Planificação lingüística e problemas de normalização

May 28, 2017 | Autor: Enilde Faulstich | Categoria: Sociolinguistics, Standardization, Standardisation
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PLANIFICAÇÃO LINGÜÍSTICA E P R O B L E M A S D E NORMALIZAÇÃO

Enilde FAULSTICH

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• RESUMO: A diversidade de documentos constitucionais, que funcionaram como instrumentos de política planificadora do idioma no Brasil, demonstra a instabilidade com que os legisladores trataram a língua portuguesa na América. A flutuação de atitudes tem reflexo direto na denominação da língua. Quase 500 anos depois da descoberta do país, duas normas federais regularizam esse processo e regulamentam a língua do Brasil. A Carta Constitucional de 1988 é a primeira a legislar a língua portuguesa como idioma oficial do Brasil e, em decorrência da Constituição, a nova Lei de Diretrizes e Bases de 1996 — Lei Darcy Ribeiro — assegura o ensino da língua portuguesa como instrumento de comunicação, acesso ao conhecimento e exercício de cidadania. Ao lado das abordagens legais, interpreta-se a força política de publicações que sistematizam a língua portuguesa e que se projetam como normas lingüísticas. Qualquer proposta de planificar a língua se dá em paralelo com a de normalizá-la. Planificação, "normação", normalização, normatização, normativização e harmonização são conceitos que precisam ser discutidos à luz dos fenômenos lingüísticos. Um dos objetivos deste artigo é provocar a reflexão em torno desses conceitos. Insere-se, nessa discussão, a normalização terminológica e suas diversas interpretações na(s) língua(s) em uso, primordialmente nos mercados econômicos. • PALAVRAS-CHAVE: Língua portuguesa; política lingüística; planificação lingüística; normalização; normalização terminológica.

1 Departamento de Lingüística - Línguas Clássicas e Vernácula - Instituto de Letras - UnB 70910-900 - Brasília - Brasil, [email protected].

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1 A l g u n s a s p e c t o s de p l a n i f i c a ç ã o l i n g ü í s t i c a

O conceito de planificação lingüística se apoia em um projeto lingüístico coletivo. Por visar à harmonização lingüística, a planificação deverá resultar de um consenso social para que seja bem-sucedida. Normalmente, a planificação decorre de um esforço conjunto para o estabelecimento de uma política lingüística nacional. Nesse sentido, nós podemos dizer que a planificação é regulamentada pelas disposições jurídicas que, em matéria de língua, acabam por se constituir em um conjunto de regras legisladoras. É comum, em países onde há conflitos lingüísticos causados por bilingüismo, o estabelecimento de leis normalizadoras em função do tipo de política adotada pelo Estado para o uso da(s) língua(s). Servem de exemplo alguns artigos da Lei de 14 de julho de 1932 da Bélgica, deliberada pelo Governo Central. 2

RÉGIME LINGUISTIQUE DE L'ENSEIGNEMENT GARDIEN, PRIMAIRE ET MOYEN CHAPITRE PREMIER I. Région flamande, région wallonne et communes d'expression allemande Article 1" La langue de l'enseignement dans les écoles gardiennes et les écoles primaires communales, adoptées et adoptables, est le flamand dans la région flamande du pays, le français dans la région wallonne et l'allemand dans les communes d'expression allemande. [...] CHAPITRE H

ENSEIGNEMENT MOYEN A. Athénées et école moyennes I. Région flamande, région wallone et communes d'expression allemande Article 8 Dans les établissements régis par la loi organique de l'enseignement moyen, la langue de l'enseignement est le flamand, le français ou 1' allemand, suivant que les établissements sont situés respectivement dans la région

2 Recueil des législations linguistiques dans le monde. Tome II La Belgique et ses Communautés linguistiques. Textes recueillis et colligés par Jacques Leclerc, CIRAL, Université Laval, 1994, p.l e3;217, 228 e 240.

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flamande, dans la région wallonne ou dans une localité d'expression allemande. Article 9 [...] (c) élèves de nationalité belge, dont la langue maternelle ou usuelle n'est pas la langue de la région et qui ont fait leurs études primaires ou commencé leurs études moyennes dans un établissement non soumis au régime linguistique de cette région, pour autant qu'ils soient au moins huit par année d'études et qu'ils ne soient pas volontairement soustraits au régime primaire régional. [...]

A legislação lingüística da Bélgica planifica e normaliza também, entre outros, os empregos das línguas nas comunidades flamande (Section néerlandaise, Décret n 1918/A. B. I du 4 avril 1967), française (Décret sur la défense de la langue française, du 12 juillet 1978) e germanophone (Loi du 10 juillet 1973, Conseil de la Communauté Culturelle Allemande) no que se refere aos usos na administração, na jurisdição geral, na jurisdição militar, na publicidade etc. 2

No Brasil, como sabemos, a situação é muito diferente. A título de lembrança, revejam-se fatos que documentam, no decorrer da história, a planificação e a normalização da língua em nosso país. Em 1548, sai da pena de D. João Hl uma diretriz política para o Brasil-Colônia, na qual determina a dominação indígena pela fé católica e não, propriamente, pelo idioma. Em 1757, o Marquês de Pombal cria a primeira lei sobre o idioma no Brasil, ao estabelecer a língua portuguesa como idioma oficial da Colônia. Procura subjugar, através da língua, os povos indígenas e africanos, livrando-os "da barbaridade de seus costumes" etc. Em 1808, surge a I Carta-Régia de D. João VI, na qual reafirma a superioridade da cultura portuguesa e a inferioridade e barbaridade da indígena. Na 2 Carta-Régia, D. João VI reafirma os termos da anterior; as cartas-régias não tratam de questões diretamente ligadas ao idioma, mas procuram firmar a cultura portuguesa como superior. Em 1824, surge, no governo de D. Pedro I, a I Constituição brasileira. Nesta Constituição não há referência específica ao idioma nacional, pois na Assembléia Constituinte de 1823 a língua portuguesa já fora consagrada o idioma nacional. Em 1891, no Governo do Mal. Deodoro da Fonseca, a Constituição não faz qualquer menção ao idioma português, mas mantém a imposição de a alfabetização ser pré-requisito para o voto. a

