Poder, Relações Internacionais e Mudança Tecnológica: Contextualizações da Indústria de Defesa sob um Marco Realista

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    Anais Eletrônicos do SIMPORI 2015   Simpósio de Pós­Graduação em Relações Internacionais do  Programa “San Tiago Dantas” (Unesp, Unicamp, PUC­SP)  “Governança Global: transformações, dilemas e perspectivas”  São Paulo, 09 a 12 de novembro de 2015  ISSN 1984­9265    

Poder, Relações Internacionais e Mudança Tecnológica:  Contextualizações da Indústria de Defesa sob um Marco Realista    1

Giordano Bruno Antoniazzi Ronconi     1. Introdução  Este  trabalho  tem  como   objetivo  formular  uma  concepção  teórica   das  Relações  Internacionais  para  avaliar  a  dinâmica  da  indústria   de  defesa  brasileira  com  as  do resto  do  mundo.  Para  isso,  assunções,  conceitos  e  suas  relações  causais  são colocadas dentro  de  um  contexto  no  qual  se   teoriza  em  dois  níveis:  em  nível  estatal,  no  qual  o  Estado  toma  suas  decisões/ações;  e  no  nível  internacional,  no  qual  se  procura   inserir  as  ações  do  Estado  dentro  da  dinâmica  do  Sistema  Internacional.  A  indústria  de  defesa  é  um  fator­chave  para  aumentar  o  poder  potencial  e  este  se  sobrepõe  ao  poder  real  em  períodos  de  relativo  equilíbrio  no  sistema,  pois  gera  capacidades  dissuasórias  e  abre  possibilidades de conversão futura para um maior poder militar.   Uma  vez  colocados  em  evidências  os  arcabouços  e  as  sistematizações  teóricas,  faz­se  uma  breve  contextualização  das  variáveis  na  indústria  de  defesa  brasileira  e   de  sua  posição  no  Sistema  Internacional.  Para  medir  a  intensidade  destas  variáveis  no  1

  Mestrando  em  Estudos  Estratégicos  da  Segurança  e  Defesa  (PPGEST)  na  Universidade  Federal  Fluminense  (UFF),  sob  orientação  do  Professor  Luiz  Pedone.  Bolsista  CAPES  do  programa Pró­Defesa.  Contato: [email protected] 

sistema  internacional,   utiliza­se  como  metodologia  uma  análise  comparativa  de  elementos  quantitativos  que  caracterizam  os  conceitos  empregados.  Será  uma  forma de  contextualizar  os  conceitos  teóricos  empregados  no  trabalho.  Não  obstante,  devido  às  alterações  qualitativas  deste  setor  nas  últimas  décadas,  algumas  considerações  serão  colocadas  sobre  as  atuais  transformações  no  perfil  deste  mercado  internacional.  Com  isso, será feita uma discussão sobre o caso brasileiro.  Será  desta  contextualização  internacional  que  poderá ser explorado o argumento  de  que,  a  despeito  dos  grandes  constrangimentos  internacionais,  característicos  de  um  sistema  em  equilíbrio,  o  Brasil  vem   direcionando  fatores  que,  teoricamente,  gerariam  tendências  de  mudança  de  sua  política  externa  e de seu perfil regional. Serão elementos  que  moldam  tanto  a  adaptação  de  sua  indústria  de  defesa  no  sistema  internacional  quanto possibilitam uma maior presença regional.  Após  esta  introdução,  a  segunda  seção  tratará  da  relação  entre  a  indústria  de  defesa  e  o  pensamento  realista  das  Relações  Internacionais sob  três moldes: sua relação  com  o  poder; sua influência na ação estatal; e sua presença na dinâmica internacional. A  terceira  parte  analisa  sua  contemporaneidade  nas  relações  internacionais,  os  possíveis  desdobramentos  em  países  emergentes  e  a  influência  desta  no  Brasil.  Como  conclusão,  sintetiza­se  as  possibilidades  das  concepções  teóricas  elaboradas  para  o  atual  momento  brasileiro.    2. Realismo e Indústria de Defesa  2

Em sua essência ​ , o realismo pode ser caracterizado por três pressupostos: há um  sistema  internacional   cuja  estrutura  é  anárquica;  seus  principais   atores  são  os  Estados,  dotados  de  racionalidade  e  diferenciados  pelas  suas  capacidades  materiais;  o  principal  objetivo  destes  é  a  sobrevivência.  Com  isso,  pode­se  contextualizar  as  relações  entre  Estados  como  uma  relação  competitiva e de incerteza  sobre as  possíveis ações do outro, 

