Planejamento Tributário Internacional com Subcapitalização: o conceito de renda e as regras brasileiras de subcapitalização

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Planejamento Tributário Internacional com Subcapitalização: O conceito de renda e as regras brasileiras de Subcapitalização International Tax Planning with Thin Capitalization: The concept of income and the Brazilian Thin Capitalization Rules Marcio Pedrosa Junior1

RESUMO: Este artigo tem por objetivo a investigação da compatibilidade das regras brasileiras de subcapitalização, introduzidas pela Lei Federal nº 12.249/2010, com o conceito constitucional de renda. Primeiramente, buscou-se descrever a subcapitalização enquanto método de planejamento tributário, no contexto da definição da estrutura de capital dos grupos transnacionais e da guerra fiscal internacional. A seguir, buscou-se apresentar a finalidade e as modalidades mais recorrentes de controle fiscal da subcapitalização, passando-se então à exposição das linhas gerais da disciplina jurídica da matéria no Brasil. Por derradeiro, passou-se à análise crítica das regras adotadas no país, propondo-se, ao final, sua inconstitucionalidade, forte na impossibilidade da utilização de presunções absolutas ou ficções para restringir a dedutibilidade de despesas financeiras na apuração do lucro real e da base de cálculo da CSLL.

PALAVRAS-CHAVE: Subcapitalização, Planejamento Tributário Internacional, Guerra Fiscal Internacional, Presunções, Conceito de Renda. ___________________________________________________________________________ ABSTRACT: This paper attempts to investigate the compatibility of Brazilian Thin Capitalization Rules in Federal Law no. 12.249/2010 with the concept of income enshrined in the Brazilian Constitution. First, we briefly described thin capitalization as an instrument of international tax planning, in the context of the financial structures of MNEs and international tax competition. Second, we presented the reasons why fiscal administrations introduce Thin Capitalization rules and the general design thereof. Finally, we described the general features of Brazilian Thin Cap rules. It follows that such rules are unconstitutional, for automatically restricting tax deductibility of foreign internal debt above a certain threshold, without conceding any leeway for companies to demonstrate the necessity of different debt financing levels.

KEYWORDS: Thin Capitalization, Tax Planning, Harmful Tax Competition, Income Tax. Advogado no escritório Sacha Calmon – Misabel Derzi Consultores e Advogados. Graduado em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. 1

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SUMÁRIO

1.

INTRÓITO .......................................................................................................................... 2

2.

BEPS, guerra fiscal internacional e o controle fiscal do planejamento tributário

internacional com subcapitalização. ........................................................................................... 4 3.

As formas típicas de controle fiscal da subcapitalização .................................................... 6

4.

As regras adotadas no Brasil para controle fiscal da subcapitalização. .............................. 8

5.

ANÁLISE TÓPICA: o conceito constitucional de renda e a previsão de restrições à

dedutibilidade fiscal de juros por meio de presunções absolutas. ............................................ 10 5.1.

A necessidade lógica jurídica de um conceito constitucional de renda. .................... 11

5.2.

Os fatos decréscimos do patrimônio que necessariamente informam o conceito de

renda, limitando o campo de liberdade do legislador infraconstitucional. ........................... 11 5.3.

A inconstitucionalidade material das presunções absolutas e ficções impeditivas da

dedutibilidade fiscal de despesas que informam o conceito de renda: as regras brasileiras de subcapitalização. ................................................................................................................... 13 6.

CONCLUSÕES. ................................................................................................................ 17

___________________________________________________________________________

1.

INTRÓITO

O financiamento de uma sociedade, necessário à sua constituição e manutenção, tem origem, grosso modo, em duas fontes primárias de recursos: o capital próprio (equity capital) e o capital de terceiros (debt capital). Como capital próprio, classificam-se os acréscimos patrimoniais com origem em (i) entradas de sócios ou acionistas, a título de integralização de capital (capital inicial ou aumento de capital) e (ii) reservas e lucros acumulados e passíveis de reinvestimento, decorrentes do resultado positivo da aplicação do capital investido. O capital de terceiros ou de crédito, por sua vez, compreende os empréstimos obtidos junto a terceiros independentes no mercado aberto (external debt) ou junto aos próprios sócios (internal debt). O capital próprio, em regra, é remunerado pela distribuição de lucros e dividendos; o capital de terceiros, pelo pagamento de juros. A estrutura de capital de uma sociedade é composta, em geral, por uma combinação entre capital próprio e capital de terceiros. A definição desta estrutura depende da consideração uma série de fatores, dentre eles, marcadamente, o efeito da tributação sobre a taxa de retorno

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dos investimentos. Nessa medida, a opção pela estratégia de financiamento com dívida, em alternativa ao aporte de capital próprio, pode revelar-se especialmente vantajosa, dado o distinto tratamento tributário ordinariamente dispensado a juros e dividendos. Como é de regra, os dividendos são distribuídos com base nos lucros auferidos pela sociedade, após terem sido submetidos ao regime ordinário de tributação sobre a renda, e sem qualquer possibilidade de dedução. Lado outro, os juros pagos pelas pessoas jurídicas constituem despesas financeiras operacionais, e, como tal, são dedutíveis das receitas da fonte pagadora na apuração de seu resultado tributável. A dedutibilidade fiscal dos juros favorece, assim, a adoção da estratégia de financiamento com dívida, como forma de otimização da conduta pela redução dos tributos incidentes sobre a renda corporativa (debt tax shield2). A subcapitalização, enquanto fenômeno, pode ser descrita como uma situação de excessiva desproporção entre o capital próprio e o capital de terceiros na estrutura de financiamento de uma sociedade, com uma alta proporção do primeiro em relação ao segundo (IBFD, 2005, p. 415; OCDE, 2012, p. 3). No Direito Tributário Internacional,3 a subcapitalização é estudada no contexto do planejamento tributário dos grupos transacionais, pelo financiamento com dívida de partes vinculadas no exterior (internal foreign debt), como forma de transferência internacional de riqueza tributável para jurisdições de menor pressão fiscal. No presente artigo, buscou-se, primeiramente, descrever a subcapitalização enquanto técnica de planejamento tributário internacional dos agentes privados, com a apresentação de suas motivações e consequências econômicas. Nesse sendeiro, buscou-se justificar a crescente preocupação das administrações fiscais com o fenômeno, no contexto da competição fiscal internacional. A seguir, buscou-se ventilar, pelos tipos metodológicos jurídico-exploratório e jurídico-comparativo, as diferentes formas de controle fiscal da subcapitalização adotadas pelas administrações fiscais no cenário internacional. Por derradeiro, pelo tipo metodológico jurídico-propositivo, passou-se à investigação crítica das regras brasileiras de subcapitalização, adotando-se como resultado a sua inconstitucionalidade, em razão da impossibilidade

