Poder e violência em Hipólito de Eurípides

June 1, 2017 | Autor: Fernando Zorrer | Categoria: Greek Literature, Greek Tragedy, Phaedra, Hippolytus, Euripides Hippolytus
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Fazendo Gênero 8 - Corpo, Violência e Poder Florianópolis, de 25 a 28 de agosto de 2008

Poder e violência em Hipólito de Eurípides Fernando Crespim Zorrer da Silva (UFRGS) Eurípides; Fedra; Hipólito ST 70 – Corpo, violência e poder na Antigüidade e no Medievo em perspectiva interdisciplinar A tragédia grega Hipólito1, de 428 a. C., de Eurípides trata da paixão de Fedra, esposa de Teseu, pelo enteado Hipólito. Como sugere Jacqueline de Romilly2, o dramaturgo, ao introduzir o amor como tema para a reflexão dramática, fez uma inovação no teatro grego. Também o tragediógrafo problematiza a questão do adultério que causa profundos transtornos psíquicos na esposa de Teseu. Na verdade, não há uma confirmação absoluta de que se Teseu tivesse morrido, Fedra poderia ter um relacionamento amoroso com Hipólito3. Ao se analisar a questão do adultério da mulher no mundo, descobre-se que esse ato vai contra uma das finalidades do matrimônio que é manter a descendência bem como a continuidade da família como centro da cidade4. Se a rainha desejar um outro homem, que não fosse Teseu, ela atacava a ordem da sociedade, na qual a mulher que praticasse um adultério o marido poderia repudiá-la; há helenistas que opinam que o homem deveria fazê-lo, pois poderia ser privado de seus direitos civis. A partir da descoberta do ato da mulher, não era permitido que essa participasse dos cultos da cidade5. Na literatura grega, a mulher que trai o seu esposo é condenada, como, por exemplo, as heroínas Helena e Clitemnestra. Claude Mossé acentua que o adultério da mulher não se absolve, visto que é preciso manter a legitimidade dos filhos6. Quanto ao adultério masculino, raramente é mencionado, porque é considerado natural que o homem possua concubinas, serventes ou cativas, que vivem na sua casa e cujos filhos se integram no oikos, às vezes, sem diferenciar-se dos próprios filhos legítimos7. Tal fato pode ser ainda observado em Medéia, de Eurípides, quando o futuro genro de Creonte, Jasão, abandona a família, para casar-se com outra mulher e não recebe qualquer tipo de crítica. Contudo, a tragédia Hipólito proporciona outras leituras que permitem acompanhar a capacidade que as mulheres têm para superar as limitações que a sociedade grega lhes outorgou. Neste caso, a heroína conseguiu articular uma defesa, a fim de que não fosse acusada de adultério (mesmo que não tenha realizado esse ato). Mais do que nunca, Fedra rompe com os limites do poder feminino e utiliza o recurso da carta como um mecanismo persuasivo a fim de que Teseu empregue a violência contra o seu filho. Neste sentido, a carta consiste em um meio pelo qual a

