Poderá o ensino do Design no Amazonas ser emancipatório?

July 23, 2017 | Autor: Alexandre Oliveira | Categoria: Design education, Amazonas, Social Emancipation
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Poderá o ensino do Design no Amazonas ser emancipatório?1

Alexandre Santos de Oliveira Mestre em Educação Programa de Pós-graduação em Design – PUC-Rio CAPES | FUCAPI | FAPEAM [email protected]

Resumo Esta comunicação apresenta os resultados parciais da pesquisa de doutorado que tem como título Identidade Cultural e Ensino do Design no Amazonas. Este trabalho tem como objetivo levantar pistas, caminhos e possibilidades para pensar o ensino do Design no Amazonas a partir de um projeto que se coloque na contramão da modernidade. Para tanto, toma-se como referência a sociologia das ausências e das emergências e as cinco ecologias, tal como propostas por Boaventura de Souza Santos, divisando a possibilidade de um ensino do design no Amazonas comprometido com um projeto de emancipação social. Palavras-chave: ensino do design, emancipação social, Amazonas Abstract This paper presents the partial results of the doctoral research named as Cultural Identity and Design Education in Amazonas. This paper aims to raise orientations, paths and methodologies to reflect about the Design education in Amazonas based on a project that positions itself in a contraposition to modernity. Thereby, the sociology of the absences and emergencies, as well as the five ecologies, are taken as reference, like Boaventura de Souza Santos proposed, discovering the possibility of a Design education, compromised with a social emancipation project. Keywords: design education, social emancipation, Amazon state Introdução

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OLIVEIRA, A. S. Poderá o ensino do Design no Amazonas ser emancipatório? In: XVII Seminário APEC - Entre o Atlántico y el Mediterráneo: 20 años de intercambio y saberes, 2012, Barcelona - Espanha. XVII Seminário APEC - Entre o Atlántico y el Mediterráneo: 20 años de intercambio y saberes. Barcelona - España: APEC - Associacón de Investigadores y Estudantes Brasilieños en Catalunya, 2012. p.271 - 286 Palavras-chave: ensino e aprendizagem, emancipação social, Amazonas Áreas do conhecimento : Ensino do Design Setores de atividade : Educação Referências adicionais : Espanha/Português. Meio de divulgação: Meio digital

É possível pensar o ensino do Design no Amazonas, calcado num paradigma de emancipação social? É a questão central que norteou este esforço reflexivo. O problema que esta pergunta evoca está amparado pela percepção de que o campo do Design possui uma forte participação num projeto hegemônico de sociedade, questão esta que pode ser identificada, tanto no âmbito da produção material do campo, como nas atividades de ensino que, de certa forma, dão suporte e orientam esta produção. No tocante ao panorama do ensino do Design na Região Norte, Oliveira, Maciel e Abrahão (2010) identificam, a partir de dados do MEC/INEP (2010), a existência de 24 cursos na área do Design nas seguintes modalidades: Formação Sequencial (1), Bacharelado (7), Graduação Tecnológica (16). Dentre os 07 (sete) cursos de graduação, os mais antigos são o da Universidade Federal do Amazonas, criado em 1988 e o da Universidade Estadual do Pará, criado em 1999. Ao considerar a sua localização física, os autores observam que o maior quantitativo de cursos de Design está no estado do Pará, com 1 (um) curso de Formação Sequencial, 4 (quatro) na modalidade Bacharelado, 7 (seis) na modalidade de Graduação Tecnológica e 1 (um) curso de Design, na modalidade Graduação Tecnológica na cidade de Santarém, o único localizado fora da capital do Estado. Em seguida, está o Estado do Amazonas com 5 (cinco) cursos na modalidade Graduação Tecnológica e 3 (três) na modalidade Bacharelado, todos eles na cidade de Manaus. Completando o cenário, destacam ainda a existência de 1 (um) curso na modalidade Graduação Tecnológica em Design nos estados do Acre, Amapá, Roraima, Rondônia e Tocantins, confirmando a presença de atividades de ensino relacionadas ao campo do Design em todos os estados da Região Norte do Brasil. Dados fornecidos pelo MEC/INEP demonstram o processo de desenvolvimento das instituições, cursos e número de alunos matriculados em cursos de Graduação em Design e Estilismo na Região Norte do Brasil, no período de 1995 a 2009, o qual pode ser observado através da Tabela 1:

Evolução do Número de Instituições de Ensino Superior, Cursos e Matrículas de Graduação para a Área de Design e Estilismo – Região Norte 1995 – 2009 Ano