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A expressão é utilizada na doutrina para designar a economia de impostos gerada pela dedutibilidade dos juros na base imponível dos tributos sobre a renda corporativa. A expressão genérica comporta especializações: ‘external debt tax shield’ refere-se à economia gerada pelos empréstimos contratados com terceiros independentes no mercado aberto; já ‘internal debt tax shield’ representa a economia gerada devido a empréstimos com partes vinculadas por participação societária – controle interno (RUF e SCHINDLER, 2012, p. 2). 3 Enquanto objeto do Direito de Empresa, a subcapitalização é material e implica em insuficiência, originária ou superveniente, do capital próprio, para o desenvolvimento do objeto social, com riscos à garantia geral dos credores no patrimônio líquido da sociedade. A subcapitalização, no que interessa ao Direito Tributário, é nominal. A sociedade não necessariamente deixa de possuir fundos para o desenvolvimento de suas atividades, apenas os obtém por meio do aumento de seu passivo exigível (DOMINGUES, 1998, p. 160).

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jurídica da previsão de ficções e presunções absolutas restritivas da dedutibilidade fiscal de despesas financeiras que necessariamente compõem o conceito de renda.

2.

BEPS, guerra fiscal internacional e o controle fiscal do planejamento tributário

internacional com subcapitalização. Diante da integração dos mercados e da fluidez do capital mundializado na “modernidade líquida”4, há uma preocupação corrente com os fluxos internacionais de riqueza tributável, orquestrados pelos agentes econômicos para se valer das diferenças entre os regimes tributários potencialmente aplicáveis aos fatos e situações internacionais. De um lado, as empresas multinacionais e os grupos transnacionais buscam estratégias cada vez mais sofisticadas para escapar à tributação; de outro, os governos nacionais competem entre si, pela adoção de políticas fiscais indutoras de planejamentos tributários como forma de atração de investimentos (OCDE, 2013, p. 13). Os grupos transnacionais geralmente dispõem de condições para organizar seus negócios de forma a promover uma distribuição eficiente de receitas e despesas, como forma de redução ou eliminação da tributação sobre as categorias redituais. Nesse contexto, a subcapitalização, enquanto expediente de planejamento tributário internacional, é utilizada pelos grupos transnacionais como forma de se aproveitar das variações entre os níveis de tributação nas diferentes jurisdições fiscais, por meio da separação entre o local da fonte de produção das categorias redituais e o local de efetiva tributação da renda. Em linhas gerais, o mecanismo opera por meio da dedução dos juros na apuração da base tributável no País da fonte, com a sua transferência para pessoa vinculada em País com menor pressão fiscal, de forma que a economia gerada no primeiro exceda o aumento do passivo no segundo.5 O benefício do grupo (internal debt tax shield) equivale ao valor do empréstimo multiplicado pelas diferenças entre as alíquotas aplicadas nas jurisdições fiscais envolvidas (incluindo eventual retenção na fonte). Esse tipo de planejamento tributário costuma ser objeto de preocupação das autoridades fiscais e tem ocupado um espaço relevante no debate público travado em organizações internacionais. A transferência internacional de riqueza tributável (profit shifting) importa em

Segundo BATISTA JÚNIOR (2011, p. 333), citando Zigmund Bauman, na “modernidade líquida”, “o capital, livre de maquinário pesado e volumoso, viaja e busca locais onde o pacto lhe seja mais favorável e lucrativo”. 5 Evidência empírica dessa forma de planejamento pode ser encontrada, inter alia, em DESAI, FOLEY e HYNES (2004) e MINTZ (2010). Os estudos demonstram que, em regra, os grupos transnacionais aumentam os níveis de financiamento com débito em jurisdições com maiores alíquotas nominais, concentrando o capital próprio em entidades sujeitas a menores pressões fiscais. 4

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erosão da base tributável (base erosion) no país da fonte, podendo, além de fragilizar a capacidade prestacional do Estado de base financeira calcada em receitas derivadas, provocar alterações nos sistemas de tributação, pelo deslocamento de parte da carga tributária de fatores móveis para fatores imóveis e da renda para o consumo, com prejuízo à realização da justiça distributiva pela progressividade da tributação (OCDE, 1998, p. 14). Uma outra consequência ligada a esse tipo de planejamento tributário, vinculada à necessidade da afirmação do critério do benefício enquanto princípio regente da tributação internacional (AVI-YONAH, 2007, p. 134), é a existência dos chamados free riders: os contribuintes que se beneficiam dos gastos públicos no País da fonte, sem todavia contribuírem para o seu financiamento; os governos e os residentes nos países de baixa pressão fiscal, que se beneficiam diretamente das riquezas produzidas no país da fonte (OCDE, 1998, pp. 14-15). Nesse mesmo passo, pode-se ainda mencionar a perda de competitividade de empresas menores, que atuam exclusivamente no mercado nacional, sem a disponibilidade de estratégias elisivas internacionais, e que, nas economias modernas, respondem pela maior parte dos empregos gerados (SMITH-NILSEN, 2014, p. 7). Em geral, a adoção de regras de controle fiscal da subcapitalização reduz a proporção do capital de terceiros relativamente ao capital próprio na estrutura de capital da sociedade na fonte (BLOUIN et al, 2014, p. 13). Como, de ordinário, os dividendos não são dedutíveis da base de cálculo dos tributos sobre a renda, há como consequência uma diminuição na taxa de retorno dos investimentos (SCHINDLER e SCHJELDERUP, 2012). Em razão da alta mobilidade do capital, o aumento dos custos efetivos dos investimentos pode resultar em diminuição da atividade econômica e, a depender da elasticidade da receita tributável, até mesmo em redução da arrecadação. Como observa WEBBER (2010, p. 688), se por um lado é claro que os agentes privados buscam alíquotas efetivas mais baixas, por outro, não se pode afirmar inequivocamente qual é a melhor política, sob a perspectiva das administrações fiscais. A adoção de alíquotas efetivas mais baixas pode resultar em diminuição da arrecadação, em um primeiro momento; contudo, pode também atrair investimentos, criar empregos e incrementar a competitividade do mercado. Ao contrário, a adoção de maiores alíquotas efetivas, sobre implicar em um aumento imediato da arrecadação, pode desencorajar o investimento. Com efeito, a definição da política fiscal mais adequada enfrenta um trade off entre as diversas nuances envolvidas, em face da realidade econômica de cada país, não se podendo afirmar, sem controvérsia, que a imposição de regras de controle do planejamento com subcapitalização seja recomendável para aumentar os níveis gerais de bem estar de um país (BÜTTNER et al., 2012, p. 2).

