Pobres contra pobres (Xenofobia na África do Sul)

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Pobres contra pobres (Xenofobia na África do Sul) Data: domingo, 26 abril 2015,

Texto de André Matola

Imagem do Presidente Jacob Zuma beliscada. Eleições Municipais em Maio do próximo ano. Conferência Nacional do ANC em 2017 - de onde sairá a nova liderança do partido e o candidato a Presidente da República – Eleições Gerais em 2019, são alguns fenómenos que podem explicar porque é que os líderes das principais forças políticas sul-africanas se tolheram na condenação dos actos xenófobos que agora obrigam o governo de Zuma a encetar um périplo pelos países da SADC para lavar a cara. Amanhã, segunda-feira, 27 de abril, a África do Sul (RSA) completa 21 anos de democracia. À luz dos últimos acontecimentos, ataques xenófobos, que ilações se podem tirar? A África do Sul de hoje é resultado de um longo período de opressão. Surge ou ressurge do Apartheid, mas as ideias e os métodos de luta permanecem. Com à chegada de 1994 (ano da realização das primeiras eleições gerais), os sul-africanos passaram a acalentar esperanças de uma maior inclusão, maior possibilidade de desenvolvimento económico e de vida. Sucede que a RSA foi desenhada para pouco mais de cinco milhões de habitantes de raça branca. Excluía os negros. Este fenómeno persegue, em parte, a história da RSA. Então? A violência que vemos na xenofobia era uma prática que os negros usavam para reivindicar os seus direitos. Está enraizada. Por a RSA estar democratizada, as pessoas acreditavam que não haveria mais necessidade de fazer esta luta. Só que sentem que, do ponto de vista económico, os programas que o ANC trazia (Black Economic Empowerment ou National Plan) não estão a surtir os efeitos desejados. Muitos continuam pobres. Então se apegam à presença de muitos estrangeiros para justificar os seus problemas. E qual tem sido o papel dos políticos? Apercebendo-se dessas fragilidades, mas querendo ilibar-se das responsabilidades que têm dentro do Estado vão de forma tácita concordando com esta percepção e mostrando que “nós fizemos muito, mas não está a dar certo, porque há muitos imigrantes”. Depois, a presença de estrangeiros é também utilizada para a disputa do poder dentro do ANC. Pode elaborar um pouco mais sobre isso? A liderança do ANC, em especial a pessoa de Jacob Zuma, está beliscada por causa dos actos de corrupção de que é acusado. Isso fragiliza a imagem de um líder cuja etnia é maioritária, isto é representa 1/5 de toda a população sul-africana. São entre 9 e 10 milhões de habitantes, seguidos dos xhosas que são cerca de 8 milhões. As diferenças e disputas internas são marcantes. É recordar como Thabo Mbeki saiu do poder após suceder Nelson Mandela, ambos xhosas. Houve quem pensasse que houvesse uma espécie de Constituição xhosa nostra. E nessa perspectiva? Os zulus fizeram tudo para conquistar o poder. Com a aproximação de 2017, ano da realização da Conferência Nacional do ANC, há também urgência em fortificar a etnia zulu para que seja mais coesa. Isso faz-se criando elementos externos como inimigo. Hoje a África do Sul é lida a partir da etnia zulu. Diz-se que eles são confusos,

e por se sentirem vilipendiados unem-se. Tenho sérias dúvidas que o vice-presidente do ANC, Cyril Ramaphosa, de etnia venda, sobreviva na Conferência Nacional de 2017 caso se candidate à Presidente da República ou à Presidente do ANC por causa da minoria da sua etnicidade e da disputa que os zulus sentem, porque acham que estão no direito de governar o país por serem a maioria. Este factor político levanta a questão de sucessão entre os próprios zulus sobre “quem vai passar na Conferência de 2017”. Umas das figuras que se aponta poder concorrer é a antiga ministra dos negócios estrangeiros Nkosazana Dlamini-Zuma, também ela zulu. Tem hipóteses limitadas por ser mulher e estar numa

sociedade muito masculinizada. As pastas mais relevantes do governo de Zuma são ocupadas por indivíduos da sua etnia. Tudo isso obriga a que se tente lavar a figura do Presidente da República. Outro elemento a ter em conta é a economia. Até que ponto pesou no que aconteceu?

Os factores económicos é que tornaram possível a mobilização que se verificou. As pessoas que estão nas ruas não percebem da provável instrumentalização política. O que eles notam é que no seu país há muitos imigrantes a competir pelo acesso ao emprego e isso afecta os mais pobres. Aliás, o que se assistiu foi a classe baixa sul-africana em confronto com a classe baixa de estrangeiros. Este fenómeno acontece em todos estados africanos, porque não obstante independentes politicamente, falta a independência económica. ALARGAR A CLASSE MÉDIA Qual são as possíveis saídas para este problema?

