Anais Eletrônicos do SIMPORI 2015 Simpósio de PósGraduação em Relações Internacionais do Programa “San Tiago Dantas” (Unesp, Unicamp, PUCSP) “Governança Global: transformações, dilemas e perspectivas” São Paulo, 09 a 12 de novembro de 2015 ISSN 19849265
Poder, Relações Internacionais e Mudança Tecnológica: Contextualizações da Indústria de Defesa sob um Marco Realista 1
Giordano Bruno Antoniazzi Ronconi 1. Introdução Este trabalho tem como objetivo formular uma concepção teórica das Relações Internacionais para avaliar a dinâmica da indústria de defesa brasileira com as do resto do mundo. Para isso, assunções, conceitos e suas relações causais são colocadas dentro de um contexto no qual se teoriza em dois níveis: em nível estatal, no qual o Estado toma suas decisões/ações; e no nível internacional, no qual se procura inserir as ações do Estado dentro da dinâmica do Sistema Internacional. A indústria de defesa é um fatorchave para aumentar o poder potencial e este se sobrepõe ao poder real em períodos de relativo equilíbrio no sistema, pois gera capacidades dissuasórias e abre possibilidades de conversão futura para um maior poder militar. Uma vez colocados em evidências os arcabouços e as sistematizações teóricas, fazse uma breve contextualização das variáveis na indústria de defesa brasileira e de sua posição no Sistema Internacional. Para medir a intensidade destas variáveis no 1
Mestrando em Estudos Estratégicos da Segurança e Defesa (PPGEST) na Universidade Federal Fluminense (UFF), sob orientação do Professor Luiz Pedone. Bolsista CAPES do programa PróDefesa. Contato:
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sistema internacional, utilizase como metodologia uma análise comparativa de elementos quantitativos que caracterizam os conceitos empregados. Será uma forma de contextualizar os conceitos teóricos empregados no trabalho. Não obstante, devido às alterações qualitativas deste setor nas últimas décadas, algumas considerações serão colocadas sobre as atuais transformações no perfil deste mercado internacional. Com isso, será feita uma discussão sobre o caso brasileiro. Será desta contextualização internacional que poderá ser explorado o argumento de que, a despeito dos grandes constrangimentos internacionais, característicos de um sistema em equilíbrio, o Brasil vem direcionando fatores que, teoricamente, gerariam tendências de mudança de sua política externa e de seu perfil regional. Serão elementos que moldam tanto a adaptação de sua indústria de defesa no sistema internacional quanto possibilitam uma maior presença regional. Após esta introdução, a segunda seção tratará da relação entre a indústria de defesa e o pensamento realista das Relações Internacionais sob três moldes: sua relação com o poder; sua influência na ação estatal; e sua presença na dinâmica internacional. A terceira parte analisa sua contemporaneidade nas relações internacionais, os possíveis desdobramentos em países emergentes e a influência desta no Brasil. Como conclusão, sintetizase as possibilidades das concepções teóricas elaboradas para o atual momento brasileiro. 2. Realismo e Indústria de Defesa 2
Em sua essência , o realismo pode ser caracterizado por três pressupostos: há um sistema internacional cuja estrutura é anárquica; seus principais atores são os Estados, dotados de racionalidade e diferenciados pelas suas capacidades materiais; o principal objetivo destes é a sobrevivência. Com isso, podese contextualizar as relações entre Estados como uma relação competitiva e de incerteza sobre as possíveis ações do outro,
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É de grande importância destacar, principalmente para os propósitos deste trabalho, que o realismo é uma escola de pensamento, contendo diversas teorias interrelacionadas. O poder explanatório deste está justamente na permanência de elementos fundamentais que englobam esta escola (WOHLFORTH, 2011). Por isso será possível conjugar diversas abordagens teóricas para explicar a importância da Indústria de Defesa, variável difícil de ser comtemplada por outras escolas das Relações Internacionais.