rainha demonstrará que possui mais poder que um homem. A violência, que se registra no final da tragédia, quando um mensageiro revela a morte de Hipólito, comprova que houve realmente a alteração do poder. É necessário que se esclareça que a personagem Fedra, ao se apaixonar por Hipólito, buscou reprimir essa paixão, utilizando-se de alguns recursos, como o silêncio, a razão, e, por fim, a morte surge como a melhor escolha. Aqui, no párodo da peça, há a informação de que ela está há três dias sem comer, está deitada em um leito; já no início do primeiro episódio, a descrição da rainha completa-se quando se observa que ela pode, a qualquer momento, levantar-se e expressar alguns delírios que, conforme uma análise psicológica mais atenta, contêm intensos desejos eróticos8. No entanto, graças à persuasão da aia — essa personagem atua e possui o poder de uma mãe —, Fedra revela a todas as mulheres os seus segredos sobre a paixão. A seguir, a rainha é traída pela serva e a primeira necessita de novos planos para ocultar aquele sentimento; na verdade, Fedra descobre a traição de sua criada de confiança, ao assistir ao terrível discurso de Hipólito contra todas as mulheres — isso funciona como o estopim para os próximos atos da rainha. Assim, a reação de Fedra reside na escrita de uma carta que incrimina Hipólito, além do suicídio que ocorre em seguida. Uma das primeiras conseqüências da carta de Fedra é que essa personagem fornece indícios de que superou a sua paixão por Hipólito. É importante referir que a rainha avisa, antes de se suicidar, que se vingará de Hipólito, pelo desprezo como esse personagem a tratou, isto é, se ele tivesse agido de outro modo, haveria outra saída para o drama de Fedra. No terceiro episódio, há a descoberta do corpo da rainha, ao mesmo tempo há a chegada de Teseu em seu palácio (ele estava ausente), a leitura e a interpretação da tabuleta (carta). Todos esses elementos formam um conjunto que permitirão que Fedra consiga obter êxito em seu intento. É importante frisar que Teseu decidirá se o objeto de desejo de Fedra viverá ou não. A rainha, agora, comunica-se com o marido através da carta. Na verdade, utiliza um recurso para manter as distâncias entre ela e o marido, evitando, desta maneira, o diálogo. De fato, a carta passa a ser o mecanismo pelo qual a rainha consegue trocar a proeminência do poder masculino pelo feminino bem como exercer a vingança com a violência que se estenderá nos atos de Teseu contra o seu filho. Além disso, a marca do terceiro episódio é o silêncio a respeito da paixão de Fedra. Hipólito e o coro da peça, formado por mulheres da cidade de Trezena, juraram que não mencionariam a ninguém a respeito do desejo amoroso da rainha. Em suma, a carta revela o contrário do que Fedra gostaria de ter realizado, a aproximação amorosa; ainda por cima, Hipólito é acusado de tocar no leito da esposa de Teseu, de modo violento. Uma das conseqüências da presença do cadáver da

rainha é que esse se transforma em um signo de acusação, que contribuirá na morte de Hipólito e na descrença do pai em relação ao filho. É importante, aqui, mencionar as idéias da teórica Ann L. T. Bergren9 que contribuíram decisivamente na avaliação desses signos. Deste modo, a helenista avalia a capacidade de Helena em imitar a verdade, de acordo com o relato de Menelau, que testemunhou, na Odisséia, Canto IV, v. 270 ss, de que modo a sua esposa, junto ao cavalo de pau, quando estava no interior de Tróia com os guerreiros argivos, ela os atraiu, imitando as vozes das suas esposas; se não fosse a interferência de Odisseu, os gregos teriam sofrido uma grande derrota. Uma das conclusões da helenista é que a mulher possui a capacidade para imitar a verdade. Desta forma, Fedra demonstrou ter essa habilidade no momento no qual acusou o seu enteado. Teseu não teria confiado no texto acusatório se esse não tivesse sido razoável, persuasivo e coerente com o que foi apresentado. A rainha utilizou recursos sofisticados em sua exposição na carta a fim de que, na primeira leitura, Teseu reagisse rapidamente e quisesse que o seu filho fosse morto. O primeiro ato do rei após a leitura da carta, v. 885-886, é proclamar que “Hipólito ousou, no meu tálamo, tocar, / pela força, desonrando o olho sagrado de Zeus”. É evidente que não se trata do texto propriamente dito escrito por Fedra — talvez os versos pronunciados por Teseu sejam um resumo, uma paráfrase ou uma interpretação do texto de sua esposa. Além disso, há outras expressões que destacam o conteúdo da tabuleta que correspondem à opinião que tivera do ato de Hipólito, como indicam os versos 877-88010. Há também os versos 882-884, “Isto não guardarei na minha boca, / insuportável / e infesta destruição”. Desta maneira, tais declarações entram em combinação com os versos 885-886, acentuando o horror que a rainha conseguiu apresentar, ao imputar a Hipólito a responsabilidade pela violência. No segundo episódio, Hipólito havia proposto um espaço no qual as mulheres não possam falar, v. 645-64811. Se o discurso oral das mulheres tinha uma censura específica, não é através desse mecanismo lingüístico que a rainha poderia obter o que desejava. Assim, houve a necessidade de um estratagema para que ela conseguisse os seus objetivos. A personagem, para defender a sua honra, uma vez que não havia a menor possibilidade de diálogo com Hipólito, empregou um recurso no qual a palavra de uma mulher seria superior à de um homem12. O filho de Teseu demonstra limitação ao compreender o agir feminino; mesmo que esse não tenha como empregar a força, criou outros mecanismos tão ou mais fortes para resolver os seus problemas. É necessário, aqui, refletir ainda sobre o mito no qual estão presentes Filomela, Procne e 13

