Pode a felicidade resultar do crescimento econômico e tecnológico?

June 22, 2017 | Autor: N. Vieira Oliveira | Categoria: Economia, Sociologia, Tecnologia da Informação, Comportamiento Humano
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Pode a felicidade resultar do crescimento econômico e tecnológico? Nilson Oliviera Na questão acima está contida uma série de outras perguntas de respostas difíceis – quando não impossíveis – sobre as limitações da ciência econômica e de todo o aparato tecnológico moderno para transformar para melhor a vida das pessoas e tornar nossas vidas cotidianas mais felizes. Perguntas de respostas difíceis são freqüentemente negligenciadas. Com certa ousadia, o Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial, a FAAP e o Banco do Brasil se propuseram a debater sobre isso numa conferência realizada nas noites de 23 e 24 de abril passado, na FAAP. Com a visão de renomados profissionais de áreas diferentes como Economia, Direito, Jornalismo, História, Engenharia, Filosofia, Administração e Comércio acerca do tema Economia, tecnologia e felicidade, a conferência procurou discorrer sobre causas e efeitos complexos por serem pouco mensuráveis. Eduardo Giannetti, que falou sobre o paradoxo da aceleração do tempo já discutiu a hipótese da descoberta de uma “pílula da felicidade instantânea” (Nada é tudo, 2000). Um remédio muito barato, sem efeitos físicos colaterais e que não causasse dependência. Tomando-a, “o engraxate continua engraxando, o cobrador continua cobrando e o especulador, especulando”, só que num estado de euforia tal que todos se sentiriam num “Olimpo subjetivo”. O problema é que traria fortes implicações de cunho moral porque a felicidade química se choca com a ética da vida humana. Seria um “suicídio moral”. Giannetti justifica essa conclusão citando Marvin Minsky, um dos pais da inteligência artificial do MIT: “Se pudéssemos deliberadamente controlar os nossos sistemas de prazer, seríamos capazes de reproduzir o prazer do sucesso sem a necessidade de realizar coisa alguma – e isso seria o fim de tudo.” Em sua apresentação Giannetti mostrou que um tipo de atendimento a um anseio secular dos indivíduos – dominar com técnica e tecnologia o tempo e as informações – está, depois de inebriar de alegria os seres humanos, mostrando sua face mais cruel: “embora façamos as coisas que desejamos em cada vez menos tempo, sentimos cada vez mais a falta de tempo para fazer o que desejamos”. Na ansiedade de produzir mais em menos tempo para alcançar nossos sonhos – e investimos, estudamos e participamos de congressos – temos como 1

resultado a percepção de que tudo isso só nos reduziu o tempo de diálogo com nossos amigos e a convivência com nossos filhos. Precisamos, mais do que supúnhamos, do elemento contemplativo. Paul Duguid, que junto com John Seely Brown, escreveu o badalado The Social Life Of Information (2000), obra já traduzida para 7 idiomas (sua versão em português está no prelo), também discorreu sobre os limites da informação pelo seu lado filosófico e moral. Ponderando jocosamente sobre as soluções propiciadas pela assim chamada Lei de Moore (Gordon Moore, um dos fundadores e sócios da Intel) – que estipula que a velocidade dos processadores duplica a cada 18 meses – diz que essas soluções “partem da premissa de que mais poder (de processamento) irá, de alguma forma, resolver os mesmos problemas que ajudaram a criar”. Um deles é a retomada da centralização da decisão. Acreditava-se que com o advento da tecnologia da informação (TI), a estrutura do ambiente de trabalho tenderia à descentralização das decisões. No entanto, argumentou Duguid, o que está acontecendo é o contrário porque a alta gerência passou a ter um controle muito mais rigoroso acerca do que se passa no chão de fábrica e o que o mercado consumidor quer. Sobra cada vez menos espaço para a criatividade dos operários e supervisores. Por certo, esse argumento pode ser questionado. Produtos e empresas em diferentes setores com culturas diversas podem assumir suas idiossincrasias que poderão ou não resultar em sucesso em suas distintas formas internas de se organizar. Duguid reforça sua tese apontando que as “tecnologias da informação se tornaram capazes não só de transmitir e armazenar informações como também de produzi-las sem intervenção humana”. Isso faz chegar ao limite da concentração da decisão e do poder dentro das firmas. Esse último comentário faz a lembrança do computador rebelde de 2001 Uma Odisséia no Espaço (S. Kubrick) saltar em nossa mente. O deputado federal Julio Semeghini, relator da Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara Federal, prosseguiu à fala de Duguid apontando o que de efetivo o Brasil tem feito para alcançar um nível mais condizente no mundo da TI dado que é hoje o terceiro mercado de software do planeta. Para ele, isso nos permite exigir mais contrapartidas das mega-empresas de TI estrangeiras que tanto faturam aqui. Há formas de realizarmos isso através de negociações e regulamentações específicas. Para o parlamentar, boa parte das versões em português dos softwares aplicativos e de entretenimento vendidos aqui já são feitos e adaptados no Brasil. Ele observou que a Índia é um modelo interessante porque está criando inteligência não só para atualizar e 2