mas que todos procuram desenvolverse internamente capacidades que aumentem sua segurança. Decorrente deste contexto, há esforços do Estado no seu desenvolvimento econômico e na criação de relações de poder que tendam a uma estabilidade favorável a estes. Dessa forma, o relacionamento teórico entre essa abordagem e a indústria de defesa deve ser colocado em três momentos: primeiro, sob uma avaliação de poder; segundo, sob o processo de atuação do Estado no sistema internacional; e terceiro, sob a sua influência na dinâmica estrutural do sistema. Acreditase que, uma vez colocada em evidência as relações causais, as considerações teóricas retiradas das Relações Internacionais sirvam como suporte para um diagnóstico amplo, para antecipar eventos ou para prescrever e estimar políticas públicas na área da defesa (WALT, 2005). A ideia geral deste trabalho é de que a Indústria de Defesa representa uma ampla parcela do Poder Potencial de um Estado e seu aumento amplia a possibilidade de 3
conversão para Poder Real. A indústria de defesa representa um complexo industrial que se relaciona com o Estado e a sociedade e por isso engloba diversos elementos constituintes do poder nacional de um país. Desse modo, sua dinâmica ocorre de forma relacionada com o desenvolvimento político e econômico do Estado como um todo. Se ela representa uma das faces do poder nacional, ela pode ser contextualizada na própria dinâmica internacional de poder, andando junto com as diferentes transformações globais. Com isso, analisar a indústria de defesa e seus rumos é prospectar alguns caminhos possíveis das relações internacionais contemporâneas e compreender as 4
possibilidades do Brasil atualmente .
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Por isso uma definição mais abrangente da Indústria de Defesa poderia ser colocada como Complexo MilitarIndustrialAcadêmico, retirada de estudos sobre os Estados Unidos (MEDEIROS, 2004). Haveria também uma definição oficial de Base Industrial de Defesa (BID), de acordo com a Estratégia Nacional de Defesa (BRASIL, 2008). Optouse por Indústria de Defesa neste trabalho, para não recorrer às definições extensas e siglas constantemente. 4
Um adendo deve ser feito referente ao seu poder explanatório: como qualquer argumento teórico de Relações Internacionais, a afirmação desta frase fica limitada à área de estudo e sua relevância se fundamenta nos marcos conceituais e em sua parcimônia (WALT, 2005). Ou seja, é possível ver em detalhe e amplamente as Relações Internacionais pela análise da Indústria de Defesa, mas não será por ela que se explica todos os fenômenos do campo.
a. O Poder Material e Potencial: gerando uma Capacidade Dissuasória A definição do poder para o realismo se situa fundamentalmente nas capacidades materiais do Estado. Logo, ao tratarse de um instrumento para o Estado exercer sua soberania, o poder militar tornase um valor padrão para uma avaliação internacional, fundamentado no seu poderio econômico (CARR, 2001). É um ponto de partida, no entanto, falta ainda maior operacionalidade para os objetivos deste trabalho. Para isso, procurase diferenciar o poder nacional em Real (Efetivo) e Latente (Potencial) de acordo com as definições de Mearsheimer. O primeiro é o poder militar imediato de uma Nação, ou seja, sua capacidade de projeção de suas Forças Armadas no presente. Não é um conceito puramente quantitativo, pois é moldado pela relação qualitativa entre as três Forças e pela sua capacidade de projeção (MEARSHEIMER, 2007). Dessa forma, não basta contar soldados, aviões e navios para mensurar o Poder 5
Real, é necessário situar estes fatores ao “atrito da guerra” . Já o Poder Latente seria a habilidade do Estado transformar eficientemente sua riqueza e população em poder militar. Essa definição original é ampla demais para o trabalho proposto: atrás da ideia de “eficiência” estão a capacitação de recursos humanos e de transformação de um complexo militarindustrialacadêmico para a criação de Forças Armadas contemporâneas (MCNEILL, 1982). Para Mearsheimer, não era interessante o aprofundamento nesse conceito, pois seu foco eram as capacidades de prontidão das Grandes Potências. No entanto, o foco em Poder Potencial é fundamental para uma concepção teórica sobre a indústria de defesa, a inovação tecnológica e a sua potencialidade de dissuasão. Se a exploração de variáveis constituintes do poder nacional em seus diferentes domínios (recursos naturais, desempenho nacional e capacidades militares) é de grande número (TELLIS et al. , 2000), a Indústria de Defesa (por incorporar variáveis como tecnologia, recursos humanos, infraestrutura) se torna uma das facetas deste poder. Dessa forma, tendo em mente uma grande eficiência na
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Uma tentativa de síntese do Poder Militar é de difícil obtenção, visto que este pode ser ampliado para o conceito de fungibilidade, afetando de diversas formas a atuação do Estado (ART, 1996), ou pela forma de emprego de forças (BIDDLE, 2004). Não será o objetivo deste trabalho o aprofundamento deste conceito e sim somente contextualizálo na discussão.
