«Please call me Co\'burn» - A Cockburn Smithes e a marca \"Special Reserve\" no mercado inglês de vinho do Porto (1962-1976)

July 13, 2017 | Autor: P. Almeida Leitão | Categoria: Wine Marketing, Vine and Wines History, Port Wine
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F AC U L D A D E D E LE T R A S UNIVERSIDADE DO PORTO

Pedro Almeida Leitão

2º Ciclo de Estudos em História Contemporânea

«Please call me Co’burn» A Cockburn Smithes e a marca Special Reserve no mercado inglês de vinho do Porto (1962-1976)

2013

Orientador: Prof. Doutor Gaspar Martins Pereira

Classificação Ciclo de Estudos: Dissertação: Versão definitiva

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Pedro Almeida Leitão

«Please call me Co’burn» A Cockburn Smithes e a marca Special Reserve no mercado inglês de vinho do Porto (1962-1976)

2013

Dissertação de Mestrado em História Contemporânea

Orientação: Prof. Doutor Gaspar Martins Pereira

Faculdade de Letras da Universidade do Porto

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Sumário No contexto da grave crise das exportações vivida no sector comercial do vinho do Porto a seguir ao final da II Guerra Mundial, estudaremos o percurso da Cockburn Smithes, uma firma exportadora de Gaia, ao longo dos anos sessenta e primeira metade da década de setenta. Para a empresa estes serão anos de profundas mudanças, inauguradas, em 1962, pelo takeover do grupo inglês Harveys of Bristol. Inserida nesta nova estrutura, a Cockburn’s procurará uma forma de reconquistar a sua posição no estagnado mercado de vinho do Porto em Inglaterra. O grupo Harveys será decisivo na criação da marca premium Cockburn’s Special Reserve, o vinho que, lançado em 1969, catapultará a empresa para a dianteira do mercado na década seguinte. Analisaremos a forma como a empresa viveu todas estas transformações, os termos do diálogo entre os escritórios do Porto e de Bristol, bem como as posições e o papel dos directores da Cockburn’s em Portugal.

Abstract Against the background of the serious crisis in exports suffered by the port wine trade after the end of World War II, we will follow the course taken by Cockburn Smithes, a port shipper based in Gaia, during the Sixties and the first half of the Seventies. To the company, these were years of profound changes that started in 1962 with the takeover by Harveys of Bristol, a sherry group. Included in this new structure, Cockburn’s will seek for a way to recover its share in the stagnated British market for port. Harveys will be decisive in the creation of the premium brand Cockburn’s Special Reserve, the wine that will propel the company to the leadership of the market during the Seventies. We analyze how the company dealt with these changes, the relationship between the Porto and Bristol offices, and the roles and opinions of the Cockburn’s directors in Portugal.

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ÍNDICE

INTRODUÇÃO .....................................................................................................................6 ESTADO DA ARTE ............................................................................................................12 1. O VINHO DO PORTO EM INGLATERRA NO PÓS II GUERRA MUNDIAL .....17

2.

1.1.

A longa crise das exportações ................................................................................17

1.2.

O vinho do Porto no mercado global .....................................................................25

1.3.

As marcas comerciais do vinho..............................................................................31

COCKBURN’S, A EMPRESA (1962-1969) ..............................................................39 2.1.

O 150.º aniversário da Cockburn Smithes em Gaia ...............................................39

2.2.

Enquadramento empresarial em 1965 ....................................................................47

2.2.1.

Organização interna ........................................................................................47

2.2.2.

Modernização e crescimento ..........................................................................51

2.2.3.

Publicidade em Inglaterra ...............................................................................55

2.3.

3.

Marcas próprias versus Buyers Own Brands .........................................................58

2.3.1.

A visão de um futuro estagnado .....................................................................58

2.3.2.

Sinais de recuperação e o vinho Cadima ........................................................68

COCKBURN’S, A MARCA (1969-1976) ..................................................................77 3.1.

O lançamento do Cockburn’s Special Reserve ......................................................77

3.2.

O incentivo do Fundo de Fomento de Exportação à publicidade nas marcas ........88

3.3.

Investir no Douro para assegurar o futuro ............................................................103

CONCLUSÃO ...................................................................................................................115 FONTES E BIBLIOGRAFIA ..........................................................................................118 APÊNDICE DOCUMENTAL ..........................................................................................123 Índice do Apêndice Documental .....................................................................................124

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INTRODUÇÃO Explain it who may, there’s a silent C.K. In the name of the very best Port.

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Há cerca de trinta anos, em plena Guerra Fria, um popular anúncio publicitário exibido na televisão inglesa abria com o resgate, por um navio da U.R.S.S., de uma tripulação britânica naufragada em alto mar. De todos os bens perdidos no desastre, os tripulantes apenas haviam conseguido salvar uma garrafa de vinho do Porto. Depois de um substancial repasto oferecido pelos oficiais soviéticos, o capitão inglês decide brindar os seus anfitriões com tal relíquia. O comandante russo inclina-se sobre a mesa para inspecionar a garrafa: «COCKBURN’S», exclama. A expressão no rosto do britânico torna-se tensa e grave. Simpaticamente, o seu ajudante explica a gaffe: «We don’t pronounce the C.K.!». «Co’burn’s?» — intrigado com a correcção, o oficial russo olha à sua volta. Aponta para um relógio atrás de si: «So, that is a Clo’?». «That’s a Clock», emendam os ingleses. Leva a perna à mesa de jantar, arregaça a calça e aponta para a sua peúga vermelha (onde, como não podia deixar de ser, estão gravadas a dourado a foice e o martelo): «So’?» — «Sock!», ripostam os convidados. Mais confuso que nunca, inquire de novo o russo: «So… I come from Moscock?». O capitão inglês, cobrindo o esgar trocista com o cálice de Porto, remata simplesmente: «Yes… I think you probably do». O anúncio fecha com o slogan: «Cockburn’s Special Reserve, a very fine bottle of port». Transforma as tuas fraquezas em forças — é um daqueles chavões clássicos dos livros de auto-ajuda que a Cockburn’s teria presente desde o início. A empresa, que ficou publicamente conhecida pelo apelido do seu fundador, Robert Cockburn, seria sempre vítima fácil de tiradas grosseiras à conta do seu nome. Não convinha desprezar esta questão relegando-a como corriqueira ou inoportuna. A reputação e a imagem institucional são a face com que uma firma comercial se apresenta no mercado, na tentativa de aliciar o maior número de consumidores a preferir os seus produtos em detrimento dos da concorrência. E seria uma ilusão pensar que os compradores dedicam grandes esforços de reflexão e análise a actos diários como a compra de uma garrafa para consumo quotidiano. Antes, são os estímulos imediatos que mais contam no

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Jingle publicitário usado pela Cockburn’s em 1964. ACB: Carta de W. Fletcher a R. M. Cobb, 7 de Outubro de 1964.

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momento de escolher entre uma garrafa de vinho e aquela imediatamente à sua direita na prateleira do supermercado ou da garrafeira. No início dos anos sessenta, a Cockburn’s abraçou este handicap nas primeiras acções publicitárias da firma, invertendo o seu sentido: não seria a empresa alvo de troça mas aqueles que, por desconhecimento da fama e do requinte dos seus vinhos, não soubessem pronunciar correctamente o seu nome. Se a piada surgia tão facilmente na boca do common man, o verdadeiro gentleman inglês, cultivador de refinado gosto, jamais o acompanharia, corrigindo-o sempre: «Co’burn». A irreverência snob desta campanha foi um sucesso imediato. Ao longo das décadas seguintes, quando a Special Reserve era já a marca de vinho do Porto mais vendida no Reino Unido, o tema permaneceria e a sua popularidade seria maior do que nunca. O anúncio descrito em cima, difundido no Natal de 1984, é prova desse êxito. A marca Cockburn’s Special Reserve foi, nos anos setenta, a investida comercial que catapultou a Cockburn’s para a liderança do mercado inglês de vinho do Porto. Suportado por musculadas campanhas publicitárias, este vinho premium apontava para a grande classe média que, desde o final da II Guerra Mundial, se tinha desinteressado do nosso vinho licoroso em favor de outros tipos de bebidas alcoólicas. O Special Reserve tentou, com sucesso, contrariar esta tendência, mostrando aos consumidores que também o vinho do Porto podia conquistar o seu lugar num competitivo mercado de massas, de consumidores exigentes e fortemente motivados por acções publicitárias, apresentando um produto de qualidade e a um preço acessível a todos. Por estas razões, o vinho da Cockburn’s será a plena representação da mudança no sector exportador do vinho do Porto, que durante vinte anos de profunda crise foi obrigado a adaptar-se a uma realidade comercial completamente diferente daquela a que confortavelmente se habituara na primeira metade do século XX. A partir da década de cinquenta, as firmas de Gaia serão alvo de processos de concentração empresarial — quer horizontal (entre empresas do mesmo sector), quer vertical (entre empresas que ocupam posições distintas na cadeia de valor do vinho) — espoletados, em muitos casos, por iniciativa de grandes conglomerados do sector internacional das bebidas alcoólicas. Agindo desta forma, os grupos empresariais procuravam, sobretudo, integrar marcas de vinho do Porto nos seus portefólios comerciais. Em paralelo, uma outra revolução aprofundará o processo de mutação do sector. Firmas que viviam quase exclusivamente da venda de vinho a granel irão ser tragadas por sofisticados esquemas de marketing e campanhas de publicidade que, a partir dos anos cinquenta, ditarão o sucesso ou insucesso dos produtos lançados nos principais 7

mercados mundiais. O vinho do Porto sucumbirá, nestes anos, à força promocional dos seus concorrentes próximos, em particular do vinho do Xerez. Na primeira parte da nossa dissertação, estas questões serão exploradas na linha das investigações de autores como Teresa da Silva Lopes, Conceição Andrade Martins, Tim Unwin, Paul Duguid, entre outros. A empresa Cockburn Smithes & Cia, estabelecida no Porto desde 1815, é um objecto privilegiado para estudarmos os fenómenos descritos. Acompanhando a evolução do sector desde o final da II Guerra Mundial, e seguindo o enquadramento teórico esboçado pela investigação de Teresa da Silva Lopes, veremos, neste caso particular, como as mudanças afectaram a estrutura organizacional da empresa e, especialmente, as decisões dos seus directores. A investigação que desenvolvemos incidiu sobre um conjunto particular de fontes, nomeadamente documentação empresarial guardada no Arquivo Cockburn’s (referido em diante como “ACB”), localizado nas instalações da firma na rua das Coradas, em Vila Nova de Gaia e à guarda da actual proprietária da Cockburn Smithes, a Symington Family Estates. O universo documental reunido neste arquivo engloba vários milhares de documentos, produzidos ao longo de quase dois séculos de actividade da empresa em Portugal. Levantámos apenas uma ínfima parte desse vasto espólio, concretamente os documentos que se relacionam com a administração e política comercial da firma entre o início dos anos sessenta e a primeira metade da década seguinte. Através do estudo de relatórios de vendas, actas de reuniões da administração, correspondência trocada entre os directores de Portugal e Inglaterra, estudos prospectivos, documentos contabilísticos, facturas, etc., tentámos compreender o ambiente vivido na empresa durante aqueles anos. Foi nosso objectivo enquadrar e perceber a actuação dos directores do escritório da firma em Gaia, cuja acção foi, nestes anos, sempre condicionada pelas directivas emanadas de Inglaterra e sujeita a sérios constrangimentos comerciais e financeiros. O período cronológico que aqui tratamos é inaugurado por um evento marcante na história da firma: o takeover do grupo inglês Harveys of Bristol, em 1962. Este acontecimento representará a passagem de um modelo de gestão familiar à complexa articulação da administração da Cockburn’s no contexto de um grande grupo empresarial, do qual a firma passou a estar hierarquicamente dependente. Neste novo paradigma, a empresa irá, ao longo dos anos sessenta, reorientar a sua estratégia comercial no estagnado mercado inglês. Nos anos mais críticos do ponto de vista financeiro, a Cockburn’s sentirá os efeitos do esmagamento da sua rentabilidade por pressões quer a montante quer a jusante. Na região demarcada, a 8

tendência inflacionista dos custos de produção (em particular, por via da escassez de mão-de-obra) que se fará reflectir no sempre crescente preço do vinho, obrigará a empresa a rever a viabilidade do tradicional modelo de fornecimento dos viticultores e a estudar alternativas que passarão, incontornavelmente, pela construção de adegas e centrais de vinificação no Douro. A jusante, no mercado inglês, os insatisfatórios valores das vendas levantarão o dilema entre a opção pela promoção de marcas próprias (bastante lucrativas mas que exigiam a orientação de largos recursos no seu lançamento e firmação no mercado) e por fornecimentos de vinho a granel a distribuidores e retalhistas no abastecimento das suas marcas (um negócio de venda em quantidade mas de frágil rentabilidade e sujeito a guerras de preços). A Harveys, por seu lado, não quererá comprometer-se com uma política de investimentos avultados num mercado economicamente pouco estimulante. Só no final da década, quando as vendas em Inglaterra derem os primeiros sinais de recuperação, é que o grupo inglês afectará, em cooperação com o escritório de Gaia, os seus esforços de marketing para reganhar uma posição de destaque naquele mercado. Deste trabalho conjunto sairá a marca Cockburn’s Special Reserve, lançada em Inglaterra no Outono de 1969. Tal como em 1962, este marco representa uma nova fase na vida da empresa. Fechamos aqui a segunda parte da nossa dissertação. Na terceira e última secção, a marca Special Reverse tomará o foco das atenções. Ao seu lançamento seguir-se-ão anos de um espectacular crescimento das vendas no mercado inglês. Assim, enveredar-se-á por um programa de expansão das instalações da firma no Douro, por forma a assegurar o abastecimento contínuo do vinho ao ritmo do aumento das exportações. Dos organismos corporativos do sector do vinho do Porto virá um importante contributo para esta estratégia da empresa, na forma de um subsídio atribuído à publicidade nas marcas, que exponenciará o montante despendido nas campanhas publicitárias do Special Reserve. Descreveremos nas páginas desta secção o perfil promocional da marca, a sua estratégia de marketing, suas influências e contributos prestados pelas personalidades dos escritórios de Gaia e Bristol. Traçaremos, ainda, de forma sucinta, os moldes em que se realizaram as campanhas publicitárias que garantiram o sucesso do vinho em Inglaterra. Entre 1974 e 1976, o ritmo de crescimento das vendas irá estabilizar. Será um período de incerteza no sector exportador e de afrouxamento das vendas nos mercados externos. A Revolução do 25 de Abril fará cair o regime corporativo em que assentavam as políticas de regulação do vinho do Porto. Também a crise económica mundial, 9

inaugurada com os primeiros choques petrolíferos de 1973, levará a um arrefecimento da procura de vinho do Porto nos mercados externos e a uma revisão das expectativas por parte das empresas. No entanto, logo em 1977, o ritmo de crescimento das vendas retomar-se-á e, ao longo da restante década de setenta e por toda a década de oitenta, será sempre tendencialmente crescente. Por representar o ano em que termina o primeiro ciclo de vendas do Special Reserve, fecharemos a nossa investigação em 1976. Como defenderemos ao longo da dissertação, o Cockburn’s Special Reserve foi, simultaneamente, produto da indefinição quanto ao rumo a seguir pela empresa e instrumento de relançamento das vendas no mercado inglês. Fruto da intersecção de vários factores favoráveis e oportunidades comerciais, a marca representará, na exacta medida exigida pelo mercado, a chave para desbloquear a estagnação das exportações para Inglaterra. Em 1969, a Cockburn’s terá na marca Special Reserve uma eficaz arma para combater aquelas que mais tarde serão apontadas como as inaptidões do sector do

Índice, ano base = 1946; série «Cockburn» = 1963

vinho do Porto na resposta dada às transformações da procura depois de 1945.

Gráfico 1: Índice da Quantidade Exportada de Vinho do Porto 300 250 200 150 100 50 0 1945

1950

1955

Total

Reino Unido

1960

1965

1970

1975

1980

Cockburn

1962: Takeover da Harveys of Bristol 1969: Lançamento do Cockburn’s Special Reserve

1976: Fim do primeiro ciclo de vendas do CSR

Fontes: MARTINS, Conceição Andrade — Memória do Vinho do Porto. Lisboa: ICS-UL, 1990, p. 223224; ACB: Shippings for the Group, Janeiro de 1963 a Dezembro de 1971; ACB: Summary of Sales, Janeiro de 1972 a Dezembro de 1976.

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Agora, a título inteiramente pessoal, cabe-me reconhecer aqueles que tornaram possível a presente dissertação. Agradeço, em primeiro lugar, ao Professor Gaspar Martins Pereira, orientador desta investigação. Sem o seu contínuo apoio, conhecimento partilhado e valiosas sugestões, tal trabalho não teria sido realizável. Balizando sempre as minhas desordenadas investidas, mas dando espaço para desenvolver livremente as hipóteses levantadas no decurso de investigação, as suas palavras foram particularmente importantes quando me surgiram as primeiras dúvidas quanto à capacidade de levar este trabalho a bom termo. Ao Dr. António Filipe e ao Eng. Luís Martins, da Symington Family Estates, que prontamente deram luz verde a este projecto e me permitiram o livre acesso ao Arquivo Cockburn’s, facultando ainda importantes entrevistas exploratórias. À Dra. Paula Montes Leal, arquivista e investigadora do CITCEM, que inventariou os documentos que aqui tratamos. Sem os seus catálogos seria impossível qualquer esforço de organização da informação. Ao Instituto do Vinho do Porto, nas pessoas de Cristina Moreira e Sérgio Almeida, que gentilmente me receberam na biblioteca do Instituto, facultando-me todas as referências bibliográficas de que necessitava. À minha família e amigos, por terem encorajado este projecto desde o início. Uma referência especial e um abraço àqueles que me acompanharam na Faculdade de Letras da Universidade do Porto durante os meses de estudo: Tomás, Fátima, Ramires, Sofia, Hélder e Rocha. E, em particular, ao Pedro, por neste período de dois anos, de passos em falso e desvios tortuosos, me ter dado a mão, o braço todo e mais ainda, sempre que precisei. Finalmente, à minha irmã Mariana, a quem prometi, em troca da sua preciosa ajuda na organização e formatação de documentos, uma menção especial neste espaço. Na impossibilidade de tornar este agradecimento tão entusiasmante como lhe devo ter garantido na altura, fica a certeza que, daqui a uns anos, quando a idade e a lei o permitirem, terá ela no vinho do Porto o assegurado deleite que a escrita falha tantas vezes em transmitir — retendo, no entanto, sempre e impreterivelmente presente o aviso: «pronounce responsabily».

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ESTADO DA ARTE

Nesta secção faremos uma breve exposição da literatura que fomos levantando no decurso da nossa investigação. Esse levantamento é representativo da heterogeneidade de problemáticas que cruzam os objectos de estudo — a empresa Cockburn Smithes e a marca Special Reserve — e que a eles se unem como ponto comum a todas. De forma a tornar o texto mais fluído e legível, apresentaremos as obras de maior relevo, encadeadas segundo uma lógica que possibilitará a explicação da pertinência de cada uma e as problemáticas que adereçam, bem como a sua ligação ao percurso da investigação. O panorama bibliográfico de textos publicados sobre a história do vinho do Porto é vasto e diversificado. Dentro deste extenso e profundo mar de literatura teremos que escolher certas correntes que nos guiarão a um entendimento mais pormenorizado sobre os objectos de estudo, sem desconsiderar por um instante o grande oceano temático em que navegamos. Correntes subsidiárias serão sempre úteis — e delas faremos certamente uso — dada a abordagem multidisciplinar com que nos comprometemos. Tratamos nesta investigação de uma marca de vinho do Porto, criada e gerida por uma empresa de origem inglesa, sediada em Gaia, que tinha por negócio a exportação do vinho para diversos mercados por todo o mundo, com especial destaque para Inglaterra. Começaremos, pois, por estudar o sector exportador do vinho do Porto no período em que focamos a nossa atenção: desde o término da II Guerra Mundial, até sensivelmente ao final da década de setenta do século XX. Estando a empresa inserida num mercado concorrencial, teremos que analisar o comportamento das outras firmas exportadoras e as tendências de mudança que afectaram o sector neste período. A obra de Conceição Andrade Martins, Memória do Vinho do Porto (1990)2, reúne uma vasta compilação estatística sobre o sector: da evolução das exportações, dos preços do vinho e dos principais mercados de exportação, apresentando as macrotendências da transformação do Comércio, bem como as variáveis que a promoveram, ao longo dos três séculos de análise (XVIII-XX). Referiremos ainda a preciosíssima crónica vinícola presente no final da obra, onde os principais marcos históricos para o sector são encadeados cronologicamente desde o século XVI até à actualidade. Uma nota, ainda, 2

MARTINS, Conceição Andrade — Memória do Vinho do Porto. Lisboa: ICS-UL, 1990.

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para o trabalho de Martins (1988)3 que precede imediatamente a obra supracitada e que serve de esboço a esta obra maior. Complementaremos, em pormenor, o contributo da autora para o período imediatamente anterior à II Guerra Mundial com a investigação de Fernando Peixoto (2004)4 . É sobretudo no campo da história económica e empresarial que nos debatemos. Porém, nenhuma compreensão do tempo passado de uma sociedade, de uma firma ou de uma marca, como no nosso caso, seria possível sem a compreensão do tempo político. Com António Barreto (1988)5 estudamos a evolução da intervenção do Estado nos três séculos de análise da já referida obra de Conceição Andrade Martins. Com Fernando Peixoto (2011)6 analisamos o instrumento por excelência de intervenção estatal no período com que nos ocupamos: o Instituto do Vinho do Porto. O século XX português para o sector exportador fica organicamente retratado através das obras supra referenciadas, complementadas pontualmente por outras de maior detalhe temático. Mas o cenário internacional é, pelo menos, de igual importância, ou não vivesse o sector das vendas de vinho do Porto ao exterior. Hábitos de consumo, concorrência, estratégias empresariais, canais de distribuição, marketing e publicidade… Cada um destes factores deve ser estudado ao pormenor, por representarem algumas das variáveis que ditaram o sucesso ou o falhanço das principais marcas e casas exportadoras nos mercados internacionais no Pós II Guerra Mundial. O paralelismo entre o cenário internacional e o caso português ser-nos-á evidenciado pelos trabalhos de Teresa da Silva Lopes. Tim Unwin, no seu Wine and the Vine (1991)7, dedica um capítulo ao panorama do sector do vinho no século XX — produção, distribuição e consumo — e aponta as grandes transformações que se operaram nestes três domínios. Teresa da Silva Lopes aprofunda a análise destas tendências na sua obra Global Brands8 e no paper que lhe

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MARTINS, Conceição Andrade — Os ciclos do vinho do Porto: ensaio de periodização. «Análise Social», nº 100. Lisboa: ISCEF-UTL, 1988, p.391-429. 4 PEIXOTO, Fernando — Mercado externo do vinho do Porto nas vésperas da II Guerra Mundial. In VIEIRA, Alberto, coord. — Actas do III Simpósio da Associação Internacional de História e Civilização da Vinha e do Vinho. Funchal: CEHA, 2004, p. 155-174. 5 BARRETO, António — O vinho do Porto e a intervenção do Estado. «Análise Social», nº 100. Lisboa: ISCEF-UTL, 1988, p. 373-390. 6 PEIXOTO, Fernando — Do corporativismo ao modelo interprofissional. O Instituto do Vinho do Porto e a evolução do sector do vinho do Porto (1933-1995). Porto: CITCEM/Edições Afrontamento, 2011. 7 UNWIN, Tim — Wine and the vine: an historical geography of viticulture and the wine trade. Londres: Routledge, 1991. 8 LOPES, Teresa da Silva — Global Brands: The Evolution of Multinationals in Alcoholic Beverages. Cambridge: Cambridge University Press, 2007.

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serviu de esboço (1999)9 . A grande mudança de paradigma dá-se nos anos sessenta, quando as concentrações se generalizam quer entre os vários níveis da cadeia de produção, quer entre empresas de produtos concorrentes (cerveja, destilados, licores… substitutos próximos ou complementares do vinho, aos olhos dos consumidores). Formam-se grandes grupos de relevo transnacional que asseguram a produção, distribuição e venda de um catálogo extenso e diversificado de bebidas alcoólicas, ancorado em marcas fortes e, tal como refere o título, globais — a única escala capaz de tornar rentáveis os enormes investimentos realizados na sua promoção. Não só se verificou esta uma estratégia de sucesso como, argumenta Lopes, se tornou a única possível para as marcas (e as empresas que as detinham) sobreviverem num mercado cada vez mais competitivo e exigente em capital. Em outras obras desta investigadora, o foco de análise é direcionado para o caso particular do sector do vinho do Porto, em que, ponto por ponto, são estudadas as mudanças estruturais verificadas desde 1945. Em Internacionalização e Concentração no Vinho do Porto, 1945-1995 (1998)10, Evolução das Estruturas Internacionais de Comercialização do Vinho do Porto no Século XX (2001)11 e Instituições, Sobrevivência e Crescimento Empresarial no Vinho do Porto (2006)12 é analisada a tendência para a concentração horizontal do sector através da integração das firmas exportadoras em grandes multinacionais de bebidas alcoólicas, que assim desejavam incluir nos seus portefólios marcas deste tipo de vinho com potencialidades de sucesso. A distribuição que essas multinacionais vieram permitir ao vinho fez aumentar exponencialmente as possibilidades de exportação, o que, em parte, permite explicar o aumento generalizado das vendas ao exterior a partir dos anos sessenta. É ainda destacado nos seus estudos a mudança de paradigma na gestão empresarial do sector: as tradicionais “famílias” ligadas à administração das casas exportadoras foram sendo substituídas por gestores e administradores profissionais, com qualificações académicas adequadas ao cargo.

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LOPES, Teresa da Silva — The Impact of Multinational Investment on Alcohol Consumption since the 1960s. «Business and Economic History», nº 2, Winter. Business History Conference, 1999, p. 109122. 10 LOPES, Teresa da Silva — Internacionalização e concentração no Vinho do Porto, 1945-1995 «Cadernos da Revista DOURO — Estudos e Documentos», nº 3. Porto: GEHVID/ICEP, 1998. 11 LOPES, Teresa da Silva - A evolução das estruturas internacionais de comercialização do vinho do Porto no século XX. «Revista de História Económica e Social», série 2, nº 1. Lisboa: FCSH-UNL, 1º Semestre de 2001, p. 91-132. 12 LOPES, Teresa da Silva — Instituições, sobrevivência e crescimento empresarial no vinho do Porto. In PEREIRA, Gaspar Martins; LEAL, Paula Montes, coord. — O Douro contemporâneo. Porto: GEHVID, 2006, p. 291-303.

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Mas um elemento particular percorre todos estes textos (por ser actor de primeiro plano nas transformações analisadas) e esse nos interessa especialmente: a marca dos vinhos. Em A marca e a internacionalização do vinho do Porto (2000)13, Teresa da Silva Lopes e Álvaro Aguiar fazem remontar o início do apogeu das marcas no comércio externo aos primeiros movimentos de internacionalização e concentração das empresas do sector, já que a sua importância para estes processos foi máxima. Por um lado, de forma a garantir um maior controlo sobre os seus produtos ao longo da cadeia de valor e evitar que distribuidores e retalhistas utilizassem as suas designações comerciais abusivamente. Por outro, de forma a rentabilizar os grandes investimentos feitos em publicidade e promoção das vendas, estratégia seguida pelas multinacionais com a inclusão das marcas de vinho do Porto nos seus catálogos. De igual forma, a nível institucional, foram criados obstáculos legais à exportação a granel e generalizouse a venda de vinho engarrafado, o que veio exigir um investimento incontornável nas marcas. O surgimento generalizado da noção moderna de marca no sector do vinho do Porto tem lugar nos anos sessenta do século XX, com a recuperação das exportações após o longo período de estagnação inaugurado pela II Guerra Mundial. Contudo, como nos revela a investigação desenvolvida por Paul Duguid — (2003)14 e (2008)15 — a preocupação das empresas de bebidas alcoólicas com a protecção do seu nome comercial vem já de longa data, sobretudo em Inglaterra. A esses nomes comerciais e à maneira como eram percebidos pelos consumidores, podemos identificar a génese das modernas marcas comerciais do vinho. De facto, como nos explica Duguid em «Developing the Brand», em Inglaterra, logo no século XIX, as marcas eram vistas como símbolos de qualidade contra falsificações e adulterações. Assinalavam uma prova de confiança contra os produtos corrompidos que proliferavam entre o comércio de bebidas alcoólicas na altura16. Produtores, agentes e retalhistas passaram então a usar o seu nome comercial como garantia. Esta era a função primordial das marcas. No

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AGUIAR, Álvaro; LOPES, Teresa da Silva — A marca e a internacionalização do vinho do Porto. «DOURO — Estudos e Documentos», nº 9. Porto: GEHVID, Primavera 2000, p. 121-143. DUGUID, Paul — Developing the Brand: The Case of Alcohol, 1800-1880. «Enterprise & Society», Vol.4, nº 3, Oxford: Oxford University Press, Setembro 2003, p. 405-441. DUGUID, Paul — French Connections: The International Propagation of Trademarks in the Nineteenth Century. «Business History Conference», Oxford: Oxford University Press, 2008. Diga-se, como nota de passagem, que a reputação do vinho do Porto aos olhos dos ingleses esteve sujeita a campanhas de promoção e difamação que nem sempre estavam ligadas às qualidades intrínsecas do produto. Isto nos descreve Duguid noutro trabalho seu: DUGUID, Paul — The Douro and its wine in the English imagination. In PEREIRA, Gaspar Martins; LEAL, Paula Montes, coord. — O Douro contemporâneo. Porto: GEHVID, 2006, p. 181-195.

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entanto, o sector do vinho do Porto, ao contrário das restantes bebidas alcoólicas, não parece ter dado particular atenção a este recurso, a não ser de forma muito reservada e pouco entusiástica. Em 1860, Gladstone aprova no parlamento inglês medidas que vêm facilitar a importação e a venda de vinho a retalho em Inglaterra. Segue-se uma explosão no consumo de vinho, impulsionado por estas políticas, e uma reorganização de toda a estrutura empresarial do mercado inglês de vinho. A análise do seu comportamento, desde 1860 até à I Guerra Mundial, é-nos dada por James Simpson (2004)17. Começam então a surgir, fruto das novas possibilidades legislativas introduzidas por Gladstone, grandes cadeias de retalhistas, inaugurando o processo de concentração (horizontal, neste caso) que quase um século depois viria a englobar, para além do comércio a retalho, a produção e a distribuição de bebidas alcoólicas — e, nesses grupos, as casas exportadoras de vinho do Porto. Em Wine for Sale (1985)18, Asa Briggs relata-nos a história do crescimento da Victoria Wine, de pequeno retalhista a grande cadeia de distribuição e venda integrada de vinho, a par das transformações que se foram registando no mercado inglês de bebidas alcoólicas durante todo o século XX. Um contributo importante no que se refere ao mercado inglês de vinho do Porto é-nos fornecido por Sarah Bradford (1969)19. Citaremos extensivamente esta obra ao longo da primeira parte da nossa dissertação.

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SIMPSON, James — Selling to reluctant drinkers: the British wine market, 1860-1914. «Economic History Review», vol. LVII, nº 1. Oxford: Blackwell Publishing, 2004, p. 80-108. 18 BRIGGS, Asa — Wine for Sale: Victoria Wine and the Liquor Trade, 1860-1984. Londres: B.T. Batsford, 1985. 19 BRADFORD, Sarah — The englishman’s wine — the story of Port. Londres: Macmillan, 1969.

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1.

O VINHO DO PORTO EM INGLATERRA NO PÓS II GUERRA MUNDIAL

1.1.

A longa crise das exportações

«Todos os antigos apreciadores de vinho do Porto hão-de estar desejosos de saborear tão deliciosa bebida em paz»20. Este apelo, publicado em 1943 num dos jornais portuenses de maior circulação, espelha bem o clima de expectativa vivido no sector exportador de vinho do Porto. Estávamos em plena II Guerra Mundial, em anos de total suspensão do comércio externo deste produto. As vendas nos tradicionalmente grandes clientes do vinho, a Inglaterra e a França, registaram valores residuais, enquanto para países como a Noruega, Holanda, Suécia e Alemanha não se verificaram quaisquer envios21. Apesar dos números desencorajadores, era comum entre os principais agentes ligados ao vinho um sentimento de confiança na retoma que impulsionaria o comércio mal o conflito terminasse22. A experiência da I Guerra assim o ensinara, e nada levava a crer que, desta vez, a conjuntura não seguisse a mesma tendência. Aliás, com efeitos reforçados, já que entre 1914 e 1918 nunca as exportações haviam descido do limiar das 40 mil pipas, para logo terem alcançado as 100 mil com o final do conflito23. Na presente situação de total congelamento do comércio, seria de esperar um aumento da procura necessariamente proporcional à retracção imposta pela Guerra. Não havia razões para esperar outro comportamento do mercado que não um crescimento exponencial das vendas no curto prazo. As directivas aprovadas pelo Instituto do Vinho do Porto (IVP) e pela Casa do Douro durante o período bélico sinalizam bem as expectativas do sector. Em 1944, o benefício aprovado pelo Instituto para a produção de vinho do Porto foi de 60 mil pipas — quando o somatório da quantidade vendida nos três anos anteriores não atingia sequer este valor (57.500 pipas, no total)24. Outras políticas de incentivo reforçaram o optimismo generalizado. São exemplo, as elevadas compras de vinho de pasto promovidas pela Casa do Douro (cerca de metade da produção em 1943 e 1944); a

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O Comércio do Porto, Junho de 1943. Apud MARTINS, Conceição Andrade — Memória do Vinho do Porto. Lisboa: ICS-UL, 1990, p. 126. 21 Idem, p. 125. 22 BRADFORD, Sarah — The englishman’s wine — the story of Port. Londres: Macmillan, 1969, p. 170. 23 MARTINS, Conceição Andrade — Memória do Vinho do Porto. Lisboa: ICS-UL, 1990, p. 126. 24 Idem, p. 127 e 223.

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permissão governamental para expansão das plantações de vinha no país, pressupondo aumentos na procura externa e interna deste produto; e, ainda, o discurso de confiança adoptado pelos organismos estatais. Uma nota assinada pela Casa do Douro em Julho de 1945 ilustra este último ponto: «se o panorama presente não dá (…) razão a que mostremos imediato optimismo, tão-pouco deve levar-nos a injustificados pessimismos ou à descrença no futuro da maior riqueza nacional… que o paladar de todo o mundo ansiosamente espera voltar a consumir»25. Cinco anos decorridos desde o final da Guerra era notório o estado de desalento do sector. A retoma tardava: «nem prosperidade para o comércio e [para] a lavoura do Vinho do Porto, nem tão pouco regresso à posição de antes da guerra». O desabafo vem publicado num relatório elaborado a pedido do IVP sobre os mercados externos no início da década de cinquenta. O autor do estudo aponta como principal causa para a crise as políticas proteccionistas — apelida-as de «egoístas» — comuns à maioria dos países europeus. Na análise que faz do mercado inglês, onde a quebra nas exportações foi mais gravosa, não deixa de denunciar a «galinha dos ovos de ouro» que as taxas sobre a importação de vinho (e sobre os vinhos fortificados, em particular) representavam para o Tesouro britânico26. Os organismos oficiais procuravam, por esta altura, perceber as razões da crise e isto leva-os a inquirir sobre a verdadeira aceitação do vinho do Porto nos seus principais mercados. No entanto, é visível em várias passagens do relatório como a sombra da “reputação” do vinho, construída e veiculada pelos organismos oficiais, encobre o que uma análise substancialmente técnica do comportamento dos mercados poderia revelar. Como afirma o mesmo autor: «apesar de afirmações insuspeitas sobre o favor que goza em Inglaterra o Vinho do Porto, aquele que mais se harmoniza com o espírito e temperamento britânicos e mais agrada ao seu paladar, a verdade é que as coisas não correm de feição»27, e logo discorre sobre as possíveis razões para a não correspondência entre o favor e o consumo inglês. O relatório levanta a hipótese de não se esgotarem nas barreiras alfandegárias as razões da estagnação das vendas, sobretudo depois de levantado o «contigentamento» sobre a importação de vinhos portugueses em Outubro de 1949. Cita para isso, de forma extensiva, um relatório elaborado por uma agência britânica de publicidade a pedido da Port Wine Trade Association. Entre outras, nota as seguintes tendências de consumo em

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MARTINS, Conceição Andrade — Memória do Vinho do Porto. Lisboa: ICS-UL, 1990, p. 127. PEREIRA, José Ribeiro — Ronda dos Mercados Externos em 1950. «Anais do Instituto do Vinho do Porto». Porto: Instituto do Vinho do Porto, 1952, p. 10, 232. 27 Idem, p. 245. 26

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Inglaterra desde 1945: «a) o vinho do Porto, como o vinho em geral, é considerado muito caro; b) os espirituosos e possivelmente os licores mostram tendência e fazem tudo por desbancar o vinho do Porto; c) A maneira de viver modificou-se completamente. O hábito de beber antes das refeições generalizou-se e em parte devido ao declínio qualitativo das refeições médias; O Porto apesar da sua aptidão para aperitivo é quase ignorado como tal». Sem lhe reconhecer particular importância, ao citar estas linhas, o autor assinala a grande transformação ocorrida entre os consumidores ingleses — sendo eles quem, em última análise, dita o sucesso ou insucesso dos produtos naquele mercado. A agência britânica faz notar a diferença substancial entre os que «conhecem» e dizem «gostar» de vinho do Porto («[an] abnormally high proportion»), e os que afirmam consumi-lo com regularidade diária — 1% de todos os consumidores de bebidas alcoólicas. Diz-se ainda ter o vinho do Porto uma especial popularidade junto do sexo feminino: «isto tem os seus inconvenientes (…) [pois] pode criar nos bebedores do sexo forte a ideia errada de “efeminado” ligada ao Vinho do Porto, o que poderá prejudicar a educação do seu paladar em relação a este vinho nobre»28. O caso de sucesso do vinho do Xerez, «o nosso sério rival (…) que a GrãBretanha vem preferindo», é aflorado pela conta das parecenças entre os dois produtos, quer em estilo (grau de doçura e cor) quer em preço (sendo o preço da pipa de vinho em Gaia de 93£, enquanto em Cádis era de 90£)29. Porém, o exame concorrencial entre os dois produtos esgota-se nestes pontos breves. Ainda com o mercado inglês em análise, um outro relatório do mesmo ano citado por Asa Briggs30 vai mais longe, e alarga o inquérito às restantes bebidas alcoólicas tidas como substitutas próximas do vinho do Porto. Segundo o MassObservation Bulletin de Abril de 1949, por cada 100 consumidores de bebidas alcoólicas, 90 afirmavam guardar whisky em casa, 88 vinho do Xerez, 82 gin, 70 brandy, 57 vinho do Porto, 51 outros tipos de vinhos, 49 rum e 40 cidra. Segundo estas estatísticas, pouco mais de metade dos inquiridos detinham em suas casas o famoso englishman’s wine. Por outro lado, no caso do Xerez, a quase a totalidade dos observados guardavam em casa pelo menos uma garrafa do vinho tido como o nosso «sério rival».

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Ibidem, p. 246. Ibidem, p. 247. 30 BRIGGS, Asa — Wine for Sale: Victoria Wine and the Liquor Trade, 1860-1984. Londres: B.T. Batsford, 1985, p. 155. 29

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A depauperização da sociedade britânica durante anos do conflito, a austeridade exigida no esforço de reconstrução e, em particular, os entraves à importação, são as razões apontadas pelo relatório do IVP de 1950 para a crise sofrida pelo sector do vinho do Porto neste mercado. Em Inglaterra, a conjuntura macroeconómica vivida no pósGuerra não era, de facto, a mais favorável ao consumo do vinho do Porto. A dificuldade de entrada e posicionamento do vinho e de outros produtos estrangeiros considerados não essenciais era uma realidade. O diagnóstico do IVP não parecia, contudo, poder ser aplicado a todas as bebidas alcoólicas, de resto como o próprio autor do relatório de 1950 aponta, exemplificando com o caso do vinho do Xerez. À parte da alusão ao estudo já citado sobre a imagem do vinho do Porto no mercado inglês, a investigação sobre os desfasamentos concorrenciais entre este e outros produtos não tem lugar nas páginas do relatório. É notório ao longo do documento, para todos os mercados sem excepção, uma ênfase dada às tendências gerais e agregadas da procura, em detrimento de análises de mercado mais finas, relacionadas com aspectos de concorrência, orientações do consumo, segmentação do mercado, entre outros. Os representantes dos organismos oficiais preferiram nesta altura uma abordagem menos técnica, mais generalista, mais “política”, se quisermos, no estudo das razões da crise. Além disso, a frequente referência a uma dimensão “simbólica”, encarnada — enquanto bandeira comercial e trunfo maior da economia portuguesa — pelo vinho do Porto, dificulta o distanciamento necessário para um estudo puramente técnico. Doze anos depois, com as exportações a darem fracas razões para contentamento do sector, um novo representante do IVP surge publicamente a lamentar a situação de estagnação, culpando (ainda por esta altura) o esforço da reconstrução europeia e, sobretudo, os desequilíbrios infligidos pela guerra na estrutura sócioeconómica dos países europeus. A tónica de análise não parece ter mudado ao longo de uma década de profunda crise: «muito pior que as enormes devastações materiais foi o desequilíbrio económico-social que [a II Guerra] produziu nas camadas sociais, os mais abastados e mais ilustres dos quais viram descer subitamente o seu nível de vida para uma posição que não lhes permitiu continuar a fazer consumo de produtos de qualidade entre os quais se contava o Vinho do Porto — especialmente na Inglaterra e na França — enquanto outras classes de fraco poder económico e de fraca preparação cívica se viram guindadas inesperadamente a posições que lhes permitiram passar a consumir em

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maiores quantidades as bebidas mais baratas a que o seu paladar estava habituado» 31. Sirva esta transcrição para subscrever Bradford quando nos lembra que, ao longo da história, «more than any other wine, (…) [port] has been beset by myth and snobbism»32. Em contraponto às teses veiculadas pelo IVP, surgem na imprensa britânica, sobretudo a partir de 1950, alguns sinais de confiança na retoma do comércio de vinho. Em 1952, A revista The Economist declara que a situação de pleno emprego que a Inglaterra vivia e as políticas de redistribuição do rendimento tinham colocado este produto à «disposição de um público inteiramente novo»33. No mesmo artigo, todavia, lê-se que nem todos os vinhos teriam sido igualmente beneficiados: os fortificados, como os vinhos do Xerez e do Porto, seriam as principais vítimas das taxas alfandegárias à importação (que, desde o início da guerra, haviam quintuplicado). Mas uma razão adicional explica o decréscimo no consumo do licoroso português, mais acentuado que no caso do Xerez. A situação sócio-económica da Inglaterra ditava, de facto, o insucesso do vinho do Porto desde o fim da Guerra. Mas não da forma que os representantes do IVP adivinhavam. Em vez da súbita mudança que teria prejudicado o vinho, a raiz do problema parecia ser a falta de adaptação do vinho à mudança: social, cultural e económica. As características da procura alteravam-se e o vinho do Porto não as parecia acompanhar; antes, as ignorava. O diagnóstico da revista The Economist é lapidar: «Port had been a drink for the rich at one end of the scale and the poor at the other, but there were now far more people in between who did not like it»34. Nos dez anos posteriores ao fim da II Guerra, o clima de «austeridade contínua» em Inglaterra, materializado, entre outras medidas, nas quotas e taxas à importação de bens de luxo, prejudicou seriamente a disponibilidade e o preço do vinho nos pontos de 31

JUNTA NACIONAL DO VINHO — Jornadas vitivinícolas: 1962, V Volume. Lisboa: Junta Nacional do Vinho, 1962, p. 63-64. Em 1952, escrevera José Ribeiro Pereira: «O consumo [de vinho do Porto] é um hábito com dois séculos de profundas tradições não só nas classes mais elevadas da Grã-Bretanha como em larguíssimas camadas da população que consideram a sua restrição forçada [por via das taxas à importação] (…) como uma quebra substancial no seu nível de vida.» As classes mais altas cortavam nas suas despesas com o vinho «por impossibilidade de satisfazer as fauces hiantes do fisco trabalhista». PEREIRA, José Ribeiro — Ronda dos Mercados Externos em 1950. «Anais do Instituto do Vinho do Porto». Porto: Instituto do Vinho do Porto, 1952, p. 248. A este respeito ver ainda a declaração de Mário Bernardes Pereira, à altura director-adjunto do IVP, citada na obra de Fernando Peixoto. PEIXOTO, Fernando Aníbal Costa — Do Corporativismo ao Modelo Interprofissional. O Instituto do Vinho do Porto e a evolução do sector do Vinho do Porto (1933-1975). Porto: CITCEM e Edições Afrontamento, 2011, p. 267. 32 BRADFORD, Sarah — The englishman’s wine — the story of Port. Londres: Macmillan, 1969, p. 181. 33 BRIGGS, Asa — Wine for Sale: Victoria Wine and the Liquor Trade, 1860-1984. Londres: B.T. Batsford, 1985, p. 157. 34 Idem, p. 157.