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Nessa esteira, o controle fiscal da subcapitalização não refoge ao escopo das discussões acerca da guerra fiscal internacional (harmful tax competition). De um lado, a falta da adoção de regras de controle da atitude elisiva de pagamento de juros a partes vinculadas no exterior ou, ainda, a adoção de regras mais flexíveis e lenientes, pode ser incluída dentro de uma política de atração de investimentos, com a redução da alíquota efetiva sobre os capitais móveis (RUF e SCHINDLER, 2012, p. 8). Com isso, pode intensificar o papel da tributação como um fator de desequilíbrio no direcionamento dos fluxos de investimentos internacionais. Lado outro, a adoção de regras de subcapitalização eficientes pode reduzir a janela de oportunidade dos agentes privados, evitando o deslocamento de riquezas tributáveis para paraísos fiscais e jurisdições beneficiadas por regimes fiscais privilegiados. O planejamento tributário internacional com subcapitalização, na esteira dos debates internacionais acerca das formas de base erosion and profit shifting (BEPS)6 e da concorrência fiscal internacional, insere-se numa classe de problemas de natureza global, altamente prejudicial à justiça e à integridade dos sistemas de tributação nacionais, que não parece encontrar solução definitiva na via unilateral (ou mesmo bilateral). As medidas unilaterais, sobre representarem visões sempre parciais da realidade, acabam por perpetuar o “jogo de quem dá mais” da guerra fiscal internacional (guerra, enquanto ausência de consenso), que compromete a capacidade prestacional dos Estados Distribuidores Solidários (cf. BATISTA JÚNIOR, 2011) e distorce os fluxos de investimento e o comércio internacional.

3.

As formas típicas de controle fiscal da subcapitalização

Em geral, a introdução de regras de controle fiscal da subcapitalização visa evitar o endividamento excessivo de pessoas jurídicas residentes como forma de transferência internacional de riqueza tributável para países de menor pressão fiscal (OCDE, 2012, p. 7). A princípio, pode-se distinguir dois modelos básicos de controle: (1) o controle realizado a partir de cláusulas gerais antielisivas (e.g., arm’s lenght; business purpose; substance over form doctrine), e (2) o controle realizado a partir de cláusulas específicas antielisivas, pela introdução de limites quantitativos à dedutibilidade de juros remuneratórios do capital de terceiros

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Em julho de 2013, a pedido dos ministros das finanças dos países componentes do G20, a OCDE publicou um plano de ação sobre o problema da base erosion and profit shifting (BEPS Action Plan), fornecendo uma agenda aos países para o combate das estratégias de planejamento tributário internacional voltadas à transferência de riqueza tributável para jurisdições fiscais de menor pressão fiscal. O plano de ação identificou 15 (quinze) áreas de preocupação, ressaltando, entre elas, a erosão das bases tributáveis por meio da dedutibilidade fiscal de juros e outras despesas financeiras remetidos para o exterior (action 4).

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(SILVA, 2012, p. 115-124). Em alguns Países, e.g., a Argentina, a Itália, a Bélgica e a França, os juros excessivos, além de serem indedutíveis da base de cálculo dos tributos sobre a renda corporativa, são requalificados como dividendos (BLOUIN, 2014, Table 1). Em jurisdições fiscais com cláusulas gerais fundadas na livre concorrência (arm’s lenght), e.g., o Reino Unido (PLITZ, p. 103), impede-se a dedutibilidade de juros pagos a partes vinculadas quando os níveis de endividamento da sociedade residente assumem patamares incompatíveis com aqueles que estariam acessíveis à fonte pagadora em condições normais no mercado aberto. Sob essa abordagem, a quantidade máxima permitida de capital-empréstimo, para fins de dedutibilidade fiscal dos juros respectivos, seria aquela em que um terceiro independente estaria disposto (‘would have’ approach) a conceder à sociedade mutuária. A vantagem desse tipo de abordagem consiste em que ela busca avaliar os níveis de endividamento acessíveis a partir de uma análise específica dos fatos e das características pessoais da sociedade, possibilitando a fixação de limites mais realistas à dedutibilidade de juros, em sintonia com o propósito de igualar as condições de competitividade entre as entidades pertencentes a grupos transnacionais e as empresas que operam exclusivamente em território nacional. A desvantagem, por outro lado, reside nos custos de sua aplicação: as autoridades fiscais precisam compreender os processos pelos quais o mercado determina as quantidades máximas de empréstimos acessíveis a uma determinada sociedade, bem como saber avaliar as características relevantes da entidade mutuária e do seu grupo econômico. Inevitavelmente, haverá margem para a apreciação subjetiva do aplicador (OCDE, 2012, p. 9). Noutra vertente, a maioria dos países adotam regras antielisivas específicas para o controle fiscal da subcapitalização. De um modo geral, tais regras funcionam mediante a previsão de uma cifra de retenção, representativa de uma de relação numérica entre endividamento com partes vinculadas no exterior e capital (debt to equity ratio), a qual, uma vez ultrapassada, impõe a indedutibilidade dos juros excessivos e, eventualmente, sua requalificação como dividendos. As vantagens desse método residem nas maiores certeza e previsibilidade que produz, bem como na maior eficiência,7 pelo menor custo para os contribuintes (compliance) e administrações fiscais (enforcement). A desvantagem consiste em um relativo afastamento da capacidade contributiva concreta enquanto critério de repartição dos encargos tributários, visto que a instituição de uma cifra de retenção, por meio de presunções ou ficções, nem sempre é capaz 7