conversão destas variáveis em Poder Efetivo, fica clara a importância dos elementos (empresas, laboratórios, formação acadêmica) que pertencem à indústria de defesa (CORTEZ, FERREIRA & BRICK, 2014). O tamanho de um complexo industrial sempre tem o que dizer das potencialidades de desenvolvimento, imediato e futuro: este relacionase fortemente com o crescimento do PIB, indica as possíveis tendências estruturais na sociedade de um país e abre espaço para possibilidades de investimento produtivo em larga escala. Relacionado com este último ponto, está também um direcionamento de investimentos públicos em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), incluindo também a promoção de um complexo institucional que envolva esforços para promover a inovação tecnológica (FREEMAN, 1995). Não obstante, é importante frisar o desenvolvimento deste complexo industrial como uma variável dependente do desenvolvimento econômico nacional (BECKLEY, 2010). Ou seja, um país que promove uma estratégia de desenvolvimento nacional fornece a sustentação para um esforço industrial na área bélica. Inverter tal causalidade gera diversas dificuldades não só para a sobrevivência da indústria de defesa, como também para alcançar objetivos de uma maior autarquia tecnológica no setor (BRAUER, 1998; BITZINGER, 2003). Como reflexo do Poder Potencial, a indústria de defesa, suas capacidades produtivas e inovadoras, sua relação com o Estado e com a sociedade, está evidente a ideia de transformação: o Estado que tem capacidades bélicas produtivas e tecnológicas para empregar suas Forças Armadas aumenta a sua potencialidade de exercer Poder Real no meio internacional. O aumento do Poder Potencial, por implicar grandes consequências ao aumentar o Real, inserese como elementochave para objetivos dissuasórios e securitários. 6
Desse modo, a dissuasão é uma consequência das crescentes capacidades e superioridades produtivas e tecnológicas: o desenvolvimento de um complexo militarindustrialacadêmico é uma rede produtiva capaz de gerar produtos para o emprego militar de acordo com a estratégia nacional (MALDIFASSI & ABETTI,
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No seu sentido mais amplo, significa persuadir o oponente a não iniciar uma ação específica devido à percepção dos benefícios não justificar os custos e riscos estimados (MEARSHEIMER, 1985, p. 14).