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venda ingleses. No entanto, ao contrário do que sugere o relatório redigido pelo IVP em 1950, eram medidas que alastravam a todos os mercados e a todos os produtos. Mesmo para a produção doméstica, os regimes de racionamento persistiam e afectavam também os bens de primeira necessidade. Briggs lembra que o pão continuou a ser racionado em território inglês até 195535. Com o levantamento das barreiras alfandegárias em 1949, o consumo de vinho importado em Inglaterra teve um crescimento exponencial, mais do que duplicando entre os anos 1950 e 1960, e novamente dobrando até ao final da década de sessenta. Dos seus substitutos próximos (consideramos, aqui, o sector das bebidas alcoólicas) apenas os destilados (spirits) acompanharam as tendências de crescimento do consumo de vinho — mas nunca igualando o seu ritmo; duplicaram entre 1950 e 1965, tendo depois registado um ligeiro decréscimo até 1970. Já entre 1950 e 1970 o consumo de cerveja praticamente estagnou, registando apenas um modesto crescimento (25%) durante toda a década de sessenta36. A retoma do comércio de vinho em Inglaterra era já bem evidente no início dos anos cinquenta. O ritmo de crescimento e as mudanças (empresariais e de consumo) no sector não davam sinais de abrandamento, e pelo final dos anos sessenta já se bebia em Inglaterra o dobro do vinho que antes de 193937. No entanto, não era essa a realidade no caso do vinho do Porto. Desde o início da Guerra que para o mercado inglês nunca mais se haviam registado (pelo menos em quantidade) os níveis de exportação verificados na primeira metade do século XX38. Na década de trinta, exportou-se uma média anual de cerca de 37.700 pipas de vinho para este país. Durante os anos cinquenta, por sua vez, o valor baixou para as 14.200. Na década de sessenta, ainda se registaram valores mais baixos: 13.300 pipas anuais39. A Segunda Guerra marca, por isso, um ponto de viragem nas exportações de vinho do

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Ibidem, p. 150. Ibidem, p. 151. 37 Ibidem, p. 150. 38 Em termos relativos, os vinhos portugueses representavam em 1950 perto de um quarto das importações de vinho em Inglaterra, apenas superadas pela quota espanhola (31%). Não temos valores discriminados para os vinhos do Porto e do Xerez, mas note-se a importância que os vinhos da península (e entre eles os dois vinhos licorosos referidos) representavam nas importações inglesas de vinho no início da década de cinquenta, bem à frente da África do Sul (15%), França (13%) ou Austrália (7,5%). Em 1949, as taxas à entrada de vinho de mesa (os não aguardentados) são levantadas para fomentar o comércio entre os dois lados do Canal da Mancha. Só nesse ano as importações de vinho francês duplicam — uma tendência de crescimento que se manteve consistentemente nos anos seguintes. Ibidem, p. 153. 39 MARTINS, Conceição Andrade — Memória do Vinho do Porto. Lisboa: ICS-UL, 1990, p. 223-224 36

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Porto para Inglaterra. Nunca mais viria este produto a ser a grande bandeira das exportações portuguesas no mercado inglês. Sarah Bradford, analisando a crise do Comércio no início dos anos setenta, tem um entendimento que acompanha as observações de Briggs e da revista The Economist sobre as causas da crise no sector do vinho do Porto: «the port trade has changed more radically in the two decades since the Second World War than in the whole three centuries of its existence. (…) The good years did not return, the expected boom never materialized and the shippers were forced to face the fact that much of their traditional business had vanished never to return»40. De facto, pouco fez o Comércio em Gaia para se modernizar e adaptar às mudanças dos anos, e os autores ingleses são unânimes em apontar esta como a principal causa da estagnação. Como agravante, a crise do consumo não se restringia apenas a um segmento do mercado inglês, mas a todas as gamas e qualidades de vinho do Porto. Quais as razões para uma mudança tão brusca e definitiva? Exploradas foram já as hipóteses das várias transformações conjunturais, tanto macroeconómicas, como as que se operaram no mercado inglês de vinhos; do efeito da alta tributação dos vinhos fortificados no período do pós-Guerra; e, ainda, da queda das tendências de consumo deste vinho em Inglaterra, resultado das variáveis anteriores e, certamente, de outras ainda por analisar. Foquemo-nos agora no panorama concorrencial do vinho do Porto, notando o comportamento e a procura dos seus produtos rivais e substitutos próximos. Era em termos de competitividade pelo (baixo) preço que, como referem Sarah Bradford e Wyndham Fletcher para a primeira metade do século XX, se guiava o grosso do comércio de vinho do Porto. Nas décadas de cinquenta e sessenta, a venda deste produto “ao balcão” havia quase desaparecido41. O port and lemon (um cocktail que consistia numa mistura de Ruby barato com gasosa de limão), bebida de eleição das senhoras de limpeza ao serviço nos escritórios da City londrina, foi, durante anos, uma importante fonte de escoamento dos vinhos de gama inferior. No pós-Guerra, também essa moda se apagara42. Um outro exemplo ainda, é aquele citado por Fletcher, sobre o singular favor que o vinho do Porto branco gozaria na cidade inglesa de Brighton, 40

BRADFORD, Sarah — The englishman’s wine — the story of Port. Londres: Macmillan, 1969, p. 170 Idem, p. 171. 42 O relato de Fletcher é ilustrativo deste hábito: «Contrary to belief, Port was never principally the drink of crusty colonels; by far the greatest quantity was drunk by the glass in the pubs, many putting on a very good Port indeed. The working man would come in for his three or four pints of beer while his wife often had a ‘Port and Lemon’(…). The Ruby gave it a good colour and as a long drink, kept the lady happy while father drank his succession of pints». FLETCHER, Wyndham — Reminiscences of a Port Shipper, 1930-1975. Hanover, New Hampshire: The Port Lover’s Library, 1997, p. 13. 41

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«thought to be the centre for ladies of the world’s oldest profession». Também este fenómeno se tornaria, a curto prazo, uma mera curiosidade histórica do período entreguerras. A partir dos dados apresentados por Conceição Andrade Martins é possível calcular o preço médio da pipa de vinho na década anterior à Guerra, 66$00. Na segunda metade dos anos quarenta e nas décadas de cinquenta e sessenta este valor subiu, respectivamente, para 167$00, 147$00 e 159$0043. O vinho do Porto deixara de ser um vinho barato, pelo menos para concorrer, no mercado dos vinhos de gama inferior, com outros seus substitutos mais competitivos. Destes são exemplo os British wines — vinhos produzidos em território inglês a partir de uvas e mosto importado, conseguindo, assim, escapar às pesadas taxas alfandegárias sobre a graduação alcoólica44. As taxas à importação aplicadas ao já alto preço da pipa de vinho do Porto parece ter tirado os «cheap ports» do mercado. Em termos de competitividade pela imagem (factor decisivo nos segmentos de topo), aquele que havia sido identificado nos anos cinquenta como o mais «sério rival» do licoroso português, o vinho do Xerez, foi progressivamente conquistando lugar no mercado. Desde a década de vinte que as firmas exportadoras e distribuidoras de Xerez haviam agarrado a publicidade como um valioso recurso de promoção das vendas, posicionando este vinho como a bebida mais adequada a ser tomada como aperitivo, rivalizando assim com os cocktails americanos que nesta altura eram moda em Inglaterra45. Os comerciantes de Gaia, satisfeitos com a sua confortável posição no mercado, optaram por desprezar os esforços publicitários da concorrência 46. Poucas foram as firmas que tentaram levar a cabo consistentes estratégias de marketing e publicidade, tendo a maioria considerado serem «ungentlemanly» e, em todo o caso, desnecessárias, já que a maior parte do vinho era vendido a granel e engarrafado sob a marca do retalhista47.

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Escudos por pipa de vinho à exportação, preços internacionais a partir de 1890. Por preços internacionais entende-se a variação nominal, corrente, do preço no mercado, não sujeita à correcção pela taxa de inflação verificada naquele período. MARTINS, Conceição Andrade — Memória do Vinho do Porto. Lisboa: ICS-UL, 1990, p. 244. 44 BRADFORD, Sarah — The englishman’s wine — the story of Port. Londres: Macmillan, 1969, p. 171. 45 A moda do cocktail chegou a Portugal umas décadas depois e levou, na altura, o Presidente do IVP ao desabafo: «…se até em Portugal, nas recepções oficiais, imperava a moda dos cocktails, de que o vinho do Porto estava afastado». PEIXOTO, Fernando Aníbal Costa — Do Corporativismo ao Modelo Interprofissional. O Instituto do Vinho do Porto e a evolução do sector do Vinho do Porto (1933-1975). Porto: CITCEM e Edições Afrontamento, 2011, p. 340. 46 BRADFORD, Sarah — The englishman’s wine — the story of Port. Londres: Macmillan, 1969, p. 171. 47 Idem, p. 173.

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As alterações no sector do Xerez precederam em várias décadas as que o sector exportador de vinho do Porto viria a realizar com particular intensidade nos anos sessenta. É natural que, por isso, as vendas do vinho espanhol tenham resistido ao embate dos anos da II Guerra e ao rigoroso esforço de contenção no consumo que foi pedido aos ingleses depois do conflito terminar. Nos anos da retoma, o Xerez estava em posição de readquirir o mercado perdido (é certo que com menos vitalidade, mas ainda assim resistindo às novas tendências da procura). O vinho do Porto, pelo contrário, acabara de acordar num mercado radicalmente transformado que o parecia ignorar e desconhecer.

1.2. O vinho do Porto no mercado global A década de sessenta marca o início da tão aguardada retoma nas exportações de vinho do Porto. Conceição Andrade Martins identifica o período a partir de 1965 como um de «expansão e prosperidade» do sector: «expansão da produção, do comércio interno [6% ao ano entre 1960-88] e externo [4%], dos preços [11%, preços internacionais], da evolução dos mercados, das formas de comercialização e do vinho»48. A crise parecia ter finalmente terminado, quase vinte anos depois do final da Guerra. Tendo em conta apenas variáveis externas ao sector exportador, a retoma muito devia à firmação de tratados internacionais de comércio livre entre Portugal e os países europeus, o primeiro em 1960 com a adesão à EFTA e depois, em 1973, com o acordo preferencial entre o nosso país e os Estados-membros da CEE. O tratado estabelecido com a Comunidade Europeia revelou-se particularmente frutífero no fomento das exportações. Em 1955-56, os mercados que faziam parte da Comunidade representavam 43% das exportações; dez anos depois esta percentagem subia para os 61%. Em 1975, já com a inclusão da Inglaterra e com a explosão do consumo francês, belga e holandês que entretanto ocorrera, o mercado único abarcava a quase totalidade das exportações — mais de 90%49. Na década de sessenta a média anual de exportações cifou-se nas 52.738 pipas, quando nos anos cinquenta se havia registado uma média de 41.677 pipas anuais. O

48 49

MARTINS, Conceição Andrade — Memória do Vinho do Porto. Lisboa: ICS-UL, 1990, p. 129-130. Idem, p. 132-133.

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grande salto será dado na década de setenta, com a média anual a aumentar significativamente para as 81.686 pipas50. Registou-se, ainda, uma reformulação substancial na posição que alguns mercados assumiam na hierarquia das exportações. A principal — e a que mais nos interessa, de resto — trata-se da queda de importância da Inglaterra ao longo dos anos sessenta como primeiro mercado do vinho, substituída pela França nesta altura, e logo ultrapassada também pela Bélgica e pelo mercado interno. No início da década de oitenta, a Inglaterra passara para o quarto lugar na escala de consumo em quantidade de vinho do Porto. Em quantidade, porque, como lembra Martins, o mercado inglês sempre se pautou pela procura de vinhos de alta qualidade e preço — Vintages, Latte Bottled e datados: «em 1985, o preço médio do vinho exportado [para Inglaterra] rondou os 440$00 por litro, enquanto para a França e Benelux [os dois primeiros mercados em quantidade] rondou os 280$00»51. No início dos anos sessenta, assistiremos em Inglaterra a um ressurgimento do mercado para os Vintages, categoria de mais alta qualidade no vinho do Porto. Pelo interesse financeiro que despertavam, os Vintages passam a ser incluídos como activos de rentabilização e reserva de valor nas carteiras de investimento de respeitadas instituições como «the Oxbridge colleges, the London clubs, august bodies like the City Livery companies and the Royal College of Surgeons».52 A retoma das exportações nos anos sessenta, naquele que viria a ser considerado o maior ciclo expansionista na história das exportações de vinho do Porto, resultou, como aponta Martins, não só de um aumento da procura deste tipo de produtos não essenciais nos mercados europeus (propiciado pela «subida do nível de vida, consolidação do poder económico das classes médias, evolução dos padrões de consumo») mas também de um processo de transformações internas desenvolvidas no sector exportador, com vista a uma maior modernização e esforço de adaptação às novas exigências dos mercados53. Estas transformações empresariais, na verdade, podem e devem ser enquadradas num âmbito mais alargado de tendências verificadas no sector internacional dos vinhos e das bebidas alcoólicas, sem o qual não é possível compreender o comportamento dos produtores e consumidores de vinho do Porto.

50

Ibidem, p. 223-224. Ibidem, p. 133-134. 52 BRADFORD, Sarah — The englishman’s wine — the story of Port. Londres: Macmillan, 1969, p. 179 53 MARTINS, Conceição Andrade — Memória do Vinho do Porto. Lisboa: ICS-UL, 1990, p. 134. 51

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ano base = 1946

Gráfico 2: Índice de Quantidade Exportada (1945-1980) 250 200 150 100 50 0 1945

1950

1955

1960

Total

1965

1970

1975

1980

Reino Unido

Fonte: MARTINS, Conceição Andrade — Memória do Vinho do Porto. Lisboa: ICS-UL, 1990, p. 223224.

Tim Unwin enumera três tendências gerais que marcaram o sector do vinho (não só de Porto, agora) à escala mundial ao longo do século XX, nas três fases da sua cadeia de valor — produção, distribuição e consumo: 1) a proliferação e desenvolvimento das demarcações de origem na Europa, impulsionadas pela vontade expressa pelos viticultores de protegerem e ligarem o nome do vinho ao da sua região de produção; 2) a concentração horizontal e vertical de produtores, distribuidores e retalhistas em grandes conglomerados empresariais de dimensão global; 3) o império das modas e a importância das marcas e do marketing de massas. Estas macrotendências surgem do imperativo de reduzir a incerteza ligada à expansão do mercado e à colocação dos vinhos, bem como de recapitalizar uma indústria que, por cada vez mais globalmente integrada, necessitava de apresentar propostas eficazes a consumidores exigentes e com preferências muito diversas — fosse pela apresentação de um portefólio de produtos mais completo, fosse pela melhoria da consistência qualitativa e quantitativa dos produtos ao longo dos anos, fosse ainda por estratégias de mercado e campanhas promocionais capazes de competir num mercado global fortemente concorrencial54. Analisaremos as tendências de concentração vertical e horizontal, na esteira das investigações de Tim Unwin e de Teresa da Silva Lopes — no primeiro caso, focandonos no panorama internacional, no segundo, transpondo essas tendências para o sector exportador do vinho do Porto. 54

UNWIN, Tim - Wine and the vine: an historical geography of viticulture and the wine trade. Londres: Routledge, 1991, p. 310-311.

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Existia até ao século XX, de forma generalizada nas principais regiões vinícolas do mundo, uma divisão organizacional que definia com precisão o papel de cada agente na cadeia de valor do vinho, desde a sua produção até à venda ao consumidor final. Produtores, comerciantes, distribuidores e retalhistas estabeleciam entre si sólidas relações negociais e contratuais consoante as características próprias da região vinícola e mercado de destino. Antes deste século, a integração vertical no sector dos vinhos era um fenómeno raro. A divisão e especialização do trabalho, bem como as diferentes dotações de capital necessárias ao desenvolvimento de cada actividade, assim o ditavam55. Desde meados de Oitocentos, contudo, esta realidade veio sendo contrariada por fenómenos de concentração vertical no comércio internacional do vinho, tal como já se verificava anos antes nos sectores da cerveja e dos destilados56. Foi, aliás, precisamente através de empresas detidas por conglomerados ligados a estes dois tipos de bebidas que as maiores acções de concentração vertical no sector do vinho tiveram lugar. Unwin, citando Cavanagh e Clairmonte, associa estas tendências industriais a um mais geral quadro de desenvolvimento do sistema de capitalismo global ao longo do século XX. Importantes e profundas tendências de internacionalização e modernização eram transversais à generalidade das indústrias: «the formation of oligopolies at national and international levels, through capital concentration in specific sectors; the introduction of new corporate priorities, favouring control over processing and marketing rather than primary commodity production; the rapid adoption of technical innovations in order to fragment production processes; and the internationalization of finance»57. Diferiram de sector para sector, não na abrangência, mas nos mecanismos e no grau com que a mudança se materializou, assim como nas respostas dadas pelos agentes para se adaptarem às novas realidades. No caso particular do vinho do Porto, a concentração sectorial que se registou após 1945 deu-se, igualmente, por razões de competitividade e sobrevivência no mercado global das bebidas alcoólicas58. Ao promoverem processos de concentração, «(aquisição, absorção, constituição de outras firmas, ou fusão), as firmas [conseguiram] também assegurar uma maior eficiência nas transacções do próprio sector do vinho do 55

Idem, p. 325. GOURVISH, T. R.; WILSON, R. G. — The British Brewing Industry, 1830-1980. Cambridge: Cambridge University Press, 1994, p. 448. 57 UNWIN, Tim - Wine and the vine: an historical geography of viticulture and the wine trade. Londres: Routledge, 1991, p. 326. 58 LOPES, Teresa da Silva — Internacionalização e concentração no Vinho do Porto, 1945-1995. «Cadernos da Revista DOURO — Estudos e Documentos», nº 3. Porto: GEHVID/ICEP, 1998, p.143. 56

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Porto, diminuindo a incerteza (devida à evolução da procura, às flutuações de preços, ao surgimento de pequenos números a jusante59, às variações climatéricas que afectam o vinho), e [diminuindo] os custos de transacção associados à racionalidade limitada [i.e., a capacidade de previsão e de resposta à evolução do mercado]»60. Ao fundirem-se em grupos económicos de grande dimensão, as empresas de vinho do Porto tentavam reagir a concentrações análogas no sector internacional das bebidas alcoólicas, de forma a assegurar a sua capacidade negocial em relação aos conglomerados internacionais que, a partir da década de setenta, se foram tornando no mais importante canal de escoamento dos seus produtos61. Teresa da Silva Lopes justifica ainda a concentração como um recurso para fazer face às exigências de capital no esforço de internacionalização das empresas. «É a dimensão financeira que possibilita a manutenção de um elevado nível de stocks (que no sector de vinho do vinho do Porto tem um carácter de activo fixo), a realização de investimentos em marketing (ex.: campanhas de imagem de marca) e a obtenção de economias de escala aos vários níveis da cadeia de valor, nomeadamente na produção de vinho do Porto e na sua comercialização, de forma a permitir à firma praticar preços competitivos»62. A concentração no sector teve um progresso notório desde a II Guerra até 198563, altura em que estabilizou. Lopes sugere uma associação positiva (mas não de causalidade) entre o aumento da concentração empresarial e o aumento das exportações, por via da diminuição dos custos médios (i.e., economias de escala)64. Simultaneamente, processos de integração vertical generalizavam-se em todos os sectores das bebidas alcoólicas. O caso do vinho do Porto não foi excepção. Não só se associaram empresas de distribuição e venda a retalho sob o mesmo grupo económico, como muitos optaram por adquirir marcas já estabelecidas no mercado, alargando o seu portefólio e pondo à disposição dos seus clientes uma oferta variada de 59

«A existência de pequenos números refere-se a situações em que há poucos intervenientes no mercado (com inclinações oportunistas), afectando, assim, o poder negocial das partes envolvidas na realização dos contratos. Nestes casos, as empresas já estabelecidas enfrentam um trade-off entre os ganhos que advêm de impedir novas entradas (que lhes permite aumentar os resultados e manter a posição no mercado), e os ganhos associados à sua participação no processo de desenvolvimento de novos produtos em parceria com produtores inovadores, recém entrados no mercado». Idem, p. 69. 60 Idem, p. 143-144. 61 LOPES, Teresa da Silva — A evolução das estruturas internacionais de comercialização do vinho do Porto no século XX. «Revista de História Económica e Social», série 2, nº 1. Lisboa: FCSH-UNL, 1º Semestre de 2001, p. 99 e 113-114. 62 LOPES, Teresa da Silva - Internacionalização e concentração no Vinho do Porto, 1945-1995 «Cadernos da Revista DOURO — Estudos e Documentos», nº 3. Porto: GEHVID/ICEP, 1998, p.39. 63 Segundo cálculos de Lopes, o índice de Herfindhal (que mede a concentração sectorial) terá evoluído de 28,4 em 1946 para 11,6 em 1995 (o índice evolui no sentido inverso à concentração). Idem, p. 50-51. 64 Ibidem, p. 51.

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produtos, bem como um mecanismo expedito de os fornecer onde, como e quando desejassem. Bradford escreveria no final da década de sessenta: «Nowadays, distribution in England is handled mainly through the breweries groups, the distillers, country-wide hotel chains and the really big wine merchants. Selling port today is no longer a business of gentlemanly agreements between old friends over lunch»65. Os grandes conglomerados competiam pela aquisição e representação de marcas com projecção comercial. A título de exemplo, Unwin enumera as marcas detidas em 1963 pela International Distillers and Vintners, Ltd (IDV), o grupo que resultara da fusão entre a Gilbey’s (retalhista e distribuidor de larga presença em Inglaterra) e a United Wine Traders, um ano antes: «Gilbeys Gin, Crofts Port, Spey Royal Whisky, Château Loudenne Claret and White Bordeaux, Triple Crown Port, Golden Velvet (Canadian) Whisky, and J & B Rare Scotch Whisky». O grupo detinha ainda a agência das marcas Henessy Cognac, Heidsieck Dry Monopole Champagne e Smirnoff Vodka no mercado inglês66. A rede empresarial da IDV estendia-se ao retalho, com pontos de venda da própria Gilbey’s, Peter Dominic Ltd, Hunter and Oliver Ltd, J.H. & J. Brooke Ltd, P.W. Feather Ltd and J.A. Feather Ltd, num total de cerca de 300 estabelecimentos comerciais em Inglaterra67. Em 1972, a IDV foi, por sua vez, adquirida pela Grand Metropolitan Hotels Ltd, formando um vasto conglomerado económico multisector que, na década de oitenta, se espalhava em todo o mundo por seis grandes áreas operacionais: «Hotels and Catering, Milk and Food, Brewing and Retailing, Wines and Spirits, Leisure, and Liggett [tabaco]»68. Unwin, ilustrando com o caso supracitado, identifica cinco factores comuns ao surgimento de conglomerados no sector internacional das bebidas alcoólicas desde 1945. Primeiro, como já referimos, os processos de integração vertical e horizontal, englobando as três fases da cadeia de valor (produção, distribuição e retalho), quer no país de proveniência quer no mercado internacional. Segundo, a origem da maior parte dos conglomerados por concentrações no sector cervejeiro em Inglaterra (que se antecipou ao do vinho neste processo), evoluindo para grupos de bebidas e, depois então, para as grandes empresas multi-actividade. Terceiro, a gestão de marketing e imagem das marcas, que passou a ser feita de forma integrada no seio de uma estratégia global de promoção e vendas seguida por estes grupos. O investimento em campanhas publicitárias, por implicar esforços de capital significativos, exigia que fosse 65

BRADFORD, Sarah — The englishman’s wine — the story of Port. Londres: Macmillan, 1969, p. 172. UNWIN, Tim - Wine and the vine: an historical geography of viticulture and the wine trade. Londres: Routledge, 1991, p. 336. 67 Idem, p. 336. 68 Ibidem, p. 338. 66

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direcionado para um vasto público, global, pois só assim se obteriam os retornos desejados para suportar esses esforços. Quarto, um tão vasto leque de produtos oferecidos só é sustentável pela existência de nichos de mercado, nos quais os consumidores identificam características diferenciadoras, específicas, preferindo produtos com elevado valor acrescentado. Finalmente, o crescimento das joint ventures ao nível do comércio internacional, como resposta a mercados em rápida mudança e com especificidades que exigem soluções pensadas ao particular69.

1.3.

As marcas comerciais do vinho

A última grande mudança apontada por Unwin para a segunda metade do século passado diz respeito ao assunto das marcas e do marketing. No cenário de expansão dos mercados e de internacionalização das empresas que teve lugar a partir dos anos sessenta, as marcas representaram um instrumento precioso e, provavelmente, o mais significativo factor para a expansão das vendas de bebidas alcoólicas. Lopes considera a marca o activo mais importante na estratégia empresarial de crescimento e de entrada em competição no mercado global, enquanto o marketing e a publicidade são as ferramentas pelas quais se operacionalizara e capitaliza o seu valor.70 De tal forma a autora o enfatiza que chega ao ponto de destacar a primeira importância das marcas nos processos de gestão empresarial, contrariando, assim, a generalização de Alfred Chandler sobre a suprema relevância das inovações tecnológicas para o crescimento e sobrevivência das organizações71. Lopes reconhece a primazia deste factor no caso das indústrias manufactureiras e outras intensivas em capital tecnológico. Porém, quando se trata de produtos de consumo final com alto valor acrescentado («branded products») são as marcas comerciais, o conhecimento de marketing e os canais de distribuição, os principais determinantes do sucesso das empresas72. Ao estudarmos as mudanças registadas no mercado inglês durante a década de sessenta, notamos que, nas estratégias de integração vertical e horizontal das empresas 69

Ibidem, p. 341-343. LOPES, Teresa Silva — Global Brands: The Evolution of Multinationals in Alcoholic Beverages. Cambridge: Cambridge University Press, 2007, p. 2. 71 Para uma introdução critica à teoria chandleriana de evolução da empresa moderna, consulte-se, por exemplo, a obra CHANDLER Jr., Alfred D.; DAEMS, Herman — Hierarquias de Gestão — Perspectivas Comparativas sobre o Desenvolvimento da Moderna Empresa Industrial. Oeiras: Celta Editora, 1994. 72 LOPES, Teresa Silva — Global Brands: The Evolution of Multinationals in Alcoholic Beverages. Cambridge: Cambridge University Press, 2007, p. 14. 70

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de bebidas, a construção de um portefólio alargado de marcas foi, na maior parte dos casos, a principal motivação para a concentração. Citando o exmplo da Allied Breweries, o conglomerado cervejeiro que, em 1966, adquiriu a Showerings (proprietária da Babycham, uma conhecida marca de cidra) e com ela a Harveys of Bristol (dona da Bristol Cream Sherry, a mais importante marca de vinho do Xerez em Inglaterra), por sua vez proprietária da Cockburn’s, foi este o caminho encontrado para fazer face à estagnação da procura de cerveja e ir ao encontro dos novos hábitos de consumo dos ingleses73. Unwin segue a mesma linha de argumento, referindo as estratégias seguidas pelas empresas no sector do vinho para se adaptarem, no pós-Guerra, a um mercado progressivamente global e concorrencial. Passaram estas políticas pela criação de novos tipos de vinhos, pela aquisição de empresas (e marcas) já estabelecidas no mercado e pelo aumento do interesse dos consumidores nos seus produtos, através de campanhas de promoção e manipulação das “modas”74. Segundo Lopes, a personalidade das marcas de vinho está intimamente ligada ao país e à região de origem, por fortes associações com o carácter tradicional, patrimonial e cultural da terra (referências que, não obstante, correspondem, em geral, a uma diversidade de outros factores: religiosos, sociais, morais, etc.)75. A marca é o activo intangível que tem o efeito de aumentar a preferência dos consumidores pelos produtos abarcados pelo seu nome. Mesmo quando o preço é superior em relação à concorrência, pelas associações imateriais que lhe são reconhecidas, pela diminuição do risco na escolha e pela qualidade que lhe é reputada, o consumidor preferirá, até certo diferencial de preço, os produtos da marca. A percepção que o consumidor tem da referida “personalidade” pode ser trabalhada (manipulada) através do marketing (estratégias de comunicação, segmentação de mercado, política de preço, etc.) e da publicidade. Unwin defende que esse trabalho de promoção das marcas de vinho no período estudado terá seguido de perto a tendência de “aburguesamento” da sociedade: «Rising real incomes provided the context against which mass advertising could successfully propagate increasingly middle class aspirations throughout society, and as one of the 73

Idem, p. 53. UNWIN, Tim - Wine and the vine: an historical geography of vticulture and the wine trade. Londres: Routledge, 1991, p. 347. 75 LOPES, Teresa Silva — Global Brands: The Evolution of Multinationals in Alcoholic Beverages. Cambridge: Cambridge University Press, 2007, p.6; AGUIAR, Álvaro; LOPES, Teresa da Silva — A marca e a internacionalização do vinho do Porto. «DOURO — Estudos e Documentos», nº 9. Porto: GEHVID, Primavera 2000, p. 125. 74

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symbols of this ideology wine consumption grew accordingly. (…) Virtually all wine advertising since [the 60s] (…) projects wine as a symbol of material well-being and contentment»76. No estudo sobre a origem das marcas no sector das bebidas alcoólicas, Paul Duguid identifica como primeiras funções das marcas a garantia de confiança e autenticidade. Numa altura em que, em Inglaterra, abundavam as contrafacções e os produtos manipulados, a venda de vinho importado à distribuição era feita a granel e o embalamento do produto ficava a cargo do retalhista. Como este era o único agente a lidar directamente com o consumidor final, tinha, por essa razão, os maiores incentivos para se aproveitar da reputação capitalizada pelas marcas77. Esta necessidade de garantia da qualidade dos produtos tornou-se particularmente premente depois da aprovação do single bottle act, em 1861, por William Gladstone, Chancellor of the Exchequer (o responsável pela pasta das Finanças em Inglaterra), que veio permitir a venda de vinho e bebidas alcoólicas pelos merceeiros e pequenos retalhistas78. Estes agentes passaram então a engarrafar sob o seu nome próprio os vinhos comprados a granel aos importadores. No cenário de explosão do consumo de vinho, de proliferação de variados pontos de venda que esta medida inaugurou, a fraude tornou-se um problema sério. Surgiram ainda, potenciadas pelas possibilidades legais instauradas por Gladstone, grandes cadeias de retalhistas, como a já referida Gilbey’s e a Victoria Wines, que tiveram o efeito de impulsionar a segmentação do mercado de vinho, ora pela promoção das suas marcas próprias de vinho do Xerez e Porto (Buyers Own Brands) ora pela firmação de nomes de produtores e exportadores reputados no mercado79. Um nome há muito estabelecido, fosse ele de um produtor, distribuidor ou retalhista, tornava-se, aos olhos dos consumidores, uma eficaz garantia de qualidade contra as adulterações. Desde 1810 que corriam acções judiciais nos tribunais ingleses contra a apropriação indevida dos nomes comerciais ou contra práticas fraudulentas que contribuíam para o desprestígio das marcas no mercado. Em 1881, as bebidas alcoólicas representavam, logo a seguir aos produtos farmacêuticos, a segunda categoria de produtos com mais acções litigiosas interpostas nos tribunais para defesa dos nomes de comércio80. 76

UNWIN, Tim — Wine and the vine: an historical geography of viticulture and the wine trade. Londres: Routledge, 1991, p. 349. 77 DUGUID, Paul — Developing the Brand: The case of alcohol, 1800-1880. «Enterprise & Society», Oxford, September 2003, p. 8. 78 Idem, p. 6. 79 Ibidem, p. 27. 80 Ibidem, p. 10-11.

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Duguid conclui que, ao invés de abusos praticados por rivais e concorrentes, era contra os distribuidores e retalhistas que as queixas judiciais eram apresentadas. As marcas surgiram, assim, como um instrumento de disciplina e controlo por parte das firmas produtoras ou exportadoras de vinho sobre o seu nome e produto ao longo da (altamente fragmentada) cadeia de escoamento dos vinhos até ao consumidor final: «neither the brainchild of “entrepreneurial action” nor the product of modern, integrated firms»; foi da tensa dialéctica comercial entre produtores, distribuidores e consumidores na Inglaterra Oitocentista que as marcas no sector das bebidas alcoólicas emergiram definitivamente. No que toca à publicidade, Duguid faz remontar a 1708 os primeiros anúncios do vinho publicados em jornais ingleses, com o vinho do Porto a ser protagonista de uma “guerra publicitária” logo em 1711, aproveitando o embargo imposto aos vinhos franceses. Desde esta altura e até ao século XIX, os principais nomes publicitados eram os dos retalhistas. Ocasionalmente, quando neles residia um especial poder de persuasão entre o público, eram usados nomes dos exportadores ou produtores de vinho; mas eram casos raros81. As décadas de trinta e quarenta do século XIX foram um período de experimentação neste domínio. As estratégias divergiam de produto para produto, de forma inconsistente e num processo adaptativo de tentativa-erro. No sector da cerveja e dos destilados eram usados simultaneamente os nomes de produtores, intermediários, retalhistas e das regiões de fabrico. No sector mais conservador dos vinhos, o Xerez era a excepção ao uso regular da publicidade, recorrendo a campanhas publicitárias onde eram mencionados os nomes dos produtores, exportadores ou retalhistas, consoante aqueles que oferecessem maiores garantias de reputação e autenticidade 82. Pelo contrário, no sector do vinho do Porto, o uso de publicidade restringia-se aos leilões do vinho. Duguid afirma que uma das primeiras marcas deste vinho desassociada do nome de um retalhista foi apresentada no mercado por uma distribuidora de águas engarrafadas — a «Schweppes port»83. Só na década seguinte começariam a surgir publicitados com alguma regularidade os nomes de produtores e casas exportadoras sedeadas no Porto. Duguid cita, como estudo de caso, o percurso da Sandeman na definição de uma estratégia de marketing consistente. Estabelecida no Porto em 1814 (mas operando já em Inglaterra desde finais do século XVIII), a firma começou desde logo a exportar 81

Ibidem, p.22. Ibidem, p.23. 83 Duguid fala de uma «brand extension», conceito pioneiro no vinho do Porto. Ibidem, p. 23. 82

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vinho a partir de Gaia com a sua marca: «[in the forties] it reserved [its trade] mark for quality wine, introducing another for its cheap wines. In the 1850s, it introduced a third brand for shipments to New York and used no brand on consignments to Russia. In the 1860s, it bought large amounts of Baron Seixo’s84 best wine (…). But famous, imitated and advertised though [the Seixo’s] brand was, Sandeman do not appear to have alluded to it, sending the wine to England under its own brand instead. In the 1870s, aware no doubt that retailer advertisements had helped establish its name as a mark of quality, Sandeman began bottling wine under its brand in London»85. A Sandeman foi provavelmente a primeira firma exportadora a engarrafar vinho em Inglaterra segundo a sua marca. Pelo caminho percorrido é evidente uma clara preocupação com a consolidação do seu nome (mesmo em detrimento de maiores proveitos financeiros no curto prazo, como no caso dos lotes do Barão do Seixo), a atenção dada às particularidades comerciais de cada destino e a segmentação dos vinhos no mercado. Enquanto seguia esta estratégia não deixava, no entanto, de fornecer importantes retalhistas com vinhos de gamas de inferior qualidade. Numa altura em que já engarrafava vinhos com a marca Sandeman, chegou a abastecer a marca “Gilbey Oporto”, sem ter o seu nome associado ao vinho. Defendendo a sua estratégia de valorização da marca, a empresa não descartou, porém, acordos com retalhistas e distribuidores influentes, destes aceitando pedidos de fornecimento de vinho para as suas marcas próprias. Entretanto ia posicionando os seus vinhos de topo, rotulados com o nome Sandeman, na mais alta gama do mercado londrino. Num período de mudança e de novas potencialidades de negócio, a empresa optou, com visível êxito, por não fechar nenhuma porta de acesso ao mercado86. Esta forma de lidar com os clientes e com as várias possibilidades negociais parece ter sido «amargamente ressentida» pelas outras casas exportadoras de vinho do Porto e a sua estrutura extremamente conservadora, que desde logo não se coibiu de apelidar o vinho da Sandeman como «the grocer’s port»87. Fenómeno análogo ocorreu no sector do vinho de Xerez. Face a um período de fracas colheitas no Sul de Espanha, de procura e preços em constante crescimento, os incentivos para o surgimento de falsificações no mercado eram enormes. De facto, nesta 84

Produtor duriense a colocar vinho no mercado londrino com a sua marca e, em 1866, a defendê-la nos tribunais contra a sua usurpação por outro produtor duriense. Ibidem, p. 15 e 20. 85 Ibidem, p. 27. 86 «By using its own name and erasing Sandeman’s, Gilbey provided the exporter with relatively risk-free access to the new, unfamiliar, single-bottle retail outlets. In return, Sandeman helped Gilbeys lay claim to a valuable Oporto identity». Ibidem, p. 29. 87 BRADFORD, Sarah —The englishman’s wine — the story of Port. Londres: Macmillan, 1969, p. 173.

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altura, eram comuns três tipos de Xerez falsos: os provenientes do outras regiões espanholas que não Jerez de la Frontera (e, invariavelmente, com lotes de pior qualidade); vinhos do Xerez provenientes da Austrália, África do Sul ou outros países; e produtos apresentados como “vinho”, sobretudo originários da Alemanha, mas que eram elaborados com ingredientes que não incluíam mosto de uva ou aguardente vínica88. Perante este cenário de desconfiança por parte dos consumidores ingleses, os exportadores de Xerez optaram por compartimentalizar o mercado de forma diferenciada, continuando a abastecer os distribuidores e retalhistas com vinho de qualidade inferior (note-se que algumas das falsificações eram promovidas pelos próprios exportadores89); as suas marcas eram usadas somente para certificar produtos de elevada qualidade, atestando assim a autenticidade e excelência do vinho90. Deste processo complexo de negociações comerciais, releva-se a preocupação de segmentação de mercado, em que diferentes modelos empresariais produzem marcas consentaneamente diferentes. Assim, produtores e exportadores, tirando um proveito acrescido a médio-longo prazo do investimento em marcas fortes e prestigiantes, associadas à reputação e qualidade intrínseca do vinho, terão todo o interesse em promover o seu bom nome e defendê-lo de potenciais agressões. Em Inglaterra, o mercado mais importante para o vinho do Porto no século XIX, esses ataques vieram não de firmas concorrentes mas de agentes ao longo da cadeia de valor — distribuidores e retalhistas — que, não colhendo os benefícios do investimento e zelo na marca, teriam um incentivo imediato em desbaratar a sua reputação capitalizada. Em alternativa, seguindo uma estratégia que não envolvesse actividades fraudulentas, estes intervenientes terão optado pela criação e capitalização de marcas próprias ligadas ao seu bom nome enquanto retalhistas e distribuidores. Este fenómeno não é, de todo, exclusivo da Inglaterra de Oitocentos. Com o surgimento dos super e hipermercados a partir da década de sessenta do século XX, uma estratégia análoga irá levar ao desenvolvimento das Buyers Own Brands de vinho do Porto destas modernas cadeias de distribuição91. Com base na investigação desenvolvida por Felicidade Ferreira sobre a casa Ramos Pinto, adiantamos uma breve hipótese exploratória, a ser confirmada ou desmentida em futuras investigações. Prende-se com influência que as inovadoras 88

SIMPSON, James — Adapting to international markets: Sherry, 1820-1900. «DOURO — Estudos e Documentos», nº 13. Porto: GEHVID, 2002, p. 211-212, 220 89 Idem, p. 208. 90 Ibidem, p. 220. 91 Ibidem, p. 34; UNWIN, Tim - Wine and the vine: an historical geography of viticulture and the wine trade. Londres: Routledge,1991, p. 341.

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práticas comerciais desenvolvidas pela Sandeman’s terão eventualmente tido na exuberante estratégia de marketing seguida por Adriano Ramos Pinto, fundador da referida firma exportadora. Adriano

esteve

empregado

na

casa

Sandeman

como

guarda-livros,

provavelmente durante os anos em que a empresa começava a engarrafar vinho com a sua marca própria92. A casa Ramos Pinto foi prolífica na criação de marcas, explorando a simbologia e imagética de influentes classes profissionais ou grupos sócioeconómicos da sociedade portuguesa e brasileira do século XIX, fazendo uso de marcos históricos e de novas práticas artísticas que, pela sua ousadia e criatividade, fascinavam os consumidores. Durante todo o século XX, e ainda hoje, os cartazes publicitários desenvolvidos pela casa Ramos Pinto ao longo do mandato do seu fundador sempre estiveram no altar do universo imagético associado ao vinho do Porto. Curiosa foi a intransigente defesa de Adriano na venda de vinho engarrafado por oposição à exportação em casco, num tom ainda mais radical que a linha seguida pela Sandeman. A sua atenção de marketeer abarcava todos os aspectos (por mais minuciosos) que influenciavam o público no acto da compra e consumo do vinho: «o nosso paladar antegosta o prazer que [o vinho] lhe vai proporcionar, fitando-se a garrafa com as suas marcas em relevo, a cápsula com o nome de cada exportador, a rolha com a sua marca de fogo, o rótulo, todas as pequenas coisas, enfim, que são outras tantas provas da autenticidade do líquido, o que não acontecerá se o vinho for em casco (…). Pois o vinho em casco está sujeito a ser adulterado e furtado em viagem ou nas alfândegas por meio de tubos de palha, a estragar-se mesmo com o decorrer do tempo, não estando o barril atestado»93. Se a proliferação de marcas de vinho engarrafado só se tornará prática generalizada no sector exportador a partir de meados do século XX, até lá as firmas de Gaia irão desenvolver um complexo sistema de símbolos para identificar os envios de pipas aos seus clientes. Estes símbolos assinalavam blends-padrão, cada um com um perfil vínico diferente, que eram postos à disposição dos clientes em amostras para prova nos vários países. Como nos relata Wyndham Fletcher, que, enquanto encarregado no escritório londrino da Cockburn’s, assistira ao desenrolar continuo destes processos, «records of the blends of these lodge lots are carefully kept for years back so that a Shipping Mark bought twenty years ago can be made today with the same lodge lots». Fletcher diz-nos haver uma distinção entre private e standard shipping 92

FERREIRA, Felicidade Rosa Moura — Adriano Ramos-Pinto: práticas comerciais inovadoras no vinho do Porto em finais do século XIX. Porto: FLUP, 2000 [dissertação de mestrado], p. 35. 93 Ibidem, p. 57-58.

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marks: as primeiras seriam blends-padrão exclusivos de um determinado cliente, com um perfil particular de vinho que não podia ser reproduzido em lotes para outros compradores — um exemplo destas marcas era a Harveys Hunting Port. As marcas standard, pelo contrário, fariam parte do catálogo comercial da empresa e estariam à disposição de todos os clientes, com consideráveis stocks de vinho destes lotes reservados e armazenados em Londres, para responder de imediato às encomendas. Este regime de loteamento por símbolos foi caindo em desuso na Cockburn’s, sobretudo depois do takeover pelo Grupo Harveys. A prática seria progressivamente restringida e finalmente substituída em 1969, a pedido de Bristol, por códigos numéricos94. Seria mais uma das práticas comerciais a não resistir à revolução empresarial que atingiu o sector comercial do vinho do Porto no II Pós Guerra. Wyndham Fletcher, que acompanhou o escritório londrino da Cockburn’s entre 1930 e 1975, recordá-las-á mais tarde, com nostalgia, como parte da memorabilia comercial dos dias em que um chapéu de coco era o único requisito exigido a quem se dedicava a vender vinho do Porto em Inglaterra: «[Shipping Marks] are now more or less obsolete, especially with the coming of Oporto bottling of a few advertised brands (…). Before the war we had no labels and costumers printed their own, using our name with our permission if required. After the war we supplied Cockburns labels for various qualities and without doubt this increased public awareness of the brand and led the way to the success of the present system offering House bottled brands only»95.

94 95

ACB: Cockburn and Martinez Shipping Marks / Reference numbers, Glyn Davies, 30 de Junho de 1969. FLETCHER, Wyndham — Reminiscences of a Port Shipper, 1930—1975. Hanover, New Hampshire: The Port Lover’s Library, 1997, p. 8 e 9.

38

2.

2.1.

COCKBURN’S, A EMPRESA (1962-1969)

O 150.º aniversário da Cockburn Smithes em Gaia

A 22 de Junho de 1965 reuniram-se nas caves da Cockburn’s em Gaia algumas das mais destacadas figuras do sector corporativo, representantes da imprensa e importantes produtores da região demarcada do Douro. Celebrava-se nesse dia o 150.º aniversário de uma firma que, como noticiou o jornal O Comércio do Porto em parangonas, estaria «a viver um dos períodos mais gloriosos da sua vida inteiramente dedicada à expansão e prestígio do vinho do Porto»96. Os directores aproveitaram esta ocasião festiva para apresentar à ilustríssima audiência todas as novidades tecnológicas com que as instalações de Gaia vinham sendo equipadas desde o início da década. A Cockburn’s apresentava-se, em 1965, na vanguarda da inovação técnica do sector exportador, como destacou no seu discurso Reginald Cobb, director executivo da firma, vincando a necessidade de a empresa se posicionar “à frente do seu tempo”: «temos de reconhecer que estamos a viver numa época de mudanças e desenvolvimento sem igual, pelo facto de ser tão rápida. Chega a ser uma rapidez quási assustadora! Basta comparar o que se passava há 20 anos com o que se vê hoje para reconhecer que ficar parado é a morte pelo menos na vida comercial»97. Apesar do optimismo transmitido na imprensa, que sublinhou as palavras de esperança e solidariedade trocadas entre os agentes do sector, todos sabiam a grave situação que o Comércio atravessava, com a séria crise das exportações que já durava há mais de vinte anos. Em contraste com a ocasião festiva, o discurso de Reginald Cobb fora bastante contido e até desiludido. Cobb tinha plena consciência da difícil situação que a empresa atravessava, num ano particularmente agitado como foi aquele de 196598: «não quero entrar no capítulo dos problemas do Vinho do Porto, que são muitos», disse 96

«Firma Cockburn, Smithes & C.ª, Limitada está a comemorar os cento e cinquenta anos da sua fundação». O Comércio do Porto, 23 de Junho de 1965, (em anexo). 97 ACB: Esboço ao discurso de comemoração do 150º aniversário da empresa, R. M. Cobb, 22 de Junho de 1965. 98 Já em 1952 ouvimos Cobb denunciar o «cenário verdadeiramente negro» em que afundava o sector exportador. «O Comércio não pode continuar a ser manietado por mais tempo», apelava aos directores do IVP: «se querem acabar com as actividades do Comércio Exportador que o digam, mas de forma clara». PEIXOTO, Fernando Aníbal Costa — Do Corporativismo ao Modelo Interprofissional. O Instituto do Vinho do Porto e a evolução do sector do Vinho do Porto (1933-1975). Porto: CITCEM e Edições Afrontamento, 2011, p. 273.

39

então, «só lhes peço que tenham fé nesse vinho e que sejam todos acérrimos defensores da sua qualidade porque só assim conseguiremos vencer os inúmeros concorrentes que estão a ser cada vez mais perigosos». Tal posição era partilhada por outros agentes e instituições do sector: «fé no futuro do vinho do Porto» foi, igualmente, o recado que a imprensa reteve do discurso do representante do IVP99. O conceito de fé parece ser central para percebermos o sentimento geral vivido pelo sector nestes anos. Reginald Cobb sabia, por experiência própria, que as forças que bloqueavam o comércio não eram de fácil resolução, nem provinham, certamente, dos domínios da religião. Os obscuros desígnios que escapavam aos agentes do sector eram as indecifráveis tendências de mercado, que se haviam alterado bruscamente no pósGuerra e forçavam o Comércio a reconhecer uma realidade nova, radical, ainda percetível a poucos: novas formas de vender, novos produtos e preferências dos consumidores, novos modelos empresariais e de gestão… Eram mudanças que a Cockburn’s se vira forçada a aceitar alguns anos antes. A empresa afastava-se do modelo de gestão familiar que ainda era regra no entreposto de Gaia, para uma moderna e sofisticada estrutura empresarial: em 1962, a Cockburn’s fora adquirida pela Harveys of Bristol, antiga cliente da firma e histórica exportadora e distribuidora de vinho do Xerez em Inglaterra. Antes mesmo de a empresa se adaptar a este novo paradigma organizativo, já o mesmo se complexificava. Naquele dia de 22 de Junho, enquanto Cobb discursava, à sua secretária chegava a notícia de uma proposta de compra da Harveys por outro gigante britânico das bebidas alcoólicas, a Showerings. Este segundo takeover concretizar-se-ia logo no ano seguinte. Nova desestabilização interna quando, dois anos depois, a Allied Breweries tomava o controlo da Showerings. Este conglomerado, surgido da fusão de grupos cervejeiros em Inglaterra, estendia a sua actividade empresarial por vários sectores de produção, controlando canais de distribuição e de venda a retalho por todo o mundo100. Ao longo da década de sessenta, o poder último de decisão do escritório do Porto afastou-se progressivamente das mãos dos seus directores, descendentes das famílias que durante cento e cinquenta anos tinham construído a Cockburn Smithes. Em contrapartida, todos o sabiam, a integração em grandes grupos empresariais abria à

99

«Firma Cockburn, Smithes & C.ª, Limitada está a comemorar os cento e cinquenta anos da sua fundação». O Comércio do Porto, 23 de Junho de 1965, (em anexo). 100 GOURVISH, T. R.; WILSON, R. G. — The British Brewing Industry, 1830-1980. Cambridge: Cambridge University Press, 1994, p. 525-527.

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empresa uma oportunidade real (ainda que de operacionalização incerta) de aumentar as exportações e ultrapassar a crise. Em 1965, a Cockburn’s pertencia ao conjunto das maiores firmas exportadoras de Gaia, ainda que a uma distância considerável da líder Sandeman. Nesse ano terá mesmo registado o segundo maior envio total de vinho (como mostra a Tabela 1; se optarmos por incluir também as exportações da Martinez, veremos que a distância em relação à Sandeman diminui substancialmente). Era proprietária de três quintas no Douro — Tua, Val Coelho e Pescoça — e da recém-inaugurada adega de Cadima101. No início da década, a Cockburn Smithes exportava os seus vinhos para cerca de vinte mercados, sendo o inglês, de longe, o mais significativo. A França, o segundo mercado em valor, representava apenas 14% das vendas para Inglaterra, que rondariam os 20 milhões de Escudos anuais102. Com a integração da Martinez Gassiot no controlo do escritório português, as vendas para a Europa continental irão aumentar. Mas os envios para Inglaterra serão sempre o pulmão da firma, o grande mercado de quantidade e de valor dos vinhos da Cockburn’s. Nesse dia festivo de 22 de Junho de 1965, foi nas tradições, nos laços institucionais e de amizade e, ainda, no sentimento partilhado de fé no futuro que assentaram os desejos de felicidade e sucesso pelos cento e cinquenta anos da Cockburn’s. Comemorava-se o passado e o tempo em que o Comércio Exportador prosseguira o seu caminho de crescimento e expansão sem a negra preocupação que agora se abatia sobre as firmas de Gaia

Tabela 1: Exportações de vinho do Porto em 1965 Firma

101 102

Pipas*



Sandeman & Cª.