Número de Instituições

Número de Cursos

Número de Matrículas

1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009

1 1 1 1 2 1 3 4 6 6 9 11 9 11 11

1 1 1 1 2 1 3 4 6 6 9 11 9 12 13

76 142 139 131 184 164 323 383 567 617 907 1.107 1.259 1.400 1.394

Tabela 1: Fonte: MEC / INEP; Tabela elaborada por INEP/DEED

Considerando este panorama bem como o processo evolutivo do campo do Design nesta Região do país, convida a pensar quais as estratégias o campo precisa desenvolver objetivando dar respostas aos desafios da região amazônica e em especial no estado do Amazonas, visando a um desenvolvimento socioeconômico sustentável, haja visto o compromisso do campo do Design no que se refere à concepção de produtos e processos que visem à melhoria da qualidade de vida da sociedade. Uma reflexão sobre as perspectivas que um ensino do design emancipatório pode trazer para iluminar o tema constitui-se, tanto num desafio como numa oportunidade tal como veremos no desenrolar do texto. Na elaboração desta reflexão, a metodologia utilizada consistiu em uma pesquisa bibliográfica de viés analítico reflexivo, compreendendo as seguintes etapas de leitura: exploratória, analítica e interpretativa. A leitura exploratória (Gil, 1999) teve a finalidade de proporcionar uma visão geral e aproximativa acerca do fato pesquisado, objetivando uma compreensão mais clara do problema, através da identificação dos conceitos norteadores da discussão. Na leitura analítica (Galliano, 1986) a ênfase esteve em, a partir dos conceitos chave, levantar interrogações sobre as questões propostas nos textos, analisando-os através de uma escuta sensível, envolvendo descoberta, comparação e reflexão para, em seguida, chegar à leitura interpretativa (Galliano, 1986 e Lakatos e Marconi, 1991), que teve como foco correlacionar as afirmações e ideias encontradas objetivando identificar as possibilidades e entraves para a elucidação da questão central da pesquisa. Este trabalho está estruturado em quatro partes. Na primeira, visando situar o leitor, apresento algumas notas sobre o contexto amazônico, em especial a cidade de Manaus, local onde o ensino do design, objeto desta reflexão, encontra-se instalado. Na segunda parte procedo uma discussão sobre o tema do ensino do design e o projeto da modernidade, indicando pistas que permitam entender os compromissos do campo com um determinado projeto de modernidade para em seguida, na terceira parte, discutir,a partir da ótica de Boaventura de Souza Santos, como os pilares da regulação e da emancipação social, nomeadamente as racionalidades cognitivo-instrumental e estéticoexpressiva, influenciam e conformam o projeto de modernidade no campo do Design. Na quarta parte e à guisa de conclusão, apresento alguns balisamentos que tem como objetivo, pensar o ensino do design no Amazonas sob uma ótica emancipatória. O contexto: a Amazônia e o Amazonas Ponto de encontro de múltiplas, distintas e diferentes racionalidades, é assim que vejo a Amazônia. Essa mistura de verde, terra e água, dispersa em cerca de 5.500.000km2. Sua grandiosidade e pujança por vezes enigmática, evoca diferenças, oculta realidades, num misto de pujança e fragilidade. Amazônia masculina e feminina, solitária, às vezes indefesa por conta dos discursos historicamente produzidos sobre ela, discursos estes que, por serem tão repetidos, parecem constituir-se a verdade única e absoluta. Diante da grandiosidade que é a Amazônia, preciso circunscrever minha fala a uma parte dela, a um espaço específico, correndo o risco de perpetuar as noções que a generalizam, essencializam e exotizam. Assim, limito esta reflexão ao estado do Amazonas, localizado na Amazônia brasileira. Este lugar que, em termos cartográficos, parece saltar aos olhos, é o maior estado brasileiro em extensão territorial. Comumente representado em tons de verde nos mapas, os cerca de 1.570.745.680 km² apresentam-

se, aos olhos do espectador, tão próximos e tão distantes, tão estranhos e ao mesmo tempo de uma familiaridade tal que, é difícil pensar numa cartografia do Brasil ignorando o Amazonas. Por conseguinte as imagens, muitas vezes idealizadas sobre o estado do Amazonas, tende a invisibilizar, tal como cartografado nos mapas, uma população de 3.480.937 (Brasil, 2010) habitantes com cerca de 87% deste contingente vivendo em zonas urbanas. Falar em população no Amazonas remete à associação com uma população indígena, que hoje corresponde a cerca de 4% da população do estado, distribuídos em cerca 64 (sessenta e quatro) (Amazonas, 2011) etnias que, historicamente habitaram este espaço geográfico. No que se refere ao tônus da pele, o contingente populacional é composto, majoritariamente, por pardos e brancos que juntos perfazem 90% do total da população. Meu ponto de observação ou, parafraseando Torrinho1, meu “porto de lenha”, é Manaus, capital do estado do Amazonas. Uma cidade estratégica, que antes de se tornar a sede da Capitania de São José do Rio Negro, se chamava Lugar da Barra do Rio Negro, localizada no coração da Amazônia brasileira. Consiste na cidade mais populosa da Região Norte do Brasil e é palco do encontro das águas turvas do Rio Negro com as águas “barrentas” do Rio Solimões que, não se misturam como se falassem ao mesmo tempo da complexidade e da simplicidade necessárias não apenas à sua contemplação mas à compreensão da das lutas e inter-relações entre homem, natureza e cultura, tal como são vivenciadas ali. Cidade que cresce a cada ano, abrigando uma população estimada em 1.832.423 habitantes. Missigenada, inquieta e desejosa de ser “gente grande”, Manaus, apresenta índices de crescimento, acima da média das capitais brasileiras, acolhendo migrantes como eu que, num primeiro momento, se acovardam diante da grandiosidade das árvores que estão no entorno da cidade e ao mesmo tempo que se espantam com a sua modernidade de cidade grande, ficam indignados, diante das gritantes desigualdades que não sei se por teimosia ou por covardia, insistem em perpetuar-se. Por outro lado, quero ressaltar que, apesar do ensino do Design estar situado na cidade de Manaus, capital do estado do Amazonas, neste estudo, farei referência ao “ensino do Design no Amazonas”, encarando esta amplitude como um ato de resistência, que vê a necessidade de pensar o design e o ensino do design para além da circunscrição da capital Manaus e por considerar também, que a capital não representa, sozinha todo o estado. Estou me baseado também, na perspectiva de que, uma reflexão sobre o ensino do Design não pode prescindir de pensar o estado enquanto região política que nos fluxos entre o urbano, o rural e os povos das águas, encontram-se pessoas, culturas, ideias, bem como demandas e problemas. Assente ainda na impossibilidade de refletir sobre qualquer aspecto que envolve a cidade de Manaus, dissociada do seu entorno, penso que imaginar a cidade, por mais singular que ela seja, sem andar pelas florestas e barrancos ou mesmo, sem ter a experiência de navegar nos rios da Amazônia, perde-se a oportunidade de ter uma experiência sensível com outras racionalidades que excedem em muito, as racionalidades que governam a vida urbana e citadina. Sob esta ótica o estudo se propõe pensar o ensino do Design no Amazonas a partir de Manaus, mas, de forma alguma tomando-a como a única referência. No atual estágio de assimetrias de toda ordem, não é possível pensar em Manaus sem pensar no interior do Amazonas como interveniente desta.