1994). A dissuasão, principalmente a convencional (nãonuclear), não pode ser vista como uma função das armas existentes ou uma relação de forças, pois acaba ficando restrita à mensuração do Poder Real. Seu relacionamento com a estratégia é um ponto fundamental para afirmar que capturar ou defender um território dependerá do uso e aplicação das capacidades bélicas do Estado (MEARSHEIMER, 1985). Logo, promover o desenvolvimento de uma indústria de defesa e de seu complexo inovador (seu Poder Potencial) aumenta as possibilidades dissuasórias que um Estado pode empregar estrategicamente no sistema internacional. Essa promoção envolve um complexo relacionamento do Estado, interna e externamente, como se verá mais adiante. b. Atuação do Estado no Cenário Internacional Com o objetivo de sistematizar uma aplicação teórica da ação estatal no ambiente internacional, colocase como pressuposto que tal ação deve ser compreendida como um resultado de Política Externa. Dessa forma, a convergência de níveis sistêmicos e unitários geram uma “grande estratégia”: a atitude dos Estados frente ao ambiente internacional e como eles mobilizam seus elementos de poder em torno de seus objetivos políticos globais (KITCHEN, 2010). Para dividir de forma analítica e clarificar tais relações, a política externa é moldada e formulada por questões estruturais e dinâmicas, de ordem doméstica e internacional. A questão estrutural de ordem internacional são os constrangimentos sobre os Estados, impelindoos a limitarem seu raio de ações: é o que compele os Estados à autopreservação e à maximização de seu poder (sua segurança) de todas as formas racionalmente possíveis (WALTZ, 2002). Tirando as capacidades militares, a melhor forma de representar tais constrangimentos são as instituições e as regras informais, que seriam um “espelho” da distribuição internacional de poder (MEARSHEIMER, 1994). É devido aos constrangimentos internacionais que haveria uma aparente estaticidade das relações internacionais. No entanto, é enganosa tal suposição: além de outros fatores, destacados na próxima seção, existe uma dinâmica relação entre os Estados, no sentido em que estes procuram se relacionar para aumentar suas capacidades relativas.
As alianças seriam um exemplo desta questão, pois são uma forma fundamental dos Estados balancearem contra ameaças mútuas (WALT, 1990). Logo, questões de cooperação envolvem arranjos formais ou informais de segurança para os Estados. Ou seja, estes estão sempre buscando ganhos relativos quando formalizam acordos e entendimentos ou quando criam instituições internacionais (GRIECO, 1988). É a partir desta dinâmica que surgem mudanças conjunturais de interação, oriundas paulatinamente do constrangimento estrutural (GILPIN, 1981). Esses apontamentos teóricos indicam que, tendo em mente o valor estratégico (de poder) que a transferência de tecnologias militares possui, questões como cerceamento tecnológico e dificuldades de acordos na área da defesa sejam evidentes nas relações internacionais por motivos muito bem definidos (LONGO, 2007). Já as questões estruturais e dinâmicas de ordem doméstica perpassam a política interna do Estado e se relacionam no seu planejamento estratégico (que deve ser entendido pela discussão anterior nas formas de transformar o poder potencial em real e aplicalo), levando à definição de um interesse nacional (KITCHEN, 2010). Ou seja, 7
sua formação decorre do estabelecimento de pactos políticos e de arranjos institucionais que garantam o andamento de uma estratégia de desenvolvimento para o país. Dessa forma, os constrangimentos institucionais internos e os pactos políticos são variáveis intervenientes na relação causal entre a distribuição internacional de poder e a condução da política externa (TALIAFERRO, LOBELL & RIPSMAN, 2009). Com isso, a ação em tomar uma determinada conduta de política externa envolve levar em conta os interesses de atores ou grupos internos para alcançar ações que relacionam ameaças externas e internas (LOBELL, 2009). Tendo isso em mente, é possível afirmar que Estados mais preocupados com segurança doméstica inovam relativamente menos do que os mais preocupados com ameaças externas. As decisões políticas de segurança do governo (consequentemente, sua alocação de recursos) decorrem do resultado da balança entre ameaças internas (instabilidade política) e externas (não só adversidades militares, mas também 7
Para alguns autores é entendido como o consenso das elites (TALIAFERRO, LOBELL & RIPSMAN, 2009). No entanto, é mais interessante para este trabalho obter como definição um conjunto de classes socioeconômicas que se juntam com o objetivo de colocar um projeto de desenvolvimento para o país (BRESSERPEREIRA, 1972).