8.891



Cockburn Smithes & Cª. Lda.

3.566



Cª. Geral da Agricultura das V. do Alto Douro

3.470



Croft & Cª. Lda.

3.399



Miguel de Souza Guedes & Irmão Lda.**

2.726



Warre & Cª. Lda

2.251



Cª. Agricola e Comercial dos Vinhos do Porto

1.927



Silva & Cosens Lda.

1.923

ACB: Cadima: A Modern Winery on the Douro, J. H. Smithes, 23 de Dezembro de 1967. ACB: Rendimento líquido e relativo do mercado português em 1960, J. H. Smithes, 31 de Janeiro de 1961; ACB: Rendimento líquido e relativo do mercado português em 1961; J. H. Smithes, 31 de Dezembro de 1961.

41



António José da Silva & Cª. Lda.

1.711

10º

C. da Silva Lda.

1.647

11º

Wiese & Krohn, Suers.

1.571

12º

Delaforce Sons & Cª.

1.563

13º

Martinez Gassiot & Co. Ltd.

1.563







Total exportado (68 firmas)

65.010

* Pipas de 534 litros. ** Esta empresa encontrava-se em fase de liquidação. Fonte: ACB: anexo ao Douro and Gaia Report no. 29, 22 de Março de 1966 (documento apresentado como “confidencial”; provavelmente obtido junto do Grémio). Alertamos para o facto de o valor total das vendas apresentado para este ano não coincidir com o de Conceição Andrade Martins, depois de feita a conversão para a mesma litragem por pipa. Este documento regista uma diferença de 1.894.090 litros de vinho (ou seja, cerca de 3443 pipas de 550 litros) em relação aos dados de Conceição Martins. Que os valores apresentados no quadro sirvam, sobretudo, para posicionar as firmas em relação à concorrência.

A Cockburn’s foi fundada no Porto em 1815, ano da Batalha de Waterloo, por três sócios ingleses103. Robert Cockburn, um dos três fundadores, era irmão mais novo de Henry Thomas, Lord Cockburn, destacada figura da jurisprudência britânica e membro dessa antiga e prestigiada família escocesa104. Robert estivera em Portugal aquando das Guerras Peninsulares, onde, segundo Fletcher, teve a oportunidade de conhecer o país vinícola e as suas potencialidades comerciais105. O escocês estaria já ligado, em parceria com o irmão John, ao comércio de vinhos, em Leith (terra natal dos Cockburn) e em Londres, pelo menos desde

103

Este resumo histórico resulta da confrontação da documentação incluída no dossier ACB: António M. Graça — Company History & Information — nº1, que reúne variadíssimos resumos históricos da empresa, elaborados pelos seus representantes ao longo da segunda metade do século XX (alguns dos quais sem data, mas que relatam acontecimentos ocorridos após o takeover da Harveys). O objectivo destes documentos, cremos, seria a promoção pública do nome da firma pela capitalização da sua história; explica-se, assim, a falta de rigor dos mesmos. Por termos encontrado relatos de interesse dispersos por vários destes documentos, bem como informações contraditórias entre eles, o texto deste subcapítulo resulta, então, do cruzamento de todos os documentos incluídos neste dossier. Tentámos sempre confrontar os documentos aqui incluídos com fontes externas, a que faremos a devida referência. 104 SELLERS, Charles — Oporto, Old and New, Londres: Herbert E. Harper, 1899, p. 170. 105 FLETCHER, Wyndham — Port, an Introduction to its History and Delights. Londres: Sotheby Parke Bernet, 1978, p. 68.

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1796106. Com George Wauchope, também estabelecido em Leith como comerciante de vinhos, e com o capitão da marinha mercante inglesa William Grieg107, a firma Cockburn, Wauchope & Grieg era, então, formalmente constituída 108. No perfil fundador da empresa estava a grande ligação dos sócios à exportação de vinhos para Inglaterra, onde teriam já actividade consolidada, e a relação com a marinha inglesa, acentuada em 1836 com a entrada do Capitão Hugh Dunlop109 (depois de, segundo as listagens da Feitoria, Wauchope ter saído em 1825). Em 1830, os irmãos Archibald e Alexander Cockburn, filhos de Robert, entram na empresa que, a partir desta altura, passa a contar com um escritório na capital inglesa. O governo da Cockburn’s vai então assentar num modelo de gestão bicéfala entre Porto e Londres, aprofundado em 1931 com a separação formal da sociedade em duas firmas com administração e capitais autónomos. Cada escritório teria, naturalmente, incumbências e funções próprias em resultado da posição que ocupava na cadeia de valor do comércio de vinho. Assim, ao Porto, a montante, competia a prospecção e compra de lotes de vinho no Douro, o seu armazenamento e expedição a partir do cais de Gaia. Londres, por sua vez, a jusante, encarregar-se-ia de comercializar os vinhos recebidos de Portugal, segundo as relações negociais que o escritório estabelecia por todo o país. A Inglaterra sempre foi o 106

Relato de John Henry Smithes. É o único registo incluído no dossier Company History & Information que nos adianta este passado comercial de Robert Cockburn com o irmão John. Paul Duguid, por outro lado, aponta 1805 como o ano de início de actividade dos irmãos Cockburn’s em Leith. DUGUID, Paul — «O render da guarda. Firmas britânicas no comércio do vinho do Porto, de 1777 a 1840». In PEREIRA, Gaspar Martins (coord.) — História do Douro e do Vinho do Porto. Vol. 4: Crise e Reconstrução. O Douro e o Vinho do Porto no Século XIX. Porto: Afrontamento, 2010, p. 251. 107 O Capitão Greig esteve intimamente ligado à Feitoria no Porto, encarregando-se, a certa altura, da gestão da sua biblioteca. Era irmão de Sir Hector Grieg, que, segundo cremos, esteve ligado ao Governo da ilha de Malta durante o domínio inglês. SELLERS, Charles — Oporto, Old and New, Londres: Herbert E. Harper, 1899, p. 170. 108 Ao contrário de todos os relatos incluídos nesta documentação, que sugerem a fundação da firma apenas com dois sócios, Cockburn e Wauchope, e a entrada de Greig apenas em 1828, descobrimos, pelas listagens da Feitoria Inglesa (igualmente incluídas neste dossier), que as contribuições mais antigas da firma a esta instituição datam de 1823 e surgem com a designação «Cockburn Wauchope & Grieg». Numa outra lista, a dos membros das firmas pertencentes à Feitoria, William Greig surge como o mais antigo ligado à Cockburn’s, desde 1815, ano da sua fundação. Ainda, numa carta de 1979, altura em que um Johny Cobb estaria a desenvolver uma investigação nos arquivos da empresa, David Orr escreve aos escritórios de Gaia dando conta deste trabalho, notando algumas descobertas recentes que punham em desacordo o que se julgava serem factos assentes: «for exemple, he has discovered that William Greig was head of Cockburns Oporto from 1815, not from 1828 as Wyndham Fletcher writes in his book [de 1978]». ACB: Carta de D. B. Orr aos directores do Porto, 13 de Junho de 1979. 109 Onde permaneceria durante 10 anos, sendo considerado um «sleeping partner» (i.e., não estaria directamente envolvido em funções de gestão). Sabemos ainda que Capitão Dunlop foi casado com uma Miss Cockburn.

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principal cliente dos vinhos da Cockburn’s ao longo da história da empresa, aquele mercado que mais atenção e esforços de vendas exigia. Por esse motivo, o escritório do Porto encarregava-se ainda das vendas para os restantes mercados, em complemento com as encomendas recebidas via Londres. Em 1847, os irmãos Henry e John Tatham Smithes tornam-se sócios da firma, que passa a adoptar a designação «Cockburn Smithes & Cia» (manter-se-á até ao takeover de 1962). John Tatham veio a tornar-se uma das figuras mais populares do sector. Ter-se-á iniciado nos assuntos do vinho aos 16 anos, como aprendiz da firma Dow’s. Segundo Reginald Cobb, foi ele o primeiro sócio da Cockburn’s permanentemente estabelecido em Portugal110. Encarregado da selecção e produção de vinhos em Gaia e no Douro, por ele passaram alguns dos melhores Vintages do século e, em particular, o Jubilee Vintage de 1887111. Os seus dois casamentos (o primeiro, pela morte prematura da sua esposa, só teria a duração de um ano) marcam a entrada das duas famílias que, para além dos Cockburn e dos Smithes, fariam parte da administração dos destinos da empresa até à segunda metade do século XX: os Teage e os Cobb. Henry Smithes integrou, inicialmente, o escritório londrino, contando a partir de 1851 com a companhia de um novo sócio nesta casa, John Black. Henry começara a trabalhar aos 15 anos na banca, por onde também viria a passar o seu irmão. Com a morte de Robert Cockburn em 1854, volta ao Porto para auxiliar os irmãos Cockburn, Archibald e Alexander, e o seu próprio irmão John Tatham, na condução dos destinos da empresa. Desde a morte de John Black, vários elementos das quatro famílias vão repartir responsabilidades administrativas nos escritórios do Porto e de Londres. Apesar de não sabermos ao certo como se distribuíam as equipas de gestão das duas casas, cremos ter havido uma interdependência forte entre os dois polos, com os filhos de sócios instalados no Porto a serem destacados para Londres para se instruírem nas práticas comerciais da firma, e os desta casa enviados a Portugal para se iniciarem nos assuntos do vinho112. Como relata John Henry Smithes, membro da terceira geração de Smithes 110

111

112

«Firma Cockburn, Smithes & C.ª, Limitada está a comemorar os cento e cinquenta anos da sua fundação». O Comércio do Porto, 23 de Junho de 1965 (em anexo). Até ao término do período em estudo, os anos em que a Cockburn’s declarou Vintages foram os seguintes: 1870, 1872, 1873, 1875, 1878, 1881, 1884, 1887, 1890, 1894, 1896, 1900, 1904, 1908, 1912, 1927, 1935, 1947, 1950, 1955, 1960, 1963, 1967, 1970, 1975. Isto apesar do perigo das viagens entre Portugal e Inglaterra, como nos relata John Henry Smithes: «Going backwards and forwards was quite hazardous in those days and [John Tatham Smithes] was shipwrecked no less than three times. Once alone, once with his eldest daughter, when they became separated and one was landed in France and the other in Cornwall. It was some days before either had

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no Porto, durante os cem anos seguintes «four new names appeared, but only one of these was not a connection of one or other of the above four families. The whole structure of the firm has been indeed a family one, at all levels, especially on Oporto side, and still is to this day». Quanto a episódios de conflito entre sócios, segundo se lê no relato de John Henry Smithes113, o seu avô, John Tatham, parece protagonizar a única memória de um confronto relevante. Terá ocorrido quando John, já no estatuto de director sénior, sugeriu ao outro “senador” da empresa, Archibald Cockburn, que este, tendo em conta os longos anos de serviço nos assuntos da direcção, marcasse para breve a sua reforma. Archibald foi o sócio que mais tempo esteve ligado aos destinos da empresa (durante precisamente cinquenta anos) e não terá apreciado a “sugestão” do seu óbvio e imediato sucessor. Apesar da animosidade sentida entre os dois “pesos pesados” da firma, nada de gravoso ou perene terá resultado para a harmonia administrativa da Cockburn’s. Na década de setenta do século XIX, John Tatham Smithes faz a primeira aquisição de vinhas em nome da empresa: a Quinta do Tua (ou dos Ingleses, como passou a ser popularmente conhecida na região). A propriedade foi adquirida a um dos maiores fornecedores de vinhos da Cockburn’s, Dona Antónia Adelaide Ferreira. John Smithes foi ainda responsável por uma série de desenvolvimentos administrativos e técnicos na organização da empresa, entre eles certas práticas de blending e de registo dos stocks de vinho, que se mantiveram em uso durante mais de cem anos. Em Londres, o primeiro elemento da família Cobb a entrar nos quadros da empresa foi Charles Davison Cobb, em 1863. Charles era irmão mais novo de Eleanor, segunda mulher de John Tatham Smithes. O primeiro Cobb nos escritórios de Gaia parece ter sido Frederick Teage Cobb, em 1880114. Foi, ainda, um Cobb, William Morphett, que, de 1901 a 1928, permitiu que o escritório portuense ultrapassasse um dos períodos mais negros da sua história. Durante a I Guerra Mundial, ao contrário do restante sector, William optou por não declarar o estatuto Vintage em anos consensuais como os de 1917, 1920 e 1924. Desde então, a Cockburn’s seria reputada por seguir o seu juízo próprio, impermeável à opinião do restante sector, no que toca à declaração dos anos Vintage. Em 1931, o pacto social da empresa altera-se e a Cockburn’s torna-se uma companhia privada formalmente divida em duas subsidiárias — em Londres e no Porto news of the other. On the third occasion the whole family was envolved, when the ship went down at the mouth of the Douro, and they lost everything except their lives and night clothes!». Relato de John Henry Smithes incluído em ACB: António M. Graça — Company History & Information — nº1. 113 Idem. 114 SELLERS, Charles — Oporto, Old and New, Londres: Herbert E. Harper, 1899, p. 170.

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— com capital e administrações próprias. Nesta altura estão na direção do escritório britânico os sócios Ernest Henry Cockburn e Frederick Armine Cockburn que, em 1939, sucede ao primeiro como chairman da empresa. Nesta data fazem ainda parte da equipa de Frederick Armine, Colin Chetwynd Gordon e Werbert Terry Ree. Já depois da guerra, Wyndham Fletcher, primo de Colin Gordon e sobrinho dos Cockburn, torna-se director em Londres. Da gestão da firma portuguesa fazem parte Reginald Morphett Cobb, filho de William Morphett, que se afigurará como a personalidade central ao longo da nossa investigação nos anos sessenta. Reggie, diminutivo pelo qual era carinhosamente tratado, reforma-se em 1968, a escassos meses do lançamento do Cockburn’s Special Reserve. Fazem ainda parte da direcção Archibald Cockburn Smithes e, depois da sua morte em 1939, o seu filho John Henry Smithes, que na altura já contaria com dez anos ao serviço da firma. Tanto Archibald como John Henry, pai e filho, são referenciados em diversas fontes como dois dos maiores provadores de vinho à época, dotados de capacidades de avaliação organoléptica verdadeiramente excepcionais. Em 1961, a Cockburn’s declara o seu melhor ano de negócios em três décadas, com um aumento das vendas de 31% em relação ao ano anterior. A empresa explica estes resultados com a diminuição das barreiras alfandegárias à importação de vinho em Inglaterra, bem como pelos primeiros indícios de um reavivar da procura naquele mercado115. Estes bons resultados parecem ter despertado a atenção do grupo Harveys of Bristol, uma empresa inglesa ligada ao comércio e distribuição de vinho do Xerez, fundada em 1796 e sediada em Bristol. Em 1962, o Grupo Harveys vai adquirir o capital da firma-mãe da Cockburn’s, sedeada em Inglaterra, e, por arrasto, o comando das duas firmas subsidiárias. Já no ano anterior a Harveys adquirira a Martinez Gassiot & Co, uma concorrente directa da casa portuense116. A Cockburn’s chegava assim ao seu centésimo quinquagésimo aniversário incluída numa nova estrutura empresarial que ditaria as principais linhas orientadoras da administração do escritório de Gaia e seria decisiva nessa turbulenta década de sessenta.

115

«O melhor ano de negócios para a firma Cockburn Smithes & Cº depois de 1931». Wine & Spirit Trade Review, 29 de Dezembro de 1961 (artigo transcrito no nº 265 dos Cadernos mensais de estatística e informação do IVP. Porto: IVP, Janeiro de 1962). 116 «Harveys acredita no futuro do vinho do Porto». Ridley’s Wine & Spirit Trade Circular, Julho de 1961 (artigo transcrito no nº 272 dos Cadernos mensais de estatística e informação do IVP. Porto: IVP, Julho de 1961). Sobre o processo de concentração empresarial no sector do vinho do Porto, consultar LOPES, Teresa da Silva — Internacionalização e concentração no Vinho do Porto, 1945-1995. Porto: GEHVID/ICEP, 1998, p. 148-150.

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2.2. Enquadramento empresarial em 1965 2.2.1. Organização interna No ano do 150.º aniversário da empresa, o escritório do Porto da Cockburn’s enquadrava-se numa já relativamente complexa estrutura empresarial. Nestas páginas tentaremos definir a sua estrutura e orgânica, as relações de poder estabelecidas entre os seus departamentos, mecanismos de gestão, regras de funcionamento, etc., num esforço de clarificar os procedimentos e as possibilidades de acção de cada agente e de cada equipa dentro da intrincada teia empresarial de um conglomerado em constante crescimento. Primeiro a Martinez em 1961, depois a Cockburn Smithes no ano seguinte, ambas as firmas passam a ser controladas pela Harveys of Bristol, uma holding inglesa do sector das bebidas alcoólicas com sede na cidade que dá nome ao Grupo. A coordenação das empresas portuguesas era assegurada por uma subsidiária de Bristol, a John Harvey & Sons (Portugal) Ltd., criada para o efeito em 1962 — altura em que a Harveys era já dona da Martinez Gassiot e em que a aquisição da Cockburn Smithes se processava publicamente sob a aparência de uma “parceria comercial” negociada entre Gaia e Bristol117. Reginald Cobb, como seu director executivo, passará a comandar conjuntamente a gestão das duas empresas que, durante a primeira metade da década de sessenta, irão caminhar para uma fusão empresarial de facto (apesar manterem personalidades jurídicas autónomas)118. No início dos anos sessenta, a Harveys organizava-se no sentido de prosseguir a estratégia de expansão dirigida pelo chairman G. E. McWatters. É preparada uma operação pública que contempla alterações na estrutura da empresa, como um aumento do capital da sociedade, a reorganização da estrutura interna do Grupo — repartindo a actividade operacional por seis “directórios” de empresas (ou seja, pelo modelo de holding, que permite o controlo e gestão de participações sociais dispersas por várias subsidiárias) — e, finalmente, a criação de uma sociedade autónoma encarregue dos 117

No que toca a relações públicas, o takeover foi muitas vezes tratado pelos eufemismos “parceria comercial” ou “associate company” ou, ainda, “ligação de interesses comerciais”. Em escassos documentos públicos surge abertamente o termo “acquired”. Seria uma vontade expressa do escritório de Londres que, nas comunicações com o exterior, não se fizesse referência aos novos donos da fima: «it is an essential part of our policy that we do not let on that we here are owned by Harveys. (…) we have certainly held some very good (…) accounts by remaining apparently virginal». Fletcher chega a sugerir que os agentes da Cockburn’s mintam aos clientes, se necessário for, para manter a ficção dessa “aparente virgindade”. ACB: Carta de W. Fletcher a R. M. Cobb, 10 de Março de 1964. 118 ACB: Relações Inter-Companhias, Junho de 1963.

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serviços de marketing. Esta última empresa cumpriria a função de fornecer ao grupo instrumentos valiosos como estudos de mercado, serviços publicitários, consultoria nas áreas de relações públicas e de desenvolvimento de novos produtos e marcas. Pela sua importância estratégica, seria presidida pelo próprio chairman. Finalmente, seria alterado o nome da holding de John Harvey & Sons Ltd. para Harveys of Bristol119. No novo organigrama empresarial, o escritório portuense da Cockburn’s — i.e., a John Harvey & Sons (Portugal) Ltd — passaria a ser coordenado pela J. H. & S. (Overseas) Ltd, um dos seis “braços” nascidos da reorganização do Grupo e que abarcava todas as subsidiárias ligadas à produção e fornecimento de vinhos no controlo directo de Bristol: em Portugal, Espanha (Jerez de la Frontera), França (Bordéus e Borgonha) e Alemanha. Apesar de não ser explícito nos registos, depreendemos que o escritório londrino da Cockburn’s fizesse parte de um directório distinto, em que se estivessem reunidas as subsidiárias do Grupo com funções puramente comerciais120. O principal órgão de gestão da John Harvey & Sons (Overseas) era o Overseas Management Executive (OMEX)121. Este conselho de directores será de primeira importância na administração da Cockburn’s na década de sessenta. Pelas suas reuniões passarão as decisões mais marcantes da subsidiária portuguesa: as opções de investimento, estratégias comerciais e a visão de longo prazo da firma. Políticas que serão discutidas quer por iniciativa de Cobb, quer por decisão da OMEX, em particular

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Na base da reformulação da Harveys of Bristol estão as ambiciosas perspectivas de expansão e crescimento da empresa. Escreve G. E. McWatters, chairman da Harveys: «in order that the structure of the Group may be more effectively co-ordinated and controlled and to facilitate further expansion, [this] Board feels that the time has come to establish a holding company which will in effect be a nontrading company holding as investments all the shares in the subsidiary companies». ACB: Esboço da carta enviada por G.E. McWatters aos accionistas da Harveys of Bristol, 28 de Fevereiro de 1962. 120 Idem. 121 A primeira reunião deste órgão teve lugar no dia 3 de Julho de 1963. Enlencamos os seus membros e respectivas responsabilidades na OMEX à data da sua criação: ▪ A. M. McWatters, chefe do órgão executivo e representante da empresa J. H. & S. (Overseas) no Conselho de Administração do Grupo Harveys; ▪ S. H. Waugh, responsável pela supervisão das operações em França, em particular as unidades de produção do grupo em Bordéus (Delor e Château Latour) e na Borgonha; ▪ G. Davies, que fazia a ligação entre as subsidiárias e a empresa de vendas, a Overseas Selling Company; ▪ R. J. Le Sueur, responsável pelo abastecimento de vinhos a partir das companhias subsidiárias, pela coordenação da gestão destas empresas e pelo aconselhamento da OMEX em questões de gestão de recursos humanos; ▪ M. C. Hubball, responsável pelo controlo da qualidade, aconselhamento nos assuntos técnicos de vinificação e produção; ACB: Extract from the minutes of a meeting to discuss “Executive” for the Management of Controlled or Associated Overseas Prooduction Companies, 3 de Julho de 1963.

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por Richard Le Sueur, responsável pela coordenação das equipas de directores das subsidiárias fora do Reino Unido. A ligação formal que sempre existira na Cockburn’s entre os escritórios de Porto e Londres fora formalmente quebrada com o takeover da Harveys e a posterior reorganização do Grupo. A administração portuguesa passa, então, como Londres, a responder hierarquicamente a Bristol. Mas a cooperação pessoal entre o polo de produção, em Portugal, e o de comércio, em Inglaterra, preservar-se-á ao longo de toda a década. A correspondência entre Reginald Cobb e Wyndham Fletcher, directores de Porto e Londres, respectivamente, manter-se-á activa e regular, versando sobre os assuntos da gestão quotidiana da firma e, em especial, sobre as questões relacionadas com as vendas no mercado inglês. A Harveys introduzirá, contundo, um elemento novo na relação operacional entre os escritórios de Cobb e Fletcher. Ditará a OMEX que todos os negócios fechados por Londres com clientes fora do Reino Unido passem a ser facturados em Gaia e, sobre eles, aplicada uma comissão de 19% a favor de Londres. Esta comissão só será abolida no final da década, quando a equipa de vendas da Harveys se ocupar da promoção das marcas da Cockburn’s no mercado inglês122. Numa estrutura em que a harmonia entre produção e comércio era de fulcral importância, em que as variações da procura (preferências dos clientes, flutuações dos preços, acordos com distribuidores) implicavam mudanças nos processos produtivos e vice-versa (maus anos agrícolas, aumento dos custos dos factores de produção — vinho, aguardente, salários — desenvolvimento das técnicas de vinificação), a comunicação sempre presente e o entendimento entre Portugal e Inglaterra era condição sine qua non para o bom desempenho da empresa enquanto um todo funcional e orgânico. Nenhuma decisão de fundo era tomada por uma equipa de directores sem o conhecimento, consulta e, senão o assentimento, pelo menos a plena compreensão da sua necessidade pela outra parte. As prerrogativas dos directores do Porto devem, por sua vez, ser enquadradas na hierarquia de competências do Grupo Harveys. Temos conhecimento do poder e das responsabilidades de Reginald Cobb através das circulares internas emitidas por Bristol que regulavam o âmbito de acção das subsidiárias fora do Reino Unido. Os directores executivos eram directamente responsáveis pela lucratividade das suas empresas, competindo-lhes a elaboração e apresentação dos orçamentos operacionais à OMEX, bem como de propostas de futuro que tendessem à maximização dos resultados. Todos

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ACB: Minutes of an OMEX Meeting, 17 de Julho de 1963.

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os investimentos de capital superiores a 1.000£ teriam de passar obrigatoriamente pelo director da OMEX responsável pelas subsidiárias123. Em vez de um controlo apertado sobre o trabalho de cada unidade empresarial, na prática este parece ser um enquadramento geral das responsabilidades e deveres dos directores sujeitos ao controlo da OMEX, e por eles aceite. Tal não impedirá, contudo, a ocorrência de tensões em assuntos que punham os interesses particulares de cada administração em confronto. Veremos um exemplo deste choque quando, anos à frente, fruto da retracção das vendas em Inglaterra, os directores da OMEX decidirem travar os investimentos em curso no Douro. O atrito institucional que então surgirá entre Gaia e Bristol virá mesmo a criar fricções entre os directores de Bristol. Ilustrando este malestar, Tony Lorkin, secretário da OMEX, enviando a Reginald Cobb as minutas das reuniões daquele órgão, faz acompanhar um destes documentos com a seguinte nota cheia de adjectivação trocista: «Reggie, yet another gem from the deliberations of the above august body which I hope you will find interesting»124. No escritório do Porto, à data do 150.º aniversário, eram quatro os sócios na equipa de administração da firma: Reginald Morphett Cobb, John Henry Smithes, Trevor Heath e Felix St. B. Vigne. Cada sócio era responsável pela gestão de um sector da empresa125. Reginald Morphett Cobb, enquanto director executivo da John Harvey & Sons (Portugal), detinha, para além da coordenação geral do escritório, a supervisão das vendas para os mercados português e francês, a venda de aguardente e o contacto com as autoridades oficiais (o IVP e o Grémio dos Exportadores). Uma circular da Harveys, datada de Janeiro de 1964, estipula a obrigatoriedade de todas as despesas incorridas em Portugal num montante igual ou superior a 250£ necessitarem da expressa autorização de Cobb126. John Henry Smithes, famoso pelas suas qualidades de provador de vinho, supervisionava as compras deste produto aos viticultores, as instalações e equipamentos de vinificação e estágio nas adegas do Douro e nas caves de Gaia, bem como a gestão dos stocks e as instalações para o pessoal. Felix St. B. Vigne encarregava-se dos envios de vinho (o shipping department), do transporte de pipas entre o Douro e Gaia, do processo de engarrafamento e, ainda, das cantinas (que passam a ser obrigatórias por lei em meados dos anos sessenta127). Trevor Heath128 era responsável pelo Departamento

123

ACB: Memorandum from the Group Chairman, G. E. McWatters, 30 de Abril de 1963. Referindo-se, naturalmente, à OMEX, na qual assumia responsabilidades directivas. ACB: Carta de A.C. Lorkin a R.M. Cobb, 10 de Junho de 1965. 125 ACB: Carta de R.M. Cobb à OMEX, 6 de Janeiro de 1964. 126 ACB: Carta de R.L. Sueur à OMEX, Janeiro de 1964. 127 ACB: Carta de R.L. Sueur à OMEX, 3 de Março de 1965. 124

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de Tanoaria, pelos sistemas de refrigeração e pelo laboratório, bem como pelo apetrechamento tecnológico em curso nas instalações de Gaia e do Douro, em parceria com John Henry Smithes. Era também responsável pela cooperação entre os vários departamentos e seus directores, assumindo o cargo de Secretário da Administração. Com o decorrer da década, os dois sócios com mais tempo de serviço, Reginald Cobb e John Henry Smithes, acabarão por abandonar a direcção da firma. A nova geração incluirá novos elementos, entre as quais se destaca António Filipe, contabilista do escritório portuense, que, presumimos, terá iniciado o seu trabalho logo em 1962129. Depois da saída de Cobb, de Smithes e de Heath, Filipe tornar-se-á a primeira figura ao leme da Cockburn’s. Apesar de inicialmente apenas se ter ocupado com a contabilidade da empresa, logo tomou uma visão global do funcionamento e da saúde financeira da organização. Em Janeiro de 1963 inaugura, por sua iniciativa, uma série de relatórios reportados à direcção sobre a evolução mensal da situação financeira da empresa. Servia essa apertada análise, justificava, «para que [a Cockburn’s] se possa lançar numa política de investimentos necessária para se modernizar e sustentar a concorrência em matéria de custos, [sendo fundamental] que sejam muito bem pensadas as políticas de despesa (…). Esta é a opinião de quem, pela força das circunstâncias, se tem agora de ver a braços com o estudo da parte financeira (…) e cujas funções não podem ser consideradas como uma espécie de “santo milagreiro” que pode descobrir dinheiro em todos os sítios»130. Ao iniciar o seu trabalho, Filipe deixava recomendações de moderação e rigor financeiro aos administradores do Porto, as mesmas preocupações que irão pautar o seu trabalho ao longo dos anos. Com António Filipe garantindo o equilíbrio das finanças da firma, os trabalhos de modernização e expansão da Cockburn’s poderiam, como desejava Cobb, avançar a bom ritmo. 2.2.2.

Modernização e crescimento

Uma das prioridades assumidas por Reginald Cobb enquanto director foi a de posicionar a Cockburn’s na vanguarda do movimento de modernização tecnológica do sector exportador. Parece tê-lo conseguido com bastante sucesso. Em 1963, lia-se no relatório a propósito da visita de Richard Le Sueur, director da OMEX, às instalações portuguesas: «it should be noted (…) that very considerable progress has been made on 128

Fletcher diz-nos que Trevor Heath teria estado ao serviço da casa exportadora Delaforce antes da sua entrada na Cockburn’s. FLETCHER, Wyndham: Port, an Introduction to its History and Delights. Londres: Sotheby Parke Bernet, 1978, p. 69. 129 ACB: Situação Financeira, António Filipe, 7 de Janeiro de 1963. 130 Idem.

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all the construction projects connected with the integration of the two lodges in Gaia131 and the construction of an experimental installation at Cadima. All this work has been, or will be, completed almost on schedule, and there can be no doubt that Mr. Cobb and his staff have done a tremendous job in supervising this programme without any disruption to their normal shipments. This is an achievement of which all in Oporto should be proud»132. Quando o chairman da Harveys, G. E. McWatters visitar Portugal em Maio de 1965, um mês antes do 150.º aniversário da Cockburn’s, já a primeira fase do processo de modernização das instalações estará terminada e operacional: «I was generally impressed with what has happened during the last year both up the Douro and in the Lodges of Martinez and Cockburn — but I feel very much that we are in the middle of a period of modernization and that the impetus must not be allowed to stop»133. Gaia não poderia ter recebido melhores palavras de incentivo dos administradores da Harveys. Este é um período de intensa mecanização do processo produtivo, em que os principais investimentos aprovados pelo Grupo para as instalações em Portugal consistem

em

equipamentos

técnicos,

tais

como

sistemas

de

refrigeração,

centrifugadoras, linhas de engarrafamento, cubas de fermentação, etc. E, ainda, em modernos equipamentos administrativos, com o propósito de desburocratizar e simplificar os processos de gestão do escritório134. Os investimentos seriam repartidos entre o Douro, visando, sobretudo, a adega de Cadima, e Gaia. Mas era nas instalações da região demarcada que os ganhos com a mecanização eram maiores, por mais urgentes. Afixara-se o objectivo de diminuir, ao longo de três anos, o custo de produção da pipa de vinho em 10£ 135. Em 1964, por exemplo, dá-se conta de uma poupança excepcional pela entrada em actividade de uma 131

A primeira decisão da Harveys foi a da progressiva fusão das administrações da Cockburn Smithes e da Martinez, num claro esforço de rentabilizar recursos e reduzir custos. Um dos principais assuntos nas cartas trocadas entre o escritório do Porto e a OMEX prende-se com a redução de pessoal: das equipas de direcção, do staff de escritório e, ainda, dos técnicos ligados à produção em Gaia e no Douro. Os directores em Bristol consideravam supérfluo manter, após a incorporação no Grupo, os mesmos recursos aplicados na administração corrente das duas firmas. Iniciam-se, ainda, esforços de uniformização de procedimentos organizativvos e produtivos no sentido de simplificar a gestão conjunta. Da fusão entre as companhias resultou um problema sério de excesso de stocks, estimado em cerca de 400 pipas, constituído, sobretudo, por largas provisões de vinho velho da Martinez. O escoamento destes lotes tornava-se particularmente difícil num mercado que parecia preferir vinhos novos e de perfil mais fresco. ACB: Carta de R. L. Sueur à OMEX, 10 de Setembro de 1963. 132 ACB: Summary of matters discussed during the course of a recent visit to Portugal, R. L. Sueur, Outubro de 1963. 133 ACB: Report on a Visit to Porto and the Douro, G. E. McWatters, 19 de Maio de 1965. 134 ACB: Minutes of an OMEX Meeting, R. L. Sueur, 22 de Janeiro de 1964. 135 ACB: Carta de R. L. Sueur à OMEX, 10 de Setembro de 1963.

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centrifugadora de borras que, segundo as contas de Gaia, pela economia de custos imediatamente induzida, explicaria o aumento de 27% dos lucros em relação ao ano anterior136. A adega de Cadima seria o investimento mais importante da Cockburn’s na primeira metade da década. A propriedade, que já teria fornecido vinho à firma em ocasiões passadas137, fora comprada em 1961 e restaurada a título pessoal por Reginald Cobb, prevendo o director que as suas instalações pudessem ser, eventualmente, úteis à firma138. Passados alguns anos, já se davam nesta adega os primeiros passos no desenvolvimento técnico da produção, através, por exemplo, do controlo da temperatura durante a fermentação por sistemas de refrigeração. Eram práticas “experimentais” que se iam consolidando no Douro com sucesso, ao ponto de os directores da OMEX apressarem a implementação de técnicas análogas noutras subsidiárias do grupo (como em Delor, França139. Com as obras de apetrechamento técnico, que incluíam a construção de tanques de fermentação e a ligação da adega à rede eléctrica, a instalação só ficou totalmente funcional na vindima de 1964140. Dá-se ainda início ao transporte de vinho por contentor, em preterição do envio em pipa141. Sabemos que firmas como a Sandeman já usariam este sistema desde 1963142. A substituição de madeira por contentores no transporte traria melhoramentos e poupanças significativas no que se refere à exportação marítima («particularly for the cheaper wines»)143. Não sendo perecível como a madeira, de mais fácil transporte e maior resistência, o contentor era encarado como uma opção logística mais económica, mais higiénica e mais propícia à boa conservação dos vinhos144. Em Março de 1962, John Smithes já estaria a estudar o assunto145. A opinião de que as pipas de madeira se 136

ACB: Minutes of an OMEX Meeting, 15 de Março de 1965. ACB: Cadima: A Modern Winery in the Alto Douro, J. H. Smithes, 23 de Dezembro de 1967. 138 ACB: Carta de R. M. Cobb à Cockburn Smithes & Cia., 17 de Janeiro de 1963. 139 ACB: Three Year Plan enviado à OMEX, R. L. Sueur, 6 de Dezembro de 1963. 140 ACB: Report on Developments in Vila Nova de Gaia and Douro, 4 de Setembro de 1964. 141 O grosso dos movimentos de vinho entre Douro e Gaia era feito por transporte ferroviário e rodoviário. Contudo, num recorte a propósito do 150.º aniversário da empresa, é-nos dito que Cockburn’s seria uma das poucas firmas a manter a tradição de expedir os cascos de vinho rio abaixo nos tradicionais barcos rabelos (ainda que só das quintas e propriedades de mais difícil acesso). ACB: dossier António M. Graça — Company History & Information — nº1. 142 ACB: Management Committee Meeting of John Harvey (Portugal) Ltd., 8 de Novembro de 1963. 143 ACB: Summary of matters discussed during the course of a recent visit to Portugal, R. L. Sueur, Outubro de 1963. 144 ACB: Cartas entre J. H. Smithes e W. Fletcher, Fevereiro e Março de 1962. 145 Escreve John Smithes: «I have spent a great deal of time (…) on trying to find a suitable container to replace wood for transport as it is unsuitable for [chilled] wines as well as very costly — money, tied up 137

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haviam tornado um tipo de vasilhame obsoleto e inadequado ganhava novos e reforçados argumentos a seu favor. Este processo de desenvolvimento das instalações de Gaia e do Douro é defendido por Richard Le Sueur junto dos restantes directores da OMEX. Le Sueur apresenta uma proposta de investimento para Portugal que rondava as 50.000£ no período entre 1963 e 1966. Tão avultada aplicação de recursos assentava em perspectivas bastante optimistas da evolução das vendas no curto prazo: «the success of our promotion of aperitif style port in Europe, the greater effort to be made in the U.K. behind Cockburn’s ports, and the modernization of our port producing equipment gives us, I hope, reasonable grounds to hope for steadily expanding sales (…) [rising] by some 300 pipes a year in the next three years [um acréscimo total de 20% entre 196366]»146. Assim, ressalvando apenas o efeito pernicioso da inflação e o aumento dos custos de produção em Portugal147 (em particular, a subida do preço da aguardente), Le Sueur apresenta aos directores da OMEX uma taxa de retorno sobre o capital investivo entre 10% e 12,5%148. Esta expectativa, contudo, não será alcançada. No ano seguinte, o retorno para o Grupo será de apenas 8% — correspondendo a um lucro de 65.000£, quando os objectivos fixados, lembravam os membros da OMEX, apontavam para um target anual na ordem dos 100.000£149. Em 1965, o director financeiro do Grupo, Sir William Gorell Barnes, irá recomendar que não se invista em nenhum projecto que apresente uma taxa de rentabilidade esperada sobre o capital investido inferior a 15%150. Ao contrário do que fora previsto anos antes, em pouco tempo será adoptada uma perspectiva francamente pessimista quanto à evolução futura das vendas. Já no final de 1964, Richard Le Sueur enfatizava que «any expansion at Gaia must be in stock, wine seasonings, special washing, etc., but these changes take time». ACB: Carta de J. H. Smithes a W. Fletcher, 9 de Março de 1962. 146 Le Sueur defende ainda que o Porto passe a ter um papel reforçado na promoção e acompanhamento das vendas, dotando-se, para isso, de um mais completo conhecimento dos mercados de exportação, de forma a prever atempadamente mudanças que neles pudessem ocorrer. ACB: Carta de R. L. Sueur à OMEX, 10 de Setembro de 1963. 147 Parte destes aumentos eram contrabalançados pela desvalorização do Escudo, o que tornava os aumentos dos preços do vinho menos gravosos nos mercados importadores. No entanto, este efeito de ajustamento era muitas vezes anulado por surtos especulativos nos preços das matérias-primas na região demarcada. ACB: John Harvey & Sons (Portugal) Ltd., Company Commentary / Business Review, 1981/82. 148 ACB: Three Year Plan enviado à OMEX, R. L. Sueur, 6 de Dezembro de 1963. 149 ACB: Minutes of an OMEX Meeting, 19 de Janeiro de 1965. 150 A partir de 1964/65, Sir William Gorell Barnes assume a gestão dos assuntos financeiros do Grupo, substituindo A. C. Lorkin. ACB: Minutes of an OMEX Meeting, 27 de Julho de 1965; ACB: Minutes of an OMEX Meeting, 20 de Julho de 1965.

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dependent on the future prospects for sales and that the slightly pessimistic outlook should be borne well in mind»151. Os planos de investimento que, na segunda metade da década, farão depender directamente a continuação dos esforços de modernização do aumento das exportações tornarão mais tenso o diálogo entre os directores do Porto e de Bristol. 2.2.3.

Publicidade em Inglaterra

Uma história contada por Wyndham Fletcher ilustra o que os comerciantes de vinho do Porto em Inglaterra na primeira metade do século XX entendiam por “política de vendas”. O jovem Fletcher, colaborador da Cockburn’s londrina, fora chamado ao gabinete dos directores para ser notificado da sua promoção a vendedor: «[it was] the height of my wordly ambitions at that time. In a delirium of excitement I asked to be given some ideas on how one actually sold Cockburn’s Port. It was obviously the most appalling gaffe, everyone’s face fell and a deadly silence ensued. Eventually someone said, ‘Have you got a bowler hat?’ (…). Someone else said, ‘Never mention Cockburn’s’. This, had anybody present known the phrase, was obviously the soft sell. Thus equipped, I sallied forth and with experience learnt, after spending too long talking [about] hunting, shooting and fishing with some small country wine merchant, to bring the conversation to a close by asking ‘And may we ship you another pipe?’»152. Antes da II Guerra Mundial, como era comum a praticamente todo o sector exportador, as vendas de vinho engarrafado representavam apenas uma expressão residual do total das exportações, fosse para que país fosse. Se havia algum mercado que, de certa forma, fugia a esta tendência, esse mercado era o português: «before the takeover by Harveys in the early 60’s both Cockburn and Martinez (like the great majority of other Port shippers) were basically orientated to sell BOB. In markets like the U.K. and Denmark labels with the company name were supplied to some special costumers. The only real branded segment was the Portuguese market, as far as Cockburn was concerned»153. Quando em Inglaterra se davam os primeiros passos na definição de uma estratégia de marketing minimamente sólida para os vinhos Cockburn’s, já em Portugal os expedientes publicitários eram encarados como técnicas habituais na promoção das vendas. O escritório de Gaia afectava anualmente, com este propósito, cerca de 200.000$00, metade dos quais geridos por uma agência publicitária. 151

ACB: Minutes of an OMEX Meeting, 3 de Dezembro de 1964. FLETCHER, Wyndham — Reminiscences of a Port Shipper, 1930-1975. Hanover, New Hampshire: The Port Lover’s Library, 1997, p. 5. 153 ACB: John Harvey & Sons (Portugal) Ltd., Company Commentary / Business Review, 1981/82. 152

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Os meios em que este montante era aplicado incluíam curtos filmes nas salas de cinema, outdoors em estádios de futebol, merchandising diverso, entre outros154. Com a reorganização do Grupo Harveys em 1962, houve, também, uma reformulação das políticas empresariais relacionadas com os assuntos do marketing. Desde logo se dividiram as incumbências territoriais de promoção e publicidade entre Porto e Bristol, nunca cerceando, contudo, o envolvimento do escritório excluído da supervisão de determinado mercado. Assim, as vendas para Inglaterra, incluindo os vinhos do Porto comercializados sob a marca Cockburn, Martinez ou aqueles distribuídos com a marca própria da Harveys, bem como as vendas de vinho engarrafado para todos os mercados excepto o português, passam a ser da responsabilidade directa dos escritórios ingleses. Os vinhos vendidos (a granel ou em garrafa) no mercado português, bem como todas as exportações a granel de vinhos da Cockburn’s ou Martinez para os mercados externos (incluindo o Reino Unido) eram da responsabilidade do Porto155. O início do desenvolvimento de campanhas de publicidade em Inglaterra parece estar ligado à entrada da Harveys no capital da Cockburn’s, área onde o grupo britânico tinha já larga experiência. Como Unwin observa, foi uma aposta em marcas fortes e distintivas, como o Bristol Cream Sherry, que garantiu a esta empresa um lugar de proa no mercado inglês de vinho do Xerez156. Uma carta de Setembro de 1961 enviada pelo chairman da Harveys a Reginald Cobb apresenta detalhadamente a campanha promocional que seria seguida na promoção das marcas de vinho do Porto daquela firma, que a Cockburn’s abastecia: «There is no doubt that port is beginning to enjoy a return to popularity and we intend, therefore, to expand [its sales]. Later this month a big advertising campaign for our [Harvey’s] ports will start in the National Press. Large, impressive, advertisements will appear frequently in the top newspapers until the end of November, and full colour pages have been booked in leading magazines. For adiditional support double page advertisemennts will be seen in the Wine and Spirit Trade Press. No one before has advertised port on so large a scale and in such an impressive fashion. We are sure this campaign will have a tremendous impact and bring the same success as our sherry advertising has done in the past»157. 154

ACB: Publicidade em Portugal, 08 de Maio de 1963. Idem. 156 UNWIN, Tim — Wine and the vine: an historical geography of viticulture and the wine trade. Londres: Routledge, 1991, p. 331. 157 Continua G. E. McWatters: «thousands of your costumers will see these advertisements and ask for Harvey’s Directors’ Bin and Hunting Ports. To avoid disappointing them we would suggest that you 155

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Depois do takeover, a publicidade da Cockburn’s em Inglaterra ganha fôlego. Em 1963, a Harveys investe na promoção da marca Cockburn’s Directors Reserve com uma campanha publicitária que se inspirava no mote «Please call me Co’burn». Durante os meses de Outubro e Novembro, o período que antecipava as compras de Natal, afixaram-se centenas de cartazes nas carruagens do metropolitano londrino e publicaram-se anúncios coloridos na imprensa vespertina inglesa. As despesas totalizaram, nesse ano, 6.000£, sendo repartidas da seguinte forma: 47% afectas ao metropolitano, 38% aos jornais e 15% gastos na produção dos materiais publicitários158. Os serviços de marketing da Harveys afirmavam serem as vendas da Cockburn’s mais fortes nas zonas geográficas de Londres e do Sudeste de Inglaterra, justificando-se, assim, a concentração dos esforços promocionais nestas áreas. Wyndham Fletcher explicava de forma simples disparidade regional: «[because in London] there is more money about and the competition for ‘type’ wines is much stronger in the North»159. É ainda referida a boa aceitação de um novo tipo de vinho, o Late Bottled Vintage (LBV), de tal maneira que o escritório de Londres chega a inquirir os directores de Gaia sobre a capacidade de resposta a um previsívelmente acelerado crescimento das encomendas. O LBV surgia como um bálsamo para o comércio de vinho do Porto: «[LBV] is a good and profitable wine which is helping to improve the image of Port and is, therefore, (…) in the interest of the trade as a whole»160. No ano de 1965, a estratégia de publicidade passará, novamente, pelo sistema de metropolitano da capital inglesa, agora sobre a forma de jingles sonoros. O mote «Please call me Co’burn» conserva-se como o tema principal. Estava encontrada a imagem de marca da comunicação promocional da Cockburn’s. Mesmo quando tiver lugar a intensificação das acções publicitárias na década seguinte, é sobre esta impertinência linguística que versarão as grandes campanhas no mercado inglês. Transcrevemos, a título de curiosidade, os jingles criados nesse ano para a campanha do metropolitano161: Jingle nº 1: «Explain it who may, there’s a silent C.K. / In the name of the very best Port / You have only to think of the co’tails you drink / To say Cockburns the way obtain adequate stocks to meet the increased demand you may confidently anticipate. We have available attractive point-of-sale material which has been specially designed to support our press advertising. (…) May we thank you for your continued support and express the hope that you will greatly benefit from the increasing sales of Harveys port». ACB: Carta de G. E. McWatters a R. M. Cobb e T. Heath, Setembro de 1961. 158 ACB: Cartas de W. Fletcher a R. M. Cobb, 13 e 23 de Setembro de 1963. 159 ACB: Carta de W. Fletcher a R. M. Cobb, 10 de Março de 1964. 160 Idem. 161 ACB: Carta de W. Fletcher a R. M. Cobb, 7 de Outubro de 1964.

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you ort. / Ace pilots (the Kings of the Co’pit), / Fine ladies (who ride a Co’horse) / Convivial costers (from Kew to Co’fosters) / They all ask for Co’burns of course». Jingle nº 2: «Londoners, from Hayes to Holborn, / Ask for Port by sayin ‘Co’burn’; / Only Bounders (Not our Sort) / Ever call it Cockburn’s Port - / Cads who cheat at cards, use knives / For their peas, and beat their wines… / Co’burn’s doesn’t taste the same / If you mispronounce its name». Jingle nº 3: «Businessmen who change at Hockburn / (Hockburn on the Central Line) / Dukes in stately homes like Wockburn / (Wockburn Abbey — very fine) / Canny Highlanders from Ockban - / When they ask for Port, say ‘Cockburn’ / (Cockburn’s Port — splendid wine) / (To get the very best Port, you ask / For Co’burn’s — as everyone in / Co’fosters knows)».

