POESIA E CHARGE: O ENCONTRO PERFEITO

June 2, 2017 | Autor: F. Filho | Categoria: Contemporary Brazilian Poetry
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POESIA E CHARGE: O ENCONTRO PERFEITO


Cunha

Os vinte e cinco "Poemitos da Parnaíba" de Elmar Carvalho,
agora tipograficamente grafados PoeMitos da Parnaíba, com certeza para
combinar duas funções da linguagem propostas por Roman Jakobson (1896-1982)
a poética e a metalinguística, conheci da primeira vez em que apareceram na
parte final da edição de A rosa dos ventos gerais (Editora Gráfica da UFPI,
1996) – coletânea de poemas reunindo dezoito anos de poesia daquele poeta
com prefácio de Hardi Filho e Posfácio da minha autoria.
É provável que, naquela ocasião, não tivesse dado maior peso
crítico aos poemitos sobre figuras populares de Parnaíba, importante cidade
piauiense. Os pequenos ou médios poemas tinham para mim um certo sabor
circunstancial tanto quanto é costume encontrá-los em outros poetas
brasileiros, como seria o exemplo de Manuel Bandeira ( 1886-1968) em Mafuá
do Malungo (1948), definido pelo próprio Bandeira como poesia
circunstancial, mas negada energicamente pelo prefácio de Carlos Drummond
de Andrade(1902-1987). Com uma diferença que faço questão de aqui
assinalar: os poemas circunstanciais de Bandeira não são de modo algum
satíricos; é possível que em alguns haja humor, mas não sátira.
Posteriormente, Elmar Carvalho reedita a mencionada
coletânea, numa edição acrescida de mais dezesseis poemas e acompanhada de
uma boa fortuna crítica, além de um estudo erudito final tratando do uso de
tropos na poesia de Elmar assinado por José de Ribamar Freitas. A edição
foi publicada pela SEGRAJUS, 2002, 258 páginas Até no título houve
alteração, com a exclusão do artigo precedendo "Rosas".
Essa edição contém uma pequena introdução de quem assina esta
Apresentação.
Entretanto, em 2006, Elmar, comemorando seus cinquenta anos de idade, lança
uma bem organizada antologia reunido o que lhe parecia de maior
significação da sua lírica, inclusive até demonstrando real modéstia ao
solicitar-me opinião sobre que poemas deveriam figurar ou não na coletânea.
a que deu o título de Lira dos cinquentanos, propositalmente remetendo à
Lira dos cinquet'anos (1948) de Bandeira.
Não seria, claro, uma pretensão tal título, mas uma homenagem
ao grande lírico de Pasárgada.Essa bela antologia, em edição primorosa da
FUNDAPI, Teresina, 2006, 271 páginas, com apresentação do autor, inclui,
além disso, alguns textos em prosa, uma Entrevista com Elmar concedida à
historiadora e ensaísta Teresinha Queiroz e à ensaísta, crítica e
professora Maria do Socorro Rios Magalhães, uma bem considerável fortuna
crítica do poeta, bela iconografia biográfica do autor e, finalmente, uma
síntese biográfica. Nesse volume, ficaram de fora os poemitos parnaibanos.
No entanto, não contente ainda com a sua inquietação
intelectual, o poeta Elmar Carvalho, juntando-se a outro artista piauiense,
o chargista Gervásio Castro, natural de Parnaíba, mas radicado no Rio de
Janeiro, resolveu, de comum acordo, dar uma dimensão pictográfica aos
"PoeMitos da Parnaíba". Seus personagens, outrora figuras de carne e osso,
conhecidos tipos ou figuras populares de Parnaíba, se transformaram em
excelentes charges pelas mãos criativas e reveladoras dos melhores
atributos dos grandes chargistas. 
As 25 figuras ou tipos populares, recriadas poeticamente por
Elmar - e se diga a bem da verdade -, com o mesmo cuidado que o poeta
destinou aos chamados poemas sérios, com os seus processos de composição
centrados no trabalho da linguagem lírica e com os recursos de criatividade
já conhecidos dos seus principais exegetas, saltaram do espaço poético para
o desenho ilustrado, adquirindo ainda mais vida e complementando as
descrições físicas, morais e psicológicas pelas quais ficaram conhecidos na
crônica social da cidade de Parnaíba.
Acredito que, agora, elevadas à arte da charge, aquelas figuras
ou tipos, com suas peculiaridades diferenciadas, ora exóticas, ora
engraçadas, ora provocando o riso e a chacota, ora causando sentimento de
emoção poética e ternura, hão de ressignificar sua importância na crônica
viva do passado parnaibano.
É claro que algumas dessas figuras que combinavam traços