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  É  de  grande  importância  destacar,  principalmente   para  os  propósitos  deste  trabalho,  que  o  realismo  é  uma  escola  de  pensamento,  contendo diversas  teorias  inter­relacionadas. O  poder explanatório deste está  justamente  na permanência de elementos fundamentais que englobam esta escola (WOHLFORTH, 2011).  Por   isso  será possível  conjugar  diversas abordagens  teóricas  para  explicar a importância  da  Indústria  de  Defesa, variável difícil de ser comtemplada por outras escolas das Relações Internacionais. 

mas  que  todos  procuram  desenvolver­se  internamente  capacidades  que  aumentem  sua  segurança.  Decorrente  deste  contexto,  há  esforços  do  Estado  no  seu  desenvolvimento  econômico  e  na  criação  de relações de poder que tendam a uma estabilidade favorável a  estes.   Dessa  forma,  o  relacionamento  teórico  entre  essa  abordagem  e  a  indústria  de  defesa  deve  ser  colocado  em  três  momentos:  primeiro,  sob  uma  avaliação  de  poder;  segundo,  sob  o processo de atuação  do  Estado no sistema internacional; e terceiro, sob a  sua  influência  na  dinâmica  estrutural do sistema. Acredita­se que, uma vez colocada em  evidência  as  relações  causais,  as  considerações  teóricas  retiradas  das  Relações  Internacionais  sirvam  como  suporte  para  um  diagnóstico  amplo,  para  antecipar eventos  ou para prescrever e estimar políticas públicas na área da defesa (WALT, 2005).  A  ideia geral deste  trabalho é de que a Indústria de Defesa representa uma ampla  parcela  do  Poder   Potencial  de  um  Estado  e  seu  aumento  amplia  a  possibilidade  de  3

conversão  para  Poder  Real.  A  indústria  de  defesa  representa  um  complexo  industrial   que  se  relaciona  com  o  Estado  e  a  sociedade  e  por  isso  engloba  diversos  elementos  constituintes  do  poder  nacional   de  um  país.  Desse  modo,  sua dinâmica ocorre de forma  relacionada  com  o  desenvolvimento  político  e  econômico  do  Estado  como  um todo. Se  ela  representa  uma  das  faces  do  poder  nacional,  ela pode  ser contextualizada na própria  dinâmica  internacional  de  poder,  andando  junto  com  as  diferentes  transformações  globais.  Com  isso,  analisar  a  indústria  de  defesa  e  seus  rumos  é  prospectar  alguns  caminhos  possíveis  das  relações  internacionais  contemporâneas  e  compreender  as  4

possibilidades do Brasil atualmente ​ .   

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  Por   isso  uma  definição  mais  abrangente  da  Indústria  de  Defesa  poderia  ser  colocada  como  Complexo  Militar­Industrial­Acadêmico,  retirada de  estudos  sobre  os  Estados Unidos (MEDEIROS, 2004). Haveria  também  uma  definição  oficial  de  Base  Industrial  de Defesa (BID),  de  acordo com a  Estratégia Nacional  de   Defesa   (BRASIL,  2008).  Optou­se  por  Indústria  de  Defesa  neste  trabalho,  para  não  recorrer  às   definições extensas e siglas constantemente.  4

  Um  adendo  deve  ser  feito  referente  ao   seu  poder  explanatório:  como   qualquer  argumento  teórico  de  Relações  Internacionais,  a  afirmação  desta   frase  fica  limitada  à  área  de  estudo   e  sua  relevância  se  fundamenta  nos  marcos  conceituais  e  em  sua  parcimônia  (WALT,  2005).  Ou  seja,  é  possível  ver  em  detalhe  e amplamente  as Relações Internacionais pela análise da Indústria de Defesa, mas não será por ela  que se explica todos os fenômenos do campo.  

a. O Poder Material e Potencial: gerando uma Capacidade Dissuasória  A definição do poder  para o realismo se situa fundamentalmente nas capacidades  materiais  do  Estado.  Logo,  ao  tratar­se  de  um  instrumento  para  o  Estado  exercer  sua  soberania,  o  poder  militar  torna­se  um  valor  padrão  para  uma  avaliação  internacional,  fundamentado  no  seu  poderio  econômico  (CARR,  2001).  É  um  ponto  de  partida,  no  entanto, falta ainda maior operacionalidade para os objetivos deste trabalho.  Para  isso,  procura­se  diferenciar  o  poder  nacional  em  Real  (Efetivo)  e  Latente  (Potencial)  de  acordo  com  as  definições  de  Mearsheimer.  O   primeiro  é  o  poder  militar  imediato de uma Nação,  ou  seja, sua capacidade de projeção de suas Forças Armadas no  presente.  Não  é  um   conceito  puramente  quantitativo,  pois  é  moldado  pela  relação  qualitativa  entre   as  três  Forças  e  pela  sua  capacidade  de  projeção  (MEARSHEIMER,  2007).  Dessa  forma,  não  basta  contar  soldados,  aviões  e  navios  para  mensurar   o   Poder  5