2.3.

Marcas próprias versus Buyers Own Brands

2.3.1. A visão de um futuro estagnado Em Agosto de 1964, Reginald Cobb recebia de Inglaterra um relatório intitulado Three Year Plan, que incluía as previsões das vendas e a definição de uma estratégia de promoção das marcas para os três anos seguintes. Como aí se lê: «historically Cockburn Port has been sold overseas mainly in bulk with comparatively little emphasis on shipper or brand names»162. Cremos tratar-se do primeiro documento a contemplar uma definição das políticas de vendas e de marketing. Irónicamente, tão subitamente como surgiu, logo também foi esquecido, pelo menos durante o período de três anos a que o relatório se refere. O ambicioso plano de promoção aí delineado ficaria refém quer da frustrante evolução das vendas em Inglaterra, quer da indecisão do Porto e de Bristol quanto às gamas a dar prioridade neste mercado, quer ainda da instabilidade provocada na política comercial do Grupo por dois takeovers (o primeiro em 1966, o segundo ao longo de 1968). Descrevendo muito sucintamente as traves mestras do documento, eram definidos como mercados prioritários, para além da Inglaterra, os países da Europa Ocidental (Holanda, Irlanda, Alemanha e Bélgica) e Escandinávia, seguidos em importância pela França, EUA, Canadá e Suíça. Estes países seriam alvo de uma intensa campanha promocional nas marcas da Cockburn’s, suportada conjuntamente pelos dois 162

O relatório destaca ainda a promoção de L.A. Badsley a Product Sales Manager da Cockburn’s, em 1964. ACB: Harveys of Bristol (Overseas) Limited, Three Year Plan, Appendix 2, Agosto de 1964.

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escritórios, com verbas de 1.250£, 5.650£ e 6.650£ nos anos de 1964 a 1967 (note-se que nestes valores não estariam incluídas as actividades promocionais a desenvolver nos mercados britânico e português, com orçamentos próprios)163. A Inglaterra era considerada um mercado com «Brand Priorities». A estratégia passava, num primeiro passo, por reforçar a ênfase dada a certas marcas já estabelecidas, como o Cockburn’s Fine Old Ruby, o Extra Fine Old Tawny, o Extra Choice Old Tawny, o Late Bottled Vintage e o Fine Old White. Esta nomenclatura simples, literal às categorias dos vinhos, seria depois substituída por «Brand names» a estudar e a definir para cada produto. Provavelmente o ponto mais importante é o que diz respeito à criação de uma marca inovadora, inspirada naquilo que anos depois se definiria como a “linha de produto” do Cockburn’s Special Reserve. Lê-se no relatório: «Improving profitability is a major consideration. With this in mind, the introduction of a range of comparatively highly priced quality wines is envisaged in selected markets. Under a name such as ‘Cadima’ the following range is foreseen: a dry light aperitif port; Extra Fine Old Tawny; Cockburn’s Pride»164. Apesar de o perfil vínico traçado não ser semelhante ao do Special Reserve, é o primeiro registo da criação de uma marca Cockburn’s de gama superior e alicerçada numa estratégia de promoção em mercados tidos como prioritários. Este programa não viria, no entanto, a ser implementado no período para o qual fora pensado. Entre 1965 e 1967 irão ser alternadamente adoptadas medidas de orientação das vendas para abastecimento das marcas dos distribuidores e retalhistas — as Buyer Own Brands (BOB) — e para o lançamento e promoção de marcas próprias, num esforço de beliscar, por artifícios diversos, a letárgica procura do mercado inglês de vinho do Porto. Todavia, se no primeiro caso as ténues margens de lucro e a sujeição negocial aos grandes conglomerados farão das BOB um canal de vendas pouco estimulante, também as marcas próprias, por implicarem exigentes esforços de promoção debilmente justificados por retornos incertos e diferidos no tempo, representarão uma aposta de alto risco e sempre potencialmente infrutífera. Todas estas dúvidas e incógnitas se farão sentir nos dois escritórios, mas com particular premência em Gaia que, à altura, atravessava um exigente processo de modernização das suas instalações, a par da expansão da capacidade produtiva no Douro. Logo no início de 1965, a esperança na retoma das exportações cederia lugar ao pessimismo quando, em Bristol, se tornou evidente que os lucros se situariam abaixo do que estava programado para sustentar os pesados investimentos assumidos pelo Grupo 163 164

Idem. Idem.

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em Portugal. Em 1964, os resultados líquidos não ultrapassavam os 65.000£, quando a Harveys previra um valor próximo dos 100.000£ anuais. O montante registado representava uma rentabilidade entre 8 e 9% do capital investido, longe dos 10% a 12,5% projectados por Le Sueur dois anos antes e a uma distância remota dos 15% que viriam a ser exigidos por Sir William Gorell Barnes para as novas aplicações de capital165. Ao longo da primeira metade de 1965, cairá por terra qualquer expectativa que ainda pudesse restar em relação à evolução favorável das vendas, se bem que de forma cronologicamente desfasada entre os dois escritórios. Em Junho, quando em Bristol a contenção era já máxima, Cobb ainda escrevia a Le Sueur convencido que o colega inglês partilhava a sua visão optimista. Mas já o director da OMEX teria por esta altura revisto as suas espectativas fortemente em baixa166. Apesar de todos os esforços e recomendações, o diálogo empresarial entre Porto e Bristol era, se bem que fluido e cordial, sobretudo institucional e, portanto, não totalmente permeável à partilha de intuições e de “estados de espírito”, o que ocasionalmente terá dado azo a malentendidos. Nesta altura, Reginald Cobb escrevia a Wyndham Fletcher fazendo-lhe ver quão proveitoso seria o reavivar das relações comerciais entre a Cockburn’s e os grupos cervejeiros, importantes clientes de vinho no canal BOB. Para esse efeito, Cobb pede a Fletcher que faça «full use of [his] exceptional connections and happy relations with all the big shots in the Trade up and down the country». Escoar-se-iam assim os elevados stocks de vinho — entre os quais os de vinho velho resultantes da fusão com a Martinez — a módico preço, certamente, mas evitando «losing more ground to the brewers and big combines»167. Fletcher apressa-se a explicar a inviabilidade desta proposta pelos «financial tieups» que os conglomerados cervejeiros estabeleciam com as suas subsidiárias produtoras de vinho (seguindo o mesmo tipo de favorecimento negocial que a Harveys teria com a Cockburn’s). Onde estes compromissos negociais não existiam, continua Fletcher, o preço exigido era tão baixo que chegava a ser absurdo. Não seria, assim, minimamente vantajoso enveredar por este caminho: «our whole future must rest on getting Cockburn’s Port established and if you make a feature of selling BOB wine either unstandardized or at a lower price, the issue is confused and particularly on price

165

ACB: Three Year Plan enviado à OMEX, R. L. Sueur, 6 de Dezembro de 1963; ACB: Minutes of an OMEX Meeting, 19 de Janeiro de 1965. 166 ACB: Carta de R. M. Cobb a R. L. Sueur, 15 de Junho de 1965. 167 ACB: Carta de R. M. Cobb a W. Fletcher, 14 de Janeiro de 1965.

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this becomes the price of Cockburn’s Port»168. A recompensa, assegurava Fletcher, acabaria por advir de um insistente (e paciente) investimento nas marcas próprias da empresa: «the initial losses which we sustained through the Harvey association are slowly but surely being regained through the public demand for Cockburn’s port and there are various negotiations conducted on a high level for all Harvey products which may get us eventually a re-listing where we have been taken off the list. I can mention Allied Breweries»169. Apesar da relutância de Fletcher, em Maio de 1965 os administradores da OMEX solicitam ao escritório portuense que seja analisada a viabilidade económica de abastecer os canais BOB na Europa a um preço inferior àquele praticado pela empresa à altura. O novo preço situar-se-ia entre 6.300£ e 6.500£ por pipa, quando o preço então em vigor era de 6.700£170. Esta gama só seria vendida em mercados barateiros e seriam lotes de «significantly lower quality» em relação aos vinhos de mais baixo preço já comercializados pela Cockburn’s, evitando sugestões de comparação entre gamas. Antes mesmo de este estudo ser apresentado, Laurie Bardsley, gestor de vendas da Cockburn’s, mostra-se céptico a esta iniciativa da OMEX, com sérias dúvidas sobre a adequação do projecto aos mercados visados. Explica que o sucesso do novo «cheap port» só seria conseguido à custa de relações comerciais já estabelecidas, em particular em França e na Dinamarca (neste último mercado, para mais, à custa das vendas de vinhos de maior valor acrescentado). Todos os mercados seleccionados teriam uma procura estagnada, senão decrescente, e a aposta nas BOB, com uma mais baixa margem de rentabilidade, poderia expor demasiado a quota da Cockburn’s a alterações bruscas do mercado ou subidas gravosas dos custos (por exemplo, o aumento de impostos): «I have always regarded the BOB business as being vulnerable (…). To me [it] must be replaced by brands eventually and I have always considered it as bread and butter business to keep on going until brands become established as a higher profit rate. I believe that our future lies in brands and the more successful we are in promoting brands, the more BOB business will tend to decline»171. O escritório do Porto divulga, por fim, o seu trabalho. Numa série de relatórios e anexos, é apresentado o impacto previsional de cada cenário estudado nas vendas e nos 168

ACB: Carta de W. Fletcher a R. M. Cobb, 21 de Janeiro de 1965. Idem, sublinhado nosso. John Henry Smithes surge a apoiar a posição de Cobb: «if you lose touch you will never regain it. If you maintain touch you will always be able to discuss the advantages of Cockburn’s label even if you get little B.O.B.!». ACB: Carta de J. H. Smithes a W. Fletcher, 25 de Janeiro de 1965. 170 ACB: Carta de R. L. Sueur a R. M. Cobb, 11 de Maio de 1965. 171 ACB: Carta de L. Bardsley a R. L. Sueur, 19 de Maio de 1965. 169

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lucros no período de cinco anos que se seguiria. Todas as hipóteses assentam, contudo, num pressuposto comum: o da contínua expansão e modernização das instalações da firma no Douro. Mais do que o dilema entre BOB ou marcas próprias, este parecia ser o verdadeiro desígnio da equipa de administradores de Gaia. Como se lê no documento: «It became obvious a few years ago that, unless one was to risk being placed in a very vulnerable position, it was essential to provide some means of making [ourselves] the farmers grapes into wine, and that because of the labour difficulties and rising cost of all kinds it would be necessary to make Wineries of a certain size or the whole economies of the district would disintegrate»172. Gaia defendia que, qualquer que fosse o canal de vendas ou rótulo escolhido, a expansão das vendas da Cockburn’s estivesse sempre a priori intimamente dependente do desenvolvimento de adegas próprias e equipamentos na região vinhateira. As condições negociais da Lavoura eram cada vez mais difíceis de aceitar e obrigavam a empresa a reforçar a sua autonomia vinícola. Para os viticultores tornavase complicado garantir a mão-de-obra necessária ao trabalho da vindima. Era nas adegas cooperativas que muitos encontravam agora uma forma eficiente de assegurar o escoamento dos seus vinhos. O contínuo aumento dos custos de produção — por via da escassez de mão-de-obra, o desinteresse e abandono da vinha, as técnicas obsoletas e as práticas ineficientes, a excessiva burocratização imposta pelas autoridades, o difícil transporte dentro da região duriense,…, entre outros — endurecia o rol de argumentos na defesa do investimento em instalações de vinificação. De igual forma, o desenvolvimento de adegas próprias no Douro traria vantagens relacionadas com o aumento da eficiência produtiva, entre as quais o maior controlo sobre a matéria-prima, com a possibilidade de aumentar a standardização dos lotes, e a valorização dos stocks pelo aumento da qualidade dos vinhos — sobretudo aqueles reservados às gamas mais bem cotadas da Cockburn’s: «to be able to maintain a required standard it is essential to be able to command a nucleus of guaranteed wines, even for early shipment (…). From this nucleus firstly have to be drawn the specialties, i.e. Vintage, L.B.V., Fine Rubies, Old Tawnies, Dry Tang and Old White Ports»173. Por todas estas razões, o 5 Year Plan of Development justificava o aumento da capacidade de produção vinícola da empresa, até então maioritariamente concentrada na adega de Cadima. Pretendia-se, assim, uma verdadeira expansão produtiva e tecnológica no Douro, na linha que se seguira até 1965, mas a uma escala mais ambiciosa. Estavam também 172 173

ACB: 5 Year Plan of Development» (‘Schedule C’), T. Heath e A. Filipe, 31 de Maio de 1965. Idem.

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previstos investimentos em Gaia, mas estes limitavam-se ao aumento da capacidade de armazenagem e correspondiam apenas a um sexto do investimento total previsto no plano a cinco anos. Assim, é proposta a construção de duas novas adegas na região vinhateira e a prossecução da modernização da já existente adega de Cadima. A primeira adega a ser construída situar-se-ia na zona entre o Pinhão e a Régua e a segunda próxima desta vila da sub-região do Baixo Corgo174. As localizações eram escolhidas pela sua proximidade em relação a produtores importantes, que seriam os principais fornecedores de uvas às adegas na temporada das vindimas. Para além do investimento em edifícios, previa-se ainda a aquisição de contentores e camiões de transporte, facilitando desta forma o transporte de vinho, mosto e uvas dentro da região demarcada e entre o Douro e os armazéns de Gaia. O investimento planeado calculava-se em 150.000£, a aplicar faseadamente entre 1965 e 1970175. Este valor, entenda-se, seria independente de qualquer cenário relacionado com uma aposta em BOB ou em marcas próprias, cujos encargos adicionais eram estimados em outros documentos anexos a este, tido como o programa de “base”. O plano a cinco anos para o Douro era o que a equipa do Porto reconhecia como sendo o absolutamente necessário para que a produção de vinho da empresa não ficasse refém do aumento dos custos ou da concorrência crescente, quer a montante, no fornecimento de vinhos, quer a jusante, pelas concentrações empresariais que fortaleciam a capacidade de resposta da concorrência. Em relação a uma aposta nos canais BOB, Trevor Heath e António Filipe apresentam à OMEX convincentes justificações para que este plano não seja prosseguido. Com os cálculos elaborados ficaria demonstrado que, apesar do aumento das vendas ao exterior, o investimento adicional em armazéns e stocks exigido na operacionalização

deste

plano

sustentabilidade do negócio

176

tornaria

muito

difícil,

senão

improvável,

a

. Em suma, seria uma jogada comercial de previsível

ganho nulo: «it may be possible to win this additional business, but because we are not selling a brand it can equally easily be lost»177. 174

Cada uma destas adegas teria capacidade para a produção de 1.000 pipas de vinho, com a adega da Régua, numa segunda fase, a ver essa capacidade aumentada para as 2.000. A empresa ficaria assim com uma capacidade de vinificação de 4.000 pipas anuais e capacidade de armazenamento de 4.350 pipas no Douro. Idem. 175 Idem. 176 Para mais, como tinha sido lembrado por Bardsley, havia o risco de, pela existência de preços diferentes praticados pela Cockburn’s no mesmo mercado para gamas de aproximada qualidade percepcionada, os clientes virem a exigir a igualização do preço de venda pelo valor mais baixo. ACB: Carta de L. Bardsley a R. L. Sueur, 19 de Maio de 1965. 177 Idem; ACB: Esboço de uma carta endereçada a R. L. Sueur, sem autor (J. H. Smithes?), Maio de 1965.

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Ilustrando com valores, para prosseguir uma política de vendas assente nas BOB, seria necessário adicionar ao orçamento base (150.000£) os encargos com o aumento da capacidade de armazenagem em Gaia (28.000£), a construção de uma quarta adega na região demarcada para a produção de mais 2.000 pipas (70.000£) e a antecipação de encargos que, no plano original, apenas seriam suportados no final do quinquénio em causa. Teríamos, assim, um investimento anual médio de 50.500£ em vez dos 31.000£ do plano “base”, num total de 252.500£ a cinco anos. Com um aumento tão substancial do capital investido, esperava-se igualmente um incremento na rentabilidade do projecto; de facto, assim acontecia, mas não numa proporção de todo satisfatória: para um investimento adicional de mais de 60% em relação ao projecto incial, o novo plano acrescentaria aos lucros apenas 1.080£ por ano, ou seja, um aumento de 1% dos resultados178… Concluía-se definitivamente que, «from the financial and economic point of view, the [BOB] business is not worth doing»179. Os directores da OMEX, como seria de prever, irão ser sensíveis às conclusões do estudo, em concordância com a posição assumida pela equipa do Porto180. Ambos os escritórios responderiam em uníssono neste ponto: «I think that on the evidence you have provided (…) there is no justification for producing the “Even cheaper port for Europe”. I never had much doubt that this would be the conclusion that would be reached, but I was asked [by OMEX] to put the question to you»181. Estudada que estava a opção do fornecimento de BOB, concluíra-se pela sua inviabilidade económica. Mas não só.

178

O lucro anual previsto no projecto base seria de 102.400£. ACB: 5 Year Plan of Development, Schedule C, T. Heath e A. Filipe, 31 de Maio de 1965. 179 ACB: Even Cheaper Wine to Europe, T. Heath, A. Filipe e J. H. Smithes, 31 de Maio de 1965. 180 Houvesse alguém não inteiramente convencido das fracas perspectivas do projeto das BOB, foi redigida em Gaia (provavelmente por John H. Smithes, mas não o podemos afirmar com certeza) uma exposição à OMEX que, cremos, não chegou a ser enviada pela sua posição frontalmente demolidora do projecto em causa. O autor (anónimo) refere que a estratégia era contrária às últimas tendências de mercado, quando o preço das gamas mais baixas diminuía na Europa, quando as vendas dos vinhos de gama média e alta cresciam a taxas de 15% ao ano (um ritmo que não seria compatível com a expansão das BOB) e que a aposta em vinhos de preço e qualidade inferior afectaria a imagem da Cockburn’s, reputada com vinhos superiores. Sobre o elevado capital adicional necessário para pôr em marcha este projecto, «could be spent very much more lucratively in promotion of the brand it has been decided to back». A guerra de preços não seria vantajosa para a Cockburn’s porque levaria à destruição das margens, enquanto que a aposta nas marcas própria permitiria alguma solidez lucrativa, já que os consumidores aceitariam pagar um preço mais alto pelo vinho vendido sob a marca. «No, I feel the risk is too great and the investment altogether too large in present circumstances to entertain the idea. Lets us keep what we have and increase it by promotion putting aside every penny we have to spare for this purpose». ACB: Esboço de uma carta endereçada a R. L. Sueur, sem autor (J.H. Smithes?), Maio de 1965. 181 ACB: Carta de R.L. Sueur a R. M. Cobb, 23 de Junho de 1965.

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Reginald Cobb convencera-se de que contaria com o apoio da OMEX numa estratégia sólida de promoção das marcas da Cockburn’s, em paralelo com a modernização e construção das novas adegas no Douro182. Tal apoio acabaria por só chegar de Bristol uns anos mais tarde. Por ironia, apenas um dia corrido da comemoração do 150.º aniversário da Cockburn’s em 1965, Le Sueur escreve a Cobb ditando um interregno no processo de três anos de contínua expansão da Cockburn’s: «my own feeling is that we shall want to go ahead gradually, but that in some of our plans and calculations we are making guesses about the distant future that may not prove wholly right»183. Se um investimento avultado (o das BOB, como extensão de um plano de base) não garantia o retorno desejado, também o próprio 5 Year Plan of Development, por não prever sequer um aumento dos lucros na proporção desejada pelos directores da OMEX, deveria ser, senão integral, pelo menos parcialmente suspenso184. Na reunião da OMEX de final de Julho, o 5 Year Plan desenhado no Porto era, então, formalmente chumbado por três ordens de razões: a decepcionante evolução das vendas em Inglaterra; a fraca rentabilidade do plano de investimentos; e «the present economic climate of the Group»185. O apoio expresso do chairman ao processo de modernização, verbalizado apenas alguns meses antes, não valera à aceitação favorável dos directores da OMEX nem, em particular, às exigências de rentabilidade do director financeiro do Grupo. Contudo, a última razão enumerada para o chumbo do projecto prendia-se com um recente factor de instabilidade, transversal a toda a Harveys. A Showerings, um grupo empresarial inglês igualmente ligado à produção e comercialização de bebidas alcoólicas, apresentara no mercado uma proposta de aquisição da empresa de Bristol. Le Sueur refere-a numa carta a Cobb, poucos dias depois da reunião de Julho da OMEX186.

182

ACB: Carta de R. M. Cobb a R. L. Sueur, 15 de Junho de 1965. ACB: Carta de R.L. Sueur a R. M. Cobb, 23 de Junho de 1965. 184 Segundo os números avançados pela equipa do Porto, com o investimento a cinco anos em causa, a Cockburn’s apenas alcançaria (e não em todos os anos) a meta de lucros fixada pela Harveys para a primeira metade da década. Muito longe do que seria satisfatório, portanto. As razões para o chumbo do projecto das BOB eram agora readaptadas para fundamentar o travão aos investimentos em Portugal. ACB: Minutes of an OMEX Meeting, 19 de Janeiro de 1965. 185 ACB: Minutes of an OMEX Meeting, 27 de Julho de 1965. 186 Ainda sobre a proposta de takeover da Showerings: «The general view taken by the financial papers is that although the results for last year were good, they do not of themselves justify the rejection of the Showering bid. We are now waiting for the formal letter from Showerings and the Board will be reserving a number of arguments until this letter has been sent out. I think you get the English papers with only about 24 hours’ delay, so you will be able to watch developments in them. (…) The current opinion is that, with the family and certain others representing about 35% of the equity having declined 183

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Um comentário curioso incluído nesta carta, em jeito de desabafo, adianta-nos algumas pistas sobre a possivel relação entre o chumbo do 5 Year Plan e a proposta de compra da Showerings: «as regards the Group’s financial situation the present bid by Showerings has underlined the extent to which we are engaged in projects designed to provide jam tomorrow at the expense of those which provide bread and butter today. There is an urgent requirement to maximize earnings on the present capital employed, and all capital projects are being looked at closely in this light»187. A política de avultados investimentos que perdurou durante a primeira metade da década parece ter enfraquecido a posição da Harveys no mercado, deixando-a vulnerável a takeovers hostis. A OMEX sugeria, como cortes ao orçamento apresentado, o adiamento da adega da Régua, a suspensão dos melhoramentos nos armazéns de Gaia e, sendo inadiável a sua construção, o desenvolvimento mais dilatado no tempo da adega do Pinhão. Em vez dos 150.000£ programados inicialmente, a versão light do projecto implicaria apenas o gasto de 25.000 a 30.000£. Cobb apressou-se a responder que tal retracção do investimento provocaria uma «paralisação» da actividade da empresa previsivelmente em 1969/70188. No entanto, a ameaça pareceu pouco plausível a Le Sueur, que se manteve intransigente, pedindo a Cobb que prosseguisse com as remodelações sugeridas. Em Novembro desse ano, o Porto apresentará um programa de investimentos para 1966 no valor de 11.500£ (um terço do previsto no plano a cinco anos), contemplando investimentos técnicos em Gaia e em Cadima. Incluía, ainda, a compra de um terreno no Pinhão onde seria construída a nova adega da firma189. O Douro teria de esperar pela recuperação das vendas. Dois anos depois do “confronto” que opôs Porto e Bristol na questão das BOB, das marcas próprias e do investimento no Douro, em 1967, a história parece repetir-se (teremos, inclusivamente, mais um takeover), senão no grau do discurso, pelo menos no teor dos argumentos que são usados. Ao longo de 1966 as vendas em Inglaterra vão registar uma quebra de 20% nas gamas média e alta. Em contramão com a linha definida pela Harveys, que apontava no sentido da promoção das marcas, Reginald Cobb, desanimado com a fraca prestação to sell at this price, Showerings are going to find it very difficult to get a majority». ACB: Carta de R. L. Sueur a R. M. Cobb, 2 de Agosto de 1965. 187 ACB: Carta de R.L. Sueur a R. M. Cobb, 6 de Agosto de 1965. 188 Lembrava Cobb que o projecto tivera o apoio do chairman da Harveys, «the one hopeful and cheering factor». ACB: Minutes of on OMEX Meeting, 27 de Julho de 1965. 189 ACB: Carta de T. Heath a R. L. Sueur, 17 de Novembro de 1965.

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comercial da empresa, retoma o tema do fornecimento dos canais BOB190. Perguntava Cobb a Fletcher se, apesar da dedicada atenção de Bristol às marcas da Cockburn, as quebras registadas no Reino Unido não seriam «mainly due to the loss for various reasons of a number of bulk customers who bought the finer wines»191. As dúvidas que levantava sobre o comportamento dos principais mercados de exportação — bem como o percurso hesitante da empresa ao longo da década — podem ser condensadas nesta sua vatídica interrogação: «The anual increase in [branded] sales will (…) no doubt be maintained but to make up for the bulk losses the road may be a long one! Meanwhile will bulk continue to decrease and if it does will it be at the expense of marks of quality?». O dilema não seria de linear resolução, com fenómenos imprevistos que iam surgindo amiúde e que contrariavam os efeitos das projecções das vendas (por exemplo a redução do preço dos vinhos da Cockburn’s no Reino Unido, que teria prejudicado os resultados programados para 1966192). Nem a opção entre BOB e marcas próprias se afigurava uma escolha entre dois caminhos opostos. Como explicava Fletcher: «The private Wine Merchant and the smaller Brewery [clientes, sobretudo, de vinho a granel] were to a great extent the people who pushed the better wines, often under their own label. These people are disappearing or buying in combination». Fletcher tinha, aliás, uma perspectiva bastante pessimista quanto ao futuro do vinho do Porto em Inglaterra: um mercado que não se interessava pelos esforços publicitários, impermeável à penetração de vinhos de qualidade superior e de difícil previsibilidade no seu comportamento. As campanhas publicitárias a que aludimos no capítulo 2.2.3 não pareciam ter dado os efeitos desejados, como refere Fletcher: «one point worth recalling is that the Wine selected for the first Tube advertising was Directors Reserve [um vinho de topo]. Although the total sales of Cockburn’s in bottle was increased, there was not a flicker of interest in Directors Reserve as such»193. A réstia de esperança que o director de Londres tinha para as marcas de qualidade depositava-a nos vinhos do Porto Vintage e noutras gamas próximas a esta, 190

«We know that the policy is to push the Brand and put as much as possible behind bottled sales. (…) You, I know, have confidence in [Harvey’s sales force] being “Cockburn looking” and not “Cream” [refere-se à marca premium da Harveys] to the exclusion of all else! Nevertheless, these bottle sales are in the lowest price bracket 20.000 to 24.000 cases total in round figures. In other words, the better wines are about 16% of the total». ACB: Carta de R.M. Cobb a W. Fletcher, 3 de Maio de 1967. 191 Idem. 192 Avisava, nesse sentido, António Filipe: «it does not seem to be a good attitude to reduce costs by 10% if it means to reduce the selling price by 20%». ACB: Comentários de A. Filipe à Carta de R.M. Cobb a W. Fletcher, 3 de Maio de 1967. 193 ACB: Carta de W. Fletcher a R. M. Cobb, 11 de Maio de 1967.

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como o Vintage Character e o LBV — «which incorporate the magic word ‘Vintage’». Seria, aliás, este o estilo de vinho que os novos consumidores mais apreciariam, em contraste com os Tawnies e os wood ports, em declínio no mercado194. Le Sueur concordava com Fletcher neste ponto, em particular com a aposta nos vinhos LBV. Fosse investindo mais em promoção, engarrafando a partir do Porto ou reduzindo o seu preço de venda, defendia, «we ought not to give up LBV without a struggle»195. Seguindo um reparo adiantado por Fletcher sobre a falta da coordenação entre a equipa de vendas e a de produção, Gaia e Bristol (no fundo, a causa do alheamento que terá levado Cobb a redigir o citado desabafo a Fletcher), Le Sueur encarregou Michael Jackman, director do Departamento de Marketing da Harveys, de dar resposta às preocupações levantadas pelo escritório portuense196. A partir deste apelo, o envolvimento entre as duas equipas na definição das estratégias das vendas será muito mais intenso, próximo daquilo que Fletcher advogara, «as one unit»197. 2.3.2. Sinais de recuperação e o vinho Cadima Depois de mais um ano de indefinições, 1967 fechava com dois acontecimentos que contribuíam para sublinhar o ar de suave desalento que se respirava no Porto. O primeiro será a saída de Reginald Cobb da administração da Cockburn Smithes para a mais confortável (e adequada à sua idade) posição de “conselheiro” da firma198. O segundo prende-se com o anúncio de um novo takeover. Sobre as notícias que tinham vindo a público dando conta de uma «parceria comercial» (seis anos depois da Harveys, novamente o eufemismo) que se estaria a efectivar entre a Showerings e o conglomerado Allied Breweries199, Cobb escreve a Guy Rozès, explicando-lhe do que 194

Idem. ACB: Carta de R. L. Sueur a R. M. Cobb, 12 de Maio de 1967. 196 Le Sueur defendia a precária situação do escritório português: «I do not think it is always realized how close a relationship there is between the sales trend for Port and the composition for our Port stocks in Gaia. It appears from recent correspondence that everyone is convinced that sales of expensive ports other than Vintage will tend to reduce over the years and that therefore Oporto have got to make a living out of supplying the cheap bulk wines. The exact impact of this reduction in what we may call the middle range of wines is a matter of vital importance to Portugal, as it will determine the sort of wines they purchase at the vintage over the next few years». ACB: Carta de R. L. Sueur a M. Jackman, 12 de Maio de 1967. 197 ACB: Carta de W. Fletcher a R. M. Cobb, 11 de Maio de 1967. 198 ACB: Carta de R.M. Cobb a G. Rozès, 30 de Janeiro de 1968. 199 Sobre o grupo Allied Breweries, citamos Teresa da Silva Lopes: «Allied Breweries was the second largest Britsh firm in sales volume during the 1960s. It concentrated on the production of beer for the domestic market and the sale of alcoholic beverages through a vast chain of licensed houses (pubs and inns). It owned Victoria Wine, a large wine and spirits retail chain, which had been taken over by Ind. 195

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se tratava: «a finalidade das conversações [entre os dois grupos] seria a de racionalizar as suas actividades comuns e, desta maneira, reduzir as despesas de distribuição, que hoje representa um dos mais importantes problemas para todas as grandes organizações, com o fim de permitir baixar os preços tornando-os mais competitivos. (…) De qualquer maneira creio que as conversações diziam respeito sobretudo, senão unicamente, ao mercado do Reino Unido»200. Seria o terceiro e último takeover que Reginald Cobb presenciaria enquanto director do escritório do Porto. A ano de 1967 terminava e, sem ninguém saber, já a mudança estava em marcha. Não seria apenas pela entrada em cena da Allied Breweries, um gigante do sector internacional das bebidas alcoólicas (sobre a inclusão da Cockburn’s na estrutura do Grupo Allied Breweries, consultar a Figura 1). Finalmente, após vários anos de estagnação, no segundo semestre do ano que findara, registavam-se claros sinais da recuperação das vendas, traduzidos em números que só seriam apurados e revelados com o decorrer de 1968. Uma notícia do Financial Times de Novembro de 1968 resumia a espectacular evolução das vendas que, em poucos meses, tinha obrigado a uma profunda reformulação em alta de todas as perspectivas relacionadas com o futuro da firma: «[em meados de 1967] Cockburn handed bottle sales over to the Harvey sales organization and retained its substantial bulk distribution. Since then, bottle sales have doubled and look like doing so again over the next few months. At the moment Cockburn has 10 per cent of the port business and is putting £70,000 into advertising to improve on that, about as much as Tim Sandeman [chairman da principal concorrente da firma em Inglaterra] is spending to keep Cockburn at bay»201.

Coope in 1959. The acquisition in 1966 of Showerings, a leading British wine merchant (which had itself acquired Harveys), allowed Allied Breweries to gain control of the distribution of its beverages in the United Kingdom. It was also able to acquire marketing knowledge about the domestic market, and management of brands in the wines and spirits business in general». LOPES, Teresa Silva — Global Brands: The Evolution of Multinationals in Alcoholic Beverages. Cambridge: Cambridge University Press, 2007, p. 89. 200 ACB: Carta de R.M. Cobb a G. Rozès, 30 de Janeiro de 1968. 201 «Hard selling woos drinkers to port and sherry», Financial Times, 7 de Novembro de 1968 (em anexo).

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Ano base = 1963

Gráfico 3: Índice da Quantidade Exportada (1963-1970) 180 170 160

150 140 130 120 110

100 90 80 1964

1965 Cockburn's

1966

1967

1968

1969

1970

JH&S Portugal

*Na impossibilidade de construir uma série contínua e fidedigna da evolução das vendas em Inglaterra, usaremos, como aproximação grosseira àquela variável, o volume de exportações da Cockburn Smithes (que incindiam quase inteiramente sobre o mercado inglês) em confronto com a evolução das vendas totais da John Harvey & Sons (Portugal). Estas incluíam, para além da Cockburn’s, as vendas da Martinez Gassiot e, até ao início da década de setenta, da Rozès, firmas especializadas nos mercados barateiros da Europa continental. Fonte: ACB: Shippings for the Group, Janeiro de 1963 a Dezembro de 1970.

Elaborado em meados de 1968, o orçamento das vendas para o ano seguinte apontará para um crescimento das vendas no mercado inglês de tal ordem que representará a maior variação positiva desde o início da década: 19%, quando, até então, as projecções se balizavam nos 7 a 9% (ou, em previsões mais conservadoras, nos 5% ao ano, como no 5 Year Plan de 1965). Mais espantoso ainda, no início do ano previuse que essa variação se registasse nos 10%, valor que agora se corrigia para quase o dobro! 202 Por marcas, a evolução ainda parece mais curiosa. Rubricas há em que as vendas duplicam, enquanto outras se reduzem abruptamente para valores negligenciáveis. Enumeramos as marcas (e a previsão de evolução entre 1966/67 e 1968/69) contempladas no U. K. Port Sales Budget desse ano: Hunting Port (-8%), The Directors’ Bin (8%), Other Harvey Ports (-89%) [as marcas da Harveys]; Cockburn Fine Old Ruby (58%), Cockburn Fine Old Tawny (66%), Cockburn Extra Choice Old

202

ACB: Three Year Forecast — U. K. Port Sales, J. E. Hawkings, 23 de Maio de 1967.

70

Figura 1: Organigrama empresarial do Grupo Allied Breweries em 1969. Fonte: ACB: Re-organization of Allied Breweries, Derek Pritchard (chairman), 25 de Setembro de 1969. Pela gradação das áreas cinzentas, damos conta dos sucessivos takeovers que afectaram a Cockburn Smithes. A área oval representa o GrupoHarveys, depois adquirido pela Showerings (área rectangular), finalmente incorporada na Allied Breweries.

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Tawny (110%), Cockburns Late Bottled Vintage (69%), Other Cockburn (62%). Isolando apenas as marcas da Cockburn’s, o aumento previsto era prodigioso: 62% em dois anos203. Eram apenas projecções, números esperados; mas não deixa de surpreender pela completa reconversão da perspectiva que Bristol tinha até então do futuro da Cockburn’s. Em Setembro de 1968 (altura em que a “parceria” com a Allied Breweries já estaria totalmente consolidada), o novo director executivo do escritório portuense, John Henry Smithes, elabora o relatório Evolution of John Harvey & Sons in the coming years. O documento abre de forma triunfal: «it seems apparent that the prospects of the Portuguese Production Companies have suffered a complete change during the last 6 months. (…) The apparent sudden increase of Cockburn’s Port Sales in the UK and the consequent promotion plan prepared by Mr. Jackman, has changed completely the picture of stagnant future (…). The problem now has become how to find out exactly what means would be necessary to create, in order to face a substantial and fast growth»204. O futuro parecia, subitamente, mais encorajador. E, tanto assim, ao ponto de John Smithes dispensar precauções calculistas antes tidas como essenciais: o relatório não estava de todo fundamentado em qualquer «appropriate sales forecast, but based on mere guesses»205. Talvez tal resultasse, como a experiência a custo havia ensinado, da constatação de que entre os dois expedientes — previsões e inclinações — só no esforço de elaboração, e não no rigor preditivo, se distinguia uma diferença substancial. Continuava John Smithes: «Allied Breweries brings the possibility of increasing outlets for Port in the UK [entre outros, pelos pontos de venda da Victoria Wines] and on the Continent and which increase the scope of Mr. Jackman’s scheme as well as producing its direct effect on the UK and overseas»206. Este súbito aumento das vendas parece ter bastado para despoletar uma série de ambiciosas acções comerciais com o objectivo de, aproveitando a maré favorável, relançar definitivamente as vendas no mercado inglês. O fôlego que a Allied Breweries terá insuflado na estrutura do Grupo, bem como as novas personalidades à frente dos escritórios do Porto e de Bristol, não estarão certamente desligadas desta nova reinvenção estratégica. A Allied trazia, desde logo, novas oportunidades de abastecimento das suas marcas BOB. No início de 1969, a Cockburn’s passará a abastecer a marca de vinho do

203

ACB: U. K. Port Sales Budget 1968/69, J. E. Hawkins, 31 de Janeiro de 1968. Sublinhado nosso. ACB: Evolution of John Harvey & Sons (Portugal) Ltd. in the coming years, J. H. Smithes, Setembro de 1968. 205 Idem. 206 Ibidem. 204

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Porto engarrafada pela Grant’s of Saint James, uma empresa subsidiária do Grupo Allied, à semelhança com o que já acontecia com a Harveys207. John Smithes apressa-se a ditar os requisitos para a sustentabilidade do abastecimento de vinho ao ritmo do crescimento das vendas verificado. Para além de avultados stocks comprados aos agricultores (2.000 pipas), seria necessária uma nova adega concluída a tempo da vindima de 1969 com capacidade para 2.000 pipas, bem como uma uma adega adicional a construir em 1970208. Jim Hawkins, que agora substitui Le Sueur como director da OMEX com a função de coordenação das subsidiárias, apressa-se a aprovar um projecto de investimento para o ano comercial de 1968/69 que incluía, para além dos dispêndios de capital tidos como regulares, a referida adega a ser construída nesse ano, num montante de 200.000£ 209 — um valor impensável três anos antes, quando, recordemo-nos, era chumbado o 5 Year Plan of Development, por contemplar um avultadíssimo investimento de 150.000£ repartido por cinco anos. Paralelamente, nesta altura, estaria a ser cozinhado, com cuidado e segredo nos bastidores de Gaia e Bristol, os detalhes de um golpe comercial ainda mais ambicioso. Em Outubro de 1968, tendo em conta os atrasos verificados na construção da nova adega no Douro, John Smithes escreve a Bristol alertando para os “problemas de produção” que poderiam surgir caso o ritmo de fornecimento de vinho e o de aumento das vendas avançassem de forma desfasada: «the bleeding of a stock from which the youngest wine ‘officially’ must be two years old before shipment and a brand rated as N.º 1 for quality in all your markets could quickly become disastrous. I rather fancy that this is what is happening to Sandemans, perhaps because they had to rush into matters and have not spent their money for the best advantage as to system or timing»210. Em Bristol, Michael McWatters é sensível a estes argumentos e opta por adiar certas actividades promocionais agendadas para aquela temporada, pelo menos enquanto as obras no Douro não recuperassem dos atrasos que impediam a sua conclusão211. Estes 207

ACB: Carta de G. Davies a J. H. Smithes, 24 de Janeiro de 1969. ACB: Evolution of John Harvey & Sons (Portugal) Ltd. in the coming years, J. H. Smithes, Setembro de 1968. 209 ACB: Carta de J. E. Hawkins a A. Filipe, 7 de Outubro de 1968. 210 Na mesma carta diz ser prioritário «[to] retain our hundreds of small farmers as well as the larger ones in the Cadima/Foz-Coa area since, otherwise, if we play fast and loose, they will naturally go to the Coperatives or back to Sandeman and they produce our most economic wines of the right quality. Underestimating vintage requirements would undermine our whole policy structure of continuous style and quality». Esta nota refere a região de Foz Côa, onde seria construída, em 1967, a segunda adega da firma, em alternativa à que estava planeada para o Pinhão. Desconhecemos as razões que terão levado a esta alteração geográfica. ACB: Carta de J. H. Smithes a A. M. McWatters, 22 de Outubro de 1968. 211 ACB: Carta de A. M. McWatters a J. H. Smithes, 29 de Outubro de 1968. 208

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inéditos termos de diálogo entre Porto e Bristol parecem demonstrar uma nova relação, não só entre o binómio produção-vendas, mas sobretudo entre as duas equipas de gestão, que se viam agora empenhadas em capitalizar a oportunidade aberta com a recuperação do mercado inglês. John Smithes referia-se a uma «brand rated as N.º 1 for quality» e por ela pedia moderação no ímpeto promocional das vendas. Teria esta marca um nome, um desenho, ou seria apenas um arquétipo comercial a desenvolver no futuro? John Smithes esclarece-nos ser, na verdade, um pouco de ambos, segundo depreendemos das previsões elaboradas para o ano seguinte: «in the UK the increase in quantities [will be] more substantial and specially due to a new wine ‘Cadima’ which has an age considerably higher than average»212. Ou, ainda: «Increase in sales in the U.K. in quantity and better average due to the launching of a good priced wine — Cadima»213. Em Janeiro de 1968, uma marca com este nome ainda não constava do Sales Budget para o Reino Unido214. Mas, em Agosto, num relatório de previsão das vendas elaborado por Michael Jackaman, serão indicadas projecções a quatro anos de um crescimento fulminante das vendas do referido vinho Cadima. Previa-se que em 1972 esta marca igualasse as vendas do vinho mais popular da Cockburn’s, a Fine Old Ruby215. Enquanto em Bristol se desenhava a estratégia promocional da marca, John Smithes ia criando o perfil vínico do Cadima original. Smithes já teria reservado para o lançamento deste vinho os lotes que, num ano de excepcional qualidade, fariam o Vintage da Martinez, concretamente os lotes do ano de 1964216. Smithes diz-nos que esta marca teria uma cor e corpo próximos de um «Light Ruby», por via de uma certa perda na coloração que decorreria da refrigeração nos envios para Inglaterra. Teria uma idade mais elevada que a média dos vinhos desta categoria, ao ponto de se mostrar «finer and lighter than a standard Ruby such as FOR» (cinco anos, caso de usassem os lotes do Martinez’64). E que não seria um vinho de guarda, mas uma bebida de consumo imediato e frequente. Para isso, insistir-se-ia em promovê-la através de slogans como, entre outros, «at less cost than the traditional method and for immediate drinking», pressupondo aqui a comparação com os vinhos da gama Vintage217. 212

ACB: Evolution of John Harvey & Sons (Portugal) Ltd. in the coming years, J. H. Smithes, Setembro de 1968. 213 ACB: Forecast — Year to 27th September 1969, A. Filipe, 17 de Setembro de 1968. 214 ACB: U. K. Port Sales Budget 1968/69, J. E. Hawkins, 31 de Janeiro de 1968. 215 ACB: U. K. Sales Forecast 1969/70 to 1972/73, M. Jackaman, 20 de Agosto de 1968. 216 ACB: Carta de G. Davies a J.H. Smithes, 5 de Fevereiro de 1969. 217 ACB: Carta de J. H. Smithes a A. M. McWatters, 25 de Outrubro de 1968.

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Em 1969, a estratégia estava montada. Por alturas de Maio, Michael Jackaman ultimava os preparativos e lembrava a trajetória dos últimos anos que tinha conduzido a Cockburn’s à necessidade desta jogada arriscada: «I feel [the point] should be made in Portugal [that] the total increase in sales between 1964/65 and 1967/68 has been only 11%. We hope for rapid progress in the U.K. in 1969-70 but Christmas 1969 is crucial. By then we will have seen the full benefit of Allied participation, and we will also be able to assess the return we can expect on last year’s and this year’s planned promotional investment. If we are not successful this Christmas, we will have to rewrite our forecast entirely»218. A 2 de Julho de 1969, teria lugar uma sessão de apresentação dos planos de lançamento da nova marca premium da Cockburn’s que, sabia-se, ditaria o sucesso ou fracasso das perspectivas de crescimento da empresa no mercado inglês. Estariam presentes, entre outros, Glyn Davies, o novo chairman da OMEX, Michael Jackaman, director de Marketing da Harveys, e John Henry Smithes, director executivo da Cockburn Smithes219. Apontava-se agora para uma previsão mais modesta e realista do crescimento das vendas da marca ao ritmo das 5.000 caixas por ano220, em vez das 12.000-15.000 anuais previstas em Agosto de 1968221. O nome provisório Cadima entretanto desaparecera de todos os documentos referentes ao mercado inglês. Uma nova marca surgira em sua substituição e brilhava agora ao lado das não menos luminosas projecções das vendas para os anos vindouros. Era o nascimento do Cockburn’s Special Reserve.

218

ACB: Carta de M. Jackaman a J. N. Mostyn, 9 de Maio de 1969. ACB: Agenda for Wednesday 2 July, 1969. 220 ACB: Carta de M. Jackaman a J. N. Mostyn, 9 de Maio de 1969. 221 ACB: U. K. Sales Forecast 1969/70 to 1972/73, M. Jackaman, 20 de Agosto de 1968. 219

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Gráfico 4: Quantidade de Vinho Exportado em pipas (1963-1970)

Pipas

10000

9000 8000 7000 6000 5000 4000 3000 2000 1000 0 1963

1964

1965

1966

Cockburn's

1967

1968

1969

1970

JH&S Portugal

Fonte: ACB: Shippings for the Group, Janeiro de 1963 a Dezembro de 1970.

Gráfico 5: Taxa de variação homóloga da Quantidade Exportada por trimestre (1964-1970) 80%

60%

40%

20%

0%

-20%

-40%

1º 2º 3º 4º 1º 2º 3º 4º 1º 2º 3º 4º 1º 2º 3º 4º 1º 2º 3º 4º 1º 2º 3º 4º 1º 2º 3º 4º 64 64 64 64 65 65 65 65 66 66 66 66 67 67 67 67 68 68 68 68 69 69 69 69 70 70 70 70 Cockburn's

JH&S Portugal

Fonte: ACB: Shippings for the Group, Janeiro de 1963 a Dezembro de 1970.

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3.

COCKBURN’S, A MARCA (1969-1976)

3.1. O lançamento do Cockburn’s Special Reserve À data do 150.º aniversário, a Cockburn’s redigia seu o percurso histórico, destacando a reputação construída ao longo de décadas: pelas reconhecidas provas de qualidade e consistência dos seus vinhos (e, em particular, dos seus Vintages); pelos esforços de modernização e desenvolvimento em Gaia e no Douro; pela dedicação contínua, legada de geração em geração, das quatro famílias que assumiram funções de direcção no Porto e que tanto contribuíram para o desenvolvimento do sector exportador. Na década seguinte, contados 165 anos desde a fundação da empresa, a Cockburn’s parecia eleger um novo motivo de glória: um recente golpe comercial que, pelo seu tremendo sucesso, ofuscava todo o longo percurso de esforçado e insistente crescimento até 1965. Como se lia nos panfletos comemorativos em 1980, «Cockburn’s brand share in the big UK port market has grown dramatically in the recent years. Cockburn’s now clearly leads the field in Britain with a market share of 35%». Em menos de quinze anos, a firma ultrapassara a sua principal concorrente, a Sandeman, e assumira a liderança do mercado inglês. O motor do êxito era simples de identificar: «The Cockburn’s Special Reserve success story continues and this prestige brand is increasing in popularity in Britain and all the main port markets in the world: France, the Netherlands, Denmark, Belgium, Italy and Ireland»222. Como vimos, a oportunidade aberta para a criação desta marca surgira do inesperado reavivar das vendas no mercado inglês, inaugurado no último trimestre de 1967. Este salto quantitativo nas exportações viera interromper um pesado período de estagnação comercial em que a empresa mergulhara desde o início da década de sessenta. Preservar o ritmo crescente dessa nova tendência tornava-se, então, a prioridade número um tanto de Gaia como de Bristol. O Cockburn’s Special Reserve (CSR) seria o garante do sucesso comercial neste mercado. O mentor desta marca, defendemos, terá sido Michael Jackaman, director do Departamento de Marketing da Harveys of Bristol223. Em Dezembro de 1967, numa 222

223

Cockburn Smithes and Company Ltd 165 Years in the Port Trade. Folheto comemorativo do 165º aniversário da firma, 1980. A primeira referência que temos a Michael Jackaman surge em Maio de 1967, ocupando já este cargo. ACB: Carta de R. L. Sueur a M. Jackman, 12 de Maio de 1967.