Passa pela ampliação da classe média na África do Sul e nos países da região e pelo crescimento da economia e desenvolvimento dos estados e melhores salários. As pessoas quando têm as necessidades básicas satisfeitas são menos propensas a violência. O filósofo e sociólogo francês Emile Durhein dizia que “a paz interessa à classe média porque os pobres não têm nada a perder e os ricos podem viver em qualquer parte”. Temos de construir sociedades em que as pessoas tenham algo a perder. Os principais órgãos de comunicação planetários como CNN, Euronews, BBC, desta vez dedicaram muita atenção aos actos de xenofobia ocorridos nas cidades de Durban e Joanesburgo. Isto faz mudar alguma coisa? Duvido. Os factores que mencionei são internos e regionais. Hoje podemos condenar a África do Sul, mas nós, também, como estados vizinhos temos quota-parte de responsabilidade sobre o que está a acontecer. Os Estados da região não conseguem criar oportunidades para os seus nacionais. Então os edifícios da África do Sul parecem ser a solução dos seus problemas. Os estrangeiros vão disputar com os locais a venda de recargas de telemóveis, cintos, corta-unhas. E acham que ganhar em Randes é muito melhor do que viver em Moçambique, no Malawi ou no Zimbabwe. A verdade é que a África do Sul não é mais o eldorado. E nós não fazemos nada para desmistificar isso. Atenção. Não é para as pessoas deixarem de ir à África do Sul. Ir, sim, mas com dignidade. O Black Economic Empowerment e o The National Plan falharam, porque abranger aquela população que estava excluída é um exercício de 50 anos provavelmente, apesar da robustez da economia sul-africana. Mas… É preciso consciencializar as pessoas a não viver pobres em Moçambique, no Zimbabwé, na Zâmbia, no Malawi. Têm de ter consciência de que as oportunidades que eles criam lá podem tê-las aqui. Moçambique tem o exemplo dos sete milhões. Se dizemos aos sul-africanos que têm de informar os seus medias que a nossa história é comum, nós também temos que educar que imigrar não é solução para os nossos problemas. Depois de tanta violência com que cara fica a África do Sul perante os outros Estados da SADC? Creio que se abre uma espécie de linha de frente latente. Soube, por exemplo, que a Zâmbia deixou de passar música sul-africana na rádio e na televisão. O Malawi fez intervenções vigorosas. Num curto espaço de tempo conseguiu transportar de volta à pátria os seus cidadãos e ameaçou cortar relações diplomáticas caso o governo sul-africano não dê explicações convincentes sobre o que se passou. Os países vizinhos pagaram uma factura pesada por apoiar a luta antiapartheid, dai o sentimento de relativa frustração por causa do que aconteceu.

Interessa à tribo zulu e a Zuma que este conflito dure um pouco mais para que as pessoas se esqueçam dos problemas reais e o rei Goodwill Zwelithini seja vista de facto como importante. Quando ele disse começar, foi obedecido. Quando disse cessar, as hostilidades pararam. MUNICIPAIS DE 2016 Com as eleições municipais à porta, Maio de 2016, os partidos políticos sul-africanos não se mostraram com a excepção de Jules Malema. Será o receio de penalização nas urnas? Obviamente. As eleições autárquicas são também uma forma de pré-visualizar o que vão ser os debates dentro do ANC para as eleições gerais de 2019. Os partidos políticos se abstêm porque entendem que quem está a reivindicar são nacionais contra a população externa. Têm medo de tomar posição contra o próprio povo. Repare que os quadros do ANC que se mostraram à população em Kwazulu Natal não são do topo do partido e nem sequer foram vigorosos. Depois, o ANC não é ideologicamente coeso (ANC+ COSATU+ Partido Comunista). Façamos a destrinça? Enquanto a COSATU defende mais o trabalhador e o emprego, o Partido Comunista mostra que é preciso criar uma sociedade igualitária. Já a elite do ANC está preocupada com a forma como se pode enriquecer. É mais liberal e representa um pouco o pensamento de Thabo Mbeki (defensor de uma economia forte). O vice-ministro sul-africano do Comércio e Indústria, Mzwandile Masina, disse na passada quartafeira em Joanesburgo que com a onda de violência xenófoba o país perdeu biliões de rands das receitas de exportação. Os estrangeiros são ou não peça chave na economia sul-africana? Claramente que são. Por exemplo, a classe média moçambicana faz compras na África do Sul. Nas últimas duas semanas não foi. Posição idêntica tiveram os zimbabweanos, malawianos, zambianos que também vão por períodos muito curtos. O Malawi ameaçou cortar a importação de produtos sul-africanos. A Nigéria é outra potência do continente que ficou descontente e pode retaliar. Mas também temos de ser frontais e reconhecer que os estrangeiros qualificados são melhor aceites lá. Este foi o último episódio de violência xenófoba? Não, necessariamente. Em 2008, quando aconteceu o primeiro episódio de violência também houve forte convulsão política. A forma como foi deposto Mbeki era também resultado da forte fricção interna dentro do ANC e a necessidade de desviar as atenções em relação a Jacob Zuma que acaba de ser ilibado. Ocorriam vários fenómenos políticos que acabaram eclodindo também em jeito de xenofobia. Penso que sempre que tivermos uma grande transição na África do Sul e continuar a percepção de que os zulus têm que se manter no poder provavelmente venha acontecer. As lideranças vão recorrer aos mesmos métodos que deram resultado no passado. André Matola

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