Ensino do design e modernidade Antes de tentar responder a pergunta apresentada no início deste texto, é importante situar o leitor sobre a relação entre o ensino do design e o projeto de modernidade e seus desdobramentos para o ensino do design no Amazonas. Lucy Niemeyer (Niemeyer, 1995: 18) é uma das pioneiras a empreender uma crítica à ideia de modernidade que permeou a implantação do ensino do Design no Brasil. Lucy, identifica a criação de uma escola de Desenho Industrial (Design) como uma vontade política do então governador da Gaunabara, Carlos Lacerda e o seu ideal de modernização do Brasil, animado pelo processo de industrialização em curso na região Sudeste do país. Para ela, a lógica capitalista que subjaz à modernidade, consiste num dos elementos intervenientes na formação dos designers, na primeira fase da ESDI – Escola Superior de Desenho Industrial. Um outro discurso sobre esta questão vem de Andrea Branzi (2006: 5-6), designer italiano que, na apresentação do livro de Dijon de Moraes expõe elementos reflexivos sobre o ensino do Design tal como foi implantando no Brasil. Para Branzi, os países latino-americanos elaboraram um modelo irreal de modernidade fundado na utopia europeia, onde predominavam a crença no equilíbrio universal orientado para o progresso e para o futuro, como sendo um projeto possível. No caso específico do Design, esta utopia foi traduzida na “aliança entre ciência e projeto” que se consolida, segundo ele, na fundação da ESDI no Rio de Janeiro em 1963. Na mesma direção estão as reflexões de Dijon de Moraes (2006: 59-62), talvez esteja aqui o ponto de partida para a análise de Branzi. Para Dijon, num momento em que a nação brasileira buscava sua independência tecnológica, a resposta positiva que o design brasileiro dá aos ideais da modernidade, através da absorção e disseminação do paradigma racional-funcionalista, apresenta-se como evidência positiva no que concerne à inserção do Brasil na linha do progresso capitaneada àquele momento, pela industrialização. Para o designer, esta ideia de modernidade impediu a absorção de elementos culturais autóctones, que favorecessem a emergência de um Design comprometido com as especificidades locais, ou seja, o desenvolvimento de um Design ou de um ensino do Design, com identidade nacional. No que concerne à ligação entre o Design e o fenômeno da modernidade Villas-Boas (1994: 9), examinando a relação entre o design gráfico e as perspectivas funcionalistas e modernistas, chega a afirmar que “a trajetória do desenho gráfico é a própria trajetória do Modernismo: ele nasceu absorvendo e explicitando os traços do projeto modernista”. O autor pontua ainda, o surgimento do Design como estando ligado ao desenvolvimento das tecnologias industriais do século XX. Para além dos equívocos quando se deseja demarcar os limites para o aparecimento do design, e este não é o objetivo desta discussão, interessa a constatação trazida por Villas-Boas (1996: 12) de que o “(...) desenho gráfico já nasceu moderno, porque nasceu da modernidade”. Num outro trabalho de 1996, quando discute os cânones que levaram à institucionalização do design gráfico, o autor volta a afirmar sua posição com relação à consolidação do design gráfico como estando ligado “a canonização do projeto modernista”. Ainda no tocante aos discursos sobre a relação entre o ensino do Design no Brasil e o projeto da modernidade que lhe é subjacente Cardoso (2008: 192-193), em sua análise histórica acerca da tradição modernista e o ensino do Design no Brasil, destaca a aura de modernidade e eficiência que permeou a transplantação do modelo ulmiano alemão para o Brasil através da ESDI. Para ele a sobrevivência da escola nas décadas de 1960 e