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reunião de directores da OMEX, Jackaman apresenta a proposta da criação de uma marca de vinho próxima do Vintage (uma marca premium, portanto), com estágio médio de envelhecimento de três anos. A principal diferença em relação aos vinhos daquela gama seria a contínua disponibilidade do vinho (o Vintage, por definição, só é declarado em anos de reconhecida qualidade). Tal marca, defendia, seria uma boa forma de promover os vinhos de topo da Martinez, cujas perspectivas de futuro eram bastante desanimadoras. A proposta de Jackaman, contudo, parecia não ter ainda solidez suficiente para se apresentar como uma linha de acção viável. John Smithes lembra que, para além das dificuldades de consistência dos Vintages (cuja qualidade depende do estado da colheita em cada ano), seriam seguramente levantados entraves burocráticos pelo IVP caso o vinho fosse comercializado com aquela denominação224. A matéria carecia de um estudo mais aprofundado. Assim procedeu Michael Jackaman. Partindo das premissas ditadas nesta reunião — da criação de um vinho de alta qualidade e de fornecimento contínuo, ao qual se associaria uma forte campanha de marketing capaz de o lançar eficazmente no estagnado mercado inglês — Jackaman redige um relatório que pode ser apontado como o projecto fundacional do CSR. O Promotion of Cockburns Ports in 1968/69225, apresentado um mês após a referida reunião da OMEX, era um plano de intervenção comercial em Inglaterra, cuja principal preocupação relacionava-se com a necessidade imperiosa de agir perante a inesperada dinâmica da procura, sob o risco de, pela inércia, voltar a perder o interesse dos consumidores nos vinhos da Cockburn’s. Jackaman explicava a inversão da tendência em Inglaterra pela acção decisiva da equipa de vendas da Harveys (liderada por J. G. Squirrell e em permanente contacto com a equipa de marketing226), que em 1967 passara a encarregar-se das vendas dos vinhos da Cockburn’s engarrafados em Inglaterra227 — responsabilidade que antes pertencia ao escritório londrino liderado por Wyndham Fletcher. Também as decisões de publicidade vão deixar o controlo desta sucursal e passar para a directa responsabilidade de Jackaman. No relatório de 1968, o director de Bristol declara taxativamente: «there is (…) no reason at all why we should not dramatically increase Cockburns share of the total port market in the U.K. We are well placed to double our present share quickly, always bearing in mind that the market itself is unlikely to show dramatic sales gains in the 224

ACB: Minutes of a Sales & Marketing Meeting, OMEX, J. E. Hawkins, 20 de Dezembro de 1967. ACB: The Promotion of Cockburns Port in 1968/69, M. Jackaman, 22 de Janeiro de 1968 (em anexo). 226 ACB: The Harvey Group Circulation List, R. C. Loadsman, Outubro de 1967. 227 «Hard Selling Woos Drinkers to Port and Sherry». Financial Times, 7 de Novembro de 1968 (em anexo). 225

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next five years»228. Jackaman enganar-se-ia neste último ponto. O mercado inglês verificaria, entre 1967 e 1973, um crescimento de 75% no consumo em volume de vinho do Porto229. Contudo, o plano que o director traçara destinava-se a disputar à concorrência (e em particular à líder de mercado, a Sandeman) as vendas de uma procura estagnada e com baixas perspectivas de crescimento. Jackaman ambicionava um alargamento da quota de mercado da empresa dos 11% registados em 1967 para 30% até 1973. A denúncia da ineficácia das práticas promocionais seguidas até então é feita por Jeff Palmer, responsável pela publicidade da Harveys no mercado inglês. Durante os anos sessenta, as campanhas promocionais da Cockburn’s assentavam maioritariamente em cartazes publicitários afixados no metro londrino e espalhados pela capital britânica, promovendo, exclusivamente, o nome da firma, sem qualquer menção a marcas ou gamas de vinho: «at that time (…) port meant different things to different people — ruby, tawny, late-bottled vintage, vintage. (…) In the Sixties we were waiting for the right moment to start promoting port extensively. During those lean years the port market was peculiar; there was a top end — vintage port — and the bottom — the charlady’s port and lemon — only. The big middle of the market simply wasn’t there»230. O CSR apresentar-se-ia nos planos de marketing elaborados entre 1972 e 1974 da seguinte forma: «Cockburn’s Special Reserve has been chosen for promotion (…) for the following major reasons: 1) Tests and experience have shown that it is of a style and quality, which has a wide and popular appeal and which also satisfies the discriminating port drinker; 2) The intrinsic quality of the wine, the aesthetic appeal of the presentation and the promotion already invested in the brand all command a premium price; 3) International promotion requires concentration of effort»231 — seria nesta altura, por isso, a única marca publicitada pela empresa. Em Inglaterra, o CSR posicionava-se como uma marca especialmente cara, sobretudo em relação à concorrência mais directa (a Sandeman). Mas Bristol não parece ter receado o efeito do diferencial de preços junto dos consumidores: «The UK market must not be considered a milch-cow [expressão usada no marketing para designar um mercado maduro (ainda que moderadamente lucrativo) e pouco estimulante a novos investimentos]. The average price to this market is already higher than to any other. The 228

ACB: The Promotion of Cockburns Port in 1968/69, M. Jackaman, 22 de Janeiro de 1968 (em anexo). MARTINS, Conceição Andrade — Memória do Vinho do Porto. Lisboa: ICS, 1990, p. 224. 230 «As fashionable as Victoriana». Wine and Spirit Trade International, entrevista a Jeff Palmer, Setembro de 1972 (em anexo). 231 ACB: Outline Proposals for the Promotion of Cockburns Special Reserve in 1972/73, 1972. 229

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price increase already proposed within the market is required very largely to meet the considerable promotional expenditure that we have undertaken. (…) You also refer to Sandeman. As you know, I am above all else anxious that in the UK, we should have our consumer prices reflect the true position, namely, viz, that our wines are better than theirs and must therefore be sold at higher prices. And this should always be so!»232. Seria, desta forma, um vinho de alta qualidade, tendo o Vintage como referência, mas apontanto para gama intermédia do mercado de vinho do Porto, ainda pouco explorada. Não para o nicho de coleccionadores e connoiseurs, nem para consumidores de vinho corrente: o CSR focava-se na crescente classe média inglesa, exigente e alvo habitual de musculadas campanhas comerciais, desenvolvidas por grandes grupos comerciais similares àquele que, em 1962, adquirira a Cockburn’s e que seria, ele próprio, alvo de dois takeovers até 1968 — ano que a empresa portuguesa se veria ligada a um extenso conglomerado empresarial multiactividade. Aspecto fundamental foi a influência que o Grupo Harveys teve na formação da política comercial da Cockburn’s. Se foi Jackaman o arquitecto do CSR, então a marca premium desta empresa terá sido, assumidamente, o molde para a criação da nova “marca-estrela” de vinho do Porto. O sucesso do vinho Harveys Bristol Cream Sherry assentou, desde muito cedo, numa feroz e consistente política de marketing e publicidade233. O plano de Jackaman impunha os mesmos preceitos às instruções promocionais do CSR e dotava a marca de uma campanha publicitária — que passava, incontornavelmente, pela televisão — similar à adoptada naqueles anos para o Harveys Bristol Cream: «we believe that with increased media advertising in the London and the Midlands next year involving television advertising similar in weight to that of Bristol Cream, sales of Cockburns bottled ports can be doubled from 33,000 cases in 1967/68 to 70,000 cases in 1968/69»234. Jackaman via, aliás, vantagens competitivas na promoção conjunta de marcas premium de vinhos de estilos diferentes. O melhor exemplo que descobrimos desta cumplicidade comercial surge num folheto promocional do CSR, provavelmente dirigido a grossistas e retalhistas em Inglaterra, em que a marca Harveys Bristol Cream é inúmeras vezes mencionada e destacadamente apresentada como «[the] great

232

. ACB: Carta de G. Davies a J. H. Smithes, 23 de Fevereiro de 1970. UNWIN, Tim — Wine and the vine: an historical geography of viticulture and the wine trade. Londres: Routledge, 1991, p.331. 234 ACB: The Promotion of Cockburns Port in 1968/69, M. Jackaman, 22 de Janeiro de 1968 (em anexo). 233

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precedent for the dynamic promotion of Cockburn’s Special Reserve as an after-dinner drink»235. O projecto foi recebido em Gaia e Bristol com rasgados elogios 236. Até ao lançamento da marca em Outubro de 1969, todas as decisões tomadas pelos directores do Porto passarão a ser analisadas à luz das implicações que provocariam no desenvolvimento do «Mr. Jackaman’s report» e da marca nele desenhada, provisoriamente baptizada de Cadima. A investigação do nome definitivo irá arrastar-se quase até à data de lançamento do vinho. John Smithes segere que a marca se revista de uma referência laudatória à história da firma, mantendo, por exemplo, a alusão à adega de Cadima, em sugestões como Cockburn’s Cadima, Cockburn’s Cadima Reserve, Cockburn’s Cadima RSV ou, ainda, Cockburn’s Cadima Specially Selected237; ou, em alternativa, homenageando os fundadores da empresa em 1815, com a marca Cockburn Wauchope & Greig238. Mas Bristol teria outro entendimento, preferindo um nome que, ao contrário de Cadima, promovesse o vinho «without diverting any attention from Cockburns itself». Nesse sentido, são apresentadas as sugestões Directors Reserve e Cockburn Finest — «[names] which immediately express the idea that the wine is a premium port in the Cockburn range», como explica Jackaman. Sugestões que, de resto, são aceites por Gaia239. De parte ficou a inclusão do termo Vintage no nome da marca. John Smithes alertou para os entraves que o IVP levantaria caso essa via fosse seguida, citando o caso da marca Taylor’s Vintage Reserve em Inglaterra, lançado por aquela casa exportadora240. De qualquer modo, como defendia Jackaman, a marca devia ter o Vintage apenas como sugestão da qualidade do vinho. A decisão de não incluir o ano da vindima no rótulo da garrafa, deriva também deste distanciamento enológico intencional em relação ao Vintage e a outros vinhos datados. Sendo abastecida por lotes que teriam entre 3 a 5 anos de idade, uma nova marca que incluísse o ano do vinho «[would be] felt by many people to be too recent a date by comparison with most people’s idea of Port

235

Sublinhado nosso. Enjoy Cockburn’s Special Reserve… a great new kind of after-dinner drink. Impresso promocional, 1972 (em anexo). 236 ACB: Carta de A. Filipe a J. E. Hawkins, 7 de Fevereiro de 1968. 237 ACB: Carta de J. H. Smithes a G. Davies, 27 de Janeiro de 1969. 238 Uma denominação de resto já testada num vinho premium da empresa lançado em Portugal. ACB: Minutes of Home Market Meeting with Cockburns, Oporto, M. Jackaman, 10 de Dezembro de 1968. 239 Idem. 240 ACB: Carta de J. H. Smithes a G. Davies, 27 de Janeiro de 1969.

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as an old wine, which has been continually fostered over the years by such expressions as Fine Old Ruby and Fine Old Tawny on wines which are not really old at all»241. Em todo o caso, no que toca à questão do nome, em Fevereiro de 1969, Glyn Davies, director executivo da Harveys, confessava estar «ainda bastante distante» a definição de um nome para a marca premium da Cockburn’s242. A primeira referência que descobrimos à denominação Cockburn’s Special Reserve surge na agenda da reunião onde a marca foi apresentada, a 2 de Julho de 1969, apenas três meses antes do seu lançamento marcado para Outubro243.

Imagem1. Fonte: ACB: Prova fotográfica dos slides trazidos por Luiz Oliveira de Inglaterra, em Julho, para a confecção das caixas do ‘Special Reserve’, 8 de Outubro de 1971.

241

ACB: Carta de C. J. Whicher a J. H. Smithes, 13 de Novembro de 1968. ACB: Carta de G. Davies a J. H. Smithes, 5 de Fevereiro de 1969. 243 ACB: Agenda for Wednesday 2 July, 1969. 242

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Negando aquela que vinha sendo a principal orientação das campanhas de publicidade genérica do vinho do Porto, que, sem grande sucesso, tentavam convencer o mercado britânico da adequação deste vinho como bebida de aperitivo, o CSR assumese explicitamente como um vinho de sobremesa (o termo mais rigoroso seria, aliás, o de after-dinner drink). Os responsáveis de marketing da Harveys sabiam que não deviam ignorar as percepções e associações mais sólidas dos consumidores ingleses. O vinho do Xerez era já genericamente aceite como a bebida de aperitivo. Outra associação propagada, que Jeff Palmer invoca para explicar o entusiasmo inicial à volta do CSR, prende-se com o referencial simbólico do vinho do Porto em Inglaterra. A jovem geração dos anos dourados do pós-Guerra vinha recuperando o fascínio pelo imaginário do período vitoriano. O vinho do Porto («tal como a mobília, o bric-a-brac e as casas», refere Palmer) era um ícone comercial fortemente associado a essa época, sinal de fino e requintado gosto da burguesia oitocentista244. A tendência de evolução das vendas em Inglaterra na última década também justificava a aposta nas bebidas de sobremesa. Segundo números incluídos nos folhetos promocionais do CSR, o segmento dos licores e vinhos licorosos aumentara as suas vendas em 171% num período de dez anos, e as importações de bebidas deste género para Inglaterra mais do que tinham duplicado entre 1968 e 1972245. A moda agora era outra: a cocktail party, tão popular no período entre-guerras, dava lugar à dinner party, símbolo da nova geração de baby boomers ingleses246. O próprio Harveys Bristol Cream, um vinho do Xerez premium, começara a ser publicitado em 1962 como vinho de sobremesa, sob o mote «Never serve the coffee without the Cream». O resultado seria o triplicar das vendas da marca em dez anos247. Na euforia do desenho promocional, Jackaman traçara uma evolução explosiva das vendas previsionais da nova marca: em cinco anos o CSR atingiria as 65.000 caixas, igualando nesse ano a marca mais popular (se bem que não tão lucrativa248) da 244

«As fashionable as Victoriana». Wine and Spirit Trade International, entrevista a Jeff Palmer, Setembro de 1972 (em anexo). 245 Enjoy Cockburn’s Special Reserve… a great new kind of after-dinner drink. Impresso promocional, 1972 (em anexo). 246 «As fashionable as Victoriana». Wine and Spirit Trade International, entrevista a Jeff Palmer, Setembro de 1972 (em anexo). 247 Enjoy Cockburn’s Special Reserve… a great new kind of after-dinner drink. Impresso promocional, 1972 (em anexo). 248 No final de 1973, Jackaman, reavaliando a política de preços das marcas, escreve sobre este aspecto: «in some markets we recommend no increase [in retail prices] for CSR. We prefer to broaden the appeal of this port by increasing its competitiveness at a time when the brand is becoming established. In any case, CSR is already more profitable to John Harvey & Sons Portugal than most other ports in the range». ACB: Price Increases Overseas, M. Jackaman, 6 de Dezembro de 1973.

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Cockburn’s, a Fine Old Ruby. Quando estas projecções foram apresentadas, em 1968, as vendas totais da firma em Inglaterra rondavam as 70.000 caixas249. Ainda que não ao ritmo alucinante apontado por Bristol, as vendas evoluíram ao longo dos anos de forma extraordinária, tendo em conta um mercado que estaria a recuperar do seu estado letárgico a um ritmo bastante inferior. Entre 1969 e 1973, as vendas do CSR em Inglaterra terão crescido a um ritmo médio anual de 66%, passando das 5.000 caixas vendidas no primeiro ano para as cerca de 45.000 em meados de 1974250. Nesta altura, o CSR representava cerca de 18% das vendas da empresa (a Fine Old Ruby estaria à cabeça, com 63%)251. Naturalmente, as principais, senão todas, as marcas da Cockburn’s irão aumentar as suas vendas, bebendo decerto das fortes campanhas promocionais afectas ao CSR. Neste período as vendas totais da Cockburn’s vão aumentar ao ritmo de 30% ao ano — ainda que a metade da velocidade registada pelo CSR em pontos percentuais, era um crescimento extraordinário252. O Natal de 1973253 representa o apogeu deste ciclo ascendente das vendas do CSR, inaugurado no Outono de 1969. Entre 1974 e 1976 a tendência de crescimento inverter-se-á, assistiremos a um ligeiro decréscimo nas vendas da empresa que atingirá o ponto mais baixo no ano em que terminamos a nossa análise. Infelizmente há quebras nos dados estatísticos, pelo que não poderemos apresentar detalhadamente o comportamento das vendas do CSR durante este período. Sabemos, no entanto, que o Natal de 1975 terá corrido melhor que o esperado, já que em Janeiro de 1976 o orçamento anual de vendas é revisto e fixada uma nova meta para o ano financeiro (com término em Setembro) nas 45.000 caixas vendidas — precisamente o mesmo valor que o alcançado em 1973/74254. Foram várias as razões para este interregno no crescimento das exportações, como examinaremos nas próximas páginas. A Revolução de Abril de 1974 não parece ter afectado directamente o sector exportador, nem, em particular, a Cockburn’s no Porto255. Outros problemas vinham já preocupando o Comércio desde meados da

249

ACB: U. K. Sales Forecast 1969/70 to 1972/73, M. Jackaman, 20 de Agosto de 1968. ACB: Proposals for the Promotion of Cockburn’s Special Reserve 1974/75, 16 de Setembro de 1974. 251 ACB: Carta de M. Jackaman a D. Orr, 17 de Maio de 1974. 252 ACB: Carta de G. B. Christie ao Grupo, 2 de Abril de 1974. Também os lucros vão acompanhar esta tendência crescente. António Filipe anuncia uma variação positiva de 23.000£ nos resultados de 1971 em relação ao esperado. A barreira de 100.00£ de lucro anual parecia estar finalmente assegurada. ACB: Minutes of a Meeting, 24 de Novembro de 1971. 253 As vendas anuais da Cockburn’s, como, de resto, era natural no sector exportador de vinho do Porto, concentravam-se nos meses de Outubro a Dezembro. 254 ACB: Carta de G. B. Christie ao Grupo, 6 de Janeiro de 1976. 255 ACB: Carta de T. Heath a G. Davies, 8 de Maio de 1974, por exemplo. 250

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década de sessenta, entre os quais o aumento contínuo dos custos de produção no Douro e, em particular, o aumento do preço do vinho e da aguardente. No início dos anos setenta estes efeitos serão agravados pela especulação galopante no preço do vinho, gerada pela precária situação dos stocks das firmas de Gaia para fazer face à expansão das vendas, fruto do ajustamento à morna evolução das exportações na década anterior. Contudo, com o regime deposto com a Revolução dos Cravos, a estrutura corporativa em que se apoiava tanto a Lavoura com o Comércio sofre um profundo abalo. O Estado português tinha assumido políticas e programas de fomento em estreita colaboração com as firmas de Gaia, compromissos esses que tiveram de ser rapidamente revistos nos anos quentes do PREC. No próximo capítulo iremos debruçar-nos sobre um desses acordos que afectou seriamente a condução da estratégia comercial da Cockburn’s.

Ano base = 1963

Gráfico 6: Índice da Quantidade Exportada (1968-1976) 300 275 250 225 200 175 150 125 100 1968

1969

1970

1971

Cockburn's

1972

1973

1974

1975

1976

JH&S Portugal

Fonte: ACB: Shippings for the Group, Janeiro de 1968 a Dezembro de 1971; ACB: Summary of Sales, Janeiro de 1972 a Dezembro de 1976,

No entanto, ao tempo em que a revolução da Democracia tomava as ruas do país, nos escritórios da firma em Gaia e em Bristol já uma outra revolução empresarial estava a decorrer. Não é de desprezar o impacto profundamente galvanizador que o lançamento do CSR teve numa empresa que, pelo menos desde o início dos anos sessenta (mas, sabemo-lo em termos gerais, desde o final da II Guerra Mundial), vira o seu principal mercado, o Reino Unido, desinteressar-se do tão apregoado englishman’s wine. O diferendo entre marcas próprias e BOB ficara temporariamente resolvido: todos os stocks de vinho disponíveis seriam canalizados para abastecer o aumento das 85

vendas do CSR, «as part of the overall policy to run down BOB sales»256. Mais à frente, defenderemos que o efeito do CSR a montante foi muito mais profundo, ditando a necessidade de expandir rapidamente a capacidade produtiva da Cockburn’s no Douro. Em poucos anos, a empresa viu a sua quota de vendas duplicar num mercado que, alheado do vinho do Porto desde o final da II Guerra, recebeu o CSR com entusiasmo, fazendo com que a marca sobressaísse entre os consumidores e ultrapassasse toda a concorrência. Inspirando-se nesta história de sucesso, a Cockburn’s redefine a sua estratégia de marketing em Inglaterra, empenhando-se numa clara segmentação do mercado e na priorização de marcas de topo. Em Setembro de 1972 já se fala no lançamento de um novo vinho premium, desta vez na categoria dos Porto Tawny. Como o CSR se apresentava como um Ruby reserva, era o vinho ideal para ser promovido com esta marca. Uma outra lição é Bristol que a vocaliza, a propósito da criação deste novo Tawny premium: «It will be recalled that the technical co-operation with Oporto achieved the new style of Port which we now know as ‘Cockburns Special Reserve’. It is now required to make similar investigations into setting up for immediate research and development the creation of a new concept of Tawny Port of 4/5 years of age, emulating in style as closely as possible ‘The Directors’ Bin’ [o equivalente ao Vintage na gama de Tawnies da firma]»257. O diálogo entre Porto e Bristol foi extremamente profícuo a partir do momento em que, em 1968, Jackaman apresenta o seu programa de estímulo das vendas em Inglaterra. Se este documento serviu de desenho ao CSR, a estreita cooperação entre os dois escritórios foi decisiva na substanciação da marca. De tal forma esta cooperação se tornou importante que, em 1973, o próprio Michael Jackaman chega a sugerir que os dois escritórios concentrem esforços na criação de uma única equipa de marketing que viesse a comandar toda a política de vendas e promoção dos vinhos Cockburn’s258. Não deixa de ser irónico que tal sugestão surja depois do terceiro take-over, quando o centro último de decisão já não pertencia nem ao Porto nem a Bristol. Os efeitos a longo prazo serão marcantes. Ao longo do resto da década de setenta, mas sobretudo durante os anos oitenta, o investimento publicitário na marca 256

ACB: Report on Visit to Portugal, M. Jackaman, 20 de Setembro de 1973. No caso particular do mercado dinamarquês, a discriminação praticada pela empresa entre as marcas de vinho a granel e engarrafado seria ainda mais directa: «we have noted that the increase in price of wine not bottled under Cockburn’s label will be used to subsidize sales under Cockburn’s label». ACB: Carta de J. H. Smithes a G. Davies, 21 de Abril de 1970. 257 ACB: Carta de A. M. McWatters a R. W. Goswell, 21 de Setembro de 1972. 258 Em linha com o que já tinha sido sugerido por Fletcher. ACB: Report on a Visit to Portugal, M. Jackaman, 20 de Setembro de 1973; ACB: Carta de W. Fletcher a R. M. Cobb, 11 de Maio de 1967.

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reforçar-se-á. Como vimos, por altura do 165º aniversário, o CSR é credor da conquista da posição de liderança da Cockburn’s em Inglaterra — a quota da empresa estende-se, em 1980, a um terço do mercado259. Quatro anos depois, o CSR, já a marca mais vendida no Reino Unido, ocupava a mesma percentagem (14%)260 que fora atribuída a todas exportações da firma para este país no final de 1969 261. Depois de ter seguido um longo e minucioso processo de brainstorming comercial entre Porto e Bristol, o projecto do novo Tawny premium, intitulado Cockburn’s Hunting Port, acabaria por ficar arquivado, segundo cremos262. A marca não parece ter sobrevivido aos anos turbulentos de 1974-76, em particular à carência de vinho de qualidade na posse da empresa. Mas o carácter experimental do projecto não ofusca a tendência maior que possibilitava agora semelhantes esforços promocionais. A Cockburn’s entrara definitivamente na nova era do marketing, seguindo, pelo menos no mercado inglês, na dianteira do sector exportador de vinho do Porto.

Gráfico 7: Quantidade Exportada de Vinho (1968-1976) 12000 11000 10000 9000

Pipas

8000 7000 6000 5000 4000 3000 2000 1000 0 1968

1969

1970

1971

Cockburn's

1972

1973

1974

1975

1976

JH&S Portugal

Fonte: ACB: Shippings for the Group, Janeiro de 1968 a Dezembro de 1971; ACB: Summary of Sales, Jan 1972 a Dezembro de 1976.

259

Cockburn Smithes and Company Ltd 165 Years in the Port Trade. Folheto comemorativo do 165º aniversário da firma, 1980. 260 Cockburn Smithes and Company Ltd. Folheto promocional, Maio de 1984. 261 ACB: Cockburn Sales and Market Share 1969-1973, G. B. Christie, 2 de Abril de 1974. 262 A última referência que encontramos a esta marca data de 1 de Maio de 1974. ACB: Carta de A. M. McWatters a J. Burnett, mesma data.

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Gráfico 8: Taxa de variação homóloga da Quantidade Exportada por trimestre (1970-1976) 120% 100% 80% 60% 40% 20% 0% -20% -40% -60% -80% 1º 2º 3º 4º 1º 2º 3º 4º 1º 2º 3º 4º 1º 2º 3º 4º 1º 2º 3º 4º 1º 2º 3º 4º 1º 2º 3º 4º 70 70 70 70 71 71 71 71 72 72 72 72 73 73 73 73 74 74 74 74 75 75 75 75 76 76 76 76 Cockburn's

JH&S Portugal

Fonte: ACB: Shippings for the Group, Janeiro de 1968 a Dezembro de 1971; ACB: Summary of Sales, Jan 1972 a Dezembro de 1976.

3.2.

O incentivo do Fundo de Fomento de Exportação à publicidade nas marcas

Desde os anos cinquenta que os organismos corporativos assumiram um papel activo na promoção internacional do vinho do Porto. Tal política não pareceu dar, contudo, resultados satisfatórios; pelo contrário, a eficácia dessas campanhas seria sempre bastante decepcionante263. Coordenadas pelo IVP, as acções de propaganda eram aprovisionadas por transferências do Fundo de Fomento de Exportação (FFE). No período que estudamos, este organismo teve um papel crucial no financiamento da publicidade das marcas comerciais, através de um programa de incentivos a que a Cockburn’s qualificou o seu vinho premium e que a empresa defendeu vigorosamente até à remodelação do programa em 1976. O Fundo de Fomento de Exportação (FFE), criado por decreto governamental em Setembro de 1949, tinha por função «promover o desenvolvimento da exportação 263

Consultar, a este respeito, o subcapítulo de Fernando Peixoto: «O IVP e a Propaganda: como fazer omeletas sem ovos?». PEIXOTO, Fernando — Do Corporativismo ao Modelo Interprofissional. O Instituto do Vinho do Porto e a evolução do sector do Vinho do Porto (1933-1995). Porto: CITCEM; Edições Afrontamento, 2011, p. 332-345.

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dos produtos nacionais, reconhecendo que o acolhimento depende não só de uma propaganda bem orientada que torne conhecidos os produtos, como da cuidadosa e diligente observação das tendências e das preferências dos mercados exteriores, assim como da nossa capacidade de adaptação às suas exigências». O fundo seria capitalizado por taxas impostas sobre certo tipo de produtos importados, bem como através de contribuições requeridas aos organismos corporativos na dependência do Ministério da Economia264. No sector do vinho do Porto, a coordenação entre o FFE e os exportadores era assegurada pelo Grémio dos Exportadores e pelo IVP, este encarregado da mediação institucional (recepção de propostas, disponibilização de fundos e instrumentos, etc.), aquele no papel de facilitador e porta-voz do FFE junto dos seus agremiados. Tendo optado inicialmente por financiar campanhas de propaganda genérica difundidas nos principais mercados importadores265, o FFE logo começou a duvidar da eficácia desta orientação promocional, pelo menos quando isolada da participação directa das firmas exportadoras266. Logo em 1960, o Fundo abre a porta à colaboração com os agentes económicos, financiando, a pedido das firmas exportadoras (e elaborando, se assim o desejassem), estudos de prospecção e tendências de mercado, bem como as acções promocionais que daí decorressem267. Reforçada a sua autonomia em 1963 e, sobretudo, em 1967268, foi possível ao FFE organizar «as primeiras campanhas de propaganda minimamente planeadas, organizadas e razoavelmente apoiadas»269.

264

DUARTE, Herlânder — «Fundo de Fomento de Exportação». In BARRETO, António; MÓNICA, Maria Filomena — Dicionário de História de Portugal. Porto: Livraria Figueirinhas, 1999, vol. 8, p. 74-75. 265 Em Inglaterra a propaganda era implementada pela Port Wine Trade Association. Ao longo dos anos sessenta, esta associação programou várias campanhas que incluíam pequenos filmes publicitários na televisão, concursos musicais, acções de promoção nos meios diplomáticos e, até, a presença de um barco rabelo no Tamisa (ver Imagem 2). Todas estas actividades tinham como slogan: «É chique beber Vinho do Porto». Cadernos mensais de estatística e informação do IVP. Porto: IVP: vários números: nº 250, Outubro de 1960; nº 255, Março de 1961; nº 263, Novembro de 1961; nº 267, Março de 1962; nº 264, Dezembro de 1961; «Douro wine boat sales up Thames». Daily Telegraph e Morning Post, 30 de Julho de 1962. 266 Cadernos mensais de estatística e informação do IVP. Porto: IVP: Dezembro de 1963. 267 «Discurso do Secretário de Estado do Comércio na posse dos novos directores do IVP». Cadernos mensais de estatística e informação do IVP. Porto: IVP: nº 243, Março 1960. 268 Dec.-Lei nº 45.151, de 22-07-63, reforçado, quatro anos mais tarde, pelo Dec.-Lei nº 47.583. DUARTE, Herlânder — «Fundo de Fomento de Exportação». In BARRETO, António; MÓNICA, Maria Filomena — Dicionário de História de Portugal. Porto: Livraria Figueirinhas, 1999, vol. 8, p. 74-75. 269 PEIXOTO, Fernando —Do Corporativismo ao Modelo Interprofissional. O Instituto do Vinho do Porto e a evolução do sector do Vinho do Porto (1933-1995). Porto: CITCEM; Edições Afrontamento, 2011, p. 321.

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Imagem 2. Recorte do jornal Daily Telegraph and Morning Post, de 30 de Julho de 1960.

Em Junho de 1968, o Grémio faz circular entre os seus associados o novo regulamento referente à possibilidade aberta nesse ano de restituição de parte do imposto de propaganda: «as firmas exportadoras de Vinho do Porto têm o direito a serem reembolsadas de verbas despendidas com a própria publicidade (…) [até] o limite fixado na Assembleia Geral de 35% [do] total das taxas de propaganda pagas por cada firma sobre as exportações e vendas para Consumo Nacional, realizadas durante o ano de 1968»270. O processo era relativamente simples: todas as despesas incorridas com publicidade (imprensa, televisão, rádio, cinema, etc.) seriam suportadas até ao limite fixado, bastando apresentar ao FFE as facturas que as comprovassem. Este subsídio revelou-se particularmente oportuno para a Cockburn’s. Numa altura em que a Harveys assumira a gestão das vendas em Inglaterra, bem como o reforço dos meios publicitários empregues, seria um importante contributo estatal para uma mais vigorosa acção de promoção das suas marcas no mercado britânico. Por coincidência cronológica, o relatório Jackaman fora apresentado no início desse ano e preparava-se, então, o lançamento da nova marca premium que o materializaria. O timing não podia ter sido mais apropriado. 270

O imposto de publicidade incidia sobre as exportações a granel de vinho do Porto (os envios de vinho engarrafado estavam isentos do imposto) e sobre todas as vendas deste vinho realizadas em Portugal. ACB: Regulamento para o Reembolso das Taxas de Propaganda (anexo à circular do GEVP no. 2.197 de 17/6/68), Grémio dos Exportadores de Vinho do Porto, 17 de Junho de 1968.

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Logo no início de 1969, Bristol envia a documentação a Gaia para se qualificar ao reembolso do ano findo. À medida que este novo incentivo é imputado nos planos da firma, surge o problema da sua repartição entre os dois escritórios. Bristol argumenta que se deve proceder à divisão segundo o rácio das despesas de publicidade incorridas por cada escritório. Em 1968, esse montante ascendia a pouco mais de 700.000$, um quarto dos quais respeitante a despesas com publicidade no mercado interno (da responsabilidade financeira de Gaia) e os restantes 75% aplicados em Inglaterra (despesas asseguradas por Bristol)271. António Filipe, que desde o início de 1969 passara a integrar a equipa de directores do Porto272, defende que era a Portugal que cabia a totalidade do incentivo. O reembolso do imposto de propaganda, argumentava, faria parte de uma equação de custos e proveitos manipulada pelos organismos corporativos e comum a todo o sector exportador. No seguimento da decretada baixa do preço da aguardente seguira-se um aumento do imposto de propaganda e do preço dos mostos, servindo o reembolso para aliviar, do lado oposto da equação, o aumento destes encargos para as empresas273. O envio do reembolso para Inglaterra privava o escritório de Gaia de parte desta medida compensatória, provocando assim um aumento dos custos de produção e, naturalmente, a redução dos lucros. O que António Filipe temia era uma diminuição da autonomia de gestão de Gaia (como acontecera, ainda que por outroas razões, com o escritório londrino da Cockburn’s). Mas a firma não tinha grande poder negocial perante Bristol, a quem respondia hierarquicamente. Confrontado com as insistências de Gaia, a decisão de Glyn Davies, chairmain da OMEX, é terminante: «having given further consideration to the Cockburn request, I do not feel it necessary to change the recent decision. The U.K. sales volume is a direct result of our advertising expenditure, and if we were not to get this contribution from Cockburns we would otherwise be seeking a price adjustment [leia-se, a descida do preço de venda para a Harveys]»274. António Filipe faz ainda por lembrar a Bristol que o programa de incentivos não estaria contemplado no plano original de Michael Jackaman; mas sem sucesso. Este rácio — 25% para Gaia, 75% para Bristol — seria mantido até à reformulação do programa de incentivos em 1971. Na argumentação do director do Porto, contudo, nunca é referida a suspensão da comissão paga por Gaia pelas vendas da sucursal londrina da Cockburn’s, num 271

ACB: Carta de A. Filipe a J. E. Hawkins, 12 de Março de 1969. ACB: Management Report, J. H. Smithes, 4 de Fevereiro de 1969. 273 Como António Filipe esquematicamente descreve a igualdade: «decrease in price of brandy + advertising rebate = increase in price of must + increase in advertising tax». ACB: Carta de A. Filipe a J. E. Hawkins, 18 de Agosto de 1969. 274 ACB: Carta de Glyn Davies a J. E. Hawkins, 1 de Agosto de 1969. 272

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montante que por esta altura atingiria as 13.000£ anuais275. Como contrapartida deste proveito suplementar, a firma portuguesa passara a assumir todas as despesas de publicidade com os mercados externos (despesas essas que, segundo o regulamento antigo, eram repartidas por igual entre Gaia e Londres), com um custo adicional de aproximadamente 9.500£276. O saldo financeiro que resultou desta alteração era globalmente positivo para o escritório português. Não é só pela significativa importância que o programa de incentivos do FFE representou na concretização das campanhas publicitárias da Cockburn’s. Graças aos apertados requisitos burocráticos impostos para a submissão das propostas, hoje temos acesso em detalhe ao trabalho de marketing desenvolvido em Bristol pela equipa de Jackaman. Traçaremos brevemente a operacionalização das campanhas publicitárias ao longo destes primeiros anos. A publicidade em Inglaterra ficava a cargo da empresa Collett, Dickenson, Pearce & Partners Limited. Em 1968, a factura desta firma apresentada ao FFE cifravase em 65.600£. Nela estavam incluídos anúncios na imprensa especializada, merchandising («window display») e, sobretudo, um spot televisivo difundido durante a época natalícia277. A Cockburn’s não era a primeira empresa a publicitar as suas marcas na televisão inglesa. Já a Sandeman, a líder do mercado, o fazia desde 1965 278. Mas o elevado investimento financeiro que tal implicava impedia que a maior parte das empresas exportadoras recorresse a esse importante meio de divulgação 279. Supomos, aliás, que este expediente promocional só se terá tornado economicamente possível à Harveys — que, certamente, não assumiria um tão avultado e arriscado dispêndio num mercado estagnado como era o do vinho do Porto em Inglaterra, pelo menos sem as mínimas garantias de retorno — com o incentivo do FEE. O subsídio estatal parece ter

275

Em Abril de 1971, António Filipe é informado que, a partir daquela data, Gaia deixaria de vender directamente vinho a granel para o escritório londrino da Cockburn’s. Em vez disso, seria Bristol a encarregar-se das vendas para esta sucursal e apenas na forma de vinho engarrafado. Depois da abolição da comissão cobrada por Londres sobre a facturação nos mercados externos, Bristol parecia determinada em esvaziar (por, na prática, já substituir) o papel do escritório de Wyndham Fletcher. ACB: Carta de A. Filipe a J. A. Titterton, 13 de Abril de 1971. 276 Exclui-se ACB: Carta de J. E. Hawkins a A. Filipe, 23 de Dezembro de 1968; Carta de J. E. Hawkins a L. W. Chambers, 8 de Novembro de 1968. 277 ACB: Facturas incluídas no dossier Advertising expenses for the 12 months ended 31st December 1968, 20 de Janeiro de 1969. 278 HALLEY, Ned — Sandeman: Two Hundred Years of Port and Sherry. Londres: The House of Sandeman, 1990, p. 137. 279 Só a emissão televisiva, descontado o custo de produção dos filmes publicitários, representava um quarto do montante total despendido em publicidade em 1968. ACB: Facturas incluídas no dossier Advertising expenses for the 12 months ended 31st December 1968, 20 de Janeiro de 1969.

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desempenhado com eficácia essa função de garantia, minimizando o risco de insucesso do pioneirismo da campanha. Nos primeiros dois anos desde o lançamento do CSR, a Cockburn’s dirigiu o seu foco promocional quer para campanhas genéricas, destacando o nome da firma, quer ainda para as suas marcas: «last year [1971] and this year [1972] all our port advertising has switched from being generic Cockburn advertising to promoting Special Reserve»280, dirá Jeff Palmer. Talvez se tenha considerado que, antes mesmo de promover a marca, seria necessário uma operação de requalificação e redireccionamento da imagem pública da Cockburn’s (isto apesar do prestígio que firma recolhia entre os consumidores ingleses)281. Os gastos promocionais destes anos iniciais não eram de todo negligenciáveis. Segundo números da firma, o montante aplicado em publicidade subira de £3.000, em 1967, para £100.000, em 1970282. Este salto quantitativo só é compreensível com os valores exigidos pelo recurso a campanhas televisivas. Em 1971, com a intenção de reformular o programa de incentivos do FFE, a direcção do Grémio desenvolve esforços junto do governo para que este dê prioridade às exportações de vinho engarrafado. A principal medida sugerida para esse efeito seria o reforço dos reembolsos atribuídos à publicidade nas marcas comerciais de vinho, para tal sacrificando, se necessário fosse, os gastos incorridos com campanhas de promoção genérica283. Desde há algum tempo que o IVP tentava aumentar as exportações de vinho engarrafado em Gaia, onde este instituto podia mais apertadamente exercer o seu controlo de qualidade. As casas exportadoras temiam que com este novo programa se optasse por dificultar excessivamente as exportações de vinho a granel — ainda a larga maioria do vinho expedido pela barra do Douro — com pesados entraves burocráticos e pecuniários. A este respeito, Trevor Heath escrevia, então, a tranquilizar os directores de Bristol: «I do not feel there is any intention at this stage of stopping wine being shipped in bulk. What it does mean, however, is that it will be advantageous for shippers to

280

«As fashionable as Victoriana», Wine and Spirit Trade International, entrevista a Jeff Palmer, Setembro de 1972 (em anexo). 281 Era um dos pressupostos do relatório Jackaman: «there is a strong indication that Cockburns is widely regarded as a high quality Port brand; the quality of our ports vis à vis main competition — Sandemans. The distinctive style of Cockburn port which means that our port has a recognizable and promotable difference». ACB: The Promotion of Cockburns Port in 1968/69, M. Jackaman, 22 de Janeiro de 1968 (em anexo). 282 ACB: Outline Proposals for the promotion of CSR in 1972/73, 1972. 283 ACB: Subsidy on Bottled Exports to support Brand publicity, Grémio dos Exportadores de Vinho do Porto, Março de 1971.

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think very carefully about the benefits of shipping wine in bottle as against bulk, as they will be forfeiting their rebate by doing so»284. Na discussão que se seguiu ao anúncio da revisão do programa de incentivos, propostas houve que foram aceites e outras liminarmente recusadas. Entre as que permaneceram até à formulação final estariam, para além da discriminação entre vendas de vinho engarrafado contra a granel, ainda o incentivo dado ao engarrafamento em Portugal (qualificável a uma percentagem superior do subsídio), bem como a discriminação por mercados — a lista de países qualificáveis ao reembolso seria restrita, mas nela haveria ainda mercados prioritários com incentivos reforçados285. Neste esquema, a Cockburn’s seria prejudicada pela localização das suas principais unidades de engarrafamento: era em Bristol que se engarrafavam os vinhos vendidos no mercado inglês. Gaia, encarregada do fornecimento dos restantes mercados, e já com as suas linhas de engarrafamento no limite da capacidade, não poderia receber no imediato a transferência daquela operação. De igual forma, não era aceitável que tão punitivo imposto prejudicasse sériamente as exportações de vinho a granel, uma gama já com uma lucratividade frágil e inconstante (sobretudo no canal BOB). Estes e outros receios serão apresentados numa longa exposição endereçada pela Cockburn’s ao Grémio. Defendem os directores que a firma, através da Harveys em Inglaterra, já cumpriria o objectivo fixado pelo novo esquema, a saber, o da promoção de vinho do Porto engarrafado, com um investimento muito considerável em publicidade no mercado britânico. Assim, cumprido satisfatóriamente este requisito, a Cockburn’s não deveria ser “castigada” com as medidas decretadas pelo FFE para estender tais práticas a todo o sector exportador286. Apesar dos vários meses de discussão e preocupações levantadas, a proposta final, que reverterá quase integralmente em legislação, não será redigida pela mão do Grémio ou do IVP, nem sequer do FFE ou da Secretaria de Estado que tutelava todos estes organismos, mas de uma consultora, a Arthur D. Little. O Arthur D. Little (ADL) Report teria a missão de acordar para as potencialidades do marketing um sector que parecia desconhecer os seus principais postulados e ferramentas, um pouco como o Jackaman Report de 1968 se propusera 284

ACB: Carta de T. Heath a A. M. McWatters, 25 de Março de 1971 Havia ainda um outro aspecto do programa que muito preocupava a equipa de Bristol: «a scheme of this nature will be watched very closely for success or failure by the Spanish authorities who are keen to try the same thing». Isto representava uma óbvia ameaça à posição comercial de um dos maiores exportadores de vinho do Xerez em Inglaterra, como era a Harveys. ACB: Paper on the implications for the Harvey Group or Companies of the most recent proposal from Portugal on Advertising levies and refunds, and shipment in bottle, C. J. Whicher, 7 de Abril de 1971. 286 ACB: Subsidy on Bottled Shipment to support brand advertising, Abril de 1971. 285

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fazer com a Cockburn’s. Ao explicar o relatório numa reunião do Grémio convocada para esse efeito, o representante da consultora Arthur D. Little define, desde logo, como base da sua abordagem, a centralidade do marketing, «a chave para vender» — epíteto com que inaugura o seu discurso: «[consideramos] essencial passar-se de produto indiferenciado para a marca. Os produtos, em vez de estarem nas mãos dos comerciantes e distribuidores, deveriam estar exclusivamente na posse dos exportadores. Isto não acontece, e daí a falta de controlo dos mercados quanto à marca. Além disso, o produto genérico faz diminuir o interesse competitivo de um produto. O preço da marca é mais elevado do que o preço do produto indiferenciado»287. Para o mercado inglês, a estratégia traçada consistia em «posicionar marcas de preços e qualidade elevados, de forma a tirar partido da imagem tradicional», enquanto se reforçava a participação do vinho nas refeições diárias, desta forma desenvolvendo o consumo habitual (suavizando assim a acentuada sazonalidade das suas vendas) e conquistando popularidade junto das novas gerações. Aprovado pelo FFE em todos os seus pontos e recomendações e ratificado pelo Secretário de Estado do Comércio, o relatório seria recebido com entusiasmo generalizado As únicas reticências ao documento viriam da parte de alguns pequenos exportadores que não cumpriam os requisitos para se qualificarem ao programa de incentivos288. Em nome da Cockburn’s, Jeff Palmer afirmava a um jornal inglês só ter razões para louvar o ADL Report289. Os principais traços práticos no novo esquema definiam-se da seguinte forma. O novo valor do imposto era fixado nos 40$ por litro de vinho exportado a granel ou sobre as vendas no mercado interno (neste caso, independentemente de ser vendido em casco ou em garrafa). As exportações de vinho engarrafado na origem estavam isentas do imposto. No que toca ao regime de incentivos, as empresas recebeiam o equivalente a 287

ACB: Relato Sumário da Reunião de Sócios de 19 de Janeiro de 1972, Grémio dos Exportadores de Vinho do Porto. 288 «We also know that the major objections will come from the small shippers mainly Portuguese and will be influenced by the fact that the recommendations [proposed by Cockburn’s] will mainly benefit the big brand owners with international links». ACB: Telex de T. Heath a G. Davies, 14 de Janeiro de 1972. Na carta endereçada pelo FFE ao Secretário de Estado do Comércio diz-se o ADL Report ter sido aprovado pelos associados do Grémio por 129 votos a favor, 22 votos contra e 31 abstenções. ACB: Cópia da Informação do FFE e do despacho exarado nela por sua excelência o Secretário de Estado do Comércio, 1972. 289 Palmer considera a operacionalização do esquema de incentivos «a very impressive and realistic way of promoting port. (…) The clever thing is that it is not a subsidy because you cannot reduce your contribution. The extra 40 per cent means 40 per cent more advertising. It must make sense to give the emphasis to brand advertising». «As fashionable as Victoriana», Wine and Spirit Trade

International, entrevista a Jeff Palmer, Setembro de 1972 (em anexo). 95

40% das despesas em publicidade nos mercados para onde o vinho fosse enviado a granel (independentemente de aí ser engarrafado e comercializado neste formato pelo próprio exportador) e de 80% nos mercados para onde fosse exclusivamente exportado em garrafa. Propunha-se ainda que para o mercado da República Federal Alemã 290 essa percentagem fosse fixada nos 100%, cumprindo, para tal, alguns requisitos promocionais que teriam de passar pelo crivo do IVP291. É neste enquadramento proposto pelo FFE que Jackaman e Palmer vão delinear o programa de publicidade que será o grande motor das vendas do CSR292. A nossa análise será focada, naturalmente, no mercado inglês. Este destacar-se-á por ser aquele onde o investimento promocional será consideravelmente maior. Para termos noção das proporções, diremos que, nos primeiros dois anos do programa, o somatório da despesa das campanhas realizadas nos sete mercados qualificados para o incentivo terá sido sempre inferior a metade do que a empresa gastava em publicidade no mercado inglês. Só no terceiro e último ano essa barreia é ultrapassada: dava-se então início à campanha televisiva do CSR nos EUA. A televisão é, de facto, o grande e principal activo promocional destes primeiros anos de vida do CSR. Era também o recurso mais dispendioso, justificando assim o seu poder de divulgação no mercado de massas. Em 1971, as despesas com anúncios emitidos nos canais ingleses representaram 93% da despesa total, foram de 72% em 1972, 66% em 1973 e 65% em 1974293. Neste mercado, o incentivo do FFE serviu para dar alguma ênfase a outros meios publicitários que, desde 1968, estavam abafados pelas exigências financeiras das campanhas televisivas. A Cockburn’s tentou não descurar a diversidade de meios empregues nas suas campanhas publicitárias. No Natal de 1969, por exemplo, houve ainda 3.000 cartazes afixados no metropolitano londrino, um expediente constantemente usado nas campanhas da empresa ao longo dos anos sessenta294. Em 1971, o merchandising do

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A Alemanha nunca parece ter sido um mercado decisivo para a Cockburn’s; muito pelo contrário. Cobb escreveria em 1967: «Germany is a disappointment, we do not seem to make much headway with any of our brands!». ACB: Carta de R. M. Cobb a J. E. Hawkins, 23 de Novembro de 1967. 291 ACB: Cópia da Informação do FFE e do despacho exarado nela por sua excelência o Secretário de Estado do Comércio, 1972. 292 De resto, a Cockburn’s já esperava que as suas concorrentes — e falava-se, em particular, da Croft, Warre’s, Dow’s e Sandeman — aproveitassem a oportunidade oferecida pelo FFE e concorressem ao incentivo máximo com a criação de marcas novas para esse efeito. ACB: Reunião de Marketing e Vendas, Michael Jackaman, 23 de Fevereiro de 1972. 293 ACB: Outline Proposals for the Promotion of CSR in 1972/73, 1972; CSR Marketing Plans 1973-1974, 3 de Julho de 1973; Proposals for the Promotion of CSR 1974/75, 16 de Setembro de 1974. 294 ACB: Facturas CDP&P, 31 de Dezembro de 1969.