Em pesquisa publicada pelo Fundo Monetário Internacional em janeiro de 2014, a partir de dados coletados de 1982 a 2004 em 54 países, concluiu-se que a efetividade das regras de subcapitalização (em termos de redução da proporção da dívida na estrutura de capital das entidades residentes) é maior nos países que adotam critérios automáticos de restrição à dedutibilidade fiscal dos juros do que naqueles em que adotam critérios de aplicação discricionária (BLOUIN et al., 2014).

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de refletir as vicissitudes econômicas de cada caso individual. Em alguns países, como os Estados Unidos e Portugal, defere-se à sociedade subcapitalizada a oportunidade de demonstrar a necessidade das despesas com juros, como forma de evitar a incidência das regras de subcapitalização, ainda que ultrapassados os coeficientes de endividamento. Até 2004, a maioria dos Países na Europa adotavam regras específicas de subcapitalização, impondo condicionamentos apenas aos empréstimos contraídos com partes vinculadas não-residentes (inbound investors). Em dezembro de 2002, contudo, a Corte Europeia de Justiça (ECJ) decidiu, no julgamento do caso Lankhort-Hohorst (C-324/00), que as regras alemãs de thin cap violariam os princípios da liberdade de estabelecimento e da não discriminação positivados no Tratado da União Europeia, por não se aplicar também aos empréstimos contraídos com partes vinculadas residentes. A decisão forçou praticamente todos os Países europeus a reformar suas regras de subcapitalização. A Alemanha, por exemplo, a partir de 2004 passou a aplicar o regramento também para investidores residentes.8 O Reino Unido, cujas regras de thin cap foram também desafiadas perante a ECJ no caso Test Caimants in the Thin Cap Group Litigation (2007 WTD 50-9), decidiu, em 2004, por abandonar suas regras específicas em favor da aplicação de uma cláusula geral baseada na liberdade de concorrência (arm’s lenght).

4.

As regras adotadas no Brasil para controle fiscal da subcapitalização.

Anteriormente à introdução de regras antielisivas específicas, o controle fiscal da subcapitalização no Brasil se deu de forma indireta, por meio da adoção de medidas que visaram incentivar a estratégia de investimentos na forma de capital próprio. Em 1995, a União editou a Lei nº 9.249, que concedeu isenção do IRRF sobre lucros e dividendos distribuídos, bem como autorizou o pagamento de juros sobre o capital próprio (JCP),9 dedutíveis na apuração do lucro real e da base de cálculo da CSLL. As medidas visaram, inter alia, aumentar a taxa de retorno do investimento com capital próprio, dando-lhe maior atratividade na definição da estrutura de capital das empresas. 8

Em 2008, a Alemanha implementou nova reforma em sua legislação tributária, para impor condicionamentos também à dedutibilidade fiscal dos juros de empréstimos contratados com terceiros independentes (external debt), assemelhando-se assim ao regramento de earning’s stripping adotado nos Estados Unidos (RUF e SCHINDLER, 2012, p. 12). 9 Não obstante o nomen “juros”, os JCP representam, ao lado dos dividendos, uma das formas de remuneração do capital próprio. Os JCP são pagos como remuneração da contribuição para formação do capital social, em decorrência da titularidade de cotas ou ações representativas do patrimônio da sociedade. Os JCP são calculados sobre o patrimônio líquido, que é conta do passivo não exigível da pessoa jurídica, e não sobre uma conta do passivo exigível, seja ele circulante ou a longo prazo, como sucederia se tivesse a natureza de juro. Na lição de XAVIER (2005, p. 585-586), o LCP “outra coisa não é que um resultado distribuível da companhia sujeito a regime fiscal especial”.

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Em 11 de junho de 2010, foi publicada a Lei nº 12.249/2010, resultante da conversão em lei da Medida Provisória nº 472/09, trazendo a lume regras antielisivas específicas para o controle fiscal da subcapitalização (arts. 24 a 26). As regras adotadas ofereceram rígidos condicionamentos à dedutibilidade das despesas com juros remetidos ao exterior que, antes, precisavam atender apenas (i) à regra geral de caracterização como despesa usual e necessária à manutenção da fonte (art. 47 da Lei 4.506/64),10 e, (ii) à regra de preços de transferência aplicável aos contratos de empréstimo entre partes vinculadas não registrados no Banco Central (art. 22 da Lei 9.430/96). O legislador ordinário estabeleceu coeficientes máximos de endividamento (fixed debt to equity ratio), para restringir a dedutibilidade fiscal de juros pagos ou creditados por fontes situadas no Brasil a (i) pessoas vinculadas, residentes ou domiciliadas no exterior, não constituídas em país ou dependência com tributação favorecida (paraísos fiscais) ou sob regime fiscal privilegiado (art. 24), e, (ii) a pessoas residentes, domiciliadas ou constituídas no exterior, em paraísos fiscais ou sob regime fiscal privilegiado (art. 25). Superados os coeficientes de endividamento, os juros correspondentes ás dívidas “em excesso” são qualificados como despesas não necessárias (por presunção jure et de jure) e, logo, indedutíveis na apuração do lucro real e da base de cálculo da CSLL. A vantagem fiscal alvejada pelo regramento legal decorre da dedutibilidade dos juros remuneratórios do capital de terceiros da base de cálculo do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (alíquota de 15% mais adicional de 10%) e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (alíquota de 9%), que resulta em uma economia tributária da ordem de 43% sobre o lucro. Conforme consta da exposição de motivos da Medida Provisória nº 472/2009, mesmo considerando que as remessas para pagamento de juros sejam tributadas pelo Imposto de Renda Retido na Fonte à alíquota de 15%, restaria uma economia tributária de 19%.11