1970, marcadas por regimes totalitários, atestam a força cultural do ideário desenvolvimentista que havia sido promovido por Juscelino Kubitschek, cujo principal símbolo foi a construção da nova capital, Brasília. As percepções evidenciadas por estes autores nada tem de coincidência ou casualidade, revelam uma compreensão sobre o modelo de ensino do Design implantado no Brasil que, transplantado da escola europeia, encontra aqui o solo fértil para o seu desenvolvimento e expansão, tal como se verificou na reprodução desses ideais pelas escolas de Design que foram sendo implementadas no país, com atenção especial para o ensino do Design no estado do Amazonas, enquanto objeto desta reflexão. A partir de um olhar panorâmico sobre a questão, é possível afirmar que a vinculação do ensino do Design com o projeto da modernidade é resultado de um conjunto de fatores sociopolíticos, socioeconômicos e socioculturais. No plano sociopolítico a figura do Estado ocupa um papel central, enquanto instância que vai gerir e, de certa forma, regular as relações com o mercado. O plano socioeconômico envolve, tanto a perspectiva de um Design a serviço do processo de industrialização emergente, como o envolvimento do campo com setores da economia ligados, tanto ao comércio e à prestação de serviços como às instituições governamentais, tendo como pilares de sustentação os paradigmas científico e tecnológico. Os fatores no plano sociocultural estão ligados à necessidade de inovação no campo do pensamento e da vida social do país, objetivando o rompimento com a tradição, através da ideia de progresso, a partir de uma matriz cultural externa à realidade brasileira. Ao lado do discurso do Design a serviço de um determinado projeto de modernidade, nomeadamente a modernidade com seu viés de modernização tecnológica e científica, tal como se fez sentir no Brasil, me deparei com discursos que atribuem ao campo do Design um determinado compromisso com uma reforma social, com a sustentabilidade ambiental ou ainda com as periferias da América Latina, como passo a observar nos parágrafos seguintes. Apesar de encontrar referências sobre uma participação do campo do Design na resolução de problemas sociais nas ideias de Ruskin e Morris (Cardoso, 2008: 76-84), passando pela Bauhaus e pela escola de Ulm, o tema parece ganhar maior ênfase no campo do Design no Brasil, à partir do trabalho de Victor Papaneck (2011) na década de oitenta, Design for the real world, constituindo-se como um dos pioneiros a enfatizar a necessidade de pensar a teoria e prática do Design sob o ponto de vista da sociedade e da consciência ecológica. Papaneck desenvolve uma reflexão no tocante às discussões sobre a ética na atividade projetual, com vistas a um projeto de design responsável e sensato, num mundo cada vez mais deficiente em recursos ambientais e energia. A influência de tais ideias pode ser sentida no Brasil, nos trabalhos de Couto (1991) e Martins (2007), onde, a primeira autora, desenvolveu um estudo sobre a aplicação do Design Social, nas atividades de ensino da disciplina Projeto Básico do curso de Design oferecido pela PUC-Rio – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Dentre as recomendações oriundas de sua investigação, a autora ressalta a necessidade de aproveitamento da visão holística do Design Social, com vistas a instrumentalização dos indivíduos, “(...) enquanto ser social, para sua atuação no meio social onde está inserido” (Couto, 1991). Martins, por sua vez, se propôs estudar projetos no campo do Design que tivessem como finalidade, situações de interesse público, propondo, dentre outras questões, a aplicação de um design inclusivo que tencionasse integrar públicos antes marginalizados; proporcionando aos mesmos, o acesso aos benefícios sociais,

empreendimento este que coaduna com as ideias de Couto (2003) e Couto e Ribeiro (1991). Uma outra referência que me chamou a atenção, foram as reflexões de Bonsiepe (1985 e 2005) sobre o papel do Design na América Latina. O designer identifica a popularização que o campo do design experimentou nas últimas décadas, ao tempo em que constata um estreitamento do conceito de Design que, olvidando como função o equacionamento das necessidades humanas, principalmente nas sociedades periféricas, acaba por fornecer indícios de que o campo do Design omitiu-se do seu compromisso social. Esta constatação me leva a crer que, em países como o Brasil e em especial em locais como o estado do Amazonas, estes estreitamentos e omissões precisam ser reconsideradas e cuidadosamente examinadas. Tais ideias apresentam, de um lado, a vinculação do Design com o paradigma da modernidade e de outro, o discurso do compromisso social. Estas questões me pareceram, a princípio, tão heterogêneas como o encontro das águas dos rios Negro e Solimões, passíveis de vizinhança mas de difícil conciliação e interpenetração. Assim, optei por efetuar a leitura desta questão utilizando como chave investigativa o corpo teórico desenvolvido por Boaventura de Souza Santos que, em suas reflexões, entende o a modernidade ocidental composta por dois grandes pilares, o pilar da regulação e o pilar da emancipação social. No pilar da regulação destaco os princípios do mercado e da comunidade e no pilar da emancipação, destaco as racionalidades cognitivo-instrumental e a racionalidade estético expressiva. Para Santos (2002: 65-77; 2006a: 77-79 e 2006b: 43-58), no paradigma da modernidade, as energias emancipatórias foram sendo cooptadas pelas energias regulatórias e é a partir deste cenário que pergunto: as relações do campo do design com a ideologia da modernidade ocidental sempre ocorreram de forma celebratória, harmônica e consensual? A minha predição inicial é a de que os discursos sobre o compromisso social do design indicam uma atitude de resistência frente à transformação das energias emancipatórias em energias regulatórias. A racionalidade moderna Antes da mais nada, é importante sublinhar que a dualidade entre os pilares da regulação e da emancipação aparecem, à partir do momento em que a modernidade ocidental converte a ciência em força produtiva, consagrando os critérios de eficiência e eficácia como medida universal. Assim, a conversão da emancipação em regulação cria uma sensação de ausência de alternativas ao paradigma vigente, tal como tem sido discutido na atualidade. Por outro lado a modernidade, a braços dados com a ciência, percebida como conhecimento e técnica e o capitalismo entendido como produtividade e mercado, assumem como padrão o modelo de cientificidade e de tecnificação da vida social, amparados por uma noção de progresso e por conseguinte de tempo, ad infinitum. No âmbito desta reflexão penso que vale a pena destacar, no pilar da emancipação, a racionalidade cognitivo-instrumental e a racionalidade estético-expressiva como caminhos explicativos capazes de fertilizar a discussão sobre o ensino do Design. Não quero com isto minimizar a importância ou as interlocuções proporcionadas pelos princípios do Estado, do mercado e da comunidade no pilar da regulação, ou da racionalidade moral-prática no pilar da emancipação, na verdade, a indissociabilidade

entre eles, aliada à colonização da emancipação pela regulação, impedem qualquer tentativa de discuti-los sem considerar as interpenetrações que lhes são subjacentes. Tal articulação é indicada por Santos quando destaca as correspondências entre os pilares, tal como sintetizo na Tabela 2.

