017 | Autor: Liduino Pitombeira | Categoria: Musical Composition, Computer Music, Spectral Music, Compositional systems
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XXII Congresso da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Música – João Pessoa – 2012

Planejamento Composicional Baseado em Síntese FM Controlada por Estruturas Seriais Raphael Sousa Santos Universidade Federal de Campina Grande – [email protected] Liduino José Pitombeira de Oliveira Universidade Federal de Campina Grande – [email protected] Resumo: Este artigo demonstra a utilização de um sistema composicional, que consiste na aplicação de estruturas seriais para a produção de uma progressão de espectros, os quais são gerados a partir de síntese por modulação de frequência (FM). Um aplicativo em C++ foi construído para automatizar os cálculos seriais e de síntese FM e os resultados foram utilizados no planejamento do Quarteto de Cordas Nº 1. Palavras-chave: Sistemas Composicionais. Música Serial. Música Espectral. Síntese FM.

Compositional Planning Based on FM Synthesis Controlled by Serials Structures Abstract: This article shows the use of a compositional system, which consists in applying serial structures for the production of a progression of spectra, which are generated by frequency modulation (FM) synthesis. An application in C++ was built to automate the serial and FM synthesis calculations and the results were used in the planning of the String Quartet No. 1. Keywords: Compositional Systems. Serial Music. Spectral Music. FM Synthesis

1. Introdução Este artigo visa definir e descrever um sistema composicional que se utiliza de conceitos extraídos da música serial para a geração de uma progressão de estruturas espectrais, baseadas em síntese por modulação de frequência. Após uma breve fundamentação teórica sobre pensamento sistêmico e música espectral, particularmente no que diz respeito à síntese por modulaçao de frequência, proporemos um sistema composicional, que será implementado com o auxílio de um aplicativo escrito em C++ e planejaremos uma obra para quarteto de cordas.

2. Fundamentação teórica

2.1. Pensamento sistêmico A Teoria Geral dos Sistemas, juntamente com a Cibernética e a Teoria da Complexidade, formam um corpo teórico denominado de Pensamento Sistêmico, que começou a se configurar inicialmente como uma alternativa ao Pensamento Mecanicista, dada a dificuldade deste último em explicar fenômenos biológicos e sociais.

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Uma definição de sistema nos é dada pelo formulador da Teoria Geral dos Sistemas, Ludwig von Bertalanffy (2008, p.84): “Um sistema é um complexo de elementos em interação”. Bertalanffy propõe uma hierarquia dos sistemas, situando a música, assim como as artes em geral, e a linguagem, em um nível hierárquico denominado Sistemas Simbólicos, nos quais os modelos se organizam a partir de algoritmos simbólicos ou, como denomina Bertalanffy, a partir de “regras do jogo” (idem, p.53). Os sistemas musicais consistem em “conjuntos bem definidos de operações realizadas em configurações musicais” (WINHAM, 1970, p.43). Neste trabalho, utilizamos a definição de Sistema Composicional, proposta por Lima (2011, p. 63): “um conjunto de diretrizes, formando um todo coerente, que coordenam a utilização e interconexão de parâmetros musicais, com o propósito de produzir obras musicais”. Essas diretrizes, são subsistemas que alteram os dados de entrada e se relacionam entre si a partir de operações pré-definidas pelo compositor, bem como a partir de decisões arbitrárias que alteram a operação do sistema. Na prática, os sistemas composicionais são estabelecidos a partir de uma série de definições.

2.2. Música Espectral A música espectral, termo cunhado pelo compositor francês Hugues Dufourt, surge no começo dos anos 70 com os compositores também franceses Gerard Grisey e Tristan Murail e torna-se uma das escolas composicionais mais importantes da música contemporânea (FINEBERG, 1999, p. 2). Dá grande ênfase ao timbre e, apesar da preocupação tímbrica não ser sem precedentes na música, a escola espectral vai além disto e toma a própria estrutura interna dos sons como base para a composição. Murail se referia à composição espectral como uma atitude em relação à música e à própria composição, ao invés de um conjunto de técnicas (FINEBERG, 1999, p.2). Ainda assim, podemos encontrar conceitos e técnicas básicas aplicados, de forma geral, na música espectral. Um dos mais básicos destes, ainda segundo Fineberg (1999, p.18), é a derivação de estruturas harmônicas e tímbricas de modelos espectrais. Estes modelos podem ser provenientes da análise de sons concretos, como em Partiels de Grisey, cuja composição envolveu a análise do som do Mi2 (considerando o dó central como Dó4) de um trombone (ROSE, 1996, p. 8), ou de sons sintetizados, como em Gondwana de Murail, cuja abertura inclui sonoridades baseadas em um espectro gerado por síntese através de modulação de frequência (FINEBERG, 1999, p. 72).