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Em 1931, no Governo Provisório de Getúlio Vargas, aparece a primeira lei que trata de reforma ortográfica, sob o Decreto 20.108, de 15.06.1931, que dispõe sobre o uso da ortografia simplificada nas repartições públicas e nos estabelecimentos de ensino etc. Na Constituição de 1934, do Governo de Getúlio Vargas, é introduzido um capítulo específico para a educação, na alínea d do § Único do Artigo 150, que determina que o ensino seja ministrado em idioma pátrio. Na Constituição de 1937, sob o Estado Novo, Governo ditatorial de Getúlio Vargas, fica mantido o dispositivo da alfabetização como pré-requisito para o voto. Não há menção ao idioma. Em 1945, no Governo de Gaspar Dutra, o Decreto-Lei n 8.286, de 5 de dezembro de 1945, regulamenta o Acordo Ortográfico para a Unidade da Língua Portuguesa. A Constituição de 1946, do Governo de Gaspar Dutra, acrescenta à exigência da alfabetização como pré-requisito para o voto, a proibição àqueles que não puderem expressar-se em língua nacional. Entra também o capítulo referente à Educação que obriga o ensino primário a ser ministrado em língua nacional. Em 1955, no Governo de João Café Filho, a Lei 2.623, de 21/10/ 1955, restabelece o sistema ortográfico do "Pequeno Vocabulário da Língua Portuguesa", organizado pela Academia Brasileira de Letras e revoga o Decreto-Lei n 8.286, de 5 de dezembro de 1945. Em 28 de janeiro de 1959, no Governo de Juscelino Kubitschek de Oliveira, sai a Portaria n 36, que recomenda a adoção da nova Nomenclatura Gramatical Brasileira (NGB) e aconselha sua imediata entrada em vigor. Como se trata de Portaria, não tem força de lei, por isso "aconselha", "recomenda". Em 20 de dezembro de 1961, é promulgada A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional n 4.024/61, a qual estabelece no Título VI - Da Educação do Grau Primário, Capítulo II - Do Ensino Primário, Art. 27 que "O ensino primário é obrigatório a partir dos sete anos e só será ministrado na língua n a c i o n a l E no Art. 40: a

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3 Napoleão Mendes de Almeida informa no Prefácio de sua Gmmática Metódica da Língua Portuguesa, (1978) que a NGB foi publicada no Diário Oficial de 11 de maio de 1959 e que "dois meses antes de publicada no Diário essa portaria, já se encontravam a venda livros de acordo com ela; da autoria de um dos elementos da comissão elaboradora de reforma, um livro trazia o mesmo título de tradicional gramática, despudoradamente antecedido do adjetivo 'moderna'." (sic)

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Respeitadas as disposições desta lei, compete ao Conselho Federal de Educação e aos Conselhos Estaduais de Educação, respectivamente, dentro dos sistemas de ensino: a) organizar a distribuição das disciplinas obrigatórias fixadas para cada curso, dando especial relevo ao ensino de Português; e ...

No Art. 46, § 1° da mesma Lei, aparece: "Deverá merecer especial atenção o ensino de Português, nos seus aspectos lingüísticos, históricos e literários". A Lei de Diretrizes e Bases para o Ensino de 1 ° e 2° graus n° 5.692, promulgada em 11 de agosto de 1971, no Art. I , § 2 determina que "O ensino de 1° e 2 graus será ministrado na língua nacional" e no Art. 4 , § 2°: "no ensino de 1° e 2° graus dar-se-á especial relevo ao estudo da língua nacional como instrumento de comunicação e como expressão da cultura brasileira". o

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As Leis 4.024/61 e 5.692/71 foram revogadas pela nova LDB de 1996, como se verá mais adiante. A Constitução de 1967, do Governo Costa e Silva, no Capítulo dos Direitos Políticos, nega o direito de votar àqueles que não puderem se expressar em idioma nacional, e mais adiante, determina o ensino primário em língua nacional. Em 1971, no Governo de Emílio G. Medici, entra em vigor a Lei 5.765, de 18.12.1971, que aprova alterações na ortografia da língua portuguesa e dá outras providências. Em 1985, no Governo de José Sarney, sai o Decreto nº 91.372, de 26.6.1985, que institui Comissão encarregada de propor diretrizes para o reexame dos processos de ensino e aprendizagem em Língua Portuguesa e a Portaria n 559, de 18.7.1985, que estabelece o estatuto de funcionamento da Comissão instalada pelo decreto anterior. a

A nova Constituição Federal, promulgada e m 5 de outubro de 1988, oficializa, no Título II, Capítulo III, A r t . 13: "a língua portuguesa é o idioma oficial da República Federativa do Brasil". Além disso, legisla que a alfabetização deixa de ser pré-requisito para o voto e estabelece a obrigatoriedade do ensino fundamental e m língua portuguesa, ressalvando o ensino das línguas estrangeiras. O art. 22, inciso XXIV da nova Carta Constitucional confirmou a competência de a União legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional, o que motivou as discussões sobre u m a nova LDB. Ainda em 1988 começam as discussões sobre a nova LDB, com o projeto de nº 1.258, da Câmara dos Deputados, de iniciativa do deputado Octávio Elísio. Os trabalhos em torno desse

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projeto durou quatro anos, até 1992, quando foi encaminhado ao Senado Federal e o texto recebeu outra forma. É curioso observar que os documentos que, no decorrer da história, legislam a língua portuguesa no Brasil denominam a Língua das mais diversas maneiras - língua nacional, idioma nacional, língua pátria, língua vernácula - títulos que vão aparecer, principalmente, nos manuais escolares. Somente a Carta Constitucional de 1988 registra de maneira explícita que "A língua portuguesa é o idioma oficial da República Federativa do Brasil". Não se trata de, apenas, uma troca. O termo "oficial" denota certo avanço político-lingüístico dos legisladores, pois, se o termo não abarca toda a diversidade lingüística do país, ao menos demonstra sensibilidade, acabando com a impressão de que a língua nacional é o português sem variação, uma mesma língua em todo o território nacional, como se não houvesse uma realidade multilingue e multidialetal no país. Outro ponto que merece comentário é o tratamento dado à língua portuguesa na LDB 5.692/71; esta Lei renomeia o ensino primário e secundário como "ensino de I e 2° graus" e conceitua o ensino da língua como área de "comunicação e expressão", tendo como meta a integração de conteúdos programáticos com outras disciplinas. Esta nova conceituação da língua, ou do ensino dela, sempre mereceu críticas, porque, além de inserir o ensino da língua em um mar de divagações , deixou a impressão de que o indivíduo primeiro se comunica para depois se expressar, quando o processo é exatamente o inverso. o