Tereu , a fim de esclarecer em mais detalhes as implicações do ato de Fedra. De acordo com Ann L. T. Bergren, esse relato sugere a capacidade do silêncio das mulheres no ato de tecer ao contrário do ato de falar. A helenista comenta que Tereu, que havia raptado a irmã (Filomela) de sua esposa, Procne, corta a língua para manter o silêncio do seu ato censurável; no entanto, de acordo com

Apolodoro, 3.14.8, Filomela possui ainda a capacidade para tecer pinturas e/ou palavras (grammata) em um manto que, em seguida, foi encaminhado à sua irmã. Deste modo, para a helenista, o expediente de Filomela relaciona-se diretamente com o ardil do tecer, ou seja, é um modo simbólico para dar um sentido exterior a um assunto que é sem articulação. Ainda seguindo o detalhamento da questão por Ann L. T. Bergren, essa julga que tal aptidão em tecer possui uma outra correspondência no pensamento grego; neste caso, trata-se da habilidade conhecida como mêtis, “sabedoria”. De acordo com tal concepção (a autora menciona helenistas como Marcel Detienne e Jean-Pierre Vernant), essa envolve a capacidade de transformação, de alteração profunda a partir de uma forma contínua, já que se imita a forma de seu inimigo e esse é sobrepujado dentro do seu próprio jogo. Desta forma, a esposa de Teseu realiza esse expediente, porque emprega a mêtis ao atribuir a si mesma a castidade, a pureza que o filho da amazona tantas vezes na peça não cansa de proclamá-la. Hipólito é transformado em um perverso que a violou. Um outro exemplo adequado é a associação com o conceito de sophé que é outorgado à Medéia que lhe permite simular as atitudes de uma suplicante, diante de Creonte, apesar de seu ódio no coração contra o ex-marido Jasão; aqui, os expedientes de Medéia também ocorrem, quando ela se encontra, em um segundo momento, com Jasão, pois não o questiona mais, não o censura, como fez anteriormente, admitindo que estava errada em suas palavras e em seus atos. Após esses exemplos, observa-se que, graças à simulação da verdade, cada uma das mulheres garantiu, de certo modo, a realização do seu plano estipulado. Voltando à nossa tragédia, Fedra suicida-se e o seu cadáver se transforma em um signo tão importante como a própria carta. A rainha, neste momento, não pode ser mais questionada. Para aqueles que ainda vivem, permaneceu o corpo de Fedra, torturado anteriormente pela paixão. Deste modo, esse cadáver apresenta o status de um signo absoluto e inquestionável para Teseu que não reflete se haveria outra interpretação a não ser relacionar carta e corpo, porque, sem o corpo do autor, da rainha, a carta perderia o seu valor persuasivo. Teseu interpreta os signos e elege uma única definição. Com efeito, o cadáver e a carta formam um conjunto coerente por suas relações intrínsecas que não funcionariam sem que cada um estivesse presente ao mesmo tempo, tanto é que o corpo da rainha ainda está segurando a carta, que, por sinal, é um dos seus últimos atos antes de morrer. Essa personagem poderia ter realizado um ato distinto, como escrever a carta e ter-se lançado de um precipício; entretanto, o enforcamento é uma característica de uma morte feminina14. Nicole Loraux refere-se às cordas que existem na vestimenta das mulheres, como, por exemplo, a personagem Antígona, de Sófocles, quando essa as utiliza com a finalidade de se suicidar. Um outro aspecto importante que a helenista enfatiza é a duplicidade que pode ser observada na roupa da mulher, pois essa comporta véus, cintos e faixas que funcionam tanto como mecanismos de sedução, de persuasão, como representam sinais sinistros de ameaça à vida.