Os pilares da regulação e da emancipação social Princípios da Regulação

Racionalidades da Emancipação

Esferas

Estado

Moral-prática

Ética/Direito

Mercado

Cognitivo-instrumental

Ciência/Técnica

Comunidade

Estético-expressiva

Arte/Literatura

Tabela 2 - Elaborada à partir de Santos, (2006a:75-80) Por outro lado, vou ousar pensar alto e dizer que talvez, a ideia de interpenetração também precise ser questionada, face a transformação da emancipação moderna na racionalidade cognitivo-instrumental da ciência e da técnica, bem como a redução da regulação moderna ao princípio do mercado, orquestrados pela prática da ciência como principal força produtiva, como bem assinalou Santos (2002: 55 e 56). A ideia de interconexões, entre estes pilares transmite uma percepção de simbiose e de unidade que, está longe de ser uma verdade inequívoca. Possivelmente, o grande empreendimento se constitua na desarticulação desses paradigmas e modelos objetivando encontrar as fissuras, os resquícios, os rabiscos que favoreçam outras formas de pensar e de estar, para além das estruturas teórico-práticas propostas pela racionalidade moderna. Esta ideia de desarticulação esta embasada em Santos (2006a e 1992), para quem, a transformação incessante das energias emancipatórias em energias regulatórias, requisita o desenvolvimento de um movimento inverso daquele que tem guiado a modernidade até aqui. O sociólogo defende a necessidade de pensar em descontinuidades, em mudanças paradigmáticas e não meramente subparadigmáticas. No entanto, tais mudanças, já estão em processo e não se constituem na única alternativa, tal como tem sido apregoado pelo pós-moderno celebratório. Para Santos (2002: 35), “o pós-moderno celebratório reduz a transformação social à repetição acelerada do presente e se recusa a distinguir entre versões emancipatórias e progressistas de hibridação e versões regulatórias e conservadoras”. Outrossim, as outras alternativas possíveis, tendem a constituir-se no objeto sob o qual o novo paradigma deverá debruçar-se, com vistas a devolver à emancipação o seu papel e protagonismo como modo de pensar e agir, no conjunto da vida social. Outrossim e ao pensar num agir social que se movimenta do macro ao micro e viceversa, entendo que, apesar da análise efetuada por Santos ter como matriz o cenário europeu, ainda assim faz sentido relacioná-la com o ensino do Design no Amazonas. As razões seriam muitas no entanto, quero destacar duas, a primeira toma como ponto de partida/pressuposto a ideia de que o processo de desenvolvimento do ensino do Design,

tal como implementado no Brasil, tem uma matriz européia e mesmo as críticas e reflexões que já foram empreendidas sobre esta questão, deixam escapar os modos através dos quais as energias emancipatórias foram sendo transformadas em energias regulatórias, no contexto do ensino do Design. A segunda reside nas investigação sobre pistas, caminhos e possibilidades reflexivas que permitam olhar o ensino do Design no Amazonas a partir de um projeto que se coloque na contra-mão da modernidade, ou seja, que se proponha resgatar a ideia de emancipação social. Para se ter uma ideia de como as energias emancipatórias no campo do Design foram sendo transformadas em energias regulatórias, é importante observar que este movimento é anterior à chegada do Design no Brasil, enquanto atividade de ensino sistematizada e minha aposta é que ele chega permeado pela lógica do conhecimento regulação, questão esta que pode ser facilmente observada se forem examinados os pressupostos através dos quais a racionalidade cognitivo-instrumental se desenvolve. A Racionalidade cognitivo-instrumental A ciência e a técnica se constituem nas principais esferas de atuação da racionalidade cognitivo-instrumental onde, o gradativo processo de conversão da ciência em força produtiva, a serviço do capital, redefinem e justificam de forma inequívoca a correspondência desta com o princípio do mercado no pilar da regulação amparadas, segundo Santos (2002: 81-82), pelas ideias de individualidade e concorrência que vão impulsionar o desenvolvimento da ciência e da técnica. A gradual colonização da emancipação pela racionalidade cognitivo-instrumental, segundo Santos (2002: 53), levou à concentração das energias emancipatórias da modernidade na ciência e na técnica, ao tempo em que consolidou a crença no conhecimento científico como única modalidade de compreensão e explicação da realidade. Comte (2000: 10) expõe, de maneira pedagógica, a natureza de sua doutrina, que é um reflexo da racionalidade instrumental de seu tempo, a previsibilidade o “(…)‘ver para prever’ é o lema da ciência positivista. A previsibilidade científica permite o desenvolvimento da técnica, e assim, o estado positivo corresponde à indústria, no sentido de exploração da natureza pelo homem”. Com esta estratégia, o conhecimento regulação passa a dominar o conhecimento emancipação, através da conversão da ciência moderna em conhecimento hegemônico (Santos, 2002: 29). Portanto, compreende-se o êxito das ciências exatas e naturais, no âmbito das experimentações técnicas de um tempo em que a industrialização será o determinante das transformações sociais, políticas, econômicas e estéticas. Na racionalidade cognitvo-instrumental, a proliferação do conhecimento científico apresenta-se como o único mecanismo aceitável de apreensão da realidade. Assim e acorde Popper (1993), os conhecimentos que não partissem de tais premissas se configurariam como inadequados e desprovidos de autenticidade e credibilidade. O deslocamento da instância de poder, antes baseada na fé e na crença religiosa, passam à ciência e á técnica, potencializadas e maximizadas pela indústria, fundando um paradigma que vai se impor como dominante, tanto por meio de uma compreensão linear da história, fundada na ideia de progresso como destino, como através da disseminação da ideia de ordem, previsibilidade e racionalidade. Tais instâncias, ao mesmo tempo em que criam um sistema seguro por se apresentarem como universais e únicos, confinam à aparência e à condição de não-existência, tudo o que se apresenta