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Nesse trabalho nos aproximamos do modus operandi do que Fineberg (1999, p.15) denomina de Segunda Geração Espectral (Saariaho, Hurel e Dalbavie), também conhecida como Pós-espectralista (POUSSET, 2000, p.67), que são compositores que utilizaram o espectralismo como uma base para o desenvolvimento de sua própria linguagem. Assim, como é típico a esses compositores, o espectralismo será utilizado nesse trabalho concomitantemente a técnicas exteriores a música espectral e particularmente exploradas na música serial. Isto não representa, como ressalta Dufourt, nenhuma contradição (DUFOURT, 1979 apud POUSSET).

2.3. Síntese FM A aplicação da modulação de frequência como forma de síntese foi estudada e introduzida por John Chowning (1973), mas já era utilizada nas transmissões de rádio desde antes disso. Esta técnica (doravante denominada síntese FM) consiste basicamente em variar a frequência instantânea de uma dada onda de acordo com uma segunda onda, quando ambas se encontram na faixa de frequências audíveis (CHOWNING, 1973, p. 527). Em uma síntese FM básica podemos distinguir duas ondas: a portadora e a moduladora. A taxa com que a portadora varia é a própria frequência da moduladora e o desvio em torno da frequência da portadora é proporcional à amplitude da moduladora. Desta forma, os parâmetros para uma aplicação básica desta técnica seriam: a frequência da portadora (fc), a amplitude da portadora (amp), a frequência da moduladora (fm) e a amplitude da moduladora (d). Esta última, a amplitude, caracterizaria o desvio máximo aplicado à frequência da portadora (ibid., p. 527). O espectro gerado pela síntese FM é caracterizado por pares de bandas laterais formados em torno da frequência da portadora espaçados de acordo com a frequência moduladora. Costuma-se relacionar a amplitude da moduladora a sua frequência em um parâmetro denominado índice de modulação (I), definido como (I = d/fm). Quando I é igual à zero, não há modulação. Conforme I torna-se maior que zero, mais bandas laterais são adicionadas ao espectro (ibid., p. 527). Desta forma, o índice de modulação controla o número de pares de parciais no espectro resultante. Isto tem consequência imediata sobre o brilho do som. A proporção da amplitude destes componentes é calculada através da função de Bessel de primeiro tipo e enésima ordem (ibid., p. 527). Resultados negativos no cálculo da frequência ou da proporção da amplitude indicam apenas inversão de fase. Outro aspecto importante a ser considerado na síntese FM é a harmonicidade, definida como a razão entre a

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frequência portadora e a moduladora. Se essa razão resulta em números inteiros, temos um espectro harmônico e, se, por outro lado, o resultado se aproxima de valores irracionais o espectro tende à inarmonia (ibid., p. 528).

3. Definição do Sistema Composicional

O sistema aqui proposto pode ser visto como um sistema direcional, isto é, um sistema que em função de certos parâmetros gera alguma saída. A saída, no caso, consiste em uma progressão de estruturas harmônicas, as quais são derivadas de espectros gerados por síntese FM e associadas cada uma a uma duração relativa. Essa progressão será usada como repositório para a composição de obras instrumentais. O sistema pode ser subdividido em quatro subsistemas com funções bem definidas. O primeiro subsistema tem a função de gerar uma matriz dodecafônica a partir da entrada inicial do sistema, que é uma série de doze notas. O segundo subsistema formata seis séries escolhidas pelo compositor da matriz gerada pelo subsistema anterior, utilizando-se de dois novos parâmetros (oitava da portadora e divisor de harmonicidade). Essas séries serão associadas à altura, índice e harmonicidade. O procedimento inicial desse subsistema é o de gerar a partir da série de alturas e da oitava fornecidas uma série de doze frequências a serem utilizadas como frequências portadoras e a partir da série para a harmonicidade e do divisor fornecidos, uma série de valores a serem utilizados como harmonicidade no cálculo das estruturas resultantes. A série de índices já possui valores apropriados e é utilizada assim como fornecida, ou seja, sem nenhuma alteração. Nas três séries de durações, a todos os valores se acrescenta o valor um, fazendo com que eles tomem a extensão de um a doze. O resultado desse subsistema são três pares de séries: uma de índice, uma de harmonicidade e uma de frequência, cada uma com sua respectiva série de duração. O terceiro subsistema organiza temporalmente as saídas do subsistema anterior. O quarto subsistema consiste num calculador de espectros baseados em FM. Esse calculador aproxima os valores de frequência para semitons ou quartos de tom e admite um novo parâmetro que controla a tessitura, eliminando, portanto, as alturas fora da extensão instrumental. As séries de duração controlam o intervalo de tempo entre a entrada de novos valores de seus respectivos parâmetros. Por exemplo, o valor quatro na série de durações para a harmonicidade indica que o valor atual será utilizado por quatro unidades de tempo até ser utilizado o valor seguinte na série de harmonicidade e o valor seguinte na série de durações para a harmonicidade dirá a duração deste novo valor, e assim sucessivamente até os doze