Real,  é  necessário  situar  estes  fatores  ao  “atrito  da  guerra” ​ .  Já  o  Poder  Latente  seria  a  habilidade  do  Estado  transformar  eficientemente  sua  riqueza  e  população  em  poder  militar.   Essa  definição  original  é  ampla  demais  para  o  trabalho  proposto:  atrás  da  ideia  de  “eficiência”  estão  a  capacitação  de  recursos  humanos  e  de  transformação  de  um   complexo  militar­industrial­acadêmico  para  a  criação  de  Forças  Armadas  contemporâneas  (MCNEILL,  1982).  Para  Mearsheimer,  não  era  interessante  o  aprofundamento  nesse   conceito,  pois  seu  foco  eram  as  capacidades  de  prontidão  das  Grandes  Potências.  No  entanto,  o  foco  em  Poder  Potencial  é  fundamental  para  uma  concepção   teórica  sobre  a  indústria  de  defesa,  a  inovação  tecnológica  e  a  sua  potencialidade  de  dissuasão.  Se  a  exploração  de  variáveis  constituintes  do  poder  nacional  em  seus  diferentes  domínios  (recursos  naturais,  desempenho  nacional  e   capacidades  militares)  é  de  grande  número  (TELLIS ​ et al.​ , 2000), a Indústria de Defesa  (por  incorporar  variáveis  como  tecnologia,  recursos  humanos,  infraestrutura)  se  torna  uma  das  facetas  deste  poder.  Dessa  forma,  tendo  em  mente  uma  grande  eficiência  na 

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  Uma  tentativa  de  síntese do  Poder  Militar  é  de  difícil obtenção, visto que este pode ser ampliado para o  conceito  de fungibilidade,  afetando  de  diversas  formas  a  atuação  do  Estado  (ART,  1996),  ou pela forma  de   emprego  de  forças  (BIDDLE,  2004).  Não  será  o  objetivo  deste  trabalho  o  aprofundamento  deste  conceito e sim somente contextualizá­lo na discussão.  

conversão  destas  variáveis  em  Poder  Efetivo,  fica  clara  a  importância  dos  elementos  (empresas,  laboratórios,  formação  acadêmica)   que  pertencem  à  indústria  de  defesa  (CORTEZ, FERREIRA & BRICK, 2014).  O  tamanho  de  um  complexo  industrial  sempre  tem  o  que  dizer  das  potencialidades   de  desenvolvimento,  imediato  e  futuro:  este  relaciona­se  fortemente  com  o  crescimento  do  PIB,  indica  as  possíveis  tendências  estruturais  na  sociedade  de  um  país  e  abre  espaço  para  possibilidades  de  investimento  produtivo  em  larga  escala.  Relacionado  com   este  último  ponto,  está  também  um  direcionamento  de  investimentos  públicos  em  Pesquisa  e  Desenvolvimento  (P&D),  incluindo  também a promoção de um  complexo  institucional  que  envolva  esforços  para  promover  a  inovação  tecnológica  (FREEMAN,  1995).  Não  obstante,  é  importante   frisar  o  desenvolvimento  deste  complexo  industrial  como  uma  variável  dependente  do  desenvolvimento  econômico   nacional  (BECKLEY,  2010).  Ou  seja,  um   país  que  promove  uma  estratégia  de  desenvolvimento  nacional   fornece  a  sustentação  para  um  esforço  industrial  na  área  bélica.  Inverter tal causalidade gera diversas dificuldades não só para a sobrevivência da   indústria  de  defesa,  como   também  para  alcançar  objetivos   de  uma  maior  autarquia  tecnológica no setor (BRAUER, 1998; BITZINGER, 2003).  Como  reflexo  do  Poder  Potencial,  a  indústria  de  defesa,  suas  capacidades  produtivas  e  inovadoras,  sua  relação  com  o  Estado  e  com  a  sociedade,  está  evidente  a  ideia  de  transformação:  o  Estado  que tem capacidades bélicas  produtivas e tecnológicas  para  empregar  suas  Forças  Armadas  aumenta  a  sua  potencialidade  de  exercer  Poder  Real  no  meio  internacional.  O  aumento  do  Poder  Potencial,  por  implicar  grandes  consequências  ao   aumentar  o  Real,  insere­se  como  elemento­chave  para  objetivos  dissuasórios e securitários.  6