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CSR incluía garrafas-miniatura e caixas de fósforos295. Ainda nesse ano, no Outono — a época mais indicada para a divulgação na imprensa especializada, quando os distribuidores e retalhistas começam a preparar as suas promoções de Natal —, o espaço publicitário comprado na imprensa distribuía-se por 9 publicações, sobretudo ligadas ao comércio de vinho e ao canal HORECA. Já a época natalícia era a temporada ideal para fazer imprimir anúncios do CSR na imprensa de circulação geral e de grande tiragem. No Natal de 1972, revistas como a Sunday Times, Daily Telegraph, Observer, Evening Standard, Punch, Country Life, T.V. Times, continham anúncios a cores da marca296. A campanha televisiva que foi para o ar em 1969 consistia em anúncios de 15 e 60 segundos exibidos por várias operadoras inglesas: duas emissoras de Londres, a A.T.V. das Midlands, a Granada de Lancashire, estações de Yorkshire, Sul de Gales e Nordeste de Inglaterra, perfazendo ao todo oito estações de televisão e um total de 32.665£ aplicados em espaço televisivo297. No Natal de 1970, subia para dez o número de estações de televisão a difundir a publicidade da marca. Em 1971, spots televisivos do CSR eram exibidos em treze estações, sendo as que emitiam da capital inglesa (a Thames e a Weekend) as mais caras, num total que se aproximava das 100.000£298. Em 1973, há anúncios do CSR na edição inglesa da revista Vogue, no New York Times Magazine, anúncios televisivos espalhados por 11 áreas geográficas distintas em Inglaterra (num total despendido de 133.000£) e em cinco edições mensais das revistas japonesas President e Taiyo299. Em 1974, a lista de publicações inglesas incluía ainda a Radio Times, com uma circulação de mais de 4 milhões de exemplares. Seria este o ano em que o CSR presentearia um novo mercado com a sua campanha televisiva. Ao longo de quatro semanas, desde o final de Novembro, spots de 30 segundos foram exibidos em Nova Iorque, complementados por uma campanha radiofónica emitida por toda a região. No que toca à imprensa, a marca era anunciada em três revistas de grande circulação: nesta cidade, em São Francisco e em Los Angeles. No mercado americano, tido como de topo, o orçamento de merchandising contemplava ainda a produção e distribuição de guilhotinas para charuto300. 295

ACB: Facturas CDP&P, 30 de Abril de 1971. ACB: Facturas CDP&P, 30 de Dezembro de 1972. Deparamo-nos com um gasto curioso: nesta altura a CDP&P estaria a produzir para a Cockburn’s um filme publicitário intitulado “The Don” que, como sabemos, era a mascote da principal concorrente da firma, a Sandeman. ACB: Facturas CDP&P, 20 de Fevereiro de 1972. 297 ACB: Facturas CDP&P, 31 de Dezembro de 1969. 298 ACB: Facturas CDP&P, 30 de Dezembro de 1972. 299 ACB: Facturas CDP&P, 1973 a 1974. 300 ACB: Proposals for the Promotion of CSR 1974/75, 16 de Setembro de 1974. 296

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Imagem 3. Fonte: Anúncio publicado no jornal O Primeiro de Janeiro, 8 de Novembro de 1974.

O mercado menos receptivo às campanhas promocionais do CSR nesta altura foi, sem dúvida, o francês («[which] is proving to be a continuous problem»)301. A dificuldade prender-se-ia com a incapacidade de o distribuidor contratado satisfazer minimamente os objectivos de venda programados. Estaria ainda relacionado com as restritivas políticas de promoção de bebidas alcoólicas, que vieram exigir uma dose substancial de criatividade nas campanhas efectuadas em França. Mas outros factores ainda, ligados à incompatibilidade do perfil comercial da CSR quer em relação às características da procura francesa, quer aos moldes em que o vinho do Porto era distribuído neste mercado, parecem ter ditado o insucesso de todas as acções 301

ACB: Carta de T. D. Ladd a A. Filipe, 20 de Fevereiro de 1974.

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promocionais realizadas pela Cockburn’s no (já então) maior consumidor mundial de vinho do Porto302. No final do segundo ano do programa de incentivos, quando se procedia à redacção a proposta para o ano de 1974/75, a Revolução do 25 de Abril de 1974, que vem derrubar a ditadura corporativista do Estado Novo abre um período de grande instabilidade e incerteza no sector exportador. Em particular, surgirá a preocupação com a observação dos compromissos financeiros assumidos pelo Estado perante as firmas comerciais. Neste processo melindroso, a Cockburn’s e outros exportadores envolverse-ão num diferendo com o FFE e o IVP que só será definitivamente dirimido em 1976. Como atrás referimos, a Revolução de 1974 não afectou directamente o sector exportador de vinho do Porto303. Michael McWatters, aquando da visita ao nosso país poucas semanas após a queda do regime, assim o notou: «there was a delectable air of lightheartedness and gaiety in the City of Oporto and to which I have not been accustomed. (…) Much Communist literature is on sale and Communist graffiti is to be seen on all public buildings. Nevertheless the general opinion is that an orderly capitalistic society will continue to prevail. The public appear to be behaving in a commonsense and orderly fashion»304. A revolução, antes de motivo de preocupação para os exportadores ingleses, parece ter sido encarada como uma oportunidade para reformar a enferrujada organização corporativa que, defendiam, tanto prejudicava o sector. Os directores da Cockburn’s encaravam o futuro com temperada esperança. Diria ainda McWatters: «some radical changes affecting the Port Wine Trade are expected, such as the abolition of Casa do Douro and the conversion of the Instituto into a body controlling the Appellation D’Origine »305. Trevor Heath, director de Gaia, escreve a Bristol, receoso das restrições ao crédito que previsivelmente adviriam da instabilidade política dos 302

As causas do insucesso em França são sumariadas desta forma: «1) In particular we have failed to achieve distribution in Supermarkets because of their adherence to their own branded labels. 2) The style of Cockburn’s Special Reserve, full-bodied and ruby, is a minority taste in France, where lighter tawnier ports are preferred. 3) The market for premium ports in France is currently dominated by dated wines — most of them available only in limited supply. For this reason the concept of CSR has been a difficult one to explain. 4) Our advertising has effectively been banned in France». ACB: CSR, Special Report on the French Market, 7 de Setembro de 1973. 303 Em Abril de 1974, a Harveys dará uma entrevista à imprensa inglesa tranquilizando os seus consumidores e clientes. O Grupo assegurava que a instabilidade política em Portugal não prejudicara, até então, a empresa ou os seus fornecimentos de vinho. «Port Unaffected by Upheaval». Morning Advertiser, 2 de Abril de 1975 (em anexo). 304 ACB: A. M. McWatters Report on a Visit to Cockburn Smithes & Cia, A. M. McWatters, 23 de Maio de 1974. 305 ACB: A. M. McWatters Report on a Visit to Cockburn Smithes & Cia, A. M. McWatters, 23 de Maio de 1974.

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primeiros anos; mas subscrevendo o optimismo reformista de McWatters: «the whole structure of the Port Trade and in fact the Wine Trade in Portugal needs remolding and there is no better opportunity than studying the matter very seriously now and then implementing it, but not rush into it. (…) [In the days of the last regime] to change a law could take years. We hope things will change now. After all we are still working on legislation passed in 1932!»306. No entanto, os directores da Cockburn’s não parecem ter previsto que, com o colapso do regime, os contratos assinados com os organismos públicos poderiam, igualmente, cair por terra. Por altura da Revolução, só o incentivo respeitante ao ano de 1972/73 tinha sido transferido pelo Fundo à empresa. O programa do segundo ano fora já aprovado e o do terceiro encontrava-se em fase de finalização. Apesar da incerteza que envolvia o FFE («[they] are currently short of staff and without a director. Also all Government budgets are under review and being pared»307), apesar da instabilidade política que fazia cair os governos provisórios em catadupa (desde Abril já tinham sido nomeados dois secretários de Estado da tutela308), ainda assim, a Cockburn’s submeteu em Setembro desse ano o relatório que a qualificava para o incentivo de 1974/75. O programa foi previamente aceite e a empresa iniciava mais um ano de actividades promocionais focadas na marca CSR. O Fundo, na pessoa de Maria Teresa Moura, comprometia-se a manter a empresa informada dos mais recentes desenvolvimentos na definição das futuras políticas de exportação309. Simultaneamente, o FFE inicia uma fase de recolha de sugestões junto dos exportadores com o objectivo de rever e preparar o novo esquema de incentivos. A Cockburn’s, empresa que sempre defendera o programa310, avisava que a grande parte dos resultados alcançados seria perdida caso as políticas do Fundo não tivessem continuidade depois de 1975, motivando reduções drásticas nas despesas de publicidade das firmas. Apresentava, então, duas sugestões: a redução da lista dos mercados elegíveis para campanhas apoiadas pelo Fundo (enumerando aqueles que considerava mais importantes: Reino Unido, França, EUA, Itália, Alemanha Ocidental e Japão); e,

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ACB: Carta de T. Heath a G. Davies, 8 de Maio de 1974. ACB: Carta de D. Orr a T. Ladd, 4 de Julho de 1974. 308 ACB: Contact Report: Cockburn Smithes & Cia Ltda, Portugal, FFE, 16-17 de Setembro de 1974. 309 ACB: Carta de T. D. Ladd a K. C. Veasey, 2 de Agosto de 1974. 310 Em nome da Cockburn Smithes, escrevia-se: «Acreditamos que o presente esquema nos levou a uma aproximação mais realística do mercado e, embora isso inevitavelmente favoreça bastante os exportadores maiores (com marcas competitivas ou com marcas potencialmente qualificadas), isto será no melhor interesse de todo o comércio, a longo prazo». ACB: Revisão do Esquema de Incentivos do Fundo de Fomento de Exportação, 4 de Outubro de 1974. 307

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como complemento ao esforço de vendas no exterior, o apoio ao investimento na região demarcada, por forma a fazer baixar o insustentavelmente elevado preço do vinho311. No início de 1975, no entanto, não parecia haver já grandes expectativas no que respeitava à continuação do programa de incentivos; nem tanto pediam os exportadores, mas que o Fundo honrasse os compromissos acordados para o segundo e terceiro anos do esquema, ainda por pagar. Se o valor de 1973/74 era já de difícil restituição, o referente ao ano 1974/75 era apresentado às firmas como sendo impossível de honrar. A decisão, escrevia David Orr a Bristol, era puramente política e parecia ser forçada mais pela direcção do Fundo do que pela Secretaria de Estado que tutelava o organismo. Perante este cenário, os exportadores decidem avançar com uma acção judicial contra o FFE312. Foi pedida a intervenção do embaixador inglês como forma de pressão junto do governo português313. Teresa Moura, representante do FFE que, ao longo deste processo, manteve sempre um diálogo constante com a Cockburn’s, explicara a David Orr o estado da situação: «Portugal is short of money and reductions in expenditure are being sought in all Government departments. The Fundo Incentive Scheme was though suitable for cutting since it favours large and therefore foreign companies and is thus politically expedient at a time when the Government has moved increasingly to the left. The Government sees no reason why it should honour the policies of the last regime»314. No entanto, por esta altura, já o IVP tinha em sua posse fundos suficientes transferidos do Fundo para o pagamento na íntegra do incentivo de 1973/74. O Instituto recebia ordens para, no imediato, não proceder a qualquer pagamento às firmas. Entretanto, prosseguia a acção judicial, que recolhia o apoio de cinco grandes exportadores: Sandeman, Croft, Noval, Ramos Pinto e a própria Cockburn’s. Outras casas, como a Tayors, Rozés e Warre, não participariam, mas assumiam um comportamento dee free rider perante o esforço das firmas mais activas, denunciava António Filipe315. Mesmo dentro do primeiro conjunto, firmas como a Sandeman e a Croft estavam dispostas a deixar cair a exigência relativa ao pagamento do terceiro ano. Havia, como Filipe notou, medo de repercussões negativas, num período político particularmente hostil para os grupos empresariais316. 311

Idem. ACB: Carta de D. Orr a M. Jackaman, 27 de Janeiro de 1975. 313 ACB: Telex de D. Orr a M. Jackaman, 17 de Janeiro de 1975. 314 ACB: Carta de D. Orr a M. Jackaman, 17 de Janeiro de 1975. 315 ACB: Telex de A. Filipe a M. Jackaman, 2 de Fevereiro de 1975. 316 António Filipe, no entanto, pretendia prosseguir com a acção judicial a 100% e, se necessário fosse, sozinho: «Cockburn’s are in this special situation entirely because of our wholehearted support of the 312

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Em Abril, o novo representante do FFE para os assuntos do Vinho do Porto, Dr. Carlos Esteves, comparece a uma Assembleia Geral Extraordinária do Grémio dos Exportadores. David Orr descreve assim o desenrolar da reunião: «[Carlos Esteves] strongly attacked the A. D. Little report, not so much for its technical competence but for the results, i.e. it had helped large firms over small, and in an extraordinary and ambiguous aside he referred to the report helping export in bulk to ‘gangsters’ in the country of destination — it was unclear if he was referring to cheap BOB blenders in France or Holland or us in the U.K.». Não se quis, igualmente, comprometer com qualquer prazo (ou, sequer, a mera hipótese) para o pagamento do incentivo em falta: «All in all it was an extraordinary statement with strong political undertones»317. A tendência que ditiria a reformulação do novo programa de incentivos ficara bem explícita nesta primeira reunião com os exportadores: uma reordenação dos mercadosalvo («[the Fundo is] enamoured with the idea of new markets like the Eastern block and, for some reason, Australia318»), e o inevitável regresso à mais “amiga-dospequenos” publicidade genérica, promovida pelo IVP. No mês seguinte optar-se-á abertamente por uma política de “não compromisso”: «the Fundo envisages some support for Portwine in the future but, given the current lack of money, it would be unwise to assume that the support will be anything more than a shadow of previous levels», escreve a David Orr a Bristol. Ficava igualmente decidido que, ainda que a publicidade nas marcas não fosse completamente desincentivada, seria remetida a segundo plano em detrimento da publicidade genérica. Esta passaria a ser a bandeira de um eventual novo programa de incentivos319. Era neste novo enquadramento de incentivos, muito próximo daquele que existia antes do (agora famigerado) ADL Report, que a Cockburn’s teria que pensar a sua futura campanha de promoção de vendas. No entanto, em nada a situação da empresa se assemelhava à de cinco anos atrás. Em 1977, a Harveys vangloriava-se na imprensa britânica de ser a recém-líder do mercado de vinho do Porto, com as marcas da sua subsidiária, a Cockburn’s, a representarem uma quota de mercado de 31%, face à sua mais directa concorrente, a Sandeman’s, com 25%320. O esquema de incentivos do FFE Fundo, and our faith in their efforts for port. Because of this faith we were willing to spend money on their behalf in advance of our strict obligations. It is extremely disappointing to see that this cooperative attitude could now penalize us. Be advised that if we cannot get support of fellow shippers we are prepared to pursue the matter to a conclusion on our own». ACB: Telex de A. Filipe a M. Jackaman, 12 de Fevereiro de 1975. 317 ACB: Carta de D. Orr a M. Jackaman, 24 de Abril de 1975. 318 ACB: Carta de D. Orr a M. Jackaman, 22 de Abril de 1975. 319 ACB: Carta de D. Orr a M. Jackaman, 23 de Maio de 1975. 320 «Declaration spurs on sales recovery». Wine and Spirits Magazine, Julho de 1977.

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(quer nos três anos pré-ADL Report, quer nos três anos seguintes) fora decisivo para atingir esta posição em tão pouco tempo. Como referimos atrás, não é infundado que a Harveys só tenha decidido arriscar o grande dispêndio na divulgação televisiva dos vinhos da Cockburn’s depois de lhe ter sido apresentado o reembolso do imposto de propaganda, isto apesar da estratégia (não orçamentada, note-se) do Jackaman Report. Nos três anos em que o ADL Report esteve em vigor, o montante disponibilizado à empresa foi de tal ordem que lhe permitiu investir, em média, o dobro em publicidade que no ano imediatamente anterior ao início do novo esquema. Se houve uma política estatal com resultados positivos na vida da empresa, essa foi decididamente o incentivo à publicidade às marcas disponibilizado pelo FFE entre 1968 e 1975. Finalmente, como nota de conclusão, damos conta do resultado final do diferendo suscitado pela retenção do pagamento dos incentivos acordados para o segundo e terceiro anos. Os créditos a favor da empresa acabariam por ser inteiramente liquidados, para satisfação de Gaia, em Novembro de 1976, com a transferência do último incentivo a ser autorizada pela Secretaria de Estado do Comércio Externo321. A Cockburn’s teria, em 1976, que rever profundamente as suas previsões comerciais, a sua estrutura de preços e a rentabilidade das suas marcas, os seus compromissos financeiros a curto e longo prazo e, sobretudo, a sua política de investimentos em Portugal, que seguira a bom ritmo nos anos posteriores ao lançamento do CSR: «it will be important to regain profitability if we are to continue to invest money in promoting the brand in the long term, and in particular to finance investment in vineyards and production facilities in the Douro»322.

3.3. Investir no Douro para assegurar o futuro

Em 1967, a Cockburn’s contabiliza os seus investimentos e propriedades no Douro em cerca de 78.000£. Estão aqui incluídas as quintas de Val Coelho, Pescoça e Tua, os armazéns e escritórios na Régua e a adega de Cadima323. O interesse das casas exportadoras pela região vinhateira vinha aumentando e, no caso da Cockburn’s, manifestava-se já desde o início dos anos sessenta, sendo essa, aliás, uma das principais prioridades do mandato de Reginald Cobb. Mas não era uma política exclusiva à Cockburn’s. Outros exportadores com substancial volume de negócio nos mercados 321

ACB: Carta do F.F.E. (pela mão de C. Esteves) à Cockburn Smithes & Cia, 16 de Novembro de 1976. ACB: Carta de T. D. Ladd a D. B. Orr, 20 de Dezembro de 1976. 323 ACB: Carta de A. Filipe a J. E. Hawkins, 1 de Junho de 1967. 322

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externos seguiam a mesma tendência. Nesse ano, a Sandeman comprava um armazém na zona do Tua e um terreno na margem sul do Douro para aí instalar uma central de vinificação. A Croft modernizava e expandia as suas instalações na Roeda, perto do Pinhão, enquanto aumentava a sua capacidade de armazenagem de vinho na Rede, junto à Régua324. Na base deste movimento de expansão a montante está a difícil situação que se vivia na região vinhateira e que, inevitavelmente, se repercutia no mercado do vinho, agravando o preço dos mostos e dos melhores lotes. O Douro perdia população. Cada vez mais votadas ao isolamento, as suas aldeias não seguravam os filhos da terra, e estes desinteressavam-se da vinha. A emigração era a principal saída de população: entre 1960 e 1980, 74 mil pessoas rumaram à Europa em busca de melhores condições de vida325. As propriedades fragmentavam-se, tornando cada vez mais frágil a tradicional economia vitivinícola da região. John Smithes levantará, por esta altura, duas questões pertinentíssimas ao Grémio: «can Portwine support the continual escalation of its selling price due to the increasing cost of the product? Will the production in the Douro, say within the next ten years have the average level of quality that will justify to the consumer a higher price than the price for rival products?»326. A única resposta que o sector exportador poderia dar a tais problemas parecia saltar à vista: «it was preferable to increase our wine making facilities as farmers are becoming more reluctant to make wine»327. O Comércio, de uma forma inédita na história do vinho do Porto, teria de romper a dicotomia que o opunha à Lavoura duriense e levar os seus recursos de capital para a região vinhateira, investindo em instalações de produção de vinho, armazéns e vinhedos. O cenário desolador na produção assim o exigia. Estes são anos de escassez na oferta de vinho: fracas colheitas, abandono das vinhas, aumento dos custos de produção; tudo irá contribuir para que a política de vendas da Cockburn’s, agora em franco crescimento, tenha de ser constantemente revista, segundo um estrito programa de definição de prioridades no abastecimento dos vinhos. Gamas cuja lucratividade dependia da venda em quantidade serão gravemente

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ACB: Douro and Gaia Report no. 38, 26 de Maio de 1967. MARTINS, Luís Paulo Saldanha — Em torno de uma ruralidade em regressão e sobre um processo de concentração urbana — a população do Norte Interior. «Douro — Estudos & Documentos», n.º7. Porto: GEHVID, 1999, p. 36. 326 ACB: Planting a Vineyard in the Douro, J. H. Smithes, 5 de Março de 1972 (em anexo). 327 ACB: Minutes of an OMEX Meeting, J. E. Hawkins, 26 de Novembro de 1970. 325

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prejudicadas. Os envios da Cockburn’s para marcas BOB são, nestes anos, praticamente suspensos328. Depois da instalação de Cadima, concluída em 1964, a expansão da Cockburn’s no Douro será retomada em 1967 com a compra de uma parcela de terreno em Foz Côa para a edificação de uma nova central de vinificação329. Perante os evidentes constrangimentos no Douro, a aquisição do terreno é rapidamente aprovada por Bristol. A construção da adega decorrerá ao longo 1968 e representará a quase totalidade do investimento em capital neste ano: 18.000£ num total de 22.000£330. Foz Côa estaria operacional a tempo da vindima desse ano, com capacidade para a produção de 1.000 pipas de vinho do Porto e 250 de vinho de mesa. A sua localização estratégica permitialhe receber uvas de plantações situadas na margem Sul do rio Douro, enquanto Cadima se ocuparia da margem Norte331. Michael McWatters, director da OMEX, visivelmente satisfeito com o processo de construção desta adega, pede a John Smithes que proceda a investigações para a compra de um terreno na região do Baixo Corgo onde a firma daria início a mais uma nova fase de expansão, construíndo a sua terceira adega no Douro332. Não só Smithes responderia a este apelo do director inglês, como logo apresentaria a proposta completa para a edificação de uma nova adega na Régua. Numa primeira fase, este empreendimento cumpriria a função de armazenar 2.500 pipas de vinho, lotação que era urgente garantir por ser já impossível de providenciar no densamente ocupado entreposto de Gaia. A adega permitiria um aumento da capacidade de produção de vinho capaz de assegurar o abastecimento ininterrupto das exportações, acompanhando o seu ritmo de crescimento.

328

Idem. ACB: Management Report, 1 de Junho de 1967. 330 ACB: Management Report, 3 de Julho de 1967; ACB: Report on the Discussions which took place during Mr. A. M. McWatters and Mr. M.C. Hubball’s visit to Oporto, T. Heath, 6 de Fevereiro de 1968. 331 ACB: Cockburn’s New Winery, T. Heath, 30 de Outubro de 1968. Transcrevemos um parágrafo deste documento referente às práticas vinícolas em uso nesta adega na sua vindima inaugural: «[the] grapes, coming from some hundreds of small holders and farmers, are collected and weighed, brought in large tubes by lorry to the winery, tipped into a centrifugal crusher and the resulting mass of crushed grapes pumped into open-topped fermentation tanks each producing about 3.000 gallons of wine. At set intervals during the pre-fermentation and fermentation stages the liquid is drawn off and sprayed back over the top of the tank, passing, if necessary, through a cooler which gives complete control over the important factor of temperature during fermentation; something which Cockburn’s has developed further than anyone else so far». Um guia detalhado sobre as práticas vinícolas da firma no Douro encontra-se em ACB: Relatório de J. K. Burnett sobre as propriedades da Cockburn’s no Douro e relação com os viticultores. J. K. Burnett, 24 de Abril de 1973 (em anexo). 332 ACB: Carta de A. M. McWatters a J. H. Smithes, 29 de Outubro de 1968. 329

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O custo estimado desta adega, que quando completada se tornaria a maior da firma, inflacionou-se em poucos meses, passando de de 70.000£ para 123.000£333. Por esta volatilidade do custo de construção, mas, sobretudo, pelo comportamento ainda incerto das vendas no mercado inglês, a proposta é chumbada pela Showerings 334 (que desde o takeover da Allied Breweries passara a supervisionar as decisões de investimento em Portugal, enquanto à Harveys of Bristol caberia a supervisão das áreas de marketing e vendas). Em alternativa ao megaprojecto da Régua, é apresentada aos directores do Porto uma solução que resolveria a curto-prazo as necessidades de produção vinícola e armazenagem. Uma verba de 6.000£ seria atribuída para reforçar a capacidade de produção da adega de Foz Côa, enquanto se procederia à conclusão das obras para reforço do espaço de armazenamento nas instalações de Gaia e Tua335. O escritório portuense não parece ter encarado esta alternativa como aceitável. O esgotamento de espaço para a guarda de stocks manter-se-ia com a escalada persistente das vendas, que não dava sinais de abrandar. Em Julho de 1969, Gaia requisita aos directores da OMEX aprovação para a compra de um armazém em Lamego com a intenção de, eventualmente, convertê-lo numa nova adega equipada para a produção de 1.000 pipas de vinho por ano. António Filipe estimou para esta adega um investimento total de 16.500£, apresentando uma poupança estimada de 1.230£336 por ano. Os directores cedem a este requisito e, no início de 1970, já a construção da adega seguia a toda a velocidade: para além da necessidade imperiosa de ter a instalação concluída e operacional a tempo da vindima desse ano, o custo com equipamento, material e mão-de-obra registavam aumentos galopantes a cada mês que passava337. A urgência era tanta que os trabalhos de construção parecem ter-se iniciado antes ainda de estar aprovada em Inglaterra a verba para o seu financiamento, só desbloqueada no final de Janeiro338. Com a instalação de Lamego, a capacidade de armazenamento da firma aumentava para as 30.000 pipas totais, divididas da seguinte forma: 17.000 nos armazéns de Gaia, 9.000 nas instalações do Douro e, em média, 4.000 à guarda dos fornecedores da Cocburn’s339. Ainda assim, Trevor Heath não afastava a hipótese de um 333

ACB: Carta de A. M. McWatters a K. S. Showering, 12 de Dezembro de 1968; ACB: Carta de J. E. Hawkins a A. Filipe, 11 de Abril de 1969. 334 ACB: Carta de A. M. McWatters a J. H. Smithes, 22 de Abril de 1969. 335 ACB: Summary of Capital Expenditure, Year 1968/69, period 7 ending 12-4-69, 1969. 336 ACB: Carta de A. Filipe a J. E. Hawkins, 9 de Março de 1970. ACB: Capital Proposal nº 17/48, 22 de Julho de 1969. 337 ACB: Carta de J. H. Smithes a A. M. McWatters, 8 de Janeiro de 1970. 338 ACB: Carta de J. D. Gane a A. Filipe, 29 de Janeiro de 1970. 339 ACB: Carta de T. Heath a A. M. McWatters, 2 de Abril de 1970.

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esgotamento dessa capacidade no curto-prazo, apontando 1973 como o ano em que, caso as últimas previsões das vendas se confirmassem, a lotação máxima seria atingida. A real evolução das vendas nos anos seguintes acabaria por ficar bastante acima das previsões traçadas nesta altura: face à estimativa de um aumento anual nas vendas de 300 pipas, entre 1970 e 1974, nunca esse número ficaria abaixo das 500 pipas, tendo em conta só os vinhos exportados para abastecer as marcas Cockburn’s. Tal situação em 1970 deixava a empresa extremamente vulnerável a efeitos adversos do mercado340. Os avisos de Gaia não eram infundados, nem careciam de provas. Nos últimos anos, sobretudo com o aumento das vendas para Inglaterra, a empresa fora obrigada a uma apertada engenharia de stockagem para garantir o fornecimento contínuo dos vinhos a todas as marcas. Se esta condição se alcançara com relativo sucesso, não o fora senão à custa de uma séria degradação no carácter e qualidade dos lotes. O problema da escassez de vinho seria, assim, outro que Gaia teria em mãos ao longo deste período. Em Dezembro de 1969, o rácio de stocks para vendas da empresa atingira o limite de 3:1 (três pipas em stock para cada pipa vendida), o mínimo imposto pela lei do terço341. A reposição de vinho tornava-se difícil de assegurar. Em 1968, a produção vinícola nas adegas próprias da Cockburn’s fora de 7.200 pipas e em 1969 de 8.100 pipas342. Nesses dois anos as exportações totalizaram cerca de 6.500 e de 7.200 pipas, respectivamente (consultar Gráfico 4). A margem para comportar futuros aumentos das vendas era reduzida, mas de Inglaterra as directivas eram claras: «we shall have to keep close track of sales performances and production requirements and stock holdings when assessing the [capital] requirements or otherwise for further expansion in these directions»343. Gaia, naturalmente, tentava impedir que houvesse uma ruptura no abastecimento de vinho, ao mesmo tempo que se esforçava por cumprir o rácio de stocks legalmente imposto e, ainda, conter o aumento dos custos de produção, que iam esmagando as 340

O plano de investimento a 5 anos elaborado por Gaia em 1971 reflecte esta preocupação. Todos os anos é prevista uma necessidade de financiamento em instalações de armazenagem no valor de 10.000£ anuais, em média um terço do investimento realizado em cada ano. ACB: Projected Budget Forecast, 1971. 341 Esta lei obrigava as firmas exportadoras ao armazenamento de elevadas provisões de vinho, num volume que estaria directamente relacionado com as exportações anuais de cada empresa. Citando Conceição Andrade Martins, «os comerciantes não poderão exporter, vender ou ceder, por troca ou por empréstimo, em cada ano civil, uma quantidade de vinho superior a 1/3 da existência registada em seu nome no IVP e armazenada em Gaia ou no Douro em 31 de Dezembro do ano imediatamente anterior, incluindo os vinhos adquiridos na vindima (decreto de 21 de Outubro [de 1959])». MARTINS, Conceição Andrade — Memória do Vinho do Porto. Lisboa: ICS-UL, 1990, p. 417. 342 ACB: Visit to Oporto, A. M. McWatters, 11 de Dezembro de 1969. 343 ACB: Carta de A. M. McWatters a T. Heath, 7 de Abril de 1970.

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margens da empresa. Para sustentar este precário equilíbrio, o escritório portuense desdobrou-se em esforços para, como pedia Bristol, aproximar, o mais rápida e eficientemente possível, o aumento da capacidade de fornecimento de vinho à evolução das vendas da firma. As marcas de Tawnies velhos, em particular, foram as que mais sofreram com a situação de escassez. Estas exigiam lotes de vinho velho, praticamente inexistentes no mercado à altura: «the general impression [is] that the Port trade is unable to produce old wine — all existing stocks have either been sold or used for blending purposes»344. Gaia recebe de Inglaterra autorização para comprar no mercado todo o vinho velho que conseguisse encontrar345. A necessidade de assegurar fornecimento de vinho para estas marcas será tão premente que Bristol chegará a recorrer, nas suas instalações em Inglaterra (escapando assim ao controlo directo do IVP), a métodos menos convencionais para atenuar o problema. Entre eles, o “envelhecimento artificial” dos Tawnies346 e a mistura com vinho do Porto branco de diferentes idades347. Chegar-se-á, até, a sugerir a adição de “caramelo de uva” para aproximar o perfil dos vinhos mais jovens ao do Tawny. Em relação a esta prática, que Michael McWatters define como segura e «completely tasteless» (para mais, legalmente possível em Inglaterra348), Trevor Heath expressa uma profunda inquietação pelo impacto negativo que daí poderia advir para reputação da firma caso alguma fiscalização de controlo, em Portugal ou noutro país, viesse a detectar a substância349. No que toca a prioridades de abastecimento em situação de escassez, as marcas com primazia seriam, naturalmente, as mais vendidas e lucrativas: o Fine Old Ruby e, claro, o CSR350. Neste sentido, várias ordens seriam dadas para reforçar os stocks da marca premium. Em 1972, uma marca BOB da Allied Breweries, o Vintage Character, seria descontinuada por Bristol e os seus lotes reencaminhados para o CSR351. 344

ACB: Carta de T. Heath a A.M. McWatters, 5 de Janeiro de 1971. ACB: Minutes of an OMEX Meeting, J.E. Hawkins, 26 de Novembro de 1970. 346 ACB: Carta de A.M. McWatters a R.W. Goswell, 25 de Agosto de 1972. 347 As experiências com adição de Porto branco aos lotes da Fine Old Ruby e da Fine Old Tawny, e de vinho branco velho aos lotes da CSR e Hunting Port (este último em fase experimental) parecem ter tido resultados bastante encorajadores. Como o vinho branco era mais abundante no mercado, esta parece ter sido uma solução de recurso usada por Bristol durante o período de escassez de vinho. Não sabemos, porém, até que ponto seria usada. ACB: Carta de A.M. McWatters a D. Orr, 18 de Maio de 1973. 348 ACB: Carta de A. M. McWatters a T. Heath, 7 de Março de 1972. 349 ACB: Carta de T. Heath a A. M. McWatters, 20 de Março de 1972. 350 ACB: Carta de J. E. Hawkins a G. Davies, 25 de Maio de 1972. 351 ACB: Carta de A. M. McWatters a T. Heath, 6 de Novembro de 1972. 345

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Ocorreria ainda uma reorganização dos blends-padrão das marcas pela transferência de lotes para as gamas prioritárias, fossem estes de qualidade inferior ou superior às das marcas intervindas. Os Tawnies de topo, cuja expansão das vendas se tornara fisicamente impossível de assegurar, seriam racionados a um máximo anual de pipas (50 para a Harveys Directors’ Bin e 60 para a Martinez Directors’ Port). Por sua vez, o Fine Old Tawny (FOT) receberia os lotes dos Tawnies mais correntes e jovens, enquanto os lotes da FOT passariam a abastecer a Fine Old Ruby (FOR). Os vinhos desta última marca, por sua vez, seriam transferidos para o CSR352. Operações deste género teriam, naturalmente, repercussões visíveis no estilo dos diferentes vinhos. Mal a crise de stocks se fizera sentir já a firma recebia queixas relacionadas com a excessiva «fullness» dos seus Tawnies353. O CSR, por sua vez, acabaria por ficar inevitavelmente mais jovem em corpo e estilo354. O pior que poderia acontecer, tê-lo-ia dito o próprio Michael McWatters, seria a interrupção do fornecimento das marcas nas quais a empresa estaria a investir largas centenas de milhares de libras em promoção355. Mas Gaia temia que, inevitavelmente, tal viesse a ocorrer se não fossem tomadas medidas preventivas: «there could be a problem over the supply of CSR in the long term. It is possible that in the future production will decrease in high quality areas where the wine is produced»356. É neste cenário de apertada necessidade, tanto de instalações de vinificação e armazenagem como, principalmente, de stocks de vinho, que devemos entender as investigações, por duas vezes encetadas neste período, sobre a possibilidade de adquirir e integrar no Grupo uma terceira empresa exportadora de vinho do Porto. 352

ACB: Report on a visit to Cockburn Smithes & Cia, A. M. McWatters, 19 de Setembro de 1972. Vinhos que a empresa não teria tempo de envelhecer adequadamente, deixando-os muito próximos dos Rubies. ACB: Carta de W. Fletcher a G. Davies, 7 de Dezembro de 1970. 354 ACB: Carta de J. G. Guimaraens a A. M. McWatters, 3 de Janeiro de 1974. No relatório promocional de 1972 é-nos dito ser o vinho da CSR estagiado em madeira durante 6 anos. Em 1973 e 1974, porém, cai o número de anos e passa a ler-se, em vez, «um período» de maturação em madeira. Em relação a esta marca uma preocupação adicional é ainda levantada, que terá gerado algumas dores de cabeça ao departamento enológico de Gaia: a cor do vinho. A. M. McWatters considera-a um factor decisivo: «The psychology of wine tasting is very much influenced by colour factores and the need which all agreed upon in Oporto to emphasize robustness of fruit with smoothness on the palate». ACB: Carta de A. M. McWatters a T. Heath, 9 de Março de 1971. Os provadores do IVP, por sua vez, irão considerar que o vinho desta gama, para ostentar a denominação Special Reserve, deverá mostrar um perfil e uma cor menos jovem, mais amadeirado: «We have a further problem here, at this moment, in that we want to keep this wine as young, fruity and dark as possible, whereas the Instituto panel of tasters have turned it tdown this week, as they state it to be too young to bear such a distinguished name as ‘Special Reserve’. In their opinion this makes it of insufficient quality. Unfortunately they frequently make this mistake of confusing age with quality». Carta de J. H. Smithes a F. E. Showering, 25 de Março de 1971 355 ACB: Carta de A. M. McWatters a T. Heath, 28 de Maio de 1971. 356 ACB: Carta de J. E. Hawkins a G. Davies, 25 de Maio de 1972. 353

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Em Maio de 1968, seria ponderada a compra das firmas Graham’s e Smith & Woodhouse. John Smithes avaliara a informação financeira da empresa e julgava-a em falência técnica. O mais apetecível nesta operação seria o encaixe de 3.500 pipas de vinho em stock, bem como os armazéns da firma em Gaia e a Quinta dos Malvedos no Douro. O activo da firma estaria avaliado (sub-avaliado, escreve John Smithes) em 423.500£357. A segunda demonstração de interesse, mais profundamente estudada, recaiu sobre a A. J. da Silva, dona da Quinta do Noval e com uma participação no capital da Osborne. Soubera-se em Março de 1971 que a família Van Zeller, proprietária da firma, estaria disposta a vender as suas participações sociais. Seriam, novamente, os armazéns e stocks de vinhos velhos a principal motivação para avançar com o estudo da possibilidade de aquisição358. Nenhuma das duas intenções seria prosseguida. Desconhecemos as causas que terão levado o escritório portuense a abandoná-las, mas é provável que em Inglaterra a ideia de um novo takeover não tenha sido acolhida com particular entusiasmo. Em 1971, depois de um longo período de gestão apertada, a Cockburn’s voltava a investir no Douro. As vendas do CSR em Inglaterra corriam a bom ritmo e, aparentemente, já convencidos dessa tendência (provavelmente fruto da boa prestação de mais uma época natalícia), os directores da Showerings vão, ao longo da primeira metade desse ano, aprovar vários projectos e obras reclamadas por Gaia. Entre eles está o apetrechamento técnico da adega de Foz Côa, a construção de reservatórios-balão para armazenamento e, sobretudo, a expansão das três adegas da firma, Cadima, Foz Coa e Lamego, para uma produção adicional de 1.320 pipas por ano (18.000£ só neste projecto). Trevor Heath mostrava-se expressivamente satisfeito com a mudança de atitude perante o investimento em Portugal: «we are delighted that the proposal has been aproved [refere-se, em particular, à expansão das três adegas] (…). I must say all this is terribly exciting!»359. Em Novembro de 1971, a propósito da visita de Glyn Davies a Portugal, surge, pela primeira vez, a proposta de plantação de uma vinha própria (até então só em Val Coelho e Pescoça a firma era proprietária de pequenas parcelas de vinha). Lê-se no resumo da visita de Davies ao Douro: «Many circumstances pointed to the good sense of evaluating the economics of vineyard ownership, of some 100 acres in extent, in the Upper Douro region, where cultivation would be capable of mechanical methods. The 357

ACB: Carta de J. H. Smithes a K. S. Showerings, 23 de Maio de 1968. ACB: Carta de T. Heath a G. Davies, 11 de Março de 1971. 359 ACB: Carta de T. Heath a A. M. McWatters, 5 de Janeiro de 1971. 358

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forecast for Cockburns Special Reserve sales gave this special point. Portugal [is] to conduct feasibility study fortwith»360. Assim o fez John Smithes, elaborando um diagnóstico detalhado dos principais problemas sócio-económicos da região demarcada361. Também Michael McWatters via com bons olhos a possibilidade de adquirir uma vinha com capacidade de produzir, de forma rentável, vinho de alta qualidade para abastecer as vendas do CSR: «what is really in our minds is the likely wisdom of securing an acreage in a good area of the Douro, capable at least of semi automatic methods of cultivation and which would underwrite at least a substantial proportion of our probably future needs for Cockburns Special Reserve. This presuming that at least an adequate return on capital investment could be obtained»362. O problema ficaria em parte resolvido com a compra da Quinta da Chousa — a propriedade referida no relatório de J. H. Smithes sobre a plantação de uma vinha no Douro — no início de 1973. Este vinhedo seria capaz de produzir anualmente 160 pipas de vinho de qualidade superior, passível de ser declarado Vintage. Teria potencial, ainda, para satisfazer as pretenções de public relations dos directores de Gaia que, desta forma, poderiam apresentá-la como «the Special Reserve vineyard»363. Quando John Smithes visitar a quinta em Setembro desse ano, irá considerá-la «a splendid acquisition», e logo escreverá a Bristol sugerindo que inclua nos seus planos a aquisição de outras propriedades adjacentes à quinta364. Nos anos de 1972 e 1973, não será já a falta de espaço da armazenagem, mas a escassez de vinho no mercado o problema que colocará o sector em estado de alerta. Esperava-se que a vindima deste último ano viesse repor os perigosamente baixos níveis de stocks das firmas, depois de uma temporada de maus anos vinícolas — Trevor Hearth classificou-os da seguinte forma: «1969 (poor), 1971 (terrible), 1972 (below average)»365. Em meados de 1972, John Smithes informa Bristol estarem virtualmente esgotados os stocks para acautelar a expansão das vendas das principais marcas («not even for FOR»), excepto, pelo menos no imediato, para o CSR , a prioridade número um em todos os departamentos. Lembrava ainda a necessidade de reservar de lotes para o lançamento da segunda marca premium da Cockburn’s, o Hunting Port. Como dissemos, marca não chegará a ser efectivamente lançada por, nestes anos, segundo 360

ACB: Memorandum following visit to Portugal, Glyn Davies, 2 de Novembro de 1971. ACB: Planting a Vineyard in the Douro, J. H. Smithes, 5 de Março de 1972, (em anexo). 362 ACB: Carta de A. M. McWatters a J. H. Smithes, 7 de Março de 1972. 363 ACB: Telex de A. Filipe a G. Davies, 26 de Janeiro de 1973. 364 ACB: Report by J. H. Smithes on a recent visit to Portugal, J. H. Smithes, Maio 1973. 365 ACB: Carta de T. Heath a G. Davies, 11 de Abril de 1973. 361

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cremos, se ter recorrido a tais lotes para suprir falhas de aprovisionamento de vinho, como as registadas em 1969 ou em 1971366. Em 1973, uma nova emergência assalta a Cockburn’s e, de forma geral, todo o sector comercial em Gaia: a especulação no preço do vinho. O mercado exigia, desde há largos anos, um preço continuamente crescente para o vinho e para as uvas produzidas no Douro; mas neste ano chegava-se a valores incomportáveis. António Filipe estimou, por altura da vindima, que o aumento dos preços seria de 50% em relação ao ano anterior. As empresas exportadoras estavam inquietas com a situação. Filipe diria aos representantes do FFE: «the escalation of prices and the continued intervention of speculators — even the Co-operatives have stepped outside their traditional role in order to speculate too — is causing considerable nervousness throughout Gaia»367. Perante este cenário, a Cockburn’s decide estabelecer contactos com as principais firmas inglesas no Comércio — a Sandeman, os Symington e a Croft — para que se promovesse à compra conjunta de vinho, diminuindo o poder negocial dos especuladores368: «I made clear [to Bristol] our intentions of joining forces with other major shippers to oppose a solid attitude to the maneuvers of speculators and the apparent neutrality of the authorities»369. António Filipe sugeria que fosse o Grémio a avançar com esforços para a concretização desta frende de ataque do Comércio370. As oportunidades criadas para aproveitamento dos especuladores eram denunciadas por Michael Symington. Fruto dos excepcionais bons anos de vendas de 1971 e 1972, os exportadores haviam feito uso dos seus stocks de vinho muito para além do rácio 3:1 imposto pela lei do terço. A situação era comum aos maiores exportadores nestes anos, o que fazia diminuir o poder negocial do Comércio e aumentar a inelasticidade da procura de vinho pelo sector exportador: «because there 366

ACB: Carta de J.H. Smithes a A. M. McWatters, 2 de Maio de 1972. ACB: Report on Visit to Portugal, M. Jackaman, 20 de Setembro de 1973. 368 ACB: Notes taken during final meeting with Glyn Davies and John Mostyn, J. K. Burnett, 17 de Janeiro de 1974. 369 Em relação à passividade dos organismos oficiais, referindo-se, particularmente, aos responsáveis do FFE, António Filipe explicaria a Michael Jackaman: «the officials of the Fundo benefit by speculation because this leads to an increase in the export sales value of port. This process assists their prospects of promotion and eventually assures them a good future as bureaucrats or bank presidents!». ACB: Report on Visit to Portugal, M. Jackaman, 20 de Setembro de 1973. Maria Teresa Moura seria, de facto, destacada em 1975 para a Direcção Geral do Comércio Externo. ACB: Telex de M. T. Moura a A. Filipe, 1975. 370 A tarefa de combinar as compras de vinho com as outras firmas esperava-se uma bastante difícil, com o surgimento de «conflicts of interests amongst major shippers and the effects of very special situation in relation to “those particular grapes from that particular farmer in that special areas”». Numa grave crise como aquela, os esforços gerais não podiam ser debilitados por tais particularidades, defendia Filipe. ACB: Carta de A. Filipe a G. Davies, 31 de Janeiro de 1974. 367

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seemed to be such a boom in port, speculation appeared in the Douro. It has been a cause of profound worry to us. The element of speculation was as if gold had been suddenly found in the hills. The Douro farmers did realize last year [1972] that there was a shortage of wine and got higher prices but a great deal of the upsurge in price last autumn went not to the farmer but to the speculators». Os meios financeiros postos à disposição dos especuladores pareciam vir quer do maior volume das remessas dos emigrantes, quer de uma maior facilidade de obtenção de crédito, revelada pelo súbito interesse dos bancos na região vinhateira371. Em 1974 este efeito seria parcialmente suspenso por via de um abundante ano vinícola e, ainda, fruto da instabilidade no sector corporativo criada pela Revolução do 25 de Abril. Se ao longo de toda a década de sessenta, com a escalada contínua do preço do trabalho e do vinho, os exportadores foram forçados a procurar no Douro, pelos seus próprios recursos, formas alternativas de garantir um fornecimento sustentável e competitivo de vinho, com este grave episódio especulativo, a ocorrer precisamente no ponto áureo do tão aguardado boom nas exportações, terá caído por terra qualquer dúvida que ainda pudesse existir no sector comercial de Gaia sobre a necessidade urgente de investir na região demarcada. Bristol, em particular, parecia plenamente convencida. No mesmo ano em que a Quinta da Chousa é adquirida pela Cockburn’s, surge no escritório inglês uma nova proposta de expansão no Douro. Em Agosto de 1973 é aprovado o mais avultado investimento realizado pela firma em Portugal desde o início da década de sessenta. O projecto da Quinta de Santa Maria, em Godim, Régua, realizado em duas fases, previa a construção de adegas e centrais de vinificação, armazéns e a reabilitação de um edifício para escritórios372. Na primeira fase, com um custo estimado de 109.800£, incluía-se a compra dos terrenos e a construção de um armazém que faria aumentar a capacidade da firma em 5.000 pipas, um sexto do total em 1973373. A adega só seria totalmente concluída em 1977. Nesta altura, será considerada «the largest [project] to have been undertaken by any port shipper for many years», onde a empresa terá investido cerca de três vezes o montante inicialmente calculado374.