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Há precedente administrativo da 1ª Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF, atual Conselho Administrativo de Recursos Fiscais – CARF), anterior à introdução de regras específicas de controle fiscal da subcapitalização, em que foi discutida a dedutibilidade de despesas com juros relativas a empréstimo contratado com empresa controladora detentora de 99,99% do capital social da fonte brasileira (Caso Colgate). A CSRF negou a dedutibilidade dos juros, ao argumento de que tais despesas não se enquadrariam nos critérios gerais de dedutibilidade previstos no art. 299 do Regulamento do Imposto de Renda (RIR/99), vez que não seriam necessárias à manutenção da fonte produtora. 11 Nas liquidações de operações de câmbio para ingresso de recursos no país, referente a empréstimo externo com prazo médio mínimo de até 720 dias, é devido IOF/câmbio à alíquota de 6%. Dessa forma, tirantes os empréstimos de longo prazo, a estratégia de financiamento deverá impor também um custo de 6% do empréstimo a título de IOF/câmbio.

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Caso a pessoa vinculada12 no exterior tenha participação societária na fonte situada no Brasil, o valor do endividamento com a pessoa vinculada no exterior, verificado por ocasião da apropriação dos juros, não poderá ser superior a duas vezes o valor de sua participação no patrimônio líquido da pessoa jurídica brasileira (ratio de 2:1). Por outro lado, caso se trate de pessoa vinculada sem participação na entidade residente, o endividamento não poderá exceder, por ocasião da apropriação dos juros, duas vezes o valor do patrimônio líquido da empresa brasileira (ratio de 2:1). Além de tais limites individuais de endividamento, há também um limite global a ser observado, em ambas situações, em razão do qual o valor do somatório dos endividamentos com pessoas vinculadas no exterior, verificado por ocasião da apropriação dos juros, não poderá ser superior ao valor do somatório das participações de todas as pessoas vinculadas no patrimônio líquido da pessoa jurídica residente no Brasil. Conforme nota SANTOS (2011, p. 121), a partir da comparação das hipóteses legais, seria mais vantajoso, para fins de economia fiscal, contrair empréstimos com pessoa vinculada que não tenha participação na pessoa jurídica brasileira. Como visto, na hipótese, o valor do endividamento será limitado a duas vezes o valor do patrimônio líquido da empresa no Brasil, o que supera, naturalmente, o limite aplicável às operações de crédito praticadas com partes vinculadas com participação societária, sendo este de duas vezes o valor dessa participação no patrimônio líquido da entidade brasileira. No caso de empréstimos contraídos com pessoas residentes, domiciliadas ou constituídas em paraísos fiscais ou jurisdições sob regime fiscal privilegiado,13 o art. 25 da Lei nº 12.249/2010 estabelece que os juros só serão dedutíveis caso o somatório dos endividamentos de todas as entidades em tais localidades não seja superior a 30% do valor do patrimônio líquido da fonte brasileira (ratio de 0.3:1 sobre o patrimônio líquido).

5.

ANÁLISE TÓPICA: o conceito constitucional de renda e a previsão de restrições

à dedutibilidade fiscal de juros por meio de presunções absolutas.

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Para determinação do conceito de pessoa vinculada, o art. 24 da Lei nº 12.249/10 remeteu à definição constante do art. 23 da Lei nº 9.430/96, que trata da disciplina jurídica dos preços de transferência. O rol de hipótese constante do dispositivo é amplo, não se limitando aos vínculos decorrentes de participação societária direta ou indireta, alcançando inclusive as relações de exclusividade comercial. 13 No Brasil, o conceito de país ou dependência com tributação favorecida está previsto no art. 24, e seu parágrafo 4º, da Lei nº 9.430/96, ao passo que o conceito de regime fiscal privilegiado consta no art. 24-A, para. único, do mesmo Diploma Legal. Com mira nos critérios legais, e objetivando aumentar a segurança dos negócios e facilitar a fiscalização pelas autoridades fiscais, a RFB consolidou a sua black list de países ou dependências com tributação favorecida, veiculada por meio da Instrução Normativa nº 1.037/10.

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5.1.

A necessidade lógica jurídica de um conceito constitucional de renda.

A Constituição adotou, como ponto de sustentação do subsistema constitucional de competência tributária referente aos impostos, a rígida discriminação das diferentes situações que podem ser erigidas, por cada um dos entes políticos, com exclusividade, em critério material do antecedente e do consequente das respectivas normas impositivas (arts. 153, 155 e 156, da CR/88). Cuida-se de característica ligada à descentralização política e à forma federalista do Estado brasileiro, que exigem, para sua efetividade, uma repartição rígida de competências entre o órgão de poder central e as demais ordens jurídicas parciais. Ao elencar incisivamente as diversas situações de fato que podem ser adotadas pelos entes tributantes no exercício das respectivas competências tributárias, a Constituição assume que elas possuem conceitos, noções finitas, dotadas de elementos semânticos definidos, passíveis de ser diferenciados entre si na representação das diversas materialidades constitucionais suscetíveis de, isoladamente, suportar a incidência tributária. É a existência de conceitos dessas situações de fato, sacados diretamente da Constituição, que impede ao legislador federal miscigenar a renda com o patrimônio ou o capital, invadindo área de competência reservada a Municípios e Estados (DERZI, 1992, p. 15). Nessa senda, a existência de um conceito constitucional de renda apresenta-se como uma verdadeira necessidade lógico-jurídica. Admitir o contrário implicaria em reconhecer ao legislador infraconstitucional liberdade ilimitada, desfigurando não apenas o sistema de repartição de competências tributárias, conformado pela bitola das materialidades nele referidas, como também os postulados da primazia da Constituição e da interpretação das leis conforme a Constituição. Afinal, pensar que a Constituição tenha trazido palavras sem sentido importaria, efetivamente, em um “nada jurídico”, em um “sem sentido constitucional” (QUEIROZ, 2003, p. 207-208), pelo esvaziamento das mensagens deônticas nela traduzidas.