Desse  modo,  a  dissuasão   é  uma  consequência  das  crescentes  capacidades  e  superioridades  produtivas  e  tecnológicas:  o  desenvolvimento  de  um  complexo  militar­industrial­acadêmico  é  uma  rede  produtiva  capaz  de  gerar  produtos  para  o  emprego  militar  de  acordo  com  a  estratégia  nacional  (MALDIFASSI  &  ABETTI, 

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  No  seu  sentido  mais amplo,  significa  persuadir  o  oponente  a  não  iniciar  uma  ação  específica  devido  à  percepção dos benefícios não justificar os custos e riscos estimados (MEARSHEIMER, 1985, p. 14).  

1994).  A  dissuasão,  principalmente  a  convencional  (não­nuclear),  não  pode  ser  vista  como  uma  função  das  armas  existentes  ou  uma  relação  de  forças,  pois  acaba  ficando  restrita  à  mensuração  do  Poder  Real.  Seu  relacionamento  com  a  estratégia  é  um  ponto  fundamental  para   afirmar  que  capturar  ou  defender  um  território  dependerá  do  uso  e  aplicação das capacidades bélicas do Estado (MEARSHEIMER, 1985). Logo, promover  o  desenvolvimento  de  uma  indústria  de  defesa  e  de  seu  complexo  inovador  (seu  Poder  Potencial)  aumenta  as  possibilidades  dissuasórias  que  um  Estado  pode  empregar  estrategicamente  no  sistema  internacional.  Essa  promoção  envolve  um  complexo  relacionamento do Estado, interna e externamente, como se verá mais adiante.    b. Atuação do Estado no Cenário Internacional  Com  o  objetivo  de  sistematizar  uma  aplicação  teórica  da  ação  estatal  no  ambiente  internacional, coloca­se como pressuposto que tal ação deve ser compreendida  como  um  resultado  de  Política  Externa.  Dessa  forma,  a  convergência  de  níveis  sistêmicos  e  unitários  geram  uma  “grande  estratégia”:  a  atitude  dos  Estados  frente  ao  ambiente  internacional  e  como  eles  mobilizam  seus  elementos  de  poder  em  torno  de  seus  objetivos  políticos  globais  (KITCHEN,  2010).  Para  dividir   de  forma  analítica  e  clarificar  tais  relações, a política externa  é moldada e formulada por questões estruturais  e dinâmicas, de ordem doméstica e internacional.   A  questão  estrutural  de  ordem  internacional  são  os  constrangimentos  sobre  os  Estados,  impelindo­os  a  limitarem   seu  raio  de  ações:  é  o  que  compele  os  Estados  à  autopreservação  e  à  maximização  de  seu  poder  (sua  segurança)  de  todas  as  formas  racionalmente  possíveis  (WALTZ,  2002).  Tirando  as  capacidades  militares,  a  melhor  forma  de  representar  tais constrangimentos são as instituições e as regras  informais, que  seriam  um  “espelho”  da  distribuição  internacional  de  poder  (MEARSHEIMER,  1994).  É devido aos constrangimentos  internacionais que haveria uma aparente estaticidade das  relações  internacionais.  No  entanto,  é  enganosa  tal  suposição:  além  de  outros  fatores,  destacados  na  próxima  seção,  existe  uma  dinâmica  relação  entre  os Estados, no sentido  em que estes procuram se relacionar para aumentar suas capacidades relativas.  

As  alianças  seriam  um  exemplo  desta  questão,  pois são uma forma fundamental  dos  Estados  balancearem  contra  ameaças  mútuas  (WALT,  1990).  Logo,  questões  de  cooperação  envolvem  arranjos  formais  ou  informais  de  segurança  para  os  Estados.  Ou  seja,  estes  estão  sempre  buscando  ganhos  relativos  quando  formalizam  acordos   e  entendimentos  ou  quando  criam  instituições  internacionais  (GRIECO,  1988).  É  a partir  desta  dinâmica   que  surgem  mudanças  conjunturais  de  interação,   oriundas  paulatinamente  do  constrangimento  estrutural  (GILPIN,  1981).  Esses  apontamentos  teóricos  indicam  que,  tendo  em  mente  o valor estratégico (de poder) que a transferência  de  tecnologias  militares  possui,  questões  como   cerceamento  tecnológico  e  dificuldades  de  acordos  na  área  da  defesa  sejam  evidentes  nas  relações  internacionais  por  motivos  muito bem definidos (LONGO, 2007).   Já  as  questões estruturais e  dinâmicas de ordem doméstica perpassam a política  interna  do  Estado  e  se  relacionam  no  seu  planejamento  estratégico  (que  deve  ser  entendido  pela  discussão  anterior  nas formas de transformar o poder potencial em real e  aplica­lo),  levando  à  definição  de  um  interesse  nacional  (KITCHEN,  2010).  Ou  seja,  7