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«Port — the Problem of Meeting Demand». (este artigo terá sido provavelmente publicado na Wine & Spirit Magazine, mas infelizmente não o conseguimos apurar com toda a certeza), Colin Parnell, 1973 (em anexo). 372 ACB: Capital Proposal Decision, R. P. Crew a A. Filipe, 18 de Setembro de 1973. 373 ACB: Carta de A. Filipe a J. N. Mostyn, 22 de Agosto de 1973. 374 ACB: Capital Expenditure Budget Aplication, A. Vasconcellos, 2 de Maio de 1976.

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Com a conclusão da segunda fase da obra, a instalação permitia à empresa o aumento da sua capacidade de armazenamento em 11.000 pipas. À data da sua inauguração, contou com a visita de tão ilustres personalidades como o Secretário de Estado do Comercio Externo, o Presidente do IVP e o então Ministro da Agricultura, António Barreto que, sob o olhar (certamente orgulhoso) da cessante e da nova geração de directores da Cockburn Smithes — personalizadas nas figuras de John Henry Smithes e de António Filipe, já enquanto director executivo do escritório do Porto — abriria uma nova e próspera fase de expansão da Cockburn’s na região demarcada do Douro375.

Figura 2. Dispersão geográfica e data de construção das instalações da Cockburn’s na região demarcada do Douro.

375

«Cockburn’s new plant at Régua». Harper’s Magazine, 25 de Novembro de 1977 (em anexo).

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CONCLUSÃO

Nestas páginas finais, optaremos por não traçar generalizações a partir da investigação que realizámos ao arquivo da Cockburn Smithes. Parece-nos arriscado fazê-lo. Trata-se, antes de tudo, de um estudo de caso. E, em última análise, o único elemento que influenciou transversalmente a empresa em todos os seus departamentos e projectos foi o comportamento do mercado. É a sua apatia que dita a suspensão dos processos de modernização e expansão no Douro, que acentua a conflitualidade entre os escritórios de Gaia e Bristol, que fomenta a investigação de novas formas de vender. Pelo contrário, é o seu dinamismo que torna justificáveis avultados investimentos em Portugal, que gera o lançamento de novas marcas, que promove a proximidade entre equipas da mesma estrutura organizativa. Mais rigorosamente, é através da sempre ambígua sinalização veiculada pelo mercado que se vão testando e corrigindo políticas comerciais, linhas de acção e estratégias. Não sendo uma entidade dotada de vontade própria, o mercado é, antes, a livre e largamente desarticulada concorrência de interesses e vontades particulares. A sua soma não pode ser entendida, ao longo do tempo, como determinada ou, sequer, coerente. De tal realidade só poderemos relevar tendências mais ou menos fortes e os mecanismos pelos quais operam, influenciando em grau e sentido variáveis o comportamento dos agentes que interagem no seu domínio. São preocupações de rigor e cuidadosa análise aquelas que devem pautar o estudo das variáveis económicas de determinado produto, mercado ou sociedade376. Feita a ressalva, não deixaremos, contudo, de apontar algumas dessas tendências que nos parecem ser fortemente corroboradas pela investigação empírica. Desde logo, a intervenção positiva que os conglomerados empresariais tiveram no aumento da capacidade de promoção das vendas e distribuição dos vinhos da Cockburn’s, bem como na afectação de recursos de capital a grandes investimentos nas instalações portuguesas. Em relação ao processo de expansão e modernização no Douro, este nunca foi tido por Inglaterra como incontornável. Antes, decorreria ao ritmo da evolução das vendas, prosseguindo quando estas aumentassem, parando quando estagnassem. De igual modo, também as campanhas televisivas parece só terem avançado (pelo menos naqueles anos iniciais) devido ao subsídio facilitado ao sector exportador 376

Para uma apresentação crítica ao enquadramento filosófico aplicado ao estudo dos fenómenos económicos, consultar: RAMIRES, Pedro Miguel de Sá — Ontologia e Metodologia: O Pensamento de Tony Lawson. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2013 [dissertação de mestrado].

115

pelo FFE. Quando o incentivo é suspenso em 1975, também as campanhas publicitárias são cortadas. Não cremos, aliás, que seja abusivo apontar este como um dos mais importantes factores que terão contribuído para a desaceleração das vendas entre 1974 e 1976. Mais forte é a influência que a Harveys of Bristol terá tido na criação da marca Special Reserve, modelada a partir do Harveys Bristol Cream, o vinho do Xerez premium daquele grupo. Logo em 1964, surgem sinais da intenção de Bristol de delinear uma estratégia de marketing para a firma portuguesa. A fraca prestação das vendas irá remeter esta proposta ao esquecimento, até que, em 1968, aproveitando o súbito interesse do mercado inglês nos vinhos da Cockburn’s, Michael Jackaman elabora um relatório onde se esboça o desenho promocional do Cockburn’s Special Reserve. Assegurando o contínuo fornecimento do vinho para a marca, Gaia teve, por sua vez, um papel fundamental na apertada gestão dos stocks, em condições a cuja gravidade Bristol não parecia ser sensível. Relacionando-se com este ponto, a expansão da capacidade de vinificação no Douro era já uma prioridade no início da década de sessenta, ao longo de todo o mandato de Reginald Cobb. A sua prossecução esteve directamente relacionada com a precária situação sócio-económica que se vivia na região demarcada. Não obstante a empresa ter por fornecedores um elevado número de viticultores, a todos eram comuns os problemas que roíam a viabilidade económica do tradicional modelo de produção de vinho. Nesta fase não assistiremos (como hoje é comum entre as grandes firmas exportadoras) à compra e plantação de vinhedos para produção própria, apesar dos passos que se deram nesse sentido. Os recursos financeiros desbloqueados por Inglaterra seriam aplicados na construção de adegas e centrais de vinificação para, a partir das uvas dos viticultores, conseguir um maior controlo sobre a qualidade e, simultaneamente, por processos mecanizados, aumentar o volume de vinho produzido. Com o redireccionamento das vendas da firma para vinhos de alta qualidade como o Special Reserve, as preocupações com a qualidade e consistência dos lotes tornaram-se particularmente relevantes. Finalmente, parece ser indubitável o papel que o CSR teve na afirmação da Cockburn’s como líder do mercado inglês de vinho do Porto. Este efeito tem de ser estudado num período mais lato que aquele coberto por esta investigação. É, pois, durante o remanescente da década de setenta e ao longo dos anos oitenta, que o Cockburn’s Special Reserve retomará a sua escalada ascendente até à posição de marca de vinho do Porto mais vendida em Inglaterra. Se tivermos em conta que, ao invés do que aconteceu na primeira metade da década de setenta, o mercado inglês voltará, nos 116

anos seguintes, a ver declinar o consumo de vinho do Porto até valores registados duas décadas antes, a evolução da marca torna-se ainda mais extraordinária377. O Special Reserve terá crescido nestes anos à custa da margem de mercado das suas concorrentes. Entretanto, no Douro, a Cockburn’s continuaria a sua expansão viviícola, no sentido de assegurar o ininterrupto abastecimento das exportações. Ao longo dos anos, continuaria, ainda, o processo de concentração internacional dos conglomerados que envolveram a empresa portuguesa. Na década de oitenta a Allied Breweries será reformulada, emergindo como Allied Lyons e depois como Allied Domecq. A sua teia empresarial será finalmente desfeita em 2005 e as marcas que dela faziam parte repartidas entre o grupo americano Fortune Brands e o grupo francês Pernord Ricard378. Em 2006, a Symington Family Estates adquire as vinhas e adegas da Cockburn Smithes. Quatro anos mais tarde, irá igualmente negociar com a Jim Beam (para quem produzia os vinhos Cockburn’s, vendidos com este rótulo por aquela empresa do grupo Fortune Brands) a compra do seu activo mais importante: a marca379. O nome, as instalações e os vinhos da Cockburn’s voltavam, em 2010, a ser geridos inteiramente a partir do Porto, quase meio século depois do primeiro takeover movido sobre a empresa.

377

MARTINS, Conceição Andrade — Memória do Vinho do Porto. Lisboa: ICS-UL, 1990, p. 223-224. «£7.4bn takeover for Allied Domecq». The Guardian [edição online]21 de Abril de 2005. Disponível on-line em: . Consulta realizada em 01.09.2013. 379 «Vinhos: Symington compra Cockburn's ao grupo Beam Global». Expresso [edição online], 16 de Dezembro de 2010. Disponível on-line em: . Consulta realizada em 01.09.2013. 378

117

FONTES E BIBLIOGRAFIA

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119

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online],

16

de Dezembro

de 2010.

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. Consulta realizada em 01.09.2013.

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122

APÊNDICE DOCUMENTAL

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Índice do Apêndice Documental

Documento 1: «Firma Cockburn, Smithes & C.ª, está a comemorar cento e cinquenta anos da sua fundação», 1965 Documento 2: «Cadima: a modern winery in the Alto Douro», 1967

125 131

Documento 3: «Sales and Marketing Comitee: The Promotion of Cockburns port in 1968/69», 1968 Documento 4: «Hard selling woos drinkers to port and sherry», 1968 Documento 5: «Recomendações e Conclusões do estudo A.D.L.», 1971

134 138 141

Documento 6: «Enjoy Cockburn’s Special Reserve… a great new kind of after-dinner drink», 1972 Documento 7: «As fashionable as Victoriana», 1972 Documento 8: « Planting a vineyard in the Douro», 1972 Documento 9: « Port — problem of meeting demand», 1973

148 150 153 157

Documento 10: «Relatório de J. K. Burnett sobre as propriedades da Cockburn’s no Douro e relação com os viticultores», 1973 Documento 11: «Scramble for wine in the Douro as prices rocket», 1973 Documento 12: «Port ‘unaffected’ by upheaval», 1975 Documento 13: «Cockburns new plant at Régua», 1977

160 165 168 170

124

Documento 1: Artigo publicado no jornal O Comércio do Porto, a propósito da comemoração do 150.º aniversário da Cockburn’s, 1965: FIRMA COCKBURN, SMITHES & C.ª, ESTÁ A COMEMORAR CENTO E CINQUENTA ANOS DA SUA FUNDAÇÃO380 e a viver um dos períodos mais gloriosos da sua vida inteiramente dedicada à expansão e prestígio do Vinho do Porto A prestigiosa firma Cockburn, Smithes & C.ª Ltd., uma das mais antigas casas exportadoras de Vinho do Porto, está a comemorar o centésimo quinquagésimo aniversário da sua fundação, num período que coincide com uma maior expansão dos seus qualificados produtos e, ao mesmo tempo, com a ampliação das suas vastas instalações e a aquisição de maquinaria cada vez mais moderna e revolucionária. Os seus vinhos, reputados em todo o Mundo, criaram-lhe um lugar impar, quer no mercado interno, quer, especialmente, no difícil e exigente mercado britânico que, há século e meio, consome o Vinho do Porto saído dos seus famosos armazéns. A fim de iniciar as comemorações do 150º aniversário da sua fundação, aquela firma ofereceu, ontem, de manhã, uma recepção íntima, nos seus armazéns, a todos os lavradores, distribuidores locais e amigos, bem como aos directores dos principais organismos oficiais, ligados ao Vinho do Porto. Entre os convidados, viam-se alguns dos nomes mais ilustres de produtores durienses, representantes das casas que, há século e meio, entregam a sua produção à firma Cockburn Smithes & C.º, Ltd. como os srs. almirante Sarmento Rodrigues, conselheiro dr. Joaquim Trigo de Negreiros, D. Maria Isabel Guerra Junqueiro, Manuel Menéres, dr. José Maria Aguilar, dr. José Augusto Aguilar, rev. Ramires Veiga, etc.; e representantes dos principais organismos oficiais, como os srs. Armando da Silva e Horácio de Oliveira, presidente e secretário geral, respectivamente do Grémio dos Exportadores do Vinho do Porto; dr. José Ribeiro Pereira, director do Instituto do Vinho do Porto, em representação do sr. eng. João de Brito e Cunha; dr. Alberto António Monteiro, director da F.N.A.T.; representante da Casa do Douro; Brian Mac Dermot, cônsul geral da Grã-Bretanha, nesta cidade, e muitas outras individualidades, entre as quais muitas senhoras. Os convidados foram recebidos com requintes de gentileza pelos srs. Reginald Cobb, O.E.B., John Smithes e Trevor Heath, administradores; Alberto Rola, comissário da firma; dr. José Paulo Ribeiro da Silva, chefe da contabilidade; Luís de Oliveira, chefe 380

Publicado no jornal O Comércio do Porto, 23 de Junho de 1965.

125

dos serviços comerciais e das «Public Relations»; e dr. Fernando Furriel, director clínico do posto médico da firma. A visita às modelares instalações Cerca das 12 horas, iniciou-se uma visita às modelares instalações da firma, e que principiou pela secção de tanoaria, onde todos os presentes assistiram à curiosa operação de «vergar cascos», seguindo-se as visitas às secções de armazenagem e secagem da madeira de carvalho, dos contentores, especialmente fabricados em ácido inoxidável381 e de uma grande leveza, para neles ser exportado o Vinho do Porto, tendo cada um deles a capacidade de cinco pipas; de tratamento de vinhos pelo frio, de modo a dar maior estabilidade aos vinhos e evitar que se turvem, métodos que aquela prestigiosa firma generalizou entre nós, podendo apreciar-se nessa secção aparelhagem e maquinaria muito modernas, como o centrifugador de borras; os armazéns de retém, com centenas de cascos e cubas de todas as capacidades e dos melhores materiais; e, por fim, as famosas garrafeiras, com a capacidade de lotação praticamente esgotada, pelo que vai ser construída outra, de vasta capacidade, num dos armazéns recentemente adquiridos pela Cockburn Smithes & C.º, Ltd. testemunho significativo do seu progresso e do enorme prestigio que goza nos mercados internos e estrangeiros. Finda a demorada visita, que foi seguida com o mais vivo interesse, efectuou-se, na Secção de Engarrafamentos, um almoço volante, oferecido em honra dos convidados. A vasta sala, improvisada com bom gosto para tal fim, estava decorada com a bandeira da firma, ladeada pelas bandeiras nacionais de Portugal e da Grã-Bretanaha, vendo-se, ainda, afixadas, as fotografias dos fundadores da firma e outras recordações. O almoço foi um pretexto para se estreitarem ainda mais os laços de mútua consideração e amizade que existem entre os administradores da firma e produtores, distribuidores e amigos que com ela vêm mantendo, ao longo da sua existência, as mais correctas relações comerciais. O agradecimento do sr. Reginald Cobb Em nome da firma Cockburn, Smithes & C.º, Ld.ª falou o sr. Reginald Cobb, O.E.B., que começou por declarar: — Uma ocasião como esta, 150 anos de existência duma casa comercial, talvez merecesse um acto mais solene e de maior projecção, mas como, durante quase toda a sua existência, esta casa foi sempre um conjunto de três ou quatro famílias que sempre

381

Gralha: aço inoxidável.

126

trabalharam como se fosse uma só família, resolvemos dar a esta pequena festa uma feição mais íntima No entanto, não quisemos deixar de ter presentes, entre nós, os representantes dos organismos oficiais directamente ligados ao Vinho do Porto, nomeadamente a Federação dos Vinicultores, conhecida pelo nome de Casa do Douro, o nosso Grémio dos Exportadores e, também, o Instituto do Vinho do Porto, que é como que a cúpula da Organização do Vinho do Porto. Muito nos honra a presença destes ilustres senhores com quem sempre temos procurado manter a mais estreita cooperação e de quem sempre temos recebido as mais cativantes atenções. Esta pequena festa será a primeira de uma série que no decorrer deste ano abrangerá todos os que trabalham connosco, tanto aqui, em Gaia, como no Douro. O carácter íntimo que pretendemos dar a esta recepção filia-se, ainda, noutras razões que não são menos importantes para nós. Uma, é o facto de, nas nossas relações com o Douro, termos tido sempre relações de amizade, além das relações de comércio, com os nossos amigos os lavradores dessa região. Muitas dessas relações datam de tempos remotos e vieram-se alicerçando cada vez mais; outras, por razões várias, foram-se esfumando na poeira dos tempos. Nos primeiros tempos desde 1815, a firma não tinha armazéns em Gaia visto que, como era então prática corrente, os sócios londrinos vinham a Portugal comprar os vinhos que lhes agradavam e faziam exportá-los para os destinos que lhes convinham. Com o andar dos tempos, veio a reconhecer-se que não era o processo mais conveniente. Assim em 1847, a firma resolveu instalar-se em Portugal e foi nesse ano que veio para cá o sr. John Smithes, avô do nosso actual sócio do mesmo nome, nome que, por ser hoje tão conhecido no Douro, embora estropiado, dá motivo a que a nossa casa seja conhecida por «Casa Smithes» As amistosas e correctas relações entra a firma e os lavradores durienses Prosseguindo, o orador recordou: — Pouco depois desta data, começaram as relações tão estreitas com os lavradores da região Duriense a que atrás me referi, muitas das quais perduraram até hoje. Entre essas, das mais antigas, permitam-me que cite as que nos ligam à conhecidíssima família transmontana e freixense dos Guerra Junqueiro que temos o grato prazer de ver hoje aqui representada na pessoa ilustre da sr.ª D. Maria Isabel Guerra Junqueiro de Mesquita Carvalho.

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As nossas relações com algumas famílias do concelho de Carrazeda de Anciães, entre as quais a família Trigo, datam mais ou menos da mesma época, mas, infelizmente não pude encontrar referências concretas nos nossos arquivos que, nessa altura, não eram, evidentemente, acarinhados pelos processos modernos de hoje. Seja como for, desde então para cá temos tido relações inúmeras com lavradores do mais Alto Douro até Barqueiros e suponho que aqui, hoje, não há nenhuma zona da região que não esteja representada. É assim que se faz bom vinho do Porto. No entanto, para vender o produto é preciso não só quem o produza mas também quem o comercialize e distribua. Para isso, temos tido sempre a colaboração da nossa Casa de Londres, que se ocupa da colocação dos nossos produtos nos mercados estrangeiros e com quem sempre trabalhamos na maior harmonia e numa base de absoluta e mútua confiança. Quanto a nós, aqui em Gaia, temos a responsabilidade do mercado nacional que, hoje, como V. Exas. certamente não ignoram, ocupa o terceiro lugar entre os mercados consumidores e sendo o primeiro no consumo per capita. Há uma dezena de anos isto não seria de acreditar, mas hoje é um facto comprovado pelas estatísticas oficiais. «A nossa presença no mercado é já muito marcante» E, depois, declarou: — Como disse, este mercado é da nossa responsabilidade e quero, hoje, afirmar que, embora não estejamos no primeiro lugar, por enquanto, a nossa presença no mercado é já muito marcante. E porquê? A principal razão é, evidentemente, a excelência dos nossos produtos! Sem a qualidade nada feito. Mas, depois disto, estamos nas mãos dos nossos distribuidores e, neste particular, também temos sido felizes. Há relativamente poucos anos que nos dedicamos ao mercado nacional, mas, desde a primeira hora, sempre tivemos sorte de encontrar nos nossos representantes uma perfeita compreensão das nossas finalidades. Se isto se tem verificado em relação aos nossos representantes dos grandes centros de Lisboa e do Porto, também, embora em escala diferente, se tem verificado em relação aos outros distritos. Os progressos vão sendo animadores. Quero, portanto, agradecer a todos, tanto aos produtores do apreciado néctar como aos que o distribuem pronto para ser bebido, a vossa presença e a vossa colaboração tão leal e amiga. E gostaria ainda de englobar neste agradecimento aqueles amigos que em actividades diversas, sempre nos têm distinguido com inequívocas

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provas de consideração e amizade que transcendem os acanhados limites do estritamente comercial. O sr. Armando Silva, presidente da direcção do Grémio dos Exportadores de Vinho do Porto brindou pelas prosperidades da firma Cockburn, Smithes & C.º, Ltd. Findas as manifestações de simpatia com que os presentes envolveram os administradores da firma, usou da palavra o sr. Armando Silva, presidente da direcção do Grémio dos Exportadores do Vinho do Porto, que depois de agradecer o honroso convite dirigido ao organismo que preside, e as palavras de simpatia e de reconhecimento pela acção desenvolvida pelo Grémio, felicitou a firma pelo seu aniversário, afirmando que ela tem sabido honrar e prestigiar, através da sua existência, a qualidade do Vinho do Porto. Fez diversas considerações sobre as relações comércio-lavoura, manifestando o mais profundo desejo de que elas sejam cada vez melhores, para se poder vencer todas as ameaças que o precioso produto venha a enfrentar, e referiu-se à valiosa acção levada a cabo pelo Grémio, em íntima colaboração com o Insituto do Vinho do Porto, para a mais larga difusão do Vinho do Porto no estrangeiro e no País, tendo palavras do maior louvor para o sr. Horácio de Oliveira cujas qualidades morais e profissionais mais exaltou, afirmando que a economia nacional muito deve à sua constante actividade. Depois de revelar que o consumo nacional do Vinho do Porto deve exceder, este ano, sessenta por cento o do ano findo, enalteceu as figuras dos srs. eng. João de Brito e Cunha e dr. Ribeiro Pereira e concluiu, desejando as maiores felicidades e prosperidades à firma Cockburn Smithes & C.º, Ld.ª, felicitando-a por tudo aquilo que ela tem feito sempre para prestigiar o Vinho do Porto. Terminadas as prolongadas salvas de palmas com que os presentes sublinharam o discurso do sr. Armando Silva, a sr.ª D. Maria Isabel Guerra Junqueiro fez uma breve saudação ao sr. Reginald Cobb, agradecendo-lhe, e em nome de Freixo de Espada à Cinta, de seu avô José António Junqueiro, o mais antigo lavrador a negociar com a firma Cockburn, e de seu pai, o grande poeta Guerra Junqueiro, brindou pelas prosperidades e felicidades da firma em festa. Seguidamente, usou da palavra o sr. dr. José Ribeiro Pereira que justificou a ausência do sr. eng. Brito e Cunha382 agradecendo as palavras elogiosas que ali 382

O engenheiro João de Brito e Cunha presidiu ao IVP entre 1960 e 1968 (com um interregno entre 1962 a 1964, altura em que ocupou o cargo de Governador Civil do Porto) e teve como seus adjuntos Américo Pedrosa Pires de Lima e Alberto Ferreira da Sliva. PEIXOTO, Fernando Aníbal Costa — Do

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acabavam de ser proferidas a seu respeito, à sua acção e à actividade do Instituto do Vinho do Porto. Exaltou as virtudes do sr. Reginald Cobb, afirmando que ele era um dos grandes e prestigiosos divulgadores das qualidades do Vinho do Porto, terminando por manifestar a sua profunda fé no futuro do Vinho do Porto e por levantar o seu copo pelas prosperidades da fima Cockburn’s, pelo Douro e pelo Comércio do Vinho do Porto. A saudação do sr. Conselheiro dr. Joaquim Trigo de Negreiros Falou, a seguir, a encerrar a série de discursos, e quando terminaram os aplausos dispensados às palavras do orador antecedente, o sr. Conselheiro dr. Joaquim Trigo de Negreiros que começou por declarar: — O sr. Reginald Cobb teve a extrema gentileza de associar à ilustre família Guerra Junqueiro a família Trigo que, há mais de um século, vende vinho à firma Cockburn e que os cento e cinquenta anos que se vão seguir na vida desta prestigiosa firma sejam passados sob o signo da lealdade, da correcção e da compreensão com que sempre tem tratado os seus negócios. Uma calorosa e prolongada salva de palmas interrompeu as palavras do orador que depois, prosseguiu: — É da sabedoria dos lavradores que às árvores sem raízes qualquer vento as derruba, mas as árvores que mergulham as suas raízes nas mais nobres tradições do comércio estão condenadas a prosseguir a sua existência através dos séculos. Fez, depois, diversas considerações sobre as relações entre lavoura e o comércio do Vinho do Porto, revelando que a lavoura terá que tomar o seu lugar neste grande acontecimento que é o 150º aniversário da Casa Cockburn, comemorando-o e festejando-o num acto público, a fim de se mostrar que lavradores, comerciantes e a firma Cockburn são uma grande família. E concluiu entre calorosos e vibrantes aplausos: — Bebo pelas prosperidades da firma Cockburn Smithes & C.º, Lda, pelo Vinho do Porto e, por conseguinte, pelo progresso da economia nacional.

Corporativismo ao Modelo Interprofissional. O Instituto do Vinho do Porto e a evolução do sector do Vinho do Porto (1933-1975). Porto: CITCEM e Edições Afrontamento, 2011, p. 315; nº 289 dos Cadernos mensais de estatística e informação do IVP. Porto: IVP, Janeiro de 1965.

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Documento 2: Texto de John Henry Smithes sobre a adega de Cadima, a propósito do lançamento de um vinho da empresa com o mesmo nome, 1967: CADIMA: A MODERN WINERY IN THE ALTO DOURO383 The Church in the past has very often played a part in wine and liqueur making and the owner and, we think, builder of the original Cadima lodge and “lagars” in the Freixo area was the then Abade (Abbot) of the Village of Mós, which is just across the river. It was built in the year 1887 almost certainly with a view to making wine for Cockburn Smithes & Co. as we were already buying in the area, though we had no property of our own there at that time. Unfortunately, we cannot find any older information than our first existing Vintage list which is for the year 1896 when we made in the area a total of 923 Pipes under four different names of which our Abbot was the smallest with a total of 44 Pipes. In 1899 he made for us 70 Pipes out of a total of 996. This was probably our biggest Vintage in this area, until Cadima was rebuilt in 1963 as a modern installation. The Abbot’s biggest year was 1900, when he made 80 Pipes. His last Vintage was 1906 and it is sad to see it was his smallest as we made a very small general Vintage in that year. Before the next Vintage he had left this world. During this period we made a great deal of the wine under the name of Lobazim, in fact in 1897 it would seem that we used three Lodges and “lagars” called Lobazim de Baixo (the Lower) Lobasim de Cima (the Upper) and Lobazim Novo (New). This is strange as we also regularly made the wine of Senhor Teixeira Lobo under his name and whose grandson makes wine for us still at Quinta do Lobazim. This is situated between our present properties of Val Coelho and Pescoça and has been family property for some 600 years. Our two properties were bought and built, or rebuilt, somewhere between 1895 and 1900. Val Coelho appears on the Vintage list in 1909 and Pescoça in 1912. Before that they appear to have been always grouped together as Lobazim. It would seem that after the Abbot’s death his grapes were brought to one of the above ledges and that Cadima was not used for or by us again until 1923 when one of his heirs, Senhor Vasconcellos, made 23 Pipes for us there and by 1931 had increased to 70 Pipes. The business continued sporadically under his name until 1944 when he made 26 Pipes which apper under the name of Cadima for the very first time. In this year all four names appear Lobazim, Pescoça, Val Coelho and Cadima, and again in 1947, but 383

ACB: Cadima: A Modern Winery on the Douro, J. H. Smithes, 23 de Dezembro de 1967

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from then onwards Cadima disappears, and the grapes were once more made at Pescoça, until about 1960 when Vasconellos’ brother-in-law persuaded his sister, who was the actual owner ot the vineyard which is situated on the opposite side of the river above Cadima, to sell the grapes to him. Eventually these grapes went to one of the Cooperatives built about the same time we bought Cadima, and on her vineyard side of the river. We believe that next year we may, however, be once more buying these grapes. During the 1920’s and 1930’s our purchase varied in size, the biggest years being 1923 with 685 Pipes and 1937 with 532 Pipes, in this area. The personnel required for these big Vintages was very considerable and the readers were housed under every rough conditions and, as they were all locals, and not from long distances off, as in many of the other big production areas, they nearly always fed themselves. One of our older farmers was telling the writer some months back that he could remember how in one of the really big years a canteen was set up for our own personnel, about 260 men. Some 9 or 10 pigs were slaughtered on the spot for part of the menu and no doubt good “bacalhau” (dried cod fish) was the other staple dish, washed down with “Consumo” (table winne) and “Bagaceira” (marc). Another younger farmer, who was working for us in the 1930’s had the job of personnel foreman. He recalls that in one or two of these years we made about 400 pipes in our own installation. 1937 mentioned above was one of these and we alone employed, all told, 170 persons. It is interesting to note that this year of 1967 we made approximately 1,200 pipes at Cadima with 28 persons now to tread in the old joyous fashion, day and night. The work was incredibly hard yet in all but the wettest of years, everybody seemed as cheery as the proverbial cricket. Who can blame them, now life and values are so greatly changed, for not “cricketing” in such a hard fashion? However, it is largely due to the efforts of the humblest of these old treaders that we were sufficiently successful in their district to decide to make there our original installations of Val Coelho and Pescoça, and now to go further still and to buy and rebuilt Cadima as a modern Winery. As can be seen from the photograph taken during the rebuilding only the shell of the walls could be used, and these old stone treading tanks (lagars), and ancient wooden vats, we now have fermentation and storage tanks lined with an inert lining for hygiene purposes, a centrifugal crusher and the various other equipment necessary for easy handling and systematic processing of the musts while in fermentation. Complete temperature control so that the operations may be regulated to make healthy wine of all the many characters required for our different styles of ports, and also for table wines in 132

the future, is quite one of the most important parts of our methods at Cadima. An interior photograph is also included to give an idea of the change. We received very considerable help and advice from our Colleagues in Bristol and very special mention must be made of Dr. Harold Berg since it was under him that we became acquainted with the pumping-over system which we use, and the great importance of temperature control in tank fermentation. We are most grateful for all the valuable hours which he put in with us here. In conclusion, we are very proud of Cadima and the wines which have been made there from the experimental Vintage of 1963, when we had the first two fermentation tanks ready, onwards to this year when we reached our record quantity and a very high quality standard. John Henry Smithes 23.12.1967

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Documento 3: Relatório da Comissão de Vendas e Marketing da Cockburn’s, sobre a promoção dos vinhos da empresa, 1968: SALES AND MARKETING COMITEE THE PROMOTION OF COCKBURNS PORT IN 1968/69384 1. Introduction 1.1. In the calendar year 1967, Port shipments to the U.K. have increased by just 3% on the previous year. 1.2. In the 1967/68 financial year on the other hand, sales of Cockburn ports in bottle will increase by approximately 45%. Total sales including bulk sales by Cockburn-Martinez will increase by approx. 12%. 1.3. The main reason for this increase is undoubtedly the additional sales pressure resulting from the transfer of Cockburn Port sale in bottle to the John Harvey & Sons Ltd. sales force. Over the same periods Cockburn bulk sales have remained more or less static. 1.4. Additional factors in the total increase are: 1.4.1. The increased coverage of our own advertising. 1.4.2. The general slight upward trend in the market which could also be partly related to competitive advertising and the P.W.T.A. generic campaign. 2. The Marketing Position of Cockburn Ports 2.1. We are now coming to the end of the first year in which Cockburn ports have been sold in the U.K. on a satisfactory basis. The immediate slack in sales, the easiest opportunities for increased distribution have already been taken up. 2.2. With total sales including bulk and bottle of about 85,000 cases Cockburn ports are in a similar sales and distribution situation to Bristol Milk, except that only some 30,000 cases are sold directly under our control. 2.3. Regionally Cockburns is stronger in London and the Midlands than in other areas. 2.4. Generally speaking, there is little further dramatic progress to be made with Cockburns Port on the basis of our present marketing approach. 2.5. Minor increases in the marketing appropriation would only enable us to increase the frequency of our advertising which relies on Tube Cards and posters in Greater London and four full colour pages in the Midlands T.V. magazine, supported by 384

ACB: The Promotion of Cockburns Port in 1968/69, M. Jackaman, 22 de Janeiro de 1968.

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posters in the Birmingham conurbation. Having taken up the immediate [stock] through sales pressure, advertising support of this kind is inadequate to do anything but ensure a continued upward trend in bottle sales of say 10% to 15% per annum at the most. It would not prevent the continued slide of bulk sales. 2.6. There is on the other hand no reason at all why we should not dramatically increase Cockburns share of the total port market in the U.K. We are well placed to double our present share quickly, always bearing in mind that the market itself is unlikely to show dramatic sales gains in the next five years. 2.7. The factor contributing to this point of view are: 2.7.1. Strong indication that Cockburns is widely regarded as a high quality Port brand. 2.7.2. The quality of our ports vis à vis main competition — Sandemans. 2.7.3. The distinctive style of Cockburn port which means that our port has a recognizable and promotable difference. 2.7.4. Lack of good competitive advertising and promotion, and relatively low spending behind advertising which does exist. 3. Proposal to double Cockburn Sales in 1968/69 3.1. We believe that with increased media advertising in the London and the Midlands next year involving television advertising similar in weight to that of Bristol Cream, sales of Cockburns bottled ports can be doubled from 33,000 cases in 1967/68 to 70,000 cases in 1968/69. 3.2. At the same time we would hope to hold sales of bulk at least and at best to achieve some slight increase in this area as well. 3.3. Present advertising expenditure of £17,500 averages out at just over 10/6d. per case on sales of bottled ports. Television advertising as mentioned above would require an appropriation of £60,000 or 17/- per case — a level of expenditure equivalent to that on Bristol Cream. 3.4. The approximate effect of this increase on the total profitability of Cockburn Port sales in 1968/69 would be as follows:

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Sales

Gross Profit Before Discounts

Advertising

Gross Profit After Advertising

70,000

157,500

60,000

97,500

38,000

84,000

19,500

64,500

4. Effect of the above decision on sales and marketing policies 4.1. We do not consider that the vigorous promotion of Cockburns Port in London and the Midlands in the pre-Xmas period, will put undue strain on J. H. & S. selling resources. A certain amount of merchandising effort would be required in the three months October, November and December but this can be fitted into the task of merchandising Bristol Cream over the same period. 4.2. Similarly the basic incentives to stock Cockburns port in preparation for television advertising already exist in Stock Pile Credit, Annual Quantity Discounts and the sale or return scheme and can be exploited by the sales force in double harness with selling in effort on Bristol Cream. 4.3. Increased advertising expenditure would in itself generate a great deal of trade interest and good will which would simplify the selling-in task of the sales force — but the importance of this sell-in to the success of the total operation should not be under-estimated, and it would almost certainly need the support of a simple stock loading discount on top of the existing incentives. 4.4. Increased advertising expenditure would certainly add flexibility to our advertising strategy for Cockburns. While, we believe, we have successfully established the name Cockburns in the admittedly limited area of our consumer advertising, we have been less successful because of limitations in the available media, in establishing a strong and persuasive arguments for purchasing Cockburns in preference to other brands. The impact of television advertising, its wider possibilities for appetits and visual appeal will, quite apart from the enourmously increased frequency and coverage which it offer, enable us to project a much more hard hitting sales story for Cockburns which can make in-roads into competition, principally Sandemans, who are not likely to be spending much more than we are in the two chosen areas.

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5. Future Profitability 5.1. Obviously the plan outlined in 3 above, while increasing total gross profit earned from sales of Cockburns bottled ports in 1967/68, will reduce case profitability before discounts from 34/- to 27/- next year. But the sums written in for television advertising next year have been inflated by the need to treat Cockburns as a “launch” product for this purpose, and once a higher continuous sales base has been established a slightly less per case advertising contribution would be required to maintain and develop sales from the new base. 5.2. Depending on progress made, we would expect within three to five years to be able to look for total sales of Cockburns of 250,000 cases (30% of the market at its present size) on an advertising appropriation of £150,000 (14/- per case), based on present prices. MCJJ/meh 22.01.68

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Documento 4: Artigo publicado no jornal The Financial Times, sobre os vinhos do Porto e do Xerez no mercado britânico, 1968: HARD SELLING WOOS DRINKERS TO PORT AND SHERRY385 by Arthur Sandles What is so attractive about the wine trade, apart from its product, is the air of surface elegance that pervades it all. Domecq sherries are still sold from close-carpeted Belgravia. Cockburn’s port, in bulk at least, from cellar offices in St. James’s, and Mr. Tim Sandeman controls his sales empire from an antique City office warren. There is a gentle ease about things. It all goes to show, of course, just how good these fellows are at acting. The port and sherry trades are currently in the midst of a marketing reshuffle which is likely to see the death of the lesser beings. As the retail trade moves towards freer licenses and a greater concentration on the fast moving household-name brands so the cold “… I’ll lay down a case for you, Sir” image, is giving way to a detergent-style hard sell. When Sandeman promotes under the message, “Does your wife know about Ruby?”, the laugh, he hopes, will be on the competition. Still leading Sherry maintains its colossal popularity leadership over port. Last year Britain consumed 6.5 m. gallons of it, which was over 5m. gallons more than port — and neither figure includes the fortified competition from Cyprus or South Africa. What is making both wine types attractive investments for the trade, however, is not much the size of the market as their growth. Sherry has been steady development over the years (17 per cent, last year) and port, too (says everyone with crossed fingers), has possibly turned the corner after its post-war slump. Who in fact leads the sherry market in Britain is best sorted out between Harvey’s and Domecq. The Bristol-based shipper which is now part of Allied Breweries heavily outguns the privately owned Luis Gordon (which has the Domecq agency) in terms of advertising expenditure, but both companies have reason to claim the edge on the other in terms of sale. Between them they probably have around half the market and are happily biting away at the much fragmented other half.

385

Publicado no jornal The Financial Times, 7 de Novembro de 1968.

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Oddly enough they are doing so with somewhat different marketing techniques. Harvey’s spends £320.000 a year on promotion of Bristol Cream alone, with a heavy emphasis on a pre-Christmas television campaign aimed at the bottle-a-year trade. On this basis Domecq obviously gets considerable mileage out of its more modest outlay. It spends £150.000 a year overall, and avoids television. Sherry being still the drink for the top end of the market Domecq likes to rely heavily on the colour supplements on the basis that once you become a week-end trendy you are a candidate for Double Century. It seems to work. In 1967 Domecq sales went up by 34 per cent (average 17 per cent), and this year it looks like being 26 per cent (average perhaps around 20). With Harvey’s also putting on sales at a fair pace it is no secret who the losers are. “We are getting bigger”, says Harveys, “at the expense of the unadvertised brands”. The inevitably of the disappearance of a great many lesser names must be of a considerable concern even to prestigious medium sizers. Williams and Humbert, in which Bass-Charrington has a smallish stake, spends £70.000 a year on keeping a share of the market which probably, at the moment, does not justify that sort of outlay. But its Dry Sack (needless to say a medium!) is likely to emerge healthy at the end of the current tunnel of fighting. “I think”, says Alexander Williams, Dry Sack’s sales chief, “we are in for a savage future”. Retail outlets There seems to be little illusion about what is going to be involved in outsavaging the savages. Williams and Humbert has a considerable export trade, a novel package if an unfortunate name, and a conviction that “we are moving from an AB bracket into a mass market”. The last point places a strong emphasis on selling-in to the retail outlets, a fact which might explain the considerable enthusiasm which greeted the Williams and Humbert winning of Mercier Champagne agency which, added to Calvet wines and Benedictine, gives salesmen fullish baskets for their rounds. But while the sherry boys squabble away the port trade carries on its rivalries with considerably more panache. For some years the Portuguese Government, which places a levy on shippers, has used this money and much of its own to put port back on the drinkers’ map. The results, by and large, were scarcely encouraging. From advertising characters like Major Tawny White and his wife Ruby, and themes such as “Real Port comes from Portugal” the campaigns have come and gone without leaving much of an

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impact behind. However, in the last couple of years the campaign has taken a more sophisticated turn and, by coincidence or as a result, sales have moved up. Part of the reason may be, of course, the marketing battle that has been going on between Sandeman, which is far and away market leader with about a quarter of sales, and Cockburn, via Harveys now part of Allied and growing at a surprising rate. But whatever the reason the trade is beginning to smell a revival. Shipments to this country have certainly been stepped up considerably in anticipation of higher sales and Schweppes has been quietly test-marketing a Port and Pepsi drink which seems to have produced encouraging results. As if realizing that both have a long way to go before they start hunting each other rather than the small fry, both Sandeman’s and Cockburn’s campaigns have a sense of fun about them — “The Duke of Wellington loved to get his hands on Ruby after supper” says Sandeman, while Cockburns makes puns about how the name does not sound the same as Cockfosters. Sandeman can in fact afford to enjoy the fun. It is market leader in France, too, with a merchandising link with Martell, Black and White, Benedictine and Mercier that gives it considerable strength in a market that is vastly larger, and also more profitable, than the British. Bottle sales A little more than a year ago Cockburn handed bottle sales over to the Harvey sales organization and retained its substantial bulk distribution. Since then, bottle sales have doubled and look like doing so again over the next few months. At the moment Cockburn has a shade over 10 per cent of the port business and is putting £70.000 into advertising to improve on that, about as much as Tim Sandeman is spending to keep Cockburn at bay. Talking to Sandeman (both Allied and Watney have small stakes) one gets the impression that the advertising budget is under review (£70.000 also goes on sherry) and that port is likely to get bigger backing. Indeed, the apparent revival in red port’s fortunes, the bulk of sales are of ruby, must have come as a pleasant relief after the miscalculation that Sandeman made in trying to catch some of the sherry business with a white port. Porto Branco was launched, says Tim Sandeman, on the back of “over optimistic market research”. It is selling, but not as well as hoped. “People”, says Sandeman sadly, “are inclined to believe what they want to believe”.

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Documento 5: Relatório elaborado pela consultora Arthur D. Little sobre a situação do vinho do Porto nos mercados exportadores e principais recomendações, 1971: RECOMENDAÇÕES E CONCLUSÕES DO ESTUDO A.D.L.386 1)

Mercados do Vinho do Porto e Vinho da Madeira

O mercado do Vinho do Porto no Reino Unido decaiu drasticamente no período compreendido entre os começos da 2ª Guerra Mundial e 1960, devido principalmente às modificações operadas no estilo de vida e nos hábitos de consumo de bebidas que vinham sendo detectados desde os anos 30. A partir de 1960, o mercado do Vinho do Porto do Reino Unido apresentava-se estabilizado embora com uma ligeira tendência para decrescer. É nossa convicção que a falta de expansão do mercado na década passada se deve a uma ausência de estratégia de “marketing” e a um insuficiente esforço no sentido de reabilitar o Vinho do Porto criando-lhe uma imagem específica de utilização. Chegou a acontecer, em tempos, estarem os objectivos das campanhas genéricas em contradição com os objectivos dos esforços promocionais do comércio do Vinho do Porto no Reino Unido. Embora tenhamos dúvidas sobre a possibilidade de o Vinho do Porto voltar a ser a bebida genuinamente popular que foi no passado acreditamos que através de um concertado esforço comercial, o produto possa vir a estar em posição de beneficiar de um real crescimento a longo prazo no mercado do Reino Unido. Os mercados francês e suíço do Vinho do Porto acusaram um ligeiro aumento. Em França, contudo, a fragmentação do mercado entre numerosos importadores, distribuidores e detentores de marcas privadas, aliada ao surto de vendas de outra bebidas concorrentes (sobretudo whisky, anisados e outras bebidas aromatizadas de marca), constitui, a longo prazo, uma séria ameaça ao mercado de Vinho do Porto. Uma forte concorrência de preços resultante do grande número de marcas de Vinho do Porto no mercado e a ausência de uma promoção efectiva por marcas estão a criar uma imagem de inferior qualidade ao produto e a provocar uma “deterioração do seu uso” pelo sector consumidor. 386

ACB: Cópia do Arthur D. Little report incluído no dossier de documentação relacionada com este relatório (1971-1975), 1971

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No mercado suíço, o consumo de Vinho do Porto concentra-se na região de língua francesa e é fortemente influenciado pela situação existente em França. O mercado alemão de Vinho do Porto, embora muito mais reduzido que o francês ou o inglês, apresentou um crescimento razoavelmente significativo na última década. A posição do Vinho do Porto, relativamente a outros Vinhos de sobremesa, tais como Sherry e Málaga, é boa, mas por não ter uma situação de consumo definida no mercado dos aperitivos, as vendas de Vinho do Porto são cerceadas pela concorrência dos vermutes e outros aperitivos de marca. Porque o mercado alemão é altamente competitivo, são necessários maiores esforços de promoção por marcas para desenvolver o Vinho do Porto como um produto que seja algo mais que um produto genérico (de qualidade variável) com um limitado volume de vendas. (…) 3)

Como têm sido os esforços de promoção

As taxas cobradas à actividade vitivinícola e os subsídios do F.F.E. têm sido utilizados em campanhas genéricas de promoção e em certos tipos de actividades promocionais levadas a cabo por importadores ou comerciantes no estrangeiro. Baseados nos mercados que estudámos, acreditamos que estes esforços promocionais não têm sido, particularmente, bem sucedidos e, em alguns casos, podem mesmo ter entravado o desenvolvimento de uma real capacidade de comercialização. As campanhas de publicidade genérica para o Vinho do Porto levadas a cabo em França, Reino Unido e Alemanha Federal têm tido alguns resultados negativos. A publicidade genérica tem limitado o esforço que o grupo dos exportadores poderia ter aplicado à publicidade de marca e tem levado os exportadores a crer que a publicidade genérica é um substituto da publicidade de marca. Além disso, ela tornou mais difícil a consolidação de marcas intensamente promovidas ao criar procura para marcas dos distribuidores e ainda, no caso do Reino Unido, para vinho britânico tipo Vinho do Porto. (…) 4)

Debilidade comercial

Em geral, o comércio de Porto e Madeira está mais orientado para fornecer a exportação do que para orientá-la numa óptica de “marketing”; realça-se mais a oferta de um produto genérico dentro de uma gama de tipos e com determinada expressão do 142

que na comercialização maciça de marcas. Entre as milhares de marcas de Porto e Madeira que concorrem no mercado, poucas são as que são promovidas. Os exportadores pretendem assegurar uma cobertura de distribuição vendendo cada um sob denominações sociais diferentes a várias organizações distribuidoras concorrentes nos mesmos mercados; isto tem como resultado uma diluição do impacto comercial e uma faltar de controlo e, ainda o que é mais importante, uma enorme dificuldade em desenvolver e impor as características essenciais da marca. O comércio do Vinho do Porto não toma geralmente em linha de conta as aptidões comerciais, função tradicionalmente deixada ao distribuidor. A primeira e mais importante necessidade do comércio exportador é o desenvolvimento de uma forte capacidade comercial. Os organismos e os serviços ligados ao comércio de Vinhos em Portugal estão primordialmente orientados para um controlo regional e para uma regulamentação da produção vinícola. Estes organismos e serviços apresentam-se de difícil controlo pela duplicação de funções e competências. Em geral, a comunicação entre os vários organismos e serviços e entre estes e o comércio exportador é deficiente. Actualmente, a organização institucional não está apetrechada de modo a guiar, promover ou apoiar um esforço generalizado de marketing de exportação. Consideramos que de futuro, as instituições ligadas ao sector de vinhos em Portugal deverão estar aptas a fornecer os estímulos necessários ao desenvolvimento de uma política comercial adequada a servir os interesses do comércio vitivinícola, através de infra-estruturas organizativas que respondam cabalmente às exigências comerciais cada vez mais dinâmicas. 5)

Recomendações para uma política e estratégia de marketing

A indústria vinícola portuguesa deveria concentrar os seus esforços na comercialização de vinhos de marca de alta qualidade com grande potencialidade a longo prazo. Deverá persistir-se na comercialização tradicional de variedades de vinhos fortificados (especialidades) de alta qualidade (Porto vintage e Madeira; Madeira Soleras). Porto: Deve ser apresentado como um produto natural de alta qualidade identificado por uma forte utilização específica e não por uma imagem de vinho para uso generalizado. Impõe-se uma orientação comercial de marca com um esforço promocional

significativo

destinado

a

atingir

os

consumidores

desejáveis,

acompanhando de uma estratégia de preços que coloque o produto acima dos aperitivos 143

e vermutes de grande consumo. Deverão cessar tão cedo quanto possível, as vendas a granel destinadas ao distribuidor e detentores de marcas privadas. (…) Novo Programa de Promoção para o Vinho do Porto Aconselhamos que o programa genérico de propaganda de vinho do Porto continue durante 1971/72 no Reino Unido, França e Alemanha Federal, mas que a partir da Primavera de 1972 com uma possível excepção para um programa genérico de relações públicas, a propaganda genérica do Vinho do Porto seja substituída pelo programa de promoção aqui descrito. O objectivo deste programa é aumentar a orientação comercial do comércio, fornecendo incentivos significativos à promoção de marcas de propriedade dos exportadores. O programa destina-se a ser suportado pelas presentes taxas pagas pela indústria e utilizadas no programa genérico de propaganda e a substituir os actuais subsídios para promoção. Cada exportador de Vinho do Porto registado terá direito a receber um incentivo promocional equivalente a 40% das suas despesas de promoção efectuadas durante o ano anterior. Um exportador poderá habilitar-se ao incentivo se as despesas de promoção e as dos seus distribuidores (i.e. não contando o incentivo) para um único “nome”, totalizarem pelo menos 1 milhão de escudos durante o ano anterior àquele para o qual o incentivo foi pedido. O incentivo deve ser despendido durante o ano seguinte, em aditamento a um orçamento de promoção pelo menos igual às despesas de promoção do “nome” por parte do exportador e seus distribuidores durante o ano anterior; contudo, as despesas do exportador e seus distribuidores no que diz respeito à promoção não podem aumentar menos do que 15% ao fim do terceiro ano de execução do programa. O incentivo só pode ser dado para um único “nome” registado, por exportador. Este “nome” poderá ser ou a actual denominação social do exportador (i.e. A.J. da Silva; Warre ou Croft) ou uma “marca” (i.e. Noval, Cintra, Gilbey). É permitida a utilização de marcas e a designação de tipos ou qualidade (i.e. L.B.V., Ruby, Triple Crown) no rótulo, mas deve ser subsidiária no “nome”. Exclui-se o uso do incentivo para produtos diferentes (i.e. porto e sherry) sob um único “nome” de exportador. A utilização do incentivo deve ser restringida à compra de espaço em promoção, materiais e serviços. Não deve ser usado o incentivo para subscrever qualquer material ou serviço de promoção produzido pelo próprio exportador ou pelos seus distribuidores.