5.2.

Os fatos decréscimos do patrimônio que necessariamente informam o conceito de

renda, limitando o campo de liberdade do legislador infraconstitucional. Conforme a advertência de ÁVILA (2011, p. 13), “o primeiro obstáculo à adequada conceituação da hipótese de incidência do imposto sobre a renda reside na identificação entre dispositivo e norma”. As normas, em si mesmas, não se identificam com uma única formulação legislativa e nem com o conjunto delas; são “entes teóricos” derivados do sistema jurídico como um todo (COÊLHO, 2000, p. 87). Nesse caminhar, para além da literalidade do art. 153, III, da

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Constituição, o conceito de renda deve ser buscado na unidade do sistema constitucional tributário (interno), pela convergência de todos os princípios e regras que, direta ou indiretamente, entram em contato com os bens jurídicos restringidos na concretização da relação obrigacional tributária. A primeira forma de delimitação é aquela advinda das próprias regras de competência trazidas pela Constituição. O art. 153, III, da CR/88, delimita-o positivamente, conferindo competência à União para instituir imposto sobre “renda e proventos de qualquer natureza”. O confronto com as demais materialidades suscetíveis de suportar a tributação prevista pela Constituição delimita o conceito de forma negativa, per exclusio, impedindo a sua miscigenação com os conceitos de patrimônio, capital e faturamento (cf. DERZI, 1992, pp. 17-29; PEDREIRA, 1971, pp. 2-10). A segunda forma de delimitação deriva dos princípios constitucionais fundamentais e gerais, direta ou indiretamente vinculados aos bens jurídicos afetados pela tributação. Com efeito, a concretização da relação jurídico tributária que tem por objeto o pagamento de tributo sobre a renda restringe a esfera jurídica da pessoa, afetando-lhe, para garantir-lhe, a dignidade, a propriedade e a liberdade. Há na tributação, como observa ÁVILA (2011, pp. 16-20), uma “relação de tensão entre finalidades dialeticamente implicadas”: ao mesmo tempo em que a Constituição impõe o dever de pagar tributos para preservar os direitos fundamentais, estes sofrem certo grau de restrição por meio da tributação.14 Disso decorre a proibição do excesso (Übermassverbot), de sorte que a tributação não poderá aniquilar a eficácia mínima dos direitos fundamentais. A proteção constitucional dos direitos fundamentais delimita negativamente o conceito de renda, enquanto materialidade suscetível de servir à incidência tributária, ao demarcar a esfera de disponibilidade além da qual a dignidade, a propriedade, e a liberdade têm uma eficácia mínima (zona de capacidade contributiva). A consequência prática é que somente a renda disponível pode servir de base à tributação. Os fatos decréscimos do patrimônio ligados à manutenção da dignidade da pessoa (mínimo existencial) devem ser excluídos da tributação. Por igual, os fatos decréscimos necessários ao livre exercício de atividades empresariais e à a

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É esclarecedor o escólio de BATISTA JÚNIOR (2011, p. 313) acerca do paradigma do Estado Distribuidor Solidário: “No Estado Distribuidor Solidário, a garantia de recursos necessários para que o Estado Tributário possa fazer frente aos dispêndios com as políticas sociais necessárias, em decorrência do estabelecimento de direitos fundamentais inarredáveis, é, a um só tempo, um problema social e uma questão jurídica. Nesse sentido, o Estado Distribuidor Solidário tem a ‘solidariedade social’ como princípio jurídico que, por um lado, impõe deveres fundamentais, como o dever fundamental de pagar tributos, que adquirem uma função redistributiva, e, por outro, estabelece direitos fundamentais destinados a dar satisfação ás necessidades básicas de todos e de cada um dos indivíduos.

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manutenção da fonte geradora da renda não podem servir à imposição. Preservar a dignidade, a propriedade e a liberdade, implica não as destruir por meio da tributação (ÁVILA, 2011, pp. 16-20). Dessarte, no que respeita à tributação da renda da pessoa jurídica, todos os fatos decréscimos do patrimônio (despesas, custos, gastos ou perdas), direta ou indiretamente vinculados à realização do objeto social, devem necessariamente integrar a base de cálculo dos tributos sobre a renda corporativa, mediante dedução do montante dos fatos-acréscimos na apuração do fato renda (em sentido amplo). Trata-se de limite material ao poder legiferante, cuja observância se impõe, pena de desfigurar a rígida repartição constitucional de competências tributárias em matéria de impostos, e, em última análise, o postulado fundamental da supremacia da Constituição (QUEIROZ, 2003, pp. 276-279; BARRETO, 1998, p. 93; ÁVILA, 2011, pp. 18-19). Nessa trilha, os juros sobre empréstimos e financiamentos pagos a terceiros são considerados, via de regra, dedutíveis na determinação do lucro real e da base de cálculo da CSLL. No âmbito da legislação ordinária sobre o imposto de renda (art. 374, do RIR/99), os juros constituem despesas financeiras, entendidas estas como os custos relativos à obtenção de recursos para a manutenção da fonte produtora (ANDRADE FILHO, 2006, pp. 230-231).

5.3.

A inconstitucionalidade material das presunções absolutas e ficções impeditivas da

dedutibilidade fiscal de despesas que informam o conceito de renda: as regras brasileiras de subcapitalização.