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Em 1992 o Senado se envolve definitivamente nas discussões da LDB, com base no Projeto de Lei do Senado (PLS) n 67, de 1992, de autoria, principalmente, do senador Darcy Ribeiro. Q

Em abril de 1995, já no Governo de Fernando Henrique Cardoso, o Senado Federal aprova o texto do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, pelo Decreto Legislativo n 54 do mesmo ano. 2

Em 17 de dezembro de 1996, depois de emendas, de substitutivos e de discussões durante mais quatro anos, aprova-se, finalmente, o projeto da LDB, no Congresso Nacional. Em seguida, o projeto foi encaminhado ao "Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, que o sancionou a 20.12.1996, sem vetos, tendo a lei entrado em vigor em

4 Confiram-se livros didáticos da época.

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23.12.1996, data de sua publicação, sob o número 9.394/96". Esta Lei também é conhecida como Lei Darcy Ribeiro. Na nova LDB, o ensino da língua e de línguas está previsto, como se vê a seguir. a

Na SEÇÃOIIIDo E n s i n o F u n d a m e n t a l , Art. 32, IV, § 3 fica estabelecido que "O ensino fundamental regular será ministrado e m língua portuguesa, assegurada às comunidades indígenas a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem".

Na SEÇÃO IV do Ensino Médio, Art. 36,1, fica estabelecido que [O currículo do ensino médio...] "destacará ... a língua portuguesa como instrumento de comunicação, acesso ao conhecimento e exercício da cidadania" e o inciso IH determina: "será incluída uma língua estrangeira moderna, como disciplina obrigatória, escolhida pela comunidade escolar, e uma segunda, em caráter optativo, dentro das disponibilidades da instituição". No TÍTULO VIII Das Disposições Gerais, Art. 78, há avanço com relação ao tratamento dado aos indígenas. Assim, fica estabelecido que: "O sistema de ensino da União, com a colaboração das agências federais de fomento à cultura e de assistência aos índios, desenvolverá programas de ensino e pesquisa, para oferta de educação escolar bilíngüe e intercultural aos povos indígenas Q

O Art. 92 da LDB revoga as disposições da Lei n 4.024, de 20 de dezembro de 1961, da Lei n 5.540, de 28 de dezembro de 1968, ... da Lei n 5.692, de 11 de agosto de 1971, da Lei n 7.044, de 18 de outubro de 1982, e demais leis e decretos-lei que as modificaram e quaisquer outras disposições em contrário. a

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Há outros fatos, no percurso da história da língua portuguesa no Brasil, que não têm força constitucional, mas merecem papel de destaque na formação do comportamento social e lingüístico do brasileiro. São fatos que, de certa forma, colaboraram para a formação de atitudes lingüísticas e para a formação do pensamento brasileiro em torno da língua. O Brasil, federação composta de 26 Estados e o Distrito Federal, com uma população estimada em 157.079.573, se firmou como uma comunidade lingüística bastante representativa, separada política e

5 Recomendo a leitura da obra A educação na Constituição de 1988 e a LDB, de Marcelo Lúcio Ottoni de Castro, Brasília, André Quicé Editor, 1998, 278p. Nessa obra, o autor oferece, por meio de comentários a normas constitucionais e legais, um amplo panorama da realidade educacional brasileira.

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geograficamente de Portugal. Nos dois lados do Atlântico, a língua desenvolveu duas variantes, a européia e a sul-americana. Essa diversidade encontra justificações nos procedimentos de implantação e de difusão da língua no Brasil, e está descrita em muitas obras que na contemporaneidade reconhecem as duas normas. Até o século XVII, o falar brasileiro se manteve fiel à mesma pronúncia de Portugal, porém, em decorrência do contato, a língua, aqui, assimilou influências das línguas indígenas e africanas. Mais tarde, a imigração européia maciça, instalada principalmente no Centro-Sul, também contribuiu para os fatores de diversificação do português no Brasil. Mas é no século seguinte com o Modernismo que se instaura o espírito nacionalista nas artes e na língua. Em 1922, a Semana de Arte Moderna teve por objetivo, entre outros, romper com os modelos tradicionais de Portugal e privilegiar as singularidades do falar brasileiro, com ênfase ao tom coloquial da linguagem. A propósito, Edith Pimentel Pinto (1981, p.xlii-üi) esclarece que o nacionalismo característico dos anos 20-45 manifesta-se, em assuntos lingüísticos, não só diretamente, pela campanha em favor da autonomia da variante brasileira, mas também obliquamente, em várias frentes de atuação, pelo esforço de firmar e comprovar essa autonomia. Nessas condições, dar-lhe uma forma gráfica mais ajustada à prosódia brasileira era uma necessidade básica; e outra a emergência de uma expressão literária sui generis mais evidente no campo do léxico, quer pelo recurso ao regional, quer pela experimentação neológica.

E m 1958, como já se indicou antes, nasce o projeto da Nomenclatura Gramatical Brasileira - NGB, resultado dos trabalhos de uma comissão formada por filólogos e lingüistas brasileiros. E m Portaria ministerial n ° 36, de 28 janeiro de 1959, o Ministro da Educação e da Cultura recomenda, no A r t . I , "a adoção da Nomenclatura Gramatical Brasileira no ensino programático da língua portuguesa e nas atividades que visem à verificação do aprendizado, nos estabelecimentos de ensino". E no Art. 2° aconselha que entre em vigor: "a) para o ensino programático e atividades dele decorrentes, a partir do início do primeiro período do ano letivo de 1959; b) para os exames de admissão, adaptação, habilitação, seleção e do art. 91, a partir dos que se realizarem em primeira época para o período letivo de 1960". o

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6 Cf. R. F. Mansur Guérios. A Nomenclatura Gramatical Brasileira definida e exemplificada, São Paulo, Saraiva, 1960, 62p.

