Poder, resistência e território em conflitos sociais um debate teórico e metodológico.

July 6, 2017 | Autor: M. Montalvão Teti | Categoria: Social Psychology
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Tema Geral do Evento da ABRAPSO:
Psicologia Social e os Atuais Desafios Ético-Políticos no Brasil.
Fortaleza: 29.10 a 02.11.2015.
Eixo Temático:
Movimentos Sociais e Desafios à Democracia Brasileira.
Grupo de Trabalho:

Poder, resistência e território em conflitos sociais: um debate teórico e metodológico.

Proponentes: Dra. Marcela Montalvão Teti
Dra. Marcela de Andrade Gomes
Dr. Rafael Prosdocimi Bacelar

O objetivo deste Grupo de Trabalho (GT) é debater sobre as possíveis formas de resistência, ações coletivas e movimentos sociais que vêm, nos últimos anos, colocando em questão a expansão de uma lógica utilitária e mercantil de apropriação de diferentes territórios no país, alterando a vida e gerando conflitos ambientais, culturais e sociais. Nossa proposta é fomentar um debate de caráter ético, político e epistemológico que abarque os aspectos psicossociais consequentes aos processos de urbanização mercantilizada, problematizando discursos e práticas que homogeneizam territórios, provocando processos de exclusão e reificação da vida humana. Atualmente observamos no Brasil a criação de mega-empreendimentos nos campos da extração mineral, agricultura, infra-estrutura e geração de energia (Zhouri e Laschefski, 2010), os quais, em nome do desenvolvimento e do progresso, destrói ecossistemas, altera dinâmicas sociais eliminando as condições materiais e simbólicas de permanência de diferentes comunidades. Portanto, tais procedimentos geram uma série de violações dos direitos humanos, tanto nas cidades como no campo, que vão desde a remoção arbitrária de populações ao assassinato de militantes políticos. Deslocando um pouco o olhar, saindo do campo em direção à cidade, observamos outro tipo de mega-emprendimento modificando o dia-a-dia do morador de diversas comunidades e favelas. Se aqui o desrespeito aos direitos não tem relação com o extrativismo, ele é consequência direta da urbanização atravessada pelo discurso do megaevento. Copa do Mundo e Jogos Olímpicos, aparecem como principal justificativa para o que seria "requalificação das cidades e dos bairros", que no entanto configuram mero eufemismo para justificar a replicação de um espaço estéril da cidade, feita para o consumo. Diversas cidades na Europa, em países da América Latina e nos últimos 5 anos no Brasil, são objeto de especulação imobiliária, da museificação dos espaços de convivência, mercantilização de estilos de vida, reprodução de modos de subjetivar afirmando, cada vez mais, práticas elitizadas e discriminadoras. Resistindo a este cenário excludente e massificador, sujeitos individuais e coletivos, em diferentes pontos do país, se opõem a este processo e buscam inserir na esfera pública o questionamento em torno da legitimidade de modos de ser e de viver. Problematizam uma suposta necessidade de submissão das relações sociais a um modo hegemônico de exercício das práticas e de governo da experiência, marcados por relações de exploração, de privilégios e de subalternidades. Para fundamentar nossas reflexões, tomamos como ponto de partida a referência a autores e teorias que refletiriam acerca da dinâmica dos conflitos sociais e dos modos de resistência políticas nas sociedades modernas contemporâneas. Com Rancière (1996, 2005) compreendemos a esfera pública como uma experiência coletiva que esteticamente unifica e seculariza os sujeitos. Assim, no corpo da vida social, há um regime estético hegemônico que localiza corpos, regimes discursivos e competências que provocam visibilidades e invisibilidades, vozes e ruídos, parte e sem-parte na partilha da vida coletiva. Neste cenário hierárquico e desigual, o sujeito político emerge para desnaturalizar a partilha do sensível, anunciando novas formas sensíveis de vivenciar o coletivo, norteadas pelo princípio da igualdade. Assim, o ato político emerge a partir de novas inscrições estéticas na esfera simbólica que vêm desmontar a cristalizada configuração hegemônica, transformando os territórios em espaço mais igualitários e democráticos. Portanto, antes de representar uma luta entre dois pólos antagônicos, a emergência de um conflito demonstra uma contestação radical em relação ao modo de experienciar e compreender um mundo sensível. A noção de subjetivação abre caminhos que nos permitem compreender como novos sujeitos se constituem em um contexto de conflito social. Para Racière (1996), a luta política é uma luta pelos modos de ser, ver e existir , cujo desdobramento implica a negação de identidades e o surgimento de novos sujeitos, na medida em que a ruptura de identidades e funções agencia a emergência de novos modos de ser. Dessa forma, há um entrelaçamento constitutivo entre resistência política e subjetividade, pois o conflito "desfaz e recompõe as relações entre os modos de fazer, os modos do ser e os modos do dizer que definem a organização sensível da comunidade" (Ranciere, 1996, p.52). A respeito das resistências, gostaríamos de destacar aquelas que são colocadas como lutas transversais (Foucault, 1982/2010). Elas são formas de resistência que se diferenciam de outras lutas por não serem globais, visto que não se repetem da mesma forma nos lugares em que se manifestam. Elas são lutas antiautoritárias e que não se reduzem a um país, a uma cidade, a um bairro específico. É certo que elas acontecem mais facilmente em alguns lugares, mas não estão limitadas à atuação contra uma forma específica de governo. E isso se justifica porque não têm como principal alvo um grande inimigo, geral e inalcançável. Seus inimigos são locais, imediatos e atuam sobre cada um dos indivíduos. Seu principal objetivo são os efeitos de poder sobre a realidade social, sobre o controle dos seus corpos, sob o governo da individualização. Por um lado, as lutas transversais, querem o direito de ser diferente e reforçam aquilo que as torna individuais. Além do que se contrapõe às práticas individualizadoras, produtoras de indivíduos, que os separam dos seus, de sua comunidade, forçando aplicação de uma identidade exterior, efeito das práticas e relações de força, de um modo coercitivo. Em geral, as lutas transversais fazem oposição ao segredo, às representações mistificadoras, são contra os privilégios do conhecimento, contra os efeitos de poder associados ao saber, é que foi uma demanda de pesquisa busca-las. E investiga-las é trazer à luz uma forma específica de experiência na cultura, além de chamar a atenção na sociedade, para um campo de "problematização" (Foucault, 1984/2007). A fim de evitar equívocos, aqui problematizar não tem a ver com formular um problema ou uma questão, propostos por um sujeito de conhecimento. A problematização a que nos referimos tem relação com a forma como um indivíduo, em geral, se coloca como questão para si e o mundo no qual ele vive. Problematização como incômodo que é colocado para o pensamento, mas não de um investigador, e sim de um coletivo, de uma população. O campo de problematização, do qual o sujeito de pesquisa também faz parte, na medida em que se vê atravessado por ele, está associado a uma experiência que também é social. Um último adendo para entender os movimentos de resistência, é o de que os focos onde elas emergem, não se encontram fora das relações de poder. Não existe uma relação dicotômica, onde o poder estaria restrito a um lugar, e as resistências, à parte, em outro. Para tanto, é preciso produzir um deslocamento no que diz respeito a noção de poder, ao que tradicionalmente propõem as ciências políticas. Em um primeiro momento é preciso considerar que o poder é positivo, produzindo acontecimentos, realidades, corpos e subjetividades. E consegue isso, porque não é um aparelho, ou conjunto de aparelhos centralizados. O poder está distribuído na sociedade, de forma local, a partir de problemáticas específicas, sendo exercido ali mesmo onde ele é demandado, investido nas instituições, nas famílias, nas escolas, pela medicina, em diversificadas formas de associação. O poder é intrínseco às relações, são efeito e causa das associações. A propósito destas afirmações, deve-se compreender o poder como uma "multiplicidade de correlações de força, [...] o jogo que, através de lutas e afrontamentos incessantes as transforma, reforça, inverte; os apoios que tais correlações de força encontram umas nas outras [...] (Foucault, 1976/2007, p. 102). Nosso objetivo é refletir sobre a multiplicidade de formas e estratégias que sujeitos e grupos minoritários lutam e resistem em seus territórios, instaurando momentos mais democráticos e de apropriação da esfera pública. A polifonia e polimorfose da política no cenário atual vem revelando a pulverização e multiplicação de atores coletivos que buscam desmontar a lógica mercantilista e o ordenamento social, possibilitando a inscrição do novo e da diferença. Dessa forma, nos interessa ampliar e aprofundar o debate teórico e metodológico sobre os impactos psicossociais que transcorrem de inúmeros conflitos sociais, publicizados ou não, decorrentes do uso que os sujeitos e grupos fazem dos lugares, tornando os territórios um campo de disputas, dissensos