A introdução de regras específicas de subcapitalização no Brasil, com a previsão de percentuais fixos determinantes das proporções máximas da dívida (debt capital) em relação ao capital próprio (equity capital) busca assimilar, por meio do modo de pensar tipificante, os níveis de endividamento que estariam acessíveis à pessoa jurídica em condições de livre-concorrência no mercado aberto (at arm’s lenght principle within thin capitalization rules). O transbordamento de tais limites permite que os juros sejam tidos como excessivos ou abusivos, sinalizando a perda de vinculação das despesas financeiras com o exercício do objeto social e o seu deslocamento para a esfera da mera economia de tributos. Decerto, se o endividamento de uma entidade excede os níveis normais aceitos no mercado, não se pode dizer, de ordinário, que as despesas com os juros referentes à parcela excedente sejam necessárias à consecução de sua

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atividade. Não há impedimento a que a lei preveja a desconsideração, como despesa, do desembolso que, do ponto de vista econômico, não seja efetivamente despesa (MACHADO, 1994, p. 47). Na hipótese, cuida-se de presunção legal (praesumptio juris): o desborde dos níveis fixos de endividamento (fato conhecido, cuja existência é certa) implica a desnecessidade das despesas com juros (fato desconhecido, cuja existência é provável em virtude da correlação natural de existência entre este e o fato presuntivo). Com efeito, a natureza plurifacética da realidade econômica não permite afirmar, sem controvérsia, a desnecessidade das despesas financeiras com juros. A simples adoção de níveis máximos de endividamento, como critério de distinção, não consegue dar cabo de todos os desvios individuais. A presunção opera por um juízo de probabilidade, dissipando dúvidas sobre a realidade, optando por aquilo que, embora não seja certo, é provável (ULLMANN-MARGALIT, 1983, p. 156; BECKER, 2010, pp. 543544). No dizer de SCHERKERWITZ (2002, p. 25), a presunção é “a ilação que o julgador deduz de um fato conhecido para um fato desconhecido”. Conforme assinala DERZI (1988, p. 38), as presunções são fixadas no Direito Tributário por meio do modo de pensar tipificante (em sentido impróprio)15, que consiste na extração, em um plano pré-jurídico, das características comuns ao maior número de fatos passíveis de tributação, para construção de uma abstração-tipo, fluida e elástica. Tal abstração é então juridicizada e, no Direito Tributário, ganha contornos definidos, fixos, vindo compor a hipótese da regra presuntiva, cuja verificação impõe determinada conclusão presumida. Através do método simplificador, o legislador reduz a complexidade do mundo fático, permitindo à administração fiscal a aplicação em massa da norma tributária, sem a necessidade de descer às complexidades do caso concreto. As presunções podem ser absolutas (jure et de jure) ou relativas (juris tantum). A diferença entre as duas reside na existência, nas últimas, de uma cláusula adicional que estabelece condições para superar o suposto de fato descrito no antecedente da regra presuntiva. As presunções relativas, ao contrário das absolutas, admitem prova em contrário, i.e., são derrotáveis ou superáveis (defeasible). Enquanto as presunções absolutas se manifestam em juízos 15

No Direito Tributário, ante à importância estrutural do sobreprincípio da segurança jurídica, as tipificações prévias, após juridicizadas, resultam em conceitos, fechados, e não em tipos, em que pese neles se basearem. Daí somente se poder falar, nessa seara, em modo de pensar tipificante em sentido impróprio. Como explica DERZI (1988, p. 36), os tipos são elásticos, não limitados e renunciáveis, passíveis de estarem presentes em diferentes graus de intensidade. Os conceitos, de outro lado, são fechados, de características fixas ou não graduáveis, e cuja limitação do objeto implica em um juízo de exclusão: “Se o conceito possui notas ‘a, b, c’, na investigação jurídica, somente se afirma o conceito A, se o conceito do fato contiver as mesmas características ‘a, b, c’. Diz-se, então, que há subsunção. Para o conceito de classe vale a proposição lógica do terceiro excluído: ‘cada X é A ou não A’. Tertium non datur.”

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hipotéticos condicionados do tipo “se A, então deve ser B”, a estrutura sintática das presunções relativas é do tipo “se A e não C, então deve ser B” (CARRAZA, 2002, p. 406-408; WRÓBLEWSKI, p. 48; MENDONÇA, p. 83; AGUILO REGLA, p. 11; ULLMANN-MARGALIT, p. 147 e ss.). Como visto, as regras brasileiras de subcapitalização, ao adotarem coeficientes fixos de endividamento (fixed debt equity ratio), operam por meio de presunções absolutas. As despesas incorridas com juros que porventura excedam os limites máximos de endividamento são tidas como indedutíveis na apuração do lucro real e da base de cálculo da CSLL, não importando que sejam comprovadamente necessárias às atividades da fonte situada no Brasil. As regras adotadas não admitem que o contribuinte possa demonstrar, no caso concreto, a necessidade da utilização de níveis de endividamento diversos dos previstos no texto legal, a fim de que os juros incorridos sejam admitidos como despesas financeiras dedutíveis. A previsão, a nosso sentir, conflita com a Constituição, pelo desborde dos limites semânticos máximos do conceito de renda, ao consentir a tributação de fatos que escapam à zona de capacidade contributiva do sujeito passivo. Com efeito, a previsão de limites fixos de endividamento acaba por desconsiderar as dimensões reais dos atos praticados pelos contribuintes, reveladas por propriedades que afetam os níveis efetivos de endividamento necessários a cada empresa, como o tipo de atividade econômica e a sua dimensão. O padrão legal ignora o fato de que nem sempre a contratação de empréstimos junto a partes vinculadas no exterior implica no artificialismo das despesas com juros ou visa meramente transferir riqueza tributável para fins de economia de tributos. A par dessas considerações, dentre os países que adotam a regra de safe harbour, pode-se citar, como exemplo paradigmático, o caso de Portugal, cuja legislação prevê o afastamento das regras de subcapitalização no caso de a entidade conseguir provar que chegaria a idêntico endividamento em condições de livre-concorrência, com terceiros independentes no mercado aberto (NABAIS, 2004, p. 554). O que se está a verificar é um potencial conflito entre as concepções generalista e particularista da igualdade. Conforme o escólio de ÁVILA (2009, p. 82), a igualdade geral “propõe a desconsideração de elementos particulares em favor da avaliação das propriedades existentes na maioria dos casos”. Com isso, busca-se reduzir a discricionariedade do aplicador na seleção das propriedades a serem consideradas em cada decisão individual, com aumento de previsibilidade e eficiência no dimensionamento dos conflitos sociais. Lado outro, a igualdade individual “sugere a consideração de elementos particulares mediante o afastamento do padrão legal”. Trabalha-se com a insuficiência das tipificações para dar conta das dimensões reais do