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Em 1975, é publicada a primeira edição do Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa, um marco de tecnologização lingüística do português no mundo da lusofonia. O lexicógrafo Aurélio Buarque de Hollanda Ferreira e uma equipe de colaboradores escreveram a grande obra lexicográfica da língua portuguesa corrente. Este dicionário, em sua segunda edição, apresenta um corpus atualizado, revisto e ampliado em um terço de seus artigos. A obra, disponível também em CDROM, nos permite fazer buscas cruzadas de itens lexicais e de formantes, de maneira acelerada. A adoção da NGB, a publicação de obras que adotaram a NGB, principalmente, gramáticas, e a edição do Dicionário Aurélio fixam a utilização de uma norma própria do português do Brasil. É o "standard" do português sul-americano que passará a prevalecer em todos os meios de comunicação - trata-se, portanto, de passos definitivos para a normalização da língua portuguesa do e no Brasil. Mesmo definida uma NGB e publicado um dicionário de iniciativa brasileira, continuam a existir esforços para que os usos variantes do Brasil e de Portugal mantenham uma proximidade normativa, ainda que divididos entre duas culturas bem distintas. A Nova Gramática do Português Contemporâneo, escrita pelos filólogos Celso Ferreira Cunha, do Brasil, e Luís Felipe Lindley Cintra, de Portugal, e publicada em 1984, em Portugal, representa um desses esforços. Esta gramática, fruto de constantes reflexões críticas sobre as variantes do português europeu e brasileiro, prometia mudar o significado corrente de norma, de correto e de incorreto, porém a obra se mantém como a gramática tradicional da língua, embora apresente, am seu conteúdo, aspectos de teoria lingüística. A Nova Gramática só foi publicada no Brasil em 1985. No cerne do movimento por uma possível unidade da língua, há uma divergência que mostra que, entre Portugal e Brasil, as relações lingüísticas não estão ainda harmonizadas. Trata-se da (des)harmonização lingüística da ortografia: são vários os acordos ou "desacordos" ortográficos que sobrevivem no curso da história da língua portuguesa. 7

7 Cf. As diversas edições da Moderna Gramática da Língua Portuguesa de Evanildo Bechara. Também no Prefácio do seu Lições de português pela análise sintática (1976), o autor informa: "Levei em consideração a Nomenclatura Gramatical Brasileira, mas, em alguns pontos, tomei a liberdade de propor à douta Comissão e aos colegas de magistério orientação diferente que me pareceu mais acertada." [Assinado por Bechara, em março de 1960]

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Desde o século XVII há tentativas de unificação das ortografias portuguesa e brasileira. Em 1911, o governo português aprovou um projeto de reforma empreendido desde 1904. Esta nova ortografia chega ao Brasil em 1931 e é rejeitada pela Constituição brasileira de 1934. Depois, em 1943, surge um novo acordo cuja ortografia foi adotada por Portugal; o Brasil, porém, adota uma outra. Por volta de 1975, a Academia de Ciências de Lisboa e a Academia Brasileira de Letras concluem um "acordo de princípios" para a unificação ortográfica da língua portuguesa, inspirada em trabalhos do lexicógrafo, filólogo e professor brasileiro Antônio Houaiss. Coordenador de todos os trabalhos, Houaiss obteve como resultado o Projeto de Ortografia Unificada. Trata-se de um acordo assinado, em 16 de dezembro de 1990, pelos ministros da Educação e da Cultura dos sete países de expressão portuguesa: Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné Bissau, Moçambique, Portugal e São Tomé e Príncipe. Antes mesmo da divulgação oficial do Projeto, Portugal protestou contra o conteúdo. Mas, em 4 de junho de 1991, o Parlamento Português ratifica o documento e, depois que a comissão encarregada da redação o tornou oficial, o governo de Portugal assina o documento e espera uma resposta positiva do Brasil. Segundo o acordo entre os sete países, a "reforma" deveria ter força de lei em 1994. Contudo, o Brasil só decidiu sua posição em 1995. Em defesa da unificação, declarou Houaiss (1994, p.29) que "A lusofonia é a única fonia que, com o mesmo alfabeto, tem duas ortografias oficiais - a portuguesa, aceita pelos países africanos de língua oficial portuguesa, e a brasileira - numa situação que tem contribuído para o progressivo desconhecimento recíproco dos integrantes do complexo lingüístico e cultural lusofônico". Os esforços para que a língua de Portugal, do Brasil e da África formem uma unidade nos diferentes continentes continuam. Para isso, o Brasil propôs a formação de uma Comunidade dos Países de Língua Portuguesa - CPLP. Assim, no dia 17 de julho de 1996, foi assinada pelos presidentes dos sete países lusófonos a declaração constitutiva 8

8 Em 18 de abril de 1995, é aprovado pelo Congresso Nacional do Brasil o texto do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa que fora assinado em Lisboa em 16 de dezembro de 1990 pelas seguintes autoridades: Secretário de Estado da Cultura da República Popular de Angola; Ministro da Educação da República Federativa do Brasil; Ministro da Informação Cultura e Desportos da República de Cabo Verde; Secretário de Estado da Cultura da República da Guiné-Bissau; Ministro da Cultura da República de Moçambique; Secretário de Estado da Cultura da República Portuguesa; Ministra da Educação e Cultura da República Democrática de São Tomé e Príncipe. O documento normativo do acordo é o Decreto Legislativo N 54, de 1995, do Congresso Nacional. s