como incompatível, a saber: o ignorante, o inferior, o local, o residual e o improdutivo (Santos, 2008: 102-104). Por conseguinte, observa-se no âmbito da racionalidade cognitivo-instrumental, a égide do pensamento racional como medida, em detrimento de outras formas de compreensão do mundo e da realidade, originando uma cisão entre os saberes, no seio da cultura ocidental. De um lado, o pensamento racional e do outro o emocional, o criativo, o expressivo e o espiritual, por vezes rotulados como senso comum. Este percurso determinou uma série de valores expressos através de uma visão do real que, partindo de uma concepção de mundo baseada na ciência, terá consequências sobre os modelos de produção de bens materiais e simbólicos, a exemplo daqueles produzidos pelo campo do Design. Valores estes que vem de certa forma, moldando os modos de ser e viver dos indivíduos a partir de um paradigma de universalidade que, dada a sua força, se impôs como paradigma dominante. A Racionalidade estético-expressiva Se no âmbito da racionalidade cognitivo-instrumental as esferas de atuação são a ciência e a técnica, na racionalidade estético-expressiva, a arte e a literatura se constituem, na perspectiva de Santos (2006a: 92 e 2002: 72), campos que, apesar de terem sido cooptados pela racionalidade congitivo-instrumental do mercado, resistiram melhor a tal processo de absorção. Esta resistência pode ser entendida pelo distanciamento do discurso científico dos outros discursos que circulam na sociedade, tais como, o senso comum (Santos, 1989: 12), a religião e no caso específico da arte e do design, os discursos estético, emocional, criativo e expressivo. São várias as razões que justificam ou que tentam explicar tal distanciamento no entanto, é importante destacar que, a natureza “impermeável e inacabada” (Santos, 2002: 72) desses campos, dificulta o seu enquadramento nos cânones serrados e bem delimitados da cientificidade moderna. Esta é uma das razões pelas quais Santos percebe a relação de correspondência entre a racionalidade estético-expressiva e o princípio da comunidade no pilar da regulação. Para ele, tratam-se de campos que foram negligenciados pela modernidade, o que daria a estas dimensões a possibilidade de “instaurar uma dialética positiva” (Santos, 2002: 71) com vistas a um novo projeto de emancipação social. De modo que, inquirir sobre as implicações para o campo do Design, quando a questão é a transformação das energias emancipatórias em energias regulatórias, suscita a interrogação sobre os aspectos da racionalidade estético-expressiva, que não puderam ser quantificados e colonizados pela racionalidade cognitivo-instrumental. No âmbito das relações entre design e sociedade, as consequências dessas rupturas são evidentes pois, associadas com o aumento da produção de artefatos em série, e pela maximização da produção industrial, criam-se as condições para o desenvolvimento de uma noção de utilidade dissociada do belo e que se sobrepõe a este ou ainda, que coloca um a serviço do outro, a saber: a beleza a serviço da utilidade. Por outro lado, é possível perceber que os discursos nesta direção nem sempre foram consonantes. Respeitados os interesses e os contextos, vozes contrárias tais como as de A. W. N. Pugin (Cardoso, 2008: 77), Ruskin (1981) e Morris (1994), de certa forma, se ocupam em questionar esta tendência.

Eu ousaria dizer que o Design, possui na sua constituição a contradição da emancipação e que no interior desta atividade desenvolvem-se discursos que em determinados momentos e espaços, respondem (ou podem responder) a distintos projetos de sociedade. Assim, penso que cai por terra a ideia de um design meramente celebratório e subserviente aos paradigmas da modernidade ocidental por conta de seu surgimento, história e linearidade, como se o campo fosse sempre e eternamente projetado para o progresso e para o futuro, tal como a ideia de modernidade. O desafio que se coloca é a constante investigação dos nós, dos interstícios e das clivagens no interior do campo para, através desses indícios, permitir pensá-lo sob uma ótica contra-hegemônica. Em síntese e desde que sejam observadas as devidas gradações, é possível entender a presença no campo do Design e mais especificamente no âmbito do ensino, o discurso da interferência deste sobre a vida e sobre a sociedade. Nos círculos acadêmicos, é comum ouvir que o design está em todo o lugar, o que em si justificaria a sua importância e a sua inserção social. Não se trata de uma defesa da posição do design na sociedade ou mesmo de uma defesa da capacidade de influência moral que determinada estética ou produto desempenha na vida individual e coletiva, como bem advertiu Cardoso (2008: 85) e sim, entender como os recursos da racionalidade estéticoexpressiva vão sendo conformados às dimensões de uma racionalidade cognitivoinstrumental a ponto de restar àquela, tão somente, a submissão aos princípios do mercado. Este questionamento vai de encontro à ideia de que, toda força produtiva e incluo aqui as forças criativas, devem ser colocadas a serviço do mercado e que só e tão somente, à partir do mercado e do consumo é possível alcançar as pessoas e proporcionar-lhes melhores condições de vida. Quando a arte e o design se rendem a este discurso, quando assumem uma posição neutral, ou no dizer de Santos, uma postura “celebratória”, ou ainda quando rendem-se ao primado da técnica, da ciência e do mercado, como razão de ser última do seu fazer, estão celebrando a ausência de alternativas. Nesta perspectiva, não existem inovações sociais, se o design ou a arte são vistos apenas sob a perspectiva do ornamento social ou da apropriação de uma determinada técnica, impedindo assim interferências significativas no conjunto da vida social, tal como ocorreu no âmbito do ensino do Design no Brasil, nos primeiros anos de sua implantação. Emancipação social e ensino do design no Amazonas A perspectiva de um ensino do Design que tome como meta a emancipação social passa, necessariamente, pela identificação das distinções que sufragaram a solidariedade como caos e consagraram o colonialismo como ordem. Como caso ilustrativo, chamo a atenção para a própria distinção forma e função ou ainda a máxima e que a forma segue a função que, nos períodos que antecedem à revolução industrial, parecem não fazer muito sentido. O colonialismo da utilidade colocado como ordem, como regra e a forma, renegada à perspectiva de caos, de saber de menor valor e que deveria submeterse aos predicados do útil, apresenta-se como uma forma de colonização e de subjugação que coloca à margem a possibilidade de emancipação, por meio do diálogo igualitário entre essas duas categorias. Esta perspectiva utilitária enquanto consequência do racionalismo e do funcionalismo, levados às últimas consequências, acaba por nortear o ensino do Design no Brasil estendendo-se ao estado do Amazonas em resposta a um determinado projeto de