Tais amarras que estão nas cordas que enforcam Fedra podem se deslocadas simbolicamente para a escritura. Unicamente Teseu, Fedra e os deuses podem ter o conhecimento exato da carta que define a vida de Hipólito — contudo, a decisão interpretativa de leitura pertence a Teseu. A Hipólito, não é fornecida tal permissão para que esse leia o texto que lhe acusa, nem ele roga tal pedido. Além disso, não significa que, se Hipólito tivesse acesso ao documento, teria mais chances para se salvar. Em contrapartida, Sócrates é o exemplo de quem leu o texto da acusação — embora se trate de um outro contexto social —, porém não conseguiu se salvar. Assim, a tragédia não sugere qualquer referência à possibilidade de uma ‘segunda leitura’ que questionaria a acusação. O embate, que segue entre pai e filho, não recai especificamente sobre o texto escrito. Teseu não questionou o autor do discurso, nem a carta; todavia, esse personagem será criticado posteriormente pelo mensageiro, que teceu críticas à escrita de Fedra e retomou o ataque às mulheres, conforme os versos 1249-125415. O que impressiona, aqui, é que a autora da carta está morta com o seu próprio texto em suas mãos e não interessa a veracidade do que seja proferido, pois isso será verdadeiro — essa é a relação que Teseu realiza ao compreender o conjunto dos signos que lhe é apresentado. Como agir diante de um texto cujo autor não está vivo a fim de elucidá-lo? A saída desse problema é ler o documento e apresentar uma interpretação e, se for o caso, agir. Tal é a tarefa de Teseu que se revela como um mau intérprete para tanto; neste caso, esse herói não separa a verdade do texto e a que foi sugerida por Fedra, que agora se apresenta como um cadáver. Também Teseu não consegue, por conseguinte, colocar um corte nessa relação entre a escritura e os ‘atos do autor’, ou seja, entre a escrita e ‘o que o autor quer proclamar com o seu corpo’. Com efeito, esse personagem caiu na armadilha deixada pelo autor de um documento. É necessário enfatizar que, aqui, há uma fusão entre o corpo morto e a escrita. Há a possibilidade de que Eurípides estivesse aludindo que a escrita representasse apenas um corpo morto — tal idéia se aproximaria da suspeita de Platão em relação à escrita, de acordo com Fedro, 274 ss, Protágoras, 329 a, Carta VII, 341 b16. Se for realizada uma contraposição com a posição de Platão, que questiona o texto escrito, o corpo morto também possui um ínfimo valor, visto que não há a possibilidade de se manter o diálogo, a não ser procurando provas exteriores, como se descobre na relação que aquele mantém com a carta. Fedra declarou, no segundo episódio, que não admitiria que Teseu a olhasse no rosto, v. 720; a rainha, deste modo, evita a troca de olhares com o marido, pois reconhece que o olhar pode demonstrar a vontade, o desejo, os sentimentos que estão ocultos. Nesta ótica, a carta representa aquilo que Teseu pode olhar em sua esposa com o objetivo de procurar uma explicação para o suicídio dela. O pai de Hipólito julga, ao estar diante do cadáver da esposa, que possui um critério claro e infalível17 — a carta torna-se a voz do morto. A carta é direta quanto aquilo que Fedra acusava Hipólito, visto que Teseu não demonstra qualquer perplexidade a respeito do que deveria