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da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. O que os Sete pretendem está suficientemente claro no artigo 3° dos estatutos da CPLP. Primeiramente, concertação político-diplomática para defesa e promoção de interesses comuns ou de questões específicas; depois, cooperação e intercâmbio nos domínios econômico, social e cultural, jurídico e técnico-científico; por último, promoção e defesa da língua portuguesa. A criação da Comunidade foi objeto de numerosas reuniões no Brasil, em Portugal e na África. O principal entusiasta e coordenador do projeto, à época embaixador do Brasil em Portugal, José Aparecido de Oliveira, pontificou a importância da formação da CPLP em relação à formação da Comunidade Européia, afirmando que "os países se organizam em blocos por definição geográfica ou interesses econômicos. Por que não criar um bloco por afinidades sócioculturais?" A CPLP, pode-se especular, surge de uma proposição político-diplomática para a promoção de associações gerenciadoras de cultura e de projetos socioeconómicos. A opinião de Oliveira sobre o assunto vem em nosso favor: "A idéia é consolidar uma cooperação cultural e assegurar a presença política" Nossa contribuição, ao apresentar a documentação acima, tem caráter interpretativo, somente para mostrar como as línguas - com princípios tão naturais - estão subordinadas às disposições legais que regem a produção lingüística e cultural. Em extremos, planificar a língua, é planificar a vida do povo que a usa. Na seqüência das idéias, convém observar que o processo de planificação lingüística não se dá sem o de normalização. Planificar um espaço lingüístico é o mesmo que programar para projetar usos, a partir de regras, com caráter de normais, porém preestabelecidas. É preciso evitar a confusão entre norma(s) e normal, uma vez que ambas expressões dão origem ao conceito de normalizai. O lexema ideal para indicar resultado de fatos normais que ocorrem na língua seria o neologismo normação, que indicaria o processo, resultante de um movimento espontâneo e coletivo, dentro da língua. O uso corrente de nor9

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9 Em Jornal do Brasil, 26.10.1993, p.7 10 Op. cit. p.7 11 A propósito, Loïc Depecker, no artigo "Terminologie et standardisation", publicado em Jornada Panllatina de Terminología, Barcelona, UPF, IULA, 1995, p.31-5, declara que o termo normaison, proveniente da escola sociolingüística de Rouen (particularmente de Jean-Baptiste Marcellesi e Louis Guespin) é melhor que os outros porque: "La normaison est le processus qui conduit à ce qu'une langue et, pour ce qui nous occupe, les vocabulaires, sont en état d'équilibre et de renouvellement permanent du fait de la multitude des usages qui traversent la langue."

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malizar cruza com conceitos de normatizar e normativizar. E, ainda, o conceito de normalização tem grande proximidade com o de normativização. No Brasil, tem-se a impressão de que falar em normalização lingüística é autodenunciar-se um sequaz das regras da gramática normativa da língua. Malgrado as interpretações, vale a pena questionar: é possível pensar em política de língua sem pensar em língua normalizada? 12

2 Os vieses da normalização

2.1 Normalização lingüística é diferente de normalização técnica Normalização técnica é aquela que é defendida pela ISO como atividade sistemática para estabelecer e utilizar padrões. Considerada elemento fundamental de tecnologia industrial básica, tem por objetivo promover o progresso da indústria. Nestes termos, a normalização é um pilar para definições estratégicas de empresas, setores, países e até regiões do globo. Há uma tendência a que normas técnicas nacionais passem a adotar os padrões de normas internacionais, visando a facilitar oportunidades de negócios em decorrência da globalização do comércio e da formação de blocos econômicos poderosos que impõem suas próprias regras. A harmonização das normas técnicas com os mercados existentes é tarefa das mais complexas, porém necessária diante de sua importância estratégica em relação ao desenvolvimento do setor produtivo de um país. A normalização técnica é base para a certificação de conformidade. As normas de cunho internacional têm sido utilizadas como fator fundamental para aumentar a confiança do consumidor e do usuário em produtos e serviços que estejam de acordo com seus requisitos por empresas que satisfaçam aos padrões de Gestão da Qualidade adotados pelo mercado.

12 Discuto esses conceitos no artigo "A função social da terminologia", a sair, brevemente, In: P Seminário de Filosofia e Língua Portuguesa |Org.: Rodrigues, A. C Alves, I. M.. Goldstem, N.]. São Paulo, Humanitas.

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A normalização lingüística se situa em outra perspectiva. Tem de levar em consideração a(s) gramática(s) da língua em relação imediata com os usos que se fazem dela; trata-se da língua em funcionamento para os fins de comunicação escrita e oral. Dentro desse quadro genérico de normalização lingüística inserese a normalização terminológica. Porém, mais uma vez os dois conceitos - do que é terminológico (portanto lingüístico) e do que é técnico se confundem. O problema da normalização técnica diante da normalização terminológica é que as normas técnicas prescrevem, via de regra, "conselhos" tão gerais que e m pouco, ou nada, colaboram para que a elaboração de u m dossiê terminológico venha a apresentar resultados lingüísticos concretos (cf. dossiê descrito a seguir). Esse é o tipo de normalização que é efetuado pela ISO, pela AFNOR etc. Assim, a International harmonization of concepts and terms, ISO/DIS 860 [Revisión of first edition (ISO/R 860:1968)] "fixa o enfoque metodológico adotado na harmonização internacional dos conceitos, dos sistemas de conceitos, das definições, dos termos e dos conjuntos de termos. A norma se aplica à elaboração de terminologias nacionais e internacionais." Mas as terminologias internacionais estão no coração de cada língua que só é internacional e m relação à outra.

De maneira sensata, porém, a International harmonization, em revisão mais avançada, declara, no primeiro parágrafo da Introdução, que "os conceitos e os termos evoluem de modo diferente nas línguas e nas comunidades lingüísticas, em função de fatores históricos, geográficos, sociais e econômicos" e na última frase do documento acentua que "a decisão final quanto à forma de um termo deve ser deixada por conta de cada uma das comunidades lingüísticas." Ora, excetuando estas duas verdades, o conteúdo da norma é de caráter generalizador, pouco servindo à normalização terminológica efetiva, como se discute mais adiante. Para Auger (1993), a normalização lingüística tem uma função específica, qual seja, é "destinée à modeler le comportement langagier des locuteurs d'une langue". Este pensamento confirma a diferença de sentido entre normalização e normação. É bastante compreensível que a normalização venha a ser fruto de intervenções humanas conscientes na língua com a finalidade de manter o código pronto para transmissão, mas não pode e não deve ser visto como a única possibilidade de harmonização lingüística, porque se corre o risco de matar línguas e linguagens em função de uma única visão normativa.