sua  formação  decorre  do  estabelecimento  de  pactos  políticos   e  de  arranjos  institucionais  que  garantam  o  andamento  de  uma  estratégia  de  desenvolvimento   para  o  país. ​ Dessa  forma,  os  constrangimentos  institucionais  internos  e  os  pactos políticos são  variáveis  intervenientes  na  relação  causal  entre  a distribuição internacional de poder e  a  condução  da  política  externa  (TALIAFERRO,  LOBELL  &  RIPSMAN,  2009).  Com  isso,  a  ação  em  tomar  uma  determinada  conduta  de  política  externa  envolve  levar  em  conta  os  interesses  de  atores  ou  grupos  internos  para  alcançar  ações  que  relacionam  ameaças externas e internas (LOBELL, 2009).   Tendo  isso  em  mente,  é   possível  afirmar  que  Estados  mais  preocupados  com  segurança  doméstica  inovam  relativamente  menos  do  que  os  mais  preocupados  com  ameaças  externas.  As  decisões  políticas  de  segurança  do  governo  (consequentemente,  sua  alocação  de  recursos)  decorrem  do  resultado  da  balança  entre  ameaças  internas  (instabilidade  política)  e   externas  (não  só  adversidades  militares,  mas  também  7

  Para alguns  autores  é  entendido  como  o consenso  das  elites  (TALIAFERRO,  LOBELL  & RIPSMAN,  2009).  No  entanto,  é  mais  interessante  para  este  trabalho obter  como  definição  um  conjunto  de  classes  socioeconômicas  que  se  juntam  com  o  objetivo  de  colocar  um  projeto  de  desenvolvimento  para  o  país  (BRESSER­PEREIRA, 1972). 

econômicas  e  sociais),   afetando,  dessa  forma,  a  inovação  tecnológica  do  país  (TAYLOR,  2005).  Colocando  tal  relação  com  a  indústria  de  defesa,  a  alocação  e  distribuição  de  gastos  militares  para  a  defesa  pode  ser  colocada  ou  para  o  mercado  externo  ou  para   o   fortalecimento  da  sua  capacidade  industrial:  estas  opções  e  a  intensidade  dos  recursos  serão  determinadas  pelas  ameaças   externas  (MALDIFASSI  &  ABETTI,  1994;  TAYLOR,  2012).  Dessa  forma,  a  alocação  de  recursos  é   entendida  como  uma  ação  racional  do  Estado  tendo  em  mente  o  seu  ambiente  de  ameaças:  o  orçamento  de  defesa  é,  teoricamente,  resultado  do  cálculo  deste  ambiente  interno  e  externo (GLASER, 2010).  São  com  essas  divisões  analíticas  que  um  Estado  formula  sua  Política  Externa,  contextualizada  na  figura  1. As relações da indústria de defesa e seu complexo inovador  com  tais  aspectos  teóricos  mencionados  são  de  grande  importância.  Primeiro,  ela  se  situa  dentro  de  uma  hierarquia  de  poder criada estruturalmente, logo, sua  capacidade de  produção  de armamentos e o seu nível tecnológico possuem padrões relacionados  com a  estrutura  de  poder   (KRAUSE,  1992).  Segundo,  acordos  de  cooperação sobre o assunto,  assim  como  a  transferência  de  tecnologia,  envolvem  tanto  a  restrição  oriunda  do  constrangimento  estrutural  quanto  das  percepções  securitárias  de  ganhos relativos entre  os Estados.           Figura 1: Os Condicionantes da Formulação da Política Externa 

  Fonte: elaboração própria 

Em  terceiro  lugar,  a  consonância  com  a  estratégia  de  desenvolvimento  empregada  pelo governo, a orientação, consistência e estabilidade do Pacto Político e de  suas  instituições  e  a  própria  percepção  de  ameaças  por  parte  do  Estado  são  fatores  fundamentais  para  que  haja  um  desenvolvimento  industrial  na  defesa  e  nos  seus   8

objetivos  produtivo­tecnológicos ​ .  Além  disso,  a  opção  da  emulação  ou  inovação  de  práticas  militares,  econômicas  e/ou  tecnológicas  decorre  de  uma  “estratégia  de  balanceamento”,  na  qual  o  Estado  gerencia  a  sua  capacidade  de  extrair  seus  recursos  econômicos  e  sociais  (TALIAFERRO,  2009).  Ou  seja,  os  interesses  internos  conjugam­se  com  os  fatores  externos,  moldando­se  a posição da indústria no cálculo de  ação da Política Externa de determinado país e as suas intenções de transformação.     