adaptar softwares mas também por criar novos sistemas para bancos de investimento e empresas de todo o mundo. Finalizou apontando o esforço que o governo federal está fazendo a fim de democratizar o uso do computador e o acesso à Internet em todas as escolas públicas do Brasil até o final de 2002, ao mesmo tempo em que permitirá levar o acesso à rede em localidades antes improváveis. O ex-ministro da Fazendo e atual secretário-geral da UNCTAD Rubens Ricupero, sempre preocupado com o crescimento do fosso que separa os países ricos dos mais pobres, se perguntava se a Revolução da Informação reverterá a “desigualdade crescente entre e dentro dos países”. Ele sugeriu em sua apresentação que a resposta é desconhecida. Destacando que a revolução predecessora – a Industrial – teve como efeito colateral da criação do mundo desenvolvido o surgimento do subdesenvolvimento, o ex-ministro destacou que, na verdade, a TI por si só não gera o subdesenvolvimento. O que acontece é que ela exige mudanças de atitude na forma como as coisas devem ser feitas. E é justamente esse conhecimento que não é repassado na mesma velocidade para os diferentes países. O atraso relativo e a iniqüidade se aprofundam. Outro problema é que a concentração do conhecimento tecnológico em poucos países acaba por atrair as “mentes mais brilhantes dos países em desenvolvimento” ou subdesenvolvidos. Nesse sentido, o exercício exacerbado das leis de propriedade intelectual pelos países ricos – que vão da seqüência genética e códigos básicos de computação aos compostos químicos – tem legitimidade – legal e moral – duvidosa e pode ser a pá de cal nas aspirações de melhoria das condições sócioeconômicas das nações não desenvolvidas. Mesmo quando se avizinha uma crise mais profunda no mercado das empresas de TI, com o índice NASDAQ tentando encontrar seu ponto de equilíbrio cada vez mais para baixo depois da bolha especulativa dos últimos anos, pode-se prever que os efeitos nos países pobres poderiam ser mais danosos e reais que nas nações superindustrializadas. Lá possivelmente ocorra uma depreciação generalizada nos ativos. Enquanto fora de lá, alguns países poderão entrar em crises cambiais e graves problemas de acesso aos capitais e mercados consumidores dos países ricos. E aqui não haveria somente problemas de depreciação dos ativos e reservas, mas de quantidade de calorias – em geral já abaixo do ideal – nos pratos de comida das famílias mais pobres. Robert Wright perpassou por todas essas discussões para tentar responder se a globalização vai nos fazer mais felizes. Por um grave e subido mal pulmonar ele não pode vir à conferência – inclusive sendo submetido a uma cirurgia 3 dias antes da data 3