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2.2 Normalização das línguas nos mercados econômicos É preciso refletir se o uso do português europeu, no seio da União Européia (UE), contribuirá para internacionalizar a língua portuguesa e, assim, aproximar aquela variedade da nossa ou se, ao contrário, este uso servirá para reafirmar o distanciamento entre as normas européia, a sul-americana e a africana. Desde o inicio, a Comunidade Européia definiu-se como multilingue, porque "assenta no respeito pela diversidade cultural e lingüística das nações que a compõem.... São os cidadãos - todos os cidadãos que têm o direito de ser informados e de se exprimir na sua própria língua." Este é o projeto da política de pluralismo lingüístico na Europa dos Quinze, por isso todo ato jurídico da UE é publicado em cada língua oficial dos Estados-membro. A União Européia trata suas línguas dentro de um plano de igualdade. Isto explica por que a tradução, a interpretação e a terminologia são instrumentos fundamentais de planejamento lingüístico. Dentro desse espectro, o trabalho lingüístico da UE se estrutura sobre línguas normalizadas, e a normalização não se efetua isoladamente. Para estabelecer um concerto entre as línguas, foi criado o Grupo Interinstitucional de Terminologia-documentação (GUT). Sobre a normalização da Língua Portuguesa, ao lado de outras, na UE, serve de ilustração o caso que segue. Em artigo de 1992, sobre "L'emploi des capitales, des majuscules et des minuscules, dans les actes établis dans les neuf langues officielles des institutions communautaires", o autor Gérard Losson diz que 13

dans te creuset communautaire, caractérisé dans tous les domaines par un effort continu de rapprochement et d'uniñcation, les langues constituent cependant une exception dans la mesure où tout est mis en oeuvre pour sauvegarder la diversité linguistique, considérée comme une richesse exceptionnelle de même qu'un moyen de respecter la liberté d'expression des peuples, par ailleurs prêts à vivre politiquement et économiquement en communauté, (p.154) Losson apresenta um estudo comparativo "pour faire ressortir les convergences et les divergences marquant les langues officielles des 14

13 Em Uma comunidade multilingue. Serviço de Tradução da Comissão Européia. CECA-CE-CEEA, Bruxelas-Luxemburgo, 1995, p.5 14 Les neuf langues sont l'espagnol, le danois, l'allemand, le grec, l'anglais, le français, l'italien, le néerlandais et le portugais.

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institutions sur u n point spécifique" - o emprego das iniciais, das maiúsculas e das minúsculas. Como resultado, o autor classifica as línguas em três grandes grupos. No alemão, que sozinho forma u m grupo à parte, as maiúsculas desempenham u m papel verdadeiramente gramatical "consistant à distinguer méthodiquement par une majuscule les substantifs (noms communs et noms propres) de tous les autres mots" (p. 163). O segundo grupo compreende "le danois et le grec, pour lesquels des commissions nationales ont fixé les règles à suivre" ; no último g r u po "se rangent les autres langues, à savoir celles pour q u i la question des majuscules et des minuscules est régie par la tradition et... par la pratique 'imposée' par les rédacteurs de textes." (p.167). E ele continua: Ce groupe peut se subdiviser à son tour en trois sous-groupes: le premier inclut le français et l'italien, qui tendent tous deux à limiter autant que possible l'emploi de la majuscule aux noms propres et aux dénominations assimilées à ces derniers. Le français apparaît comme le plus économe en majuscules (on observe une recrudescence de majuscules, souvent sous l'influence de l'anglais et de rédacteurs dont la langue maternelle n'est pas le français). Le deuxième sous-groupe réunit plus ou moins l'anglais, le néerlandais et le portugais, tout marqués par une longue tradition tidèlement suivie. L'espagnol constitue le troisième sous-groupe; il écrit les dénominations de pays et d'actes avec une majuscule pour les substantifs et les adjectifs, mais applique, comme le danois, la minuscule aux noms de populations, (p.167-8) Losson justifica as razões da normalização nas línguas européias: C'est pour circonscrire les méfaits de la "majusculite", au moins dans les actes officiels, que le formulaire des actes du Conseil a édicté un certain nombre de règles minimales. Et, grâce au ñltre que constitue la phase dite de la mise au point juridique et linguistique des actes, qui précède directement leur adoption, ainsi que le rôle modérateur joué par le Journal officiel des Communautés européennes, il est possible d'assurer une relative uniformité de la pratique en la matière, (p. 170) As regras de emprego de maiúsculas e de minúsculas em língua portuguesa, transcritas por Losson, demonstram que este assunto recebeu um tratamento minucioso na UE. Em seu artigo, o autor apresenta dez regras de emprego das minúsculas, com 21 subdivisões, segui15