modernização assente na ideia de modernidade. No Amazonas, a modernidade desde sempre consistiu numa fronteira, a oposição entre ela e o arcaísmo, impediram que as experiências da modernidade favorecessem “a aceitação das experiências locais no processo de integração econômica”(Souza, 2010: 12), assim, o ensino do Design, acompanhando esta lógica, acabou por se conformar a esta realidade contribuindo, de certa forma, para sua manutenção. A partir desta aceitação acrítica dos modelos impostos como parte de um percurso linear de modernização para chegar à modernidade, aceitam-se os códigos mastigados pela metrópole (Souza, 2010: 30), como se eles constituíssem na última palavra sobre as coisas, sobre a vida e sobre as necessidades da sociedade amazonense. Nesta perspectiva não há espaço para os saberes locais, não há reconhecimento destes saberes, nem oportunidades de diálogo entre eles, dada a sua desqualificação ou a redução dos mesmos à condição de inexistente. Por conseguinte e pensando numa ecologia de saberes, faz-se necessário ao campo do Design no Amazonas, num primeiro momento, uma revisão dos princípios que embasam a concepção sobre o que significa conhecer, a que projeto de sociedade o conhecimento se destina e para que fins. Visto que, a pergunta sobre a legitimidade dos saberes silenciados no âmbito da realidade amazonense, tende a ser vista como uma consequência inevitável, uma vez que, para além da justiça cognitiva, um projeto para um ensino do Design contra-hegemônico e emancipatório, precisa estar comprometido com a credibilização dos conhecimentos que não foram colocados na pauta de discussão, quando da implantação do ensino do Design no Amazonas e que hoje, dadas as condições socioculturais impõe-se como um projeto que visa criar outras formas de inteligibilidade, no tocante à produção de um conhecimento, visando a emancipação social. No que concerne ao ensino do Design, como observei anteriormente, a uma atividade que nasce com a modernidade, ou ainda como afirma Cardoso (2008: 22-23) como fruto da industrialização, da urbanização e da globalização, importa entender a sua inserção nessa dinâmica. Esta reflexão conduz inevitavelmente ao questionamento sob que perspectivas o campo do Design, que nasce moderno e sobre a égide da modernidade, pode trazer a uma estrutura social complexa e que aparenta não ter vencido/superado/esgotado ainda a modernidade? Por outro lado, me pergunto se a dificuldade não reside em estabelecer um outro sentido para a modernidade amazônica, entendendo-a como deslocada dos padrões de modernidade impostos pela modernidade ocidental, na busca/entendimento/inquirição por um conceito de modernidade próprio e ancorado em uma racionalidade alternativa (Santos, 2008: 17). O problema deste processo é que o ideal de modernidade é externo e por conseguinte inalcançável, criando uma sensação de constante descompasso e atraso. Assim, faz-se necessário ao ensino do Design entender que existem modernidades alternativas no âmbito da realidade amazonense. O desafio que se coloca é entender a modernidade como localizada, situada e sempre em processo. Logo, reconhecer a existência de uma modernidade alternativa e circunscrita, traz para a pauta de discussão o fato de que, uma série de experiências foram sendo desperdiçadas e agora que a modernidade efetivamente demonstra sinais de exaustão, começa a se configurar um novo paradigma do qual e acorde Santos (2010a: 23), só é possível perceber os indícios e os sinais. Por conseguinte e no tocante a uma ecologia das temporalidades, penso que um projeto de Design comprometido com a emancipação social, só faz sentido se for concebido à

partir de uma análise das especificidades locais. Tal proposição toma como meta a identificação e compreensão da riqueza inerente às diversas concepções de tempo que estão presentes tanto na capital Manaus, como no estado do Amazonas como um todo. Esta análise tem como objetivo encontrar pistas que permitam às pessoas se reconhecerem como cidadãos, que criem um sentimento de valor com vistas ao fortalecimento de pertença a esta realidade, favorecendo uma postura de reciprocidade e de empatia que permita o cuidado e a preservação, com vistas a um desenvolvimento calcado em outras bases para além das ideias historicamente difundidas sobre os tipos humanos naquela região. Assim, faz-se necessário reconhecer as diferenças que, sob hipótese alguma podem reproduzir noções de desigualdade ou de inferioridade. Para tanto, um projeto de ensino do design calcado num paradigma de emancipação social precisa ser pensado sob uma perspectiva de desenvolvimento social a partir da realidade local, através das contradições produzidas pelo contato entre práticas institucionalizadas, acadêmicas e hegemônicas e práticas sociais não canônicas, cotidianas e assistemáticas que, por sua natureza não sistematizada, nos moldes da racionalidade moderna, não podem ser vistas como de qualidade inferior e desigual. Nesta perspectiva, as relações entre o Design, como atividade sistematizada e a realidade social amazonense poderão estar baseadas em práticas mais horizontais que verticais, tal como defende Santos. Outrossim, é importante atentar para os perigos teóricos e práticos que envolvem as aproximações e os contatos. Este cuidado tem como objetivo vigiar o processo para que ele, mais uma vez, não acabe por submeter os conhecimentos e culturas que estiveram à margem, a uma linearidade tal que, preserve as relações de poder e as hierarquias espaço-temporais, próprias do paradigma dominante. Faz-se necessário vigiar o contato, através de mecanismos que permitam as aproximações com vistas a um efetivo reconhecimento da igualdade em meio à diferença, para que este empreendimento redunde em inovações sociais. Por outro lado e no âmbito da ecologia das trans-escalas, repensar as questões de universalidade e globalização apresenta-se como uma questão mais que necessária. Portanto, conceitos e práticas que se apoiam nestes princípios tem que ser revistos, objetivando abrir espaço para novas universalidades e para globalizações alternativas para além das globalizações hegemônicas e tomadas como medida e parâmetro de avaliação para as particularidades locais. Uma prática desta natureza, acaba por desconsiderar a existência de outros padrões, outras aspirações parciais, situadas, localizadas, ancoradas em contextos particulares e que favorecem a emergência de outras globalizações ou de globalizações alternativas. O questionamento acerca desses dois paradigmas significa trazer para o diálogo os localismos e sua expressividade, sua estética e a criatividade que lhe são inerentes. Esta necessidade se justifica porque o universalismo formal e estético também acabou por ser colonizado pela regulação, dificultando a interpenetração de outros padrões estéticoexpressivos e até criativos. Neste sentido, vale pensar na abertura do cânon estético da modernidade para além das gradações previstas no paradigma dominante, a fim de que outros padrões e aqui destaco os padrões estético-expressivos, oriundos das culturas autóctones no Amazonas, possam ser identificados como tão relevantes quanto aqueles universalmente consagrados e que possam ser vistos como pontos de resistência e propagadores de globalizações alternativas no âmbito do ensino do Design. Atento a este cenário e considerando que a ecologia das produtividades (Santos, 2008: 104) se propõe a recuperação e valorização dos diferentes sistemas de produção,