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  Há   inclusive aplicações  conceituais  sobre  interesses  de  classes  e  a  economia  política  do  rearmamento.  Ou  seja,  governos  conservadores  teriam  dificuldades  em  colocar  uma  política  de financiamento  para  a  indústria de  defesa  (rearmamento)  pois sofreriam represálias de  seus  apoiadores  (envolveria aumento  de  impostos), enquanto governos laborais a veriam como uma possibilidade de aplicar impostos progressivos  e  aumentar  a  presença  do  Estado  (NARIZNY,  2003).  Não  obstante,  a  possibilidade  de   generalizar  a  questão interna em  um ​ trade­off entre bem­estar e segurança e a sua relação com gastos militares também  foi  aplicada  (DIKICI,  2015).  No  entanto,  são  abordagens  economicistas  do  Estado  e  de  suas  relações  internacionais. 

c. A  Dinâmica  do  Sistema  Internacional:  a  Relação  com  o  Mercado  de  Armamentos e a Influência da Inovação  Uma  crescente  mudança  nas interações e capacidades dos Estados pode ir além  do  balanceamento  de  poder:  o  desenvolvimento  do poder potencial e sua transformação  para  o  real   leva  a  uma  mudança  na  estrutura  internacional.  Uma  precondição  para  a  mudança  política  de  um  Estado  no  sistema  internacional  é  a  disjunção  entre  o  desenvolvimento  doméstico  e  a  sua  posição  de  poder  internacional,  levando  os atores a  9

verem  benefícios  sobre  os  custos  com  uma  mudança  no  sistema ​ .  As  possíveis  decorrências  desta  dinâmica  são  a  guerra  hegemônica  ou  as  concessões  por  meio  da  barganha  pacífica,  ambas  criando  consequentes  mudanças  no  sistema  (paulatina  ou  radicalmente).  Claramente,  como  elemento  de grande  importância para desencadear tais  mecanismos é a forma da indústria de defesa dos Estados.  Incitar  essa  mudança  vem  de  vários  fatores,  sendo  alguns  deles  a   situação  econômica,  as  capacidades  militares  e  as  suas  respectivas  inovações.  Dessa  forma,  “o  ambiente  material  econômico  (englobando  fatores  como  o  sistema  de  comunicações  e  transporte,  a  tecnologia  militar  e  a  natureza  produtiva  de  sua   economia)  e  a  balança  internacional   de  poder,  criam  incentivos  ou  desincentivos  para  um  Estado  promover  mudanças  no  sistema”  (GILPIN,  1981,  p.  55­84).  A  figura  2  procura  clarificar  tal  processo  e  indicar   as  variáveis  que  desencadeiam  ou  que   são  características  de  uma  mudança  na  distribuição  de  poder  do  sistema  internacional.  A  transição  do  equilíbrio  internacional   para  o  seu  desequilíbrio  envolve  diferentes  momentos  de  uma  gradativa  mudança  na  interação  dos  atores  a  ponto  destes  Estados  questionarem  sua  posição  na  distribuição  de  poder.  Já  a   transição  de  uma  crise  estrutural  para  um   novo   equilíbrio  envolve  a  busca  por   um  novo  consenso  internacional,  possível  de  ser  resolvido  pela  guerra ou pela concessão de poder através da barganha. 

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  Os  três  tipos de  mudanças podem ser: de sistema, na qual muda a natureza dos atores; sistêmica, na qual  se  mudam  as  regras  e/ou a hierarquia dos  atores,  alterando  a  governança  do  sistema  por meio de  guerras  hegemônicas   ou  por  resoluções  pacíficas  entre  os  atores;  e  de  interação,  na  qual  o  processo  (ou  as suas  regras)  político­econômico  entre  Estados  é  alterado,  tornando­se  mais  como  um presságio  para  os  dois  primeiros  tipos  de   mudança  (GILPIN,  1981,  p.  40).  Devemos  nos  atentar  ao  segundo  tipo  de mudança,  que  parece  caracterizar  o  contexto  atual,  devido  ao  fato   de  o  Sistema  estar  apresentando  momentos  de   instabilidade no equilíbrio de poder (MARTINS, 2013, p. 180). 