de sua viagem ao Brasil. Como antes, porém, havia escrito um paper para a sua apresentação, pudemos apresentar aqui algumas de suas interessantes idéias. Autor de duas obras obrigatórias acerca da evolução da inteligência e da complexidade biológica dentro do campo da filosofia da ciência – O animal moral (1996) e Não-Zero - a lógica do destino humano (2000) – ele relativiza o tão propagado empobrecimento dos países quando afirma que a abertura maior das economias deixou o mundo mais próspero. Por outro lado, destaca que houve com a globalização um claro alargamento do “abismo entre a renda per capita dos países ricos e a dos países pobres”. A chave para a resposta à pergunta se a globalização nos deixará mais felizes é que nosso sentimento de felicidade é mais decorrente de fatores relativos. Ficamos mais felizes quando percebemos que estamos podendo adquirir mais e viver melhor que vizinhos e amigos que antes tinham a mesma condição econômica e patrimonial que nós. Ele citou o pesquisador Robert Frank, que coordena uma pesquisa em muitos países para identificar o grau de felicidade que o desenvolvimento econômico gerou na sociedade. A resposta foi deprimente. Parece haver indícios de que após a faixa dos US$10 mil de renda per capita, as pessoas dos países ricos não conseguem traduzir em mais felicidade melhorias consideráveis em seu padrão de renda e de consumo. Nas nações pobres, onde acréscimos de renda podem significar ter acesso a coisas básicas, o acréscimo de felicidade pode ser mais percebido com o crescimento e o desenvolvimento. Paradoxalmente, à medida que os países mais pobres se globalizam e começam a identificar a distância que ainda estão dos indivíduos dos países ricos, é muito provável que o sentimento de felicidade se deteriore. O decano dos jornalistas financeiros norte-americanos Martin Mayer trouxe a discussão para um lado mais prático e técnico: como deve agir a principal autoridade monetária do mundo – o banco central americano, FED – diante dos desafios que surgem com a assim chamada “nova” economia. Primeiro ele destrói o conceito de que há uma nova economia. Para ele, os problemas são os mesmos de antes, apenas agravados por velocidade e escala maiores. As crises nas ações de tecnologia e os riscos de pouso forçado da economia dos EUA apenas farão com que gastos e investimentos sejam adiados para um futuro mais previsível. Não há como retroceder do que já se alcançou no uso da TI. Além disso, muitas empresas ainda têm de investir para alcançar o nível tecnológico de suas concorrentes diretas, o que garante alguma pujança – só que num ritmo menor – para as empresas de tecnologia. A “redução do nível de felicidade” dos investidores e dos empreendedores na área de tecnologia, para Mayer, é salutar para 4

que mais adiante esse setor caminhe num ritmo mais realista. Uma das contribuições importantes de Martin Mayer diz respeito à questão do crédito. Para ele esta questão está ainda intimamente ligada à sobrevivência e crescimento das empresas de tecnologia. Enquanto superinfladas pelos movimentos especulativos irracionais, as ações de tecnologia ofuscavam as verdadeiras vantagens para a vida moderna dos ganhos do desenvolvimento tecnológico. Agora, quando todos são mais conseqüentes com suas análises e decisões de investimento, há uma preocupação maior em, além de “ver as torres e as bandeiras”, ver também “os fundamentos” das empresas e a capacidade que terão de gerar algum lucro no futuro. Com grande perspicácia, Mayer ilustra que, já em 1959, “a Comissão Radcliffe, da Inglaterra” descrevia “o que aconteceria com a economia quarenta anos depois: ‘Em condições de boom, créditos comerciais podem ser usados para financiar uma expansão contínua ... Mas, se o sonho acaba ... com as medidas tomadas pelas autoridades... provocando um receio geral de liquidez, poderá acontecer uma contração violenta no crédito comercial... e bancário’ ”. O papel das autoridades monetárias é bastante limitado – e até inapropriado – para promover “a atividade na economia real”, especialmente sob situação de susto generalizado. Mas há um fato notório. Tanto o todo-poderoso Alan Greenspan, presidente do Fed, quanto os demais presidentes de banco central, podem propiciar mais ou menos felicidade. No entanto, os problemas maiores residem justamente nos resultados não eqüitativos de suas medidas e políticas. Há conflitos claros entre gerações, classes sociais, regiões e países, que são impossíveis de resolver ou atender sem gerar transferências muitas vezes injustas ou questionáveis. A historiadora Maria Luiza Marcílio, pesquisadora da educação no Instituto Fernand Braudel, aprofundou sobre a importância da educação com qualidade como meio e fundamento para a solidificação de uma sociedade que se pretende desenvolver de forma mais justa e sustentável. Traçando um elaborado histórico sobre a educação pública no Brasil, ela destacou os erros e acertos mais marcantes nas reformas de ensino no país e, especialmente, em São Paulo. Albino Ruiz Lazo, pesquisador do Instituto Braudel no Peru e que recentemente teve um paper sobre a recente migração de peruanos e bolivianos a São Paulo publicado pelo Braudel Papers, que também substituiu Robert Wright, aprofundou essa importante questão. Retomando o caso dos imigrantes andinos, hoje tão presentes como operários na indústria de confecção dominada pelos coreanos no Pari e Brás, bairros do centronorte de São Paulo. Ele alertou 5