grotescos ou escatológicos e foram vítimas dos gaiatos da época certamente
o foram pelos excessos de traquinagens de crianças e adolescentes e até de
adultos brincalhões.
Por outro lado, há que levar em conta outras figuras dignas da consideração
e da admiração dos seus contemporâneos, seja pelo talento, seja pelas
qualidades morais, seja pela ingenuidade, pela insanidade, pelo quixotismo,
pela megalomania, enfim, pela multifária idiossincrasia de cada um. Nesses
poemitos texto e charge se complementam e se engrandecem artisticamente.
Os melhores poetas fizeram algum uso, a par de seus textos
chamados sérios, de assuntos elevados, nobre, também da poesia cômica,
burlesca, satírica, e até obscena., cujo exemplo maior na literatura
brasileira do Barroco começou com Gregório de Matos (1636-1695), com os
seus conhecidos poemas satíricos. Carlos Drummond de Andrade, poeta sisudo,
retraído, aparentemente bem comportado, da mesma sorte escreveu poemas
sensuais e mesmo eróticos.
O certo é que não podemos deixar de nos enternecer, com certas
figuras desses poemitos elmarcarvalhianos, com essas figuras encantadoras
como Alarico da Cunha, Mestre Ageu, Mário Reis, Zé bispo, Parassi, Cego
Bento, ou com tipos realmente engraçados e histriônicos como Maria das
Cabras, Marechal, Boa Idéia, Pacamão, ou tipicamente burlescas como
Simplição, Lobaia, Alain Delon, ou ainda patéticas como Jibóia, Derocy,
Hosana, Marechal.
Não é, contudo, somente a crua biografia da figura ou tipo popular
que, pela suas virtualidades cênico-cômicas, faz a grandeza do texto
poético. Falar com descontração, no registro oral, é uma coisa. Transformar
em síntese poética tais figuras ou tipos é tarefa difícil de composição
literária. Que formas de linguagem, que semântica expressiva, que dicção
adequada ao personagem resultariam eficazes em obras de arte poética? Só
muita experiência, talento e domínio da técnica do verso.
Da mesma sorte, ao artista da charge se exigem dotes especiais, de
atenção, de concentração, de perspicácia visual-anatômico-psicológica para
captação, no caso, pela via indireta, ou seja, pela linguagem literária,
dos traços certos do personagem desenhado em direção ao que física ou
moralmente é depreendido e transfundido pela desproporção das formas e pelo
exagero das pinceladas do artista. Traços certos que seguramente são o
reflexo da verdade do texto.
Penso que Gervásio Castro atingiu esse ponto de captação de cada
figura ou tipo por ele caricaturado, sem se falar aqui da forma erótica ou
mesmo obscena implícita, explícita ou no nível da ambiguidade pictórica,
cuja depreensão depende da perspectiva do olhar do observador do desenho,
tal como ocorre com as figuras de Maria das Cabras, Lobaia, Pacamão e
Simplição. Convém ponderar que nos poemitos nem sempre há charges, há
também caricatura, entendendo os dois processos artísticos de criação
pictográfica conforme a realidade físico-psico-moral da figura ou tipo
tratados pelo desenho.
Se a figura ou tipo configuram uma sátira pura ou humor, tem-se a
charge; se há apenas a intenção do desenho acentuando o lado humorístico
das gestualidades, dos "vícios e hábitos particulares em cada indivíduo",
tem-se a caricatura. Ambas as formas de ilustração não podem prescindir do
exagero e da intencional desproporção de traços.
É preciso que, ao olhar para a charge ou a caricatura, logo
venha, sem esforço, à mente a pessoa ali figurada. Não podemos, ademais,
levar ao extremo afirmando onde exatamente começa e termina a fronteira
entre a charge e a caricatura.
É pena que, numa simples Apresentação aos PoeMitos de Parnaíba
não tenhamos espaço para aprofundarmos a análise das duas linguagens que
ora se apresentam, juntas, no trabalho criativo do poeta e na destreza
genial dos traços do chargista parnaibano. Entretanto, dou uma sugestão em
mão dupla ao leitor: leia o texto de Elmar e, em seguida, faça a leitura
visual das charges procurando no intertexto pictórico a literariedade dos .
Use a outra mão, e veja o resultado produtivo do processo de leitura
inverso.
Rio de Janeiro, 05 de setembro de 2009

* O texto acima é reprodução da Apresentação (p. 7-13) do livro PoeMitos da
Parnaíba, de Elmar Carvalhoo. Teresina: Gráfica do Povo, 2009, 64 p.
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