Figura 2: Os Condicionantes de Mudanças no Sistema Internacional

Fonte: elaboração própria, tendo Gilpin (1981) como base 

Focando­se  na  indústria  de  defesa,  percebe­se  que  há  dois fatores que moldam  tal  questão.  O  primeiro   é  o  constrangimento  causado  pela  hierarquia  de  produção  de  armamentos  e  tecnologias,  que  conjugados  com  o  ciclo  de  vida  do produto militar (que  causam a difusão e inovação), criam uma dinâmica internacional  na qual há uma divisão  hierárquica  dos  atores,  determinada por critérios como produção militar, capacidades de  P&D,  sofisticação  tecnológica,  demanda  doméstica  e  dependência  da  exportação  (KRAUSE,  1992).  O  segundo  fator  se  refere  às  relações  sociais  internas  do  Estado:  a  inovação  tecnológica,  principalmente  na  área  de  defesa, envolve arranjos institucionais,  relações  políticas  dispostas  a  colocar  uma  estrutura  produtiva  para  esse   complexo  militar­industrial­acadêmico.   Como  se  percebe  na  figura  2,  estes dois fatores são de grande peso e influência  para  a  alteração  do  comportamento  dos  atores  no sistema. Além disso, estes entram nos  cálculos  dos  atores  em  suas  decisões  de  política  externa  frente  às  ameaças  do  desequilíbrio  internacional.  Sob  uma   visão  securitária,  as  instituições  e  políticas  públicas  seriam  os  instrumentos  para  o  Estado  coordenar  recursos  para  solucionar  ameaças  externas  e  essa  coordenação  dependeria  da  sua  intensidade  (TAYLOR,  2012;  2005).  Dessa  forma,  em  períodos  de  alterações internacionais é necessário que o Estado 

que  queira  subir  na  hierarquia  industrial  de  armamentos  tenha  precondições  estruturais  internas e assuma riscos condizentes com sua posição de poder.  Sobre  a  inovação  tecnológica,  é  necessário  destacar  que  ela  sustenta  a  10

expansão  econômica  dos  Estados ​ .  Na  medida  em  que  um  país  se  mantém  como  inovador,  ele  passa  a ser dominante em setores econômicos e militares. O  segundo setor  possibilita  a  influência  ou  o  domínio  além  de  seu  território  e,  caso  tal  expansão  se  consolide  em  hegemonia,  este  se  mantém  como  um  “centro  econômico­inovador”  (ARRIGHI,  2009,  p.  25).  Todavia,  “os  custos  desta  manutenção  de  superioridade  aumentam  gradativamente,  fazendo  com  que  outros  (aqueles  que  absorveram  as  tecnologias  a  custos  muito  mais  baixos  que  o  país  inovador  e  criaram  suas  bases  produtivas  a  partir  disso)  despontem  para  desafiar  sua  posição”:  é  um  resultado  do  processo  de  difusão  (GILPIN,  1981,  p.  162).  Essa  tendência  de  aquisição  de  capacidades  de  autonomia  tecnológica  já  foi  discutida  por  diversos  autores  (KRAUSE,  11

1992;  BITZINGER,  2003)  e  um  modelo simplificado  desta “escada de indigenização”  é visto na Tabela 1.  Tabela 1: A Escada de Produção da Autonomia Industrial  Etapa  Função  1.  Revisão e serviço das armas importadas  2.  Montagem licenciada das armas estrangeiras  3.  Fabricação de componentes pouco complexos (opção de montagem final)  4.  Crescimento  no  design  e  produção  local  de  componentes,  com  montagem  final no local   5.  P&D e produção independentes  Traduzido de​ : ​ (KATZ, 1984) 

 

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  Necessário  destacar  que, a despeito da importância dada à inovação tecnológica neste trabalho, deve­se  ter  em  mente  que  a  tecnologia   altera  a  as  dimensões  e  as  visões  sobre  os   fenômenos  nacionais  e  internacionais,  mas   as  assunções  tradicionais  sobre  o  Estado,  sua  atuação  econômica  e  de  poder  persistem:  com  o  advento   de  novas  tecnologias,  “aumenta­se  a  complexidade,  mas  não  a   essência  da   política”  (SKOLNIKOFF,  1993,   p.   7).  Rejeita­se  assim  o  determinismo  tecnológico  sobre  a   estrutura  política.  11

  Há   outros  modelos  com  mais  fases  que  diferenciam  as  formas  de  coprodução  e  codesenvolvimento,  indicando  uma  crescente  autonomia  em P&D  (KRAUSE,  1992).  Além disso, poderia­se argumentar que,  devido  à complexidade atual dos produtos de  defesa, haveria escadas paralelas para um único sistema: um   para  as  plataformas  dos  sistemas,  outro  para  somente  os  armamentos,  outro  para  os  subsistemas  eletrônicos, etc (BRAUER, 1998).  