O ex-titular dos Ministérios da Fazenda, da Administração e Reforma do Estado e da Ciência e Tecnologia, Luiz Carlos Bresser Pereira, falou sobre o papel da política na geração da felicidade. Iniciou desconcertando a utopia de que a política possa ter como objetivo a felicidade. Pontuando os quatro objetivos fundamentais da política, que são a estabilidade (ordem social), a liberdade, a justiça social e o bem-estar econômico, o ex-ministro completou que estes objetivos se interagem entre si e apenas podem conduzir a mais felicidade. Fazendo um panorama da história da política nos últimos dois séculos, Bresser Pereira assinalou os fatores que fizeram com que algumas sociedades economicamente se desenvolvessem tanto enquanto outras menos ou quase nada. Para ele a maneira como as populações das diferentes nações conseguiram evoluir de uma sociedade de classes (ricos e pobres) para uma sociedade com democracia de estado civil (onde a classe média é a mais representativa e atuante), fundamentou o sucesso relativo dos países ricos daqueles remediados e pobres. Para ele, no caso do Brasil, ainda estamos numa fase latente desse tipo de evolução para uma sociedade de classe média. Ainda temos como traço marcante uma sociedade onde há um grande fosso separando poucos muito ricos de muitos muito pobres. Nossa democracia de elites está sabidamente mais adiantada em relação aos países africanos. Mas eles sequer têm conseguido avançar para a fase inicial de revolução capitalista. Infelizmente, segundo Bresser, nossas esquerdas não têm contribuído para avanços significativos no Brasil porque estão “comprando muito fácil” as idéias dos conservadores dos países desenvolvidos: a de que não há alternativas ao modelo de globalização de sotaque anglo-saxão. Tom Mayer, advogado nova-iorquino especialista em falências nas empresas de tecnologia nos EUA, descreveu em sua exposição que, de uma forma ou outra, perdas têm de ser repassadas quando quebras acontecem. O importante nessas horas é saber gerenciar de tal forma os problemas que não sejam inviabilizados nem os credores financeiros, nem os fornecedores, e que ainda possam dar alguma chance de que esses negócios voltem a se revigorar para manter empregos e o crescimento econômico e, quem sabe, mais felicidade. O ex-diretor de informação da Organização Mundial do Comércio (OMC) e do Acordo Geral das Tarifas de Comércio (GATT, sua sigla em inglês) David Woods trouxe à tona um outro lado importante sobre o bem-estar do homem, a economia mundial e os sentimentos feridos dos grupos de interesse – muitas vezes divergentes – 6

que se “profissionalizaram” a partir da reunião das autoridades de comércio do mundo em Seattle (EUA), em dezembro de 1999 e se estenderam para o Fórum Econômico Mundial de Davos, em janeiro desse ano, e o fórum paralelo oponente de Porto Alegre. Woods deixa claro que há muita nebulosidade entre as lideranças empresariais e as organizações não governamentais (ONGs). Se assim não o fosse, o improdutivo debate via satélite entre o mega-investidor George Soros, em Davos, e as Mães da Plaza de Mayo, em Porto Alegre, não teria permitido surgir acusações do tipo “o senhor sabe quantas criancinhas já matou no mundo?” feita pela líder das mães ao capitalista. Num mundo com tantos problemas, o diálogo e a transigência fariam muita diferença para que todos fossem muito mais felizes. E isso parece custar muito pouco. Woods antecipava em um artigo publicado em março passado a frustração com os resultados da Cúpula de Quebec (Canadá), acontecida no final de semana anterior à conferência na FAAP, sobre o futuro da Área de Livre Comércio das Américas (ALCA). Também lá grupos de pressão até concorrentes – como os subsidiados produtores rurais da França e o MST brasileiro – levantam suas bandeiras contra essa tal de globalização. Acrescente-se a isso o forte apego que as diplomacias de Brasil, EUA, Canadá e México têm a suas posições. Isso poderá nos afastar mais um pouco do ideal de felicidade a partir da melhoria da economia e de um comércio mundial sem fronteiras. Por outro lado, se deixarmos de lado o ser humano cidadão e passarmos a considerar o ser humano consumidor – e, para muitos, isso por si só já poderia ser considerado uma “blasfêmia” punível com pena de morte – apesar de não termos como identificar nitidamente o quanto a economia e a TI podem ou não nos deixar mais felizes, o fato é que ambas muito certamente nos permitem momentos impagáveis de alegria quando experimentamos uma vida com menos burocracia, menos filas nos bancos e a possibilidade de manter diálogo freqüente e barato com alguém do outro lado do mundo pela Internet. As respostas às questões levantadas nesse evento estão longe de esgotadas. O importante foi havermos contribuído para levantar essas questões acendendo a pira da insatisfação criadora, evitando os vícios freqüentes de dogmatismos que mais obscurecem do que elucidam. Nilson Vieira Oliveira, economista, é coordenador do Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial, associado à FAAP. 7

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