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valores serem utilizados. O terceiro subsistema é o responsável por percorrer todas as séries de durações simultaneamente e gerar uma lista dos pontos em que haverá mudanças de parâmetros e determinar quais serão estes parâmetros. Os pares de séries funcionam como geradores de contornos (em um sentido generalizado). Quando a única variação de uma entidade harmônica para outra é na frequência portadora, há apenas uma transposição entre elas. Quando a única variação é na harmonicidade, mantém-se o eixo de simetria e a mesma quantidade de alturas, mas o intervalo entre elas diminui ou aumenta, alterando o nível de consonância ou dissonância da estrutura. Quando a única variação é no índice, o que ocorre é apenas um aumento ou diminuição no número de componentes, mas o eixo de simetria e o espaçamento entre eles se mantém. Podem ocorrer, é claro, situações em que mais de um parâmetro sofra alteração simultaneamente. Neste caso, os efeitos citados anteriormente são combinados.

4. Implementação

A interface da implementação do sistema é apresentada na Figura 1. Nela se encontram o campo para entrada da série original, o campo onde a matriz dodecafônica decorrente desta série é automaticamente apresentada e os campos para a entrada dos parâmetros do sistema, listados na seção anterior. O aplicativo é capaz de gerar arquivos do Lilypond, contendo as simultaneidades geradas e suas respectivas durações, e arquivos do Csound para facilitar a experimentação. Além disso, oferece as opções de aproximar as frequências calculadas para quartos de tom, ao invés de semitons, e de limitar a extensão das simultaneidades geradas, isto é, eliminar tudo que seja mais grave ou mais agudo do que o indicado.

Figura 1. Interface do aplicativo

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A Figura 2 mostra um trecho gerado pelo sistema através do Lilypond, onde se observam as simultaneidades e suas durações relativas. Cores são utilizadas para indicar as intensidades específicas de cada componente (uma legenda é inserida no final do arquivo). As sonoridades contidas entre duas barras de compassos são simultâneas e foram espalhadas apenas para facilitar a visualização.

Figura 2. Trecho gerado pelo sistema

5. Planejamento Composicional Este sistema foi utilizado na composição de um quarteto de cordas (2 violinos, viola e violoncelo).

5.1. Harmonia O aspecto mais claramente problemático ao se deparar com o resultado do sistema no planejamento composicional é a grande quantidade de alturas que podem vir a surgir em algumas das simultaneidades. Além disso, dado o fato do sistema as produzir já associadas a durações relativas, sonoridades densas demais podem aparecer em seções curtas (terceira sonoridade da Figura 2), enquanto sonoridades mais amenas podem aparecer em seções longas, o que pode vir a gerar alguns problemas composicionais a serem enfrentados. Uma escolha cuidadosa na entrada dos parâmetros do sistema é capaz de amenizar estas situações (ou mantê-las e até exagerá-las, caso seja esta a intenção). Passado deste ponto, foram utilizadas técnicas espectrais para a movimentação e conexão destas estruturas. Para a conexão utilizou-se notavelmente o conceito de interpolação, isto é, a geração de estruturas intermediárias através da amostragem de um processo contínuo de movimento da primeira à segunda estruturas iniciais, seja por gradual

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substituição de alturas ou por alguma forma de movimento contínuo propriamente dito (FINEBERG, 1999, p. 51-52). Para gerar movimentação foram utilizadas, basicamente, quatro tipos de técnicas sugeridas por Murail: o uso de regiões e subconjuntos de um espectro, a intensificação de certos parciais, o uso do espectro para a geração de movimentos de caráter melódico e o uso da distorção com intuito de gerar mais inarmonia (MURAIL, 1984, p.162). Utilizamos predominantemente a primeira (subconjuntos espectrais) a partir da identificação de subconjuntos, dentro de uma estrutura original gerada pelo sistema, que sugerissem alguma série harmônica. Esse subconjunto é usado inicialmente de forma isolada e gradualmente se adicionam o restante das alturas da estrutura original.