econômicas e sociais), afetando, dessa forma, a inovação tecnológica do país (TAYLOR, 2005). Colocando tal relação com a indústria de defesa, a alocação e distribuição de gastos militares para a defesa pode ser colocada ou para o mercado externo ou para o fortalecimento da sua capacidade industrial: estas opções e a intensidade dos recursos serão determinadas pelas ameaças externas (MALDIFASSI & ABETTI, 1994; TAYLOR, 2012). Dessa forma, a alocação de recursos é entendida como uma ação racional do Estado tendo em mente o seu ambiente de ameaças: o orçamento de defesa é, teoricamente, resultado do cálculo deste ambiente interno e externo (GLASER, 2010). São com essas divisões analíticas que um Estado formula sua Política Externa, contextualizada na figura 1. As relações da indústria de defesa e seu complexo inovador com tais aspectos teóricos mencionados são de grande importância. Primeiro, ela se situa dentro de uma hierarquia de poder criada estruturalmente, logo, sua capacidade de produção de armamentos e o seu nível tecnológico possuem padrões relacionados com a estrutura de poder (KRAUSE, 1992). Segundo, acordos de cooperação sobre o assunto, assim como a transferência de tecnologia, envolvem tanto a restrição oriunda do constrangimento estrutural quanto das percepções securitárias de ganhos relativos entre os Estados. Figura 1: Os Condicionantes da Formulação da Política Externa
Fonte: elaboração própria
Em terceiro lugar, a consonância com a estratégia de desenvolvimento empregada pelo governo, a orientação, consistência e estabilidade do Pacto Político e de suas instituições e a própria percepção de ameaças por parte do Estado são fatores fundamentais para que haja um desenvolvimento industrial na defesa e nos seus 8
objetivos produtivotecnológicos . Além disso, a opção da emulação ou inovação de práticas militares, econômicas e/ou tecnológicas decorre de uma “estratégia de balanceamento”, na qual o Estado gerencia a sua capacidade de extrair seus recursos econômicos e sociais (TALIAFERRO, 2009). Ou seja, os interesses internos conjugamse com os fatores externos, moldandose a posição da indústria no cálculo de ação da Política Externa de determinado país e as suas intenções de transformação.
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Há inclusive aplicações conceituais sobre interesses de classes e a economia política do rearmamento. Ou seja, governos conservadores teriam dificuldades em colocar uma política de financiamento para a indústria de defesa (rearmamento) pois sofreriam represálias de seus apoiadores (envolveria aumento de impostos), enquanto governos laborais a veriam como uma possibilidade de aplicar impostos progressivos e aumentar a presença do Estado (NARIZNY, 2003). Não obstante, a possibilidade de generalizar a questão interna em um tradeoff entre bemestar e segurança e a sua relação com gastos militares também foi aplicada (DIKICI, 2015). No entanto, são abordagens economicistas do Estado e de suas relações internacionais.
c. A Dinâmica do Sistema Internacional: a Relação com o Mercado de Armamentos e a Influência da Inovação Uma crescente mudança nas interações e capacidades dos Estados pode ir além do balanceamento de poder: o desenvolvimento do poder potencial e sua transformação para o real leva a uma mudança na estrutura internacional. Uma precondição para a mudança política de um Estado no sistema internacional é a disjunção entre o desenvolvimento doméstico e a sua posição de poder internacional, levando os atores a 9
verem benefícios sobre os custos com uma mudança no sistema . As possíveis decorrências desta dinâmica são a guerra hegemônica ou as concessões por meio da barganha pacífica, ambas criando consequentes mudanças no sistema (paulatina ou radicalmente). Claramente, como elemento de grande importância para desencadear tais mecanismos é a forma da indústria de defesa dos Estados. Incitar essa mudança vem de vários fatores, sendo alguns deles a situação econômica, as capacidades militares e as suas respectivas inovações. Dessa forma, “o ambiente material econômico (englobando fatores como o sistema de comunicações e transporte, a tecnologia militar e a natureza produtiva de sua economia) e a balança internacional de poder, criam incentivos ou desincentivos para um Estado promover mudanças no sistema” (GILPIN, 1981, p. 5584). A figura 2 procura clarificar tal processo e indicar as variáveis que desencadeiam ou que são características de uma mudança na distribuição de poder do sistema internacional. A transição do equilíbrio internacional para o seu desequilíbrio envolve diferentes momentos de uma gradativa mudança na interação dos atores a ponto destes Estados questionarem sua posição na distribuição de poder. Já a transição de uma crise estrutural para um novo equilíbrio envolve a busca por um novo consenso internacional, possível de ser resolvido pela guerra ou pela concessão de poder através da barganha.