15 Losson, op. cit., Annexe IX, p.236-43.

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das de exemplos, e dez regras de maiúsculas, com 20 subdivisões e exemplos. Trata-se de um trabalho de normalização feito exclusivamente para a UE, uma vez que nenhuma gramática normativa da língua portuguesa dedicou semelhante atenção ao assunto. 2.3 Normalização terminológica O sentido amplo de planificação lingüística inclui o de planificação terminológica. Pierre Auger em Notes de Cours, 1993, acentua que a planificação terminológica deve ser entendida como processo deliberativo e refletido por meio do qual são concebidas, elaboradas e implantadas terminologias no seio de uma comunidade lingüística. Defende ainda que este tipo de planificação deve levar em conta, entre outros aspectos, o respeito ao máximo às características sociolinguísticas do meio e deve procurar o consenso social, o mais amplo possível. Para Auger, a planificação conduz à normalização terminológica cuja expressão é utilizada com triplo sentido. No primeiro, a normalização terminológica do tipo institucional é realizada por organismos oficiais, de acordo com leis lingüísticas editadas para fins de escolhas terminológicas. Tais escolhas levam em conta a utilização da língua oficial, porém, em certas circunstâncias, são impostas outras formas, alheias à língua oficial. Este tipo de normalização surge da mídia, do sistema jurídico, dos meios financeiros, dos meios educacionais etc. No segundo sentido, a normalização terminológica do tipo internacional é feita por meio de organizações internacionais, como ISO, CEI, CEA e entidades representantes. Nesse caso, as atividades de normalização obedecem ao consenso dos Estados que são membros dessas organizações. A missão principal é normalizar "coisas", como, quantidades e medidas, tamanhos, objetos de laboratório etc. O que dá a impressão de que normalizam terminologias é o fato de que existe um laço estreito entre a denominação terminológica e a noção que ela recobre, a idéia da coisa. No terceiro sentido, a normalização terminológica é entendida como processo lingüístico de pesquisa, por meio do qual um sistema terminológico dado se auto-regula à medida que o meio visado está em fase de implantar e de difundir suas terminologias. Trata-se aqui de um trabalho consciente empreendido pelos especialistas em terminologia diretamente com especialistas do meio e que visa ao consenso lingüístico-terminológico, o mais amplo possível. Nesse trabalho o pro-

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cesso é muito mais de harmonização lingüística e terminológica do que de normalização, porque cabe aos pesquisadores encontrar a forma do termo, a morfossintaxe e definição adequadas às necessidades reais de implantação e de difusão. A planificação terminológica e, por conseqüência, a normalização/harmonização têm por fim atender às necessidades sociais e lingüísticas do meio em que as terminologias científicas e técnicas precisam ser criadas, implantadas e difundidas. Para Louis-Jean Rousseau (1991), uma das maneiras de se proceder à normalização terminológica é por meio de comissões normalizadoras, constituídas por terminólogos experientes, representantes de diferentes meios, tais como, de setores da administração, de empresas diretamente ligadas à área que solicita a normalização (especialistas), de universidades e de serviços lingüísticos exclusivos. Uma comissão assim formada será encarregada de propor princípios de normalização e de atender às necessidades da demanda. As tarefas da comissão dividem-se nas seguintes etapas: 1 aceitação ou rejeição do pedido; 2 preparação de um dossiê; 3 estudo do(s) dossiê(s) pela comissão; 4 consulta ampla em torno do assunto, se for necessário; 5 conhecimento dos resultados pelo órgão responsável pela normalização; 6 publicação de um aviso de recomendação ou de um pré-aviso de normalização seguido de um período de consulta por um ano. Estas etapas que podem parecer excessivamente longas são essenciais para uma escolha argumentada e racional em se tratando, principalmente, de decisão acerca de terminologias oficiais. A normalização terminológica é, quase sempre, criticada pelo caráter intervencionista que ela manifesta em relação à língua. Esta interpretação decorre do fato de as linguagens de especialidade 16

16 Um dossiê terminológico completo se compõe das seguintes partes: 1. Nome e endereço das pessoas e dos organismos interessados 1.1. Origem do pedido; 1.2. Redator do dossiê; 1.3. Especialistas consultados. 2. Resumo do pedido. 3. Estudo do dossiê 3.1. Análise dos contextos onde o termo aparece; 3.2. Análise de termos paralelos; 3.3. Análise do termo específico no contexto da área especifica que solicita a oficialização; 3.4. Consulta aos dicionários; 3.5. Consulta a fontes particulares; 3.6. Consulta a diversos especialistas; 3.7. Proposta do redator. 4. Bibliografia (páginas importantes da bibliografia consultada devem ser anexadas ao dossiê). Fonte desta descrição: Dossiê "delivery System", Comission de terminologie d'Office de la langue française - CTOLF, de junho de 1993.

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confudirem planos distintos, quais sejam, o da língua e o do meio profissional de onde provém o termo. Outras vezes, esquece-se de que o termo é palavra, é signo, e que pode variar na forma e no conteúdo. Termo e lexema se sobrepõem de tal forma, que muitos profissionais, colegas nossos, relutam em usar a expressão adequada para a disciplina terminologia e chamam-na lexicología, como se os objetos e os métodos de análise fossem os mesmos. Também a confusão de reconhecimento da área pode advir do fato de que freqüentemente as formas em causa são as mesmas apesar de denominarem "objetos diferentes". O que caracteriza o termo é a existencia de certo(s) conceito(s) atribuído(s) a uma forma lexical dentro de um universo de discurso específico. Por exemplo, o termo "gato" em zoologia é um objeto distinto do lexema "gato" na língua geral; a definição terminológica de gato situará o animal na ordem dos carnívoros e na familia dos felídeos, e enumerará as características que permitirão diferençar este conceito dos conceitos vizinhos, ao passo que para o lexema gato o lexicógrafo dará uma definição conotativa. O valor do emprego do lexema gato pode ser ilustrado por exemplos que permitem demonstrar a identidade funcional do lexema em discurso, notadamente pelas relações de oposição, como em "brigam como cão e gato" ou pelas relações de associação, como em "quem come rato é gato". Convém observar que o processo de normalização só deve ser ativado se a oficialização se fizer necessária. No caso de solicitações feitas por entidades que precisam de termos normalizados, é essencial que os pedidos sejam pertinentes e que sejam discutidos entre especialistas das áreas respectivas. Os termos serão analisados sem que seja ignorada a relação estrita do produto terminológico com a língua dita institucional. Assim se poderá obter um resultado consensual. A normalização terminológica deve apoiar-se na descrição do uso. É esta a única maneira de obter-se resultado consensual e de ter a aceitação dos usuários. No entanto, quando se trata de neologia - e este é freqüentemente um caso que exige normalização - não há uso a constatar. Então, a escolha dos termos a privilegiar deve fundamentarse num trabalho terminológico rigoroso, que inclui os critérios terminológicos em conformidade com o sistema lingüístico, a facilidade da grafia e da pronuncia, a sistematicidade morfológica, os princípios de derivação, a motivação, a exatidão de significado, a concisão etc. Estes critérios devem levar em conta também os critérios de aceitabilidade social que funcionam como mecanismos de implantação do termo no uso.