observo três aspectos que poderão vir a ser matéria para pensar um ensino do Design no Amazonas sob uma perspectiva emancipatória, a saber: o vínculo do design com a produtividade capitalista, a identificação de outras lógicas de produção e o discurso do design social. A vinculação do campo do Design com o paradigma da produtividade capitalista, tendo em vista a relação que o campo mantém com esta lógica e o seu modus operandi consiste no primeiro ponto a ser questionado. Uma vez que, a lógica da divisão do trabalho se desenvolve num dos momentos emblemáticos para o Design, culminando com a insurgência de um trabalhador especializado no domínio de técnicas e processos de concepção de produtos. Faz-se necessário questionar os compromissos do campo com a lógica do crescimento econômico infinito e a primazia da produção e acumulação, tal como vem sendo defendida pelo capitalismo global. Tal problematização tem como objetivo, reconhecer a existência outras abordagens no âmbito da produtividade, do trabalho e da técnica que excedem a ideia de produtividade vigente. Estes reconhecimentos apontam para o segundo aspecto, qual seja a identificação de outros processos de produção para além daqueles reconhecidos, como oportunidade para repensar o ensino do Design. Uma ação como esta deverá favorecer a identificação e fortalecimento de formas alternativas de organização econômica, baseadas em princípios tais como “participações democrática, sustentabilidade ambiental, equidade social, racial, étnica e cultural” (Santos, 2008: 114). O terceiro aspecto refere-se ao discurso do Design Social como uma abordagem alternativa à produtividade capitalista e que não tem como compromisso apenas dar resposta afirmativas aos critérios de produtividade dominante. Por este motivo consiste num viés a ser investigado e potencializado no âmbito do ensino do Design no Amazonas, dada a sua vitalidade e possibilidade de trazer para o campo uma abordagem de produtividade que tem como lastro o princípio da solidariedade nas relações produtivas. Outrossim, abordagens tais como a do design social, não podem envolver apenas a otimização dos recursos naturais ou a e inserção dos produtos regionais numa cadeia produtiva globalizada, ou ainda na imposição das técnicas universalmente consagradas aos modos de produção locais. O discurso do design social poderá ser mais eficiente se garantir a participação dos diferentes atores sociais, tanto na busca de soluções para os problemas, como no gerenciamento dos recursos e das estratégias que serão levadas a efeito, com parte de um projeto de economia alternativa socialmente responsável, numa referência direta ao que Couto (2003) denomina design em parceria. No caso do Design social, há que cuidar para que a lógica do paradigma racionalista, funcionalista e dominante não se constitua a medida que deverá norteá-lo pois, vista pela ótica do lucro monetário, dos rendimentos e das metas quantitativas, a questão social tende a ser vista como um feudo da economia. Por hora, quero ressaltar que tratase de um posicionamento político que não pode centrar-se apenas no âmbito da economia capitalista como modelo. Há que se pensar, em primeiro lugar, em pessoas, nos atores e nas necessidades efetivas dos indivíduos e comunidades, numa lógica invertida onde, as necessidades humanas sejam estabelecidas como a medida para pensar a economia e não o inverso. Assim, o cenário no qual o ensino do Design encontra-se imerso convida a pensar em outras racionalidades que se ocupem em identificar e aproveitar o que de melhor tem sido produzido no Amazonas, no que se refere às experiências emancipatórias no ensino

do Design. Assim, e inspirado em Boaventura de Souza Santos, assinalo a necessidade de questionamento da tendência à continuidade e à manutenção de um modelo de ensino que traz para a Amazônia respostas de baixo impacto. Portanto, ao ensino do Design, há que assumir-se como campo de fronteira, com vistas a dar contribuições inovadoras que coloquem o homem, a sociedade, e a cultura como pontos de partida e de chegada, objetivando a efetivação de um ensino do Design comprometido com um projeto de emancipação social. Nota 1. José Evangelista Torres Filho (Torrinho) é um músico, compositor e regente de banda de música. Seu primeiro disco individual, “Porto de Lenha”, foi gravado no Rio de Janeiro, no ano de 1990 e lançado em Manaus, no ano seguinte. A canção título, “Porto de Lenha”, é a mais célebre do compositor, conhecida em todos os cantos da capital e em todo o estado do Amazonas como um hino extra-oficial de Manaus.

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