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O incentivo deve ser elevado para 60% quanto aplicado exclusivamente a “nomes” de vinhos engarrafados no Porto e promovido independentemente de “nomes” de vinho do exportador não engarrafados no Porto. Aplicam-se as mesmas condições gerais, com excepção de que o orçamento mínimo requerido deverá ser de 500.000 escudos (em vez de 1 milhão de escudos) e a marca deve ter o selo de garantia aposto pelo Instituto do Vinho do Porto. Calculamos que as despesas totais anuais de promoção de marcas despendidas pela indústria, se elevam normalmente a cerca de 33 milhões de escudos. Considerando que as despesas afectadas com o Vinho do Porto engarrafado não ultrapassarão 25% das despesas totais prevê-se que este programa necessitará de um fundo anual inicial de cerca de 13 milhões de escudos. Em complemento, propomos que seja aplicado um maior incentivo ao desenvolvimento dos mercados com significativo potencial para marcas de Vinho do Porto. Este programa deverá ser desenvolvido dentro dum período de três anos e deverá aplicar-se a um só mercado de cada vez. Recomendamos que o primeiro mercado a que se deverá aplicar este incentivo seja o da República Federal Alemã. Para o mercado da República Federal Alemã, propomos um subsídio de 100% em substituição do anterior subsídio de 40% ou 60%, desde que sejam preenchidos os seguinte requisitos: — O gasto orçamental tenha sido no mínimo de 2.500 contos por ano (por exportador e distribuidor) e atinja uma taxa de crescimento de pelo menos 20% ao ano; — O programa de “marketing” a apresentar ao Instituto do Vinho do Porto e ao Fundo de Fomento de Exportação para aprovação, deverá cobrir os seguintes pontos: 1) estrutura de preços (custos de produção, preços recomendados de venda); 2) embalagem (garrafa, rótulo, marca); 3) distribuição (distribuidor proposto, seus recursos, pormenores do contrato entre o exportador e importador), e 4) promoção (programa detalhado, estudos de mercado, estratégia de meios e planeamento, mensagens publicitárias). Este programa especial deve ser subsidiado pelas taxas actualmente existentes no comércio, em seguida do programa geral de promoção do Porto. Na ausência de verbas suficientes, o programa geral não deveria ser reduzido. Desde que as verbas sejam suficientes para o desenvolvimento normal do programa de promoção, os incentivos para os mercados especiais deveriam ser reduzidos ou divididos entre os exportadores mais qualificados proporcionalmente aos seus orçamentos promocionais. 145

(…) Controlo dos programas de incentivo Embora esperemos que o programa de incentivos seja eficaz para o impulsionamento das exportações, é difícil predizer se será bem sucedido, dando origem às alterações que são urgentemente necessárias. O sector comercial do Vinho do Porto tem vindo a adoptar lentamente os métodos modernos de comercialização; na verdade, acontece haver uma confiança ilimitada em que o Porto prevalecerá baseando-se exclusivamente na sua grandeza de tradição. Por esta razão, recomendamos que a execução das medidas de incentivo propostas, seja cuidadosamente controlada pelo Instituto do Vinho do Porto e pelo Fundo de Fomento de Exportação. A médio prazo, o programa deverá dar origem a uma redução substancial do número de marcas. Deverá desenvolver-se um número mais reduzido de marcas mais fortes, encorajando-se os níveis de preço de produtos de alta qualidade contra a concorrência dos compradores que detêm marcas próprias. Se o programa de incentivo não der origem aos resultados desejados, deverão ser adoptadas disposições regulamentares directas. Tais disposições podiam incluir uma taxa mínima de lucro por litro aplicada independentemente dos preços sujeitos à taxa. O produto desta taxa podia ser canalizado para a promoção das marcas. (…) Desenvolvimento de aptidões de “marketing” ao nível interno Presentemente, só poucas firmas estão aptas para comercializar o vinho de maneira eficaz e controlar a sua distribuição no estrangeiro. Deve ser dada a maior prioridade à re-orientação da indústria, fugindo-se da exportação de vinhos a granel para distribuidores ou detentores de marcas privadas e dirigindo-se para produtos de marca, controlados pelo sector do comércio português. Em complemento dos programas de promoção baseados em incentivos publicitários de marcas, recomendamos que seja reservado pelo F.F.E. um orçamento de 7,5 milhões de escudos para estudos de produto e de mercado. Estes fundos deveriam ser utilizados para apoiar a indústria nos seguintes tipos de acções: — estudos de mercado e estratégia de desenvolvimento; — desenvolvimento do produto e teste de produto; — desenho de embalagem; 146

— lançamento do produto; — impulsionamento do interesse da indústria. A distribuição destes fundos deve ser efectuada pelo F.F.E. e baseada nos pedidos de firmas portuguesas com vista a apoiar em qualquer das áreas atrás referidas, assim como as acções empreendidas directamente pelo F.F.E. e dirigidas ao comércio. Acções a desempenhar pelo Fundo de Fomento de Exportação O F.F.E. deverá estar preparado para desempenhar um papel decisivo no fortalecimento do sector do vinho. Sugerimos que o F.F.E. incentive a constituição de “joint ventures” entre os exportadores de vinhos de mesa, de vinho do Porto e firmas portuguesas e estrangeiras com grandes capacidades comerciais. O F.F.E. deverá encorajar todas as formas de associação dentro do sector e procurar obter incentivos financeiros e fiscais que as facilitem. O F.F.E. deverá destacar um profissional ao nível directivo cujas funções consistirão em manter contactos com produtores e exportadores, assim como com comerciantes estrangeiros e informá-los sobre os objectivos e incentivos adoptados para o desenvolvimento do sector vinícola. Este profissional desempenhará um papel activo na promoção de associações dentro do sector, de “joint ventures” e de associações ou acordos comerciais entre elementos do sector e firmas portuguesas ou estrangeiras com boa estruturação comercial e de distribuição. Para ser eficiente este profissional deverá estar familiarizado não só com o sector vinícola português, mas também com os principais mercados de vinho, consequentemente ele deverá ser recrutado dentre uma das firmas do comércio de vinhos. O F.F.E. deverá desempenhar um papel activo ao procurar reorganizar e reorientar os organismos que lidam com o sector dos vinhos em Portugal. O principal objectivo deste esforço deverá ser incutir um forte sentido de orientação de “marketing” como complemento das funções de controlo da produção.

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Documento 6: Folheto promocional do Cockburn’s Special Reserve, provavelmente produzido pela empresa que se encarregava da publicidade da marca em Inglaterra, a Collet Dickenson, Pearce and Partners Limited, e dirigido a grossistas e retalhistas neste mercado, 1972:

ENJOY COCKBURN’S SPECIAL RESERVE… A GREAT NEW KIND OF AFTER-DINNER DRINK387 There are many very good reasons for introducing Cockburn’s Special Reserve: 1. There’s room at the top for another kind of after-dinner drink:  Drambuie, Galliano, B&B, Kahlua, and Harvey’s Bristol Cream are all distinctive-tasting products — the public appreciates variety after dinner, and responds to high-quality brands which offer it.  Cockburn’s Special Reserve has the same kind of taste attributes associated with these expensive, imported after-dinner drinks. 2. Cockburn’s Special Reserve is a great new kind of after-dinner drink:  Special Reserve has an ideal flavor for after dinner — lightly sweet, with all the character and good taste required for the occasion.  Cockburn’s Special Reserve is already a leading after-dinner drink in England — the country where gracious dining is a way of life, and styles are set, particularly in liquors (e.g., Beefeater, Dewar’s, Drambuie, Johnnie Walker, and Harvey’s Bristol Cream).  Cockburn’s has a famous name — since 1815 the brand has stood for quality in England and America.  Special Reserve comes in a uniquely beautiful bottle. Packaging is extremely important for an after-dinner drink — witness the fantastic success of Galliano. 3. The after-dinner market is the fastest-growing segment of the liquor business:  The cordial category has grown 171% in the last 10 years (the biggest rise of any type).

387

Folheto promocional incluído no documento Cockburn’s Special Reserve Advertising Expenditure 1972/73 United Kingdom, Collet Dickenson, Pearce and Partners Limited, 1972.

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 There is more than one bottle of cordials sold for every three bottles of Scotch, gin or vodka. Cordial sales are almost double those of rum or brandy.  Imported cordials were up 105% over the past 5 years — a greater increase than imported whisky, brandy, gin, or rum. 4. There is a great precedent for the dynamic promotion of Cockburn’s Special Reserve as an after-dinner drink:  In 1962 Harvey’s Bristol Cream Sherry began to advertise itself as an afterdinner drink (“Never serve the coffee without the Cream”).  Since that time, the sales of Harvey’s Bristol Cream have tripled — and Bristol Cream is one of the greatest success stories in the history of the liquor business.  Cockburn’s Special Reserve — a superior, single-vintage Port — is an outstanding product with quality comparable to Harvey’s Bristol Cream Sherry. Special Reserve has the same opportunity to become an important after-dinner brand, if it is promoted and sold properly. 5. The Cockburn’s Special Reserve introductory promotion will be the most attractive ever for an after-dinner drink:  Beautiful advertising (…) — directed specifically toward the discriminating drinker’s appreciation of British good taste.  Fashionable sales promotion, lavishly presented (…). 6. Cockburn’s Special Reserve offers you an ideal opportunity to earn extra profits:  Special Reserve is priced at the same high level as Harvey’s Bristol Cream — this tried and tested policy means additional income.  Special Reserve has a full wine markup — this provides bottle revenues greater than on most spirits.  Special Reserve’s profit structure is competitive with imported cordials — this guarantees a full return on every bottle sold.

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Documento 7: Entrevista de Jeff Palmer, director do Departamento de Publicidade da Harveys, à revista Wine and Spirit Trade International, 1972: AS FASHIONABLE AS VICTORIANA388 ‘Three years ago we came to the conclusion that port was ready for a big come back, and subsequent sales particularly this year — have proved us right’. The words are those of Jeff Palmer, Cockburn’s UK Marketing Manager, whose company last year spent £120,000 on advertising port — as much as the rest of the trade put together. This promotion is clearly paying dividends for Cockburn’s share of the market has increased from around 11 per cent in 1962 to 25 per cent last year. The average rate of increase of sales is around 12 to 13 per cent. ‘Port’, said Mr Palmer, ‘has been on a declining market since the beginning of the century. Sherry, of course, with about 4½ m cases compared with ports 780,000 now by far outsells it, but the upturn in port’s fortunes has started once again’. In the early Sixties it was decided not to spend large sums promoting port while it was still on a declining market. The company’s marketing philosophy is simple: not to try to sell something that people do not want. So advertising was then largely confined to tube cards on the London underground simply promoting the name Cockburn rather than particular Cockburn ports. ‘At that time particularly port meant different things to different people — ruby, tawny, late-bottled vintage, vintage. This multiplicity of styles and uses prevented us from being specific in our advertising. ‘In the Sixties we were waiting for the right moment to start promoting port extensively. During those lean years the port market was peculiar; there was a top end — vintage port — and the bottom — the charlady’s port and lemon — only. The big middle of the market simply wasn’t there. ‘The tube cards gave a very good coverage of the whole market and were effective. They were designed to be all things to all people. Since they mentioned only Cockburn’s rather than particular ports, both ends of the market could identify with them.’ What caused Cockburn’s to decide that the time was right to start promoting heavily? ‘Slightly more buoyant sales have to be the first sign, but in addition there were our own observations at tastings and lectures. We entertain about 15,000 visitors a 388

Artigo publicado na revista Wine and Spirit Trade International, Setembro de 1972.

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year at our Denmark Street, Bristol, cellars and we began to find more enthusiastic about it, and were more inclined to accept it when it was offered to them. ‘The logic of the situation’ continued Mr Palmer, ‘is that people are beginning to entertain more at home and to give more dinner parties. Port is the ideal after-dinner drink. Many people cannot afford cognac. ‘During all the years in which port sales declined its prestige was never hurt. ‘Part of our hunch about the success of port is connected with Victoriana, which has become fashionable. The older generation looked upon port as part of an older way of life that they rejected. The new generation, however, looks back to the Victorian era with fondness. We thought the return to favour of port was inevitable and that it would come to be accepted along with Victorian furnishings, bric-a-brac and houses. ‘In its heyday port was the Englishman’s wine, an all-purpose drink. Since the Twenties the availability of different drinks has increased tremendously and people are now inclined to pigeon hole drinks. Sherry, for example, is basically regarded as an aperitif. We do not see port working as an all-purpose drink. We do not really see people mixing it or taking it as an aperitif. ‘We see its slot in the market essentially as an after-dinner drink. Its prestige in this role in the establishment — in the London clubs, or in the mess — has never waned. ‘We must therefore pinpoint our promotion at the point where it is most likely to succeed — that is, as an evening drink. Consistent ‘We have produced Cockburn’s Special Reserve, a high quality port nearer vintage port in character, for just this situation. It is made from the best of the crop from non-vintage years. It has the advantage over a late-bottled vintage port that there is much less variation from year to year. We think that the consumer is interested in a more consistent product. ‘We introduced it in 1969, initially without advertising. Last year and this year all our port advertising has switched from being generic Cockburn advertising to promoting Special Reserve. We are promoting it similarly in the USA as the prestigious after-dinner drink. There is undoubtedly a big, sophisticated Europhile market there for port. ‘If you offer someone a glass of port there is no need to offer an alternative. It is socially acceptable. But if you offer a liqueur you need to offer a choice and that means

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a capital expenditure. We have found that as an after-dinner drink port has a much higher acceptance than brandy and liqueurs. ‘A higher quality product gives a higher mark-up all along the line leading to a higher profit on a smaller volume. Port in general has always been rather cheap and this is a problem that has hurt everyone in the trade. It has seldom been very profitable and despite the fact that on average it costs a little more to produce than sherry, it is priced similarly’. White port remains the odd man in Mr Palmer’s view. ‘Sales are steady but very small indeed. It is a good drink to have before dinner, but we don’t want to confuse people when we are promoting port in an after-dinner situation. Port must have a clearcut image. Unfortunately white port does not slot very readily into the market. It has never been part of our philosophy, sad though that may be. ‘Our Special Reserve bottle design which has won two awards leans heavily on tradition, not only in its shape but [also] to the extent of not having a paper label. ‘One important point about the drink trade’s products has not entirely come across in the grocery trade. Grocers are on the whole used to products needing shelf appeal. With the drinks trade’s products the performance of the package in the home is every bit as important as the performance of the shelf. Indeed, the package starts its job when it gets to the home. If it is put on an elegant dinner table it must look right. There are not many grocery products of which this is true’. Mr Palmer has nothing but praise for the Arthur D Little report on the future of port (…) and for the Portuguese government’s backing of its recommendations. His view is that it is a ‘very impressive and realistic way of promoting port. In order to qualify for the publicity scheme a shipper must spend at least as much as last year in order to get the grant of 40 per cent of that expenditure. The clever thing is that it is not a subsidy because you cannot reduce your contribution. The extra 40 per cent means 40 per cent more advertising. It must make sense to give the emphasis to brand advertising’. For brands bottled in Portugal the grant will be 80 per cent of the appropriation. Is this likely to encourage Cockburn’s to bottle there? ‘Where we bottle’, said Mr Palmer, ‘is a subject under constant review. We already bottle for most markets in Portugal but we doubt whether port bottled in Portugal will have any special merit to the average British consumer. Indeed Portuguese bottled port might even be viewed by the insular British as slightly suspect!’.

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Documento 8: Relatório elaborado por John Henry Smithes sobre a possibilidade de aquisição pela Cockburn’s de uma vinha no Douro para produção própria, 1972: PLANTING A VINEYARD IN THE DOURO389 This study is the result of conversations between Mr. Glyn Davies, Mr. Michael McWatters and myself brought about by the concern felt at the dropping off in production of first class wines on the slopes of the Upper Douro due mainly to the lack of labour, brought about by emigration and the movement away from the district to the bigger towns of the labour force in the area. Quite apart from this situation I cannot see anyone planting in 1st class areas for reasons which I go on to mention further on in this presentation. I doubt, at the moment, whether there are more than 10,000 pipes which one could call premium wine in the average production of 250,000 pipes per annum within the Douro District today. For sometime now the question of mechanisation has been under study but without serious orientation. Many types of tractors have been seen, but the nature of the planting on terraces (in some cases there are no more than one to four rows of vines per terrace) makes it impossible to mechanise. Even if it were possible to introduce a tractor into the terrace, the vines are too closely planted and the machine would have no room to operate. In the last few years the mule or even oxen have been used to do the ploughing, and in fact if it not been for these animals disaster would have been upon us long since. Now, however, farmers in some areas are finding it difficult even too get men to work with mules. (…) The question of the size and fragmentation of the farms and the small farmers is also a problem. If his property is only of a certain dimension he obviously has to rely on casual labour which has virtually disappeared. Here I should like to quote from our recent letter to the Gremio: «But we could run a grave risk: the building up of a commercial plan without taking into account the realities of production. By “production” we do not refer to the final stage of the product in our lodges but to the phase of producing the raw material: the wine in the Douro. The problem as we see it is as follows: is the commercial

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ACB: Planting a Vineyard in the Douro, J. H. Smithes, 5 de Março de 1972

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strategy to adequate in relation to the evolution of the Douro situation or does the Douro region need modification and revision? The situation in the Douro is well known: decrease of available labour, disinterest on the part of succeeding heirs in continuing with the effective administration of properties: in brief, the picture of a region that has been viable due to cheap available labour and in large quantity. The obvious solution although not totally satisfactory, is mechanization. This is only possible in part of the demarcated region and involves large investment in equipment, in reconverting the vineyards and in the necessary infra-structure; roads and electrical energy, for example. Besides this, what of the other part which cannot be mechanized, vineyards which produce wine of high quality. What is their future? Even in the part which can be mechanized the excessive fragmentation of properties presents a great obstacle to the efficient use of equipment. How long will it take to rationalise the system of land holding in the Douro? It will take a long time to resolve this whole situation and involve great expense, meaning that in the short term we will have to continue to help bear the high cost of our raw material and a decrease in the quantity of high quality wines produced in the region. The questions which we ask are: can Portwine support the continual escalation of its selling price due to the increasing cost of the product? Will the production in the Douro, say within the next ten years have the average level of quality that will justify to the consumer a higher price than the price for rival products? The questions seriously worry us and we think the solution they offer could result in the success of new attitudes regarding commercialization, and moreover could condition the future of our industry. The expansion which has taken place in exports could suffer in the medium term a dramatic turn around, if these basic factors are not attended to rapidly and clearly». I have recently heard that a working group has been set up to study the whole question in depth of what is called “THE RECONVERTION OF THE DOURO” and the “Socio Economic” situation. Our part-time Agronomist Domingos Jorge is serving on this working group and at long last it appears that the responsible authorities have woken up to this urgent problem. The objective therefore is to study the feasibility of planting a vineyard ourselves with a view to securing further sources of supply of wines suitable for Special Reserve and Vintage Port. (Here I should like to add that Taylors are studying the extension of their Quinta da Vargelas, which is the base of their Vintage lot (…). I know this as Domingos Jorge has been asked with two colleagues to advise. It is 154

interesting to note that Taylors are shipping a Vargelas 1968 Vintage and that Crofts are offering a 1970 Roeda Vintage bottled in Oporto). Domingos Jorge heard that Quinta da Chousa adjoining Tua was for sale during Mr. Michael’s recent visit, and he will remember a preliminary conversation we had at Lamego on the subject. (…) At this juncture I should like to say that it would be difficult to get a better return on any plantation on the Douro unless you plant for quantity only and in areas which have no micro climate, i.e. on high ground or in areas of greater rainfall such as Regua, in which case you cannot expect to make the wine we are seeking. This policy of planting for quantity is in fact what has been going on as it is to this that many farmers have and are clinging to enable them to continue. Disregarding for the moment the financial aspect, these could be some of the advantages not already mentioned by Jorge. 1) With our House at Tua and wine making plant this could have appeal from the P.R. standpoint, i.e. “The Special Reserve vineyard”, or in the development of the project. “Here is our faith in S.R.” in the interim period before it comes into full production. 2) The possibility of a Tua Vintage, although I believe Special Reserve and normal Vintage will take care of the production. Marketing can only say whether they can see any advantage in a Single Quinta wine bottled in Portugal. The mark “Quinta do Tua” is registered. 3) The wine making is still carried out in mechanized (Movimosto) lagares as is most of our Vintage Port in farmers installations and indeed so is Special Reserve. Technically at the moment we are not certain about Fermentation Tanks for this purpose. 4) The property is situated on the north bank of the River which produces better wine in most years. 5) Motivate and give confidence to our existing quality farmers in the area to continue producing planting for quality by the example that even we are prepared to invest in the future to produce quality wine, an image we must maintain at all costs. 6) We have a man like Jorge already working for us who would supervise the planting and maintenance of the vineyard, as well as an excellent bailiff. 7) Politically it would mean that we would be collaborating with the authorities on the work study and realization of the Douro reconvertion.

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8) The chances of producing a high quality wine most years at Tua are nearly 100% except in a year like 1971! 9) We have a pilot vineyard at Tua already, which would give us invaluable information as to the qualities to plant (…). In conclusion I recommend that this project be given serious consideration.

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Documento 9: Entrevista de Michael D. Symington a propósito da escassez de vinho no Douro. Este artigo terá sido provavelmente publicado na revista Wine & Spirit Magazine, mas infelizmente não o conseguimos apurar com toda a segurança, 1973: PORT — PROBLEM OF MEETING DEMAND390 by Colin Parnell Shipments of port from Portugal during the first quarter of this year were some 30 per cent up on the comparable period of 1972. This good news, a reaffirmation of the continuing comeback of port, is not without its worrying aspects. The chief ones are the serious shortage of young replacement wines, rising prices and, a new element, speculation in the Douro. First there is the problem of producing enough port to meet the demand. At the end of the calendar year 1972 stocks of port wine in Vila Nova de Gaia in shippers’ hands amounted to 113,125,600 litres or say, 211,500 pipes. For every litre of sales the stock law requires there to be 3 litres of stock. So, on the basis of existing stocks, sales should not in theory exceed 38m litres or 71,000 pipes plus of course additional ‘sales capacity’ earned by the shipper on his purchases the previous vintage and which are still lying in the Douro at the end of December. These Vintage purchases allow the shipper 30 per cent additional sales in the following year and as about 100,000 pipes of port were made altogether in 1972 giving possible sales of 30,000 pipes, the theoretical maximum sales in 1973 are around 100.000 pipes. Maximum sales Last year total sales of port were 49.7 m litres, about 93.000 pipes, so in theory at least sales in 1973 can only be about 7 per cent more than in 1972 though the acquisition of old wines from the Casa do Douro, which if over five years old carry 100 per cent additional ‘sales capacity’ could to some extent increase this figure, but as their stocks of such wines are in very short supply, any such increase in the theoretical maximum sales possible in 1973 would be affected only very marginally. In 1972 between 60 and 70 per cent of the wine crop of the Douro was authorized to be made into port so this year it may be possible to increase the quantity by over one-third if the quality is right. As Michael D Symington of Silva & Cosens Ltd points out, a factor often forgotten in the port price equation is the man in the Douro. ‘Last autumn’, explains Mr 390

Publicado, provavelmente, na revista Wine & Spirit Magazine, 1973.

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Symington, ‘he was living in an atmosphere in which the shipper wanted to buy three times the additional quantity he was actually able to sell because of the three-to-one stock law. ‘Because there suddenly seemed to be such a boom in port, speculation appeared in the Douro. It has been a cause of profound worry to us. The element of speculation was as if gold had been suddenly found in the hills. The Douro farmers did realize last year that there was a shortage of wine and got higher prices but a great deal of the upsurge in price last autumn went not to the farmer but to the speculators. ‘The Portuguese Authorities have stated they intend to bring in regulations designed to limit speculation which derives in part from an inflow of immigrant money and from the fact that banks are giving loans more easily than they have in the past. ‘The retail price of top quality and vintage ports compared with ordinary ruby has been far too low,’ continued Mr Symington, ‘The Douro farmer in the better regions has not in the past received a price high enough to justify the low yield, the higher cost of production and the quality of the wine. ‘The combination of all these factors has led to the situation whereby since last summer the price of BOB port as a result of higher prices in the Douro and including sterling devaluation has been increased by some 60 to 70 per cent. ‘Looking back it is clear that the present upswing in consumer demand for port wine has taken us as a trade much by surprise, and the strong pressures from our customers to hold down prices during the Sixties when we had a succession of excellent Vintages all of large quantity led to an over-cautious policy as regards the creation of reserve stocks for future maturing, and the result is that these are now in desperately short supply. ‘To take the example of only one market, demand in W Germany for dated wines has been very high and has reduced perhaps more than most markets the reserves of old ports. Indeed, in our own particular case we have trebled the price of our 30 Year Old Port; nevertheless there is still a considerable demand for it and we have to put it on allocation. ‘There has been an upsurge in demand for port in all markets. Unlike most international drinks “all markets” means Europe which takes 96.7 per cent of all the port produced. ‘Last year there was a sudden rise in price because the Douro farmers realized that there was a shortage of wine. Some 80 per cent of port sales are in the enlarged Common Market so what happens within EEC is of vital importance to the trade in Oporto. A quota for port shipments at preferential duty rates to the EEC is supposed to 158

come into effect on 1 July. Unfortunately the quota is based on shipments in 1967-69. Since then shipments have increased considerably and the quota may represent only some 65 per cent of the sales this year. ‘The trade wants the quota to be increased since it is unrealistic for it to be based on the figures of the late Sixties,’ said Mr Symington. ‘I think it fair to say that there is a slight nervousness about EEC among the trade in Oporto. We are, of course, very pleased at getting port recognized in the Community as a produit d’origine. But no one knows at this stage how the changes in duties in the various member countries will affect the retail prices of port and thus in the last resort, consumer demands. ‘During the years of over-production in the Forties and Fifties Douro table wines did not have a ready market so large quantities were regularly distilled into brandy. The wine for this purpose was bought on a degree/litre basis regardless of quality or colour. Thus there was a tendency for many Douro farmers in the Fifties to plant white grapes or if red, high yielding varieties. There is plenty of white port, in fact there is too much today and we want to encourage the planting of red grapes of really good quality. ‘In answer to your question, yes there are some critics in the trade of the Portuguese Government’s promotion scheme for port brands. Naturally enough, the opposition tend to come from companies which are more BOB-oriented, especially as this promotion scheme comes in a time when there is such a great upsurge in demand for port and difficulty in meeting this demand’. Nevertheless, Mr Symington thinks that advertising for port should continue: ‘It would be very short-sighted to sit back and say, We can sell it because there’s a demand. ‘As a shipper I am not happy that demand is exceeding supply’, said Mr Symington. ‘The changes are happening too suddenly. There is a grave risk of complacency setting in certain sectors of the port trade. Some of this demand is a result of speculation abroad on future price rises. If we reach the stage where we cannot supply because people are hoarding and we cannot meet consumer demand we may lose some of our heard-earned markets again, as consumers may turn to other more readily available drinks’. The optimistic hope in Oporto is that with more wine being authorized to be made into port this year and with official moves against the speculators in the Douro the market may stabilize a little.

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Documento 10: Relatório de John K. Burnett, do Departamento de Produção da Cockburn’s, sobre os processos relacionados com a compra, produção e loteamento de vinho na região demarcada e nas instalações da empresa, 1973: RELATÓRIO DE J. K. BURNETT SOBRE AS PROPRIEDADES DA COCKBURN’S NO DOURO E RELAÇÃO COM OS VITICULTORES391 (…) 4. VINEYARDS At present we have an experimental vineyard at Tua planted with various grape varieties which produces 5 to 7 pipes of wine per annum. We have also small vineyard at Val Coelho and Pescoça which produce 5 pipes of wine per annum. Both the above vineyards are not mechanized and the necessary cultivation is organized by mule. We have recently, however, purchased Quinta da Chousa which is almost immediately next to our winery at Tua. We intend this year to build a lodge to accommodate 4,000 pipes of wine and also during this year to prepare and plant a vineyard suitable for mechanization which will produce 150 pipes of first quality wine. 5. VINTAGE At present our only contract with the grower is that of a gentleman’s agreement. We confirm this agreement by letter in July before the vintage. We supply brandy and also a representative to supervise the vintage. We also purchase grapes again by gentleman’s agreement, with payment after the vintage for our four wineries, three of which are located in the Cima Corgo and one which is situated in the Baixo Corgo near Régua. When wine is made by a farmer, we make after the vintage 3 payments for this wine, the last one being made by the 30th of June and this last payment will decide how much in fact we are paying for the wine. Perhaps at this stage it is a good idea to examine the methods of grape purchase and wine buying in the Douro. The Casa do Douro gives each year a total authorization for the Douro, for example, last year the total of wine which should be converted into port was 80,000 pipes. Each vineyard or area is catalogued by this body into several divisions, A, B, C, D and E, A for example being first quality. Authorization for the amount of wine that can be produced by a particular vineyard is granted to individual farms. Farmers then will either make this 391

ACB: Relatório de J. K. Burnett sobre as propriedades da Cockburn’s no Douro e relação com os viticultores. J. K. Burnett, 24 de Abril de 1973.

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wine under our supervision or make it themselves and sell it later, or decide to make table wine and sell their authorization to the port shippers or other farmers for the conversion of table wine into port. This process of selling authorization is illegal although I believe that such papers relating to this are sold quite openly on the steps of the Casa do Douro in Régua. This last vintage farmers with authorization for under 5 pipes off wine have by law to sell to the co-operatives. This perhaps is an indication that co-operatives will assume a greater part in the production of portwine in the future. We, as a Company, often have to buy grapes from farmers without authorization in order to obtain his grapes which have been authorized. We can cover this either by buying authorization, as was discussed in the preceding paragraphs, or by making table wine at our installations. For example, last vintage where we actually made wine at farms we had authorization for 5,000 pipes which was covered by the farmers. We made 7,000 pipes at our installations of which only 5,000 pipes had authorization, to cover the excess wine it was necessary to buy on the open market 2,000 pipes of such authorization. The buying of authorization apart from being illegal is a complicated matter since it is purchased at the last moment and has to be paid for at the going market price. Therefore the actual programming and controlling of our vintage in Portugal is a most difficult affair and at the moment can only be run on a day to day business. 6. QUALITY CONTROL OF CROPS At installations we examine the grapes for their appearance and also look at the Beaumé readings. However, at this stage we have not reached a situation where we set a price for the grapes dependent on their sugar content. At farms our representative ensures that no rotten or bad quality grapes go into the lagares. The minimum price for the product is in fact set by the I.V.P. and depends on the category of the grapes. We have, as already state, four installations. The installations at Foz Coa and Cadima have open tank fermentation tanks in which the red wine is pumped over and there is provision for cooling the must if the vintage proves to be a particularly hot one. At Tua we have a system of traditional lagares with the Movimosto and one lagar set up to operate a treading machine designed by John Smithes and Frank Clarke. This machine was designed to emulate the traditional method of vinification and in fact always produces an extremely good quality product. It, however, suffers from a lack of mobility and cannot be considered as an entirely suitable system for producing large amounts of wine. The Movimosto machine designed by Trevor Heath desires some further explanation which we can go into during this meeting. 161

In the Baixo Corgo at Lamego, we have an installation with open tanks and also a thermovinificator. The latter I am certain you are all aware of and I don’t think there is any need to go into the mechanical details of this machine except to say that it appears to produce a satisfactory stable colour extraction, and has the advantage that it can gobble up enormous amount of product with very little labour. 7. PROCESS CONTROL DURING FERMENTATION (…) In general our control of fermentation is of an empirical nature based, as in other wine countries, on years of experience. If necessary during the fermentation we will add a certain amount of sodium metabisulphite. This has basically two effects: in sufficient quantities it will reduce the speed of fermentation and will also ensure that the mass of grape skins on the surface of the lagar or tank is kept in a reasonable condition. 8. EXPERIMENTS DURING THE VINTAGE Throughout the last eight years we have maintained a pilot laboratory at one of the installations to record tannins, acidity and densities of the fermenting must. The reasons for doing this have been in the first instance to discover parameters by which we can judge scientifically a good year and also to eventually, we hope, reach a stage in our technology whereby we can take corrective measures if the grapes are lacking in perhaps tannin or total acidity. During these past eight years we also conducted various experiments, for e.g. last year we were able to use a Reverse Osmosis plant for the concentration of grape must and to use some pure yeasts, for fermentation studies, supplied by the Instituto do Vinho do Porto. The yeast experiments last year were most successful and we intend to male further large scale experiments this year. From our own point of view the use of pure yeast will give us possibly three advantages: 1. Improved organoleptic qualities. 2. Increased speed of fermentation resulting in a greater productivity. 3. The use of these yeasts should reduce the amount of sulphite binding compound produced in fermentation, which will allow less sulphur dioxide to be added to, for example, table wine during its maturation and stabilization. 9. PURCHASE OF WINE FROM OUTSIDE SUPPLIERS We only buy a small percentage of port each year. We buy from Casa do Douro, the main reason for this is that the wine from the Casa do Douro will give us further shipping rights. We also buy any old wine which is offered either by other companies or 162

by brokers, but the amount of old wine for sale in recent years has been extremely small and what is offered is normally of insufficient quality for our needs or is so highly priced as to make the operation uneconomic. We would also buy other wines throughout the year if we consider that those purchases will help our general stock position which presently is in a particularly difficult situation, as since 1970 the last two vintages have been disappointing. To assess the quality of wines purchased from other sources we rely primarily on tasting and back this up by laboratory analysis for strength, volatile acidity and beaumé. Sometimes we will send a wine to the Instituto for a determination of manganese since this is added by unscrupulous persons to give the wine a brown and aged appearance. The technical awareness of the average supplier is good and it is most important to assess wines submitted for purchase most carefully. 10. STORAGE AND MATURATION Types of containers namely, pipes, tonels ranging from 5 to 50 pipes and vats ranging from 25 to 100 pipes. Concrete tanks from 25 to 40 pipes capacity. Mild steel tanks, stainless steel tanks and balloon tanks of capacity 90 to 240 pipes. We have at present a total storage capacity of 32,600 pipes. We have for example in cask in the Douro 3,470 pipes and in Gaia 14,240 pipes. In vats and tonels we have in the Douro 3,200 pipes and in Gaia 2,520 pipes. In concrete and steel tanks we have in the Douro 5,700 pipes and in Gaia 3,462 pipes. One point which might be mentioned here is that it is most important to have at least 65-70% of our total stocks in wood, as storage in manmade steel and concrete will not produce a wine of a character we require. 11. TEMPERATURE OF STORAGE Douro 20ºC ambiente, range -3ºC to 25ºC Gaia 18ºC ambiente, range +2ºC to 20ºC We make no use of inert gas either in our storage of fortified wine or in our table wine lodge. 12. QUALITY CONTROL PROCEDURES DURING FERMENTATION Wines of the year are tasted every 3 months. After one year they are again tasted with a similar frequency. Wines of 2 years and above are examined every 6 months. At the time of every tasting the laboratory determines the alcoholic strength and volatile acidity.

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13. BLENDING AND RACKING Wines of up to 2 years age receive a racking every 3 months. Wines of up to 3 — 4 years receive a racking twice a year and wines above that age receive a racking only once a year. Wines depending on their age and quality, receive an amount of sodium metabisulphite, on reception in Gaia. 14. STABILISATION Wines are either fined before shipment or bottled or are refrigerated. No wines above the age and quality of the Harvey Hunting port receive refrigeration before shipment. They will only receive a gelatine fining and possibly a polishing filtration. The refrigeration plant has been in operation here since 1957 and we can explain it in more intricate details of its operation if necessary during our discussions. 15. DISPATCHING BULK. Either in a variety of casks, containers and ships tanks. 16. BOTTLING At present we have a semi-automatic bottling line but in the space of the next month we will have an automatic line with maximum output of 240 doz[ens] per hour.

JKB/YI 24/4/73

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Documento 11: Artigo publicado na revista Wine & Spirit Magazine, sobre a escassez de vinho e especulação no Douro, 1973: SCRAMBLE FOR WINE IN THE DOURO AS PRICES ROCKET 392 from Oporto Correspondent The last four weeks have been among the most eventful in Oporto and the Douro for many years. First during the last few days of August the question of the new “Contrato de Trabalho” between the Lodge Workers’ Sindicato with the Port Shippers “Gremio” was at least resolved by arbitration with the result that the lodgemen’s wages have been increased with effect from 1 September by approximately 100 per cent compared to the last Contract of 1969. In practice most if not all shippers have made annual increases of some 15 per cent but even so, the level now payable to the lodge workers and bottling women represents an immediate rise of 40/45 per cent on their existing salaries which have ruled since January of this year. Though the Coopers’ Sindicato Contract is not due for review until early 1974, if no increase was made in their wages they would have fallen behind those paid to the Lodgemen, which would have created an impossible situation, and so again most if not all shippers felt themselves obliged to increase their Coopers’ Wages to maintain more or less the same differential as has existed up to now. An increase of 40/45 per cent in the existing wages for shippers’ entire labour force in Vila Nova de Gaia will have an effect on costs which will be obvious to all, and further comment on the situation is superfluous. But of far, far greater importance to the Port Wine Trade in general than a mere 40 per cent (!) increase in wages is the absolute explosion in prices of the 1973 vintage grapes and musts that have taken place during the three weeks since the issue of the “authorization” cards that legalize the making of musts into port wine. Up to the end of August it had been expected that as compared to the 1972 Vintage (which, it may be recollected, was substantially up in price on 1971) the 1973 vintage grapes and musts would work out not much more than some 60/70 per cent up on last year. Unfortunately, this estimate has proved to have been wildly out and

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Artigo publicado na revista Wine &Spirit Magazine, Outubro de 1973

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currently prices are running at more than double this estimate and do not appear to have reached a stable level yet. Many shippers attempted to issue no prices at all prior to the vintage trusting on their regular farmers to agree to hand in their produce in the normal manner with the agreement that “current” prices for each region would be paid in due course. However, such was the speculation — in every sense of the word — that it proved impossible except in isolated cases to maintain this traditional approach, and in effect a wild scramble developed throughout the whole Douro region for available wines and a “good” price that was mentioned one day, proved hopelessly out of date by the next. A factor that had a very profound influence on the whole situation was the decision by the newly formed Union of Co-operatives of the Douro Region not to sell any of their produce individually as hitherto but to organize an auction for the total of their joint production of Port (estimated at some 25.000/30.000 pipes of an unknown proportion of Red and White Port) to one buyer only. Only four day’s prior notice of the intention to hold the auction was given and as no shipper wished to compete under the stipulated conditions, the sale was effected to a group of Douro “Commerciants” who had recently formed themselves into a company to purchase and hold wines in the region, thus effectively removing from the scene as far as the normal laws of supply and demand are concerned, some 20 per cent of the current year’s production. This unfortunate factor, coupled with continued strong demand from all shippers for replacement stocks, had the effect of pushing up prices daily to the point where, at the outset of the actual Vintage on 17/20 September, current guaranteed minimum prices being demanded and obtained by Farmers were running at more than 150 per cent up on the prices paid for the same vineyards in 1972. “Guaranteed Minimum Prices” is stated for in the unprecedented conditions of never-ending reports and rumour of the prices being obtained in the various regions, many farmers were not prepared to fix a definite price for their produce but would only agree to sell at a fixed guaranteed minimum with the understanding that if prices continued to rise in their region the shipper or purchaser would agree to accompany the ruling rates in due course. Furthermore many farmers having seen the sharp increase in 1972 prices that immediately followed the last vintage, decided to make “for their own account” this year thus reducing still further the quantity of 1973 wines to meet current demand. Up to now the high price of brandy has been one of the main factors affecting the cost price of port, but this year in spite of the fact that the official brandy price has 166

been fixes at exactly 33.3 per cent up on last year, its actual cost has now been far overtaken by the prices of the grapes or musts in even the lowest category of vineyards. The situation, therefore, as regards not only wages but especially the 1973 vintage costs really defies any sensible comment, and the reader of this report will not find it difficult to imagine the profound preoccupation among shippers in Vila Nova de Gaia of the likely effect that presents conditions in the Douro will have on future sales of port wine. Few will deny that the Douro farmer has had a hard life up to now and historically speaking port wine has not been able to command sufficiently high prices to enable him to receive a really fair reward for his intense labour; this applies especially to the districts of the Upper Douro which produce the finest wines. But in the present situation the pendulum has undoubtedly swung much too far in the opposite direction and it is difficult to foresee the recent increase in the sales of port in all our main markets being maintained with the sort of FOB Oporto prices that the current situation will oblige all shippers to introduce in the very near future. To comment on the weather, the first two weeks of September were wet and cold and while the first rains were most welcome, almost too much fell. But providing we see now a return to hot sunshine for the start of the vintage, little if any damage will have been caused. If however the wet weather continues it could prove a bitter disappointment to the hitherto excellent prospects for the 1973 vintage — excellent that is, in all respects except for those of prices.

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Documento 12: Entrevista dada por um responsável da Harvey of Bristol ao jornal inglês Morning Advertiser sobre as implicações da Revolução do 25 de Abril na actividade empresa, 1975: PORT ‘UNAFFECTED’ BY UPHEAVAL393 With the future of thousands of gallons of Port still in the balance, Harveys of Bristol — who market Cockburn’s — have reported that the current political activity in Portugal has had no effect on the Trade. “Although the political situation may be unsettled, the Port trade based in the north of the country, in Oporto and the Valley of the River Douro, has been completely unaffected”, say Harveys. “In the vineyard area of the Douro Valley there is absolutely no indication that political changes have place in the country”. Recession The company points out that although world Port consumption has declined during the last 18 months, this is due to the general world recession caused mainly by increased prices, and has not been brought about in any way by the Portuguese political situation. Last year nearly 10 million gallons of Port were exported from Portugal, and this important trade, worth about £32 million, depends upon the close co-operation of shippers with the Port wine authorities and the multitude of Douro wine farmers. “The relationship of the many British companies, such as Cockburn’s — who have been based in Oporto for hundreds of years — with the Portuguese is as close and friendly as it has always been. The shippers’ links with the thousands of wine producing Douro farmers are as firm and loyal as ever. “Port shippers do no own large vineyards, as in the case in some wine producing countries, and they traditionally buy either grapes, to be processed in their own installations, or wine from the Douro farmers. “Regardless of size, no shipper is self-supporting, and the various firms buy the great majority of wine from farmers, of which there are over 27,000 in the region, each owning on average about two-and-a-half acres of vineyards. The yield in this harsh country is low, only four pipes (464 gallons) per acre, so it is essential for shippers to deal with hundreds of different suppliers with whom they must have good relations. 393

Publicado no jornal Morning Advertiser, 2 de Abril de 1975.

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“Old established shippers like Cockburns have been dealing with the same families for generations and a very close bond exists between these traditional partners in the making os Port wine. This system has worked well for centuries and regardless of what changes may be taking place elsewhere in the country, the shippers have no intention of ending this happy partnership. “The recent political changes have not altered the traditional methods of producing Port wine, and the ties and friendships which exist between shippers and farmers are as strong now as they have ever been in the trade’s long history”. Despite the recent slump, major investment has taken place in the past few years and Cockburns have invested heavily in Portugal on a new vineyard, and in large scale improved production, maturing, and storage facilities. This investment programme has continued and in fact been increased since the change of government in April, 1974, which “has in no way curbed this company’s developments in Portugal,” say Harveys. Happy The long-established British shippers continue to enjoy a happy and close relationship with the Portuguese community at all levels, and the Port trade is confident that the current political activity will not affect the traditional methods of production, or growth and popularity of Port. Mr. Tim Clarke, chairman of the Port Wine Trade Association, said yesterday that a meeting of EEC Port importers would be held in Brussels on April 16. As yet the EEC have not made a decision concerning the Port known to have been produced with synthetic alcohol.

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Documento 13: Artigo publicado na revista inglesa Harpers, a propósito da inauguração das novas instalações da Cockburn’s na Régua, 1977: COCKBURNS NEW PLANT AT RÉGUA394 In order to meet the increased world demand for Cockburn’s Ports, Cockburn Smithes has recently built and stocked a Port wine Lodge at Régua in the Douro Valley. This major project, the largest to have been undertaken by any port shipper for many years, will enable the company to store and mature an additional 11,000 pipes — about 1¼ million gallons of port. All storage in the Santa Maria Lodge is in the traditional oak — pipes, tonels and vats — still by far the finest method of maturing high quality port. This new Lodge at Santa Maria, Régua, was opened by the Portuguese Minister of Agriculture Mr. António Barreto, in the presence of Dr. António Celeste, Secretary of State for the Foreign Trade; Mr. M. Goulding, Chargé d’Affaires, British Embassy; Dr. C. Sousa Bothelho, Civil Governor of the Vila Real District and Eng. Serpa Pimentel, President of the Instituto do Vinho do Porto, and Cockburn’s Managing Director in Oporto, Dr. António Filipe, and Cockburn Director, John Smithes. Other civil authorities connected with the Douro area attended the opening ceremony an also many local vineyard owners from whom Cockburn’s have been buying wine for many years. Nearly 700,000 gallons of fine port at the Santa Maria Lodge will mature in huge oak vats which are capable of storing over 40,000 gallons each. The majority of these vast oak ‘casks’ were used in Britain for over seventy years. As they were in danger of being destroyed, Cockburn’s had these vats ‘shook’, or dismantled, by their English and Portuguese coopers and reassembled by them in the new Lodge.

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Publicado na revista Harpers Magazine, 25 de Novembro de 1977.

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