5.2. Seções A unidade de duração das seções foi fixada em 10 segundos. Assim, por exemplo, uma seção de duração relativa 1 duraria apenas 10 segundos, enquanto uma de duração relativa 5 duraria 50 segundos. A escolha da indicação desta unidade em segundos, ao invés de compassos ou pulsos, por exemplo, é feita para manter a possibilidade de fazer alterações de andamento e/ou fórmulas de compasso e ainda manter a divisão seccional coerente. Como as diferenças entre as simultaneidades adjacentes fornecidas pelo sistema não é constante, a transição entre as seções tende a emergir na composição onde as sonoridades adjacentes são mais diferenciadas (primeiro e segunda sonoridades da Figura 2) e tende a passar mais despercebida quando estas diferem pouco. Esta tendência pode ser enfatizada ou mascarada através de variações na textura, por exemplo. Além disto, processos de interpolação, ou mesmo as técnicas para gerar movimentação dentro de uma mesma seção, acabam por dificultar o aparecimento claro destes pontos de transição entre duas sonoridades. Isto acaba por empurrar o material gerado pelo sistema a um plano ainda mais de fundo. Desta forma, o produto final do sistema não foi tomado como restrição ao planejamento harmônicoformal, mas sim como base sobre a qual este planejamento viria a ser construído. Na composição do quarteto de cordas, a saída do sistema foi agrupada, baseandose em um modelo da evolução de um som, em três grandes macrosseções, representando, respectivamente, o ataque, a porção estável e o decaimento de um som, que diferem primariamente em textura. A primeira seção é caracterizada pelo uso do ruído. Os espectros são apresentados em meio a técnicas estendidas para a produção deste ruído e as simultaneidades aparecem diluídas em nuvens de sons percussivos. A segunda seção é caracterizada pelo uso das sonoridades tradicionais dos instrumentos e tem seu

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desenvolvimento baseado em manipulações harmônicas. A terceira e última seção é caracterizada por uma gradual progressão em direção ao silêncio e pela execução de harmônicos. Os gestos iniciais do quarteto de cordas são mostrados na Figura 3.

Figura 3. Gestos iniciais do Quarteto de Cordas Nº 1

6. Referências

BERTALANFFY, Ludwig von. Teoria Geral dos Sistemas. Tradução: Francisco M. Guimarães. Petrópolis: Vozes, 2008. CHOWNING, John. The Synthesis of Complex Audio Spectra by Means of Frequency Modulation. Journal of Audio Engineering Society, Vol. 21, Nº 7, p.526-534, (1973). FINEBERG, Joshua. Sculpting Sound: an Introduction to the Spectral Movement – its ideas, techniques and music. Columbia, 1999. 85f. Tese (Doutorado em Música). Columbia University. LIMA, Flávio. Desenvolvimento de Sistemas Composicionais a partir da Intertextualidade. João Pessoa, 2011. 240f. Dissertação (Mestrado em Música), Universidade Federal da Paraíba. MURAIL, Tristan. Spectra and Pixies. Contemporary Music Review. Vol. 1, Nº 4 p.157-170, 1984. POUSSET, Damien. The Works of Kaija Saariaho, Philippe Hurel and MarcAndré Dalbavie – Stile Concertato, Stile Concitato, Stile Rappresentativo. Contemporary Music Review, Vol. 19, Part 3, p. 67-100, 2000. ROSE, François. Introduction to the Pitch Organization of French Spectral Music. Perspectives of New Music. Vol. 34, Nº 2, p.6-39, 1996 VASCONCELLOS, Maria José Esteves de. Pensamento Sistêmico. Campinas, SP: Papirus, 2002. WINHAM, Godfrey. Composition with Arrays. Perspectives of New Music, Vol. 9, No. 1, p. 43-67, Autumn - Winter, 1970.

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