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A sociolinguística nos mostra que os usos lingüísticos são, como outras facetas do comportamento humano, influenciados, por vezes condicionados, por uma série de fatores. No ato de comunicação, a pessoa não é livre para criar seu próprio código, se ele desejar transmitir uma mensagem que seja compreendida por todos. A performance individual se desenvolve dentro de certas balizas fixadas pelo sistema lingüístico, e a normalização terminológica, em suas diversas realizações, é um dos fatores que tentam influenciar a performance lingüística dos usuários. Ela visa a assegurar aos locutores a compreensão idêntica das significações que os conceitos dos termos subentendem, conduzindo assim à realização da comunicação efetiva: os termos utilizados pelo emissor são compreendidos e aceitos pelos interlocutor da mesma maneira. Dentro desse quadro social, surge a Socioterminologia" disciplina que cria métodos de análise e de descrição do termo, segundo suas características de variação dentro do contexto social, lingüístico e terminológico onde ele ocorre. Observa Marie Cholette em seu artigo "La problématique de la variation et de l'implantation: pour une socioterminologie" (1993, p.500-1) que a atividade lingüística caracteriza-se por uma variação intralingüística que se revela na diversidade dos usos e nas estruturas de um mesmo sistema reagrupando aí a variação geográfica e social, mas também por uma variação interlingüística em que dois sistemas, cada um conservando suas próprias possibilidades de variação, estão em contato e em ocorrência. Para Pierre Auger, em artigo intitulado "Pour un modèle variationniste de l'implantation terminologique dans les entreprises au Québec", a variação lingüística é também uma característica das Lín18

19

17 O termo aparece pela primeira vez no artigo "Une lecture socioculturelle de la terminologie" de Jean-Claude Boulanger, publicado em 1991. Vale a pena, contudo, ressaltar que a socioterminologia como disciplina aparece sistematizada na obra de François Gaudin, denominada Socioterminologie Des Problèmes Sémantiques aux Platiques Institutionnelles, publicação de l'Université de Rouen n 182, 1993, 253p. Socioterminologia constitui, desde 1995, o tema central da linha de pesquisa em Léxico e Terminologia, coordenada por E . Faulstich, no Centro de Estudos Lexicais e Terminológicos (Centro Lexterm), do Departamento de Lingüistica, Línguas Clássicas e Vernácula (LIV), Instituto de Letras (IL), Universidade de Brasília (UnB). 18 Ci. o livreto de E . Faulstich, Base metodológica para pesquisa em socioterminologia. Termo e variação (1995). Neste trabalho, procuramos desenvolver uma metodologia que venha a auxiliar os especialistas em terminologia a elaborar repertórios lexicográficos e terminológicos com base em princípios de pesquisa etnográfica, em idéias de funcionalismo lingüístico e de variação terminológica em diversas dimensões. 19 Em Les actes du colloque sur ¡a problématique de l'aménagement linguistique (enjeux théoriques et pratiques). Colloque..., Tome II, p.483-93. a

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guas de Especialidade (sic), útil e necessária às diferentes comunidades lingüísticas. Na tentativa de planificar a terminologia no Brasil e de iniciar u m processo de harmonização terminológica ajustado aos usos da(s) variante(s) do português do Brasil, criamos o projeto conjunto da Universidade de Brasília e IBICT, denominado FORMULAÇÃO DE UMA POLÍTICA COMUNITÁRIA EM TERMINOLOGIA PARA O BRASIL . O principal objetivo dessa política é desenvolver o Banco de dados terminológico do Brasil - Brasilterm. O projeto, já em execução, está publicado em periódicos que tratam especificamente de terminologia. 20

21

3 Considerações finais

Este texto não tem conclusão. Continuará aberto, porque as línguas fazem sua história todo dia. Deixamos propositalmente de tratar do português ao lado do espanhol porque a política de integração latino-americana está em curso. O Mercosul nos conduz ao mais importante projeto lingüístico da América do Sul, neste final de século. Novos tratados, novas leis, novos decretos... e a língua portuguesa caminha, atravessando, mais uma vez, fronteiras.

FAULSTICH, E. Linguistic planning and normalization issues. Alfo (São Paulo), v.42, n.esp., p.247-268, 1998. • ABSTRACT: The diversity of constitutional documents which worked as instruments of a planning policy of the language in Brazil shows the instability with which the legislators treated the Portuguese language in America. The fluctuation of attitudes has reflected directly on the denomination of the

20 Este projeto, resultante do meu estágio de pós-doutorado na Université Lavai, Quebec, Canadá, foi apresentado no IV SIMPÓSIO IBEROAMERICANO DE TERMINOLOGÍA, Buenos Aires, de 17 a 20 de outubro de 1994, com a colaboração de Ligia Café do IBICT. Pela própria natureza do projeto, atalmente ele constitui-se no subprojeto 1, do macroprojeto PROJETO INTEGRADO PARA IMPLANTAÇÃO E DIFUSÃO DE TERMINOLOGIA CIENTIFICA E TÉCNICA NO BRASIL, sob nossa orientação. 21 ver Ciência da Informação, Brasília, v.24, n.3, 1995 (Revista editada pelo IBICTj.

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language. Almost 500 years after the discovery of the country, two federal norms regularize that process and regulate the language in Brazil. The 1988 Constitution is the first one to legislate the Portuguese language as the official language of Brazil and, in consequence of the Constitution, the new "Lei de Diretrizes e Bases" of 1996, the so called "Darcy Ribeiro Law", assures the Portuguese language teaching as an instrument of communication, access to knowledge and citizenship exercise. Along with the legal approaches, the political force of the publications which systematize the Portuguese language is studied and, such publications project themselves as linguistic norms. Any proposal to language planning brings up the issue of language normalization. Linguistic planning, "normação", normalization, standardization and harmonization are concepts which need to be discussed based on the linguistic phenomena. One of the objectives of this article is to incite some thoughts toward those concepts. Terminological normalization audits diverse interpretations regarding language in use, mainly within economic markets, make part of the discussions. • KEYWORDS: Portuguese language; linguistic policy; Unguistic planning; normalization; terminolo0cal normalization.

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