realizar quanto ao crime cometido por Hipólito. A tabuleta fornece, de certa maneira, instruções, e Teseu as realiza. O que acontece na seqüência? O marido confia plenamente em sua mulher e nem poderia suspeitar que Fedra tivesse tido um desejo amoroso pelo próprio filho. Se, anteriormente, Hipólito não conversou com Fedra, de modo direto, neste momento, pode fazê-lo — essa é a ironia da situação; no entanto, terá, ao seu lado, um homem furioso que, ao mesmo tempo, possui o poder de um juiz: Teseu. Fedra comunica-se, neste momento, pela carta, porquanto Hipólito não desejou dialogar, e esse sugeriu, inclusive, que as mulheres habitassem com os animais. O ato desse jovem em repudiar o ato da fala feminina, enquanto dialogava com a aia, certamente, contribuiu para a sua própria morte. Esse personagem não adotou uma outra atitude, limitou o seu diálogo com a aia a um extenso monólogo, expressando, no final de sua fala, o ódio à raça feminina e a todos os assuntos que envolvam o relacionamento erótico entre homens e mulheres. Se Hipólito esperava que as mulheres não falassem (como também está no imaginário masculino de que a melhor mulher é a que conserva o silêncio), o corpo de Fedra ultrapassa o âmbito da palavra e alia-se como um instrumento crucial nas relações humanas. Mesmo que Hipólito apresente uma defesa consistente diante de Teseu, a desvantagem com a qual inicia o debate é decisiva para que não obtenha a salvação. Neste caso, esse jovem só terá a palavra e nenhum objeto exterior que possa ajudá-lo na sua salvação — agora a paixão é superior aos discursos. Vale lembrar que esse jovem está sob juramento e não pode revelar o que sabe a respeito da paixão da rainha. Na história da literatura grega, há a figura de Penélope que salienta, na Odisséia, XIX, v. 124-128, que a sua kléos, “glória”, estava diminuída, e aumentará no momento no qual Odisseu retornar; de modo hipócrita, a kléos de Fedra crescerá com a chegada de Teseu18. Mais uma vez, a glória torna-se o ponto mais significativo para a rainha. No início do primeiro episódio, se a serva conseguisse unir enteado e madrasta, a honra não seria tão essencial à personagem. Devido à paixão e ao valor que Fedra lhe outorga, algo tão importante como a glória poderia perder a sua necessidade. No entanto, no final do segundo episódio, Fedra morre, seguindo essa perspectiva, de acordo com o v. 717, “de modo que eu conceda aos meus filhos uma vida honrada”. Na tragédia, Teseu engrandece a figura de Fedra, visto que agora opina que ela seja a melhor das companhias, v. 838, e assegura, até mesmo, que nenhuma mulher entrará no seu leito. Talvez pareça que a rainha tenha sido um ser pérfido em arquitetar a morte de Hipólito. No entanto, tal idéia não abrange a complexidade do drama, pois, desde o seu início, observa-se a problemática de Fedra de esconder o seu segredo; a rainha é lançada em circunstâncias trágicas as quais necessita realizar algumas escolhas sob a ameaça que a situação perca o controle e ela padeça pelos seus atos. A questão é que as leis e a força física estão do lado dos homens. As mulheres, no

universo grego, exceto o caso das amazonas, utilizam a sedução e a persuasão como defesa; aqui, o único recurso que Fedra anteviu para resolver um grande conflito foi o emprego da persuasão, como foi demonstrado através da carta que conseguiu, de forma eficiente, comprovar que a palavra de uma mulher é superior à de um homem. Na verdade, há uma situação complexa na qual Fedra se encontra: além de estar com o corpo e a mente abalados, não conseguiu realizar as melhores escolhas como também não avaliou, por exemplo, que Hipólito não relataria a ninguém a paixão da madrasta. No entanto, a vingança da rainha relativiza-se, tendo em vista alguns pontos que poderiam agora ser mencionados, como o fato de a deusa Afrodite ter anunciado, no prólogo, que, pelos seus desígnios, Fedra se enamoraria pelo enteado. No êxodo da tragédia, a deusa Ártemis proclama que os mortais podem errar, como sucede com Teseu que julga o seu filho de modo errôneo, se os deuses, assim, o permitirem. Também há o fato de que o longo discurso de Hipólito apresentou idéias praticamente genocidas contra as mulheres que contribuíram para que Fedra julgasse que esse jovem era uma ameaça. Deste modo, a rainha age buscando salvar a si mesma e a seus filhos; contudo, é difícil avaliar o quanto podia obter uma solução adequada, em uma situação na qual padecia de uma grande pressão psicológica. Não se deve esquecer que o agente principal da morte de Hipólito é Teseu, porque esse é quem exige de um deus que mate o seu filho ou que o envie para o exílio. Não há indícios de que Fedra tenha, realmente, mandado matar Hipólito. O próprio texto, como já foi mencionado acima, apresenta a voz de um servo que reclama da atitude de Teseu mas também a deusa Ártemis lhe faz duras críticas por não ter utilizado os inúmeros recursos que havia naquele momento para, de uma maneira adequada, julgar Hipólito.