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Os três tipos de mudanças podem ser: de sistema, na qual muda a natureza dos atores; sistêmica, na qual se mudam as regras e/ou a hierarquia dos atores, alterando a governança do sistema por meio de guerras hegemônicas ou por resoluções pacíficas entre os atores; e de interação, na qual o processo (ou as suas regras) políticoeconômico entre Estados é alterado, tornandose mais como um presságio para os dois primeiros tipos de mudança (GILPIN, 1981, p. 40). Devemos nos atentar ao segundo tipo de mudança, que parece caracterizar o contexto atual, devido ao fato de o Sistema estar apresentando momentos de instabilidade no equilíbrio de poder (MARTINS, 2013, p. 180).
Figura 2: Os Condicionantes de Mudanças no Sistema Internacional
Fonte: elaboração própria, tendo Gilpin (1981) como base
Focandose na indústria de defesa, percebese que há dois fatores que moldam tal questão. O primeiro é o constrangimento causado pela hierarquia de produção de armamentos e tecnologias, que conjugados com o ciclo de vida do produto militar (que causam a difusão e inovação), criam uma dinâmica internacional na qual há uma divisão hierárquica dos atores, determinada por critérios como produção militar, capacidades de P&D, sofisticação tecnológica, demanda doméstica e dependência da exportação (KRAUSE, 1992). O segundo fator se refere às relações sociais internas do Estado: a inovação tecnológica, principalmente na área de defesa, envolve arranjos institucionais, relações políticas dispostas a colocar uma estrutura produtiva para esse complexo militarindustrialacadêmico. Como se percebe na figura 2, estes dois fatores são de grande peso e influência para a alteração do comportamento dos atores no sistema. Além disso, estes entram nos cálculos dos atores em suas decisões de política externa frente às ameaças do desequilíbrio internacional. Sob uma visão securitária, as instituições e políticas públicas seriam os instrumentos para o Estado coordenar recursos para solucionar ameaças externas e essa coordenação dependeria da sua intensidade (TAYLOR, 2012; 2005). Dessa forma, em períodos de alterações internacionais é necessário que o Estado
que queira subir na hierarquia industrial de armamentos tenha precondições estruturais internas e assuma riscos condizentes com sua posição de poder. Sobre a inovação tecnológica, é necessário destacar que ela sustenta a 10
expansão econômica dos Estados . Na medida em que um país se mantém como inovador, ele passa a ser dominante em setores econômicos e militares. O segundo setor possibilita a influência ou o domínio além de seu território e, caso tal expansão se consolide em hegemonia, este se mantém como um “centro econômicoinovador” (ARRIGHI, 2009, p. 25). Todavia, “os custos desta manutenção de superioridade aumentam gradativamente, fazendo com que outros (aqueles que absorveram as tecnologias a custos muito mais baixos que o país inovador e criaram suas bases produtivas a partir disso) despontem para desafiar sua posição”: é um resultado do processo de difusão (GILPIN, 1981, p. 162). Essa tendência de aquisição de capacidades de autonomia tecnológica já foi discutida por diversos autores (KRAUSE, 11
1992; BITZINGER, 2003) e um modelo simplificado desta “escada de indigenização” é visto na Tabela 1. Tabela 1: A Escada de Produção da Autonomia Industrial Etapa Função 1. Revisão e serviço das armas importadas 2. Montagem licenciada das armas estrangeiras 3. Fabricação de componentes pouco complexos (opção de montagem final) 4. Crescimento no design e produção local de componentes, com montagem final no local 5. P&D e produção independentes Traduzido de : (KATZ, 1984)
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Necessário destacar que, a despeito da importância dada à inovação tecnológica neste trabalho, devese ter em mente que a tecnologia altera a as dimensões e as visões sobre os fenômenos nacionais e internacionais, mas as assunções tradicionais sobre o Estado, sua atuação econômica e de poder persistem: com o advento de novas tecnologias, “aumentase a complexidade, mas não a essência da política” (SKOLNIKOFF, 1993, p. 7). Rejeitase assim o determinismo tecnológico sobre a estrutura política. 11
Há outros modelos com mais fases que diferenciam as formas de coprodução e codesenvolvimento, indicando uma crescente autonomia em P&D (KRAUSE, 1992). Além disso, poderiase argumentar que, devido à complexidade atual dos produtos de defesa, haveria escadas paralelas para um único sistema: um para as plataformas dos sistemas, outro para somente os armamentos, outro para os subsistemas eletrônicos, etc (BRAUER, 1998).
