Poema Russo

June 29, 2017 | Autor: Rafael Viegas | Categoria: Poetry
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l Prosa l

Sábado 25 .4 .2015

RISCO

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O GLOBO

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Cinco anos na página e na vida CARLITO AZEVEDO

D

á para ouvir daqui o barulho de tantos lápis e canetas sulcando o papel dos cadernos, de tanta agulha circulando pelos sulcos de vinis arranhados, e você foi crescendo e abandonando isso sem se dar conta de que era para sempre. Dá para ouvir o tempo completando uma volta de cinco anos ao redor do risco na página e na vida. Em outras palavras, com esta edição a página Risco completa cinco anos de existência. Foram dezenas de poetas,

tradutores, artistas plásticos. E o risco segue, hoje, da maneira que melhor o define, com dois poetas inéditos em livro, ambos especialíssimos. Rafael Viegas aprendeu rudimentos de latim e grego se infiltrando nas aulas da Faculdade de Letras quando ainda cursava o segundo grau. Por isso não é de se estranhar que da sua infância, no bairro Bar dos Cavaleiros, em Duque de Caxias, saltemos direto para o momento em que no Instituto de Medicina Social da Uerj já o encontramos pesquisando o impacto cultural da anatomia vesaliana na

produção de novas metáforas corporais e na analítica da subjetividade, o que o levou a percorrer escritores como John Donne, Montaigne e Clément Marot, e daí saltar para a poesia. Carla Diacov, para muitos, é uma revelação da internet, graças ao seu blog e sua presença nas redes sociais. Ainda sem livro no Brasil, terá a sua originalíssima poesia publicada em Portugal, pela editora Douda Correria, que lança, no próximo mês, seu volume de estreia, “Amanhã alguém morre no samba”, de que faz parte o poema aqui publicado. l

Waltercio Caldas. Desenho inédito do artista carioca, nascido em 1946.

Poema russo Vi tua face Vi três vezes as 100 fotografias E não saí do lugar Me permito escrever agora Que não controlo o ritmo disparado de quando entrei para vasculhar as coisas E escrevi mesmo Tomado de emoção Vi os tanques soviéticos Que povoaram o terror da minha infância Vi e praticamente deu no mesmo Permaneci preso No mesmo lugar Estudei a arte e a arquitetura dos povos antigos Mas falhei quando tive de expô-las no papel Falhei porque ganhei um prêmio de urbanismo E do urbanismo fiz um cordel enorme e passei a cantar vantagens sobre o céu e foi só isso, mal consegui sair do lugar Eu vi as obras completas dos escritores E tudo piorou em mim Representei a fauna e o quadrado Com lápis de cor Depois juntei tudo na mesa e estudei durante dias os espectros verdes E tinham nomes diferentes a cada vez Nomes estelares, nomes cultos Eu nem precisava mudar de lugar Fiquei parado no tempo Como sempre Quando vi que escreveram sobre o mesmo cantor popular, tremi como se fossem me alcançar Eu que estava surpreso por ser falso Acabei acreditando em cada palavra E agora a sexta-feira tomou forma E em breve será abril Cantei o amor O amor à gramática O amor à escola O amor ao não sei que E me dei bem até o momento em que o fôlego acabou e tive de voltar ao leite que deixei sobre a mesa Mais cedo E agora E sempre

Sem título o burro trota tão lentamente perdido do nome gritado carrega ovos nas mãos escondidas nas mangas do casaco extralargo coitado do burro com mãos perdido da moldura antiga pacífico de sua própria demência bonito tão bonito pacífico tão lindo lentamente ruma já a casa de fé nos olhos de burro parece um peixe coitado pacífico tem esse jeitão de aquário trincado gosta de cadeiras em geral mas é boa gente gosta de leite quente e de cadeiras em geral chega ao templo das irmãzinhas castanheiras do último dia deixa os ovos no altar faz carinho nos porcos pega o microfone e repete quase porque quase porque quase tudo empilhado quase porque quase porque quase porque

Construindo-se a ponte do Novo Mundo Mantenha-se ereto E lá estaremos, Contigo

é mesmo um burro queria ser pianista tem muita fé quase porque tudo empilhado mas é mesmo um lento burro de carregar ovos pacífico todo pacífico demente e lindo tão bonito tudo empilhado

Poema de Rafael Viegas

Poema de Carla Diacov

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