e resistências. Temos nos deparado com diferentes atores coletivos que vêm fissurando a lógica mercantilista e homogeneizadora, a exemplo dos movimentos ambientalistas, os movimentos contra a instalação de mega eventos - em especial, no Rio de Janeiro-, os movimentos em defesa à migração e diferentes lutas por mobilidade urbana. Neste sentido, diferentes perspectivas, abordagens teóricas e caminhos metodológicos são bem vindos para aquecer o nosso debate acadêmico sobre as relações de poder e formas de resistência que vem se apresentando em diferentes configurações sociais. Assim, buscamos neste GT debater perspectivas teóricas, bem como pensar, criar e problematizar estratégias metodológicas para investigar o dinamismo, ambivalências e complexidades destes processos sociais. Não esquecendo, no entanto, a perspectiva da subjetividade. Esta pensada não como uma entidade substancial, interior ao indivíduo, una, mas como resultado de práticas e de relações sociais. Por isso mesmo mutável, não individualizada, se produzindo em meio a coletivos, no cruzamento entre discursos, práticas e modos de reflexão a respeito de si e do mundo. Neste sentido, um dos principais resultados almejado neste GT, para além de mapear e vislumbrar a dinâmica das ações políticas e coletivas, em diferentes partes do Brasil, é o de refletir sobre o exercício da Psicologia no contexto de um país marcado por crises, desigualdades e reclames sociais. Em torno de uma temática social que envolve problemas como reestruturação urbana e higiene social, fluxos migratórios, demandas socioambientais, reivindicações étnicas e raciais, com o quê amparamos nossa prática? Quais são os métodos aplicados para observar os processos, acompanhar o movimento dos coletivos que nos interessa, qual o nosso envolvimento com a pesquisa a fim que não nos tornemos pesquisadores distanciados e supostamente neutros a respeito de questões que também nos atravessam? Nesta seara, buscamos debates sobre os diferentes caminhos metodológicos, tais como a etnografia, a observação participante, as entrevistas semi-estruturadas, as pesquisas virtuais, as narrativas, derivas e cartografias sociais. Para tanto, em um primeiro momento, procuramos trabalhos que destaquem a análise das práticas de governo, com ênfase nos modos de disciplinarização dos movimentos e coletivos, nos quais as estratégias e táticas de controle possam ser visibilizadas. Em segundo, pesquisas que abordem os modos de exercício e de ação presentes nos movimentos de resistência. Nos últimos 5 anos, ganham destaque coletivos formados por agentes sociais, das mais diversificadas origens (jornalistas, técnicos, professores universitários, ONG's, membros de sindicatos e partidos políticos, membros comunidades afetadas, estudantes, indivíduos que se somam a causa, ainda que estejam envolvidos diretamente com a problemática minoritária), que mesclam as formas de atuação clássicas, como assembleias e passeatas, com atuações em redes virtuais, mas ainda planejando flash-mobs, e intervenções urbanas de cunho político e artístico. Em terceiro, partindo de outra perspectiva, procuramos encontrar abordagens que apresentem o cotidiano deste indivíduo, que se vê imobilizado pela rigidez das leis discriminatórias, tendo que lidar com grandes projetos extrativistas, ou ordem de despejos, diante da implantação de uma cidade parque-temático, ou de uma urbanização cada vez mais esterilizada. Para além, o jogo das relações entre poder e resistência, importa valorizar como indivíduos estão situados neste jogo de relações. Compreendemos que estes procedimentos possibilitam emergir a voz do sujeito de pesquisa, seu imaginário, suas ambiguidades, desejos e recusas. Assim, é imperativo refletir sobre nossas ações e relações com os coletivos a fim de que a inserção política de uma Psicologia Social e Crítica venha a operar com um tipo de engajamento que nos responsabilize também por propostas de transformação social.

Foucault, M. (1976/2007). História da sexualidade I: A vontade de saber (18ª Ed.). São Paulo: Edições Graal.
Foucault, M. (1982/2010). O sujeito e o poder. In H. Dreyfus, & P. Rabinow. (Orgs.), Michel Foucault: Uma trajetória filosófica: Para além do estruturalismo e da hermenêutica (2ª ed., rev, pp. 273-295). Rio de Janeiro: Forense Universitária.
Foucault, M. (1976/2007). História da sexualidade I: A vontade de saber (18ª Ed.). São Paulo: Edições Graal.

Rancière, J. (1996). O desentendimento. São Paulo: Editora 34.

Zhouri, A. & Laschefski, K. (2010). Desenvolvimento e conflitos ambientais. Belo Horizonte: Ed. UFMG.



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