O que a tabela não indica é o grau de recursos que se destina a cada fase: a variação de custos é a principal barreira econômica para um Estado alcançar a autarquia. Para ilustrar tal ideia, a figura 3 indica as diferentes fases: entre A (total dependência) e B (manutenção e montagem local de componentes importados) há custos iniciais grandes, devido à necessidade de construir fábricas e redes industriais para o setor. De B para C, há uma maturação do complexo industrial criado, na qual surgem esforços para o codesenvolvimento e produção licenciada de armas sofisticadas, enquanto se produz autonomamente sistemas de armamentos intermediários. No entanto, é na tentativa de alcançar D (autonomia de produção e de P&D) que surgem custos referentes ao desenvolvimento pleno de um sistema complexo, envolvendo um esforço estatal para a inovação (MAZZUCATO, 2014). Figura 3 – a Curva de Produção da Autonomia
Fonte: Adaptado de (BITZINGER, 2003)
Logo, há pontos definidores da inovação tecnológica para as Relações Internacionais. Primeiro, ela engendra a renovação do capitalismo e permite com que países caracterizados como líderes tecnológicos estejam no centro desta dinâmica. Todavia, como a difusão tecnológica é inevitável países que tinham o monopólio de tecnologias podem impor formas de controle somente para retardar seu espalhamento. Segundo, a inovação cria investimentos e tecnologias que não são neutras, mas distributivas em várias formas e setores. Desse modo, ela altera a distribuição de poder
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tanto dentro de uma sociedade quanto entre os Estados. Terceiro, o controle e gerenciamento da inovação é essencial para construir uma base tecnológica, característico de Estados no primeiro escalão. Por fim, possuir esse domínio das capacidades de inovar é um fatorchave para desenvolver uma indústria de defesa autônoma, pois gerencia um conhecimento voltado para objetivos nacionais. No entanto, a escalada de custos pode se tornar uma barreira de difícil superação. 3. Contextualização de Mudanças Internacionais da Indústria de Defesa e Relação com Brasil Os elementos teóricos permitem uma análise tanto sistêmica quanto específica da indústria de defesa de um país. Nesta seção, procurase fazer uma contextualização geral da atual dinâmica de gastos e produções bélicas mundiais e observar possíveis mudanças no sistema oriundas de transformações nas indústrias de defesa dos principais países. Surgem nessa intenção dois grandes obstáculos: dados quantitativos que englobem completamente os conceitos teóricos supracitados e um grande número de variáveis a serem tomadas em conta. Dessa forma, a tentativa em ilustrar, por meio da tabela 2, as mudanças nos gastos militares e sua composição tecnológica ainda é insuficiente, porém evidencia algumas tendências significativas para a teoria empregada. Tabela 2: Mudanças nos Padrões de Produção Internacional de Armamentos Gastos Militares* 2 0 1 4 1°
2 0 0 5 1°
EUA
2°
5°
China
3°
9°
Rússia
4°
8°
Arábia Saudita França
5°
12
3°
País
Produção, Exportação e Inovação (Geral) Exp. Alta Posição Patentes Exportação no Top Total Armamentos tecnologi a 2013 50 2013 % global b c d (2014) ($ bi.) BIN (mil) 43 31 147,8 6° 571,6 Sem dados, 5 560 22° 825,1 provável 10
2014 ($ b.)
Mudanç a 200514 (%)
610
0.4
~216
167
~84, 5
97
15
27
8,6
14°
44,9
80,8
112