O  que  a  tabela  não  indica  é  o  grau  de  recursos  que  se  destina  a  cada  fase:  a  variação de custos é a  principal barreira econômica para um Estado alcançar a autarquia.  Para  ilustrar  tal  ideia,  a  figura  3  indica as diferentes fases: entre A (total dependência) e  B  (manutenção  e  montagem  local  de  componentes  importados)  há  custos  iniciais  grandes,  devido  à  necessidade  de  construir  fábricas  e  redes  industriais  para  o  setor.  De  B  para  C,  há  uma  maturação  do  complexo  industrial  criado,  na  qual  surgem  esforços  para  o  codesenvolvimento  e  produção  licenciada  de  armas  sofisticadas,  enquanto  se  produz  autonomamente  sistemas  de  armamentos  intermediários.  No  entanto,  é  na  tentativa  de  alcançar  D  (autonomia  de  produção  e  de  P&D)  que  surgem  custos  referentes  ao  desenvolvimento  pleno  de  um  sistema  complexo,  envolvendo  um  esforço  estatal para a inovação (MAZZUCATO, 2014).  Figura 3 – a Curva de Produção da Autonomia 

  Fonte: Adaptado de (BITZINGER, 2003) 

Logo,  há  pontos  definidores  da  inovação  tecnológica  para  as  Relações  Internacionais.  Primeiro,  ela  engendra  a  renovação  do  capitalismo  e  permite  com  que  países  caracterizados  como  líderes  tecnológicos  estejam   no   centro  desta  dinâmica.  Todavia,  como  a  difusão  tecnológica  é  inevitável  países  que  tinham  o  monopólio  de  tecnologias  podem  impor  formas  de  controle  somente  para  retardar  seu   espalhamento.  Segundo,  a  inovação  cria  investimentos  e  tecnologias  que  não  são  neutras,  mas  distributivas  em  várias  formas  e  setores.  Desse  modo,  ela  altera  a  distribuição de poder 

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tanto  dentro  de  uma   sociedade   quanto  entre  os  Estados.  Terceiro,  o  controle  e  gerenciamento  da  inovação  é  essencial  para  construir  uma  base  tecnológica,  característico  de  Estados  no  primeiro  escalão.  Por  fim,  possuir  esse  domínio  das  capacidades  de  inovar  é  um  fator­chave  para  desenvolver  uma  indústria  de  defesa  autônoma,  pois  gerencia  um  conhecimento  voltado  para  objetivos  nacionais.  No  entanto, a escalada de custos pode se tornar uma barreira de difícil superação.    3. Contextualização  de  Mudanças  Internacionais  da  Indústria  de  Defesa  e  Relação com Brasil  Os  elementos  teóricos  permitem  uma  análise  tanto  sistêmica  quanto  específica  da  indústria  de  defesa  de  um  país.  Nesta  seção,  procura­se  fazer  uma  contextualização  geral  da  atual  dinâmica  de  gastos  e  produções  bélicas  mundiais  e  observar  possíveis  mudanças  no  sistema oriundas de transformações nas indústrias de defesa dos principais  países.  Surgem  nessa  intenção  dois  grandes  obstáculos:  dados  quantitativos  que  englobem  completamente  os  conceitos  teóricos  supracitados  e  um  grande  número  de  variáveis  a  serem  tomadas  em  conta.  Dessa  forma,  a  tentativa  em  ilustrar,  por  meio  da  tabela  2,  as  mudanças   nos  gastos  militares  e  sua  composição  tecnológica  ainda  é  insuficiente,  porém   evidencia  algumas  tendências  significativas  para   a  teoria  empregada.   Tabela 2: Mudanças nos Padrões de Produção Internacional de  Armamentos  Gastos Militares*  2 0 1 4  1° 

2 0 0 5  1° 

EUA 

2° 

5° 

China 

3° 

9° 

Rússia 

4° 

8° 

Arábia  Saudita  França 

5° 

12

3° 

País 

Produção, Exportação e Inovação (Geral)  Exp. Alta  Posição  Patentes  Exportação  no Top  Total  Armamentos  tecnologi a 2013  50  2013  % global  b c d (2014)  ($ bi.)​   BIN​   (mil)​   43  31  147,8  6°  571,6  Sem dados,  5  560  22°  825,1  provável 10 

2014  ($  b.) 

Mudanç a  2005­14  (%) 

610 

­0.4 

~216 

167 

~84, 5 

97 

15 

27 

8,6 

14° 

44,9 

80,8 

112 

­­ 

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