Referências bibliográficas ROMILLY, Jacqueline de. A tragédia grega. Trad. de Ivo Martinazzo. Brasília: Ed. da UNB, 1998. p. 111; Id. La modernité d’Euripide. Paris: Press Universitaires de France, 1986. BARRET, W. S. Euripides Hippolytos. Intr. Coment. Oxford: Clarendon Press, 1964. MOSSÉ, Claude. La mujer en la Grecia clásica. Trad. Celia María Sánchez. 3. ed. Madrid: Nerea, 1990. SEGAL, Charles. Euripides’ Hippolytos 108-112: tragic irony and tragic justice. Hermes, v. 97, p. 297-305, 1969; PARRY, Hugh. The second stasimon of Euripides’Hippolytus (732-775). Transactions and Proceedings of the American Philological Association, v. 97, p. 317-326, 1966; GLENN, Justin. The fantasies of Phaedra: a psychoanalytic reading. The classical world, v. 69, BERGREN, Ann L. T. Language and the female in early greek thought. Arethusa, v. 16, p. 69-95, 1983. LORAUX, Nicole. Façons tragiques de tuer une femme. Paris: Hachette, 1985. (Textes du XXe Siecle). MAIRE, Gaston. Platão. Trad. Rui Pacheco. Lisboa: Edições 70, 1991. (Biblioteca Básica de Filosofia, 4).

STAHL, H. P. On “extra-dramatic” communication of characters in Euripides. Yale Classical Studies, v. 25, p. 159-176, 1977. 1

Todas as traduções da tragédia Hipólito são de responsabilidade do autor deste texto. ROMILLY, Jacqueline de. A tragédia grega. Trad. de Ivo Martinazzo. Brasília: Ed. da UNB, 1998. p. 111; Id. La modernité d’Euripide. Paris: Press Universitaires de France, 1986. p. 44 ss. 3 BARRET, W. S. Euripides Hippolytos. Intr. Coment. Oxford: Clarendon Press, 1964. p. 12. 4 MOSSÉ, Claude. La mujer en la Grecia clásica. Trad. Celia María Sánchez. 3. ed. Madrid: Nerea, 1990. p. 61. 5 Ibid., p. 62. 6 Ibid., p. 22. 7 MOSSÉ, loc. cit. 8 SEGAL, Charles. Euripides’ Hippolytos 108-112: tragic irony and tragic justice. Hermes, v. 97, p. 297-305, 1969; PARRY, Hugh. The second stasimon of Euripides’Hippolytus (732-775). Transactions and Proceedings of the American Philological Association, v. 97, p. 317-326, 1966; GLENN, Justin. The fantasies of Phaedra: a psychoanalytic reading. The classical world, v. 69, p. 435-442, 1976. 9 BERGREN, Ann L. T. Language and the female in early greek thought. Arethusa, v. 16, p. 69-95, 1983. p. 80. 10 “Grita, grita horrores a tabuleta! Para onde fugirei / com o peso destes males? Pois pereci, estou destruído, / tal, tal é a melodia que contemplei, nas linhas, / proclamada, sou infortunado!”. 11 “Deveria a serva não se aproximar da mulher, / e elas habitarem, com animais vorazes, mudos, / para que nem lhes dirijam a palavra, / nem algum som recebam novamente daqueles”. 12 GOFF, 1996, op. cit., p. 24. 13 BERGREN, 1983, op. cit., 72 ss. 14 LORAUX, Nicole. Façons tragiques de tuer une femme. Paris: Hachette, 1985. (Textes du XXe Siecle). p. 34. 15 “Eu sou, ao menos, escravo de tua casa, senhor, / porém de forma alguma poderia / acreditar que o teu filho é um perverso, / nem se toda a raça das mulheres se enforcasse / e se alguém enchesse de escrita as tábuas do Ida, / apesar disso, saberia que ele é nobre”. 16 MAIRE, Gaston. Platão. Trad. Rui Pacheco. Lisboa: Edições 70, 1991. (Biblioteca Básica de Filosofia, 4). p. 27. 17 STAHL, H. P. On “extra-dramatic” communication of characters in Euripides. Yale Classical Studies, v. 25, p. 159176, 1977. p. 166. 18 LORAUX, 1985, op. cit., p. 26. 2

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