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caso individual, sob uma concepção de justiça “sob medida”, que exige que cada indivíduo seja tratado conforme suas características individuais e as propriedades particulares do caso. Com efeito, as presunções estabelecidas pela lei para afastar a dedutibilidade dos juros remetidos ao exterior, porquanto tipificações, retratam avaliações limitadas da realidade, a partir de dados colhidos na normalidade dos casos, sua aplicação não se efetivando de acordo com as dimensões reais dos fatos. Por assim ser, a regras de subcapitalização afastam-se do dever constitucional de observância da igualdade segundo a capacidade contributiva, sendo certo que a aproximação com a complexidade do caso concreto permitiria estabelecer níveis variáveis de endividamento necessários ao desempenho das atividades de cada agente econômico privado. O princípio da capacidade contributiva, enquanto critério de comparação dos sujeitos para fins de aplicação da igualdade (enquanto postulado), pode ser compreendido como o mandamento segundo o qual o particular só deve contribuir para custear as atividades do Estado caso tenha capacidade econômica para tanto. Disso decorre, segundo BECKER (p. 454), uma função bloqueadora: impedir que o legislador possa sujeitar à tributação fatos sem relevância econômica. Ora, ao operar mediante presunções absolutas, as regras de subcapitalização violam a capacidade contributiva, ao negar ao contribuinte a possibilidade de infirmar, com base em sua realidade concreta, a aplicabilidade da tipificação. A única presunção admissível, na hipótese, com respaldo no princípio da praticidade da tributação, seria a relativa, pena de desrespeito ao direito do contribuinte de pagar o tributo apenas na proporção de sua riqueza (e onde há riqueza tributável). Como assevera TIPKE, citado por DERZI (BALEEIRO, p. 1249), a praticidade é um princípio técnico “que não deve ser valorado da mesma forma que os princípios éticos (igualdade e capacidade contributiva), embora os limites entre uns e outros até hoje não estejam bem definidos. Com efeito, a praticabilidade, na medida que determina que as leis devam ser cumpridas da forma mais viável, simples e econômica possível, constitui um elemento de operacionalidade do sistema normativo. Não expressa diretamente um valor ou representa um fim em si mesmo. Antes, está a serviço de outros princípios ou valores, para garantir-lhes a aplicabilidade no caso concreto. Dessa forma, na qualidade de princípio instrumental, a praticidade, quando em colisão com um princípio substancial, não deve prevalecer, sob pena de se privilegiarem os meios em detrimento dos fins. Por todo o exposto, a nosso sentir, a utilização de presunções absolutas, na hipótese em estudo, acaba por escoimar as regras brasileiras de subcapitalização de vícios de inconstitucionalidade, pelo desborde dos limites semânticos máximos do conceito de renda, dessumidos

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dos princípios no antecedente das normas constitucionais de produção normativa sobre os tributos corporativos. Decerto, se a relação lógica estabelecida pela presunção é uma relação não necessária, não há por que tomar o fato presumido como uma verdade absoluta. Nessas condições, a regra modifica o aspecto material da hipótese de incidência tributária, para nela incluir novos casos de tributação que não denotam capacidade contributiva do sujeito passivo da exação, negando eficácia mínima a direitos fundamentais assegurados pela Constituição. Trata-se de vício de inconstitucionalidade material por excesso no recurso à tipificação.

6.

CONCLUSÕES.

6.1. O financiamento com débito de partes vinculadas no exterior é um instrumento de planejamento tributário internacional, através do qual os agentes econômicos privados podem promover a distribuição internacional de seus custos e receitas, valendo-se das diferenças entre os níveis de tributação adotados em cada jurisdição fiscal, com redução na alíquota efetiva sobre a renda corporativa suportada a nível global; 6.2. A subcapitalização, ao viabilizar a transferência de riqueza tributável para países de menor pressão fiscal (profit shifting), com a erosão da base tributável no país da fonte produtora das categorias redituais (base erosion), insere-se em uma classe de problemas de natureza global, que distorce os fluxos de investimento e o comércio a nível internacional, mitiga a capacidade prestacional do Estado Tributário e prejudica a realização da justiça distributiva pela progressividade da tributação; 6.3. O controle fiscal da subcapitalização, mediante cláusulas gerais ou regras específicas antielisivas, visa evitar a redução das receitas tributáveis no país da fonte de produção das categorias redituais. Na sua instituição, contudo, os Estados enfrentam um trade off entre arrecadação e investimento, não se podendo afirmar, sem prescindir da análise das características de cada caso individual, se a imposição de regras de controle fiscal da subcapitalização é recomendável com vistas ao aumento dos níveis gerais de bem estar de um país; 6.4. As regras de subcapitalização brasileiras são regras específicas antielisivas, que operam por meio da imposição de coeficientes máximos de endividamento (fixed equity debt ratio), a ultrapassagem dos quais implica, por presunção absoluta, a indedutibilidade fiscal dos juros remetidos para partes vinculadas no exterior ou residentes em paraísos fiscais ou sob regime fiscal privilegiado;

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6.5. Ao adotar presunções absolutas para impedir a dedutibilidade fiscal de despesas financeiras com juros, com amparo no princípio instrumental da praticidade, as regras brasileiras de subcapitalização excederam os limites máximos do conceito constitucional de renda, escapando à zona de capacidade contributiva, negando eficácia mínima aos direitos fundamentais do contribuinte à propriedade, à liberdade e à dignidade.

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